INVERSOR DE FREQUÊNCIA EM SISTEMAS DE BOMBEAMENTO
Wlamir Rodrigues1; Edevar Luvizotto Júnior2
(1) – Coordenador de Operação de Redes da Sanasa – Campinas, Mestre em Engenharia
Civil, Doutorando da Faculdade de Engenharia Civil da Unicamp, trabalha há 15 anos
na empresa de Saneamento de Campinas, sendo os seis últimos anos dedicados a
Operação do Sistema de Distribuição de Água da Cidade.
(2) – Professor Assistente da Faculdade de Engenharia Civil da Unicamp, Doutor em
Engenharia Civil, Chefe do Departamento de Recursos Hídricos, desenvolve
atualmente pesquisas nas áreas de simulação e operação de sistemas de abastecimento,
com ênfase ao controle e gestão operacional de sistemas públicos de abastecimento de
água e análise de fenômenos oscilatórios em instalações a condutos forçados.
RESUMO
A operação dos sistemas públicos de abastecimento de água sempre mereceu atenção
especial, por tratar-se de serviço essencial complexo. O crescimento desordenado dos grandes
centros urbanos é apontado como o principal responsável pela complexidade operacional
mencionada, obrigando as companhias de saneamento a incrementarem seus sistemas a fim de
atender a todas as condições e demandas impostas pelas distâncias e topografias adversas.
Nesse sentido, sistemas de bombeamento são implementados à malha operacional tendo
como objetivo o pleno atendimento dos mais longínquos pontos de consumo com pressão e
vazão adequadas. A otimização operacional destes sistemas de bombeamento nem sempre foi
a principal preocupação, talvez pelo fato do custo da energia elétrica receber forte subsídio.
Com a retirada gradativa desse subsídio a palavra de ordem foi a racionalização no uso da
energia elétrica, evidenciada ainda mais nos dias atuais com o advento do “Apagão”.
Neste contexto, inversores de freqüência incrementados aos sistemas de bombeamento
com a função de manter a operação em níveis necessários ao pleno atendimento das
demandas, podem evitar desperdícios ao proporcionar um melhor controle operacional. No
presente artigo, avalia-se o sistema de bombeamento do Centro de Reservação e Distribuição
(CRD) São Bernardo da SANASA-Campinas, que teve a partir de meados de 2.002 a
implantação de um inversor de freqüência, analisando as mudanças operacionais, os ganhos
com a inserção deste dispositivo e, questionando em até que ponto este investimento tem
resultado significativo na economia de energia elétrica.
INTRODUÇÃO
O crescimento desordenado dos grandes centros urbanos é apontando como um grande
problema a ser vencido pelos sistemas de abastecimentos de água. As empresas de
saneamento vêm lançando mão de diversos expedientes objetivando atender às demandas
diversas com pressões adequadas. Neste sentido, as estações de bombeamento e os “boosters”
têm sido utilizados em larga escala para manter o sistema de distribuição de água dentro de
níveis de pressão e vazão compatíveis às necessidades.
Por outro lado, a ausência de investimentos no setor energético, nos últimos anos, levou
este sistema ao colapso, resultando entre outras medidas na elevação do custo da energia
elétrica, que era fortemente subsidiada nas décadas de 60 e 70 para as empresas de
saneamento, sofrendo a partir dos anos 90 uma redução gradativa desse subsídio até 15%,
Tsutiya (2.001). O colapso do setor energético atingiu seu ponto crítico em 2.001 com o
advento do racionamento. Diante desse panorama, a palavra de ordem na atualidade tem sido
o uso racional da energia elétrica, que se soma ao combate ao desperdício e a perda física de
água, ao cotidiano das empresas de saneamento.
Em condições tão desfavoráveis, os inversores de freqüência nunca foram tão
importantes como agora, com missão de racionalizar o uso da energia elétrica sem afetar a
operação do sistema de abastecimento.
VARIAÇÃO DE ROTAÇÃO DE BOMBAS POR INVERSOR DE FREQUÊNCIA
Os inversores de freqüência são equipamentos eletrônicos acoplados aos conjuntos
motor-bombas, cuja função é o controle da velocidade de rotação dos motores elétricos a
corrente alternada (AC). Com a alteração da rotação, observada as leis de semelhança física
das máquinas hidráulicas rotativas, equações 1 a 4, as curvas de funcionamento da bomba
(altura manométrica x vazão, etc) são alteradas, mudando assim o ponto de operação do
sistema (Figura 1).
Q1 Q2
=
N1 N 2
H1
N1
2
=
H2
N2
2
Relação vazão x rotação
(1)
Relação carga x rotação
(2)
P1
N1
3
T1
N1
2
=
=
P2
N2
3
Relação potência x rotação
(3)
2
Relação torque x rotação
(4)
T2
N2
Existem dois tipos de inversores de freqüência disponíveis no mercado: o escalar e o
vetorial. A diferença entre inversor escalar e vetorial está basicamente na curva torque x
rotação. No inversor escalar, por ser uma função de V/F (tensão/freqüência), este não oferece
altos torques em baixas rotações, pois o torque é função direta da corrente de alimentação. A
curva V/F pode ser parametrizada no inversor escalar. O inversor vetorial não possui uma
curva parametrizada, na verdade essa curva varia de acordo com a solicitação de torque,
portanto este possui circuitos que variam a tensão e a freqüência do motor, através do controle
das correntes de magnetização (IM) e do rotor (IR). O inversor vetorial é indicado para torque
elevado com baixa rotação, controle preciso de velocidade e torque regulável. Já o escalar é
indicado para partidas suaves, operação acima da velocidade nominal do motor e operação
com constantes reversões.
Conforme Capelli (2.001 e 2.002), a função de um inversor de freqüência não se limita a
controlar a velocidade de um motor AC. Ele precisa manter o torque constante para que não
haja alteração na rotação. Também segundo Capelli (2.002), os inversores são classificados
em quatro blocos (Figura 2):
•
1º bloco – CPU (unidade central de processamento) é formada por um
microprocessador ou um CLP. Neste bloco todos os parâmetros e dados do sistema
são armazenados. Executa ainda funções vitais como: geração de pulsos de disparos
dos IGBT’s, que nada mais são que transistores que fazem a conexão do circuito,
alterando o sentido da corrente que circula no motor;
•
2º bloco – IHM (interface homem máquina). Esse dispositivo permite visualizar
de forma o inversor está parametrizado e se necessário ser alterado;
•
3º bloco – Interfaces. O comando pode ser analógico ou digital. Normalmente para
controle da velocidade de rotação utiliza-se tensão analógica (situada entre 0 e 10
Vcc), sendo que essa velocidade será proporcional ao seu valor;
•
4º bloco – Etapa de Potência. É constituída por um circuito retificador que
alimenta através de um barramento de corrente contínua (DC), o módulo IGBT.
O inversor também altera a tensão oriunda do barramento DC através da modulação por
largura de pulso (PWM). Quando a tensão tem que aumentar, os pulsos são alargados, quando
precisa diminuir, os pulsos são estreitados.
Para exemplificar o controle exercido pela variação da rotação sobre as características
do bombeamento, com base nas leis de semelhança fornecidas anteriormente, seja a curva
carga x vazão (H x Q), para a rotação nominal (ou de referência NR), dada por um ajuste
polinomial de segunda ordem da curva do fabricante:
H = a + bQ + cQ 2
Curva carga x vazão para a rotação nominal NR
(5)
a curva carga x vazão para uma rotação qualquer N, poderá ser escrita com base nas equações
1 a 5 como:
 N
H = 
 NR
2

 N
 a + b

 NR

Q + cQ 2 Curva carga x vazão para rotação N qualquer (6)

sendo, a, b e c coeficientes de ajuste da curva. A dependência da rotação N com a freqüência
f dada pela relação:
N=
120 f
P
(7)
onde P é o numero de pólos do motor AC. Tomando a rotação nominal para a freqüência de
60 Hz, então a equação 6 pode ser posta na dependência da freqüência como:
2
 f 
 f 
H =   a + b Q + cQ 2
 60 
 60 
(8)
As demais curvas características da bomba, como as curvas de torque e de potência, podem
ser obtidas de forma análoga a apresentada para a curva de carga, no caso particular da
potência:
3
2
 f 
 f 
P =   c + d   Q + eQ 2
 60 
 60 
(9)
com c, d e e, coeficientes de ajuste da curva de potência.
Como descrito anteriormente, no caso do inversor escalar é mantida a relação V/F,
assim para os valores nominais de tensão de 240 V, na freqüência de 60 Hz, V/F = 4, podendo
ser construído o gráfico tensão de alimentação x freqüência. (Figura 3) e, observar sua relação
direta com as equações (8) e (9). Cabe observar que para valores de freqüência superiores a
60 Hz (bomba trabalhando acima de sua rotação nominal), a relação V/F não se mantém
constante, assim, como torque é função da corrente de alimentação, assim ao abaixá-la,
devido a redução da relação tensão/freqüência, o torque cai, podendo produzir sobressaltos no
motor.
O CRD SÃO BERNARDO
O Centro de Reservação e Distribuição (CRD) São Bernardo é uma unidade composta
dos elementos abaixo relacionados conforme mostra a Figura 4:
•
2 Reservatórios Semi Enterrados com capacidade de 6.000 m3 cada um,
responsáveis pelo abastecimento das zonas baixas do setor de abrangência, adução
de água a três Sub-Adutoras, tendo uma delas além da função de distribuição direta
fora dos limites do São Bernardo, a adução de água ao CRD ETA-DIC como
alternativa operacional, e finalmente alimentação ao sistema de bombeamento;
•
1 Reservatório Elevado com capacidade de 300 m3 alimentado através de um
sistema de bombeamento composto por 2 conjuntos motor-bomba, marca SulzerWeise com 30 CV de potência cada um deles.
A zona alta do São Bernardo atende exclusivamente a 4585 ligações divididas entre
consumidores residenciais, comerciais, industriais, públicos e especiais, correspondendo a
uma população estimada de 19.000 habitantes.
Este CRD operou até meados de 2.002 na forma convencional, ou seja, com operadores
fixos no local divididos em 3 turnos de trabalho de 8 horas cada, 7 dias por semana,
comandados através do Centro de Controle Operacional (CCO) da Sanasa, que recebia dados
on-line via LP através de transmissores de níveis, vazão e pressão instalados no local, e
solicitava ações dos operadores via rádio ou telefone conforme a necessidade.
A partir de Julho de 2.002, com a implantação de inversores de freqüência, a operação
total passou a ser feita pelo CCO à distância via LP, sem a necessidade de operadores fixos no
CRD. Válvulas de Controle Automáticas foram instaladas para permitir o controle da vazão
de entrada enquanto que os inversores de freqüência acionam e param os conjuntos motobomba conforme uma lógica operacional preestabelecida. Eventualmente, outras manobras
operacionais em válvulas sem dispositivo de acionamento à distância, são executadas no local
por uma equipe volante a comando do CCO.
O contrato de fornecimento de energia elétrica deste CRD é o convencional, com tensão
de 220 volts, ou seja, sem demanda contratada, recebendo classificação de “Serviço Público
Água, Esgoto e Saneamento”.
DADOS OPERACIONAIS – Para análise
Para o desenvolvimento do trabalho foram avaliados dois períodos distintos antes e
depois da implementação de inversores de freqüência neste local. A fim de manter as
características sazonais e um período de máxima exigência do sistema, foi escolhido o mês de
Janeiro dos anos de 2.002 e 2.003, para os quais foram levantados todos os dados
correspondentes ao CRD.
Em face da grande quantidade de dados, foram analisados neste trabalho somente um
dia típico de sexta-feira, com características semelhantes para estes anos.
Os dados selecionados para o estudo foram (Figura 4):
•
Corrente nas Bombas 1 e 2 (A) (Sensores R02304A_IT e R02304B_IT);
•
Tensão Geral (V) (Sensor R02304_ET);
•
Pressões (m.c.a.) na Sucção, no Recalque e no Elevado (Sensores R02304A_PIT,
R02304B_PIT, R02303C_LIT);
•
Vazão de Recalque (l/s) (Sensor R02303_FIT);
•
Volume do Reservatório Elevado (m3) (Sensor R02303B_LIT).
Para facilitar a análise dos dados foram construídos diversos gráficos representativos
das situações operacionais em 2002 (sem inversor) e 2003 (com inversor) para os dias típicos
selecionados. Os gráficos das Figuras 5 e 6 ilustram a potência consumida no período em
estudo, e os demais gráficos (Figuras 7 à 9), referentes a pressão de recalque, vazão recalcada
e a variação do volume do reservatório elevado, refletem as diferenças na rotina operacional,
com e sem operador local.
CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES
As análises apresentadas neste trabalho mostraram os benefícios da implantação dos
inversores de freqüência no CRD São Bernardo, no que se refere a confiabilidade operacional
(evitando esgotamentos e transbordamentos do elevado), assim como os reflexos de natureza
econômica, ilustrado pela significativa redução no consumo de energia elétrica (Figura 5).
Este gráfico, representativo das potências consumidas acumuladas, mostra que houve uma
redução na potência consumida, fato que refletiu em uma redução de cerca de 8.000 KW no
consumo de energia do CRD, entre os meses de janeiro correspondentes (31.401 KW em
janeiro de 2002, contra 23.416 KW em 2003).
Figura 1 - Curva de Funcionamento da Bomba para Diferentes Rotações
Figura 2 - Diagrama de Blocos de um Inversor de Freqüência. Fonte: Capelli 2.002
Curva Tensão x Frequência
260
240
220
200
Tensão (V)
180
160
140
120
100
80
60
40
Curva V/F
20
0
0
10
20
30
40
50
60
Frequência (Hz)
Figura 3 - Curva de Tensão Freqüência
Figura 4 -
Centro de Reservação e Distribuição (CRD) São Bernardo
70
Potência Consumida Acumulada (2.002 x 2.003)
20000
15000
10000
5000
2003
2002
0
0:00:00
2:24:00
4:48:00
7:12:00
9:36:00
12:00:00
14:24:00
16:48:00
19:12:00
21:36:00
Tempo (h)
Figura 5 -
Potência Consumida Acumulada no Dia Típico (2.002 x 2.003)
Potência Consumida dia típico (2002 x 2003)
1200
1000
KW
800
600
400
Potência consumida 2003
Potência Consumida 2002
200
0
0:01
2:01
4:01
6:01
8:01
10:01
12:01
14:01
16:01
18:03
20:23
22:23
Tempo
Figura 6 - Gráfico da Potência Consumida no Dia Típico (2.002 x 2.003)
Vazão recalcada dia típico (2002x2003)
120
100
80
l/s
Potência Consumida (KW)
25000
60
40
dad0s 2003
dados 2002
20
0
0:00
4:00
8:00
12:00
16:00
20:00
Tempo
Figura 7 - Gráfico da Vazão Recalcada no Dia Típico (2.002 x 2.003)
0:00
0:00:00
Pressão no recalque dia típico (2002x2003)
35
30
25
m.c.a
20
15
10
pressão recalque 2003
pressão recalque 2002
5
0
0:00
4:00
8:00
12:00
16:00
20:00
0:00
Tempo
Figura 8 - Gráfico da Pressão na Saída do Recalque no Dia Típico (2.002 x 2.003)
Volume no elevado dia típico (2002-2003)
300
250
m3
200
150
100
50
Volume do elevado - 2003
Volume do elevado - 2002
0
4:00
8:00
12:00
16:00
20:00
0:00
tempo
Figura 9 - Gráfico do Volume do Reservatório Elevado no Dia Típico (2.002 x 2.003)
Outra constatação é que o uso do inversor produziu um melhor aproveitamento do
reservatório elevado. No caso sem inversor este reservatório ficou esgotado por um período
de quase 4 horas (Figura 9).
Mesmo não existindo nenhum estudo mais aprofundado visando uma melhor utilização
do inversor (com a bomba trabalhando sempre nos pontos de melhor rendimento) a redução
no consumo de energia foi significativa, mas os estudos que se iniciam visam à busca das
rotações ótimas para o atendimento de múltiplos objetivos.
AGRADECIMENTO
Os autores agradecem a contribuição do Srs. Alexandre Roberto Granito e Ari Pratti,
profissionais da área de informática pelos dados digitais, e ao Engº Edval Guimarães Pedro da
área de planejamento pelos dados estatísticos do CRD São Bernardo.
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