A POSSIBILIDADE DE RESOLUÇÃO CONTRATUAL NOS CASOS DE ATRASO NA ENTREGA DO IMÓVEL ADQUIRIDO NA PLANTA O atraso na entrega das obras tem se tornado um dos assuntos mais tormentosos no direito imobiliário, o que passou a ocorrer após o boom imobiliário dado nos últimos anos no Brasil. Diante desse cenário, não tão novo assim, diversas demandas tem surgido nas ocasiões em que as sociedades empresárias que constroem e comercializam imóveis na planta, as incorporadoras, passam a descumprir o contrato de promessa de compra e venda, no específico tópico que fixa o prazo de entrega da obra. Tem se tornado prática comum na confecção dos contratos de promessa de compra e venda de imóveis na planta, que são elaborados exclusivamente pelas incorporadoras, sem qualquer discussão de cláusulas com o adquirente/consumidor, a presença de preceito de tolerância no atraso da obra em prazo de 180 (cento e oitenta) dias. Até o momento essa cláusula que somente beneficia as construtoras/incorporadoras vem sendo aceita pelos Tribunais. Atualmente o que vem ocorrendo é que as incorporadoras estão desrespeitando também a cláusula de tolerância de 180 dias, vindo a atrasar a entrega do imóvel em até 2 (dois) anos, o que acaba por onerar em demasia os consumidores, ainda que em alguns instrumentos contratuais exista a estipulação de multa por atraso, que em regra é fixada em valor igual a 0,5% do valor do imóvel, a ser pago mensalmente até a efetiva entrega, a título de multa moratória (por atraso). Como na prática os consumidores fazem financiamento com a construtora até a entrega do imóvel e após esta financiam o saldo devedor com o banco de sua preferência, ao atrasar a entrega, invariavelmente o saldo devedor que seria financiado com o banco passa a aumentar mês a mês e muitas vezes o consumidor tem seu financiamento negado em razão do valor atual a ser patrocinado. Diante disso surgem os seguintes questionamentos: (i) a cláusula de tolerância do atraso na entrega é abusiva? (ii) pode o consumidor resolver o contrato e reaver tudo que pagou, devidamente atualizado e corrigido? ________________________________________ Rua 33-A, Qd. 21, Lt. 73-A, n. 65, Setor Aeroporto/Lago das Rosas Goiânia/GO – CEP 74.070-180 Tel.: (62) 3432-3351 1 No tocante à abusividade da cláusula, importante destacar que não há maiores discussões acerca da existência clara de relação consumerista nesses casos, sendo, portanto, aplicável o Código de Defesa do Consumidor (Arts. 2° e 3° do CDC). Sendo assim, dispõe o Código de Defesa do Consumidor (CDC) que as cláusulas contratuais tidas como abusivas serão nulas de pleno direito, em razão da proteção ao consumidor, parte mais fraca na relação. O artigo 51, IV do CDC é claro ao dizer que as cláusulas que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada são abusivas. Portanto, o prazo de 180 dias estipulado para tolerância de atraso na entrega do imóvel não colocaria o consumidor em desvantagem exagerada? Por óbvio que sim, afinal, caso o consumidor passasse por qualquer dificuldade que fosse, e não pudesse efetuar os pagamentos mensais, a construtora jamais concederia o prazo de 180 dias para que o mesmo regularizasse sua situação. Os juros de mora incidem no dia seguinte ao prazo para pagamento da parcela e não raras são as ações de cobrança e até resolução contratual em virtude do atraso no pagamento de parcelas. Ora, se a parte mais forte na relação consumerista não aceita qualquer atraso por parte do consumidor no cumprimento de suas obrigações, porque esse, repita-se, mais fraco, deveria aceitar o prazo de tolerância de 180 dias? Por que as empresas não podem estabelecer um prazo de entrega correto? Por óbvio que o risco da atividade empresarial não pode ser transferido ao consumidor, cabendo às construtoras, com seu conhecimento do mercado, estabelecerem prazos razoáveis e corretos para entrega dos imóveis. Scavone Júnior1 compartilha do mesmo entendimento e defende que a cláusula é nula e abusiva, porém, como dito anteriormente, infelizmente nossos Tribunais entendem que não existe qualquer abusividade na cláusula que permite o atraso na entrega da obra e sequer consideram o atraso, dentro dos 180 dias, como razão para resolução contratual por culpa da construtora. 1 Scavone Junior. Direito Imobiliário – Teoria e prática. 7ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014. p.330. ________________________________________ Rua 33-A, Qd. 21, Lt. 73-A, n. 65, Setor Aeroporto/Lago das Rosas Goiânia/GO – CEP 74.070-180 Tel.: (62) 3432-3351 2 Já com relação ao atraso superior ao prazo estipulado em contrato (no máximo de 180 dias), os Tribunais já pacificaram o entendimento de que pode o consumidor requerer a resolução do contrato e a devolução TOTAL das quantias pagas, devidamente atualizadas, acrescidas das multas, ainda que estas não estejam previstas no contrato. O artigo 475 do Código Civil possibilita que nos casos em que a construtora atrasa a entrega do imóvel, portanto descumpre com o contrato, o consumidor pode requerer a resolução do contrato, sendo-lhe garantido além da devolução de todos os valores pagos, devidamente corrigidos, ainda o ressarcimento por eventuais perdas e danos ocorridas em virtude do inadimplemento contratual. Além disso, os consumidores podem requerer o pagamento da multa por mês de atraso, aquela que normalmente as construtoras e incorporadoras incluem nos contratos, nomeando-a como “aluguéis”. Importante esclarecer que mesmo que os consumidores não tenham alugado outro imóvel para aguardar a entrega do novo, as multas serão devidas a título de lucros cessantes, ou seja, em virtude do que o consumidor poderia ter auferido se o imóvel tivesse sido entregue na data correta. Os lucros cessantes não se confundem com a multa por descumprimento contratual, afinal aqueles visam punir a mora, o atraso no cumprimento do contrato, enquanto esta última visa punir o descumprimento do pacto em virtude do atraso na entrega do imóvel. Importante alertar que as construtoras/incorporadoras tem como prática a retenção de parte dos valores pagos nos casos de rescisão contratual, porém tal retenção somente será legal se o responsável por ela for exclusivamente o consumidor. Nos casos em que há atraso na entrega do imóvel e portanto descumprimento contratual por parte da construtora, não é possível qualquer retenção de valores em benefício desta. A sucinta explicação se deu em virtude das constantes consultas recebidas e tem como objetivo alertar os consumidores acerca das cláusulas abusivas em contratos de compra e venda de imóveis, em especial nas ocasiões de atraso na entrega das obras, quando passa a ser plenamente viável o pleito judicial para reaver tudo o que foi pago acrescido das multas por atraso e por descumprimento contratual. ________________________________________ Rua 33-A, Qd. 21, Lt. 73-A, n. 65, Setor Aeroporto/Lago das Rosas Goiânia/GO – CEP 74.070-180 Tel.: (62) 3432-3351 3