O Traidor
Por Willian Souza
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Suspirei enquanto encarava os grilhões que me acorrentavam ao chão, apertando minha carne e tirandolhe um filete de sangue. Rapidamente olhei a todos que ali estavam, aqueles que um dia chamei de colegas
de trabalho, um membro de alto escalão da ordem cuja presença me intrigava e o juiz que me encarava
seriamente, como se fosse me julgar culpado independente do que eu dissesse.
Era raro ver um Minotauro em terras humanas e ainda mais um como um juiz, me perguntei o que ele deveria
ter feito em vida para alcançar aquele posto e tentei deduzir sua idade. Seu pelo branco e os olhos que
demonstravam o peso da idade ainda que sem perder a força e a dureza me diziam que deveria estar beirando
seus dias finais.
- Sr. Jonas – falou o minotauro e sua voz era fraca, muito diferente do que eu esperava
– Perante esta corte e em nome de nosso amado rei Arborgast I e dos deuses nos quais deposita sua fé. Tu
juras dizer a verdade e somente a verdade?
-Juro.
-O senhor é acusado de traição e ter deixado seus companheiros no meio da batalha, culminando com uma
derrota vergonhosa. O que tem a dizer em sua defesa?
Virei o rosto lentamente para trás, a fim de tentar não ser indelicado e ofensivo. Aindaque de lado consegui
ver Matilda, bela como sempre. Um exemplo de mulher guerreira e uma grande líder. Me perguntei o que ela
deveria estar pensando vendo um de seus homens ali, mas a verdade era que ela nem deveria me conhecer.
- Em minha defesa, eu gostaria de relatar os reais acontecimentos daquela tarde, para que todos entendam
quem é que aqui deveria estar sendo julgado e se preparem para enfrentar o pior que esta por vir.
A corte ficou em silêncio e iniciei meu relato.
- Nossa patrulha estava em busca de batedores Orcos que pudessem estar instalados na região, preparandose para uma nova invasão após a perda de sua frota naval. Havia relatos de vilas destruídas por esses malditos
e precisávamos descobrir onde estavam e se possível qual seria o poder de seu exercito, caso de fato houvesse
um grupo por ali. Tínhamos em nossa disposição alguns dos melhores escoteiros metálicos de Drop’s e três
capas negras de Surano, totalizando comigo e nosso comandante vinte e quadro cabeças.
-Poupe-nos de detalhes triviais por gentileza – encarei o juiz, me perguntando se ele preferia ver minha cabeça
rolar a ouvir meu discurso. De certo me julgava uma perda de seu tempo.
- Nosso grupo buscou pelo inimigo sem sucesso até o cair da segunda noite. Quando nos deparamos com um
clarão enquanto buscávamos um local seguro para montar acampamento. Avançamos com cautela pela mata
fechada até encontrar o que restou do acampamento Orco e seus batedores.
Recordei de como fiquei contente naquele momento ao encontrar um grupo de trinta ou mais orcos mortos.
Nem me passou pela cabeça que teria sido o pior e último encontro de minha vida e senti um calafrio subindo
por minha espinha enquanto juntava o que restou de minha coragem para narrar os eventos que se seguiram
naquela noite.
Quando reiniciei meu discurso, foi como se todos a minha volta tivessem desaparecido e o tribunal desse lugar
a floresta no qual perdi meus companheiros e assinei minha sentençade morte. Senti novamente o cheiro
de madeira queimada que se misturava ao de sangue. Um odor forte e familiar aqueles que dedicavam suas
vidas a guerra. Mais calmo, guardei minha espada em sua bainha e caminhei pelo acampamento. Os corpos
estavam bem mutilados de forma selvagem. Aquele não era o trabalho de homens e muito menos de orcos.
- O que você acha que fez isso com eles? – perguntou um dos escoteiros, o mais jovem do grupo e alguém que
estava se tornando um grande amigo.
Philipe era aquele tipico rapaz animado que contagiava a todos com seu sorriso.
- Não sei – respondi chutando a barriga de um deles com meus pés. Nunca entendi por que os orcos esmeraldinos
eram ao mesmo tempo tão gordos e tão fortes.
Ouvimos o grito de um dos nossos e o que vimos a seguir foi o suficiente para fazer muitos homens entrarem
em desespero. Um dos capas negras teve sua perna abocanhada por um dos orcos mortos que a mastigava com
voracidade bestial. Outro dos escoteiros gritou enquanto um dos orcos agora de pé ainda que claramente morto
atravessava seu cranio com um machado de duas mãos.
Por puro instinto desviei das mãos do orco aos meus pés e puxei Philipe comigo. Não me lembro de te-la
pego, mas estava com minha espada em punhos. Philipe tremia vendo os orcos levantando-se. Um a um eles
nos cercaram e estávamos em desvantagem numérica e sem nenhuma Ensislux.Procurei nosso comandante e
quando o encontrei meus olhos não acreditavam no que viam. Ele estava um pouco distante de nosso grupo,
com dois orcos entre nós e ele. Em seu rosto havia um sorriso maquiavélico, como se estivesse esperando por
aquilo. Outro dos capas negras o alcançou de alguma forma, pedindo por ordens e o pobre coitado em sua
inocência, teve o ventre perfurado por uma adaga que jamais esperou.
Ele havia nos traído e nos conduzido direto para uma armadilha.
- Lutem seus malditos! Acabem com essas abominações! – meu grito despertou os demais e começamos a lutar
por nossas vidas. Ainda que lerdos eles eram oponentes formidáveis.
Chutei a barriga de meu oponente quando ele avançou, um orco grande e ridiculamente gordo de forma que
foi preciso colocar muita força em minha perna para joga-lo para trás. Aproveitei que ele perdeu o equilíbrio e
usei aquele momento para decepar sua cabeça. Por sorte recordei dos relatórios enviados pelo ilustre doutor
Valle Praga sobre como lidar com aquele tipo de abominação e desferi o golpe mais violento que meus músculos
permitiram.
Philipe gritou e quando me virei ele estava no chão com um orco sobre seu corpo, usando sua espada para tentar
afastar a boca do desgraçado e podia ver o sangue escorrendo de sua mão que segurava a lamina. Rapidamente
girei minha espada no ar e encontrei o pescoço do orco. Infelizmente minha espada ficou presa e ele não
retornou ao mundo dos mortos. Um segundo orco surgiu a minha esquerda com seu machado erguido. Peguei
a pistola que carregava comigo, um presente de meu pai e disparei desesperado, rezando para que a arma não
explodisse em minhas mãos. Por sorte, nada aconteceu e o tirou perfurou o meio de sua testa . Vi a criatura
tombar e Largando minha espada, peguei o machado do primeiro orco que matei, o qual usei para salvar Philipe
dando um fim a seu agressor.
- Obrigado! – ele falou ofegante e tremendo um pouco. Enfrentar orcos era uma coisa, eramos treinados para
aquilo. Enfrentar orcos mortos era outra historia.
- Nós temos que dar o fora daqui – segurei sua mão e o puxei enquanto observava o campo de batalha a nossa
volta. O caos reinava ali enquanto via meus colegas sendo mortos um a um. Vitimas do medo que não os deixava
lutar como deveriam – Eu vou encontrar aquele maldito e mata-lo!
E então fui trazido de novo a realidade.
- O Sr. afirma que foram traídos por seu próprio comandante? Que os guiou a uma armadilha?
- Sim.
- Poderia nos dizer o nome deste comandante que acusa de traição e de tamanha basflemia contra nosso amado
rei?
- Dorian.
Os que ali estavam se agitaram. Podia ouvir suas vozes erguendo-se de forma conturbada enquanto opinavam e
me chamavam de mentiroso. O minotauro teve trabalho para acalma-los e restabelecer a ordem.
- Matilda Olafson. Poderia por favor nos dar sua opinião sobre o caso? – Matilda se aproximou e ficou ao meu
lado. Sem me dar atenção, como se não existisse.
- Eu conheço o comandante Dorian, ele me serviu três vezes em batalha e devo dizer que uma delas foi
contra um exercito de mortos comandando por um necromante que na época acreditávamos ser Gaspar – ela
finalmente me dirigiu o olhar – Se existe um traidor, então é este homem aqui ajoelhado.
- Não! – gritei – Traga-o aqui, faça-o dizer sua versão e confessar seus crimes!
- Impossível, ele esta em uma missão.
- Então vocês vão perder mais de seus homens! Vocês precisam acreditar em mim!
- Calado traidor. Não aceito que um de meus homens tenha traído nossa causa – ela dirigiu sua atenção ao juiz
– Eu não tenho mais nada a dizer e devo voltar a meus afazeres, temos uma guerra a ganhar. Faça o que quiser
com este traidor e que ele sirva de exemplo. O que senti naquele momento foi indescritível. Eu admirava
aquela mulher e poderia dizer que ela havia sido um dos motivos que me fez servir a nossa causa. Agora eu
estava ouvindo aquelas duras palavras de sua boca e sendo condenado por ela como um traidor. Eu tremia
imaginando meu destino, mas tremia mais ainda pensando que eu morreria como um inocente que serviu até
o fim de sua vida enquanto o verdadeiro culpado estava em algum lugar, conduzindo suas próximas vitimas.
Me ergui abruptamente, o máximo quer as correntes permitiam e antes que pudesse falar, senti o golpe de
um cabo de espada em meu pescoço me jogando de volta ao chão. Cai tentando lutar contra a dor enquanto
escutava minha sentença ser proferida. Morte e imaginei que Philipe teria o mesmo destino em seu julgamento.
Perdi completamente as esperanças e fui acometido por uma sensação de completo vazio. Quase não senti
quando os guardas me seguraram e me arrastaram para fora do juri, conduzindo-me pelos extensos corredores
daquele lugar até os andares mais baixos e úmidos, que até então desconhecia.
Estranhei quando eles me levaram até uma pequena sala no qual havia apenas uma mesa, duas cadeiras velhas
e muito bolor. Um dos guardas me sentou e retirou os grilhões. Sentir meus pulsos livres novamente foi uma
das melhores coisas que me aconteceu naquele dia.
- Espere aqui – ele falou de forma autoritária e me deixou sozinho naquela sala, imaginando o que iria acontecer.
Alguns minutos depois a porta foi novamente aberta e o membro da ordem que estava no julgamento entrou.
Ele vestia as vestes clássicas da ordem e me lembrava muito o próprio Dr. Valle praga.
- Jonas certo?
- Sim.
- Com sede? Fome? Posso pedir algo para você se quiser.
- O que você quer comigo? Eu já disse tudo o que podia.
- Eu tenho certeza disso – sua voz era calma e ele falava de forma pausada – E acredito em você.
Aquilo me pegou de surpresa.
- Conheço um homem honesto que diz a verdade quando a morte o abraça. Ossos do oficio eu diria.
- Você vai me ajudar?
- Não.
Senti minha última esperança indo embora.
- Você quem irá me ajudar – ele fez uma pausa momentânea e calculada – Para todo os fins você esta morto.
Jonas o traidor foi executado. Bem vindo a ordem Thomas. E foi assim que me tornei quem era hoje. Thomas
membro da ordem, encarregado de fazer o que poucos teriam coragem e de buscar o homem que traiu nossa
causa e nosso amado rei após seu repentino desaparecimento.
E devo confessar que gostava daquilo.
FIM
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