Haydu, Verônica Bender. Regras e auto-regras. Tribuna do Vale do Paranapanema, Rolândia, nº 1222, p. 3, 30 de julho de 2006. Regras e auto-regras Mais uma vez peço desculpas ao leitor assíduo desta coluna, pois terei que repetir um pouco da história que venho contando, para poder contextualizar o tema que abordarei no texto de hoje. Trata-se do meu personagem fictício, que finalmente falou com a Maria, a garota pela qual está apaixonado e que terminou o namoro deles sem lhe dar uma explicação convincente. Para ter coragem de falar com ela, Mauro recorreu a um recurso que freqüentemente nos ajuda, quando a situação exige autocontrole. Mauro repetiu a regra, que ele formulou a partir dos conselhos que seu amigo, o Sr. Luiz, lhe deu. A regra que ele seguiu foi a de que ele deveria insistir, para que ela lhe contasse a verdade sobre os fatos, pois, caso contrário, ele continuaria sofrendo. A regra ajudou Mauro a se controlar, pois certamente ele não teria resistido à oferta de um beijo e à declaração de amor que Maria fez, quando ele perguntou por que ela o tratou com tanto desprezo. Uma regra é uma descrição que especifica as relações de um determinado comportamento com os eventos que o mantêm. Podemos identificar dois comportamentos envolvidos quando se analisa este conceito. Um é o de formular regras e o outro é o de seguir regras. O comportamento de formular regras é um comportamento verbal, isto é, comportamento que tem conseqüências mediadas por outras pessoas. Por exemplo, quando eu peço um copo d’água a alguém e ele me traz água, eu estou me comportando verbalmente. Eu obtive um copo d’água por intermédio de outra pessoa. Comportamentos como os de falar, gesticular e escrever são verbais. O comportamento de seguir regras pode, no entanto, ser verbal ou não-verbal. Se alguém me pedir uma caneta e eu entregar uma caneta a esta pessoa, eu estarei me comportando de forma não-verbal. Se alguém me perguntar que horas são e eu responder “meio dia”, eu estarei me comportando verbalmente. Pode-se entender melhor a diferença entre seguir regras e formular regras e o fato de serem comportamentos independentes, ao considerar a frase freqüentemente citada para se criticar alguém que não é coerente em relação ao que diz e ao que faz: “Faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço!”. Para explicar como as regras podem afetar o comportamento das pessoas, devo esclarecer, ainda, que existem diversos tipos de regras, sendo algumas formuladas pelos outros e algumas por nós mesmos. Por exemplo, as regras de trânsito, a moral, a ética, o Preceito Áureo do Evangelho (não faça aos outros, o que não desejas que façam a ti) e tantas outras regras, importantes para o viver em sociedade, são estabelecidas pela comunidade ao longo dos tempos. As regras que formulamos a partir de nossas experiências diárias são descrições que fazemos de como o mundo a nossa volta funciona. Por exemplo, se eu adquiro um telefone celular novo, eu posso descobrir as diversas funções que o mesmo tem, fazendo inúmeras tentativas (ou lendo o manual). Da próxima vez em que eu tiver que usar uma das funções do celular, eu não precisarei mais fazer diversas tentativas, posso simplesmente descrever silenciosamente ou não, como eu agi anteriormente e a partir esta descrição operar corretamente o aparelho. O meu comportamento torna-se mais ágil e eficaz quanto mais precisas forem as regras que construo a partir da minha vivência. As regras que eu formulo e que são usadas por mim para controlar a minha própria forma de agir, em um momento posterior, são denominadas auto-regras. Um outro aspecto, além do que eu acabei de expor, que torna as auto-regras importantes, é o fato de que ao descrever como as minhas ações afetam as coisas e as pessoas à minha volta, e de como estas mudanças, que produzi no ambiente, retroagem sobre o meu próprio comportamento, eu adquiro autoconhecimento. O autoconhecimento é fundamental para o autocontrole, pois, quando uma pessoa é capaz de descrever como ela reage diante das diversas alternativas de ação e de descrever a forma como ela é afetada pelos eventos que a cercam, ela tem condições de estabelecer regras para se autocontrolar. Um aspecto, que quero destacar, é o de que seguir regras não consiste em ser alguém submisso ou dominado por outras pessoas. Apresentar comportamento governado por regras é uma das grandes diferenças evolutivas do homem em relação às demais espécies animais, pois, se não fossem as regras, teríamos um custo muito mais alto para nos comportarmos de modo eficaz no mundo a nossa volta. As regras permitem, por exemplo, que possamos realizar uma tarefa por instrução, sem termos que descobrir sozinhos como fazer algo. As regras permitem transmitir conhecimento ao longo de gerações, levando à evolução da cultura de um povo. Além disso, conforme acabei de descrever, as regras são essenciais para o autocontrole. Mauro foi capaz de se autocontrolar, porque seguiu uma regra que especificava o que ele devia fazer naquela situação e quais eram as conseqüências que o não seguimento da regra acarretariam. Apesar de Mauro não estar feliz com o que estava acontecendo, ele sentiu-se muito bem, quando foi capaz de dizer à Maria que ela deveria ter insistido em dizer que o relacionamento deles foi só uma brincadeira para ela, diante do que ela expôs ao ser interrogada. Uma das conseqüências importantes para a manutenção do nosso comportamento é o fato de sermos capazes de controlar o nosso ambiente e o nosso próprio comportamento. O autocontrole nos dá uma forte sensação de satisfação e prazer. Você pode acessar os www.uel.br/pessoal/haydu. textos anteriores desta Verônica Bender Haydu Professora da Universidade Estadual de Londrina Doutora em Psicologia pela Universidade de São Paulo coluna, no meu site pessoal: