FILOSOFIA TAOISTA, MTC E O “CHI”:
Compreensão do vínculo social da emoção-doença
Cícero José Alves Soares Neto/UFU
Sumário
1.Filosofia Taoísta: princípios
1.1. Teoria dos cinco elementos:
1.1.1 Polaridade: Yin e Yang
1.1.2 Paradigma do “chi”: o fundamento energético
1.2 Medicina Tradicional Chinesa: fisiologia energética do “chi”
1.2.1 Arquitetura conceitual: composição e distinção
1.2.1 Emoções: relações tóxicas
1.3 Sistemas energéticos: meridianos X centros energéticos (chakras)
1.3.1 Escola japonesa (“KI”): Reiki
1.3.2 Escola chinesa (“Chi”): Tai Chi Chuan, Chi Kon
1.3.3 Escola hindu (“Prana”): Pranayama
1.4 Ocidentalização: energia vital (análise reichiana)
2.Abordagem psico-fisiológica: emoção-lesão
2.1 Resgate histórico: escuta desprezada
2.2 Inserção da tecnologia: intervenção técnica
2.3. Vínculo emoção-lesão: registro somático
3.Abordagem holística: a dominação social e a rede de vínculos
3.1 INCA:diagnóstico técnico nas relações de trabalho
3.1.1 Registros do ato de adoecer: categorias em destaque
3.2 Arquitetura holística: a rede de vínculos
3.3 Contribuição interpretativa com o “chi”: foco distinto
3.4 “Papel de bode expiatório”: linguagem corporal
3.5 Estratégia da dominação social: registro somático
Conclusão
Referências
Introdução
A preocupação atual da nossa reflexão acadêmica reside em identificar a
origem social das doenças, em geral, e do câncer, em particular. Neste
momento do trajeto da evolução reflexiva, a abordagem foca na articulação
conceitual entre a filosofia taoísta, a medicina tradicional chinesa (MTC) e o
paradigma do “chi”, como uma conexão teórica para fundamentar a
compreensão da origem social das doenças, numa dimensão essencialmente
desvinculada da concepção hegemônica vigente e fundamentada no modelo
biologizante. Deste modo, a intenção desta análise é apresentar o conceito
paradigmático fundamental para o desenvolvimento empírico da proposta de
investigação. Portanto, nesta reflexão, o investimento analítico recairá na
articulação conceitual do “chi”, com base nos fundamentos da filosofia taoísta e
nas diretrizes da medicina tradicional chinesa. Assim, sinalizar para a
identificação social da origem dos registros somáticos que os mecanismos
humanos se valem para registrar o sofrimento humano oriundo dos conflitos
sociais, mediados pelas emoções.
Ao ingressar na carreira docente no sistema educacional superior, em 1985, na
Universidade Federal de Uberlândia1, a proposta de trabalho apresentada,
implantada e desenvolvida na instituição foi ousadíssima para a época: por
intermédio de dois instrumentos de avaliação, o projeto de pesquisa e a
monografia, provocou-se uma mudança de paradigma na comunidade
universitária local, principalmente na realidade dos cursos de Ciências
Humanas e Sociais Aplicadas. Assim, o processo de trabalho avaliativo
pioneiro substituía o sistema de avaliação de provas, recurso dominante no
sistema institucional local, por novos recursos vinculados ao sistema de
produção de conhecimento. A inovação avaliativa retirou da zona de conforto
os dois segmentos envolvidos com o ensino acadêmico na instituição local: os
discentes e os docentes. A proposta de trabalho da produção monográfica
produziu uma cultura de resistência que se consubstanciou numa aliança
conservadora para impedir e bloquear a ideia inovadora. E um indicador
1
Atualmente, professor associado vinculado em todo o período com a disciplina metodológica da
pesquisa social.
2
significativo para a tentativa de desestabilização da implantação metodológica
foi à transferência quase anual do docente nos cursos de graduação do Centro
de Ciências Humanas e Artes (CEHAR), como mecanismo de bloquear o
sistema de avaliação monográfico. No período de 1985 a 1993 (oito anos),
ocorreu a mudança do docente em oito cursos: Artes Plásticas, Administração
de Empresas, Ciências Contábeis, Música, Decoração, Psicologia, Letras e
Economia. Objetivava-se, por intermédio do movimento de resistência a
proposta metodológica, criar uma desestabilização de construção do processo
de conhecimento. A lógica dominante da época pedia apenas uma reprodução
de conhecimento. Nada além do papel de reprodutor de conhecimento. Neste
cenário, altamente desfavorável e resistente à mudança, identificou-se,
dialeticamente, a construção de um “laboratório vocacional” oriundo do
segmento discente no processo da produção monográfica: a dificuldade da
escolha do assunto para a pesquisa de investigação e, então, ocorria à
instalação de uma crise existencial profundamente vinculada ao significado da
carreira profissional em formação no curso de graduação no sistema
universitário. Na estrutura do projeto de pesquisa, a escolha do tema
provocava um conflito, profundamente enraizado na história de vida do
discente, no processo de escolha do tema de estudo da monografia. O
desencadeamento da decisão de escolher algo trouxe toda uma educação que
camuflou a autonomia e independência e que, agora, naquele momento, existia
a necessidade de escolher algo para investigar. No momento atual (2012), os
meios televisivos de comunicação divulgam, periodicamente, a cultura da
compra e venda da monografia, como recurso do segmento discente em burlar
o sistema de avaliação universitário. Torna-se, culturalmente, reprovável, nos
dias atuais, o recurso adotado por alguns discentes de aquisição da monografia
por meios ilícitos para a aprovação final na graduação. Naquela época, não
existia tal procedimento de compra e venda, pois ninguém se preocupava com
a proposta, pois nem existia ainda o mercado de venda e compra da
monografia. Este mecanismo ilícito da produção monográfica tornou-se o
mecanismo de driblar o sistema educacional universitário, conforme os meios
de comunicação divulgam, na realidade atual.
3
A proposta de trabalho da produção monográfica estimulava o desenvolvimento
dos mecanismos de auto-sabotagem dos discentes de uma forma tão vinculada
que, a partir daí, produziu no docente uma conscientização para a origem
social do ato de adoecer como vinculado aos recursos internos de bloquear a
ideia da produção acadêmica. Em função deste conflito oriundo de uma
proposta de trabalho no sistema de ensino superior, o analista social foi
despertado para a temática da linguagem corporal como fonte de registro dos
conflitos emocionais, pois ocorreu a instalação do processo de auto-sabotagem
para se evitar o desenvolvimento pessoal do discente. Portanto, “o laboratório
educacional-vivencial”, por intermédio dos mecanismos de auto sabotagem,
provocou o “olhar clínico” do analista social que busca, então, apreender a
percepção do conflito interno que se projeta no registro corporal, manifestando
as emoções do sofrimento humano na mensagem somática da dor existencial.
A pressão social da aliança da cultura de resistência dos segmentos discentes
e discentes para evitar a produção monográfica produziu, dialeticamente, um
alerta de conscientização do processo da origem social do ato de adoecer. O
mecanismo de auto-sabotagem decodificou e traduziu para o analista social
uma sinalização da origem do registro somático do sofrimento da dor humana.
Deste modo, a motivação deste processo de investigação tomou contornos
indescritíveis que se transformaram na nova “paixão” temática do pesquisador,
com certeza; pois é o sentido atual em pesquisar temáticas tão intrigantes
oriundas da medicina tradicional chinesa e a filosofia taoísta, como
fundamentos do paradigma do “chi”.
Nas últimas décadas do Século XX, os pesquisadores sociais despertaram-se
para a questão corporal, numa abordagem analítica distinta do modelo
tradicionalmente dominante: o biológico. A temática corporal inseriu-se na
agenda da pesquisa social de forma marcante. O tema da linguagem corporal,
por um lado, e o ato de adoecer, pelo outro, ocuparam espaço nas reflexões
acadêmicas, intermediados pelo foco das emoções. O intercâmbio ocidenteoriente,
principalmente
com
o
processo
migratório
de
contingentes
populacionais oriundos de países como a China, o Japão e a Coréia, ocorreu
um movimento de inserção de práticas culturais milenares no cotidiano do
4
mundo ocidental. A partir daí, algo que era restrito e vivenciado na cultura
oriental
transportou-se
para
o
contexto
de
cá
de
forma
gradativa.
Posteriormente, após resultados experimentados nos mais variados contextos
das atividades diárias, a disseminação da cultura oriental tomou contornos na
cultura ocidental. Neste sentido, algumas práticas ocuparam o cotidiano, como
a yoga, as artes marciais (karatê, kung fu, judô e inúmeros outros), as
massagens (shiatsu, do-in, tuiná, etc), a fitoterapia, a dietoterapia (o a
macrobiótica, o naturalismo e o vegetarianismo) e, principalmente, a medicina
tradicional chinesa (MTC). Na transposição cultural do oriente para o ocidente,
um paradigma fundamental torna-se a chave para entender o processo
migratório: o paradigma energético que possui diversas grafias. Na escola
chinesa, o conceito paradigmático denomina-se de “chi”, na corrente japonesa,
intitula-se de “ki”, na vertente hindu, chama-se “prana” e, no mundo ocidental,
tomou a configuração nominal de “energia vital”. Quem se envolve com a
prática cultural oriental, percebe o processo energético vivencial de forma
corporal e, então, insere-se no movimento histórico milenar, com ou sem
fanatismo, conforme a formação pessoal e histórica. Daí, a inserção no
caminho energético produz um horizonte revolucionário que somente quem
pratica é capaz de perceber e compreender de forma vivencial. Neste sentido,
a pulsação energética sinaliza para a distinção cultural peculiar entre o mundo
ocidental e o oriental, apesar das resistências iniciais singulares na vivência
com as práticas transportadas do mundo de lá (oriente) para o mundo de cá
(ocidente).
Na realidade ocidental, existe um movimento de amalgamento entre as várias
manifestações orientais, provocando a perda da raiz da identidade social das
singularidades. Concretamente, a tendência de mesclar as correntes
energéticas (a escola japonesa, a escola chinesa, a escolha hindu) cria um
movimento da perda da particularidade que cada corrente possui e manifesta.
Um ponto caracterizador de tal controvérsia é o tratamento das três
manifestações energéticas como pertencentes ao mesmo padrão, pois não
devem ser consideradas. A escola chinesa, por intermédio do seu paradigma
“chi”, foca o seu modelo energético nos condutores, nos meridianos; enquanto
5
que a escola japonesa, por meio do “ki”, e a escola hindu, por mediação do
“prana”, privilegiam ambas
(japonesa e hindu)) as escolas nos centros
energéticos. Sintetizando a questão da distinção do paradigma fundamental,
dois padrões (a japonesa e a hindu) concentram-se nos vórtices energéticos,
identificados também como “chakras” e em torno do qual se dará a concepção
de concentração interpretativa. O terceiro modelo (a escola chinesa) privilegia,
fundamentalmente, o processo de condução energética, por intermédio dos
meridianos como canais de transmissão do “chi”. Deste modo, torna-se crucial
identificar a controvérsia conceitual e, então, aprofundá-la e demonstrá-la
paradigmaticamente com a preocupação de efetuar um rigor teórico para a
aplicação posteriormente numa perspectiva empírica. Na verdade, não se
concentrar na identificação de tais diferenças conceituais produz um conflito
conceitual que se traduz em confusão analítica comprometedora dos estudos.
A abordagem conceitual deste debate teórico solicita a inserção de três
temáticas fundamentais para o tratamento do assunto: a filosofia taoísta, a
medicina tradicional chinesa e o conceito paradigmático fundamental do
“chi”. Em função da estratégia desta arquitetura conceitual envolvendo um
conjunto de categorias analíticas distantes e pouco familiares ao mundo
ocidental, torna-se delicada e espinhosa o tratamento de um tema com o rigor
metodológico que o assunto impõe, pois se faz necessário construir algo,
conceitualmente falando, que permita uma aplicação empírica para a validação
ou não da consistência teórica do tema de investigação.
Neste sentido, se apresenta na filosofia taoísta, os fundamentos do método do
TAO, como alicerce da construção da medicina tradicional chinesa, por
intermédio da teoria dos cinco elementos, a questão da polaridade positiva e
negativa (yin e yang), a conexão causal provocadora da vinculação sistêmica e
o conceito do “chi”, como fundamento energético fundamental para a
abordagem da questão. Portanto, este posicionamento objetiva, em última
instância, na verdade, construir uma ferramenta conceitual para a inserção
empírica na gênese das doenças e a identificação da interconexão causal do
desequilíbrio somático, segundo a percepção da ótica chinesa.
6
O debate em torno da origem social da linguagem corporal tem recebido, por
intermédio do ato de adoecer, por um lado, e das emoções, pelo outro, um
interpretação hegemônica que vincula emoção à lesão (BALLONE; PEREIRA
NETO; ORTOLANI; 2002). Em contraposição a essa diretriz analítica, a
questão social é posta em segundo plano, relegada a uma postura inexistente
e desconsiderada. Nesta conjuntura interpretativa, torna-se fundamental
identificar a linguagem corporal como fonte de compreensão dos conflitos da
realidade social como determinantes dos registros somáticos. Entretanto, com
uma lente significativamente distinta, por intermédio da filosofia taoísta, da
medicina tradicional chinesa e o paradigma do “chi” para compreender o código
da linguagem corporal do ato de adoecer. Portanto, como tais instrumentos
conceituais podem contribuir para entender a vinculação social da
emoção-doença?
Metodologicamente, esta reflexão insere-se, historicamente, num processo de
trabalho que objetiva entender a origem do ato de adoecer em conexão aos
conflitos sociais. Nesta análise, a preocupação é essencialmente conceitual,
para aprofundar a construção de um referencial teórico. Esta fase atual é
desdobramento de uma evolução analítica que se propõe enveredar por um
trabalho
de
campo
brevemente,
para
operacionalizar
o
instrumental
paradigmático formatado nesta interpretação. Entretanto, antes da proposta
empírica, objetiva-se efetuar uma visita à fonte memorialista (documental) que
a produção historiográfica tem produzido recentemente de forma abundante.
Este recurso (a do levantamento memorialista) se tornará um procedimento
preparatório para investir na fonte oral. Portanto, esta proposta de trabalho
privilegia a perspectiva holística no entendimento da gênese social do ato de
adoecer, em geral, e do câncer, em particular, na sociedade ocidental
contemporânea.
Estruturalmente, esta reflexão comporta três eixos temáticos distribuídos por
capítulos: no primeiro, o foco é apresentar a Filosofia Taoísta, por um lado,
com a teoria dos cinco elementos, a polaridade Yin-Yang e o paradigma do
“chi”; pelo outro, apresentar a Medicina Tradicional Chinesa, com a arquitetura
conceitual de composição e a demonstração da fisiologia energética do “chi”
7
como paradigma conceitual para a inserção nas relações tóxicas da sociedade,
por intermédio das emoções das relações sociais. Deste recurso instrumental,
perceber os sistemas energéticos e as distinções analíticas entre as
abordagens dos meridianos e os centros energéticos. Por fim, como a cultura
ocidental buscou traduzir, por intermédio da análise reichiana, o “chi” como
energia vital, como uma ocidentalização do conceito oriental. No segundo
capítulo, o tema é a abordagem psico-fisiológica da relação emoção-lesão para
entender o vínculo para o registro somático do ato de adoecer. Por fim, no
terceiro capítulo, a intenção é compreender como a dominação social produz
uma rede de vínculos sociais e, então, por intermédio de um conjunto de fontes
documentais, captar holisticamente as conexões dos conflitos sociais com a
linguagem corporal. Enfim, compreender a estratégia da dominação social
articulada com o registro somático do sofrimento humano.
O rigor conceitual com esta temática provoca uma prudência analítica zelosa
por um conjunto de fatores: primeiramente, o autor deste estudo, na sua
formação acadêmica, não se origina da área da saúde. Tal relação produz um
cuidado no trato conceitual para evitar fragilidades analíticas que debilitem o
estudo da investigação. O despertar pessoal para a questão energética
fundamenta-se na prática cotidiana das artes marciais, ora no estilo externo ou
duro, o Karatê2, vinculado a escola japonesa; ora no estilo interno ou suave,
como o Tai Chi3, oriundo do Kung Fu, da escola chinesa; no segundo, a
academia ocidental possui resistências em incorporar o paradigma do “chi”,
descredenciando o conceito para o sistema científico ocidental. Portanto, além
deste cuidado metodológico criterioso, a escolha temática da origem social da
vinculação do ato de adoecer assume uma dimensão polêmica ao se inserir o
problema do câncer em foco. Torna-se, por conseguinte, o estudo de
investigação um tema essencialmente polêmico diante dos pressupostos dos
avanços científicos ocidentais. Entretanto, o desafio desta investigação reside
em identificar, diante das evidências históricas, a conexão que se pode
2
3
No estilo shotokan.
No linha do tai chi chi kon.
8
registrar entre as emoções e o registro somático da dor humana do ato de
adoecer4.
4
Esta reflexão foca, neste momento, uma mediação para o evento do ALAS no Chile, em 2013. Além
disto, pretende aprofundar de forma mais articulada no estágio de pós-doutorado. O percurso desta
produção intelectual possui metas de curto, médio e longo prazo. Nesta análise, busca-se atingir a meta de
curto prazo. No ALAS, a de médio prazo e, no estágio, a de longo prazo. A estratégia tem sido favorecida
por um conjunto de informações que se tornam públicas da preocupação da investigação.
9
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