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Revendo Ciências Básicas
O objetivo desta subseção é apresentar revisões concisas
sobre temas relacionados com as ciências básicas, ou seja,
procurar rever as bases da prática médica. A justificativa para
a inclusão de tópicos dessa natureza relaciona-se com os
significativos progressos dessas ciências nas últimas décadas
e à necessidade absoluta de atualização por parte da equipe de
saúde, para o benefício dos pacientes.
Magda M. S. Carneiro-Sampaio
Editora Associada da einstein
Medicina genômica e prática clínica
Carlos Alberto Moreira-Filho1, Oswaldo Keith
Okamoto2
1
2
Doutor em Genética Médica. Diretor Superintendente do Instituto de Ensino e Pesquisa Albert
Einstein - São Paulo (SP). Professor do Departamento de Imunologia do Instituto de Ciências
Biomédicas da Universidade de São Paulo (SP).
Doutor em Bioquímica e Biologia Molecular. Coordenador do Centro de Pesquisa Experimental do
Instituto de Ensino e Pesquisa Albert Einstein de São Paulo (SP).
O termo “medicina genômica” já aparece com
regularidade nas principais revistas médicas do mundo.
A genômica é um ramo da genética que estuda a
natureza física e o funcionamento do material genético
contido no conjunto de cromossomos de cada
espécie(1). Avanços nas tecnologias de seqüenciamento
e análise computacional do DNA permitiram
determinar a posição cromossômica e a seqüência de
bases dos genes de diversas espécies, incluindo a
humana. Esse conhecimento, chamado genômica
estrutural, facilitou enormemente a detecção de
mutações nos genes humanos, as quais são as causas
primárias de diversas doenças.
Mais recentemente, tornou-se possível analisar como
os genes se expressam, ou são silenciados, nos
diferentes tecidos, ou num tumor e no tecido normal
adjacente. Esse é o campo da genômica funcional. O
próximo passo, que já está sendo dado, é a proteômica:
entender como as proteínas, codificadas pelos genes,
são geradas, modificadas e interagem no ambiente
intracelular. Mas qual o real impacto que a ciência
genômica terá na prática clínica?
As aplicações da genômica em medicina
Uma das primeiras utilizações práticas dos avanços
em genômica foi o desenvolvimento de testes para
detecção de mutações gênicas que conferem alta
suscetibilidade a determinadas doenças. Um bom
exemplo são as mutações nos genes BRCA1 e BRCA2,
que determinam as variantes hereditárias dos cânceres
de mama e ovário(2). Portadoras dessas mutações têm
risco de 60-85% de desenvolver carcinoma mamário, e
de 20-65% de desenvolver câncer de ovário, até os 70
anos de idade.
Mutações em BRCA2 também aumentam o risco
de câncer de mama em homens. O teste genético
(disponível no Depto de Oncologia do HIAE) permite:
1) diagnóstico dos casos hereditários e aconselhamento
genético dos familiares do paciente; 2) oferta de
alternativas profiláticas (cirurgia ou quimioprevenção)
aos portadores de mutação.
Outras aplicações importantes advêm da
identificação de genes que codificam proteínas ativas
em diversos processos metabólicos, permitindo que
novas drogas sejam desenvolvidas com base na
clonagem desses genes e da produção da proteína em
larga escala. Nessa busca tem papel relevante a genômica funcional, com os chamados “chips de DNA”, que
mensuram simultaneamente o nível de expressão de
milhares de genes num único ensaio.
Isso permite, por exemplo, identificar o funcionamento
diferencial dos genes em resposta a uma droga ou no
processo de transformação neoplásica(3). Essa tecnologia é
complementada pela farmacogenômica, onde se catalogam
diferenças genéticas entre os indivíduos que condicionam
diferentes padrões de resposta aos medicamentos.
Aplicações nesta linha dependem de investimentos
em pesquisa, como o Projeto Genoma Clínico do
Câncer, que visa desenvolver novas formas de
diagnóstico e tratamento do câncer a partir do estudo
de genes expressos. O IEP Albert Einstein é uma das
Instituições participantes desse projeto financiado pela
Fundação de Amparo à Pesquisa no Estado de São
Paulo (Fapesp) e pelo Instituto Ludwig de Pesquisas
sobre o Câncer, centrado no estudo molecular de
quatro tipos de manifestação do câncer: as doenças
linfoproliferativas, tumores gastrointestinais, tumores
neurológicos e de cabeça e pescoço.
O Centro de Pesquisa Experimental do IEP Albert
Einstein é responsável pela coordenação dos estudos
de genômica funcional, com o objetivo de analisar a
expressão gênica em células neoplásicas para identificar
genes que sejam relevantes ao diagnóstico, prognóstico,
definição de subtipos, predição de resposta às
diferentes abordagens terapêuticas ou que possam
representar alvo para desenvolvimento de novas drogas.
einstein. 2004; 2(3):235
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O dilema dos SNPs
Um problema ainda em vias de solução é justamente o
significado das pequenas diferenças entre os genomas
de cada ser humano, conhecidas como polimorfismos.
O genoma dos indivíduos não aparentados difere em
cerca de 0,1% na seqüência de DNA.
A maior parte dessas diferenças consiste na
substituição de uma única base num trecho do DNA,
o que se conhece como SNP (do inglês Single Nucleotide
Polymorphism). São conhecidos cerca de seis milhões
de SNPs humanos, mas a associação dessas diferenças
com suscetibilidade ou proteção a doenças, ou
diferenças de resposta a medicamentos, ainda depende
de maiores e melhores estudos familiais e populacionais(4). Em contrapartida, alguns SNPs aparecem
associados a diferentes patologias, como os do gene
APOE, envolvidos em doenças cardiovasculares e
neurodegenerativas.
Futuramente, a tendência é que este tipo de análise
molecular, baseada na expressão de genes marcadores
ou em polimorfismos, venha a ser incorporada nos
procedimentos rotineiros para a escolha de alternativas
terapêuticas mais adequadas a cada caso, aumentando
assim a eficácia dos tratamentos em doenças complexas
variadas.
einstein. 2004; 2(3):236
Não apenas genes
Esse era o alerta da revista Science em seu número
especial de 26 de abril de 2002, dedicado ao que os
editores chamaram “o enigma das doenças complexas”.
De fato, as doenças mais comuns, como câncer, doenças
cardiovasculares, diabetes e doenças psiquiátricas, são
“complexas” por surgirem da interação de fatores
genéticos, ambientais e comportamentais.
O desafio nessas doenças é identificar a magnitude
de cada fator de risco, tendo em vista o desenvolvimento de estratégias efetivas de diagnóstico, prevenção
e tratamento. Para que se atinjam esses objetivos, é
imperativo que a pesquisa genética seja articulada com
a pesquisa clínica e epidemiológica.
Referências
1. Lee PS, Lee KH. Genomic analysis. Current Opin Biotechnol. 2000;11(2):171-5.
2. Simon SD, Molina AL, Moreira-Filho CA. Aspectos genéticos dos cânceres de
mama e ovário. In: Sociedade Brasileira de Clínica Médica. Clínica Médica:
Oncologia Clínica. São Paulo, Medsi; 2002. v.2. p 539-600.
3. Ramaswamy S, Golub TR. DNA microarrays in clinical oncology. J Clin Oncol.
2002;20(7):1932-41.
4. Colhoun H, McKeige PM, Smith GD. Problems of reporting genetic associations
with complex outcomes. Lancet. 2003;361(9360):865-72.
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EMC Einstein 3.P65