DA COLÔNIA AO SHOPPING:
um estudo da evolução tipológica da arquitetura
hospitalar em Natal
Maria Alice Lopes Medeiros
Dissertação de Mestrado
Programa de Pós Graduação em Arquitetura e Urbanismo
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
Natal – RN, 2005
Maria Alice Lopes Medeiros
DA COLÔNIA AO SHOPPING:
um estudo da evolução tipológica da arquitetura hospitalar em Natal
Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação em Arquitetura e Urbanismo da
Universidade Federal do Rio Grande do Norte,
como requisito parcial para a obtenção do
título de Mestre em Arquitetura e Urbanismo.
Área de concentração: Projeto
Orientadora:
Profa. Dra. Sônia Marques da Cunha Barreto
Natal – RN
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
2005
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARQUITETURA E URBANISMO
DA COLÔNIA AO SHOPPING:
um estudo da evolução tipológica da arquitetura hospitalar em Natal
0DULD$OLFH/RSHV0HGHLURV
%$1&$(;$0,1$'25$
Profª. Drª. Maísa Fernandes D. Veloso – PPGAU/UFRN
Presidente
Profª. Drª. Claudia Loureiro – UFPE
Examinador externo
Prof. Dr. Pedro Antônio de Lima Santos – PPGAU/UFRN
Examinador interno
Dissertação defendida em 13 / 12 / 2005
Divisão de Serviços Técnicos
Catalogação da Publicação na Fonte. UFRN / Biblioteca Central Zila Mamede
Medeiros, Maria Alice Lopes.
Da colônia ao shopping: um estudo da evolução tipológica da
arquitetura hospitalar em Natal / Maria Alice Lopes Medeiros. – Natal,
RN, 2005.
196 f. : il.
Orientadora: Sônia Marques da Cunha Barreto.
Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal do Rio Grande do
Norte. Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo.
1. Arquitetura – Dissertação. Arquitetura hospitalar – Dissertação.
3. Arquitetura – Tipologia – Dissertação. 4. Edifício hospitalar – Projeto
arquitetônico – Dissertação. I. Barreto, Sônia Marques da Cunha. II.
Título.
RN/UF/BCZM
CDU 72 (043.3)
Agradecimentos
Escrevo esses agradecimentos mais de um ano depois do término dos trabalhos. Portanto,
distante do calor dos acontecimentos, das emoções e do cansaço. Por um lado, esse
distanciamento me permite observar os fatos com mais serenidade. Por outro, me arrisco a
ser traída pela memória, deixando de citar alguns nomes daquelas pessoas que considero
terem sido de fundamental importância para realização deste trabalho: os funcionários dos
hospitais pesquisados em Natal. Falo especificamente daqueles que trabalham anos a fio
nessas instituições, alguns inclusive desde sua construção. E que, por sua relação com elas
como um segundo lar, guardam lembranças, escritos e fotos como se fossem suas próprias.
Foi através delas que pude preencher lacunas deixadas pelos documentos oficiais quase
inexistentes. Gostaria de registrar a valiosa ajuda e o apoio prestado por essas pessoas
durante a execução da pesquisa – apoio e ajuda sem os quais seria difícil, ou até mesmo
impossível, realizar algumas das tarefas deste trabalho.
Também gostaria de agradecer a todas as demais pessoas que contribuíram para esse
trabalho, por meio de comentários, sugestões, ou encorajamento. Certamente essa lista
seria grande demais para registrá-la aqui. No entanto, citarei algumas em especial: minha
orientadora, Sônia Marques, pela maneira crítica e instigadora com que leu e discutiu os
textos por mim produzidos; Enilson, por sua companhia e generosidade; por fim, as
companheiras do escritório – Shirley, Laíse e Adriana –, que com talento e paciência
digitaram os projetos dos hospitais.
Resumo
Com base em uma discussão em torno do conceito de tipo e de seu papel na
prática e na teoria da arquitetura, elabora-se um instrumental analítico com
vistas a reconhecer a evolução tipológica da arquitetura hospitalar ocidental.
Verifica-se então como essa evolução tipológica se reflete nos edifícios
hospitalares em Natal, Rio Grande do Norte, usando-se para tanto um
conjunto de 18 dos 29 hospitais implantados na cidade ao longo do século XX.
Conclui-se que o itinerário tipológico da arquitetura hospitalar de Natal repete
o ocidental, a menos de singularidades explicadas pelas características do
desenvolvimento social e econômico da cidade.
Abstract
A conceptual discussion on architectural type and its role in theory and
practice supports the construction of an analytical tool used for recognizing the
typological evolution of hospital architecture in Western societies. The same
tool is applied to analyze the typological evolution of hospital architecture in
Natal, Brazil, through a sample of eighteen hospitals built in the city since the
beginnings of 20th century. The conclusion is that typological evolution in
Natal is almost the same as occidental one, except for a few singularities that
can be explained by local social and economic development.
Sumário
1. Introdução ................................................................................................
1.1. Arquitetura e História da Arquitetura .............................................
1.2. História comparada da Arquitetura e análise tipológica .................
1.3. A análise tipológica ........................................................................
1.4. Uma leitura sintética da evolução dos hospitais ocidentais ............
1.5. Perguntas e hipóteses básicas de trabalho ......................................
1.6. Objetivo geral e objetivos específicos ............................................
1.7. Relevância e justificativa da pesquisa ............................................
1.8. Procedimentos metodológicos ........................................................
1.9. Estrutura do documento ..................................................................
1
3
4
4
5
7
9
9
10
11
2. Tipo, tipologia, análise tipológica: discussão e definição conceitual ...
2.1. O conceito de tipo e a crise da Arquitetura Moderna .....................
2.2. O debate tipológico: uma breve reconstituição ..............................
2.3. Antecedentes dos teóricos do século XIX ......................................
2.4. Tipo na visão de Quatremère de Quincy ........................................
2.5. O tipo na obra de Durand ...............................................................
2.6. O tipo na visão de Viollet-le-Duc ...................................................
2.7. Integração dos conceitos de tipo .....................................................
2.8. Descrição dos instrumentos de análise ...........................................
12
14
16
23
25
28
31
32
35
3.
Evolução das tipologias arquitetônicas do edifício hospitalar ............
3.1. O hospital no período medieval ......................................................
39
41
3.1.1. O tipo claustral ..........................................................................
3.1.2. O tipo basilical ..........................................................................
3.1.3. O tipo colônia ............................................................................
42
46
48
3.2. O hospital renascentista ..................................................................
50
3.2.1. A enfermaria cruzada ................................................................
3.2.2. O tipo casa de campo ................................................................
52
54
3.3. O hospital iluminista .......................................................................
56
3.3.1. O tipo pavilhonar .......................................................................
3.3.2. A influência de Florence Nightingale .......................................
3.3.3. O legado do Iluminismo para a arquitetura hospitalar ..............
59
61
62
3.4. O hospital modernista .....................................................................
63
3.4.1. O tipo torre sobre pódio ............................................................
3.4.2. O tipo rua hospitalar ..................................................................
3.4.3. O tipo sanduíche ........................................................................
66
68
72
3.5. O hospital do período pós-modernista ............................................
74
3.5.1. O tipo shopping/hotel/residência ...............................................
77
3.6. Um quadro-síntese da evolução tipológica do hospital ocidental ..
81
4.
Implantação de hospitais em Natal ao longo do século XX .................
4.1. Política de saúde pública e a situação do hospital em Natal no
Brasil Imperial ................................................................................
4.2. A Primeira República: a construção das políticas públicas de
saúde e suas repercussões nos hospitais de Natal ...........
4.3. Estado Novo, política nacional de saúde e desenvolvimento
hospitalar em Natal .........................................................................
4.4. Da redemocratização ao golpe militar de 1964 ..............................
4.5. O período da ditadura miltar (1964-1985) ......................................
4.6. De 1985 ao presente .......................................................................
4.7. Uma visão geral do hospital em Natal ...........................................
100
105
111
116
121
5. Análise tipológica dos hospitais de Natal ...............................................
5.1. Preparação do material para análise ...............................................
5.2. O tipo colônia e o Hospital Colônia São Francisco ........................
5.3. O tipo casa de campo ......................................................................
5.4. A presença do tipo pavilhonar ........................................................
124
127
128
129
133
5.4.1. O Hospital Evandro Chagas ......................................................
5.4.2. Policlínica, Casa de Saúde São Lucas, Hospital Colônia João
Machado ....................................................................................
5.4.3. Hospital Sanatório Getúlio Vargas ............................................
5.4.4. Considerações gerais a respeito dos hospitais pavilhonares de
Natal ..........................................................................................
133
5.5. Hospital Infantil Varela Santiago ...................................................
5.6. Os hospitais do tipo torre sobre pódio ............................................
143
147
5.6.1.
5.6.2.
5.6.3.
5.6.4.
92
94
96
136
139
142
Hospital Natal Center ................................................................
Hospital Walfredo Gurgel .........................................................
Hospital Santa Helena, Hospital PAPI, Hospital Memorial .....
Considerações sobre o tipo torre sobre pódio ...........................
147
150
152
155
5.7. Santa Catarina e Maria Alice Fernandes: hospitais rua .................
5.8. Promater, Femina e Coração: uma incursão em um novo tipo? ....
156
159
5.8.1.
5.8.2.
5.8.3.
5.8.4.
Hospital Promater ......................................................................
Hospital Femina ........................................................................
Hospital do Coração ..................................................................
Considerações gerais .................................................................
160
161
162
163
5.9. Agrupamentos tipológicos e aderência ao contexto .......................
165
6. Conclusões ................................................................................................
177
Referências ...............................................................................................
187
Anexos ......................................................................................................
196
Capítulo 1
I n t ro d u ç ã o
2
1. Introdução
No Brasil, pode-se registrar uma maior atenção com o projeto arquitetônico de hospitais,
como objeto de estudo e de formação técnico-científica, a partir dos anos 1980. Foi a partir
daquela década quando, por iniciativa conjunta do Ministério da Saúde e da Universidade
de Brasília, passou-se a oferecer de modo sistemático um Curso de Especialização em
Arquitetura do Sistema de Saúde.
No programa do Curso, o hospital era abordado como elemento integrante de um sistema
hierarquizado de atenção à saúde e, como requisito da formação do especialista,
desenvolvia-se ali um projeto arquitetônico de um edifício hospitalar. Nesse projeto,
trabalhava-se com base em normas, elaboradas pelo Ministério, as quais definiam fluxos,
programas e dimensionamento dos espaços, além de recomendações e prescrições quanto a
circulações, modulação do espaço, taxa de ocupação do terreno, localização urbana e
configuração geral, entre outros aspectos e elementos do edifício.
Não se levantavam, nem se discutiam questões tais como:
x
por que a configuração geral recomendada era a mais adequada?
x
como se chegou a essa conclusão?
x
que outras formas foram tentadas no passado e por que foram abandonadas?
Além dessas, outras indagações mais críticas podiam ser levantadas:
x
se aquelas configurações recomendadas também se tornariam ultrapassadas, então
como saber em que direção se estava caminhando?
x
se fosse possível entender como se dariam as mudanças, seria possível projetar
estruturas mais adaptadas ou adaptáveis a elas?
x
as recomendações, prescrições e normas eram transferíveis a geografias com diferentes
níveis de desenvolvimento social e econômico?
Esse conjunto de questionamentos, certamente, pode ser, com maior ou menor ênfase, feito
em outros campos da ação do projetista de arquitetura, que não o da arquitetura hospitalar.
E, até porque indagam sobre o passado e sobre o futuro, requerem respostas que se
formulem em conexão estreita com a História.
3
1.1. Arquitetura e História da Arquitetura
Um ramo da História da Arquitetura, cujo tratado mais representativo é A History of
Architecture, de autoria de Sir Banister Fletcher (publicado por primeira vez em 1896 e
reeditado freqüentemente – foram 19 edições até agora, a última de 1987), admite
implicitamente a importância das questões acima colocadas. Mais que isso, Fletcher (1987)
estabelece conexões explícitas entre a arquitetura e seu entorno físico-geográfico,
ambiental, cultural e socioeconômico, quando analisa a evolução da arquitetura segundo
um método de história comparada.
O enfoque historiográfico de Fletcher parte da descrição dos aspectos climáticos,
geomorfológicos, socioculturais, tecnológicos e econômicos de cada região, em
determinada época. Para Fletcher, é desses aspectos caracterizadores do entorno que, com
a interveniência do ato criativo do arquiteto, resultam os elementos e soluções que
compõem a arquitetura regional naquele período. Portanto, planta, volumetria, estrutura,
aberturas e vedações, entendidas em conjunto, tendem a ser, inevitavelmente,
condicionadas pela cultura (NEWTON, 1991). Em conseqüência, produção arquitetônica e
contextos culturais podem ser associáveis.
Assim, é possível compreender a evolução da Arquitetura em estreita relação com a
evolução histórica das sociedades. E entender como cada solução arquitetônica, em uma
dada época e região, surgiu em resposta a desafios contextuais, consolidou-se e,
posteriormente, foi alterada ou substituída como conseqüência de ulteriores transformações
da sociedade.
Apropriando e adaptando a metodologia historiográfica de Fletcher para analisar a história
da arquitetura hospitalar, pode-se entender como e porque, em cada período analisado,
surgiu e se consolidou uma solução arquitetônica de natureza geral, que veio a concretizar
um hospital característico do período – no sentido de representação sintética idealizada de
uma série de edifícios hospitalares concretos.
Observe-se que, em coerência com a abordagem historiográfica, uma coleção de hospitais
característicos, como acima definidos, está critica e biunivocamente relacionada a um
conjunto de contextos histórico-geográficos. O exame dessa estrutura de relações, portanto,
permite compreender como se articulam as diferenças contextuais e as transformações dos
edifícios hospitalares característicos.
4
1.2. História comparada da Arquitetura e análise tipológica
Nesses termos, o estudo da Arquitetura precedente e sua sistematização vinculada ao
contexto histórico-geográfico, nos moldes empregados por Fletcher, são assimiláveis à
técnica da análise tipológica. A análise tipológica arquitetônica se constitui em ferramenta
bastante utilizada quando se trata do estudo da produção arquitetônica, quer seja ela
contemporânea ou precedente, com vistas ao conhecimento sistematizado dessa produção
e/ou à adequação de soluções já testadas a novos projetos.
Essa assimilação da tipologia à história pode ser reafirmada pela reaproximação da teoria e
do projeto ao legado histórico arquitetônico, aproximadamente a partir da década de 1960,
meio século depois de o movimento moderno haver rompido com a tradição arquitetônica
precedente. O estudo tipológico foi um instrumento adequado para aquela reaproximação,
na medida em que conseguiria captar, para cada período histórico, a essência representativa
de sua Arquitetura.
É evidente que, enquanto instrumento, a análise tipológica adquire as feições do conceito
de tipo que é subjacente a sua formulação: distintos conceitos de tipo levam a distintas
ferramentas de análise tipológica. E, portanto, somente estudos tipológicos fundados em
conceitos de tipo que incorporem a referência ao contexto têm a possibilidade de alcançar
significação historiográfica.
Deste modo, a abordagem da arquitetura hospitalar com o fim de encaminhar respostas
àquelas questões acima colocadas impõe que se adote um conceito de tipo – e, por
conseguinte, uma matriz de análise tipológica – que seja coerente com a necessidade do
referenciamento histórico do objeto arquitetônico estudado. Por outro lado, requer que se
problematize, em uma perspectiva tipológica, a evolução do edifício hospitalar em face de
relevantes alterações no seu contexto histórico.
1.3. A análise tipológica
Em que pese a prevalência de algumas conceituações restritivas do tipo arquitetônico,
notadamente aquelas que associam a tipologia, de maneira simplista, ou à mera taxonomia
ou à idéia de tipificação, pode-se admitir que o conceito de tipo hoje mais disseminado está
vinculado à representação da essência da Arquitetura em conexão com o seu ambiente
sociocultural (FRANCESCATO, 1994).
5
As raízes intelectuais desse conceito de tipo podem ser rastreadas até a obra seminal de
Quatremère de Quincy (1985, 1998) 1 . Não obstante, uma importante polêmica em torno do
conceito de tipo teve lugar a partir do seu resgate, em 1962, por Argan (1996, 2001) 2 e de
sua assimilação pelos teóricos e projetistas italianos da Tendenza, a partir da segunda
metade da década de 1960.
Nesse debate, foram se firmando distintas versões para o conceito de tipo – entre outros,
Rossi, 1995 (publicado originalmente em 1966); Vidler, 1977; Oeschlin, 1985 –, como
também se apresentavam discordâncias de peso quanto à validade ou à oportunidade do
conceito para o estudo ou para a projetação em arquitetura (ver, por exemplo, PérezGómez, 1991), até o ponto em que o tipo se firmou como um dos temas fundamentais da
agenda teórica do pós-modernismo (NESBITT, 1996a).
Situar-se na polêmica e definir-se por um conceito é, portanto, um ponto de partida para
uma abordagem analítica da evolução histórica dos edifícios hospitalares, um produto
arquitetônico complexo e, em função da natureza pública de sua utilização, extremamente
dependente de definições político-culturais da sociedade.
Por outra parte, essa abordagem não deve ser desenvolvida sem tomar em conta o objeto
arquitetônico hospital, de modo que uma visão resumida de uma história geral dos
hospitais pode ser útil para estabelecer as bases de uma compreensão tipológica de sua
linha evolutiva.
1.4. Uma leitura sintética da evolução dos hospitais ocidentais
No início, os hospitais foram exclusivamente associados à idéia de morte. Os enfermos
chegavam em busca de preparação espiritual, que lhes era dada em locais onde apenas se
amontoavam as pessoas doentes.
1
O texto fundamental de Quatremère de Quincy a respeito do seu conceito de tipo é o verbete correspondente
que aparece em duas de suas obras: a Encyclopédie méthodique, originalmente publicada entre 1788 e 1825,
e o Dictionnaire historique de l’architecture, de 1832. Neste trabalho, as citações do verbete tiveram por
base duas fontes: a transcrição completa do texto de Quatremère, traduzida para a edição italiana de 1844 por
Antonio Mainardi e reproduzida integralmente em Casabella, ano XLIX, n. 509/510, 1985 (ver Quatremère
de Quincy, 1985); a tradução para o inglês (não creditada) do verbete type da Encyclopédie méthodique
conforme publicada em Oppositions, n. 8, primavera de 1977, sob uma introdução de Anthony Vidler e
reproduzida em Hays (1998) (ver Quatremère de Quincy, 1998).
2
O artigo de Argan que introduziu as idéias de Quatremère de Quincy no debate teórico contemporâneo foi
originalmente publicado em 1962. Traduzido para o inglês por Joseph Rykwert, foi incluído em Architectural
Digest, n. 33, de dezembro de 1963 (p. 564-565). Essa versão em idioma inglês, incluída em Nesbitt (1996b),
e a versão em português incluída em Argan (2001) – traduzida por Marcos Bagno diretamente do texto em
italiano publicado em Proggeto e destino – foram as consultadas no decorrer deste trabalho.
6
Risse (1999) mostra como, a partir dessa origem medieval, os hospitais foram,
gradualmente, adquirindo uma vinculação à vida. Em primeiro lugar, se tornaram espaços
de recuperação de enfermos; depois, em lugar de atuação preventiva em prol da saúde e de
melhoria da qualidade de vida. Tal evolução conceitual se refletiria nos espaços dedicados
a estas atividades, e os hospitais foram se transformando em edifícios de estrutura
arquitetônica complexa.
Na Idade Média, a finalidade do hospital era dar abrigo, sustento, assistência e consolo
espiritual aos desamparados pela sociedade – peregrinos, pobres, enfermos e insanos. Os
cidadãos minimamente abastados tinham atendimento domiciliar a seus problemas de
saúde, e isso se manteve até meados do século XIX (GOLDIN, 1984).
Hospitais medievais eram construídos por ordens religiosas, bispos, senhores feudais e reis
(ROSEN, 1994). Na verdade, não eram edifícios autônomos, pois se integravam às
estruturas físicas dos mosteiros e catedrais, reproduzindo os esquemas dos claustros ou das
basílicas de uma ou várias naves, com uma capela na cabeceira (GOLDIN, 1994). Esses
hospitais se multiplicaram durante os séculos V ao XIII, e estavam, quase sempre,
superlotados, sujos e insalubres.
No Renascimento, a Igreja e a Corte deixaram de ser as fontes principais de financiamento
da assistência aos pobres e enfermos. Ricos cidadãos burgueses tomaram a
responsabilidade de construir hospitais. Goldin (1984) enfatiza que é então que se dá o
crescimento de importância do conhecimento médico dentro do hospital: surgiram os
primeiros hospitais civis, os chamados hospitais palácios de arquitetura neoclássica, de
estrutura pavilhonar, como resultado de uma maior preocupação com ventilação e
insolação.
No período do Iluminismo, o avanço científico permitiu a compreensão dos processos de
infecção cruzada e propagação de infecções. A prática cirúrgica desenvolvida nos hospitais
militares foi incorporada aos hospitais civis, junto com o surgimento da anatomia
patológica, que permitiu o conhecimento médico dos órgãos humanos internos (RISSE,
1999).
O hospital tornou-se, então, um espaço importante para observação da evolução de
enfermidades através de seus pacientes, e passou a ser, além de um local de recuperação de
enfermos, um local de aprendizado da medicina.
7
Esses fatos produziram uma importante transformação no edifício hospitalar, onde, a partir
de então, a ciência penetrou, modificando espaços que, antes, refletiam somente a
influência religiosa (GOLDIN, 1994). O hospital começou a ser atrativo para os afluentes
da sociedade, vez que já oferecia uma possibilidade de cura mais alta que aquela que se
poderia conseguir com o atendimento domiciliar.
Mais ou menos em meados do século XX, implantou-se nos edifícios hospitalares a
sistematização projetual funcionalista: separação de funções, projeto modular, formas
simplificadas, adoção de dimensões mínimas. Buscava-se viabilizar financeiramente o
hospital pela via de sua racionalização e massificação, em um contexto em que eram
crescentes os custos com equipamentos, pessoal, fármacos e materiais (CARPMAN et al.,
1986). Várias soluções arquitetônicas foram exercitadas, todos refletindo uma preocupação
funcionalista que passará a ser criticada nos anos 1960 e 1970.
As críticas se intensificaram a partir dos anos 1980, com a emergência da pesquisa sobre a
influência do ambiente no bem-estar dos usuários (KUFFLNER, 1986). Esses críticos
reagiram contra o caráter estéril e impessoal dos hospitais, mais voltados para o seu
funcionamento eficiente que para o bem-estar do paciente. Passou-se a defender, segundo
Hosking e Haggard (1999), a aplicação das ciências do comportamento no planejamento e
desenho do ambiente hospitalar. Acreditava-se que os edifícios hospitalares do século XX
tinham feito pouco para satisfazer as necessidades humanas do dia a dia, e defendiam-se
hospitais “humanizados”, com foco nas expectativas do paciente e de seus familiares,
contando com ambientes apropriados para apoiar o processo de recuperação do enfermo.
Esses pensamentos e suas manifestações na forma do edifício dominariam o período desde
1980 até o final do Século XX. Verderber e Fine (2000) relatam como o hospital assimilou
soluções espaciais diferentes das anteriormente vigentes, buscando – sem perder de vista a
eficiência econômica – assumir uma natureza mais familiar para o visitante e para o
paciente.
1.5. Perguntas e hipóteses básicas de trabalho
Nesse processo evolutivo do edifício hospitalar, há que destacar a importância das
alterações na maneira como a sociedade vê o hospital e no que a sociedade espera dele.
Ademais, cabe um papel de destaque para o progresso científico nas áreas da biologia e da
medicina, bem como para o desenvolvimento tecnológico nesses setores. Tais fatores se
8
associam a uma demanda social crescente pela aplicação de novos conhecimentos médicos
ao campo da atenção à saúde. Por fim, cabe salientar também as naturais mudanças nos
materiais e métodos construtivos. Todos juntos, influenciando-se simultaneamente, esses
fatores podem ser considerados como motores das mudanças nas tipologias arquitetônicas
hospitalares que se registraram ao longo da história.
Na medida em que esses fatores são disseminados mundialmente, de alguma forma eles
devem ter sido assimilados por arquiteturas locais na projetação de novos edifícios
hospitalares, ou mesmo na reabilitação, recuperação ou expansão de edifícios hospitalares
já existentes. Como foram assimilados, com que ritmo? Ou seja, como uma arquitetura
hospitalar local responde à dinâmica transformadora daqueles fatores responsáveis pela
evolução tipológica dos edifícios hospitalares?
Evidentemente, as respostas a estas perguntas estão vinculadas intimamente ao caso que se
toma como local. Assim, ao recolocar a questão em termos mais concretos, faz-se
necessário explicitar que o interesse expresso neste trabalho se centra em uma análise do
caso de Natal.
Por outro lado, concentrar-se-ia a preocupação analítica no período que vai de princípios a
fins do século XX, quando a crítica ao modernismo e a busca de novas perspectivas
arquitetônicas puseram o edifício hospitalar em uma nova rota conceitual. Define-se então
como objeto de pesquisa a evolução tipológica do edifício hospitalar em Natal ao longo do
século XX.
Daí, as questões-chave da pesquisa podem ser formuladas nos seguintes termos:
x
de que forma se deu a evolução tipológica do edifício hospitalar em Natal em um dado
período histórico (o século XX)?
x
em que medida a evolução registrada nas tipologias hospitalares em Natal corresponde
àquela que se pode depreender da análise tipológica geral, explícita ou implicitamente
refletida na literatura especializada?
Nestes termos, pode-se formular como hipótese básica de trabalho a seguinte: a evolução
tipológica do hospital em Natal no século XX, seguiu em linhas gerais a trajetória
registrada no mundo ocidental, ressalvadas singularidades que podem ser explicadas pelo
estágio de desenvolvimento socioeconômico local.
9
1.6. Objetivo geral e objetivos específicos
O objetivo geral do trabalho consiste na descrição e análise do processo evolutivo das
tipologias arquitetônicas hospitalares em Natal, identificando os fatores indutores das
mudanças e das singularidades do processo com respeito à evolução tipológica dos
hospitais ocidentais, tomada como referência.
O desenvolvimento do trabalho de pesquisa requereu a realização de objetivos específicos,
de caráter instrumental, tanto no campo teórico-conceitual, quanto no terreno do empírico.
No que concerne ao quadro metodológico, dois eixos de discussão devem ser ressaltados.
Por um lado, foi preciso formular um conceito operativo de tipo, com base em uma
discussão das principais contribuições teóricas relativas ao tipo e à tipologia em
arquitetura. Por outro, enfocou-se a evolução histórica do conceito de hospital, no mundo
ocidental, com vistas a compreender esse processo pelo filtro da abordagem tipológica
associada ao conceito de tipo previamente formulado.
No que respeita a objetivos instrumentais de natureza empírica, foi necessário levantar o
processo histórico de implantação de hospitais na cidade de Natal, recuperando e
sistematizando as suas definições arquitetônicas, bem como a informação caracterizadora
do contexto socioeconômico urbano e da política pública nacional para o setor de saúde.
1.7. Relevância e justificativa da pesquisa
A importância deste trabalho resulta de sua própria abordagem. Considera-se que a análise
tipológica constitui um elemento importante no aprimoramento conceitual da projetação.
Na mesma medida da complexidade do edifício hospitalar, seu projeto arquitetônico requer
preocupação com definições conceituais que implicam em um conhecimento sistematizado
da forma como, historicamente, a arquitetura proveu soluções para problemas que se
apresentavam.
Por outro lado, o edifício hospitalar é um edifício de alto custo, que tem, portanto, a
vocação da permanência. Paradoxalmente, entretanto, a dinâmica tecnológica do setor
médico implica em uma necessidade quase permanente de mudanças e reformas
arquitetônicas.
Assim, no sentido em que permite compreender a essência da tomada de decisão projetual,
a análise tipológica consiste em instrumento de valia para orientar e direcionar
10
adequadamente as quase permanentes requalificações, ampliações e recuperações exigidas
pelo edifício hospitalar na contemporaneidade.
Por fim, julga-se também de importância o trabalho por seu caráter historiográfico, uma
vez que as suas intenções se direcionam para o entendimento do processo histórico de
desenvolvimento dos edifícios hospitalares implantados em Natal.
1.8. Procedimentos metodológicos
Tendo em vista a consecução dos objetivos fixados na seção anterior, os procedimentos
metodológicos foram projetados de forma a encadear o processo de investigação em uma
lógica consistente com as questões-chave e as hipóteses do trabalho.
A formulação de um conceito operativo de tipologia teve por base uma revisão
bibliográfica da literatura sobre o tema, projetada em dois níveis seqüenciais. Em primeiro
lugar, enfocou-se o debate tipológico contemporâneo (dos anos 1960 aos 1990),
confrontando-se interpretações e proposições dos autores mais significativos. Nesse
processo, identificaram-se as raízes intelectuais mais expressivas do debate nos aportes
teóricos de Quatremère de Quincy, Durand e Viollet-le-Duc. As suas contribuições foram
então examinadas, principalmente por meio de leitura indireta, mas sem excluir a consulta
e discussão de textos originais, em traduções contemporâneas.
Essa reflexão levou à elaboração de uma interpretação, não propriamente dos conceitos de
tipo e tipologia emanados das obras desses teóricos do século XIX, mas de suas
abordagens tipológicas. Ou seja, a matriz de análise tipológica construída e utilizada neste
trabalho, embora se informe da teoria tipológica dos 1800, se define a partir do vigoroso
debate acadêmico de que foram objetos o tipo e a tipologia a partir dos anos 1960.
A validação dessa matriz para o caso da análise tipológica da arquitetura hospitalar teve
lugar quando, após concentrar-se em extensa revisão bibliográfica da evolução histórica
dos hospitais e da arquitetura hospitalar ocidentais, construiu-se uma interpretação
tipológica dessa evolução histórica sob a mediação do conceito e do instrumental de
análise definidos na etapa anterior.
Também informada pela discussão e definição da abordagem tipológica, a atividade
empírica básica da pesquisa consistiu em levantar e sistematizar informações – de distintas
naturezas: bibliográficas, obtidas em entrevistas, fotográficas, arquitetônicas etc. – que
11
permitissem reconstituir o mais fielmente possível o processo histórico de implantação de
hospitais em Natal. A leitura desse processo histórico contextualizou os hospitais
natalenses com respeito à evolução da cidade e das políticas públicas relevantes no setor
saúde.
Para um subconjunto dos hospitais implantados, foi possível reconstituir satisfatoriamente
o projeto de arquitetura inicialmente implantado. Esses hospitais foram objetos de análise,
aplicando-se para tanto a matriz de análise tipológica previamente elaborada, permitindo
enfim avaliar suas afiliações aos diferentes tipos arquitetônicos hospitalares fixados pela
arquitetura ocidental.
1.9. Estrutura do documento
O presente documento está estruturado de formas a salientar o processo metodológico
seguido no trabalho de pesquisa. Além deste capítulo inicial, o documento apresenta outros
cinco capítulos e três anexos.
O capítulo 2 está dedicado a apresentar os resultados do estudo realizado sobre o conceito
de tipo e tipologia, culminando com a apresentação da matriz tipológica elaborada com
base na discussão conceitual sobre o tema. No capítulo 3, o enfoque se dirige para a
evolução tipológica da arquitetura hospitalar no mundo ocidental, apresentada sob a ótica
da matriz de análise apresentada no capítulo anterior.
O processo histórico de implantação de hospitais em Natal é analisado no capítulo 4, em
que o pano de fundo das políticas nacionais de saúde pública e a evolução urbana de Natal
marcam e conformam o cenário contextual que problematiza cada hospital implantado na
cidade. Esses hospitais são então analisados tipologicamente no capítulo 5, apresentandose os resultados já de forma a salientar suas afiliações aos tipos arquitetônicos que,
decantados da história dos hospitais no Ocidente, foram definidos no capítulo 3.
Por sua vez, o sexto e último capítulo apresenta de forma sintética todos os resultados
relevantes obtidos no curso do projeto de pesquisa conducente à elaboração dessa
dissertação.
Três anexos se integram ao documento: o primeiro apresenta um mapa de Natal com a
localização dos hospitais; o segundo traz quadros que sintetizam as informações do
capítulo 4; e, por fim, o terceiro apresenta os esquemas gráficos dos hospitais analisados.
Capítulo 2
Ti p o , t i p o l o g i a , a n á l i s e t i p o l ó g i c a :
discussão e definição conceitual
13
2. Tipo, tipologia, análise tipológica: discussão e definição conceitual
Este capítulo tem por finalidade a construção de um marco teórico que sirva de referência
para o balizamento das etapas empíricas do trabalho de pesquisa. Assim, o objeto deste
capítulo é o desenvolvimento de um conceito operativo de análise tipológica, com vistas a
sua aplicação, no capítulo seguinte, ao estudo da evolução da arquitetura hospitalar no
mundo ocidental, da Idade Média até a contemporaneidade. Os tipos arquitetônicos
hospitalares decantados nesse estudo serão, posteriormente, adotados como referências
para o enquadramento e análise da evolução da arquitetura hospitalar em Natal, ao longo
do século XX.
Como resultado dos estudos que se apresentam neste capítulo, definem-se a configuração e
a especificação de um instrumental de análise tipológica, com base na discussão em torno
dos conceitos de tipo que, com mais relevância, estão disponíveis na literatura teórica
sobre o tema. A seleção dos conceitos de tipo que foram considerados para o
desenvolvimento do quadro analítico teve por base uma revisão bibliográfica extensiva, a
qual enfocou principalmente a produção intelectual sobre o tema que teve lugar a partir dos
anos 60 do passado século.
O exame dessa literatura apontou a relevância das proposições teóricas de Quatremère de
Quincy, Jean-Nicolas-Louis Durand e Eugène Emmanuel Viollet-le-Duc, todas do século
XIX. Tal seleção não se orientou apenas pelo nível ou intensidade com que esses três
teóricos alimentaram o debate tipológico no século XX. Levou em conta também o fato de
que suas elaborações teóricas, entendidas como distintas abordagens conceituais que se
complementam – como se mostrará no corpo do capítulo –, podem ser integradas em um
quadro de análise tipológica.
Esse quadro, ao mesmo tempo mais complexo e objetivamente operacional, tem sua gênese
na compreensão – compartida com autores como Oeschlin (1985), Francescato (1994),
Madrazo (1995), entre outros – de que as abordagens de Quatremère, Durand e Viollet-leDuc podem ser articuladas no sentido de fornecer uma leitura mais ampliada do processo
criativo do projeto em arquitetura, bem como de seu produto – o edifício. Como se verá
nas seções seguintes, pode-se inferir essa possibilidade de conciliação entre as três
abordagens em alguns dos momentos mais significativos do debate tipológico
14
contemporâneo, bem como na utilização – implícita ou explícita – da abordagem tipológica
na atividade projetual.
Para atingir os seus objetivos instrumentais, este capítulo está estruturado em oito seções.
Na primeira delas, situa-se a emergência do debate tipológico nos anos 1960, em conexão
com a crise da Arquitetura Moderna. Os elementos e contribuições mais centrais desse
debate – que marcou significativamente a cena teórica da arquitetura por, pelo menos,
trinta anos – são escrutinados na segunda sessão. Na terceira, examinam-se as condições
objetivas em que surgiram, nos primeiros anos do século XIX, as primeiras manifestações
teóricas explicitamente concernentes à tipologia e ao tipo. As três seções seguintes estão
respectivamente dedicadas à exploração dos conceitos de tipo desenvolvidos por
Quatremère de Quincy, Durand e Viollet-le-Duc. Já a sétima seção se concentra no exame
da possibilidade de, à luz das contribuições surgidas no debate tipológico contemporâneo,
articular esses três conceitos relevantes de tipo em uma matriz de análise tipológica, a qual
será detalhada na oitava e última seção.
2.1. O conceito de tipo e a crise da Arquitetura Moderna
A partir dos primeiros anos da década de 1960, estendendo-se até quase o final do século
passado, o debate em torno dos conceitos de tipo e tipologia passou a desempenhar um
papel significativo na retomada da investigação teórica orientada pela busca de uma
essência para a Arquitetura (NESBITT, 1996a). Quase ao mesmo tempo, como observou
Moneo (1998), o conceito de tipo passou a ser explicitamente tratado no âmbito da teoria e
da prática projetual, destacadamente no caso dos neo-racionalistas italianos.
Analistas como Nesbitt (1996a) têm reivindicado para o tipo a capacidade de sintetizar os
elementos essenciais da arquitetura – significado, forma, função e tectônica –, o que alçaria
a tipologia à condição de elemento-chave da análise e/ou do processo projetual em
Arquitetura.
Por outra parte, Colquhoun (1996a) remarca que, na medida em que a tipologia tem o
caráter de instrumento de memória cultural, ela adquire uma condição de significado
arquitetônico e de mecanismo de retenção da significação cultural da arquitetura. Em
direção similar, Francescato (1994) considera que o conceito de tipo forja um vínculo entre
forma arquitetônica e precedente histórico, com tudo o que isso implica em termos do
significado social e cultural do objeto arquitetônico.
15
Nesse sentido, pode-se entender o interesse pela tipologia no âmbito da busca do
significado e da identidade arquitetônicas: o recurso ao tipológico oferece “continuidade
histórica, o que confere inteligibilidade a edificações e cidades em uma dada cultura”
(NESBITT, 1996a, p. 44). Isso esclarece porque o debate tipológico emergiu, nos anos
1960, como uma das respostas tentativas à crise então vivenciada pela Arquitetura
Moderna.
Afinal, uma característica fundamental do Modernismo na arquitetura foi a ruptura com a
tradição. Essa ruptura se deu segundo dois pólos articulados que garantiram unidade e
suporte ideológico-programático ao movimento em seus primeiros tempos: a negação
estilístico-projetual-construtiva do século XIX, em prol da adesão às novas possibilidades
tecnológico-formais da Era da Máquina; e a opção ética por um conteúdo social – utópico
e transformador – para a prática da Arquitetura (PORTOGHESI, 1981; LARA, 1999). A
desarticulação entre esses pólos minou a unidade política do Movimento, com a hegemonia
tendendo para as preocupações de ordem formal-construtiva e reduzindo-se gradualmente a
importância das questões sociais.
Enquanto Lara (1999) data essa guinada em torno da Segunda Guerra Mundial (ou no
período entre os CIAMs de 1937 e 1947), Vidler (1976) situa ainda no período entre as
duas guerras mundiais (1919-1938) o surgimento de uma progressiva proeminência do
processo tecnológico de produção industrial. Para ele, a tecnologia de produção em série
passaria, já nos anos 1930, a servir de base para a projetação arquitetônica, estabelecendose a máquina como tipo generalizado (a coluna, a casa e a cidade vistas analogamente à
pirâmide de produção industrial) e como elemento de contorno, restritivo à investigação
formal.
Aqueles que optaram, no início do movimento, pela investigação formal e pelas questões
endógenas da arquitetura no inicio do movimento – aqueles que Lara (1999, p. 5-6)
designa por “estilistas” –, perderam o rumo e se dispersaram em subgrupos cada vez
menores, fragmentando o “transatlântico modernista” em “balsas de identidade
arquitetônica” e, depois, em “frágeis jangadas formais”, ancoradas em estilos pessoais. Por
outro lado, os “sociologistas” – que optaram por enfatizar as transformações sociais que
seriam propiciadas pela nova arquitetura – simplesmente desapareceram após a Segunda
Guerra. Frampton (1989, p. 274) afirma que o processo se deu a partir de 1933, quando as
16
“exigências políticas radicais do início do movimento tinham sido abandonadas”, até que
“o idealismo liberal triunfou completamente” no pós-guerra.
Dessa forma, a essência da arquitetura passaria a estruturar-se a partir de um elemento
externo – a tecnologia industrial da construção civil, com seus padrões inspirados pelo
objetivo da eficiência econômica 3 –, ao mesmo tempo em que se deturpava ou se perdia de
vista a missão política transformadora que validaria socialmente a arquitetura dos tempos
modernos.
A esse quadro corresponde, como afirma Lara (1999, p.1), uma “profunda crise de valores,
tanto interna (referente à falta de um suporte teórico consistente), quanto externamente
(referente a seu papel nas esferas cultural e social)”. Em suma, uma crise de identidade e
autonomia, em que o elemento central é o cerne mesmo da arquitetura: o significado.
Em decorrência, o debate que se abre no âmbito dessa crise nos anos 1960 se nortearia pela
retomada de uma preocupação com a essência disciplinar da arquitetura, o que colocava a
questão de uma teoria inerente ao próprio objeto arquitetônico, mesmo quando essa teoria
se articule com o entorno social, cultural, econômico e histórico.
Colquhoun (2004, p. 92) assinala que, entre outras discussões, buscava-se então “redefinir
o racionalismo nos termos de uma tradição autônoma da arquitetura”, pois “o que é
‘racional’ em arquitetura é o que conserva a arquitetura como um discurso cultural que
perpassa toda a história”.
Assim, no âmbito da crise da arquitetura que culminou cinqüenta anos de permanência do
paradigma modernista, o esforço pela reconstrução de uma identidade e de uma autonomia
para a disciplina encontrou, entre outras alternativas, uma âncora legítima no debate
tipológico e no conceito de tipo.
2.2. O debate tipológico: uma breve reconstituição
O debate tipológico na contemporaneidade foi aberto por Giulio Carlo Argan, com seu
artigo Sobre o conceito de tipologia (ARGAN, 1996, 2001), em que sugeria a retomada
das proposições de Quatremère de Quincy, formuladas em princípios do século XIX.
3
x
Colquhoun (2004, p. 89-90) revela que “o progresso técnico alcançou um patamar em que era possível
aproveitar o aspecto racional/construtivo do modernismo para as necessidades ideológicas do
desenvolvimento imobiliário, solapando, dessa maneira, os fundamentos utópicos do modernismo”.
17
Naquele artigo, Argan não explorava a fundo, em verdade, a obra de Quatremère de
Quincy. Tão somente partia da diferenciação tipo-modelo proposta por Quatremère para
elaborar um entendimento do processo de formação tipológica e uma argumentação em
defesa do papel da abordagem tipológica do processo projetual em arquitetura.
Para os propósitos de Argan, o tipo arquitetônico é um esquema vago, um princípio ou
regra geral, cujo caráter meramente nocional não pode afetar diretamente o projeto do
edifício singular, muito menos suas qualidades formais. Trata-se de uma idéia-base, capaz
de produzir infinitas variantes formais. Já um modelo seria um objeto real, concreto, a ser
copiado perfeitamente, num processo eminentemente acrítico e não-criativo.
Para Argan, um tipo arquitetônico nasce em função da existência
de uma série de edifícios que têm entre si uma evidente analogia formal e
funcional. Em outras palavras, quando um ‘tipo’ se forma na prática ou
na teoria da arquitetura, ele já existe, como resposta a um complexo de
demandas ideológicas, religiosas ou práticas, em uma dada condição
histórica de alguma cultura (ARGAN, 1996, p. 243, tradução da autora 4 ).
Logo, o processo tem uma dinâmica implícita, pois cada vez que uma série formal tem o
incremento de uma nova variante – um novo objeto arquitetônico –, o tipo deduzido poderá
ser mais ou menos alterado, em função do impacto mais ou menos intenso que o mais
recente elemento introduzido na série possa produzir no princípio geral dedutível dessa
série. Portanto, reflete Argan, a abordagem tipológica não inibe a inventividade do
processo de projetação: há um momento tipológico, de apropriação de uma regra geral que
se deduz da tradição, e há um momento criativo, inovador, em que essa regra geral,
cotejada pelas demandas e exigências da situação presente, é traduzida em um objeto
arquitetônico singular.
A retomada das idéias de Quatremère por meio do artigo seminal de Argan foi oportuna.
Naquele momento, como assinala Colquhoun (2004), se desenvolvia na Itália uma nova
visão racionalista (o neo-racionalismo) pela qual as características da arquitetura não se
vinculariam à tecnologia ou a formas especificamente contemporâneas das relações sociais
e do comportamento em sociedade. Os neo-racionalistas, ao contrário, propunham que as
características fundamentais da arquitetura persistem com as mudanças nos campos da
4
x
Todas as citações presentes neste trabalho, à exceção de referências cujo idioma original seja o português,
foram traduzidas do texto original pela autora.
18
tecnologia e na sociedade, vinculando-se assim a uma imagem permanente do homem. Ou,
nas palavras do mesmo Argan,
os ‘tipos’ históricos [...] não pretendem satisfazer requerimentos práticos
contingentes; eles se voltam a lidar com problemas mais profundos que –
ao menos nos limites de uma dada sociedade – são entendidos como
fundamentais e permanentes. Daí ser necessário aprender da experiência
amadurecida no passado de modo a ser capaz de conceber formas que se
apresentem como válidas no futuro (ARGAN, 1996, p. 244).
Assim, a interpretação arganiana do conceito de tipo em Quatremère assimilava a
preocupação de garantir uma continuidade autônoma para a arquitetura.
Entretanto, a formulação de Argan de um processo criativo em dois tempos – um
tipológico, outro de definição formal do novo objeto arquitetônico – restringia a
abordagem tipológica a exame da arquitetura precedente como informação do processo
projetual. Segundo Francescato (1994), coube a Ernesto Rogers ampliar a interpretação de
Argan e assimilar mais intensamente a proposta de Quatremère, ao entender que o processo
projetual não apenas se inicia com um momento tipológico, mas que também consiste de
operações tipológicas.
Na lógica projetual de Rogers, revela Francescato (1994), o ajuste forma-função não
poderia ser garantido por uma série de procedimentos técnicos sobre o programa de
necessidades, vez que resulta de um processo histórico em que edifícios reais são usados
por pessoas e grupos em uma cultura específica.
Por isso, questões de natureza tipológica teriam de ser conscientemente trabalhadas na fase
de definição da forma. Além disso, ressalte-se que a escolha do tipo é um processo ativo,
em que o arquiteto é levado a escolher, entre as referências tipológicas disponíveis, aquela
que ele mesmo julgue como a mais adequada para o problema projetual que tem em mãos.
Tal valoração do tipo, evidentemente, trazia implícita a necessidade de uma elaboração
sistemática para o processo de abordagem tipológica da arquitetura e do projeto. As
proposições de Rossi, tanto no campo acadêmico quanto na atividade projetual, vão nessa
direção (MONEO, 1998; BRAGHIERI, 1997).
Para Rossi (1995, p. 26-27), as idéias de Quatremère de Quincy seriam suficientes para
estabelecer que o tipo “é a regra, o modo constitutivo da arquitetura”, ou, mais
radicalmente, que o tipo “é a própria idéia da arquitetura, aquilo que está mais próximo de
19
sua essência”. E, se esse tipo for uma constante, então ele “poderá ser encontrado em todos
os fatos arquitetônicos”, constituindo-se como um “elemento cultural” que, embora
determinado, conflita e articula-se com “a técnica, com as funções, com o estilo, com o
caráter coletivo e o momento individual do fato arquitetônico”.
Sobre essas bases, Rossi propunha a tipologia “como o estudo dos tipos não ulteriormente
redutíveis dos elementos urbanos, tanto de uma cidade como de uma arquitetura”,
afirmando a necessidade de seu amplo tratamento sistemático, pois se “nenhum tipo se
identifica com uma forma”, “todas as formas arquitetônicas” são redutíveis a tipos, em um
processo lógico.
Quase vinte anos depois da primeira edição, em 1966, de A Arquitetura da Cidade (Rossi,
1995), Rossi (1985, p. 100) afirmaria entender “a tipologia de um edifício como uma
coleção de dados geométricos, técnicos e históricos que estão na base de todo projeto”,
abrangendo também um componente antropológico, e cuja relevância é indubitável, seja
para a teoria da arquitetura, seja para a prática profissional.
Para Colquhoun (1975, p. 368), essa utilização da tipologia na obra de Rossi partia da idéia
de tipo em um nível tão alto de generalização que ele se tornava quase invulnerável à
interferência tecnológica e social. Decorriam daí imagens subjetivas e poéticas, mas
fortemente vinculadas a utilizações de analogias ou contrastes, com resultados que,
freqüentemente, evocavam leituras tipológicas próprias do arquiteto, e não reveladas pela
cultura. Como sugeriu Moneo (1978, p. 36), os tipos parecem ter saído da imaginação de
Rossi, resgatados de “um passado que pode não ter existido”.
Francescato (1994) entende que a noção de tipo revelada por Rossi em sua atividade
projetual parece ser fortemente prescritiva e, ao mesmo tempo, nostálgica: uma espécie de
proposição visando à recuperação de binômios forma-função do passado, de maneira
crítica ou poética. Essas observações, entretanto, não se estendem a outros representantes
do neo-racionalismo italiano, como Aymonino, Gregotti e Grassi, entre outros, todos eles
com atividade teórico-acadêmica paralela a uma, se não intensa, pelo menos significativa
produção em arquitetura e urbanismo (COLQUHOUN, 2004). Agrupados no movimento
conhecido como Tendenza, eles foram responsáveis pela qualificação do debate tipológico
em seus princípios, tanto quanto pela posta em prática de estudos tipológicos e de projetos
imbuídos de suas visões sobre tipo e tipologia (FRAMPTON, 1989).
20
Oeschlin (1985, p. 67) situa o grupo mencionado como membros de um “círculo de
iniciados” que, a partir da Itália, conseguiu produzir nos anos 1960 e 1970 uma discussão
aprofundada e reveladora sobre a essência da arquitetura e sobre o processo criativo em
projetação arquitetônica.
Essa discussão, centrada na distinção tipo-modelo e nos modos de apropriação da análise
tipológica na atividade projetual, pôde estabelecer um contraponto inicial a uma
compreensão superficial do conceito de tipo. Oeschlin (1985, p. 66) identifica uma
primeira reação à valoração da abordagem tipológica, atribuindo a Bruno Zevi a afirmação
de que “a arte é anti-tipológica, toda criação arquitetônica é inevitavelmente uma
interpretação individual do artista”.
Nesse sentido, a tipologia veio a ser confundida com tipificação, e o conceito de tipo
arquitetônico aproximado ao conceito de tipo funcional de edifício, como no conhecido
trabalho de Pevsner (1976), ou ao de padrão volumétrico.
No primeiro caso, como enfatiza Lampugnani (1985), o caráter banalizante da
interpretação – tipologia assimilada a tipificação – está em sintonia com o conceito de
eficiência econômica da produção de edifícios, de que se imbuiu o processo de edificação
em massa da “casa mínima” a partir do CIAM de 1927. Aqui, o tipo não é derivado do
precedente arquitetônico, e sim definido a partir das possibilidades tecnológicas de
produção industrial de componentes padronizados.
No segundo caso, assinala Francescato (1994), a banalização do conceito de tipo se dá pelo
sentido meramente taxonômico que adquire. Um sentido que é capaz tão somente de
produzir catálogos que são, no máximo, um passo intermediário no processo de
estruturação do conhecimento, nunca um fim em si mesmo (UNGERS, 1985). Como
afirma um crítico do pensamento tipológico, essas “formulações simplistas são pouco mais
do que catálogos intermináveis e negligentes para os tímidos e os sem imaginação [...]
confundem tipo e pensamento tipológico com cenografia histórica” (BELL, 1991, p. 19).
Os muitos usos e maus usos da palavra tipo – que admite muitas acepções –, às vezes do
conceito – vago ou ambíguo –, produziram, a partir da retomada da discussão tipológica
nos anos 1960, uma certa falta de objetividade tanto nas críticas quanto nas apologias da
abordagem tipológica da arquitetura.
21
Talvez o mais reiterativo e contundente crítico da abordagem tipológica, Peréz-Gómez
(1991, p. 14-15) entende as formulações de Quatremère de Quincy como uma proposição
de tipo como modelo formal, o que assimilaria a tradição arquitetônica a uma “autoreferenciada história dos edifícios” que elude “a dimensão invisível” da arquitetura.
Kahn (1991, p. 111) retruca que essa é uma compreensão univalente do tipo em
Quatremère: ao ressaltar a natureza convencional da tipologia, confunde-se tipo e modelo e
se omite “a tensão entre convenção e inovação” que é inerente ao ato arquitetônico de
confrontar a “dimensão invisível” do tipo ao edifício material concreto.
Por outro lado, Symes (1994) tenta extrair elementos para uma análise generalizada dos
usos do tipológico na prática arquitetônica, a partir de uma caracterização de Vidler (1989,
p. 147) pela qual “a idéia de tipo na teoria arquitetônica [...] tem um significado deveras
abrangente de concepção, forma essencial, e tipo edilício”, devido ao fato de que as
múltiplas acepções do termo tipo “fizeram com que se prestasse bem a representar uma
idéia ao mesmo tempo vaga e precisa”. Symes (p. 165) propõe, então, uma nomenclatura
em que o conceito de tipo é assimilado à palavra tipo para designar tipos de prática
arquitetônica, tipos de arranjo físico e tipos de uso: tudo isso para descrever como “os
arquitetos usam o pensamento tipológico em seu trabalho profissional”.
Diante dessa profusão de leituras distintas, cabe estabelecer alguns elementos de partida
com vistas a delimitar o entendimento do pensamento tipológico que guiará este trabalho.
Admite-se a avaliação de Reichlin (1985) que, discutindo a natureza taxonômica do tipo,
afirma que ele promove um censo do conhecimento e um reordenamento da experiência
histórica em torno da disciplina arquitetônica.
Mas, o remontar ao significado histórico não se dá somente pela permanência do tipo,
como enfatiza Corona Martínez (2000), mas também por meio de processos de analogia ou
mesmo de confrontação (SOLÁ-MORALES, 1996).
Nesse sentido, a crítica de Pérez-Gómez (1991, p. 16-18), para quem o tipo “pode ser
obviamente percebido na repetição de precedentes formais na história das edificações” e o
seu uso como “banal” estratégia analítica ou projetual “nega a nossa [do arquiteto] real
capacidade para a invenção e a imaginação” é contestada por Kahn. Os termos dessa
contestação são postos pela afirmação de que, corretamente interpretado, o conceito de tipo
“é um construto crítico operativo, igualmente relevante para o discurso arquitetônico em
22
geral quanto para temas específicos de originalidade e repetição relativos ao papel do
passado na produção arquitetônica de hoje” (KAHN, 1991, p. 113).
Em verdade, o tipo revela e consolida a norma e os valores estéticos acumulados, como
resultado de fatores socioculturais que condicionaram a formação desses valores e dessa
norma.
Mas, na mesma medida da permanente transformação dos fatores culturais da sociedade, o
tipo e a abordagem tipológica estão associados ao processo contínuo de mudanças na
norma e nos valores estéticos vigentes a cada momento (Colquhoun, 1996b).
É daí que Hinson (1991, p. 5) realça a natureza dialética do conceito de tipo, expressa na
relação conflituosa entre convenção e inovação, de modo que “o comum em arquitetura é o
atributo sem o qual o incomum não pode ser criado nem apreciado”.
A abordagem tipológica, então, traz implícita a necessidade de uma aproximação com a
história, sem deixar de revê-la criticamente, de modo que o tipo sirva de base, natural ou
social, para a constituição da forma e de referência de validação para a produção da
Arquitetura (Vidler, 1976), dê-se essa validação pela utilização criativa do tipo, pela
evolução ou pela revolução tipológica.
Nas palavras de Colquhoun, a adoção de abordagens tipológicas não equivale
a advogar uma reversão para uma arquitetura que aceite impensadamente
a tradição. Isso implicaria acatar que formas e significado guardam uma
relação fixa e imutável. A característica dos nossos tempos é a mudança,
e é precisamente por isso que é necessário investigar o papel
desempenhado por soluções-tipo com respeito a problemas e soluções
que não têm precedente em qualquer tradição recebida (COLQUHOUN,
1996a, p. 257).
Munindo-se desses elementos, pode-se agora proceder a uma aproximação ao conceito de
tipo a partir de sua mesma gênese no século XIX. Tal procedimento tem o objetivo de
aportar ao trabalho a possibilidade de uma apropriação mais consistente do conceito,
revelando a essência das abordagens teóricas de Quatremère de Quincy, Durand e Violletle-Duc a partir de uma compreensão contemporânea dos conceitos de tipo e tipologia, com
vistas a garantir relevância e coerência à matriz de instrumentos analíticos que é o objeto
final do trabalho apresentado neste capítulo.
23
2.3. Antecedentes dos teóricos do século XIX
As primeiras explicitações teóricas do tipo e da tipologia remontam a princípios do século
XIX, quando, de acordo com Lavin (1992) e Madrazo (1995), Quatremère de Quincy
introduzira por vez primeira o termo tipo na teoria da arquitetura. Entretanto, Madrazo
(1995) assinala que a noção teórica e, mais tarde, o conceito de tipo sempre estiveram
historicamente ligados a questões teóricas fundamentais na Arquitetura: a origem da forma
e seu significado, a sistematização do conhecimento prevalente e a compreensão do
processo criativo do projeto.
Mauro (1985) informa que na filosofia grega o vocábulo typos era associado à noção de
modelo, significando então um conjunto de características obrigatoriamente presentes em
um grupo de indivíduos concretos. Madrazo (1995) fixa no século XVIII a apropriação do
vocábulo tipo para designar o significado epistemológico da noção de forma, enquanto
anteriormente o termo idéia integrava o significado epistemológico aos significados
metafísico, ético e estético, como em Platão.
No âmbito da teoria da arquitetura, as raízes do conceito de tipo podem ser rastreadas até
os tempos de Vitrúvio (Madrazo, 1995). Para Vitruvio, as origens da arquitetura estavam
na Natureza, de onde as criações humanas foram imitadas antes que se tornassem criações
intelectuais ou artificiais. Na Renascença, Leonardo da Vinci e Palladio, com seus
desenhos de igrejas de planta central e suas villas, exercitaram sua criatividade e seu
talento, de origem divina, expondo variações sobre um mesmo tema.
Para Madrazo, é nos séculos XVII e XVIII que os teóricos da Arquitetura vão por vez
primeira separar os significados da idéia, dando origem à emergência de uma leitura
epistemológica da forma que leva ao conceito de tipo em princípios do século XIX.
Ressalve-se que o esforço conceitual de Quatremère de Quincy – e de Durand, seu
contemporâneo – teve lugar, nas primeiras décadas dos 1800, quando, como nos anos
1960, a disciplina da arquitetura vivia uma crise de identidade. Entretanto, a crise que
levou aos questionamentos de Quatremère e Durand tinha razões bem distintas daquela que
sucedeu o apogeu modernista. Em finais do século XVIII, a Arquitetura ainda se apoiava
nas virtudes da tradição neoclássica e em sua formulação vitruviana: o divino e a natureza
eram os alicerces em que se apoiava a criação arquitetônica.
24
O desenvolvimento científico-tecnológico ocorrido no século XVIII não havia sido
absorvido pela Arquitetura, enquanto que era rapidamente introduzido na formação
profissional seguida nas escolas politécnicas francesas (PICON, 2000). O novo profissional
egresso dessas escolas, o engenheiro, estava mais capacitado para absorver a dinâmica
científico-tecnológica de seu tempo e, em conseqüência, era mais requisitado para dar
conta das novas necessidades edilícias e urbanísticas surgidas no seio da Revolução
Industrial e intensificadas com a consolidação da burguesia.
Assim, a não-apropriação do progresso técnico vai desqualificar o arquiteto como cientista,
obrigando-o a rever os princípios teóricos de sua profissão, e fazendo a arquitetura
ingressar em uma crise que, segundo Marques (199-), só seria superada com o
Modernismo. Entretanto, ao longo do século XVIII, os paradigmas vitruvianos já vinham
sendo questionados por teóricos como o Abade Laugier, Boullée e Ledoux. Em seus
trabalhos, como mostra Vidler (1977), a noção de tipo já aparecia, embora sob distintas
óticas, como uma diretriz de reconstrução da disciplina arquitetônica que se opunha à
simples manipulação das ordens vitruvianas (MADRAZO, 1995).
A linha de investigação de Laugier nasceu como um degrau a mais na pesquisa sobre
percepção da forma arquitetônica, manifestada na distinção entre real e aparente
desenvolvida pelos escritores franceses e ingleses no inicio do século XVIII (VIDLER,
1977). Para Madrazo (1995), o Abade traduzia uma reação contrária ao excesso de
formalismo na arquitetura de seu tempo (o barroco e o rococó).
Para corrigir esses excessos, Laugier achou necessário retornar à origem da Arquitetura
para encontrar os seus princípios fundamentais, atribuindo então à “cabana primitiva” um
caráter normativo, e erigindo-a no modelo a partir do qual toda arquitetura poderia ser
criada (VIDLER, 1977). A cabana primitiva de Laugier é um construto conceitual, mais
que um protótipo físico. Trata-se de um padrão abstrato que é deixado na mente depois de
observações de similaridades entre objetos diferentes. Logo, revela um processo relacional
entre percepção e aquisição do conhecimento.
Contemporaneamente a Laugier, uma noção similar de padrão abstrato de que derivaria a
criação arquitetônica fazia parte dos trabalhos de Boullée e Ledoux (PICON, 2000).
Avessos à diretriz vitruviana, tentaram identificar componentes fundamentais da
Arquitetura, dirigindo sua investigação em duas direções: as sensações produzidas por
25
formas elementares e os aspectos funcionais do espaço arquitetônico. A ênfase de Boullée
nas formas geométricas mais puras partia do entendimento de serem elas mais facilmente
apreendidas pelos usuários. Os estudos de Boullée e Ledoux, entretanto, não chegaram a
sintetizar as duas dimensões (sensações e funcionalidade), de modo que seus conceitos
básicos não resultaram operacionais (VIDLER, 1977).
É a partir dessas duas matrizes de investigação – Laugier, de um lado; do outro, Boullée e
Ledoux – que o conceito de tipo se desenvolveria na virada do século XVIII para o XIX.
Os trabalhos do Abade Laugier seriam redimensionados por Quatremère de Quincy,
enquanto que as investigações de Boullée e Ledoux seriam retomadas por Durand.
2.4. Tipo na visão de Quatremère de Quincy
Quatremère explicitou pela primeira vez na teoria da arquitetura o termo tipo, em 1825.
Em sua obra, as idéias neoplatônicas de Laugier sobre o caráter original da cabana vão
encontrar uma tradução culturalista (LAVIN, 1992). Tanto Laugier como Quatremère
acreditavam que a arquitetura tinha de ser regenerada, depois do excesso cometido no
passado imediato. Eles estavam certos que depois do abandono do modelo clássico, a
arquitetura se sentiria sem direção (MADRAZO, 1995). A solução que eles defendiam era
a mesma: era necessário voltar ao principio. Para Laugier, esse princípio era a cabana; para
Quatremère, era o tipo.
Pesquisando diferentes culturas, Quatremère concluiu que a cabana não era a única fonte
de toda arquitetura. Havia três fontes básicas, das quais toda arquitetura teria sido derivada.
A essas fontes ou germes, Quatremère chamou tipos – a cabana, a tenda e a caverna –, cada
um deles correspondente a uma organização social: respectivamente, comunidades
agrícolas sedentárias, tribos nômades, e caçadores. Daí, Quatremère concluiu que o tipo
estabelece uma conexão entre Arquitetura e sociedade, entre o projeto e as forças sociais
subjacentes, indicando uma dinâmica tipológica correspondente à dinâmica social
(LAVIN, 1992).
Quatremère mantém a interpretação de que esses tipos originais informam todo o processo
criativo em Arquitetura. Logo, a doutrina da imitação esta no núcleo do conceito de tipo de
Quatremère. De acordo com ele, a arquitetura seria uma arte imitativa. Por esta razão,
segundo a nomenclatura proposta por Madrazo (1995), ele diferenciou duas formas de
imitação na arte: a primeira, uma imitação literal ou real, em que o objeto de imitação é
26
um modelo concreto (mimese direta); a segunda, uma imitação ilusória ou abstrata, na
qual o objeto de imitação é o tipo (mimese indireta).
Assim, para Quatremère (apud MADRAZO, 1995, p. 188), “... para tudo é necessário um
antecedente, nada sai do nada”. Para ele, o artista arquiteto compõe sua criação a partir da
apreensão e da compreensão de uma regra interna que estrutura a forma. Trata-se do tipo,
um elemento abstrato a partir do qual se produzem obras (modelos) diferentes. Tipo e
modelo são assim diferenciados por Quatremère:
A palavra tipo não representa tanto a imagem de uma coisa que tenha
que se copiar e imitar-se perfeitamente, senão a idéia de um elemento
que deve servir de regra ao modelo [...] O modelo, entendido segundo a
execução prática da arte, é um objeto que deve se repetir tal qual é; o
tipo, ao contrário, é um objeto de acordo com o qual cada um pode
conceber obras que não se assemelham em absoluto entre si. Tudo está
dado e é preciso no modelo; tudo é mais ou menos vago no tipo. Assim
vemos que a imitação dos tipos não tem nada que o sentimento e o
espírito não possam reconhecer (QUATREMÈRE DE QUINCY, 1985,
p. 75).
Basicamente, Quatremère afirmou a necessidade de transcender a mera aparência dos
modelos e descobrir as regras e princípios a ele subjacentes, em uma atividade intelectual
criativa que captura o ponto de partida da criação a partir do modelo. As palavras de
Quatremère afirmam sua visão de que o modelo é uma forma para ser repetida, copiada e
imitada, e desta forma, é mais apropriada para o artesanato ou para tecnologias da
produção industrial do que para a arquitetura. A doutrina da imitação era válida tanto para
a arquitetura como para a pintura e a escultura. A diferença era que, em arquitetura, o
objeto de imitação – o tipo – é abstrato; nas artes figurativas, o modelo é um objeto
concreto.
Indo mais além, afirma Lavin (1992), o conceito de tipo foi a estrutura na qual Quatremère
ancorou seu entendimento da história da arquitetura. Para Quatremère, a relação entre as
arquiteturas primitiva e moderna pode ser entendida pelo estudo do processo de
transformação do tipo, uma metamorfose conceitual requerida cada vez que um edifício foi
projetado. Como resultado, o tipo arquitetônico do passado tornou-se chave para o tipo
futuro e, mais importante, para a sua legitimação pública e social.
Assim, Quatremère elaborou um argumento em que a evolução histórica da arquitetura
deixa de ser linear, em que tipos arquitetônicos oriundos de distintas culturas e momentos
históricos se cruzam, e em que o processo de imitação (mimese indireta) se caracteriza pela
27
atividade intelectual criativa de conceber e reconhecer um princípio ideal que estruture a
atuação criadora do arquiteto. Esse princípio, como assinala Oeschlin (1985), pressupõe
um enfoque sistemático, não apenas descritivo, do contexto histórico das regras,
permitindo que essas sejam transpostas para a metodologia projetual.
Oechslin (1985) conclui das reflexões de Quatremère a evidência de que o tipo não é um
modelo simplificador, um padrão reduzido da descoberta arquitetônica. Ao contrário,
Oeschlin considera o conceito de tipo como uma construção teórica inteligentemente
edificada, a partir da qual se pode estabelecer uma compreensão tanto do processo
evolutivo da Arquitetura quanto do processo criativo da projetação, nas suas recíprocas
interdependências.
Entretanto, não cabe dúvida de que a formulação conceitual de Quatremère é
extremamente abstrata, de forma vaga e de difícil operacionalização. Alguns, como Pérez
Gómez (1991), a consideram com uma noção bastante confusa e, de certa forma, inútil.
Essas críticas, entretanto, segundo Francescato (1994), estão muito ligadas à idéia de que o
enfoque tipológico aprisiona a mente criadora do arquiteto nos limites da convenção, o que
seria indesejável em um campo em que deve sobressair-se a invenção.
O próprio Quatremère já entendia o tipo como algo limitante, mas ao mesmo tempo
liberalizante das energias criadoras do arquiteto (FRANCESCATO, 1994). Afinal, a
dinâmica tipológica certamente supõe a progressiva alteração dos tipos, da mesma forma
que admite tanto a permanência do precedente quanto a sua negação pela geração de um
tipo novo.
O elemento central do debate sobre a validade das formulações de Quatremère passa pela
discussão dessa natureza supostamente conservadora, anticriativa, do conceito de tipo.
Francescato (1994) considera que parte da imprecisão do debate se deve à releitura de
Argan das idéias de Quatremère. Enquanto que este dava ao tipo uma orientação
neoplatônica, pensando o tipo como uma entidade a priori, Argan (1996, 2001) viu o tipo
como resultado de uma pesquisa de coisas em comum a trabalhos reais de arquitetos, ou
seja, como um exame a posteriori objetivando o descobrimento da “estrutura interna
formal” de uma série de trabalhos. Argan, como historiador, estava primariamente
interessado nas qualidades descritivas e taxonômicas do tipo e somente incidentalmente
naquelas que devem afetar a geração de formas.
28
Para Francescato (1994), há que se admitir que existe uma prática de utilização do conceito
de tipo, em arquitetura, meramente como um esquema taxonômico, geralmente associado a
categorias funcionais ou de construção. Mas, nesses casos de utilização do conceito, em
que se salienta o elemento funcional ou tecnológico, o atributo da forma não é central.
Para Quatremère, ao contrário, a geração da forma está no núcleo do conceito de tipo.
Portanto, essa visão meramente “classificadora” não pode ser assimilada a Quatremère.
Sua teoria tipológica, ao diferenciar claramente os conceitos de tipo e modelo e definir o
tipo como um núcleo abstrato capaz de gerar obras diferentes, ressalta o papel criativo do
arquiteto ao afirmar que a forma resulta de operações intelectuais criativas operando sobre
as idéias (o tipo) que estão por trás das formas precedentes.
2.5. O tipo na obra de Durand
Contemporâneo de Quatremère, Jean-Nicolas-Louis Durand retomou os estudos de Boullée
e Ledoux em busca de identificar fundamentos da arquitetura precedente. Boullée e
Ledoux haviam trabalhado, sem êxito, na direção de sintetizar duas vertentes da análise
dos espaços arquitetônicos: as sensações produzidas e os aspectos funcionais. Durand,
entretanto, se fixou apenas nos elementos formais da arquitetura pregressa (PICON, 2000),
com o objetivo de produzir um método operativo de análise e projetação que internalizasse
o conhecimento e a manipulação de soluções prevalentes.
Arquiteto, teórico pragmático e professor da Escola Politécnica de Paris, onde o ensino se
centrava em conhecimentos científicos e tecnológicos, Durand orientou seu esforço de
pesquisador para uma fazer arquitetônico que fosse, nas palavras de Picon (2000), tão
rigoroso quanto as ciências da observação e dedução, tão eficiente quanto a engenharia.
Durand rejeitava as teorias de Vitrúvio e de Laugier, que defendiam que o princípio
fundamental da arquitetura estava no corpo humano e na cabana, respectivamente. Para
ele, o verdadeiro princípio fundamental da arquitetura – ou seja, o tipo – devia ser buscado
na própria arquitetura. Por isso, Durand analisou os edifícios do passado, sintetizando-os
para revelar suas características comuns, representadas em formas geométricas básicas
(MADRAZO, 1995).
Seu trabalho teórico mais conhecido está recolhido em duas obras publicadas entre 1800 e
1805: o Recueil et parallèlle dês edifices de tout genre, anciens et modernes e o Précis des
29
leçons d’architecture données à l’École Polytechnique (DURAND, 2000). Este último, um
curso básico em arquitetura para futuros engenheiros, lançava mão do material
sistematizado no primeiro para orientar a aprendizagem da projetação de edifícios. Daí
pode-se depreender uma preocupação essencial na obra de Durand: o projeto.
O Recueil tinha o objetivo de apresentar, desenhados em uma mesma escala, edifícios
relevantes de todos os gêneros, novos ou antigos, e em vários países. Os edifícios eram
comparados entre si, sugerindo, segundo Villari (1990, p. 55), a idéia de investigação em
que a arquitetura – “concebida como um modelo de organização funcional para a atividade
humana” – seria uma representação das formas da vida social e do modo de vida. Nessa
direção, o trabalho de Durand no Recueil pode ser entendido como um levantamento
sistemático de exemplares precedentes, que podem ser usados de forma a constituir-se, na
mente do estudioso arquiteto, em fonte de conhecimento e cultura.
As intenções de Durand eram as de apresentar plantas e elevações dos edifícios analisados
na forma mais limpa possível. Para ele, o desenho era apenas um instrumento de
representação da arquitetura dos edifícios, uma transcrição tecnográfica (VILLARI, 1990).
Em suma, Durand buscava uma representação o mais fiel possível da anatomia do edifício,
descartando efeitos meramente decorativos e concentrando-se nas definições mais
puramente geométricas do projeto, para ele os princípios genéricos da Arquitetura
(MADRAZO, 1995).
Vê-se que o Durand do Recueil não desmerece o Durand do Précis. Neste livro, Durand
(2000) propunha um método de projeto baseado em três etapas. A primeira, cujo objeto são
os elementos da arquitetura, está concentrada em alvenarias, colunas, arcadas etc.,
analisadas dos pontos de vista da qualidade do material e de seu uso, ou seja, a tecnologia
construtiva (VILLARI, 1990).
A segunda etapa do método de Durand se dirige à composição, a qual ele mesmo definia
como um processo de agregação ou encaixe (assamblage) dos elementos e das partes da
arquitetura. Nas palavras de Durand:
em primeiro lugar, devemos ver como os elementos da arquitetura
deveriam ser combinados entre si e como deveriam se encaixar no todo,
tanto no plano horizontal quanto no vertical; em segundo lugar, devemos
verificar como, por meio das combinações de elementos, as partes do
edifício – como pórticos, átrios, vestíbulos, escadas interiores e
exteriores, cômodos em geral, pátios, fontes – são obtidas. Se julgarmos
30
o resultado satisfatório, devemos então combinar as partes para compor
o edifício (DURAND, 2000, p. 119).
Na terceira etapa do Précis, Durand examina diversos edifícios com respeito a suas
funções, como elas se combinam e como se traduzem espacialmente, para finalmente
estudar a articulação desses espaços (DURAND, 2000). Para Villari (1990), o resultado
desse processo é uma classificação tipológica que, entretanto, só tem sentido quando está
relacionada com as duas etapas anteriores. Assim, embora Vidler (1977) atribua a Durand
a paternidade do moderno conceito de tipologia, não parece ter sido a categoria do edifício,
assim definida pela função, o objeto central das preocupações de Durand.
Com efeito, Oeschlin (1985) ressalta em Durand o apego à geometria, a suas formas
básicas e à riqueza de possibilidades que se abrem mediante a articulação dessas formas
básicas em formas cada vez mais complexas. Se, lembra Oeschlin, o Précis mostra
precisamente como edifícios existentes podem ser reduzidos geometricamente até serem
“anatomicamente” dissecados em partes constituintes singelas, isso se deve a que Durand
estava realmente interessado em tornar legível na arquitetura pregressa a vinculação entre
categorias de edifícios e determinados arranjos compositivos, organizados a partir de
formas elementares da geometria plana. Ou seja, a partir das formas das figuras
geométricas, reconhecer o pensamento arquitetônico a elas subordinado.
Além disso, Picon (2000) acredita que o método proposto no Recueil representa para
Durand a formalização do material histórico através da redução para o essencial para uso
no processo projetual concreto. Assim, a relação entre a sistematização da geometria e da
história forma premissas fundamentais para uma introdução racional da tipologia.
É admissível, então, ressaltar na obra de Durand a catalogação extensiva de alternativas de
composição no plano dos elementos da arquitetura, em um primeiro nível, e de articulação
entre partes da arquitetura, no segundo. Daí pode-se depreender que o esforço tipológico
de Durand se concentra, não no edifício (ou seja, não na visão de tipo edilício de Pevsner,
1976), mas no método. Essa leitura pode ser reforçada com o uso de palavras do próprio
Durand no Précis:
Combinar diferentes elementos entre eles, e daí formar partes do edifício
que, combinadas entre si, formam o todo – este é o caminho a seguir
quando se deseja aprender a compor; quando se compõe, o caminho é ao
contrário, começando do todo para as partes e daí para os detalhes
(DURAND, 2000, p. 127).
31
A idéia subjacente é de que uma mesma via é seguida em sentidos diferentes, um para o
processo de análise, outro para o de síntese. O processo criativo do arquiteto, propõe
Durand, deve ser iluminado pelo conhecimento das soluções de composição (o catálogo de
soluções pregressas), mas não pressupõe nem uma atitude passiva de incorporação de
formas-tipo adequadas a funções, nem a rigidez de um processo pré-definido.
O trabalho teórico de Durand carrega a marca do novo contexto técnico-científico de seu
tempo. Em muitos aspectos, tanto na definição dos elementos de arquitetura ou teorizando
o uso de tipos arquitetônicos, ele retomou e completou o trabalho inacabado de Boullée e
Ledoux. Mas, segundo Picon (2000), houve um preço a ser pago: desaparecem os aspectos
mais “poéticos” e em seu lugar está um “método”. Pérez Gómez (1983), inclusive, chegou
a chamar Durand de arquiteto “enxuto”, um possível eufemismo para “limitado” ou
“redutor” da complexidade da arquitetura a um plano puramente racional.
Para De Fusco (1990, p. 72), entretanto, Durand “elabora uma tipologia morfológica com
flexibilidade e capacidade de adaptação a demandas e usos funcionais diversos do edifício
singular”, concebendo aí um mecanismo de análise ajustável a qualquer edifício. Dessa
forma, a abordagem tipológica de Durand – embora sua técnica de projetação possa
parecer hoje ingênua ou simplista – aponta significativamente na direção do entendimento
de como o ato arquitetônico de projetar opera com elementos geométricos estruturais,
articulando-os por meio de soluções combinatórias para propor espaços arquitetônicos
complexos (MADRAZO, 1995).
2.6. O tipo na visão de Viollet-le-Duc
Eugène Emmanuel Viollet-le-Duc foi um dos mais proeminentes teóricos da Arquitetura
no século XIX. Como Quatremère e Durand, Viollet-le-Duc não aceitava o paradigma
vitruviano das ordens naturais como princípio fundamental da Arquitetura. Por outro lado,
como assinala Madrazo (1995), Viollet-le-Duc compartia com outros teóricos de seu
século o sentimento de que os anos 1800 eram anos sem “estilo”, ou seja, sem uma
arquitetura peculiar que o distinguisse, como ocorria com a arquitetura grega, egípcia,
romana ou medieval.
Para Viollet-le-Duc, a palavra estilo significava “em uma obra de arte, a manifestação de
um ideal estabelecido sobre um princípio” (apud MADRAZO, 1995, p. 259). Havia, para
Viollet-le-Duc, leis naturais antecedentes à idéia criativa e, nesse sentido, pode-se assimilar
32
o tipo de Quatremère ao estilo de Viollet-le-Duc. Ambos os conceitos invocam, segundo
Madrazo, um princípio genérico inerente à natureza que o arquiteto deve imitar (a mimese
indireta de Quatremère).
Mas, para Viollet-le-Duc, esse princípio que constitui a base da genuína criação na
Arquitetura não é necessariamente derivado da natureza. Para Viollet-le-Duc – um
racionalista e, portanto, um seguidor da idéia de que as razões do homem e da natureza são
equivalentes –, a arquitetura precedente que tinha estilo também podia ser objeto de
imitação, desde que o arquiteto não se limitasse a copiar a aparência dos estilos passados
(ou seja, suas formas aparentes), mas sim que buscasse entender os princípios essenciais
inerentes à formação desses estilos (VIOLLET-LE-DUC, 1990).
Em seu trabalho como restaurador, afirma Colquhoun (1996b), Viollet-le-Duc procurava a
essência da arquitetura gótica, reduzindo-a a um conjunto de princípios instrumentais, em
um método de trabalho que, implicitamente, revela uma tentativa de encontrar a base da
intervenção restauradora na idéia escondida dentro do edifício analisado.
Essa idéia, ou “forma oculta”, equivalente do princípio estruturador da forma visível em
Quatremère, estaria condicionada, na visão de Viollet-le-Duc, pela solução estrutural e pela
lógica ditada pelos materiais e técnica construtiva (GUBLER, 1985). Segundo Madrazo
(1995), isso significava um entendimento de que o suporte físico do edifício – a estrutura –
era inseparável do princípio interior que dá unidade à forma, o que inclui também o
desenvolvimento espacial do edifício.
Há, portanto, na teoria de Viollet-le-Duc, uma menção explícita a um trabalho de análise
que precede a elaboração criativa do projeto. Esse trabalho analítico, concretizado no
conhecimento e no estudo da arquitetura precedente, exigia, porém, uma valoração crítica,
um juízo de valor, sobre a qualidade (a existência ou não de estilo) da arquitetura estudada.
2.7. Integração dos conceitos de tipo
Para Lavin (1992), Quatremère abordou cientificamente o entorno sociocultural da
Arquitetura precedente com o objetivo de gerar um modelo operativo de projetar. Para
Picon (2000), Durand enfocou cientificamente o ato de projetar como forma de gerar
projetos adequados e convenientes para diferentes sociedades e usos. Para Madrazo (1995),
Viollet-le-Duc adotou o paradigma científico de seu tempo para defender projetos que
33
articulassem eficientemente a forma e os fatores de contexto (materiais, técnica, função,
clima).
Ou seja, todos eles pesquisando cientificamente o ato criativo do projeto, enfatizaram as
estreitas relações entre a Arquitetura e seu contexto humano, sociopolítico e tecnológico.
Por outro lado, todos eles construíram teorias e argumentos em que, necessariamente, o
processo de projetação inclui uma fase inicial de análise da arquitetura precedente. Na
visão tipológica de Francescato (1994), a abordagem tipológica também se insinua em todo
o decorrer do processo projetual, segundo algum modelo do processo de projetação que
absorve e operacionaliza o conhecimento tipológico.
Concretamente, os três teóricos analisados orientaram seus estudos pela busca da essência
da Arquitetura. Para Quatremére, essa essência era o tipo, termo que usou explicitamente, e
que definia como uma lei geratriz interna e abstrata com poder de estruturar o trabalho do
arquiteto. Para Durand, a essência estava nas figuras geométricas básicas que sintetizavam
o edifício e que serviam como elementos fundamentais para a atuação criativa do arquiteto.
Para Viollet-le-Duc, que chamou essa essência de estilo, ela era um princípio unificador da
estrutura e da forma arquitetônica, decorrente do material e da técnica construtiva.
Essas diferentes visões acerca do que constitui a essência da arquitetura não bastam para
caracterizar as posições de Quatremère, Durand e Viollet-le-Duc como conflitivas. Na
verdade, as leituras de Quatremère e Durand foram freqüentemente consideradas como em
conflito (STROHER, 2001), embora Oeschlin (1985) defende a sua utilização combinada
como forma de aprimorar teoricamente a análise e a projetação arquitetônica.
Com relação à concepção tipológica de Viollet-le-Duc, considera-se em geral que ela é
bastante próxima da de Quatremère (MADRAZO, 1995), muito embora a “idéia
estruturadora” deste seja abstrata e invisível, enquanto que a daquele é mais concreta,
consistindo de estrutura e tecnologia construtiva.
De outra perspectiva, Durand enfatiza a geometria da planta em sua abordagem do
processo projetual. Quatremère põe a ênfase no conceito subjacente à estruturação do
objeto arquitetônico, enquanto que Viollet-le-Duc ressalta a decisão em torno dos materiais
e técnicas construtivas do edifício, embora a situe no plano da concepção do projeto.
34
Em verdade, pode-se entender que essas três visões são complementares. Não há um claro
conflito entre elas e sua utilização simultânea pode fornecer uma compreensão mais
completa e integrada do edifício, de uma perspectiva mais contemporânea. Uma vez
definido um contexto, e considerada uma função, a integração destas visões permite
compreender, não só cada um dos elementos essenciais considerados pelos autores, mas
também as suas inter-relações e as suas relações com o contexto.
Por outro lado, essa solução responde de forma ampliada às afirmações de Francescato
(1994), para quem a vantagem principal do conceito de tipo e do pensamento tipológico,
seja na análise, seja na projetação de arquitetura, é a possibilidade de explorar os aspectos
relacionais forma-função. Nas suas próprias palavras:
Tipologias relacionais [...] são menos diretas. Relacional conota a idéia
de que tipo condensa o relacionamento entre forma arquitetônica e
utilidade. Essa conexão distingue a arquitetura e firma-se no núcleo do
empreendimento arquitetônico, mas tem sido difícil identificar e
descrever como o conceito de tipo incorpora essa conexão
(FRANCESCATO, 1994, p. 255).
Pode ser conveniente também lembrar que Argan (2001, p. 69) enunciou que o seu
conceito de tipo e o conceito de tectônica podiam se aproximar mutuamente, enriquecendo
a tipologia até o ponto de ela representar o “fundamento ‘nocional’ sobre o qual se funda
necessariamente a elaboração formal do artista”.
O que se propõe aqui é considerar que o inter-relacionamento entre forma-base, função,
geometria constituinte e tectônica adquire para o instrumento tipológico uma característica
relacional que enriquece o processo analítico, bem como o de projetação orientado pela
abordagem tipológica.
Assim sendo, julga-se que o procedimento analítico que resulta da aplicação deste
instrumento tipológico composto tem consistência interna, é satisfatoriamente sustentado
pela literatura analisada e apresenta exeqüibilidade operacional com respeito tanto à
análise evolutiva da tipologia arquitetônica hospitalar no Ocidente (que se realiza com base
em informação secundária) quanto ao estudo da evolução tipológica do edifício hospitalar
em Natal, que trabalha com informação primária coletada em campo.
35
2.8. Descrição dos instrumentos de análise
A opção metodológica desse trabalho se insere na linha de argumentação reconciliadora
das três abordagens já mencionadas do tipo (Quatremère, Durand, Viollet-le-Duc) e de
seus papéis no processo analítico em Arquitetura.
Nesta seção, explicita-se o conjunto de instrumentos que serão adotados na análise que se
procederá adiante. Esses instrumentos se derivam dos conceitos de tipo estudados, sendo
definidos de forma a que adquiram um caráter operativo, visando a seu uso posterior.
Conforme se pode deduzir das seções antecedentes deste capítulo, são os seguintes os
instrumentos a serem adotados:
(a) princípio organizador do espaço
Decorrente do conceito de tipo presente na obra de Quatremère de Quincy, o princípio
organizador do espaço é um conjunto de regras que regem a organização do espaço, na
forma de uma convenção abstrata. O princípio organizador do espaço não deve ser
confundido com (ou tomado por) um esquema gráfico, seja de planta, seja volumétrico. Ele
se exprime por palavras, não por croquis ou desenhos.
Sendo um princípio estruturador do espaço, seu enunciado define como as atividades de
um edifício vão se articular em um todo e se relacionar umas com as outras. O completo
entendimento de como essa regra foi apropriada em um projeto específico requer o
conhecimento do repertório da arquitetura e do contexto à época de elaboração e
materialização do projeto.
Logo, esse entendimento só pode se realizar verificando como ele se concretizou
posteriormente em um dado edifício, ou seja, de como um princípio abstrato revelou-se
materialmente em uma específica, dentre tantas possíveis, solução de planta, volumetria,
sistemas estruturais e tecnologia construtiva.
Neste trabalho, a aplicação do instrumento se deu, a partir do arranjo espacial de
atividades, inferindo o princípio subjacente com que foi estruturado aquele arranjo, por
meio de observação de elementos caracterizadores como:
x
natureza das atividades (religiosas, terapêuticas, de apoio, cuidados aos pacientes,
técnico-científicas etc.);
36
x
nível de complexidade, observando a diversidade de áreas e arranjos para executar
cada atividade (quantidade de áreas e/ou compartimentos necessários para realizar
cada atividade);
x
relação de proximidade entre atividades (perto x longe, contínua x descontínua, acima
x abaixo etc.);
x
natureza da conexão entre atividades (direta ou indireta, de primeiro ou de segundo
nível hierárquico, condicionada ou independente, em série ou em paralelo etc.);
x
natureza da formação de grupos espaciais de atividades (inter-relações funcionais,
afinidade de uso, estética, ambiental etc.);
x
modo de distribuição dos grupos ou das atividades (funcional – processo racional,
inter-relações funcionais, visão sistêmica, zoneamento; estética – composição,
hierarquia, simetria, significado);
x
tratamento dos fluxos externos e internos à edificação (disciplinamento, controle,
sequenciamento, convergência, divergência e separação de fluxos);
x
orientação solar (insolação, ventilação, luminosidade).
(b) esquema geométrico da planta
Originária da concepção de tipo presente na obra de Durand, a planta é a concretização
gráfica do princípio organizador do espaço. Sua descrição geométrica esquemática,
portanto, se dá na forma de esquemas gráficos e de comentários textuais, os quais
permitem tentar inferir por que razão, em um caso específico de um projeto de edifício,
adotou-se uma solução geométrica (e não uma outra) para dar guarida a um conjunto de
atividades regidas por um princípio de organização do espaço. Tendo em vista o fato de
que a planta materializa as pretensões que o arquiteto recolheu no princípio organizador do
espaço, faz-se necessário que as observações nesse instrumento estejam articuladas com
aquelas feitas com respeito ao instrumento anterior. Salientar-se-ão aspectos referidos a:
x
síntese da planta em uma(s) figura(s) geométrica(s) básica(s);
x
dimensões relativas na direção dos eixos, tanto na horizontal quanto na vertical;
x
eixos principais e secundários de desenvolvimento;
x
modulação em planta e na vertical;
x
forma de relacionamento entre figuras geométricas básicas;
x
como se posicionam os compartimentos entre si;
x
restrições que a forma do terreno induz na forma da planta;
37
x
natureza dos volumes resultantes;
x
como se relacionam esses volumes.
Obtêm-se as figuras geométricas básicas representantes da planta, bem como o modo de
composição dessas formas para a definição progressiva de pavimentos do edifício e do
todo edificado, ressaltando-se a solução volumétrica final. Leva-se em conta o contexto
social e político, bem como outros condicionantes, do empreendimento e da planta, que
sejam inerentes à função do edifício.
(c) tecnologia construtiva
Devida à visão de tipo propiciada por Viollet-le-Duc, a tecnologia construtiva engloba
sistema estrutural, materiais e técnica construtiva. Constitui um instrumento que analisa
como a idéia estruturadora do espaço (de Quatremère), graficamente concretizada na planta
(de Durand), se converte em espaço edificado concreto. Naturalmente, sua definição é
dependente do contexto histórico, diretamente – dados os condicionantes tecnológicos e
econômicos das decisões neste instrumento – ou indiretamente, em razão de fatos e
limitações econômicas, culturais e sociais. Por outro lado, vincula-se fortemente à eleição
da planta, de modo que as considerações aqui feitas devem forçosamente articular-se com
as que se fizerem com respeito a esse outro instrumento de análise. Inclusive, soma-se à
planta para influir na volumetria predial.
Observar-se-ão, nos edifícios concretamente construídos a solução estrutural e construtiva,
sua adequação e ajustamento aos espaços projetados, em termos geométricos e
volumétricos, tecnológicos e simbólicos. Por fim, há que ressaltar a necessidade de uma
articulação interna no que concerne aos comentários feitos nos sub-instrumentos (estrutura,
materiais, técnica de construção), uma vez que as decisões de projeto a esse respeito são
necessariamente interdependentes.
Assim definido, esse conjunto de instrumentos será aplicado neste trabalho em duas
instâncias distintas. Em primeiro lugar, serão utilizados para analisar a evolução dos
edifícios hospitalares no mundo ocidental. Nessa instância, o material objeto da aplicação
provém de informação secundária, na forma de informação bibliográfica, documental,
fotográfica, iconográfica ou literária a respeito de edifícios hospitalares representativos das
mais diversas épocas. É evidente que, nessa primeira instância de aplicação, haverá de
simplificar o modo de aplicação dos instrumentos, uma vez que haverá casos de
38
informações faltantes e, ao mesmo tempo, casos em que a informação obtida só
parcialmente será adequada à análise. Os resultados dessa aplicação estão apresentados no
capítulo seguinte, o terceiro do documento.
Em segundo lugar, o instrumental de análise será aplicado a edifícios hospitalares de Natal,
Rio Grande do Norte, com vistas a analisar a evolução tipológica por eles apresentada visà-vis a evolução tipológica da arquitetura hospitalar no mundo ocidental. Nessa instância, a
aplicação dos instrumentos se dará diretamente sobre projetos de arquitetura e sobre
edifícios construídos, nas condições de método que, junto com os resultados, são
apresentadas no capítulo 5 deste documento.
Cabe, nesse momento, relacionar esses instrumentos e esse detalhamento operacional às
perguntas formuladas na seção primeira do capítulo 1 deste trabalho. Com efeito, se a
análise tipológica é um instrumento metodológico capaz de endereçar respostas àquelas
perguntas, como ali se supôs, então não haverá dificuldades em perceber como a aplicação
dos instrumentos analíticos acima especificados pode responder às perguntas colocadas
inicialmente a este trabalho.
A primeira daquelas perguntas indaga sobre o porque de uma dada configuração geral do
edifício se considerar mais adequada para atender as necessidades em um dado momento e
em um dado contexto. Ora, a configuração geral é determinada pela planta organizada com
base na lei geratriz da forma e efetivamente materializada pela incidência do sistema
estrutural e construtivo. Mas tudo isso está relacionado, conforme se apontou na
especificação acima, a fatores determinantes de contexto.
As demais perguntas ali colocadas podem ser respondidas com a afirmação de que, na
medida em que configuração geral e contexto estão vinculados, mudanças de contexto
produzirão, necessariamente, alteração nas configurações gerais. Desse modo, transladar
experiências tipológicas de um a outro contexto, sem as necessárias adaptações, não é uma
alternativa adequada. Da mesma forma, se o arquiteto for capaz de intuir as mudanças
futuras no contexto, poderá antecipar, ao menos na forma de projetos mais flexíveis e
adaptáveis, as configurações gerais que mais se adequarão às necessidades por vir.
Capítulo 3
E v o l u ç ã o d a s t i p o l o g i a s a rq u i t e t ô n i c a s
do edifício hospitalar
40
3. Evolução das tipologias arquitetônicas do edifício hospitalar
Neste capítulo, tem-se por finalidade estabelecer, com base no instrumental de análise
definido no capítulo anterior, uma compreensão de como as tipologias arquitetônicas do
edifício hospitalar se sucederam ao longo do tempo, sobre o pano de fundo de
transformações institucionais, culturais, sociais, políticas e do desenvolvimento histórico
da Medicina e da tecnologia médica. A análise está delimitada por um recorte geográficotemporal que circunscreve as tipologias estudadas à arquitetura hospitalar ocidental, da
Idade Média até a contemporaneidade.
Justifica-se ajustar o foco à arquitetura hospitalar do Ocidente pelo fato de que as hipóteses
e questões-chave deste trabalho enfatizam o tema da assimilação, por uma arquitetura
local, da evolução tipológica da arquitetura hospitalar em plano mundial. Como a
assimilação supõe laços de intercâmbio ou influência cultural e profissional, e na medida
em que os laços entre a arquitetura local estudada e o Oriente são pouco significativos,
excluiu-se do escopo do trabalho a arquitetura hospitalar oriental.
O recorte temporal adotado estabeleceu a Idade Média como ponto de partida para o
estudo. Tal decisão, em primeiro lugar, se ancora no fato de que é na Idade Média que vai
se firmar, no Ocidente, o conceito de hospital enquanto espaço de atenção ao enfermo ou,
na definição aqui adotada, unidade de saúde com atendimento em regime de internação.
Por outra parte, desde as primeiras observações empíricas feitas neste trabalho, pôde-se
perceber que a arquitetura hospitalar em Natal registra exemplares com definições
tipológicas que remontam à Idade Média. Assim, seja para apreender a atuação dos fatores
de transformação tipológica do edifício hospitalar, seja para realizar a análise comparativa
das evoluções tipológicas estudadas, julgou-se metodologicamente necessário adotar o
hospital medieval como marco inicial do processo.
O trabalho apresentado neste capítulo tem por base uma pesquisa bibliográficodocumental. Nela, buscou-se caracterizar o contexto em que se projetaram e construíram
hospitais e as séries tipológicas de edifícios que mais significativamente marcaram os
períodos estudados. Foi seguida uma periodização corrente em estudos históricos de
distintas naturezas: o período medieval, a Renascença, o Iluminismo, a Era Moderna e o
período contemporâneo da pós-modernidade.
41
Cabe ressaltar que muitas das referências bibliográficas utilizadas já apontam resultados de
estudos anteriores no campo da tipologia do edifício hospitalar, até mesmo quando tal
objetivo não é diretamente perseguido. Julgou-se consistente levar em conta essas
considerações tipológicas presentes na literatura consultada, adotando-as inicialmente
como sugestões a serem confrontadas e eventualmente adaptadas ao instrumental analítico
que se elegeu como marco referencial do trabalho.
Assim, o procedimento metodológico seguido foi o de apoiar-se em algumas dessas obras
de referência (C. H. BOEHRINGER SOHN, 198-; THOMPSON; GOLDIN, 1975;
IMBERT, 1982; JAMES; TATTON-BROWN, 1986; GOLDIN, 1994; VERDERBER;
FINE, 2000) para elaborar uma interpretação preliminar da evolução das tipologias
arquitetônicas hospitalares no Ocidente. Posteriormente, essa interpretação foi ajustada em
função de análises específicas feitas de hospitais representativos de cada período adotado,
conforme apresentados – por meio de descrições literárias, esquemas gráficos, gravuras,
fotografias etc. – nas fontes documentais utilizadas.
A estruturação deste capítulo foi definida pela periodização adotada no estudo
bibliográfico. Assim, a primeira seção concentra-se no hospital do período medieval. As
demais enfocam, sucessivamente: o hospital renascentista; o iluminista; o modernista; e,
finalmente, o hospital do período pós-modernista. Uma seção final apresenta um quadrosíntese da evolução tipológica estudada, que condensa os resultados obtidos na análise das
transformações sofridas pelo edifício hospitalar ao longo de todo o período analisado.
3.1. O hospital no período medieval
Nos dez séculos que compõem a Idade Média, a evolução do hospital esteve fortemente
vinculada à Igreja Católica. Com a expansão do Cristianismo, a partir de fins do século IV,
a prestação de ajuda material e espiritual aos necessitados veio a se constituir no principal
objetivo das instituições religiosas, principalmente os mosteiros – a mais importante
representação arquitetônica do poder do Catolicismo (GOMBRICH, 1979) –, e de seus
membros.
Ante aqueles necessitados que não estavam em condições de prover seu próprio sustento, a
atitude de caridade cristã estava organizada em sete tarefas (THOMPSON; GOLDIN,
1975): dar de comer, de beber e de vestir; falar com estranhos; oferecer consolo espiritual,
cuidar os enfermos e enterrar os mortos. Aos desamparados, se somavam peregrinos e
42
viajantes (ROSEN, 1994): estes, cansados, carentes de alimentação e repouso; aqueles,
depauperados pelas condições duras dos caminhos e das dietas, requerendo cuidados e
descanso. No princípio, a instituição hospitalar era, portanto, uma espécie de albergue, que
oferecia proteção, guarida, cuidados e, sobretudo, consolo espiritual aos necessitados. Esse
caráter inicial de albergue e esse vínculo estreito com a religião viriam a sedimentar,
segundo Imbert (1982), as bases das tipologias arquitetônicas hospitalares ao longo de toda
a Era Medieval.
Três tipos – e aqui se usa a palavra na acepção firmada no capítulo anterior – podem ser
encontrados na arquitetura hospitalar ocidental dos séculos V a XV (THOMPSON;
GOLDIN, 1975; IMBERT, 1982; CARLIN, 1989; BINET, 1996). O primeiro deles, ao
qual se denomina neste trabalho de claustral, corresponde à Alta Idade Média, sendo
contemporâneo do feudalismo. O segundo, aqui denominado basilical, surge e se consolida
a partir do século XI, na Baixa Idade Média, período em que a expansão territorial, o
surgimento de novas e o crescimento de antigas cidades, bem como o florescimento do
comércio,
caracterizam
o
desenvolvimento
do
capitalismo
mercantil
(C.
H.
BOEHRINGER SOHN, 198-). Por fim, tem-se o tipo colônia, cuja presença é notada desde
o século IV e que, tendo se firmado com a edificação de leprosários, foi posteriormente
usado em outras situações, transcendendo a arquitetura hospitalar e a Idade Média.
Os três tipos são examinados nas subseções seguintes, adotando-se a estrutura de
abordagem orientada pelo conceito de tipologia desenvolvido no Capítulo 2. Nesse sentido,
ressaltam-se para cada um deles: o contexto interveniente na formação do tipo, a idéia
subjacente à organização dos espaços, as definições de planta e volumetria, bem como as
soluções tectônicas empregadas, mais atentamente as referentes à estrutura.
3.1.1. O tipo claustral
Sob a proteção do Cristianismo e da Igreja, o hospital se converteu em uma instituição
firme. Era instituído, edificado e administrado pelas autoridades eclesiásticas, sustentandose a sua construção e manutenção por meio de doações financeiras espontâneas e de
recursos deixados em testamento por leigos (THOMPSON; GOLDIN, 1975). Esses
legados não eram totalmente desinteressados, pois a Igreja da época filiava parte desses
recursos à absolvição dos pecados ou aos pagamentos por graças alcançadas.
43
Assim é que, na Alta Idade Média, em volta das catedrais nas instituições monásticas,
foram erguidos edifícios para abrigar atividades que se constituíam como próprias dos
hospitais (ROSEN, 1994). Em geral, os mosteiros se localizavam fora das muralhas das
cidades medievais, nos cruzamentos das estradas (LABASSE, 1982). Neles é que se
estabeleceu mais significativamente a atividade hospitalar medieval.
O Monastério Beneditino de St.
Gall, na Suíça, é considerada como
o mais representativo dos edifícios
hospitalares
medievais
BOEHRINGER
(C.
SOHN,
H.
198-;
IMBERT, 1982). Alguns desenhos
datados
do
ano
de
820,
e
encontrados por pesquisadores em
trabalhos de campo, serviram como
base
para
reconstituição
Figura 1 – Modelo tridimensional do Monastério de St.
Gall, com destaque para a enfermaria.
Fonte: http://vandyck.anu.edu.au
do
conjunto edificado do monastério
em um modelo tridimensional (ver
FIG.1). Ao redor da catedral, foram
erguidos outros quarenta edifícios
necessários para o desenvolvimento
das atividades da vida dos monges,
A
incluindo aquelas de albergar os
hóspedes e de cuidar dos enfermos
(ver FIG.2).
B
Thompson e Goldin
(1975) depõem que a maioria
desses
edifícios
construtivo
tinha
sistema
rudimentar,
em
madeira, bastante comum na época
C
para a construção de estábulos e
celeiros. Do total, somente nove
edifícios
utilizavam
arcadas
e
abóbadas – o sistema construtivo
mais desenvolvido da época –, cujo
Figura 2 – Planta geral do Monastério de St. Gall.
Legenda: (A) Igreja; (B) Clausura dos monges; (C)
Enfermarias.
Fonte: htpp://lib.utexas.edu
44
principal material de construção era a pedra. Entre os nove, provavelmente os que gozavam
de maior prestigio no mundo religioso do monastério, estavam a Catedral – uma basílica
que se destacava do conjunto por suas dimensões – e, lançando mão do tipo claustral, a
clausura dos monges e a enfermaria, designação do edifício destinado aos cuidados dos
enfermos (IMBERT, 1982).
O tipo claustral era uma derivação do tipo átrio, utilizado na arquitetura romana residencial
clássica – um pátio interno descoberto para onde se voltavam as residências com suas
aberturas como janelas e portas. No clima mediterrâneo, funcionava como uma espécie de
proteção à hostilidade do clima seco. Nesse tipo, as relações entre os ambientes e entre as
edificações são estabelecidas a partir de um espaço interno comum. O vínculo com o
espaço interno é mais valorizado do que com o externo. Essa disposição favorece tanto a
integração das atividades, quanto as relações sociais interiores ao grupo de usuários, ao
mesmo tempo em que propicia um distanciamento com respeito ao ambiente externo e
proteção das hostilidades climáticas.
O esquema da clausura se diferenciava do átrio romano pelo acréscimo de uma circulação
arqueada em redor do pátio, por onde os monges caminhavam fazendo suas orações e
através do qual se faziam as comunicações dos aposentos dos monges com a capela e com
o refeitório. Era também através do pátio que se dava a comunicação com o exterior do
edifício, de modo que o pátio funcionava também como uma espécie de ante-sala. Para o
pátio, em cujo centro se destacava a fonte em meio aos jardins internos, se voltavam as
aberturas dos ambientes, pelas quais eles recebiam iluminação e ventilação. Em segundo
grau de importância, as instalações para cozinha e banhos se situavam no exterior do
edifício e se comunicavam aos aposentos através de circulações cobertas.
45
O edifício da enfermaria de St. Gall era uma
reprodução do esquema da clausura (ver FIG. 3). Ao
redor de um pátio interno retangular, encontravam-se
quatro aposentos destinados à estadia dos enfermos, a
capela e um refeitório, que se ligavam uns aos outros
pelo interior do edifício, através de uma circulação com
arcadas. Esta organização dos espaços parece bem
Figura 3 – Planta da enfermaria do
Monastério de St. Gall.
adequada à vida de isolamento e meditação dos
Legenda: (1) Pátio interno; (2)
Claustro; (3) Enfermarias; (4) monges. No entanto, não havia nenhuma relação direta
Latrinas; (5) Refeitório; (6) Capela. com as atividades de cuidados dos enfermos.
Obs: adaptado de htpp://lib.utexas.edu
O perímetro retangular do pátio estava estruturado em colunas (ou pares de colunas)
igualmente espaçadas, erigidas em pedra, as quais apoiavam arcos e abóbadas
semicirculares que cobriam o claustro, com coberta em água única. As paredes em pedra
dos compartimentos garantiam a estrutura para a cobertura em duas águas e eventuais tetos
abobados. Essa estrutura dá forma a uma volumetria assimilada a um prisma de base
retangular – próxima do quadrado –, vazado no centro pelo pátio, com altura da ordem de
metade das dimensões da planta, destacando-se (ver FIG. 1) a capela por exibir linha de
cumeeira acima das outras alas, embora bem abaixo da altura da igreja. A simplicidade dos
materiais e da solução estrutural condiz com a natureza religiosa de recolhimento, inerente
ao tipo.
A adoção da tipologia claustral para as enfermarias nos monastérios se deve provavelmente
a dois motivos. O primeiro se liga ao fato de que cuidar dos enfermos ocupava uma
posição elevada na hierarquia das regras da vida monacal da época (BINET, 1996;
THOMPSON; GOLDIN, 1975): logo, tratava-se de uma atividade prestigiada e o edifício
em que se realizava deveria adotar um tipo mais sofisticado que aquele tipo vernacular
mais rudimentar. O segundo motivo deve derivar do fato de que o isolamento
proporcionado pelo tipo claustral era adequado à vida de orações, cânticos, missas e
comunhões à qual se obrigavam os enfermos ali internados (C. H. BOEHRINGER SOHN,
198-).
46
3.1.2. O tipo basilical
A partir do Século XII, quando as cruzadas e a abertura de novas rotas de comércio
contribuíram para o surgimento e enriquecimento das cidades, e para o florescimento da
classe dos mercadores, a Igreja passou a contar com novas fontes de doações muito mais
vultosas (GOMBRICH, 1979). A nobreza de origem feudal, reis e príncipes, mas também
os novos ricos comerciantes, aportavam recursos para a construção de novos hospitais,
motivados pela compra de indultos e indulgências (THOMPSON; GOLDIN, 1975).
Por outro lado, o crescimento das cidades ocasionou o aumento da demanda por leitos.
Com mais recursos, sob pressão pelo aumento de leitos, as entidades religiosas passaram a
expandir, adequar, e construir hospitais. Essa época de crescimento econômico se refletiu,
sobretudo, na arquitetura religiosa, o que se demonstra pela construção de monumentais
catedrais e monastérios, os verdadeiros representantes da arquitetura gótica (GOMBRICH,
1979).
Do ponto de vista da atenção ao enfermo pouca coisa mudara com respeito ao período da
Alta Idade Média: o aspecto mais importante dos cuidados aos enfermos ainda era o
consolo espiritual oferecido pela assistência dos monges e obtido nos rituais religiosos; os
enfermos eram desconectados da vida em sociedade e submetidos a um especial
regulamento religioso (THOMPSON; GOLDIN, 1975; ROSEN, 1994).
Entretanto, mesmo que as facilidades hospitalares continuassem sendo disponibilizadas nos
mosteiros, o tipo claustral não mais se ajustava às novas necessidades da sociedade. De
fato, o retângulo fechado não satisfazia os novos requerimentos de expansão dos espaços
das enfermarias para colocação de mais leitos. Além disso, a grandiosidade institucional da
Igreja Católica na Baixa Idade Média havia de ser comunicada cotidianamente aos que a
ela se arrimavam em busca de guarida e apoio espiritual (GOMBRICH, 1979). Um tipo
adequado à suntuosidade e à grandiosidade parecia, então, mais adaptado ao novo contexto
do edifício hospitalar. E a solução buscada se originava em um tipo clássico da construção
religiosa: a basílica.
A idéia central que ancora a tipologia arquitetônica basilical é a de acolher, com um
sentido de coletividade (C. H. BOEHRINGER SOHN, 198-), todas as atividades
indispensáveis à vida dos enfermos sob o mesmo teto: alimentação, repouso, banhos e,
47
sobretudo, a ritualística religiosa. Com esse requerimento básico, e visando tornar mais
toleráveis as condições de vida, faz-se necessário um ambiente de grandes dimensões, não
só em planta, mas também em termos de pé direito, sem quaisquer divisões entre os leitos.
O representante mais significativo do hospital de tipo basilical é o que integrava o
Monastério de Cluny, na França. Desenhos encontrados e escavações propiciaram a
reconstituição do conjunto, inclusive das duas enfermarias, destacando-se a maior delas,
edificada ao redor de 1135 (THOMPSON; GOLDIN, 1975; C. H. BOEHRINGER SOHN,
198-). Tinha ela planta retangular, semelhante a de uma basílica de três naves (ver FIG. 4).
As naves laterais dessa enfermaria eram organizadas em dois pisos, de forma que os leitos
de internação se situavam em um mezanino, uns ao lado dos outros, perpendicularmente às
paredes laterais, sem divisões entre eles (CARLIN, 1989; THOMPSON; GOLDIN, 1975).
Os banhos e latrinas estavam no nível desse mezanino, em um anexo adjunto ao edifício
principal e a eles se acedia por meio de uma circulação. A capela estava situada em uma
extremidade, e podia ser vista de todos os leitos; na outra extremidade, a cozinha. Ou seja,
todas as atividades necessárias à vida dos enfermos estavam debaixo do mesmo teto. A
reconstituição feita por Kenneth Conant (THOMPSON; GOLDIN, 1975) não chegou a
definir qual seria o uso do pavimento inferior ao mezanino, mas levantou a possibilidade
de ser usado para atendimento ambulatorial e triagem de enfermos.
A
B
Figura 4 – (A) Modelo tridimensional do Monastério de Cluny, com destaque para o edifício da
grande enfermaria; (B) Planta esquemática da grande enfermaria do Cluny.
Fonte: Thompson e Goldin, 1975
A magnificência do edifício requeria uma solução estrutural arrojada. Os doze pilares do
perímetro da nave central eram em pedra e ascendiam a cerca de 20 metros, com arcadas
ao nível do mezanino e na parte superior. O teto da nave central em abóbada semicircular,
em pedra, se elevava a 26,5 metros do nível do piso (C. H. BOEHRINGER SOHN, 198-).
48
As paredes laterais completavam a estrutura e eram dotadas de janelas em dois níveis: no
mais baixo, para ventilação ao nível dos leitos; no outro, para iluminação natural.
No extremo da nave central, a capela abobada recebia iluminação zenital, o que,
contrastado com a parca iluminação do interior, ampliava a sensação de grandeza religiosa
do edifício. A volumetria do edifício, com cobertura em duas águas, é assimilável do
exterior a um prisma de seção trapezoidal, discorrendo horizontalmente, em que a altura se
destaca com respeito à largura.
3.1.3. O tipo colônia
Vigente ao longo de toda a Idade Média, a estrutura hospitalar de tipo colônia vincula-se à
disseminação da lepra pelo Ocidente, a partir do século V, e à ameaça cotidiana que essa
enfermidade fez pairar sobre a sociedade medieval (MARKHAM, 1997). Para Rosen
(1994: p. 59), a lepra “representou a grande praga, a sombra sobre a vida diária da
humanidade medieval”, mais que qualquer outra doença ou peste.
Não sendo conhecida cura ou tratamento para a doença, e aceita a idéia de contágio por
contacto social, a indicação de isolamento dos leprosos foi a solução adotada na Europa
desde os primeiros registros significativos de sua presença. Na medida em que esse
fenômeno coincide historicamente com o crescimento do Cristianismo e com a difusão
entre os católicos das sete tarefas da caridade cristã, já mencionadas anteriormente, não é
de se estranhar que, também com respeito aos leprosos, a Igreja Católica tenha assumido
papel primordial no atendimento e guarida dos enfermos. E, de modo generalizado, o tipo
colônia foi o que serviu aos hospitais para leprosos, e de forma tão marcante que vigoraria
com essa função até meados do século XX.
O tipo colônia tem origens nas comunidades de cristãos ascetas que, antes da oficialização
do Cristianismo como religião de Estado – por Constantino, em 313 –, se rebelavam contra
a licenciosidade da vida na Roma pagã (THOMPSON; GOLDIN, 1975). Afastando-se do
convívio social, esses grupos passavam a viver como eremitas em aldeias nas florestas:
choupanas isoladas ou grupadas em blocos se distribuíam em torno a uma capela e,
eventualmente, a outro espaço de atividade comunitária, como cozinhas ou refeitórios.
C. H. Boehringer Sohn (198-) assinala como essa forma de pequena organização
comunitária rural foi adotada pelos leprosos e se designou à época com a expressão latina
49
“leprosi in campo”, tendo posteriormente evoluído, sob financiamento e tutela de
instituições da Igreja, para construções mais sólidas, embora mantendo a estruturação
espacial do conjunto. Destaque-se que, diferentemente dos tipos claustral e basilical,
formados sem a interveniência de razões de ordem médica e sim, apenas, religiosa, a
apropriação do tipo colônia para a arquitetura hospitalar medieval esteve diretamente
relacionada ao fato de que os enfermos de lepra deveriam ser isolados das pessoas sãs
(ROSEN, 1994). Assim, a colônia de leprosos deveria resumir as facilidades da vida das
cidades, instando os internos a resolverem, parcamente, suas necessidades no espaço da
instituição.
É certo que motivações religiosas influíram na estruturação e conformação dos espaços
desses hospitais-colônia, mas também é certo que há motivações práticas no fato de que os
leprosários se estabelecessem em áreas que dispusessem de fontes de água – para os
banhos, único procedimento terapêutico então adotado –, fossem atendidas por estrada,
seja para facilitar o acesso de novos internos, seja para possibilitar a coleta de esmolas dos
passantes (LABASSE, 1982; C. H. BOEHRINGER SOHN, 198-). O mesmo se pode dizer
do fato de que o isolamento fosse garantido por um muro de contorno e um ou dois portões
de acesso, controlados pela administração do leprosário (CARLIN, 1989; THOMPSON;
GOLDIN, 1975).
Assim, o tipo colônia se apresenta com uma idéia central que se pode resumir na
disponibilização, em um espaço fisicamente segregado, de condições de vida comunal, em
contato direto com a natureza – especialmente as fontes de água –, ao grupo de internos do
hospital. A organização interior do espaço, normalmente limitado por um muro construído
segundo um retângulo ou uma elipse, priorizava a liberação da área central, de modo que
as celas individuais ou as casas isoladas ocupavam os espaços mais exteriores
(THOMPSON; GOLDIN, 1975). No centro, ou num lado do perímetro não ocupado pelas
acomodações dos enfermos, erguia-se a capela ou igreja, ladeada ou confrontando com
galpões de atividades comunitárias e os aposentos de monges ou freiras.
A individualização dos aposentos, mesmo quando se tratasse de celas contíguas, permitia a
manutenção eventual da vida em família ou em pequenos grupos. Uma capela privativa do
leprosário, um cemitério, um espaço de administração e alguma outra construção para
abrigar atividades comuns – cozinha e refeitório, p.ex. – são também componentes da
50
definição tipológica, que se completa com a modesta tecnologia de edificação das casas
(inicialmente de madeira) em face de uma presença magnificente da igreja (em pedra).
Na FIG. 5, exibe-se um exemplo de conjunto
hospitalar do tipo colônia: a “Beguinage” de
Amsterdam, fundada no século XIII como
instituição de atendimento a enfermos,
amparada pela Igreja Católica. É possível
observar a prevalência do conceito espacial
de agrupamento de unidades – no exemplo,
casas contíguas – em torno da capela e do
bloco de atividades comuns. Na época de
construção, a Beguinage se situava no Figura 5 – Gravura da Beguinage de
Amsterdam.
“waterfront”, hoje já avançado pelas obras de
Fonte: http://www.begijnhofamsterdam.nl
contenção hidráulica por barragens e aterros, tecnologia tão usada no desenvolvimento
territorial dos Países Baixos. O cemitério era interior à capela e o único acesso ao interior
do pátio também se dava pelo portão que a ela se dirigia.
É importante observar que o tipo colônia não teve sua utilização interrompida após o
Período Medieval. De um lado, a persistência da lepra como enfermidade preocupante em
várias partes do mundo, de outro, apropriações do tipo para outras funções (p.ex.: asilos,
prisões), puderam em conjunto manter a vigência desse tipo até o século XX.
3.2. O hospital renascentista
Depois de muitos séculos na Idade Média em que a Igreja hegemonizou a assistência
hospitalar, no Renascimento, ela deixaria de ser a principal entidade de assistência aos
pobres e enfermos. Segundo Binet (1996), é conseqüência direta do surgimento de outras
forças e organizações sociais o fato de que o hospital tenha começado a perder o vínculo de
exclusividade que lhe relacionava a monastérios e ordens religiosas.
Com a emergência, a partir do século XV, de uma burguesia laica de origem mercantil,
com presença política e influência social, a responsabilidade de construir hospitais –
outrora assumida totalmente pela Igreja – foi também assimilada por nobres e ricos
cidadãos. Em face do crescimento populacional e econômico das cidades, afirma Labasse
51
(1982), os novos hospitais passaram a ter uma implantação mais urbana e a se descolarem,
também no sentido físico, dos monastérios e das instituições religiosas.
As motivações religiosas iam, portanto, perdendo força ante as motivações corporativas.
Gombrich (1979) define as corporações como organizações criadas por artesãos e outras
categorias de trabalhadores com a finalidade de ampliar seus direitos e defender seu
mercado de trabalho. Eram organizações ricas, que possuíam voz e voto junto aos
governos locais e aos cidadãos, e que não só faziam proposições de atuação, como se
esforçavam por pô-las em prática, executando diretamente atividades de seu interesse. Se,
na época medieval, o serviço de atendimento aos enfermos e o aporte de recursos
financeiros para manter ou construir hospitais era feito em nome da salvação, no período
renascentista, é o caráter cívico do serviço à sociedade que, segundo Thompson e Goldin
(1975), vai mover a disposição de cidadãos para assumir o financiamento e garantir o
funcionamento dos hospitais. Assim, como sugere Rosen (1994), o que era tido no hospital
medieval como obrigação religiosa, foi pouco a pouco se convertendo em um dever cívico
de assistência aos membros desvalidos da sociedade.
Nesse contexto, Labasse (1982) e Imbert (1982) detectam o surgimento do hospital civil –
ou seja, da instituição hospitalar como entidade civil – e observam que, progressivamente,
a administração dos hospitais foi sendo assumida por instituições municipais que, para
assegurar a manutenção dos edifícios e dos serviços, contavam com doações das
comunidades (C. H. BOEHRINGER SOHN, 198-). Essas mudanças aconteceram de forma
gradual e, durante o período que vai do século XV ao XVIII, duas tipologias passariam a
marcar a arquitetura hospitalar.
O primeiro tipo, denominado aqui enfermaria cruzada, surgiu e se consolidou na Itália
renascentista, como uma manifestação definitiva da proeminência das grandes cidades. O
segundo, o tipo que, neste trabalho, se denomina casa de campo, surgiu na Inglaterra após
a dissolução dos mosteiros ordenada por Henrique VIII, no século XVI, sedimentando-se
até o final do Renascimento e avançando por todo o período iluminista (THOMPSON;
GOLDIN, 1975). Esses dois tipos hospitalares renascentistas, de acordo com Binet (1996),
consagraram o fim da influência da arquitetura religiosa sobre os hospitais.
52
3.2.1. A enfermaria cruzada
No período que se segue à Idade Média, mantêm-se os princípios fundamentais da missão
e os objetivos do hospital: apenas a Igreja cedeu lugar à nascente burguesia mercantil
(IMBERT, 1982). O princípio norteador do hospital continua sendo o consolo espiritual
dos enfermos e o posicionamento da capela em relação aos leitos continua sendo o ponto
de partida para a distribuição dos espaços. Com o crescimento da demanda por leitos nos
hospitais, a planta basilical, teoricamente sem limites de expansão, ocasionava um
problema: os pacientes mais ao fundo não escutavam e não viam a missa. Foi aí, segundo
C. H. Boehringer Sohn (198-), que surgiu o cruzamento das enfermarias a partir do altar.
O exame de plantas de hospitais baseados nesse tipo (ver FIG. 6) revela um outro aspecto
importante na organização dos espaços do edifício, qual seja a predominância da simetria e dos
traçados geométricos simples. Os serviços de apoio, instalados antes em anexos, agora se
posicionavam de maneira a compor o traçado geométrico induzido na planta a partir do
cruzamento de enfermarias. Cabia aos serviços, e às vezes a meras circulações, a função de
encerrar os oito pátios menores do edifício, dispostos de maneira a formar um grande pátio
central – em torno de cujos eixos se desenvolve o prédio simetricamente –, o qual é, por
sua vez, encerrado entre a logia de entrada e a igreja, no lado oposto.
Nesse primeiro momento do hospital do período renascentista, uma outra distinção com
respeito ao hospital medieval se nota no exterior do edifício. O retorno aos modelos gregos
conduz as fachadas a que se apresentem como simétricas, em estilo neoclássico. No
entanto, no interior do edifício, permanecem as enfermarias como grandes espaços abertos
dispostos em forma de cruz, com o posicionamento do altar no cruzamento dos pavilhões.
Tal solução espacial buscava principalmente possibilitar que mais enfermos pudessem ver
e ouvir a missa. No entanto, outras qualidades foram depois percebidas (THOMPSON;
GOLDIN, 1975). Por exemplo, o fato de que a forma cruzada ajuda a supervisão dos leitos
desde a capela central. Por outro lado, o tipo enfermaria cruzada apresentava a vantagem
de ajudar a ventilação do ambiente das enfermarias e propiciava atender a questão
colocada de separar enfermos de diferentes gêneros em diferentes alas. Esse tipo hospitalar
é o embrião do tipo “pavilhonar”, o qual se desenvolveria e se consolidaria posteriormente,
ao longo dos séculos XVIII a XIX.
53
Figura 6 – Elevação e planta do Ospedale
Figura 7 – Vista aérea do Ospedale Maggiore.
Fonte: http://vandyck.anu.edu.au
Maggiore, Milão
Legenda: (1) pátio central; (2) pátios laterais; (3)
igreja; (4) capela; (5) enfermarias
Fonte: C. H. BOEHRINGER SOHN, 198-.
O grande exemplo do tipo enfermaria cruzada foi o Ospedale Maggiore, em Milão.
Projetado por Filarete, o Maggiore teve sua construção iniciada em 1456, demorando cerca
de 350 anos para ser considerado totalmente construído (C. H. BOEHRINGER SOHN,
198-). O conjunto edificado (ver FIG. 7) apresenta as inovações que seriam adotadas nos
hospitais da época: as enfermarias em forma de cruz, com a capela no cruzamento, estão
dispostas formando quatro pátios com claustros de cada lado, tipologia já adotada pelas
enfermarias dos hospitais medievais (HENDERSON, 1989).
No entanto, nos hospitais renascentistas, a presença do pátio é magnificada, como se sua
existência se devesse mais à necessidade de realçar as formas elegantes da arquitetura
neoclássica do que às exigências de intimidade e reclusão dos hospitais medievais. Para dar
uma idéia dessa questão, vale salientar que o pátio interior de um hospital de tipo claustral
– o St. Gall, por exemplo – tem cerca de metade da área de cada um dos oito pátios do
Maggiore.
A adoção de fachadas e de ambientes, que valorizavam as proporções em vez da escala
grandiloquente dos hospitais basilicais, reflete o caráter laico das instituições financiadoras
e mantenedoras – impondo, por certo, uma certa racionalidade na elaboração do projeto –
e, por outro, as tendências neoclássicas de substituir suntuosidade e grandiloqüência pela
simplicidade estética das harmonias geométricas gregas. Lembra Gombrich (1979) que a
beleza das proporções, no ideal renascentista, homenageia o homem e suas organizações;
54
no ideal medieval, o espaço espetacular da basílica reduz o homem e o leva ao culto
divino.
Tudo isso resultaria em uma solução estrutural mais simples. A estrutura repetitiva é
simétrica, com uso de pedra, tijolos e madeira. Os tetos nas enfermarias são planos, em
madeira, apoiados em terças horizontais. As alvenarias em tijolos ou pedra são estruturais
e, muitas vezes, arcos e abóbadas são usados por razões somente estéticas. A exceção é a
abóbada estrutural que serve de teto ao porão e de piso ao único pavimento das
enfermarias, um pavimento com duplo pé-direito, abrandado no pátio interior por um
anexo de arcos e abóbadas em dois níveis – o claustro.
A volumetria do conjunto é definida pela série de interseções de paralelogramos de baixa
altura relativa, com larga predominância das dimensões da planta e destaque para os
espaços abertos. Da perspectiva interior, entretanto, ainda se sente a presença da
religiosidade no cotidiano dos enfermos na ordenação do desenvolvimento da planta a
partir do altar no centro do edifício cruciforme, que ainda recebe iluminação zenital
enfatizadora por sua cúpula destacada da coberta, eventualmente em domo, única inovação
estrutural da Renascença (FLETCHER, 1987).
3.2.2. O tipo casa de campo
A outra tipologia hospitalar renascentista – a casa de campo – teve seus primeiros
desenvolvimentos a partir da Reforma luterana, no século XVI. Com o crescimento, na
Europa central e na Grã-Bretanha, de movimentos de independência dos cristãos com
respeito ao poder do Papa de Roma, a Igreja Católica diminuiu sua presença institucional,
inclusive na área de atenção aos enfermos. O financiamento dos hospitais passou a ser feito
efetivamente pela burguesia mercantil, de modo que se concentravam nas cidades. Para a
manutenção dos hospitais, passou-se a ter financiamento fiscal, na medida em que as
autoridades municipais cobravam taxas da comunidade com esse fim (THOMPSON;
GOLDIN, 1975).
Já havia uma certa pressão por privacidade dos leitos, o que descartava o sentido
coletivista da oração e do rito religioso. Daí que a idéia de colocar os enfermos em contato
direto com as dependências destinadas à atuação direta da Igreja foi sendo abandonada. Ao
contrário, essa idéia é substituída por uma separação bem nítida entre o hospital, agora
civil, e a hierarquia religiosa.
55
Os novos financiadores dos hospitais passarão a adotar, para os edifícios hospitalares, tipos
mais familiares para eles: os palacetes ou casas de campo, os quais propiciariam também a
adoção de uma maior privacidade na internação de pessoas. A solução espacial se libera do
andar único e o hospital do tipo casa de campo, em geral, se define em dois ou três
pavimentos, com plantas em formato H, C, U ou E. A repartição das enfermarias em
quartos com um menor número de leitos era também uma marca distintiva desses hospitais
dos fins da Renascença, o que reforça a origem residencial (casas de campo) do tipo.
Pode-se citar o London Hospital,
construído
em
1752,
como
representativo do período, (ver
FIG. 8). Tinha forma de U,
convexo para a fachada, com
planta perfeitamente simétrica.
Observa-se no exame da planta
Figura 8 – Elevação e plantas do térreo (abaixo, esquerda) que a distribuição dos ambientes
e do primeiro piso do London Hospital
se orienta pelo formato da planta,
Legenda: (1) enfermaria; (2) posto de enfermagem; (3)
pela simetria e pela conveniência
capela; (4) hall de entrada
Fonte: desenho próprio a partir de Thompson e Goldin, 1975
de privacidade dos enfermos.
Os três pavimentos, articulados por uma circulação vertical central, têm o mesmo formato, e
a privacidade é crescente do primeiro piso para o terceiro: serviços de apoio no térreo,
enfermarias no segundo andar e quartos simples no terceiro. Também cabe destacar que, da
planta, se pode depreender um diálogo entre a visão de conjunto do edifício e a
concatenação das partes, objetivando a manutenção de uma rigorosa simetria e a singeleza
das formas geométricas. Por outro lado, ressalte-se que a hierarquização dos espaços, em
função da conveniência da privacidade, surge como fator de organização das partes do
edifício, o que vai demonstrar a entrada em cena de uma postura de racionalização e de
zoneamento dos espaços e atividades hospitalares.
Em conseqüência dessa associação entre simetria, singeleza geométrica e organização
espacial, os hospitais do tipo casa de campo possuem estrutura e sistema construtivo
bastante simples. As alvenarias autoportantes de pedra ou tijolos se sucedem verticalmente,
grandes vãos são vencidos com apoio de vigas planas de madeira; eventuais arcos e
abóbadas seqüenciais podem surgir com função estético-decorativa. Exceção é feita para o
56
hall de entrada, cujo destaque no conjunto responde ao caráter civil da instituição
hospitalar no período pela valorização do acesso. Nesse ponto, a estrutura e os volumes do
saguão são diferenciados, com o uso de colunas em pedra e de vãos abobados em pédireito duplo, sobre arcos de contorno.
Os hospitais do tipo casa de campo seguem a estratégia de distribuição espacial das
enfermarias em paralelo (uma ao lado da outra) ou em seqüência (uma após a outra). Tal
estratégia se materializa no projeto, notam Thompson e Goldin (1975), na forma de
“enfermaria-corredor”, uma vez que se incorpora ao espaço da enfermaria o espaço de
circulação que permite o acesso à enfermaria seguinte. Além do mais, a disposição em
paralelo das enfermarias dificulta a ventilação cruzada (ver FIG. 9).
Figura 9 – Planta de uma enfermaria do London Hospital
Legenda: (1) enfermaria; (2) posto de enfermagem; (3) banhos
Fonte: desenho próprio baseado em Goldin, 1994
3.3. O hospital iluminista
Segundo Thompson e Goldin (1975: p. 35), o ambiente hospitalar prevalente a princípios
do século XVIII podia ser descrito pela frase seguinte: “... leitos com enfermos que não se
limpavam, colchões úmidos serviam como viveiros de bactérias, pisos mal limpos, água
transportada em baldes desde o pátio, fumaça de óleo das lâmpadas, odores da cozinha
combatidos a salpique de água perfumada”. Às baixas condições de higiene, somava-se a
superlotação, alcançada pela prática generalizada de exceder a capacidade das enfermarias
pela simples instalação de mais leitos (C. H. BOEHRINGER SOHN, 198-).
No entanto, nas últimas décadas do período renascentista, a difusão dos avanços graduais
das ciências médicas, como a Anatomia e a Fisiologia, permitiu que esses hospitais
57
congestionados fossem incorporando elementos técnicos novos e até o ensino “ao pé do
leito” (ROSEN, 1994). A prática cirúrgica desenvolvida principalmente nos hospitais
militares foi definitivamente incorporada aos hospitais civis, junto com o surgimento da
Anatomia Patológica, que embasou o conhecimento médico dos órgãos humanos internos.
Por outra parte, na segunda metade do século XVIII, com Lavoisier, e depois com Pasteur
no século seguinte, o progresso científico na química e na microbiologia possibilitou a
compreensão dos processos de infecção cruzada e de propagação de infecções por
microorganismos vivos (JAMES; TATTON-BROWN, 1986).
Para Foucault (1998: p. 39), “... até finais do século XVIII, a medicina referiu-se muito
mais à saúde do que à normalidade”, no sentido em que o indivíduo enfermo era
identificado por contraposição à pessoa sã. No século XIX, continua Foucault, a medicina
“... regula-se mais (...) pela normalidade do que pela saúde”, ou seja, a enfermidade passa a
ser entendida como um desvio com respeito a uma condição “normal” da estrutura e do
funcionamento do organismo humano, conhecida em seus detalhes anatômico-fisiológicos.
Assim, a doença pode ser diagnosticada no plano do órgão com funcionamento imperfeito
e a esse órgão se dirigem as prescrições restauradoras. O exercício dessa intervenção
clínica, diz Foucault (1998: p. 226), requereu “uma reorganização do campo hospitalar
(...); foi preciso situar o doente em um espaço coletivo e homogêneo”.
Esse novo espaço hospitalar requer tratamento urbanístico e arquitetônico. Será estudada
cautelosamente a inserção do edifício hospitalar no espaço urbano (FOUCAULT, 2002), a
partir de uma lógica sanitária. Passa-se a avaliar disposições alternativas para a
implantação do edifício no terreno, para a organização dos fluxos e espaços internos e para
a distribuição dos leitos (LABASSE, 1982: p. 132), tendo em vista assegurar “... a
renovação do ar, a destruição dos miasmas, a circulação das pessoas e a manutenção da
ordem”. Estabelecem-se regras de registro e cadastro, códigos de conduta e rotinas,
destinadas a ordenar os comportamentos e obter informações sobre os enfermos e suas
enfermidades. Enfim, institui-se, sobre o quadro do hospital confuso e desorganizado de
princípios do século XVIII, a disciplina e o espírito de supervisão que vai garantir a
“medicalização” do hospital (FOUCAULT, 2002).
Nesse processo, o hospital tornou-se um espaço sob o poder do médico, o profissional
preparado para intervir sobre os enfermos, dirigir o pessoal e decidir sobre as instalações
hospitalares. Sob o poder do médico, crescem de significado a supervisão incisiva, o
58
controle e o monitoramento dos internos e dos fatos hospitalares. Para atender a essas
proposições, surgiram esquemas especiais de caráter panótico, seguindo as idéias de
Jeremy Bentham (THOMPSON; GOLDIN, 1975), para quem a essência da definição
espacial do edifício (prisões, escolas, asilos, hospitais, indústrias) residia na capacidade de
observação direta feita a partir de uma posição central.
Embora as idéias de ordenamento espacial de Bentham não tenham tido influência direta
nas tipologias relevantes do edifício hospitalar do Iluminismo, o certo é que o princípio
básico de que o espaço hospitalar fosse tratado de forma a permitir a supervisão de cada
paciente foi fundamental para a transformação que atingiria o hospital no século XVIII.
Para tanto, tratava-se de enfocar o espaço e as atividades hospitalares, suas dinâmicas e
interrelações, com o objetivo de traçar um “diagnóstico” e estabelecer uma “terapêutica”
(SILVA, 2001): a essência dessa abordagem é a classificação e a observação atenta e
estruturada.
Não se trata apenas de uma descrição, mas sim de observação sistemática, destinada a
produzir material para a análise detalhada que permitirá as sínteses propositivas de atuação
reformadora no hospital. Foucault (2002) ressalta o fato de que o estudo mais significativo
sobre a reorganização dos hospitais no século XVIII teve como responsável o médico
francês Jacques Tenon, estudo que resultou em um conjunto de normas e recomendações
para orientar na concepção e organização dos espaços hospitalares. Dirigidas tanto a
arquitetos como a engenheiros e administradores, as recomendações de Tenon foram
publicadas numa obra intitulada Mémoires sur lês hôpitaux de Paris, que obteve grande
repercussão em vários paises (THOMPSON; GOLDIN, 1975; C. H. BOEHRINGER
SOHN, 198-; SILVA, 2001; IMBERT, 1982).
Tenon, a pretexto de realizar trabalhos vinculados à reconstrução do Hotel-Dieu de Paris,
destruído em um incêndio, deteve-se em analisar e estudar vários hospitais franceses e
estrangeiros. Surgiam, nos trabalhos de Tenon, as primeiras idéias funcionalistas na
arquitetura hospitalar (SILVA, 2001). Em suas pesquisas feitas através de observação
direta, Tenon tentou explicar o hospital pelo viés da utilidade, colocando as relações entre
o desenvolvimento das atividades e o uso do espaço, do ponto de vista simultâneo de todos
usuários, ou seja, o staff e o paciente. A estruturação dos serviços e dos espaços
hospitalares, segundo a orientação de Tenon, seria feita através de pequenas unidades
59
funcionais organizadas a partir de eixos de circulação, tendo como base as relações entre
fluxos e usos (SILVA, 2001).
A partir do estudo detalhado dos gestos e dos movimentos, do mobiliário e dos
equipamentos relacionados a todo usuário do hospital, Tenon, segundo Silva (2001)
estabeleceu uma quantidade máxima de leitos por enfermaria, uma disposição modelar do
mobiliário e dos equipamentos, as dimensões e a volumetria dos ambientes a fim de
proporcionar eficiência e boas condições sanitárias (controle de temperatura, renovação do
ar e iluminação natural) ao edifício. Sobre a obra de Tenon, Foucault é incisivo:
O que Tenon projeta é um espaço hospitalar diferenciado. E diferenciado
segundo dois princípios: o da ‘formação’, que destinaria cada hospital a
uma categoria de doentes ou a uma família de doenças; e o da
‘distribuição’, que define, no interior de um mesmo hospital, a ordem a
seguir, ‘para nele dispor as espécies de doentes que se tiver achado
oportuno receber” (FOUCAULT, 1998: p. 46).
Para Silva (2001), Thompson e Goldin (1975) e C. H. Boehringer Sohn (198-), o resultado
das pesquisas de Tenon e suas recomendações levariam à adoção do tipo pavilhonar, em
certa medida antecipado pelos tipos renascentistas (enfermaria cruzada, casa de campo),
para edifícios hospitalares.
Já no século XIX, trabalhando sobre sua própria experiência como enfermeira na Guerra da
Criméia, Florence Nightingale se dedicou a visitar importantes hospitais no mundo e a
analisá-los do ponto de vista de suas preocupações em torno do funcionamento hospitalar,
especialmente das enfermarias. Os apontamentos de Nightingale sobre o projeto
arquitetônico de hospitais foram publicados em dois livros, lançados em 1858 e 1859, com
os títulos de, respectivamente, Notes on Hospitals e Notes on Nursing. Esses livros,
segundo James e Tatton-Brown (1986), exerceram significativa influência no que restava
de século XIX e em boa parte, ainda, do século XX, gerando novas soluções espaciais para
o projeto das enfermarias.
3.3.1. O tipo pavilhonar
A estruturação do espaço do tipo pavilhonar surgido no século XVIII era baseada nas
exigências de salubridade ambiental (ou seja, espaços naturalmente bem ventilados e
iluminados), nas necessidades funcionais de suas atividades (ou seja, de fluxos, dimensões,
e supervisão dos enfermos) e na articulação desses espaços por meio de uma circulação ou
“sistema” de circulações.
60
O hospital pavilhonar foi o tipo consagrado como aquele que se ajusta bem a esses
requisitos, na medida em que o pavilhão, como edifício independente e de laterais livres,
permite obter ventilação cruzada e iluminação natural. Assim, resolve-se o que era tido
como maior produtor de insalubridade hospitalar: a estagnação do ar e a umidade. Além
disso, há que considerar a flexibilidade de posicionar convenientemente os pavilhões, uns
em relação a outros, estruturando os serviços e os compartimentos através dos eixos de
circulação.
Em que pese o fato de os estudos de Tenon terem sido orientados para a reconstrução do
Hotel Dieu, tal projeto nunca foi edificado. No entanto, ele influenciou toda a arquitetura
hospitalar do século XIX. O Hospital Lariboisière, construído no centro de Paris em 1854,
é considerado como sendo um dos principais exemplos de aplicação das idéias de Tenon
(THOMPSON; GOLDIN, 1975; SILVA, 2001). A planta (ver FIG. 10) é formada por um
conjunto de pavilhões, ligados por uma grande circulação e dispostos em volta de um
jardim retangular. O conjunto foi organizado a partir de eixos principais: um longitudinal e
cinco transversais. Esses eixos costuram o “sistema de circulação” de todo edifício
comunicando os pavilhões entre si e com todo o conjunto. Também foi levado em
consideração na distribuição dos pavilhões, a própria organização interna de cada um deles
assim como sua hierarquia funcional.
Figura 10 – Planta do Hospital Lariboisiére, Paris
Legenda: (1) enfermarias; (2) refeitórios; (3) escritórios; (4) capela; (5) aposentos das religiosas;
(6) cirurgias; (7) posto de enfermagem; (8) cozinha; (9) farmácia; (10) pátio
Fonte: desenho próprio a partir de C. H. Boehringer Sohn, 198-
61
Cada pavilhão tinha três pavimentos e sua altura foi calculada a partir da relação com a
largura do pátio entre dois pavilhões, de modo que se garantia o recebimento de insolação
em todos eles e se evitava umidade tanto nos pátios como no interior dos pavilhões. As
enfermarias, por sua vez, eram grandes halls abertos dentro de blocos independentes
retangulares, podendo haver mais de uma por pavilhão. Os serviços de apoio estavam
distribuídos nos diversos pavilhões, construídos em alvenarias externas autoportantes de
pedra e tijolo, as quais davam suporte aos pisos e tetos planos em madeira.
A organização estrutural é repetida em todos os pavilhões, de modo que a disposição de
alvenarias de fechamento no interior do pavilhão depende de que a mesma disposição
ocorra nos pavimentos inferiores. Assim, a volumetria do conjunto é hegemonizada pelas
dimensões da planta do conjunto e pelo arranjo das sucessivas interseções entre pavilhões
prismáticos, mais altos que largos, e o corredor de circulação.
3.3.2. A influência de Florence Nightingale
A vivência como enfermeira em hospitais de campanha, certamente, trouxe a Florence
Nightingale um grande conjunto de conhecimentos sobre o funcionamento de enfermarias.
Suas viagens de estudos em hospitais de toda a Europa, na primeira metade do século XIX,
dariam origem à análise de elementos sanitários do edifício hospitalar, sempre com ênfase
no posicionamento relativo e na qualidade funcional das enfermarias (JAMES; TATTONBROWN, 1985). Seu trabalho analisava problemas relativos à higiene, aeração, altura e
orientação dos edifícios hospitalares (PANUNZIO, 1983). Também valorizou o trabalho de
supervisão dos pacientes pela enfermagem, com reflexos na organização espacial das
unidades de internação, mas também com resultados em termos da profissionalização das
enfermeiras.
O espaço da enfermaria proposta por Nightingale era retangular, como no tipo pavilhão
(ver FIG. 11). Na entrada, deveriam estar localizados o posto de enfermagem e uma copa.
Em seguida, estava um grande espaço aberto para disposição dos leitos e, no lado contrário
ao posto de supervisão, por trás de uma parede e com ventilação independente, estavam os
lavatórios e banhos. O posto de enfermagem teria um visor para supervisionar os leitos. Os
leitos seriam posicionados lado a lado, perpendiculares a janelas colocadas de ambos os
lados das paredes, uma a cada dois leitos, e com altura de 90 centímetros do piso, para
possibilitar a ventilação cruzada.
62
As
novas
Nightingale
ambiente
fácil
idéias
de
acerca
do
sanitarizado e de
supervisão
pela
enfermagem significavam a
rejeição, em base técnicocientífica,
da
“enfermaria-
corredor” (ver FIG. 9)
do
século XVIII. O principal
fator
de
rejeição
era
exatamente o fato de que as
paredes colocadas lado a lado
impediam
a
ventilação
cruzada, além de reduzirem o
Figura 11 – Enfermaria Nightingale
campo visual de supervisão a Legenda: (1) posto de enfermagem; (2) área dos leitos; (3)
partir do posto de enfermagem BWCs; (4) material sujo; (5) copa; (6) escada
Fonte: James e Tatton-Brown. 1986
(GOLDIN, 1994).
3.3.3. O legado do Iluminismo para a arquitetura hospitalar
Do exposto acima, pode-se concluir que, no período iluminista, a arquitetura hospitalar
deixará de trabalhar com plantas derivadas de outros usos – tipos advindos da arquitetura
religiosa ou palaciana – para, por vez primeira, trabalhar com plantas projetadas a partir de
estudos feitos sobre as atividades e necessidades hospitalares. Se as plantas derivadas dos
hospitais medievais e renascentistas se apropriavam de tipos disponíveis, e assim faziam
mais por motivos simbólicos que funcionais, as plantas projetadas dos hospitais iluministas
adotavam uma tipologia nova. Esse tipo pavilhonar se formava em função das novas
atividades hospitalares que, naquele momento, eram já muito mais voltadas à supervisão e
ao cuidado médico dos pacientes de que ao consolo espiritual dos enfermos ou ao
sentimento cívico de comunidade.
Por outro lado, ao contrário do que aconteceu na Idade Média, quando os tipos
arquitetônicos dos hospitais permaneceram quase imutáveis, a tipologia arquitetônica
pavilhonar se desenvolveu e se diversificou fortemente a partir do século XVIII. A
63
preocupação com a ventilação e higiene, respaldada cientificamente por Lavoisier; a
descentralização impulsionada pelas descobertas de Pasteur; a segregação dos trajetos de
enfermos e de pessoal, sugeridas por Tenon; e, a vigilância acentuada proposta por
Nightingale, todas essas contribuições técnico-científicas deram origem a sucessivas
mudanças e a diferentes alternativas na maneira de dispor os pavilhões.
No período iluminista, os pavilhões se liberaram do edifício e seu posicionamento relativo
passou a constituir uma variável do projeto: primeiramente, a solução foi a de dispor os
pavilhões um ao lado do outro; mais tarde, assumiram-se várias soluções, unicamente
restringidas pela necessidade de interligar os pavilhões por meio de um sistema de
circulação. A arquitetura hospitalar tentava colocar em prática as novas idéias e os
descobrimentos científicos, na busca de uma organização espacial adequada a uma
atividade hospitalar que, pouco a pouco, ganhava contornos técnicos e bases científicas,
afastando-se do caráter eclesiástico ou cívico anteriormente dominante. Formava-se o
conceito de hospital “terapêutico”.
Em paralelo, principalmente na segunda metade do século XIX, fatores técnico-científicos
(o conhecimento do processo de contaminação por microorganismos, principalmente) e
socioeconômicos (a busca do hospital terapêutico pelas classes médias e abastadas)
trouxeram à tona a discussão entre supervisão coletiva e privacidade do enfermo, no
âmbito das enfermarias (GOLDIN, 1994).
Assim, o hospital que chega ao século XX, está fortemente marcado pela ênfase na boa
ventilação e na boa insolação, no isolamento de doenças infecto-contagiosas, na higiene
das enfermarias e dos procedimentos, nos sistemas de abastecimento de água potável, de
coleta e tratamento de esgotos, nos laboratórios de análises clínicas, na medicina legal, nas
enfermarias cada vez menores, tendentes à privacidade, e nos postos de enfermagem. Sua
planta é estruturada em zonas funcionais, segundo seus diversos departamentos ou
unidades, comunicadas por um sistema de circulação cuja definição se orienta pelos fluxos
de pessoal, enfermos e materiais.
3.4. O hospital modernista
Os avanços ocorridos na medicina nos séculos XVIII e XIX tinham transformado o perfil
da atenção hospitalar, no sentido de estabelecer progressivamente o hospital como o lugar
da prática médica, do tratamento de enfermos e do restabelecimento da saúde. James e
64
Tatton-Brown (1986: p. 3) descrevem como, na segunda metade do século XIX, foi se
consolidando a “idéia de que os hospitais tinham mais relação com a vida do que com a
morte”. Para tanto, diversas razões se acumularam: o desenvolvimento da anestesia, o
surgimento das técnicas e práticas de assepsia, a formação médica “ao pé do leito” e o
desenvolvimento da profissão da enfermeira laica. Esse processo seria intensificado no
século XX, com o maior acesso a novas tecnologias de apoio ao diagnóstico e o
desenvolvimento da industria farmacêutica.
Em conjunto, tantas razões compõem a força motriz do movimento na direção do hospital
moderno, que oferecia a perspectiva real de recuperação, propunha um certo nível de
privacidade – com as pequenas enfermarias e os apartamentos individuais – e garantia um
grau aceitável de segurança, com a redução das taxas de mortalidade por infecção intrahospitalar. Em decorrência, assinala Vogel (1989), a instituição hospitalar passa a ser
gerida mais profissionalmente e a revelar alguma atratividade, inclusive para as camadas
mais abastadas da população, pelo fato de que superava o conforto e a perspectiva de cura
disponíveis em casa.
Entretanto, do ponto de vista arquitetônico, o edifício hospitalar no século XX tardou em
apresentar novidades. As soluções iluministas, já incorporando certa lógica funcionalista,
puderam absorver sem maiores problemas as tendências de valorização do apoio ao
diagnóstico e do procedimento médico. Daí que, embora o Movimento Modernista na
arquitetura possa ser datado com início nas primeiras décadas do século XX, não foi antes
dos anos 1950 que ele se firmou na Arquitetura Hospitalar. Stone (1980: p. 1) afirma que
somente no final dos anos 1950 é que novos conceitos de projetação arquitetônica
hospitalar iriam se materializar em novos edifícios que, uma vez concluídos na década
seguinte, fariam com que a sociedade percebesse que “suas necessidades de saúde
poderiam ser cuidadas em um ambiente moderno”.
O fato é que, depois da Segunda Guerra Mundial, havia uma demanda social e política por
mais leitos hospitalares, tanto na Europa em reconstrução, quanto nos Estados Unidos.
Assim, os serviços de atenção à saúde entrariam em expansão, se ajustando às pressões
políticas e às novas dimensões das políticas de Estado para a saúde (MILLER;
SWENSSON, 2002; JAMES; TATTON-BROWN, 1986). O hospital era então projetado e
construído de modo que a área dedicada a leitos de internação crescia mais que
proporcionalmente às demais áreas. Quando passíveis de reconstrução com ampliação,
65
hospitais já existentes ganhavam ampliação de número de leitos. Esse crescimento do
hospital foi tornando progressivamente mais complexa sua organização e administração,
complexidade agravada na medida em que o avanço da tecnologia médica foi permitindo, e
mais que isso, incentivando um aumento da especialização médica (VERDERBER; FINE,
2000).
O crescimento do hospital se deu de forma mais especializada, contendo novas agrupações
departamentais ou “zonas”, cada uma planejada com requerimentos baseados nas suas
funções precípuas e nas inter-relações com as demais “zonas”. Eram três as principais
“zonas” em que estava então organizado o hospital (JAMES; TATTON-BROWN, 1986):
x
a zona de internação, onde estavam os pacientes durante a sua estadia no hospital
recebendo cuidados médicos, alimentação e higiene;
x
a zona clínica, em geral ventilada artificialmente, estava constituída por serviços de
diagnóstico e tratamento, logo associada com equipamentos de alta tecnologia
requeridos para procedimentos em pacientes;
x
a zona de suporte, que compreende os serviços de administração, nutrição e dietética,
lavanderia, estoque de material, farmácia, esterilização de materiais, áreas de
instalações especiais (gases medicinais, subestação de energia, central de ar
condicionado etc.), tratamento e descarte de resíduos, e todos outros serviços de apoio
necessários para colocar em funcionamento o hospital.
A chave do planejamento hospitalar era a manipulação dessas zonas e suas inter-relações
para produzir um hospital integrado e funcional, em um contexto em que as zonas iam
crescendo em tamanho e complexidade (JAMES; TATTON-BROWN, 1986). Para fazer
frente a esse novo desafio, planejadores e administradores copiaram modelos
organizacionais do mundo dos negócios (MILLER; SWENSSON, 2002): para a
organização e administração do hospital modernista, “eficiência, racionalidade,
produtividade e conformidade tornaram-se conceitos chaves” (DILANI, 2000, p. 20).
Para Dilani (2000), o hospital tornou-se um exemplo ilustrativo da eficiência industrial, de
acordo com as condições e formas de pensar nos anos 1950, caracterizado por uma
racionalização firmemente dirigida e uma conseqüente centralização das funções. O
hospital, concentrado e especializado, passou a ser visto como uma unidade fabril; e a
arquitetura hospitalar refletiu a evolução dos cuidados de saúde na direção da tecnocracia e
da despersonalização. Verderber e Fine (2000: p. 13) apontam como a convergência entre a
66
rigidez dos programas, fluxos e prescrições, de um lado, e os princípios funcionalistas e as
soluções universais, de outro, serviu para consagrar o hospital modernista como a “perfeita
expressão arquitetônica nesse período da medicina de alta tecnologia”, o “contêiner da
volumétrica máquina de curar”.
A partir de então, e por algum tempo, o hospital será alterado somente em sua volumetria,
com base na discussão das vantagens e desvantagens de produzir grandes superfícies
predominantemente horizontais ou verticais, sob o impacto da necessidade de procurar
soluções para abrigar a crescente intensidade de equipamentos no edifício, prever
expansões e aumentos de complexidade e prevenir a obsolescência dos espaços edificados.
Como afirmou Lindheim (1979: p. 71),
Na medida em que os hospitais e a tecnologia médica do pósGuerra cresceram, o tema arquitetônico mais relevante não era a
forma mais cuidadosa de acomodar as necessidades do enfermo
mas como construir formas flexíveis para hospedar a
constantemente cambiante tecnologia médica (...) Em todo o
mundo, o trabalho dos arquitetos foi o de desenvolver sistemas
para planejar esses hospitais.
Três tipos podem ser decantados desse esforço de adaptação do edifício hospitalar ao
contexto da segunda metade do século XX, marcada por necessidade de expansão,
aumento de complexidade e risco de obsolescência: torre sobre pódio, rua hospitalar e
sanduíche.
3.4.1. O tipo torre sobre pódio
Com ênfase nas questões da concentração e da eficiência, uma maneira de organizá-las no
edifício hospitalar foi expressa no tipo torre sobre pódio, um T invertido, ou seja, uma torre
de pavimentos que crescia desde uma base. A volumetria do conjunto destaca o
paralelogramo vertical da torre interceptando o horizontal que forma o pódio. Essa
diferenciação correspondia a uma distinção de uso: como regra (JAMES; TATTONBROWN, 1986), a zona de internação situava-se na torre, em cuja periferia estavam as
enfermarias; a base, que em geral tinha um ou dois pavimentos, abrigava a zona clínica –
com acesso fácil desde a rua – e a zona de suporte, esta normalmente em andar inferior.
Concentrado e de grandes dimensões, o edifício dependia quase totalmente de
equipamentos mecânicos: utilizavam-se sofisticados sistemas de ventilação e ar
condicionado; elevadores e monta-cargas respondiam pela circulação vertical.
67
A incorporação de uma dimensão vertical importante criava novas possibilidades de
zoneamento e de segmentação funcional dos espaços hospitalares, possibilitada em última
análise pelos progressos no campo dos materiais de construção para estruturas. Se as
paredes autoportantes exigiam, para ganhar altura, consumir grandes áreas nas plantas dos
pavimentos, as estruturas de esqueleto metálico (surgidas com o desenvolvimento
siderúrgico do século XIX) ou de concreto armado (já no século XX) permitiam acúmulo
vertical de pavimentos com poucas repercussões horizontais produzidas por estruturas
relativamente esbeltas. Por outro lado, os novos materiais de vedação, revestimento ou
pavimentação reduziam na mesma velocidade as cargas verticais das edificações,
diminuindo os esforços solicitantes da estrutura e das fundações.
Um bom exemplo do tipo torre sobre pódio é o Hospital Geral Etobicoke, em Toronto,
Canadá (ver FIG. 12). Concluído em 1972, o edifício continha 500 leitos e possuía 38.000
m2 de área construída. A torre abrigava (REDSTONE, 1978) a zona de internação,
enquanto o pódio hospedava, em seus dois andares, as zonas de suporte (no andar mais
baixo) e clínica. Verticalmente, os leitos de internação eram distribuídos nos pavimentos,
separados por especialidade médica. A interseção entre torre e pódio abrigava a
administração e os arquivos médicos.
Todo o hospital era servido por sistemas automatizados de transporte de bens, documentos,
imagens. A zona de suporte centralizava o sistema mecânico de distribuição de materiais e
alimentos em carrinhos que se deslocavam horizontalmente (em monotrilhos) e
verticalmente (em montacargas), segundo um sistema automático de roteamento. Um
sistema pneumático de correio interconectava todos os departamentos e andares. Todos os
pacientes eram acompanhados em seus leitos por um sistema de imagens centralizado, que
coordenava a atividade de enfermagem estruturada em quatro áreas para cada pavimento
de internação. Por fim, o contato entre enfermagem e paciente era minimizado pelo uso de
um armário de porta dupla e compartimentos específicos para entrada e saída de materiais.
A estrutura da torre foi projetada em concreto armado, enquanto que no pódio foi usada
uma trama de vigas metálicas, capaz de prover maiores vãos livres. Destacam-se nos
materiais de vedação e acabamento o alumínio anodizado e o vidro fumê. Todo o edifício
depende de ventilação, acondicionamento de ar e calefação, garantidas mecanicamente,
sendo as instalações distribuídas através de colunas verticais (shafts).
68
Figura 12 –Hospital Etobicoke, no alto; abaixo, plantas esquemáticas do pavimento do pódio
(direita) e da torre (esquerda).
Fonte: REDSTONE, 1987; JAMES; TATTON-BROWN, 1986.
Observadas conjuntamente, as soluções de estrutura e instalações foram capazes de possibilitar
uma grande concentração de espaços, com uma flexibilidade no uso em face dos grandes
vãos.A verticalização permitiu separar funções, o que favoreceu um tratamento adequado
das relações entre zonas e departamentos. Em contrapartida, essa solução estipulava sérias
restrições a mudanças ou ampliações nas zonas de internação e clínica, enrijecendo o
hospital em face de mudanças tecnológicas nos campos da atenção ao enfermo e do apoio
ao diagnóstico e ameaçando-lhe com forte rico de obsolescência.
3.4.2. O tipo “rua hospitalar”.
O tipo torre sobre pódio não respondia a questões colocadas pelas necessidades de
contínuo crescimento, transformação de funções e incorporação de mudanças tecnológicas
cada vez mais aceleradas. Se as diferentes zonas cresciam a diferentes taxas, alterando-se
suas participações relativas na área total de construção (MILLER; SWENSSON, 2000), a
disposição das zonas em camadas verticais sucessivas, sendo impossível a expansão das
69
áreas de cada pavimento, estabelecia limites claros para a ampliação dos hospitais com
essa tipologia.
Para equacionar essas questões, com ênfase
na possibilidade de expansão para absorver
novas tecnológicas, desenvolver-se-ia um
outro tipo arquitetônico de hospital: a rua
hospitalar. Em fins dos anos 1940, um
projeto (nunca executado) para um hospital
em Hertfordshire, Reino Unido (ver FIG.
13), firmou as bases da estruturação
espacial segundo o princípio de uma coluna
de circulação que vertebrasse blocos
independentes,
contendo
diferentes
atividades (COX; GROVES, 1981).
Figura 13 – Modelo esquemático em 3D de
hospital com base no tipo rua hospitalar
Fonte: COX; GROVES, 1981
Esse tipo rua hospitalar, por conseguinte, se adequaria bem a uma época em que, como
afirmou Weeks (1973, p. 464),
funções mudam tão rapidamente que os projetistas não deveriam mais
buscar um ótimo ajuste entre edifício e função. O que é realmente
requerido é que se projete o edifício que iniba minimamente as
mudanças de função, e não que se ajuste melhor a uma função
específica.
Nesse sentido, esse tipo era bastante vantajoso. Tanto cada bloco do conjunto já edificado
poderia ser transformado ou expandido, sem que isso provocasse grandes transtornos à
utilização dos demais blocos, como a conexão de novos blocos poderia ser feita segundo
um curso de desenvolvimento reprogramável a cada momento (MONK, 2004). Assim, o
potencial de crescimento da quantidade de leitos, ou do número de espaços clínicos, ou
ainda a introdução de novos espaços com novas funções, e a minimização dos riscos de
obsolescência constituíam os pontos fortes do tipo rua hospitalar.
Toda essa flexibilidade e adaptabilidade provinha, não só do modo de estruturação do
espaço, mas também do uso de um sistema estrutural modulado em grandes vãos, que
aportava – no plano de cada edifício adicionado ao conjunto – a possibilidade de adotar os
arranjos físicos mais condizentes com a futura ocupação. A disponibilidade de novos
materiais para as estruturas, como o concreto armado e o aço, também se ajustavam bem
70
ao tipo “rua hospitalar”. No caso, não é a associação entre leveza e alta resistência o que
importa, dado que os edifícios deste tipo não são necessariamente altos; a característica
importante aqui é a flexibilidade e a possibilidade de projetos modulados, com o uso de
pórticos ou peças pré-usinadas, que se possam edificar por etapas.
Um exemplo paradigmático do tipo
rua hospitalar é encontrado no
hospital geral do Parque Northwick,
em Londres (REDSTONE, 1978;
ver FIG. 14). Ali, foram plenamente
especificados, como primeira fase
do empreendimento concluída em Figura 14 – Vista geral da 1ª fase do Northwick General
1969, os projetos da espinha dorsal Hospital, Londres.
Fonte: COX; GROVES, 1982
– ou seja, da rua hospitalar, eixo de
concentração de circulação e comunicação – e de dois conjuntos de blocos correspondentes
ao extremo leste da “rua” e à área central, em que se situavam instalações hospitalares para
300 leitos.
Figura 15 – 2ª e 3ª etapas previstas para o Figura 16 – Vista do interior do Northwick
Northwick General Hospital.
General Hospital.
Fonte: REDSTONE, 1982
Fonte: REDSTONE, 1982
Segundo Stone (1980), a implantação progressiva do empreendimento foi prevista para
acontecer em três etapas (ver FIG. 15), configurando-se ao final um conjunto de edifícios
de distintas dimensões, implantados de forma ordenada, mas sem excessivo rigor previsto
71
com respeito à exata realização do que se projetou inicialmente. Um detalhe fotográfico do
edifício, na FIG. 16, mostra à direita a rua hospitalar, no nível destinado para a circulação
de pedestres e paciente. Abaixo deste nível há uma rua similar para o tráfego de materiais e
a rede de serviços, que poderiam ser verticalmente separados em determinados trechos,
gerando então três pavimentos. Ao fundo e à esquerda, podem ser vistas fachadas de
edifícios independentes em que se destaca o sistema modular da estrutura de concreto do
exterior, formado por elementos verticais cujo espaçamento se amplia na medida em que se
alcançam andares mais elevados.
No interior de cada edifício, colunas estruturais de concreto moldadas in situ poderiam ser
dispostas mais ou menos livremente, apoiando em pontos estratégicos a laje pré-moldada
em grelha. De modo similar que o estrutural, o projeto de instalações foi desenvolvido em
módulos, usando-se um dos níveis da rua hospitalar para sua distribuição. Assim, no
projeto do Parque Northwick, a modulação estrutural contribuía para a padronização
construtiva e a conseqüente pré-fabricação. Por outro lado, apoiava as intenções do
projetista de obter grandes vãos interiores que permitissem a variabilidade de definição de
usos e espaços internos.
O tipo rua hospitalar apresentava alguns problemas. Os mais evidentes deles prendem-se à
limitação do tamanho dos terrenos e aos longos percursos a serem seguidos por pessoas e
por materiais. Mas também se apresentavam questões ligadas ao alto custo relativo de criar
condições para expansões e adaptações que talvez nem venham a ser necessárias ou
realizadas. Diante desses problemas, esses empreendimentos passaram a ser considerados
caros para construir e manter. A crise econômica dos anos 1970 impulsionou a busca de
alternativas para reduzir custos, mantendo algumas vantagens dessa tipologia.
Novas formas de organização da
planta, utilizadas até os anos 1990,
reduziriam os graus de liberdade
das futuras expansões. Essas seriam
planejadas como módulos prediais
articulados em torno de espinhas
dorsais não mais lineares. É o caso
da solução em malha ou em cruzes Figura 17 – Esquema em 3D de solução derivada do tipo
sucessivas (ver FIG. 17).
rua hospitalar.
Fonte: JAMES; TATTON-BROWN, 1986
72
Nessas soluções, portanto, radicaliza-se a repetição e a padronização, favorecendo um uso
mais intenso da pré-usinagem redutora de custos, mas ocasionando menor flexibilidade e
mais regularidade ao desenvolvimento do hospital.
3.4.3. O tipo “sanduíche”
No século XX, o hospital esteve sempre crescendo e mudando. Os diferenciais de
crescimento entre as zonas foram aumentando na medida em que, a partir dos anos 1970, a
pressão por mais leitos diminuiu (MILLER; SWENSSON, 2002). Naquela década, a maior
taxa de crescimento era a da zona clínica, ou seja, a que abrigava a tecnologia médica. Para
suportar mais equipamentos, os espaços requeridos para dutos de ar condicionado e outras
instalações especiais também cresciam. Esses avanços aconteciam com tamanha rapidez
que novas unidades construídas tornavam-se obsoletas antes mesmo de começar a
funcionar. Planejadores e arquitetos eram pressionados a adotar uma posição proativa para
o dilema da rápida obsolescência das unidades. Para Verderber e Fine (2000: p. 118), por
causa dessas rápidas mudanças no campo da medicina, “o hospital máquina (...) tinha se
tornado o mais complexo e imprevisível de todas as categorias de edifícios”.
Uma resposta a esses problemas foi proposta na forma do que se chamou de “espaço
intersticial”, solução que está na base do desenvolvimento do tipo sanduíche. Trata-se de
uma espécie de pavimento técnico, com até 2 metros de pé-direito, intercalado entre dois
pavimentos dedicados às outras funções do edifício. A existência desse semipavimento
dedicado ao caminhamento horizontal das instalações, funcionando como suporte dos
demais andares, viria a possibilitar que os pavimentos normais fossem indiferenciados.
Com o uso de estruturas modulares,
metálicas ou em concreto préfabricado, era possível alcançar
grandes vãos, de maneira que
facilmente se poderiam adaptar os
mesmos
espaços
a
novas
utilizações. Assim (ver FIG. 18), se
distribuíam os dutos e instalações
especiais horizontalmente, e se
poderia caminhar para realizar os
Figura 18 – Esquema do pavimento intersticial.
Fonte: VERDERBER; FINE, 2000
73
serviços de manutenção sem interferir no funcionamento do hospital. A conexão vertical
entre os pavimentos se daria através de poços ou “shafts”, pelos quais os dutos das
instalações passavam de um pavimento a outro.
Este novo sistema produzia um aumento no custo do edifício, compensado pela
flexibilidade que o sistema construtivo proporcionava, como também pela vantagem que
aportava
à
manutenção
das
instalações.
Estas,
localizadas
entre
pavimentos,
completamente separadas do resto do edifício, poderiam ser consertadas ou mantidas sem
interferir nas atividades do hospital. Outra vantagem obtida pela adoção dessa tipologia era
a facilidade com que se podiam reagrupar horizontalmente os diferentes departamentos,
alterar as relações função-espaço, alternar verticalmente localizações: daí a designação de
“espaço universal” que acompanha essa tipologia (REDSTONE, 1978).
O objetivo principal do “espaço universal” era que o hospital não ficasse obsoleto frente
aos avanços das Ciências Medicas, tão rápidos que o tempo da construção do hospital, em
alguns casos, era suficiente para produzir a perda da atualidade do projeto. A adoção do
tipo sanduíche permitia que se construísse o “esqueleto” do edifício, bem como as
instalações dos principais serviços na interplanta de instalações. O espaço resultante
poderia depois ser adaptado a futuras demandas. Paralelamente, eram escolhidos os
equipamentos, dando-se oportunidade de instalar os modelos de tecnologia mais recentes
disponíveis no mercado. Como as perspectivas buscadas eram as de integrar e condensar, a
volumetria resultante para o tipo “sanduíche” é a do bloco, um paralelogramo em que as
dimensões de planta são comparáveis entre si e superiores à altura.
Um bom exemplo deste tipo é o instalações
Hospital Distrital de Greenwich, em
Londres, concluído em 1969. Tratase de um edifício que abrigava 800
leitos de internação. Possuía quatro
andares, com pé direito médio de 2,7
metros, um deles subterrâneo (ver
FIG. 19). Acima e abaixo de cada um
dos três pisos superiores, o edifício
tem pavimentos intersticiais para
serviços e instalações mecânicas, com
Figura 19 – Fachada principal do Hospital Distrital de
Greenwich (destaque para os pavimentos intersticiais)
Fonte: STONE,1980.
74
1,2 a 1,8 metros de pé direito, interconectados por quatro colunas (shafts) verticais que
também incluem escadas e elevadores. A zona de suporte se completa pela existência de
departamentos de serviços no andar subterrâneo, enquanto que as zonas clínica e de
internação se distribuem entre os demais andares.
A
estrutura
em
concreto
pré-
fabricado, mais peças metálicas
servindo de tirantes para suportar o
piso dos pavimentos intersticiais,
apresenta
largos
vãos
livres,
conforme se pode observar na FIG.
20. Todo o edifício é servido por arcondicionado e é possível dotar de
acesso,
a
qualquer
tipo
de
instalação, qualquer espaço de um
Figura 20 – Construção do Hospital Greenwich.
Fonte: STONE, 1980.
pavimento. Também não se diferenciam quanto a isto os diferentes pavimentos, de modo
que há, no Greenwich, uma total flexibilidade quanto à distribuição do espaço
arquitetônico para distintas atividades. Tão somente se restringe essa possibilidade com
respeito ao fato de que atividades com forte inter-relacionamento devessem localizar-se em
um mesmo pavimento, evitando-se o transporte vertical nesses casos.
Como se vê, essa tipologia se endereça principalmente para equacionar os problemas da
complexidade e da obsolescência do edifício em face de avanços tecnológicos. Em geral, a
expansão de uma zona em detrimento da outra é possível, mas não há facilidades de
expansão absoluta da área construída total.
3.5. O hospital do período pós-modernista
As soluções modernistas para lidar com os problemas de eficiência, crescimento,
complexidade e rápidas mudanças que se apresentavam no projeto de hospitais foram as
regras adotadas nos anos 1950 e 1960, um período de grandes investimentos em infraestrutura de saúde. No entanto, já naquele momento, essas soluções passaram a ser
fortemente criticadas. Adicionalmente à questão dos altos custos, o hospital do período
modernista era então visto como excessivamente concentrado e padronizado (LINDHEIM,
1979). Para Verderber e Fine (2000), a crítica aos hospitais modernos também realçava o
distanciamento entre o hospital e as efetivas necessidades dos seus usuários, na mesma
75
medida do tratamento privilegiado conferido à tecnologia e aos procedimentos médicos nas
decisões arquitetônicas.
Essa afirmação podia ser decomposta em dois planos de análise. No plano mais individual
e familiar do usuário, o hospital moderno podia ser criticado em face da despersonalização
do atendimento ao paciente e da pouca consideração às suas necessidades individuais
(CARPMAN et al., 1986). Já no plano das relações entre o edifício hospitalar e a
comunidade urbana que o abrigava, Verderber e Fine (2000) ressaltam o fato de que,
concebidos para a atenção à saúde em larga escala populacional, os grandes edifícios ou
complexos hospitalares produziam impactos significativos – tráfego, ruído, perda do
caráter de vizinhança por intrusão de edifícios e fluxos não integrados ao bairro,
dificuldades de acesso, entre outros –, sobre a área urbana mais imediata, desproporcionais
aos benefícios diretos e indiretos que para ela produziam.
Por outro lado, a primeira crise do petróleo nos anos 1970, acelerando a inflação e trazendo
recessão econômica, influenciou nos aumentos dos custos da construção hospitalar, quase
provocando sua paralisação. Para Monk (2004), o acirramento e a generalização da crise
fiscal nos países ocidentais também apontava claros limites para a continuidade das
políticas de investimento público e, em todas as áreas de infra-estrutura técnica e social,
viria a fomentar uma tendência mundial à participação de investidores privados na
provisão de serviços hospitalares.
Naquele momento, por todas essas razões, a palavra chave passaria a ser a redução de
custos. O custo dos serviços também se tornara insustentável: a alta tecnologia utilizada
nos serviços de apoio ao diagnóstico e tratamento tornava excessivamente dispendiosa a
atenção à saúde para os seguros, para os institutos públicos e para a sociedade. Foi nesse
sentido que mudaram as políticas governamentais para a saúde. Para Valins et al. (1996), a
nova política enfatizava a prevenção e procedimentos menos sofisticados ou invasivos. A
intenção era, sem redução da qualidade de atendimento, evitar o recurso desnecessário à
alta tecnologia e a intervenções que redundassem em longas estadias do paciente no
hospital.
No caso da arquitetura hospitalar, analogamente, várias propostas surgiam no sentido de
tornar os hospitais mais apropriados à escala humana, ao mesmo tempo em que se
reduzissem os custos de construção e manutenção. As experiências com a planificação e o
76
projeto de hospitais com essas novas idéias só começaram a aparecer a partir dos anos 80,
e vieram essencialmente de dois distintos grupos (VERDERBER; FINE, 2000).
O primeiro – composto por profissionais militando na área da saúde e acadêmicos –
defendia a atenção à saúde centrada no paciente; o segundo, composto principalmente por
provedores públicos ou privados de serviços, se preocupava com os aspectos econômicos
do atendimento hospitalar. Convergiam ambos, a despeito de seus distintos interesses e
objetivos, em que um edifício hospitalar atrativo e convidativo teria um impacto positivo
sobre os clientes. Para os primeiros, em função do bem-estar propiciado aos pacientes e
familiares; para os demais, em função do que aquilo representava para o negócio do
hospital (VERDERBER; FINE, 2000).
A convergência dessas opiniões influiu sobremaneira no hospital a partir dos anos 1980.
As mudanças, no princípio, foram essencialmente de natureza organizacional. Mais tarde,
entretanto, foram imbuídas de imperativo arquitetônico (VERDERBER; FINE, 2000). Em
fins daquela década, foram surgindo resultados de pesquisas que identificavam o ambiente
hospitalar como causa de stress ambiental (MALKIN, 1992). Por outro lado, estudos sobre
os efeitos do ambiente do hospital moderno no usuário obtiveram resultados que
mostravam relações de causa-efeito entre ambiente e stress ou redução de bem-estar dos
pacientes (CARPMAN et al., 1986).
Embora de porte limitado, essas pesquisas iniciais sobre a percepção do usuário do
ambiente do hospital moderno tiveram algum impacto sobre os projetistas e
empreendedores. Tratava-se de um impacto discreto, se comparado com aquele produzido
pelas análises de mercado as quais, em um contexto de competição entre hospitais,
apontavam a necessidade de reformulação dos ambientes hospitalares como diferencial
competitivo no negócio. Produziu-se, então, a necessidade de soluções arquitetônicas
distintas das modernas, principalmente por serem centradas no paciente e não nos
procedimentos e na tecnologia. De acordo com Miller e Swensson (2002), o conceito de
familiaridade surgiu como chave para atender os requisitos desse hospital pós-moderno, ou
seja, para tornar atrativo, humanizar e diminuir o stress nos edifícios hospitalares. Essa
idéia de familiaridade foi formulada segundo duas vertentes.
Na primeira, tratou-se a complexidade hospitalar e a possibilidade de sua expansão como
uma questão de implantação territorial, não mais – como no caso modernista –
77
concentrando-se todos os serviços em um mesmo edifício ou complexo de edifícios
contíguos (VALINS et al., 1996). Assim, a instituição hospitalar passava a se implantar
segundo a lógica de serviços hierarquizados, com unidades articuladas que eram
distribuídas no território, integrando-se de forma mais adequada à comunidade, na qual se
posicionavam de forma menos impactante.
Na segunda vertente, mantinha-se um hospital de referência para os serviços de maior
complexidade, mas esse edifício seria relativamente menos concentrado e menos oneroso
que seus análogos da fase modernista. Ademais, passaria a ser concebido de modo a evitar
a padronização, a rigidez das prescrições e a presença ostensiva da tecnologia médica,
buscando-se espaços mais humanizados, mais atrativos e que viessem a colaborar com o
processo de recuperação dos pacientes (HOSKING; HAGGARD, 1999).
3.5.1. O tipo “shopping / hotel / residência”
Para fazer frente aos novos conceitos e paradigmas diretrizes do ambiente hospitalar, os
arquitetos, nas últimas duas décadas, lançaram mão de três tipos básicos que se
encaixavam em seus objetivos de transformar o hospital em um espaço familiar para
pacientes e para visitantes. Esses tipos foram o shopping center, o hotel e a casa.
O shopping center tornou-se familiar na cultura ocidental como lugar de compras, de lazer
e interação social (MONK, 2004). De acordo com Miller e Swensson (2002), a origem da
idéia de apropriar o conceito do shopping mall em edifícios hospitalares pode ser rastreada
até os longos corredores interligando os edifícios de consultórios aos hospitais em
complexos de serviços médicos. Esses corredores, devido ao grande volume de tráfego de
pessoas neles circulando, passaram a ser usados para abrigar pequenos locais: farmácias,
lanchonetes, floristas, lojas de presentes, entre outros.
À parte o fato de que essa solução agrega valor ao empreendimento hospitalar, é
importante ressaltar que ela possui características outras que são úteis para a organização
do hospital. Por um lado, oferece conforto e segurança a pacientes e visitantes. Por outro,
organiza e facilita a distribuição das circulações e dá flexibilidade aos serviços de
pacientes internos e externos.
Associando esta tipologia contemporânea do shopping center – com significação de lazer e
consumo – às tipologias hoteleiras, o hospital do período pós-moderno visa atingir dois
78
objetivos ao mesmo tempo (VERDERBER; FINE, 2000): por um lado, consolidar-se como
estrutura agradável ao paciente e a visitantes; por outro, oferecer ao paciente interno,
tratado como hóspede, uma atenção mais personalizada.
As repercussões mais propriamente arquitetônicas dessa tendência aparecem de forma
direta, por certo, nas áreas de internação. Mas vão além disso, como lembram Miller e
Swensson (2002), influenciando na oferta de espaços internos desfrutáveis e humanizados
(jardins, áreas de espera, descanso e convivência), mas também nas áreas de lobbies, átrios
e balcões de check-in, estruturas de cozinha e lavanderia. No caso dos apartamentos de
internação, é possível observar que a arquitetura hospitalar tem primado pelo
residencialismo, seja na projetação de quartos com caráter mais pessoal, flexíveis, de
decoração mais próxima àquela que o tipo de cliente tem em seu próprio lar, seja na
possibilidade de que os clientes possam internar-se com bens pessoais (MALKIN, 1992).
Esse tipo de hospital quer se desvencilhar da imagem institucional do hospital impessoal,
associado a doenças, stress, ansiedade. Por isso, segundo Miller e Swensson (2002),
partem da convicção de que ambientes familiares ao paciente e a sua família podem
promover, mais que ambientes não-familiares, a sua recuperação. Daí que, em interiores,
esse tipo de hospital se caracterize pelo uso de texturas, cores, iluminação, mobiliário,
vegetação, todos eles manipulados com conhecimentos oriundos de estudos relativos ao
papel do ambiente no comportamento humano (HOSKING; HAGGARD, 1999). O intuito
é o de conseguir um ambiente confortável, seguro e acolhedor para o usuário dos serviços,
inclusive por interesse de mercado: esses são valores apreciados pelos clientes, e atender
essas expectativas pode ser um diferencial do negócio, em um ambiente competitivo.
Em síntese, as idéias de escala humana e os conceitos de humanização que foram
introduzidos na arquitetura hospitalar mais recente deram origem a um novo tipo
arquitetônico. Embora a consolidação desse tipo seja muito recente, pode-se afirmar que as
diretrizes que ele aponta para a estruturação de forma e as definições espaciais e tectônicas
do edifício hospitalar têm sido seguidas em todo o mundo ocidental (MONK, 2004).
Um exemplo que bem ilustra esse novo tipo arquitetônico pode ser apreciado no caso do
Pine Lake Medical Center, em Mayfield, Kentucky (FIG. 21). O edifício, concluído em
1993, foi concebido para substituir um antigo hospital, de princípios dos anos 1950. O
Centro Médico dispõe de 107 leitos de internação, em 21.000 m2 de área construída. Os
79
serviços da instituição são dirigidos para uma comunidade específica. Para ela, foram
planejados consultórios médicos, serviços de apoio ao diagnóstico, serviço de emergência,
cirurgias de média e baixa complexidade, além de serviços de atendimento a pacientes
externos.
Esses serviços foram distribuídos em um
pavimento térreo. Acima desse pavimento
foram erguidos dois volumes. O primeiro,
em forma de cruz, com três pavimentos,
onde
estão
localizados
os
leitos
de
internação. O segundo, retangular, de quatro
Figura 21 – Reprodução fotográfica, fachada do pavimentos, onde estão os consultórios
Pine Lake Medical Center.
Fonte: MILLER; SWENSSON, 2002
médicos.
No pavimento térreo (ver FIG. 22),
há um lobby circular – na entrada
principal do edifício – que se
interliga a um pátio interno, ao qual
se tem acesso também pela entrada
da torre de consultórios médicos.
Desse contínuo formado pelo lobby,
pátio e acessos parte todo o sistema
de circulação horizontal e vertical
Figura 22 – Planta do térreo do Pine Lake Medical
Center.
do complexo.
Fonte: MILLER; SWENSSON, 2002
O pátio interno tem um pé direito equivalente a quatro pavimentos, com um teto
envidraçado que cria um fluxo de luz natural que, juntamente com alguma vegetação e
revestimentos, dá ao pátio o aspecto de um átrio utilizado em shopping centers ou hotéis. É
em torno do lobby e do átrio que estão dispostos os serviços administrativos – para todos
os pacientes –, os serviços de atenção e suporte aos pacientes externos, bem como as
unidades comerciais, como a farmácia, um restaurante e a loja de presentes. O centro
cirúrgico e os serviços de apoio, que necessitam de privacidade ou acesso restrito aos
pacientes, são ligados com o átrio através de circulações. Ou seja, o átrio assume um peso
importante na organização dos espaços. É através dele que o usuário entra no edifício e tem
80
acesso aos seus serviços. É valorizado pelo aspecto estético, com grande pé direito,
iluminação zenital, vegetação e outras amenidades ambientais.
No centro do bloco de internação (ver
FIG. 23) em forma de cruz se localiza
o posto de enfermagem, de onde é
mais fácil supervisionar os leitos
distribuídos nas quatro alas. O espaço
de interseção das alas coincide com o
lobby circular do pavimento térreo,
onde estão situados os elevadores que
lhe dão acesso. Como a tendência é
que esse tipo de unidade hospitalar
seja cada vez mais dedicado a
pacientes agudos, a forma de cruz que
se deu ao bloco da internação
Figura 23 – Planta do pavimento tipo da torre de
internação, Pine Lake Medical Center.
Fonte: MILLER; SWENSSON, 2002
também se justifica pela adaptação
fácil do espaço a uma unidade de terapia intensiva. O outro volume retangular de quatro
pavimentos está acima dos serviços de apoio ao diagnóstico do térreo e complementa esse
serviço. Seu acesso é através de elevadores que estão no átrio.
As instalações estão concentradas em um único pavimento técnico e são distribuídas
através de shafts e forros falsos, não interferindo de forma significativa na configuração
final da edificação. A estrutura de concreto e metal proporciona grandes vãos facilitando
flexibilidade ao layout. Embora seja modulada, a marcação dos pilares ou módulos não é
percebida nas fachadas. Os blocos que se conectam ao átrio não formam volumes
padronizados pela modulação da estrutura, como acontecia no hospital tipo rua. Nem se
pode saber, através do volume externo, onde está cada zona funcional do hospital, como no
tipo torre sobre pódio. Mesmo as fachadas do bloco da internação não têm o mesmo
tratamento externo, como não quisesse ser identificada cada ala da cruz como tendo o
mesmo uso.
No entanto, o átrio assume funções dentro da organização dos espaços semelhantes ao
pátio interno do tipo claustral. Os espaços são organizados a partir dele, são voltados para
ele, dele recebem luz natural e é a ele que recorrem para comunicar-se. Entretanto, sua
81
função é de facilitar o acesso desde o exterior, comunicar, fomentar convívio, ao contrário
do claustro medieval, voltado para o interior, propiciador de isolamento. Assim, o átrio
assume uma preponderância significativa para os hospitais pós-modernos.
Apesar de não haver ainda muitos estudos para avaliar esses projetos, eles já recebem
algumas críticas. Miller e Swensson (2002: p. 74 e 75) dão espaço às palavras do arquiteto
Henry Stolzman, para quem é um equívoco disfarçar um hospital como um “lugar que
associemos a conforto”. Para Stolzman, no pior caso, a tendência tem sido “produzir
hospitais tão estéreis e confusos como sempre, com um pouco de acessórios cosméticos”.
Mas, no melhor caso, os novos hospitais, bem ambientados e planejados com inteligência,
seriam vítimas de um erro de princípio: seguir os protótipos errados. Para Stolzman, um
hospital não pode ser como uma casa; eles têm de ser espaços que reflitam um
conhecimento tecnológico. Da mesma forma, não é um shopping center, no sentido de que
este é um ambiente impessoal, incapaz de dotar os cuidados médicos de dignidade e calor
humano.
Em que pese o fato de este debate conceitual ainda não estar suficientemente amadurecido;
e apesar de que as experiências e suas avaliações é que deverão fazer emergir mais
claramente uma tendência tipológica, o momento da produção arquitetônica no campo da
atenção à saúde indica firmemente neste início de século a consolidação de um tipo
arquitetônico híbrido, com raízes no shopping center, no hotel e na residência.
3.6. Um quadro-síntese da evolução tipológica do hospital ocidental
Neste capítulo, buscou-se estudar a evolução da arquitetura hospitalar no Ocidente,
abarcando-se um período que vai da Idade Média até a contemporaneidade, com a
finalidade de construir uma matriz de referência para a análise da evolução tipológica de
arquiteturas hospitalares locais, ou regionais.
Tendo em vista sintetizar os elementos mais essenciais da análise realizada, esta seção
apresenta um quadro-resumo das conclusões obtidas no capítulo (Quadro 1A a 1J, a
seguir).
82
Quadro 1A – Síntese da evolução tipológica da arquitetura hospitalar no Ocidente
Claustral
Espaços organizados a partir de um pátio interno, por meio do qual são estabelecidas as
inter-relações entre os compartimentos e as relações destes com o exterior da edificação.
Através do pátio, os espaços interiores recebem iluminação, servindo ele também para
preservar a intimidade do edifício com respeito à área externa. O consolo espiritual é
exercido a semelhança dos ritos religiosos dos monges, privilegiando a relação dos
enfermos com a religião. A disposição dos espaços segue uma hierarquia em que o
conjunto pátio-claustro é o elemento mais valorizado, seguido pelas quatro enfermarias,
o refeitório e a capela, e por fim, as latrinas e a cozinha.
Palavras-chave: religião; introspecção; intimidade; simplicidade.
Retângulos concêntricos formados por pátio e claustro, na parte mais central, e por
enfermarias, refeitório e capela na parte mais externa. Cozinha e latrinas estão anexadas
ao retângulo, formando uma espécie de edícula. Como os aposentos não são de grandes
dimensões, nem em grande quantidade, a altura do volume é igual à metade dos lados.
Logo, a volumetria assemelha-se a um cubo cortado na metade da altura, sendo a parte
interna vazada pelo pátio. Apesar de que os espaços são organizados a partir do pátio, a
volumetria destaca a capela, com pé direito mais alto que o do conjunto.
Palavra-chave: retângulos concêntricos; simetria; cubo vazado.
A estrutura do claustro é resolvida em colunas lançadas no perímetro do pátio,
igualmente espaçadas, encimadas por arcos semicirculares, tudo em pedra, que suportam
abóbadas em pedra. O resto do conjunto é estruturado sobre paredes de pedra, os
cômodos tendo ou não tetos abobadados. O uso da madeira se restringe à estrutura da
coberta, apoiada nas paredes de pedra dos compartimentos.
Palavras-chave: arcos sucessivos, abóbadas, pedra.
Configurações correspondentes
Instrumento 1
Tipo
Instrumento 2
Medieval
Instrumento 3
Período
83
Quadro 1B – Síntese da evolução tipológica da arquitetura hospitalar no Ocidente
Basilical
O principio norteador da organização dos espaços é o de garantir que a missa celebrada
no altar possa ser vista e ouvida desde uma grande quantidade de leitos. Por outra parte,
cumpre também que todas as atividades dos enfermos, religiosas ou não, possam ser
realizadas dentro do mesmo espaço. Logo, a configuração resultante é fortemente
influenciada pela relação entre os leitos e a capela, à qual se segue a necessidade de
abrigar, no mesmo espaço dos leitos, as atividades não-religiosas como beber, comer e
dormir, exercidas coletivamente. Um anexo ao edifício provê latrinas e banhos.
Palavras-chave: Igreja, ambiente coletivo, grandiosidade, magnificência.
Planta retangular, com três naves, dotadas as laterais de mezanino. O altar é colocado em
lugar de destaque, na extremidade do retângulo; o espaço reservado para a disposição –
perpendicularmente às paredes – de grande quantidade de leitos alonga um dos lados do
retângulo. A planta é desenvolvida em uma só direção, a do eixo longitudinal que passa
pelo altar. Cozinha e latrinas ocupam anexos longitudinais, incorporados à edificação por
circulações e acessos. A volumetria do conjunto, com coberta em duas águas de grande
inclinação, justapõe um paralelogramo de seção trapezoidal do hall aberto, discorrendo
horizontalmente, e um prisma de altura destacada, correspondente ao volume da capela.
Palavras-chave: retângulo, paralelogramos, hall aberto, dimensão vertical destacada.
A estrutura tinha linhas de colunas, de grande altura, no perímetro da nave central e com
as paredes laterais de fechamento, tudo em pedra. O teto da nave central era em abóbada
semicircular, em pedra ou madeira, culminando com a capela, abobadada a uma altura
superior e coberta em cúpula. Nas naves laterais, um piso intermediário em madeira se
apoiava em abóbadas que ligavam a série de colunas às paredes externas do hall, e cujo
teto podia ser igualmente abobadado ou simplesmente revelar a cobertura estruturada em
madeira. Assim, a estrutura acompanha a hierarquia tipológica, exibindo magnificência
crescente das naves laterais para a central, e desta para a capela.
Palavras-chave: arcos, grandes abóbadas, pedra, madeira.
Configurações correspondentes
Instrumento 1
Tipo
Instrumento 2
Medieval
Instrumento 3
Período
84
Quadro 1C – Síntese da evolução tipológica da arquitetura hospitalar no Ocidente
Colônia
Perseguia-se a reprodução de uma estrutura física segregada, que disponibilizasse aos
usuários os espaços e atividades necessárias para a vida de uma comunidade isolada, em
contato direto com a natureza e que buscasse a autosuficiência, exceto pela dependência
de doações e esmolas. Atividades comunitárias – como cozinha, alimentação, banhos – e
as religiosas deveriam ser destacadas, pela centralidade, da vida das famílias, em
acomodações simples, com certo grau de privacidade.
Palavras-chave: coletividade, segregação espacial, natureza, religiosidade
A segregação espacial da comunidade induzia a uma planta fechada, em formato
retangular ou elipsóide, reservando-se o perímetro da área para as acomodações
individuais ou familiares, articuladas em torno de uma área central ocupada por espaços
propícios às atividades coletivas – religiosas ou não. Da volumetria resultante destaca-se
uma coroa perimetral continuamente construída, em pequena altura, ao redor de um
grande pátio onde pontificam as estruturas da capela e as áreas dedicadas a outras
atividades coletivas.
Palavras-chave: perímetro retangular, centralidade, coroa perimetral, pequena dimensão
vertical.
As estruturas singelas e vernaculares das acomodações familiares e dos ambientas de uso
coletivo se resolviam em madeira e alvenarias de pedra brutas, reservando-se as soluções
mais sofisticadas, em pedra e madeira trabalhada, para a capela, eventualmente com o
uso de arcos e abóbadas.
Palavras-chave: simplicidade, pedra bruta, madeira rústica.
Configurações correspondentes
Instrumento 1
Tipo
Instrumento 2
Medieval
Instrumento 3
Período
85
Quadro 1D – Síntese da evolução tipológica da arquitetura hospitalar no Ocidente
Enfermarias cruzadas
A organização dos espaços deve propiciar que um maior número de enfermos, desde seu
leito, possam ver e ouvir a missa na capela. A relação entre esta e os leitos exerce ainda
muito influência na configuração geral, mas há uma preocupação voltada para maximizar
a área de leitos. Apesar do consolo espiritual ainda ser a atividade mais valorizada,
aparecem outras atividades de caráter terapêutico, como farmácia e serviços de apoio. Na
distribuição desses espaços são utilizadas regras de composição geométricas, simetrias,
proporções da arquitetura clássica, bem como a separação dos pacientes por gênero.
Palavras-chave: capela, ambiente coletivo, composição, proporção, harmonia, hierarquia
A planta é formada por dois retângulos cruzados na área onde seria localizada a capela.
Estes retângulos cruzados estão localizados em cada lado de um grande pátio central
onde no final localizava-se uma igreja. Os compartimentos de apoio são posicionados de
maneira que completassem pátios quadrados, com claustros, com as pernas da cruz das
enfermarias, em ambos os lados do grande pátio. Há semelhanças geométricas com o tipo
claustral, mas os pátios são maiores e sua justaposição produz conjuntos bem grandes
com respeito às enfermarias do tipo claustral. Comparadas ao tipo basilical, as
enfermarias são halls abertos cruzados, com proporcionalidade e harmonia entre as
dimensões de planta e a altura. A volumetria do conjunto resulta, entretanto, em larga
hegemonia das dimensões no plano horizontal, em função da justaposição de
paralelogramos de baixa altura relativa, e no destaque para os grandes espaços abertos.
Palavras-chave: paralelogramos cruzados, planta cruciforme, espaços abertos.
A estrutura é repetitiva, simétrica, com uso de pedras, tijolos e madeira. Alvenarias
estruturais suportam tetos planos apoiados em terças de madeira. O piso do primeiro
pavimento é apoiado em abóbada que serve de teto para o porão. Com essa exceção,
arcos e abóbadas de pedras já não mais se sobressaíam na configuração final do edifício,
aparecendo eventualmente com funções estéticas, tendo em vista principalmente a
harmonia das fachadas.
Palavras-chave: madeira selecionada e trabalhada, alvenaria estrutural de pedra.
Configurações correspondentes
Instrumento 1
Tipo
Instrumento 2
Renascença
Instrumento 3
Período
86
Quadro 1E – Síntese da evolução tipológica da arquitetura hospitalar no Ocidente
Casa de campo
A relação leito-capela dos tipos anteriores é substituída pelo sentimento de privacidade
na orientação da organização dos espaços. As enfermarias são menores e contém menor
quantidade de leitos. Os enfermos são separados por gênero. São utilizadas regras de
composição por hierarquia e simetria. A atividade religiosa ainda é importante, com a
capela integrada ao edifício, mas as atividades de caráter terapêutico e de serviços
ganham maior relevância. A preocupação com os custos, a busca de simplicidade e uma
certa racionalidade também influenciam na organização dos espaços. O caráter civil do
edifício confere importância ao acesso e hall de entrada, a partir de que aumenta, na
horizontal e na vertical, o grau de privacidade da atividade.
Palavras-chave: privacidade, austeridade, simplicidade, composição, hierarquia, simetria.
Planta retangular com desenvolvimento axial e simétrico, em forma de H, U, E ou C. A
planta se desenvolve a partir de um eixo longitudinal linear, cortado no final e/ou no
meio do corpo do edifício por eixos transversais. Os compartimentos de apoio e
enfermarias estão distribuídos ao longo desses eixos, ora através de circulações, ora
através de compartimentos sucessivos (enfermaria–corredor). A capela e a escada são
localizadas no centro da planta. Nos três pavimentos, pode-se observar uma ligeira
concentração dos primeiros no térreo e das enfermarias no último. A volumetria resulta
da interseção entre paralelepípedos secundários e o paralelepípedo maior, segundo eixos
ortogonais. A dimensão horizontal da fachada principal se destaca das demais.
Palavras-chave: retângulo, eixos principal e secundário, interseção de paralelepípedos.
A estrutura da entrada é mais portentosa e aparente, valorizando o saguão com vãos
amplos apoiados em colunas de pedra, arcos e eventuais abóbadas. No resto do edifício,
o usual é a utilização de alvenarias autoportantes em pedras e tijolos como apoio a tetos e
pisos planos, preferencialmente em madeira, mesmo material da estrutura da coberta.
Arcos podem ser usados, mas sua presença é mais estético-decorativa que propriamente
justificada por necessidades estruturais: os vãos não são grandes e as tecnologias de
estruturas de madeira estavam suficientemente evoluídas.
Palavras-chave: madeira selecionada e trabalhada, alvenaria estrutural de pedra.
Configurações correspondentes
Instrumento 1
Tipo
Instrumento 2
Renascença
Instrumento 3
Período
87
Quadro 1F – Síntese da evolução tipológica da arquitetura hospitalar no Ocidente
Pavilhonar
Espaços organizados a partir das prescrições de um código sanitário, em que ventilação e
insolação são os principais aspectos tratados. O arranjo do mobiliário e a ergonomia dos
espaços também são considerados. As atividades terapêuticas são as mais importantes e o
espaço mais valorizado é a enfermaria, estruturada de modo a facilitar a supervisão dos
enfermos. As circulações assumem importância na distribuição de espaços e na disciplina
dos fluxos. Ao longo da vigência do tipo, há uma crescente valorização da privacidade e
uma crescente absorção das idéias funcionalistas. Uma noção preliminar de zoneamento
funcional é utilizada.
Palavras-chave: sanitarização ambiental, disciplina, supervisão x privacidade.
Os pavilhões se resolvem em plantas retangulares, e se conectam a um extenso hall de
circulação. A orientação vigente na conexão é usualmente a 90º, mas o tipo contempla
soluções radiais ou a 45º. O espaço interior da enfermaria é semelhante a um grande hall
aberto, em que os leitos são colocados lado a lado sem divisórias, para facilitar a
supervisão de enfermos desde o posto de enfermagem. Com o tempo, diminui-se a
quantidade de leitos, devido ao sentimento crescente de privacidade. O posto se situa
numa extremidade do pavilhão; na extremidade oposta estão os banhos e latrinas.
Algumas atividades, como salas de cirurgias, refeitórios, salas dos médicos, podem estar
descentralizadas. A volumetria do conjunto é dada pela interseção entre os pavilhões
prismáticos (cobertos em duas águas), com até três pavimentos, e o contínuo corredor de
interconexão, em um pavimento, sendo também marcada pelos espaços abertos.
Palavras-chave: retângulos, paralelos, regularmente espaçados, grandes circulações.
A estrutura é organizada de forma repetitiva, reincindindo sobre alvenarias autoportantes
de pedra e tijolo. Essa solução implica que os arranjos espaciais em cada piso de um
dado pavilhão requerem que as alvenarias de fechamento dos compartimentos recaiam
sobre alvenarias no pavimento inferior. As exceções devem ainda ser equacionadas com
recurso ao arco de pedra facejada ou tijolos. Em geral, entretanto, os tetos são planos, em
madeira, com apoio em peças de madeira. A partir da segunda metade do século XIX,
entram em cena as estruturas metálicas e, posteriormente, o concreto armado.
Palavras-chave: alvenaria estrutural, madeira, pedra e tijolos.
Configurações correspondentes
Instrumento 1
Tipo
Instrumento 2
Iluminismo
Instrumento 3
Período
88
Quadro 1G – Síntese da evolução tipológica da arquitetura hospitalar no Ocidente
Torre sobre pódio
O principio organizador do espaço é o de produzir um conjunto eficiente, racional e
produtivo. A organização segue uma hierarquização funcional em unidades, que depois
se reúnem em zonas – internação, clinica e apoio. Estas zonas são distribuídas, segundo
suas inter-relações funcionais, formando um todo concentrado. Usam-se equipamentos
mecânicos para climatização e circulações verticais. A internação é a principal zona e
contém enfermarias com pequena quantidade de leitos e apartamentos individuais. Os
fluxos de pacientes externos e internos, funcionários, resíduos, material, são separados e
hierarquizados, tudo isso de uma maneira sistêmica. São considerados aspectos como
lote e relação com o entorno.
Palavras-chave: concentração espacial, sistêmico, funcional, eficiente, fluxos
hierarquizados
Planta retangular, com vários pavimentos conectados através de circulação vertical,
escadas ou elevadores, posicionados estes no centro da planta. As circulações horizontais
formam uma espécie de anel que inscreve as circulações verticais. Externamente ao anel,
ficam os compartimentos que, por sua vez, estão na parte mais externa do retângulo,
recebendo iluminação natural. Observada a volumetria, pode-se identificar a localização
das zonas, uma torre em forma de paralelogramo vertical onde se localiza a internação. O
eixo da torre é ortogonal com respeito à base, em forma de paralelogramo horizontal
(pódio), onde estão localizadas as zonas de apoio e clinica. A zona de internação se
destaca na volumetria final.
Palavras-chave: base, paralelogramos, torre, prismas, pavimento-tipo, circulação vertical
O avanço dos materiais e tecnologias de estrutura, com o uso de treliçados metálicos e
pórticos em concreto, tridimensionais em ambos os casos, possibilita que o pódio seja
tratado de forma a garantir grandes vãos livres, necessários principalmente na zona de
apoio, e que a torre seja de grande altura pelo uso de peças verticais em concreto armado.
Palavras-chave: concreto armado, treliças metálicas, torre
Configurações correspondentes
Instrumento 1
Tipo
Instrumento 2
Modernismo
Instrumento 3
Período
89
Quadro 1H – Síntese da evolução tipológica da arquitetura hospitalar no Ocidente
Rua hospitalar
O principio organizador do espaço é o de produzir um conjunto que possa expandir suas
partes, em tempo e intensidades diferentes, sem afetar o conjunto. Atividades são
grupadas em unidades que, por sua vez, são organizadas em zonas funcionais e
distribuídas segundo suas inter-relações em áreas espalhadas e independentes. Uma
circulação principal faz a ligação entre as unidades e zonas, fazendo um itinerário que
segue o fluxo e sequenciamento de procedimentos. Há preocupação com os acessos e
com a ocupação do lote. Não há zona principal, todas podem crescer segundo seu ritmo.
Palavras-chave: expansível, sistêmico, funcional, fluxos, sequenciamento.
Plantas retangulares se conectam a uma via de circulação troncal. As plantas são
posicionadas paralelamente e se desenvolvem segundo um eixo longitudinal que se cruza
ortogonalmente com o eixo da circulação principal. As extremidades das plantas ficam
livres para crescer, podendo cada uma delas ter um tamanho diferente. O espaço interno
de cada edifício é desenvolvido a partir de um módulo tridimensional. O tamanho final
varia de acordo com os requerimentos funcionais de cada unidade ou zona, mas tendo
como base um módulo básico de crescimento. A volumetria configurada no tipo é dada
por uma série de paralelogramos, de pouca altura, que se conectam a uma circulação
aberta nos extremos. O conjunto é hegemonizado pela extensão da rua hospitalar de
conexão entre os edifícios.
Palavras-chave: modulação, padronização, volumes paralelepipedais.
Em geral, a estrutura é o fator de uniformização arquitetônica, na medida em que o
sistema estrutural é modular e tem seus componentes singulares padronizados. A solução
é viabilizada pela tecnologia de concreto armado ou protendido, pré-usinado, para
pilares, vigas e lajes. Soluções baseadas em tecnologia de estruturas metálicas também
são passíveis de aproveitamento.
Palavras-chave: estrutura modular, pré-fabricação, padronização de componentes.
Configurações correspondentes
Instrumento 1
Tipo
Instrumento 2
Modernismo
Instrumento 3
Período
90
Quadro 1I – Síntese da evolução tipológica da arquitetura hospitalar no Ocidente
Sanduíche
A organização espacial é fortemente influenciada pelos requerimentos ambientais dos
equipamentos médicos de tecnologia avançada e o combate à obsolescência provocada
pelo rápido avanço tecnológico. Esse combate se dá principalmente através da disciplina
das instalações e utilidades em pavimentos técnicos e da estrutura independente modular.
As distintas atividades são grupadas hierarquicamente em unidades e zonas funcionais,
sendo posicionadas de acordo com suas inter-relações. A zona clínica é a mais
importante e nela se concentra a presença das atividades que utilizam os equipamentos de
alta tecnologia.
Palavras-chave: flexibilidade, instalações disciplinadas, funcional, combate à obsolescência
As plantas são retangulares, ordenadas umas sobre outras segundo um eixo vertical.
Intercaladas entre duas plantas dedicadas às atividades hospitalares está uma planta
técnica, usada para circulação horizontal e distribuição das instalações e utilidades. A
circulação vertical das instalações se faz por shafts que ocupam espaços nos extremos do
volume edificado. A volumetria resultante é a do bloco monolítico, de altura
relativamente baixa e de dimensões de planta comparáveis entre si.
Palavras-chave: espaços técnicos, espaço universal, bloco monolítico.
Estrutura em concreto armado, com lajes colméia ou protendidas, com o fim de garantir
grandes vãos livres, pisos e tetos planos em todos os pavimentos, mesmo os intersticiais.
O contorno do edifício é marcado pela presença de colunas e vigas periféricas de grande
porte.
Palavras-chave: grandes vãos, estrutura aparente, estrutura modular independente
Configurações correspondentes
Instrumento 1
Tipo
Instrumento 2
Modernismo
Instrumento 3
Período
91
Quadro 1J – Síntese da evolução tipológica da arquitetura hospitalar no Ocidente
Shopping center/hotel/residência
Os espaços são organizados em torno de um pátio interno, considerando a idéia de
familiaridade, atendimento menos impessoal e humanizado. As atividades são agrupadas
por função e seu posicionamento relativo leva em conta, além das rotinas médicas e das
necessidades de fluxo e tecnologia, as necessidades dos pacientes internos. O pátio
interno ou átrio é o espaço mais valorizado da edificação, responsável por consolidar um
ambiente agradável para pacientes e visitantes, ambiente esse reforçado pelo caráter
residencial das acomodações de quartos e enfermarias.
Palavras-chave: foco no paciente, humanização, familiaridade
A planta se desenvolve a partir do átrio, ao qual se conectam compartimentos ou grupos
de compartimentos, seja diretamente ou por meio de circulações. O átrio tem altura de
mais de um pé direito, encerrado em teto que permite iluminação zenital. Os grupos de
compartimentos formam volumes diferentes entre si, não havendo um volume
predominante no conjunto, exceção feita ao destaque do átrio.
Palavras-chave: diferenciação interior, átrio,
As soluções estruturais são diversificadas mesmo no âmbito de cada projeto, com uso de
concreto, madeira ou metal segundo indique a situação. Salienta-se a solução usual para
átrios e lobbies, estruturados mediante vigas e pilares de contorno e panos de coberta em
treliçados metálicos tridimensionais. Nas áreas de internação, a estrutura é menos
evidenciada, embutindo-se pilares e vigas em alvenarias e disfarçando-se as lajes colméia
ou planas por forros falsos em pvc, madeira ou gesso.
Palavras-chave: diversificação, flexibilidade
Configurações correspondentes
Instrumento 1
Tipo
Instrumento 2
Pós-modernismo
Instrumento 3
Período
Capítulo 4
Implantação de hospitais em Natal
ao longo do século XX
93
4. Implantação de hospitais em Natal ao longo do século XX
Este capítulo visa a caracterizar o conjunto de edificações hospitalares implantadas em
Natal desde fins do século XIX, conjunto que constitui o objeto empírico da dissertação.
Por certo, a caracterização dos hospitais de Natal requer a elaboração de um pano de
fundo, definido, para os fins desse trabalho, com base nas políticas de saúde adotadas no
país e nas demandas sociais advindas do desenvolvimento da cidade, no período enfocado.
A periodização adotada na análise se impõe, ante outras opções, em face de dois
elementos: a evolução das políticas de saúde no Brasil, segundo indicam análises históricas
do tema; por outro, os recortes temporais correntes na literatura dedicada ao
desenvolvimento urbano de Natal no século XX. Desses fatores, resultou uma proposta de
tratamento do tema em cinco períodos consecutivos, a saber:
x
a Primeira República (1889 – 1930);
x
dos anos 1930 até o imediato pós-Guerra (1930 – 1945);
x
da redemocratização ao golpe militar de 1964 (1945 – 1964);
x
a ditadura militar (1964 –1985);
x
de 1985 ao presente (1985 – 2004).
Os limites desses períodos não devem ser entendidos como rígidos, pois é usual que
políticas públicas revelem uma certa inércia em momentos de transição, além de que a
elaboração, a maturação e a execução de projetos de edifícios hospitalares têm prazos
médios a longos, em função de seu porte e de sua complexidade técnica e financeira.
A estrutura do texto segue a periodização adotada, de modo que cada período da
enumeração acima é analisado em uma das cinco seções centrais (da 4.2 até a 4.6) do
capítulo. Esse núcleo central é antecedido por uma seção (4.1) que caracteriza a situação
hospitalar de Natal na época pré-republicana, e sucedido por uma seção conclusiva (4.7),
em que se apresenta uma síntese das conclusões mais relevantes do capítulo.
Cabe mencionar também que uma síntese das informações apresentadas neste capítulo
sobre cada hospital é incluída no Anexo II, segundo os períodos de análise, para os quais se
destacam os elementos mais relevantes do contexto.
94
4.1. Política de saúde pública e a situação do hospital em Natal no Brasil Imperial
Até já avançado o século XIX, embora fossem preocupantes as altas taxas de mortalidade,
o Brasil ainda não contava com uma política de saúde pública identificável como tal
(IYDA, 1993). O processo de urbanização brasileira ainda era incipiente em meados do
século XIX e só ganharia feição mais significativa já em fins dos anos 1800 (COSTA,
1986). Por outra parte, o Estado brasileiro era então fragilizado pela presença de instâncias
subnacionais que embargavam seu funcionamento efetivo (FAUSTO, 2000). Portanto, nem
o problema urbano se alçava a alturas preocupantes, nem a contrapartida pública de
organização de serviços de saúde era fornecida por um Estado-nação ainda se formando.
Nesse quadro, Costa (1986) assinala que as autoridades locais atuavam apenas com uma
abordagem urbano-higienista da saúde pública, tomando medidas de limpeza pública e de
aterramento de corpos d’água estagnada. Scliar (1987) assinala a presença de hospitais
filantrópicos e beneficentes, implantados por personalidades da vida social e econômica ou
pela Igreja Católica, contando com trabalho voluntário e com a presença de membros de
ordens religiosas. Pequenos auxílios financeiros das autoridades provinciais, entretanto,
não tinham a necessária continuidade e sua efetiva consecução era dependente do esforço
de lideranças políticas ou do prestígio de associações comunitárias. Saliente-se o caráter
segregacionista desses primeiros hospitais, mais assemelhados a “depósitos” para isolar da
sociedade os enfermos, com o objetivo de barrar eventuais processos de contágio em larga
escala. O caso típico é o das “Misericórdias”, cujo primeiro exemplar no Brasil é o
Hospital da Santa Cruz da Misericórdia de Santos, de 1543. Esse tipo de instituição, de
origem ibérica, se estenderia pelo Brasil afora em capitais provinciais e até por cidades do
interior (CAMPOS, 1952), constituindo-se em uma rede de instituições autônomas entre si,
mas guardando sempre o modelo básico de espaço para guarida a enfermos desvalidos.
A situação de Natal repete o quadro com maior ênfase. Fundada em 1599, a cidade teve um
crescimento irrelevante até a segunda metade do século XIX. Segundo Oliveira (2000), por
essa época, a ocupação do território natalense concentrava-se nos bairros da Cidade Alta e
da Ribeira, expandindo-se até o bairro das Rocas de forma rarefeita 5 . Nas últimas décadas
do século XIX, principalmente com a inauguração do porto em 1872, o bairro da Ribeira
destacou-se como localização preferencial de atividades econômicas comerciais ligadas ou
5
Todas as menções feitas neste capítulo à localização dos hospitais e a bairros de Natal podem ser vistas em
sua representação cartográfica no Mapa 1, em anexo.
95
não à exportação (CASCUDO, 1999). A atividade industrial era então incipiente, pouco
mais que pequenas fábricas de tecido, óleo comestível e sabão. Com essa base econômica,
não é de estranhar que as estimativas de população registrem pouco mais de 16.000
habitantes em Natal, no ano de 1900 (CLEMENTINO, 1995).
Até 1856, a pequena população da cidade não contava com atenção hospitalar: não há, até
então, qualquer registro de hospital em Natal. Os relatos dos Governadores de Província ao
Governo Imperial (FUNDAÇÃO VINGT-UN ROSADO, 2001) apontam para epidemias
de varíola, sarampo e febres, histerias e epilepsia. No entanto, não havia médico residente
na Província nem qualquer forma de tratamento ou atenção especializada aos enfermos. Na
ausência de uma política nacional de saúde, e face aos parcos recursos provinciais, a única
medida que se registra na vida da Província até meados do século XIX, na área da infraestrutura edificada da saúde pública, é a aquisição de uma palhoça “acanhada (...), tão
arruinada que pouco poderá durar” (FUNDAÇÃO VINGT-UN ROSADO, 2001, p. ), em
que o Governo da Província depositava as pessoas pobres vítimas de moléstias.
Em face desta situação, entre 1822 e 1856, os relatórios anuais da província solicitavam
recursos ao Imperador para a construção de uma Casa de Caridade. Em meados da década
de 1850, uma forte epidemia de cólera e sarampo obrigou o governador provincial a
adquirir, ampliar e reformar uma casa para abrigar os enfermos indigentes, à qual
denominou de Hospital da Caridade, implantado em 1856 (OLIVEIRA, 2000).
Localizado na Rua da Salgadeira, na encosta da Cidade Alta em direção ao Rio Potengi, no
que era então o limite Noroeste da área urbanizada da cidade, o Hospital da Caridade era
mantido pelo Governo provincial e por doações de instituições de caridade, com recursos
insuficientes para dotá-lo de pessoal especializado. Tratava-se, de fato, de um galpão
anexado a uma
casa de oitões, aonde deviam ser recolhidos doentes escravos, presos e
pobres [...] 176 palmos e 53 de largura, sem forração, em que foram
acomodados os repartimentos necessários ao hospital (FUNDAÇÃO
VINGT-UN ROSADO, 2001, p. 634).
A próxima implantação hospitalar em Natal, de acordo com Araújo (197-) foi o Lazareto
da Piedade, depois Hospital de Alienados, inaugurado em 1882. Repetia-se o mesmo
esquema de financiamento do Hospital da Caridade, tanto para construção quanto para
manutenção. Tratava-se de uma simples casa reformada, destinada a abrigar loucos e
96
furiosos – até 1911, quando foi renomeado Asilo de Alienados, também recebia vítimas de
epidemias – sem recursos para receber atenção particular. Informa Silva (1989) que a
entidade localizava-se além dos limites construídos da cidade, em terreno onde hoje se
situa o Centro de Saúde do Alecrim. Até 1916, não havia atuação médica na instituição, o
que confere ao Lazareto um caráter exclusivo de segregação de enfermos.
Por fim, já nos primeiros anos da República, em 1892, o governo estadual implantava o
Hospital São João de Deus, a ser mantido por verbas provinciais e doações de filantropos,
dedicado a receber tuberculosos pobres, incapazes de custear tratamentos da doença em
suas residências. Localizado no bairro das Quintas, era uma casa simples, bastante apartada
dos limites urbanizados de Natal (ARAÚJO, 197-).
Assim, chega Natal ao século XX com uma precária infra-estrutura física de saúde pública.
Observe-se que as instituições hospitalares implantadas na segunda metade do século XIX
têm alguns pontos em comum, a saber: o governo provincial arca com o investimento
inicial e reparte com a caridade, associada ou particular, os encargos de custeio; têm
caráter de guarida a enfermos e desvalidos que não podem ser atendidos em seu lar; por
fim, são instituições segregacionistas, sendo seu objetivo principal o de proteger a
sociedade de enfermidades contagiosas ou mentais. Além disso, a estrutura física é um
galpão ou casa, adaptada ao acolhimento de enfermos, sem preocupações de ordem
sanitária, situada nos limites da cidade ou além deles.
4.2. A Primeira República: a construção das políticas públicas de saúde e suas
repercussões nos hospitais de Natal
Durante a Primeira República (1889-1930), os fatores inibidores da posta em prática de
políticas públicas de saúde — fragilidade do Estado nacional e urbanização incipiente —
foram sendo superados (FAUSTO, 2000). Com o crescimento da população urbana e das
cidades, foi se problematizando a saúde pública em bases técnicas. Era um processo de
construção que, antecipando-se e depois se deixando moldar, absorvia idéias do
movimento sanitarista da década de 1910 (a Liga Pró-Saneamento do Brasil), ressaltandose aí a conscientização acerca da interdependência sanitária, ou seja, da ineficiência de
circunscrever espacial ou socialmente enfermidades transmissíveis (HOCHMAN, 1998).
Outro elemento de convencimento coletivo, de interesse para a compreensão do
comportamento das elites regionais, é apontado por Scliar (1987): as epidemias nas cidades
97
portuárias inibiam o comércio exterior, que era vital para a acumulação do capital
mercantil naquele momento do desenvolvimento nacional. Nesse sentido, o papel de
Oswaldo Cruz na chefia da Direção Geral de Saúde Pública (DGSP, repartição do Governo
Federal para a Capital do país) foi vital para o período por seu efeito demonstrativo.
Encarregado de sanear a Capital do país, Cruz obteve êxitos no combate às epidemias,
evidenciados pela expansão de suas medidas a outras sedes portuárias importantes. Mas, a
generalização dessas políticas encontrava resistência no modelo federativo então vigente, e
seriam necessários esforços substanciais para que as elites locais abrissem mão de suas
atribuições em prol de uma atuação centralizada (HOCHMAN, 1998).
Concretamente, uma investida na direção de uma política nacional de saúde pública pôde
ser contemplada (PERES, s/d) com a criação da Justiça Sanitária, a obrigatoriedade da
vacinação antivaríola e da notificação de certas doenças, o estabelecimento dos serviços de
saneamento e profilaxia rural — na década de 1910 —, atingindo-se o clímax com a
criação do Departamento Nacional de Saúde Pública (DNSP) em 1920, ainda subordinado
à Pasta da Justiça e Negócios Interiores.
O DNSP, inspirado no DGSP de Oswaldo Cruz e dirigido por Carlos Chagas, nascia para
coordenar as ações de saúde pública no país (SANGLARD; COSTA, 2004, p. 109), “de
forma mais direta no Distrito Federal e, por meio de convênios, nos estados”. Hochman
(1998, p. 84) informa que o decreto de criação do DNSP estabelecia “ [...] uma inspetoria
específica vinculada diretamente à Diretoria Geral” dedicada ao combate à hanseníase e as
doenças venéreas. Para Rocha e Veiga (2004), esse fato – associado à compreensão de
que o tratamento e isolamento dos hansenianos era atribuição estatal e não uma questão de
caridade pública – revela como o Estado brasileiro de princípios do século XX assumia a
implantação de políticas sanitaristas, à revelia das críticas e até de revoltas sociais, como a
Revolta da Vacina.
Uma outra inovação importante surgida na Primeira República são as CAPs – Caixas de
Aposentadorias e Pensões, instituídas em 1923 com o objetivo de criar, nas empresas
ferroviárias, uma entidade previdenciária para os empregados, a ser administrada por estes
e pela empresa, sem interveniência estatal direta. Sobre o modelo CAP, que dominaria a
cena até 1931, Oliveira e Teixeira (1989) informam que as Caixas asseguravam a prestação
de serviços médicos de duas distintas formas: no princípio, as CAPs contratavam a
98
assistência junto a profissionais médicos; em 1926, foram autorizadas a organizar seus
próprios serviços médico-hospitalares.
No campo das edificações hospitalares, cabe mencionar os projetos de Luiz de Morais
Júnior para o DGSP e para o Instituto Soroterápico de Manguinhos, ambos dirigidos por
Oswaldo Cruz. Nesses projetos, afirma Benchimol (1990), Morais Júnior associava as
regras da arquitetura hospitalar pavilhonar de fins do século XVIII com o enfoque
científico do edifício oriundo das descobertas de Pasteur. Sanglard e Costa (2004, p. 108)
também destacam nos projetos de A. Porto d’Ave na década de 1920 – que fazem desse
profissional “uma das maiores referências em arquitetura hospitalar da década de 1920 até
meados da década de 1930” – a presença de elementos dos hospitais pavilhonares
europeus. Daí poder-se afirmar que ainda na Primeira República foram introduzidos
princípios curativos e terapêuticos nos edifícios hospitalares do país.
Vale observar que esses edifícios “terapêuticos” estavam direta ou indiretamente à ação
governamental na área de saúde, em bases técnico-científicas. Se os projetos de Morais
Júnior se vinculam diretamente à atuação em organismos públicos do cientista Oswaldo
Cruz, os de Porto d’Ave se articulam com fundações privadas filantrópicas ligadas à causa
do combate a males que afligiam a sociedade: o Hospital da Fundação Gaffré e Guinle,
para portadores de doenças venéreas, foi resultado de ação pessoal de Carlos Chagas junto
às famílias Gaffré e Guinle (CHAGAS FILHO, 1993); o Hospital do Câncer da Fundação
Oswaldo Cruz, financiado pela família Guinle sob os auspícios de uma entidade – a
Fundação, instituída por iniciativa de um grupo de médicos – criada para cultivar a
memória de Oswaldo Cruz, teve seu projeto analisado e aprovado por uma Comissão
Técnica em que figurava o mesmo Carlos Chagas (SANGLARD; COSTA, 2004).
Assim, na Primeira República, ganha corpo no Brasil a idéia de uma ação mais incisiva do
Estado, científica e tecnicamente lastreada, com respeito à saúde pública. Tal processo,
desenhado e posto em marcha nos grandes centros urbanos do país, especialmente na
capital federal, reflete-se parcialmente em Natal.
Nas três primeiras décadas do século XX, a cidade registrava um acentuado crescimento
populacional, praticamente dobrando a população entre 1900 e 1920. Nesse período,
registra Santos (1998), a cidade teve seu crescimento planejado, com o projeto da Cidade
Nova (Plano Polidrelli, de 1904) e o Plano de Sistematização Geral da Cidade, coordenado
99
por Palumbo em fins dos anos 1920. Oliveira (2000) destaca esses fatos como parte de uma
ampla ação das elites dirigentes locais no sentido da modernização da capital, cujo escopo
também incluía atuações na área do saneamento ambiental e da saúde pública.
Essa marca do período analisado em Natal pode ser observada na implantação do Hospital
da Caridade Juvino Barreto, em 1909. A decisão de criar a instituição foi tomada com
posterioridade ao fato de que os primeiros profissionais médicos da cidade houvessem
condenado, por sua alta insalubridade, o antigo Hospital da Caridade, fechado em 1906. O
local escolhido para o novo Hospital da Caridade foi o Monte Petrópolis, onde se situava a
casa de veraneio do Governador Alberto Maranhão, que foi cedida para as devidas
reformas. Tratava-se de um sítio, um pouco afastado da mancha urbana, e próximo ao mar:
“com melhores condições por conta dos bons ares do mar” (ARAÚJO, 2000, p. 15).
A casa doada por Alberto Maranhão foi reformada, com recursos do Tesouro estadual,
visando abrigar, principalmente, pacientes sem recursos. Concebido como hospital geral
com 18 leitos, o Juvino Barreto funcionou nos anos 1910 com apenas um médico
(SARINHO, 1988). Mas, ao redor de 1926, já havia médicos residentes, serviços
ambulatoriais, laboratório de análises clínicas, cuidados de enfermagem por irmãs
religiosas treinadas, e clínica cirúrgica. Depois, passou a dispor também de apartamentos
para eventuais clientes particulares, advindo daí uma receita para a instituição. O custeio,
entretanto, dependia em larga escala de verbas do governo do estado e de doações
individuais.
Por outro lado, um primeiro movimento de atuação integrada entre governos federal e
estadual seria registrada na implantação do Hospital Colônia São Francisco, em 1929,
realizada no âmbito do programa federal de construção de hospitais para combater as
endemias, especificamente, a hanseníase, em todo o país, através da Inspetoria de
Profilaxia da Lepra e das Doenças Venéreas (SANGLARD; COSTA, 2004; ROCHA;
VEIGA, 2004). Dedicado ao confinamento e segregação de pacientes pobres com
hanseníase, o “Leprosário” se localizava na hoje Avenida Capitão-Mor Gouveia, em sítio
bem afastado da área urbanizada de então. No terreno de cerca de 20.000 m2, a área
construída totalizava quase 2.000 m2, distribuídos em três blocos (administrativo,
internação, tratamento), pequenas casas de dois cômodos para enfermos casados e aptos
para cuidar-se, uma sala de cine-teatro, biblioteca, delegacia e uma pequena igreja.
100
Ressalte-se que, no período da 1ª República, permanece o governo estadual como principal
provedor de serviços hospitalares, embora ainda haja dependência tanto de doações quanto
do esforço voluntário de membros de ordens religiosas, e surjam os primeiros efeitos de
políticas federais no financiamento de ações de saúde pública. No período, inaugura-se em
Natal, ainda que precariamente, o edifício hospitalar com preocupações sanitárias. A
presença de médicos e do laboratório de análises clínicas no ambiente hospitalar configura
uma tendência de introdução de elementos científicos ao espaço do hospital, embora os
cuidados de enfermagem ainda sejam feitos por irmãs de ordens religiosas.
4.3. Estado Novo, política nacional de saúde e desenvolvimento hospitalar em Natal
Entre 1930 e 1945, o projeto nacional de desenvolvimento que orientaria a ação do
Governo Federal reforçava a necessidade de políticas nacionais, diminuídas as objeções
das oligarquias regionais, então com poder político reduzido (FAUSTO, 2000). Na direção
de um presumido Estado de Bem Estar Social, intelectuais e militares nacionalistas
pugnavam pela posta em marcha de uma política nacional de saúde e educação, o que
levou à criação do Ministério de Educação e Saúde, deslocando-se essa da sombra da
Justiça e dos Negócios Interiores e alçando-se à condição de variável central para a
equação desenvolvimentista (OLIVEIRA; TEIXEIRA, 1989).
A criação, nos anos 1930, dos Institutos de Aposentadoria e Pensão (IAPs) representou um
marco na história da medicina previdenciária no Brasil. Os IAPs se referiam a categorias
profissionais organizadas, reconhecidas pelo Estado, que indicava a administração
profissional do Instituto. O financiamento da atuação dos IAPs se baseava em
contribuições dos trabalhadores, das empresas e do Estado, gerando recursos para cobrir os
custos de atendimento à saúde dos sindicalizados e familiares, além de permitir a
construção de unidades de saúde e até hospitais. Diferentemente das CAPs na Primeira
República, os recursos dos IAPs eram geridos de modo centralizado. Tomavam-se decisões
de dispêndios no plano nacional das categorias, não no plano geográfico das empresas.
Assim, comentam Oliveira e Teixeira (1989), os IAPs, instituições verticais, centralizadas
e controladas pelo Estado, assumiam o financiamento da face mais visível da política
nacional de saúde: a assistência médica curativa, preferentemente contratada junto a
clínicas e hospitais de terceiros.
Em paralelo aos serviços dos IAPs, havia uma ação direta dos Governos, principalmente o
federal, na formação de serviços especializados e na construção de hospitais. É, entretanto,
101
relevante observar que, segundo Oliveira e Teixeira (1989), existiam apenas quatro
hospitais da Previdência Social – ou seja, hospitais gerais abertos ao atendimento dos
contribuintes da Previdência – no país, em 1945, o que mostra o direcionamento dos
investimentos públicos diretos para a construção de unidades hospitalares especializadas
em hanseníase, tuberculose, doenças mentais, doenças infecto-contagiosas tropicais etc,
vinculados a programas do Governo Federal de combate às endemias.
Por outro lado, a emergência da II Guerra Mundial e a mobilização de tropas deu origem à
construção de hospitais militares por arma (Marinha, Aeronáutica e Exército), que tinham
o Estado como financiador, mas que não ofereciam atendimento ao público em geral. Por
fim, a ação preventiva de natureza universal seria articulada nacionalmente pelo
Ministério, executada em associação entre este e os Serviços Estaduais de Saúde Pública,
na forma das campanhas idealizadas por Oswaldo Cruz e Carlos Chagas.
Esse modelo de financiamento levou os IAPs a se constituírem em fonte de recursos para
hospitais organizados liberalmente por médicos que se associavam para – com apoio de
instituições sociais beneficentes, dos estados e dos municípios, e até mesmo com recursos
próprios – implantar unidades hospitalares que dispunham de alas e quartos especiais para
o atendimento de pacientes particulares e dos Institutos. Assim, as categorias organizadas
nacionalmente e seus IAPs funcionaram como uma base ampliada de consumo de serviços
médico-hospitalares, de certa forma disseminada pelo país, permitindo que a edificação de
hospitais fosse quantitativamente ampliada e que cada edifício implantado pudesse
apresentar mais atividades de atenção à saúde dos usuários.
Com efeito, se até a década de 1920 os projetos de Morais Júnior e Porto d’Ave tinham
por base a arquitetura do hospital pavilhonar europeu, em suas obras nos anos 30 e 40 eles
passariam a adotar a verticalização que caracterizara a edificação hospitalar nos Estados
Unidos de princípios de século XX. A solução vertical permitia, ainda que sem grande
altura, a diferenciação social e técnica dos espaços que caracteriza a segregação de
atendimento e o zoneamento do espaço hospitalar por diferentes funções (GOLDIN, 1994).
Nessa fase, ocorre uma primeira onda de extensão ao conjunto do território nacional da
implantação de hospitais de cura, já com uma significativa tecnicidade de projeto e uma
incipiente organização administrativo-financeira.
102
Essas tendências se registrarão parcialmente em Natal. A expansão territorial do
adensamento urbano se consolidou na década de 1940, nas direções Sul/Sudoeste (Alecrim
e Quintas) e Leste (Rocas e Petrópolis). Tal movimento foi em muito influenciado pelo
envolvimento da cidade na Segunda Guerra Mundial. A vinda de grande contingente
militar para Natal, somada aos estímulos à migração campo-cidade do governo Vargas
(políticas compensatórias de auxílio ao trabalhador urbano, criação do salário mínimo),
produziu alterações significativas na dinâmica econômica da cidade, especificamente no
trajeto da implantação hospitalar na Natal desse período.
Como se verá adiante, os hospitais implantados entre 1930 e 1945, em Natal, apresentam
características bem distintas dos implantados nos períodos anteriores. Nesse sentido, vale
salientar que, em 1931, surgia em Natal a Sociedade de Medicina e Cirurgia do Rio Grande
do Norte, dedicada a disseminar o conhecimento médico e a aproximar os profissionais
(SARINHO, 1991). A atividade dessa instituição é fundamental para compreender o
processo de modernização técnico-tecnológica dos hospitais de Natal, a partir dos anos
1930 (DAVIM, 1999). Destaque similar deve ser dado à criação, em 1934, da Escola de
Enfermeiras e Parteiras, idealizada para prover pessoal qualificado para as atividades
hospitalares (IDANÉSIA, 199-).
Em 1935, o antigo Hospital da Caridade Juvino Barreto já estava profundamente
reformado, tanto em termos físicos, quanto no que refere ao padrão de serviços. A antiga
casa de veraneio do Monte Petrópolis, adaptada para Hospital de Caridade em 1909, havia
sido ampliada durante os anos 1910 e 1920. Dos dezoito leitos iniciais, nos primeiros anos
da década de 1930 se chegava a uma capacidade de atendimento de cem pacientes internos.
Renomeado Miguel Couto, o hospital ganhara, uma intervenção reestruturadora com
recursos do Governo estadual, cujo erário também subvencionava a manutenção e o
custeio da instituição, dedicada principalmente ao atendimento de pobres e indigentes
(SARINHO, 1988)
Havia, é certo, uma pequena receita advinda do atendimento clínico e da internação de
pacientes particulares, cabendo a gestão de todos os recursos do Hospital à Sociedade de
Assistência Hospitalar, criada pelo médico Januário Cicco, um personagem de alta
significação na trajetória da medicina e dos hospitais em Natal (ARAÚJO, 1985). Das
primeiras cirurgias e procedimentos terapêuticos dos anos 1910 e 1920, chegara-se a um
hospital geral, com um pouco menos que cem leitos (DAVIM, 1999), que contava com
103
médicos em diversas especialidades: clínica médica e cirúrgica, ginecologia e obstetrícia,
dermatologia, radiologia, oftalmologia e urologia (SARINHO, 1991). Essa especialização
apontava claramente o aumento de tecnicidade e da sofisticação do atendimento, ao tempo
em que diferenciava espaços e introduzia equipamentos dedicados a cada clínica.
Entretanto, ainda faltava um corpo profissionalizado de enfermagem, continuando os
cuidados aos pacientes a cargo de membros de irmandades religiosas.
Em 1936, também estava sendo inaugurado, na Avenida Deodoro, limite entre a Cidade
Alta e Petrópolis, o Hospital Infantil, renomeado Varela Santiago nos anos 1950 (DAVIM,
1999). A construção fora iniciada em 1923, coordenada pelo Instituto de Proteção e
Assistência à Infância do Rio Grande do Norte, em terreno doado pelo Governo estadual.
O Instituto inaugurou o edifício completo em 1936: era um hospital pediátrico, equipado
com ambulatório, raios-X, laboratório de análises clínicas, centro cirúrgico, internação, e
serviços de apoio como nutrição (SARINHO, 1988). Voltava-se ao atendimento de
crianças pobres, com custeio coberto por recursos públicos estaduais e apoio de
filantropos.
Depois do Hospital Colônia São Francisco, no período anterior, o Varela Santiago foi o
primeiro edifício hospitalar mais complexo da cidade a ter um projeto arquitetônico
desenvolvido a partir de terreno nu, sem qualquer construção prévia a reformar ou ampliar.
Com uma área construída de cerca de 950 m2, o Varela Santiago apresentava, como o
Miguel Couto, um certo grau de sofisticação tecnológica.
A existência de programa específico do Governo federal para o combate às doenças
infecto-contagiosas conduziria a nova ação associada dos governos estadual e federal
(como no caso do Hospital Colônia São Francisco). Surgia, em 1943, o Hospital Evandro
Chagas, especializado no tratamento de casos de enfermidades infecto-contagiosas
tipicamente tropicais. Localizado no bairro das Quintas, à época já quase integrado ao
perímetro urbanizado da cidade, o hospital contava com internação e serviços de apoio à
nutrição dos pacientes, além de uma área administrativa, prestando assistência em um
prédio de dois pavimentos, projetado e edificado para esse fim, em terreno vizinho àquele
que continha a casa de abrigo em que funcionava o antigo Hospital São João de Deus
(ARAÚJO, 197-).
104
Este, por sua parte, foi ligeiramente reformado e ampliado, sendo reinaugurado no mesmo
ano de 1943, com a denominação alterada para Hospital Getúlio Vargas, mantendo-se
como hospital especializado em tratamento de tuberculosos indigentes. Os recursos para a
reforma, segundo Davim (1999), advieram do Governo federal, no âmbito de programa de
construção de sanatórios para tuberculosos.
Por outro lado, ao final do período do Estado Novo, em 1944, o bairro do Alecrim, com
população crescente de camadas médias em função da atividade comercial ali instalada,
receberia a implantação de um hospital geral, a Policlínica do Alecrim. Originalmente, a
Policlínica fora fundada em 1939 por um grupo de médicos e dentistas, recém-formados
em sua maioria (SARINHO, 1988), sob os auspícios do Professor Luiz Soares e da
Associação dos Escoteiros do Alecrim que ele dirigia. O êxito do empreendimento e a
necessidade da população, cuja alternativa seria o Hospital Miguel Couto, do outro lado da
cidade, criou as condições para que o conjunto de clínicas fosse transformado em hospital
geral, com as obras iniciadas em 1942.
Implantado em um lote de 5.000 m2, o hospital Policlínica do Alecrim (o nome só seria
mudado para Hospital Professor Luiz Soares em 1967) teve seu projeto original de 1.297
m2 de área totalmente construído em dois anos. O financiamento da construção, sobre
terreno doado pela Associação dos Escoteiros e situado na Avenida Alexandrino de
Alencar, foi feito com recursos próprios dos médicos, com empréstimos, liquidados estes
com a receita geral dos serviços – diárias e consultas –, e com a receita advinda dos sócios
contribuintes que, em troca de pagamentos mensais da contribuição, ganhavam o direito de
atendimento nas clínicas da Policlínica (SARINHO, 1988, 1991).
Havia clínicas – médica, cirúrgica, ginecológica, urológica, pediátrica, entre outras –,
raios-X, laboratório de análises clínicas, centro cirúrgico e serviços de apoio, como
nutrição e lavanderia, e até, durante algum tempo, serviço de Pronto Socorro (SARINHO,
1988). Observe-se que a Policlínica do Alecrim já apresentava, à época de sua inauguração
como hospital, uma incipiente visão privada do negócio hospitalar, na medida em que o
grupo de médicos que liderava a sua implantação não se identificava como filantrópico.
Também, a administração financeira do empreendimento lançou mão de inovações (a
evolução de clínica para hospital, o sócio contribuinte, o administrador profissional etc)
que o configuram como representante de uma nova cepa de instituições médicas.
105
Pode-se verificar que os três novos hospitais implantados no período 1930/45 – o Hospital
Infantil, o Evandro Chagas e a Policlínica – já registram um certo patamar de tecnicidade
médica (clínicas especializadas, aparelho de raios-X, laboratório de análises clínicas e, em
alguns, centro cirúrgico). Excetuando o Evandro Chagas, edificado nos então limites da
cidade, a localização se inclina para espaços mais centrais da área urbanizada,
respectivamente na Cidade Alta e no Alecrim, porque os novos hospitais tinham ação
curativa e não eram mais “depósitos” de pacientes a serem isolados da sociedade. Essas
três instituições, além disso, foram projetadas como hospitais desde a sua primeira
concepção, salientando suas diferenças com respeito ao caso de casas readaptadas.
Ressalte-se, entretanto, que o Miguel Couto, instalado originalmente em uma casa
brevemente reformada, já se apresentava como radicalmente transformados em infraestrutura e facilidades disponíveis. Novos hospitais, tanto quanto hospitais existentes e
reformados, requeriam então mais espaço, fosse para receber as especialidades médicas,
fosse para incorporar o crescente aparato tecnológico. Por outro lado, o crescimento da
cidade incorporou as antigas localizações remotas à mancha urbana, integrando esses
hospitais ao cotidiano da cidade.
4.4. Da redemocratização ao Golpe Militar de 1964
A partir de 1945 e até 1964, intensificou-se o modelo de saúde pública do período anterior.
Dois fatores principais podem ser enumerados como razões para tal. Por um lado, com
maior solvência devido ao crescimento dos salários nas categorias organizadas, os IAPs
foram progressivamente estimulados pelo Governo Federal a ampliar seu papel na
assistência à saúde dos beneficiários (OLIVEIRA; TEIXEIRA, 1989). Por outra parte, o
processo de industrialização iniciado no período getulista passava a criar também uma
classe média, liberal ou assalariada, vinculada ao crescimento econômico.
Assim, ficavam mais claras as possibilidades de empreendimentos hospitalares. Os IAPs,
ainda que aplicassem recursos à construção de hospitais próprios, constituíam um grande
comprador de serviços médico-hospitalares (CAMPOS et al., 1979). Por sua vez, a nova
classe média, com renda suficiente para pagar planos de saúde, fez nascer a medicina de
grupo (convênios) no país (DUARTE, 2001). Tratava-se de companhias organizadas, por
médicos ou por profissionais de outras áreas, para vender seguros-saúde aos empregados
de empresas, com intermediação destas. Capitalizadas, essas companhias puderam lastrear
106
a construção de hospitais privados, pois a receita que elas proporcionavam se somava às
provenientes de serviços contratados pelos IAPs (POLIGNANO, 1992).
Essa possibilidade de financiamento no longo prazo permitiu que se investisse em hospitais
ainda maiores, verticais pela superposição de pavimentos de enfermarias, capazes de
concentrar o atendimento de uma grande área urbana. Essa mesma tendência vai ser
encontrada nas políticas públicas federal e estaduais, até porque ela respondia ao
desenvolvimento inicial de um tipo de medicina curativa muito amparada por diagnóstico
de base tecnológica e técnicas cirúrgicas mais seguras e precisas. No caso dos hospitais
públicos, os esforços desenvolvimentistas dos últimos anos 1950 e a existência de recursos
orçamentários darão origem aos grandes projetos de hospitais verticalizados, que
permitiam aprofundar o processo de especialização da unidade hospitalar, incorporando ao
edifício equipamentos de suporte técnico e de transporte requeridos por suas dimensão e
sofisticação tecnológica. Da mesma forma, permitia segmentar serviços e atividades
diferenciadas que se articulavam na concepção de “máquina de curar”. Nesse processo,
surgem os sinais de abertura, às parcelas menos abastadas da sociedade, do atendimento
hospitalar terapêutico, incorporando às políticas de saúde pública – por vez primeira e
ainda sem generalização – procedimentos de atenção ao enfermo pobre em hospitais de
porte e qualidade de serviço. Como o crescimento populacional do período se deu
especialmente nas grandes cidades e nas metrópoles brasileiras, estas passaram a requerer
mais áreas hospitalares para atendimento e internação.
Próximo ao fim do período, em 1960, Campos et al. (1979) estimam que a iniciativa
privada respondia por mais de 80% dos hospitais brasileiros. Naquele ano, promulgava-se
a Lei Orgânica da Previdência Social (Lei n. 3.807, de 27/8), pela qual os benefícios
providos pelos IAPs seriam uniformizados. O aumento das prestações de serviços
contratadas junto a terceiros fez com que alguns IAPs tratassem de estabelecer regras para
a contratação de serviços médico-hospitalares. A partir de um primeiro documento “Padrão
de elementos mínimos a serem considerados numa concorrência para a prestação de
serviços hospitalares”, formalizado em 1961 pelo IAPC, dos comerciários, outros IAPs
foram tratando de instituir padrões de avaliação da “assistência hospitalar, em termos de
planta física, equipamento e organização” (CAMPOS et al., 1979, p. 49), um embrião da
normativa edilícia hospitalar que se firmaria nos anos 1960 e 70. Esse movimento
culminaria, já no período seguinte, em 1967, com as tabelas de classificação de hospitais,
classificação nacionalmente usada para definir valores de serviços.
107
Em Natal, a população de 55 mil habitantes de 1940 quase triplicara para atingir os cerca
de 162.000 habitantes em 1960. A economia urbana mudou amplamente e, após a Segunda
Guerra, havia capital acumulado para financiar uma expansão territorial sem precedentes,
para sul e para oeste, levando os limites urbanos até a Av. Bernardo Vieira e ao bairro das
Quintas. Assim, a meados dos anos 1960, Natal já se constituía como um núcleo urbano
economicamente significativo, concentrando cerca de 15% da população estadual e
apresentando uma razoável diversificação de sua base produtiva (CLEMENTINO, 1995).
A nova dinâmica econômica se refletiria nas relações entre os hospitais e a cidade. A
emergência de categorias organizadas de renda média mais elevada, principalmente devido
ao crescimento da presença estatal na economia ao longo do Estado Novo, capazes de
articular seus IAPs ou de propiciar um mercado para medicina de grupo (ainda que em
bases pioneiras, como no caso dos sócios contribuintes da Policlínica), vai fundamentar
uma maior velocidade de surgimento de hospitais.
Os hospitais já implantados continuaram sofrendo ampliações. De outra parte, o esforço de
guerra e o caráter estratégico que Natal teve no conflito fez necessário prover instalações
hospitalares para os militares aqui sediados: a Marinha ampliou significativamente seu
antigo hospital na Base Ary Parreiras; a Aeronáutica fez construir seu próprio hospital em
Parnamirim (SARINHO, 1988). Só em 1946, era inaugurado o prédio do Hospital da
Guarnição de Natal, do Exército, sediado no bairro do Tirol, o que fez Natal atravessar
toda a Segunda Guerra usando como hospital militar um edifício projetado e construído
para ser a primeira maternidade da cidade.
Desde 1928, Januário Cicco animava um movimento social em apoio à fundação da
Maternidade de Natal. Festas, quermesses, rifas, sorteios, chás beneficentes, entre outras
formas de promoção, iam sendo realizadas com o objetivo de, somando-se as receitas a
doações de comerciantes, em dinheiro ou em materiais, edificar a Maternidade da capital.
O terreno em Petrópolis, ao pé do monte em que se situava o então Hospital Juvino
Barreto, foi doado pelo Prefeito Omar O’Grady e as obras puderam ser iniciadas em
princípios de 1932 (ARAÚJO, 2000).
Cuidava da administração das obras e do empreendimento a Sociedade de Assistência
Hospitalar. Uma vez concluída a obra, em 1941, a Sociedade alugou o prédio ao Ministério
da Guerra para servir de hospital de campanha e de quartel general (TAVARES, 1964).
108
Provavelmente, além de atender ao esforço de guerra, o adiamento da abertura da
Maternidade se prendeu à necessidade de fundos para equipá-la convenientemente. Talvez
não se contasse, por um lado, com mais quase cinco anos de guerra; ou, talvez, não se
esperasse a demora e a relutância do Ministério em cumprir o preceito contratual de
devolução do prédio, uma vez cessassem as hostilidades (ARAÚJO, 2000).
O certo é que a Maternidade Escola Januário Cicco só veio a ser inaugurada em 1950,
quase dez anos após a conclusão da obra e 22 anos depois dos primeiros passos para a sua
construção. Com especialidade em obstetrícia e ginecologia, a Maternidade dispunha de
enfermarias e apartamentos para particulares, centro cirúrgico, serviços de apoio como
nutrição, lavanderia, laboratório de análises clínicas e farmácia. O edifício, de três
pavimentos, abrigava enfermarias e apartamentos para clientes particulares, sendo de
propriedade da Sociedade de Assistência Hospitalar e mantido em função de convênio com
o Governo estadual, do qual provinham os recursos básicos de custeio. A Sociedade, por
meio de um centro de estudos, também diplomava pessoal de nível médio para seus
próprios quadros e para as cidades do interior (ARAÚJO, 2000)
Um pouco antes da inauguração da Maternidade Escola, em 1949, um albergue para
acolher pacientes com câncer foi transformado no primeiro Hospital da recém-fundada
Liga Norte-rio-grandense de Combate ao Câncer, um grupo de filantropia formado
basicamente por médicos dedicados a esta especialidade. Tratava-se do embrião do hoje
Hospital Dr. Luiz Antônio, e era dedicado a cuidados e tratamentos a pacientes com câncer
que não pudessem ter acesso a outros hospitais. O albergue estava localizado nas Quintas,
um bairro pobre e relativamente afastado do núcleo urbano em que se implantavam os
novos hospitais da cidade. A estrutura física do hospital foi conformada pela sucessiva
incorporação de casas vizinhas ao antigo albergue, que foram adquiridas por meio de
receitas de doações e de alguns recursos próprios obtidos em convênios com institutos ou
com o Governo estadual.
Mostrando a diversidade do empreendedorismo hospitalar do período, deve-se por em
contraste com as experiências da Maternidade Escola (ainda considerando que o início do
empreendimento remonta ao período anterior) e do Hospital Dr. Luiz Antônio o caso da
Casa de Saúde São Lucas. O grupo iniciador da Casa de Saúde era composto por
profissionais médicos com atuação em clínicas e hospitais da cidade. Sarinho (1981)
discorre sobre as razões pelas quais esse grupo se dispôs a empreender o projeto de um
109
novo hospital na cidade, salientando, por um lado, o fato de a cidade estar mal dotada de
instituições de atendimento médico, principalmente de urgência e, por outro, a dificuldade
encontrada por jovens profissionais em ingressar nas equipes dos hospitais existentes.
Nas palavras de Sarinho (1981, p. 7), ele mesmo um componente do grupo iniciador,
“...não nos movia a preocupação do lucro, mas um local onde o nosso trabalho pudesse ser
feito com maior liberdade”. Sendo a Casa de Saúde um empreendimento de iniciativa
particular, a preocupação da sustentabilidade econômico-financeira do negócio estava
presente, e se manifestou claramente na escolha do local. O bairro do Tirol ainda não havia
sido plenamente ocupado ao fim da Segunda Guerra, quando se fundou a Sociedade Casa
de Saúde e seus membros decidiam sobre onde implantar o hospital que pretendiam
edificar. Parte dos sócios do empreendimento julgava o bairro um tanto distante do centro
da cidade, mas a decisão pelo Tirol se revelaria logo um grande acerto em função do
rápido crescimento que a área experimentaria nos anos 50. O terreno foi adquirido com
recursos próprios da sociedade e um projeto foi elaborado “de acordo com os nossos
planos e sugestões oferecidas pelo engenheiro” (SARINHO, 1981, p. 27). A Casa de Saúde
seria inaugurada em princípios de 1952, contando com corpo médico, enfermagem
profissional de nível médio e irmãs religiosas que faziam as vezes de enfermeiras
diplomadas e administradoras do cotidiano do hospital.
O custeio básico do hospital era garantido pelo atendimento aos IAPs existentes em Natal,
dos quais apenas o IAPI (dos industriários) não teve convênio com a Casa de Saúde. Mas
não era insignificante o aporte de pacientes particulares, em função principalmente das
atividades da clínica cirúrgica (SARINHO, 1981). A estrutura de atendimento da Casa de
Saúde consistia, em dois pavimentos, de enfermarias e apartamentos para internação,
centro cirúrgico, laboratório de análises clínicas, raios-X e serviços de apoio como nutrição
e lavanderia.
De caráter estritamente privado, assim como a Casa de Saúde de São Lucas, surge em 1959
o Hospital Médico-Cirúrgico, em Petrópolis, a poucos metros da Maternidade e do Miguel
Couto. Tratou-se de iniciativa de um grupo de pessoas com atuação profissional na área
médica, endereçada ao veio de mercado aberto pela existência em Natal de IAPs bem
estruturados e por uma classe média emergente, que garantia alguma clientela particular. O
Hospital Médico-Cirúrgico ocupou uma casa reformada, com área de 455 m2, contando
com doze leitos de internação, centro cirúrgico, laboratório de análises clínicas, raios-X,
110
quatro consultórios e serviços de apoio como nutrição. Foram investidos recursos próprios
do grupo empreendedor, sendo o seu custeio coberto por clientela particular e de
convênios.
Por fim, o período ora estudado ainda registrou a segunda transferência de sede, em 1957,
do Hospital de Alienados (antes Lazareto da Piedade), que deixou o edifício situado na
esquina da Av. Alexandrino de Alencar com a Rua Mário Negócio – em frente ao qual se
implantara em 1944 a Policlínica do Alecrim – e se instalou na mesma Avenida
Alexandrino, mas em sua extremidade oposta, no bairro de Morro Branco, trocando-se sua
denominação para Hospital Colônia João Machado (SILVA, 1989). O novo prédio fora
construído com recursos dos Governos estadual e federal, os quais também assumiam a sua
manutenção e custeamento de atividades. Mantinha-se a natureza da instituição – doentes
mentais –, mas foram introduzidos cuidados terapêuticos, corpo médico e irmãs de ordens
religiosas para prestar assistência e conforto aos pacientes. O edifício possuía dois
pavimentos, espaço de internação e serviços de apoio como nutrição, administração e
lavanderia, reservando-se também acomodações especiais para as irmãs.
Por fim, nos primeiros anos da década de 1960, iniciava-se a construção do Hospital da
Polícia Militar do Rio Grande do Norte, sediado na Avenida Prudente de Moraes, no Tirol
(ARAÚJO, 2000).
Ponha-se em destaque, no período, a implantação de um hospital especializado de grande
porte – a Maternidade –, bem como a consolidação da iniciativa privada no setor
hospitalar, com a Casa de Saúde São Lucas e o Médico-Cirúrgico sucedendo, com uma
estrutura de empreendimento totalmente definida pela lógica privada, a experiência
anterior da Policlínica do Alecrim, em que ainda se encontravam traços de filantropia e de
atuação articulada socialmente.
Ponha-se em realce o fato de que esses hospitais de iniciativa privada são, até este período
ora em foco, sempre hospitais gerais, cabendo a primazia dos especializados ao
investimento público e filantrópico. Por outro lado, cabe ressaltar que o período
estabeleceu definitivamente a presença da tecnicidade e da tecnologia médica nos hospitais
como elemento fundamental da organização do serviço e da assistência, um movimento
que, fomentado pela Sociedade de Medicina e Cirurgia estadual a partir dos anos 1930,
ganhou contornos definitivos em fins da década de 1950.
111
A importância da Sociedade de Assistência Hospitalar cresceria em 1952, quando a Lei
estadual 693, de 7 de novembro, transferiu por doação para a Sociedade o Hospital Miguel
Couto, pedindo em contrapartida tão somente que se mantivesse um certo número de leitos
gratuitos para os funcionários do estado, conforme contrato que se firmaria posteriormente.
Proprietária da Maternidade Escola e agora do Miguel Couto, a Sociedade de Assistência
Hospitalar proporia em 1955 a criação da Faculdade de Medicina de Natal, recebendo
apoio imediato do Presidente da República (o potiguar Café Filho). Antes de formar sua
primeira turma, a Faculdade, com todo o seu patrimônio, seria incorporada à Universidade
Federal do Rio Grande do Norte, em fins de 1960.
4.5. O período da ditadura militar (1964-1985)
No período pós-64, vão-se agravar os problemas de saúde pública no Brasil. A urbanização
crescente e o crescimento sem distribuição de renda exauriam as condições sanitárias das
cidades de maior porte e faziam com que as doenças epidêmicas e derivadas de subnutrição
se somassem ao crescimento dos acidentes de trabalho, pressionando as precárias
condições de universalização da atenção à saúde curativa e reduzindo a eficiência dos
programas preventivos (OLIVEIRA; TEIXEIRA, 1989). Em 1967, os IAPs foram
unificados no INPS (Instituto Nacional de Previdência Social), que passava assim a gerir as
contribuições previdenciárias de todas as categorias de trabalhadores.
Se a primeira concepção dos IAPs no Estado Novo era centralizada em comando estatal
mas descentralizada por categoria, e sua evolução na redemocratização após a Segunda
Guerra Mundial levou a um controle mais descentralizado e flexível, a política
previdenciária da ditadura militar ia na direção de uma hiperinstituição nacional, com um
orçamento gigantesco, incapaz de ser gerida adequadamente no plano da produção dos
serviços diretos à sociedade.
O modelo assistencial adotado no período enfatizava o hospital como unidade mais
importante de uma rede hierarquizada de atendimento (não-universalizado) à saúde, em
que a prevenção, precária, era desvalorizada (LUZ, 1986). O modelo priorizava o
atendimento curativo, enquanto a piora das condições sanitárias e o aumento da miséria
repercutiam negativamente na eficiência-custo deste atendimento.
O modelo (centralizado, com contratação de serviços remunerados de terceiros) era
claramente vulnerável a fraudes (LUZ, 1986), e a redução na qualidade média do
112
atendimento voltou a estimular a construção de sociedades de medicina de grupo, desta vez
contando com a presença de cooperativas médicas regionais e locais articuladas
nacionalmente na sigla UNIMED (DUARTE, 2001). Segundo Akamine (1987), a primeira
UNIMED singular surgiu em Santos, em 1967: dez anos depois, mais de 60 cooperativas
de trabalho médico com a mesma denominação já existiam em todo o país.
A expansão do número de leitos privados se sustentou inicialmente nas mesmas bases do
período anterior, ou seja, pela remuneração aos hospitais privados por serviços prestados
(LUZ, 1986), mas ganharia uma estruturação mais sofisticada com a criação do FAS –
Fundo de Apoio ao Desenvolvimento Social, em fins de 1974. Os recursos do FAS,
aplicáveis em apoio a projetos públicos e privados, beneficiariam especialmente, com
juros subsidiados, os investimentos em construção, ampliação, readequação e
(re)aparelhamento de hospitais privados, depois mantidos pelo INPS à conta de pagamento
por serviços unitários prestados aos beneficiários da Previdência Social (OLIVEIRA;
TEIXEIRA, 1989), sem desprezar as possibilidades abertas pela expansão dos planos de
saúde privados.
O empenho na obtenção de alta produtividade do investimento em unidades hospitalares
reforçaria o caráter concentrado e vertical dos hospitais edificados nesse período,
consolidando de vez a tendência pela volumetria do tipo torre sobre pódio, mesmo quando
outros elementos constitutivos do tipo – funcionalidade, eficiência, por exemplo – não
tivessem sido tomados em consideração. Sobretudo, a preocupação era com a concentração
em unidades hospitalares maiores e “a implantação de hospitais com pequeno número de
leitos não deve ser estimulada, tendo em vista a dificuldade de manutenção (sic)”
(BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE, 1978, p. 7). A visão hegemônica era a de que para
obter equilíbrio “econômico e financeiro” o hospital deveria ser proposto com uma
capacidade não inferior a 150 leitos, ainda que as normas admitissem e apresentassem
estudos para hospitais de 50 leitos, “considerando as nossas condições”, certamente as
demográficas.
Com o objetivo de garantir que essas unidades de saúde tivessem as mínimas condições
sanitárias e operacionais, foi criado pelo Ministério da Saúde um conjunto de normas e
padrões para construção e instalações de estabelecimentos de serviços de saúde: a Portaria
n. 400, de 1977 (BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE, 1977). A Portaria vinha coroar um
processo que se iniciara com o “Padrão de elementos mínimos a serem considerados numa
113
concorrência para a prestação de serviços hospitalares”, do IAPC, em 1961, e que originara
uma atividade de elaboração de normativas de projeto e tabelas de classificação de
hospitais e prescrições sobre o tema, ainda na era IAPs (CAMPOS et al., 1979)
O Governo militar de 1964 tratou o tema com mesma intensidade, envolvendo nele o
Conselho Interministerial de Preços e o INPS. Em 1965, saia a luz um primeiro conjunto
articulado de normas disciplinadoras da construção hospitalar (BRASIL. MINISTÉRIO
DA SAÚDE, 1965), que persistiu vigente até a emissão de novas normas de construção e
instalação do hospital geral (BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE, 1974), cujo
aprimoramento e generalização levaram à já citada Portaria n. 400. Válida para todo
território nacional, essa Portaria estabelecia o programa de necessidades das unidades de
saúde, dimensões mínimas por ambiente e outras recomendações como segregação de
fluxos, acessos e implantação do hospital, localização, e escolhas de terrenos. As unidades
estavam categorizadas de acordo com o nível de complexidade e a área de cobertura da
população. O modelo centralizador vigente influenciou diretamente nas diretrizes adotadas
pelo documento, em que se utilizavam tipologias pré-determinadas, programas
arquitetônicos pré-definidos e parâmetros de abrangência nacional calcados unicamente em
dados demográficos.
A estratégia governamental para a área de infra-estrutura construída de saúde tomaria
feições definitivas com a Resolução n. 3 – CIPLAN, de 25 de março de 1981 (BRASIL.
MINISTÉRIO DA SAÚDE E MINISTÉRIO DA PREVIDÊNCIA E ASSISTÊNCIA
SOCIAL, 1981) que estabelecia critérios e normas para a adequação e expansão da rede de
unidades físicas de atenção à saúde, com o objetivo de alcançar a sua integração e
hierarquização.
Em Natal, a população crescia com taxas mais altas que a média nacional. Os Censos do
IBGE para 1960 e 1980 indicam, respectivamente, números de 162.000 e 416.000
habitantes, ascendendo o peso da capital na população do estado de cerca de 14% em 1960
para 22% em 1980. Nesse período, a cidade testemunhou a ocupação da periferia urbana
pelos conjuntos habitacionais, financiados pelo Sistema Financeiro de Habitação por meio
do Banco Nacional de Habitação (BNH).
Inicialmente, logo em 1966, com verbas do Governo Federal, o Hospital Getúlio Vargas é
amplamente reformado e ampliado, para funcionar com capacidade para 180 leitos de
114
internação dedicados a pacientes com tuberculose. Tinha raios-X, laboratório de análises
clínicas, pronto socorro, serviços de apoio como lavanderia, nutrição, almoxarifado,
farmácia, além de salas de aula para atividades didático-pedagógicas ligadas ao Curso de
Medicina da Universidade Federal. A área total construída era de 6.180 m2, em três
pavimentos.
A demanda por serviços hospitalares, agora unificados os institutos no INPS, vai requerer a
implantação de grandes hospitais gerais públicos dirigidos às populações de menor renda.
O primeiro exemplar natalense desta nova política de infra-estrutura hospitalar foi o
Hospital Walfredo Gurgel, inaugurado em 1971. Tratava-se de um hospital geral, com
ênfase no atendimento de urgências e emergências, mas contando com centro cirúrgico,
ambulatório, laboratório de análises clínicas, 150 leitos de internação (não por
coincidência), serviços de nutrição e de lavanderia integrados ao edifício. A área total
implantada era superior a 6.900 m2, em três blocos variando entre um e sete pavimentos. A
edificação, localizada na Avenida Hermes da Fonseca, quase no limite sul do bairro do
Tirol, era de fácil acesso à época desde as entradas rodoviárias de Natal, o que consolidava
o hospital como de referência regional. Os recursos aplicados na construção, na equipagem
e no custeio do Walfredo Gurgel provinham dos Tesouros estadual e federal.
Dos anos 1970 é também o Hospital Santa Helena, uma instituição materno-infantil de
iniciativa privada, com área construída de 3.337 m2, distribuída por três pavimentos. O
Santa Helena foi projetado com centro cirúrgico e obstétrico, berçário, raios-X, laboratório
de análises clínicas e serviços de apoio – lavanderia, nutrição e administração – integrados
ao corpo do edifício. Os recursos para a construção – com aporte do FAS – foram
arregimentados pelo grupo de médicos que constituiu a sociedade mantenedora, cujo alvo
eram os clientes particulares, os de convênio e, também, os da Previdência Social. O
hospital dirigia seus serviços para a população de classe média e média baixa de seu
entorno, localizando-se no Alecrim em uma área residencial de alta densidade.
Esse modelo de atuação da iniciativa privada no setor hospitalar traria para Natal mais dois
exemplares nos anos 1980. O primeiro deles, em 1982, foi o PAPI, um hospital
especializado em pediatria, com 120 leitos de internação, ambulatório, centro cirúrgico,
urgência, raios-X, laboratório de análises clínicas e serviços de apoio – nutrição e
lavanderia, integrados ao edifício. A área construída era de 3.625 m2 e o hospital, objeto de
investimento exclusivamente privado, por meio de empréstimos bancários e com apoio do
115
FAS, era mantido com receitas provenientes de clientela particular e de convênios. A
localização do PAPI é central, no bairro do Tirol: logo, direcionado a um público de renda
mais elevada.
O segundo hospital privado do período foi a Maternidade Santa Isabel, com ênfase em
ginecologia e obstetrícia, contando com 54 leitos de internação, ambulatórios, centro
cirúrgico e obstétrico, laboratório de análises clínicas e serviços de apoio de nutrição e
lavanderia. Aqui, também se financiou com recursos privados a implantação do hospital e
se buscava garantir o custeio com receitas provenientes de clientela particular e de
convênios, característica da demanda potencial da população de renda média e médio-alta
residente em seu entorno.
Concluindo o período, registra-se o Hospital Santa Catarina. Trata-se de um hospital geral
público, construído, equipado e custeado com verbas dos Tesouros estadual e da União.
Inaugurado em 1985, sua localização revela a preocupação de fazer chegar aos bairros
periféricos, no caso os da Zona Norte, o atendimento médico-hospitalar. Faz parte da
primeira tentativa de implantar efetivamente a rede de saúde hierarquizada e regionalizada
prevista pela Resolução n. 3 – CIPLAN, em Natal e no Rio Grande do Norte. O terreno
escolhido está no Conjunto Santa Catarina, aproximadamente no centro do território alémPotengi do município de Natal. Assim, o Santa Catarina se apresenta como o primeiro
hospital público de Natal cujo público alvo não é toda a população municipal, mas sim a de
uma certa área do município. O edifício do Santa Catarina resolve-se em um único
pavimento, com área total de 3.500 m2, nos quais se enfatizam clínicas pediátrica,
cirúrgica, obstétrica e ginecológica. Possui ainda serviços de urgência, ambulatórios,
centro cirúrgico, laboratório de análises clínicas, raios-X, nutrição, lavanderia e farmácia.
Do exposto, pode-se concluir que o período correspondente à ditadura militar representou,
para os hospitais de Natal, uma época de expansão relativamente acelerada, com respeito
aos períodos anteriores, tanto no que tange aos empreendimentos privados, quanto aos
hospitais de iniciativa pública. Somente a área construída de hospitais novos no período
(sem contar ampliações dos existentes) ascendeu a mais de 20.000 m2, mais ou menos
distribuídos por igual entre hospitais públicos e privados. Tal fato deve ser vinculado às
facilidades de financiamento bancário e da transferência de recursos federais através do
FAS. Observa-se também a presença do serviço de urgência na maioria dos hospitais
surgidos no período, revelando um avanço na assistência à saúde da população. Há
116
destaque para o Hospital Walfredo Gurgel, único do período com serviço de emergência e
capacidade para executar cirurgias de maior complexidade. Quanto à tecnologia médica
não há diferenciação para o período anterior: permanecem o aparelho de raios-X e o
laboratório de análises clinicas como representantes deste segmento. Entretanto, as áreas
da nutrição e lavanderia passam a ser incorporadas ao edifício como atividades
hospitalares, merecendo o mesmo grau de exigência de assepsia de outros setores.
Observa-se também uma
nova “divisão do trabalho” entre o provedor público e o
investidor privado, na forma de uma presença maior da especialidade (materno-infantil,
pediátrico, ambas de média complexidade) no setor privado, e da ênfase em hospitais
gerais públicos, de média e alta complexidade, revelando um direcionamento dos
investimentos privados para os segmentos de oferta com menores custos e garantia de
mercado.
4.6. De 1985 ao presente
O processo de repolitização do país vai de encontro ao desastre previdenciário promovido
pelas políticas da ditadura militar. A questão do direito à saúde e ao saneamento básico vai
ser tratada, a partir de 1983, no âmbito da luta pela redemocratização nacional. Passa-se a
entender a questão como uma questão de cidadania: saúde e meio ambiente saudável são
traduzidos na pauta dos deveres de Estado e dos direitos universais do cidadão.
Contrariamente à idéia de centralização burocrática, os movimentos sociais adquirem
sotaque municipalista, advogando por um sistema nacional com poder de decisão
descentralizada, garantindo-se a universalização dos serviços pela via do financiamento
federal, mas com gestão compartilhada com estados e municípios na forma de Conselhos
de Saúde, requeridos estes e seu funcionamento adequado como exigência para as
transferências de recursos (COHN; ELIAS, 1996).
A Constituição de 1988 aprovou em linhas gerais esses princípios, concretizando-os no
Sistema Único de Saúde (SUS) que deve enfatizar a atuação preventiva (COHN; ELIAS,
1996). Efetiva-se-se aí uma mudança paradigmática. No modelo assistencial anteriormente
vigente, a organização do sistema nacional de saúde implicava na valorização do hospital e
da atenção curativa, era centralmente planejado e não buscava a universalização dos
serviços. No modelo vigente a partir de 1988, os elementos fundamentais são a
descentralização coordenada, o acesso universal e a ênfase na prevenção (BICALHO;
ABDALLA, 2003).
117
O Sistema Único de Saúde se rebate fisicamente em uma rede de serviços de atenção à
saúde territorialmente regionalizada e hierarquizada do ponto de vista da resolutividade das
unidades (do posto de saúde ao hospital de base), ainda nos termos da já mencionada
Resolução n. 3 – CIPLAN. O sistema conta com a participação do setor privado, que provê
mediante pagamento aqueles serviços que inexistam na rede pública ou que, aí existindo,
não tenham capacidade de atendimento aos clientes.
A hierarquização do sistema de atendimento à população, adotado como norma para a
saúde pública, tem rendido bons frutos em parte dos municípios aderidos, mas esses
resultados não podem ser generalizados na medida em que, em muitos municípios, as
unidades descentralizadas funcionam mal, são mal aparelhadas e seu custeio enfrenta
diversos problemas (TEIXEIRA; VILASBÔAS, 2002). Assim, formalmente o sistema está
universalizado e homogeneizado, mas sua concretização é, em função do caráter local das
decisões, extremamente dependente da ação de cada município (COHN; ELIAS, 1996).
Tais problemas dão origem, mais uma vez, ao crescimento do negócio privado de atenção
hospitalar, com base em financiamentos subsidiados (via BNDES) e sustentado pela
potencialidade de geração de renda dos convênios e planos de saúde complementar. As
classes médias e a elite urbana, na busca de serviços mais qualificados e eficientes,
compõem a massa de conveniados que se omitem do atendimento universal e viabilizam
uma nova explosão dos hospitais particulares, ao mesmo tempo em que a falência fiscal e a
falta de prioridade política para a saúde pública condenam as unidades hospitalares do
Estado a um mau funcionamento crônico.
Mais competitiva, essa oferta de serviços privados de medicina privilegia a segmentação
de mercados e a diferenciação arquitetônica do edifício, parcialmente ancorada por uma
difusão um tanto imprecisa e vaga dos conceitos de humanização do ambiente hospitalar
(LOPES; LUCIANA, 2004). Entretanto, na esteira da ausência de crescimento econômico
sustentado, as bases de financiamento privado do custeio hospitalar e, também, da
remuneração dos altos investimentos não se apresentam estáveis, provocando crises
reiteradas nas relações entre convênios e planos de saúde, de um lado, e instituições
hospitalares, de outro.
Com a nova Constituição, foi elaborada pelo Ministério da Saúde em 1994 a Portaria n.
1.884/1994 (BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE, 1994), que define normas para projetos
118
físicos de estabelecimentos assistenciais de saúde, substituindo a Portaria n. 400/1977.
Depois, em 2002 a ANVISA atualizou esse documento, substituindo-o pela RDC n.
50/2002 (BRASIL. AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA, 2002),
alterada pelas RDCs n. 307/2002 e n. 189/2003. Essa versão, de acordo com o espírito da
Lei Orgânica da Saúde, de 1988, contém diretrizes que procuram descentralizar as decisões
de planejamento e projeto, e permitir a projetação de qualquer unidade de saúde, sem
estabelecer programas arquitetônicos padronizados, com a disponibilização de regras
flexíveis (BICALHO; ABDALLA, 2003).
Como houve uma concentração da população em algumas áreas da cidade houve também
uma concentração da demanda por hospitais privados. Essa demanda veio a ser
intensificada com a ampliação do número de segurados por planos ou seguros privados de
saúde, na esteira da deterioração acentuada dos hospitais públicos. Com efeito, em Natal, a
geração atual dos planos de saúde nasceu com a Unimed-Natal, em 1977. Sua
massificação, entretanto, data dos primeiros anos 1990, a partir de quando surgem grupos
privados com interesse em investir em hospitais particulares, com interesse empresarial.
Até então, mesmo nos casos de hospitais privados, não havia estrutura organizacional
claramente voltada para a comercialização dos serviços e a rentabilidade. Havia, sobretudo,
um caráter que, se não era de empreendimento familiar, produzia comportamentos
próximos aos de empresas familiares (falta de profissionais na gestão, decisões de
racionalidade
discutível)
ou
de
organizações
filantrópicas
subvencionadas
(desconsideração de ineficiências desde que os custos sejam cobertos, por exemplo).
Em sua maioria, os grupos de investidores eram formados por médicos, dedicados a suas
clínicas e que, em que pese sua motivação empresarial, não detinham suficientes
conhecimentos ou vivências empresariais, mas também não sentiram a necessidade de
buscar o assessoramento profissional necessário para os seus investimentos. Era com base
nas experiências individuais que eles buscavam gerir o negócio. Mas, não havia claramente
uma proposta assistencial definida, nem um estudo de viabilidade econômica,
concretamente. As decisões sobre perfil e dimensionamento dos hospitais eram tomadas
pelos proprietários, da perspectiva de suas especialidades médicas, de forma meio intuitiva
e com base nas possibilidades que percebiam desde suas experiências individuais.
Assim, não há uma integração das unidades privadas do período a um modelo assistencial,
recaindo a preocupação dos empreendedores sobre os recursos próprios e bancários que
119
lastreariam o investimento, bem como sobre a garantia de acesso aos beneficiários de
seguros e planos de saúde, que deveriam ser suficientes para custear a manutenção das
unidades, bancar as amortizações do financiamento e recompor o capital próprio aplicado.
Só posteriormente, já em fins dos anos 1990, com o acirramento da competição por
clientes de seguros e planos, é que gradativamente se impuseram as idéias da
administração e do assessoramento profissionais. Por outro lado, houve que reorientar o
perfil hospitalar na direção de serviços de maior complexidade, aqueles que são os mais
bens remunerados pelas tabelas de aquisição de serviços do SUS.
O primeiro hospital implantado no período é o Hospital Memorial, de 1990. Hospital geral,
com ênfase em ortopedia e traumatologia, o Memorial contava então com 17 leitos de
internação, serviços de urgência, raios-X, laboratórios de análises clínicas, centro
cirúrgico, UTI e serviços de apoio, em seus três pavimentos. Sua localização na Cidade
Alta, quase no limite com o Tirol, já aponta uma certa tendência dos hospitais privados a
buscar áreas mais centrais.
Mas a maturação do novo ambiente de negócios, especialmente no que se refere à
necessária consolidação dos seguros privados, adiou até 1996 o surgimento de um segundo
hospital privado no período. Desta vez, foi a PROMATER, um hospital materno-infantil
com 80 leitos de internação, centro cirúrgico, consultórios, UTI neo-natal, raios-X,
laboratório de análises clínicas, mamografia, ultrassonografia e serviços de apoio (nutrição,
lavanderia e farmácia), com estacionamento interior ao lote. Em seus 7.500 m2 de área
construída em quatro pavimentos, como se vê, a PROMATER é o primeiro hospital de
Natal a internalizar, ao edifício hospitalar, o apoio ao diagnóstico de maneira extensiva. A
localização, no bairro de Lagoa Nova, busca tirar partido da nova centralidade urbana que
Natal adquirira com a valorização dos bairros a Sul, destino de muitos investimentos
imobiliários nos anos 90. Os recursos de construção foram de iniciativa privada, sendo o
principal público alvo os planos de saúde garantidores de custeio e recuperação de capital.
O único hospital público implantado no período se situa na Zona Norte, no Conjunto
Parque dos Coqueiros. Iniciado no final dos anos 1980, o Hospital Maria Alice Fernandes
teve sua construção paralisada por cerca de dez anos. Nesse período, alterou-se o perfil do
projeto original, de hospital geral, para o de hospital especializado em pediatria voltado
para a demanda identificada pelos técnicos estaduais na Zona Norte de Natal. Trata-se de
investimento público estadual, contando também com recursos federais para implantação e
120
para custeio, sendo seu objeto principal a clientela do SUS. É um hospital com 70 leitos de
internação, seis de UTI, urgência, raios-X, laboratório de análises clínicas, ultrassonografia
e serviços de apoio. Com área de 3.755 m2, o Maria Alice Fernandes tem um só pavimento.
Os primeiros anos do século XXI presenciam um forte ritmo de expansão dos
investimentos privados em hospitais em Natal. Nota-se nos hospitais implantados nesta
fase a incorporação de tecnologia médica de ponta, na área de apoio ao diagnóstico.
Já em 2000, é inaugurado o Hospital do Coração, hospital geral com ênfase em
cardiologia. Três pavimentos e 11000 m2 de área construída abrigam 58 leitos de
internação, 25 consultórios, 13 leitos de UTI, urgência e emergência, centro cirúrgico,
laboratórios de análises clínicas, raios-X, tomografia computadorizada, hemodinâmica,
ultrassonografia. Possui estacionamento interno e se localiza no bairro de Lagoa Nova,
como a PROMATER. O financiamento da construção se deu por recursos próprios,
tomados ao BNDES, enquanto que o custeio e a recuperação do capital busca seus recursos
na receita de planos de saúde. Também no Hospital do Coração verifica-se a tendência de
apropriar ao hospital capacidade de resolução em termos de consultórios, de um lado, e de
apoio ao diagnóstico, de outro.
Definido de modo similar à PROMATER, o Hospital Femina é uma instituição maternoinfantil com 54 leitos de internação. Tendo 5700 m2 de área construída nos seus dois
pavimentos, a Femina conta com centro cirúrgico, UTI neo-natal, urgência em pediatria,
raios-X, laboratório de análises clínicas e serviços de apoio. Há estacionamento interno ao
lote. Localiza-se no mesmo bairro de Lagoa Nova, como o Hospital do Coração e a
PROMATER, e pelos mesmos motivos.
Por fim, o Natal Hospital Center, implantado em 2002, conta com 6 pavimentos e 14000
m2 de área. O Hospital é geral, mas tem ênfase em cardiologia e oncologia, com 77 leitos
de internação, centro cirúrgico, UTI, urgência e emergência, hemodinâmica, raios-X,
laboratório de análises clínicas e serviços de apoio. O financiamento foi feito pelos
proprietários, tomando-se os recursos financeiros em bancos (linhas de financiamento
BNDES), enquanto custeio e recuperação de capital devem ser cobertos por arrecadação
de pacientes de convênio. Localiza-se no bairro do Tirol, ao lado do PAPI: com o Natal
Center, uma área que começa a consolidar-se como um outro pólo de atenção à saúde.
121
Observe-se que, no período, os hospitais são relativamente bem maiores e mais altos que a
média do período anterior. Por outro lado, há uma incorporação ao edifício de atividades
de diagnóstico mais sofisticadas, antes processadas em clínicas, e – definitivamente – dos
consultórios, isso em larga escala. Uma outra constatação a ser feita é a baixa significação
relativa do único hospital público implantado nesse último período.
4.7. Uma visão geral do hospital em Natal
A caracterização dos hospitais implantados em Natal ao longo do século XX, ainda que
realizada como objetivo instrumental, permite inferir algumas conclusões relevantes para o
entendimento do objeto empírico do trabalho.
Tendo em vista os elementos de caracterização trabalhados neste capítulo, e mesmo
considerando o fato de ser Natal ainda hoje uma cidade média, pode-se verificar que o
conjunto dos hospitais implantados em Natal – desde o primeiro Hospital da Caridade, de
1856, até o Natal Center, de 2002 – apresenta toda uma variedade institucional que
sintetiza quase completamente a história dos hospitais.
É certo que não há registro em Natal de hospitais patrocinados pela Igreja, mas a trajetória
examinada neste capítulo revela uma gama variada de empreendimentos hospitalares:
públicos, privados e filantrópicos; gerais e especializados; de pequeno e grande porte. Essa
variedade é o reflexo, principalmente, das transformações pelas quais passou a cidade, no
período estudado. São essas transformações, juntamente com as alterações da política
pública de saúde no Brasil, que parecem direcionar os caminhos da evolução do hospital
natalense, em resposta a necessidades e demandas interpostas pela sociedade.
Nesse sentido, cabe ressaltar que a periodização aqui utilizada permitiu perceber como, no
âmbito local, os movimentos nacionais exercem influência significativa no comportamento
dos agentes locais, no que se refere ao desenvolvimento da infra-estrutura hospitalar.
Assim, mesmo quando a cidade dava, nas três primeiras décadas do século XX, os
primeiros passos em seu crescimento populacional e econômico, seu cenário no campo
hospitalar registrava as primeiras incursões no rumo da internalização ao hospital de
preocupações sanitárias com fundamentos técnicos e científicos, com âncora no
investimento público, mas com significativa participação da sociedade civil pela via da
filantropia.
122
Depois, durante o Estado Novo, intensifica-se a tecnicidade dos hospitais e, ao mesmo
tempo, a iniciativa privada – ainda associada a um viés filantrópico – começa a se insinuar
mais decididamente no terreno. O aumento de tecnicidade não se dá apenas pela inserção
ao hospital de elementos tecnológicos, com clínicas especializadas, tecnologia de apoio ao
diagnóstico e espaços diferenciados para a cirurgia; também se verifica pelo abandono da
idéia de edificar hospitais reformando casas e galpões em prol da escolha de localizações
adequadas e do desenvolvimento de projetos para o edifício hospitalar.
No período seguinte, entre 1945 e 1964, a incipiente tecnicidade se converteria em um
dado marcante na estruturação hospitalar e, por outro lado, o viés filantrópico das
instituições privadas deu lugar à lógica do investimento privado nas decisões de
localização, porte e perfil assistencial, com vistas a assegurar rentabilidade ao capital
investido. É interessante ressaltar que nesse período de vinte anos apenas se registra uma
implantação hospitalar nova com recursos públicos, mesmo assim na área de sanidade
mental.
Uma retomada do investimento público em novos hospitais ocorre no período seguinte,
entre 1964 e 1985. É um período de expansão da capacidade hospitalar, em termos de
número de leitos, com equilíbrios entre as presenças privada e pública.
Enquanto não há novidades na tecnologia, crescem de importância, até em função de um
maior porte médio dos hospitais, as atividades de suporte como nutrição, farmácia,
lavanderia etc, o que revela maior estruturação e organização da unidade hospitalar como
ambiente de produção de cuidados ao paciente. É marcante o fato de que o setor privado,
neste período, migra para os hospitais especializados de média complexidade, enquanto o
setor público atua mais na direção de ampliar a capacidade de atendimento em hospitais
gerais.
A partir de 1985, passa a ser mais evidente uma orientação comercial para o investimento
privado, na esteira da expansão dos beneficiários de seguros e planos de saúde. A oferta de
leitos e serviços em novos hospitais privados é francamente maior que a dos hospitais
públicos, alterando-se a postura do investidor privado que passa a perseguir serviços
diferenciados. Os novos hospitais do período são bem mais supridos de tecnologia médica
avançada, investem em publicidade e disputam usuários em um mercado bastante
competitivo.
123
Pelo exposto, os hospitais mudaram com a evolução da cidade e com as alterações da
política pública para o setor saúde. Essas mudanças institucionais, gerenciais e
organizacionais certamente repercutiram sobre suas definições arquitetônicas: são essas
redefinições e suas correlações com o entorno o foco do próximo capítulo.
Capítulo 5
Análise tipológica dos hospitais de Natal
125
5. Análise tipológica dos hospitais de Natal
O objetivo deste capítulo é a apresentação dos resultados da aplicação, a um subconjunto
formado por dezoito hospitais de Natal–RN, do instrumento de análise tipológica que foi
especificado no capítulo 3. Embora o trabalho tenha seguido uma diretriz censitária, no
esforço de submeter à análise todos os vinte e nove hospitais implantados em Natal a partir
de meados do século XIX, não foi possível aplicar o instrumental desenvolvido em todos
esses casos, mencionados no capítulo 4.
Assim, não se pôde incluir entre os hospitais analisados o primeiro Hospital da Caridade
(implantado em 1856, desativado em 1906), o Hospital São João de Deus (operativo em
1892 e reconstruído totalmente em 1966) e o Asilo de Alienados (de 1911, desativado em
1957), pela impossibilidade de obter, primária ou secundariamente, quaisquer elementos
gráficos indispensáveis à análise.
Em função da impossibilidade ou da dificuldade de acesso aos edifícios e aos projetos
originais, concluiu-se que os hospitais pertencentes às Forças Armadas (Exército, Marinha
e Aeronáutica) e à Polícia Militar não poderiam fazer parte do conjunto de hospitais
analisados.
Por outras razões, também foram excluídos do conjunto analisado os Hospitais Luís
Antônio, Médico-Cirúrgico, Miguel Couto (hoje Hospital Universitário Onofre Lopes) e a
Maternidade Santa Izabel (hoje ITORN). Nesses casos, embora tenha sido possível realizar
levantamentos e registros arquitetônicos de suas atuais situações, não havia disponibilidade
de informações suficientes e de qualidade para reconstituir o projeto tal qual inicialmente
implementado. Essa dificuldade se prende ao fato de que esses hospitais foram objeto de
reiteradas reformas e adequações, sem que tivesse sido possível obter registros dessas
incidências.
A restrição na quantidade de hospitais analisados se dá em função de uma definição de
método, uma vez que a base metodológica aplicada no trabalho indica a necessidade de
apreender o projeto no momento da primeira implantação do hospital, com vistas a
entendê-lo em um contexto socioeconômico, cultural e político específico.
126
Feita a ressalva, foram analisados todos os demais dezoito hospitais, para os quais foi
possível dispor dos elementos documentais necessários para suportar o trabalho empírico.
A relação desses hospitais, com a indicação das correspondentes figuras que os apresentam
e que compõem o Anexo III deste documento, é a seguinte:
x
Hospital Colônia São Francisco (FIG. 24);
x
Maternidade Escola Januário Cicco (FIG. 25);
x
Hospital Evandro Chagas (FIG. 26);
x
Hospital Policlínica do Alecrim (FIG. 27);
x
Casa de Saúde São Lucas (FIG. 28);
x
Hospital Colônia João Machado (FIG. 29);
x
Hospital Getúlio Vargas (FIG. 30);
x
Hospital Infantil (Varela Santiago) (FIG. 31);
x
Hospital Natal Center (FIG. 32)
x
Hospital Walfredo Gurgel (FIG. 33);
x
Maternidade Santa Helena (FIG. 34);
x
Hospital PAPI (FIG. 35);
x
Hospital Memorial (FIG. 36);
x
Hospital Santa Catarina (FIG. 37);
x
Hospital Maria Alice Fernandes (FIG. 38);
x
Hospital Promater (FIG. 39);
x
Hospital Femina (FIG. 40);
x
Hospital do Coração (FIG. 41).
Para apresentar os resultados da análise realizada, estruturou-se este capítulo em nove
seções. A primeira delas está dedicada a comunicar os procedimentos de método adotados
para preparar o material empírico, nos dezoito casos já mencionados.
Em cada uma das sete seções centrais, apresentam-se os resultados da análise empírica
concernentes a grupos de hospitais reunidos por afiliação tipológica. A exceção a esse
procedimento é a do Hospital Infantil Varela Santiago, tratado como um caso especial em
função de singularidades tipológicas evidenciadas por sua análise. Assim, a ele dedicou-se
uma das sete seções mencionadas. Por fim, a última seção sintetiza os principais resultados
da análise.
127
5.1. Preparação do material para análise
Para construir a análise que se apresenta nas diversas seções deste capítulo, foram
levantadas informações em vários suportes a respeito de cada um dos dezoito hospitais
analisados. Tais informações dizem respeito às definições arquitetônicas do hospital no
momento em que ele foi implantado. Dois tipos de situação podem ser detalhados aqui
para dar a conhecer o processo de investigação que resulta nas plantas anexadas ao
capítulo.
Em primeiro lugar, há o caso dos hospitais mais recentes, com mínimas modificações
desde sua construção. Nesse caso, o projeto arquitetônico original foi obtido com os
proprietários ou autor, verificado em visitas in loco e em diálogos com administradores,
médicos, pessoal de enfermagem etc.
Em segundo lugar, há o caso em que se dispunha de planta do hospital tal como hoje se
encontra, obtida em levantamento de campo. Nesse segundo caso, procedeu-se a um
processo de regressão da planta atual à original, utilizando-se para tanto de informações
obtidas em:
x
visitas ao edifício, com observação de diferenciais de aspectos técnico-construtivos –
tais como espessura de alvenarias e lajes, tipos de acabamento superficial, entre
outros –;
x
entrevistas com pessoas que tiveram contato com o hospital na época de sua
implantação;
x
fotografias e croquis de época;
x
descrições literárias do projeto e do edifício.
Em todos os casos, se fez uma checagem das informações, por meio de verificação e
conferência de eventuais conflitos entre elas. Por outra parte, em alguns casos, esse esforço
de reconstituição do projeto implantado não resultou em uma definição completa do
material. Nessas ocorrências, houve que avaliar se as informações faltantes ou nãoverificadas eram ou não relevantes para a análise. Quando essa avaliação de relevância foi
positiva, optou-se por retirar o caso do rol de hospitais analisados, conforme já relatado
neste capítulo a respeito dos Hospitais Luís Antônio, Médico-Cirúrgico, Miguel Couto e da
Maternidade Santa Izabel.
128
5.2. O tipo colônia e o Hospital Colônia São Francisco
O Hospital Colônia São Francisco (FIG. 24), implantado em 1929 e só desativado nos anos
1990, era uma instituição dedicada à segregação de portadores de hanseníase. Não há
registro ou testemunho de que o hospital contasse com atendimento médico ou de
enfermagem, nem mesmo com a presença de irmãs religiosas. O elemento mais
significativo na definição da instituição era o isolamento da sociedade, conduzindo a uma
preocupação em possibilitar aos internos as condições mínimas necessárias para a vida em
comunidade.
Dispunham os internos de três diferentes arranjos residenciais, para contemplar diferentes
tamanhos de família, além de acomodações individuais para solteiros. Como equipamento
comunitário, havia uma pequena capela, cine-teatro, biblioteca, cozinha comunitária, além
de delegacia e dependências administrativas para o exercício da autogestão.
A localização do hospital proporcionava o isolamento do grupo de enfermos com respeito
ao meio urbano, reforçando-se esse isolamento com a presença de um muro que
contornava toda a área do terreno, exceto para os limites com o Rio Potengi, fonte de água
para os banhos e alimentação. No único portão de acesso ao interior, localizava-se um
parlatório, de modo que os contatos entre internos e pessoas externas pudessem ser
realizados sem que o visitante entrasse no hospital.
A forma geométrica dominante no arranjo do hospital é o retângulo. Trata-se de retângulos
independentes, representando as plantas dos cinco blocos de residência e dos equipamentos
comunitários.
A implantação das unidades construídas no terreno se deu compondo uma forma
assimilável a um semicírculo, com centro na posição ocupada pela capela e,
secundariamente, pela biblioteca. Nesse semicírculo, pode-se identificar uma posição mais
central para os blocos de residências familiares e uma mais periférica para os pavilhões de
doentes individuais.
Havia três blocos de residências geminadas, cada um deles correspondendo a um arranjo
residencial distinto. As unidades residenciais desses blocos continham compartimentos de
estar, dormitório, banheiro, cozinha e varanda, esta na parte da frente da unidade
residencial. Além dessas construções dedicadas a famílias de enfermos, dois pavilhões –
129
um para mulheres, outro para homens – estavam divididos em pequenos quartos
individuais.
Os edifícios dedicados à vida em família e em comunidade compõem um núcleo que evoca
o tipo colônia. Ainda mais porque a implantação não se refere ao portão de entrada,
indicando que o isolamento era o ponto central para organizar todo o hospital. É na
verdade a capela, apesar de ser uma construção modesta, que serve de referencial para a
disposição espacial das unidades. Para ela se voltam as residências, valorizando
sobremaneira o espaço comunitário interior ao semicírculo.
A volumetria do conjunto se obtém pela soma de paralelepípedos de pouca altura, com
destaque para os blocos de residências, devido ao fato de ser baixo o adensamento das
construções. Esse fato, decorrente de implantação em terreno que evoque a vila rural, se
registra da mesma forma na tecnologia estrutural e construtiva. Alvenarias estruturais de
tijolos, cobertura de telhas francesas de cerâmica, estrutura de telhado em madeira,
soluções técnicas e materiais rústicos correntes na região ajudam a compor o quadro
reconhecível da pequena comunidade rural.
A vida comunitária em isolamento social e em contato com a natureza, o princípio
ordenador do espaço, o muro segregador e o rio, as residências familiares geminadas e a
tectônica do Hospital Colônia São Francisco são indicadores claros de sua afiliação ao tipo
colônia.
5.3. O tipo casa de campo
O empreendimento que resultou na Maternidade (FIG. 25) foi de iniciativa de um médico
de Natal, Januário Cicco, que liderou um movimento da sociedade para chegar a construíla. Com rifas, quermesses e festas beneficentes, a construção se fez entre 1932 e 1940. A
idéia subjacente ao empreendimento era prover assistência médica a parturientes sem
condições de pagar por serviço médico privado. O perfil assistencial definido no projeto
era de assistência médica especializada em ginecologia e obstetrícia, em regime
ambulatorial e de internação.
Observando a totalidade das atividades previstas na planta, nota-se que os cuidados
terapêuticos prevalecem sobre os religiosos. Esses estão representados apenas pelos
aposentos das irmãs e pela presença da capela, representando cerca de 10% da área total da
130
planta. As atividades terapêuticas marcam a presença das ciências médicas no hospital, não
somente pela presença de atividades diretamente ligadas aos cuidados dos pacientes, mas
também por atividades de natureza técnico-científica, como demonstra a existência de um
anfiteatro em que seriam apresentados e discutidos casos médicos.
O esquema geométrico é formado por vários retângulos que se conectam face a face, sem a
intermediação de uma circulação, formando um só corpo. Assim, a um retângulo principal
mais alongado se conectam ortogonalmente, segundo seus eixos longitudinais, outros
retângulos menores, secundários, regularmente espaçados. Essas conexões se dão de forma
a que o conjunto apresenta simetria com relação a um eixo transversal, dando como
resultado uma figura semelhante a um “E”. Esse esquema geométrico da planta se repete
nos primeiros pavimentos – térreo e primeiro –; no segundo pavimento são subtraídos os
retângulos das extremidades. A implantação do edifício é solta no centro do terreno, de
modo que não há implicações da forma irregular do lote sobre a geometria externa do
edifício. Quanto aos acessos ao prédio, há dois deles: um acesso social pela frente do lote e
um acesso de serviços, pela lateral sul.
Podem ser observados três princípios na maneira com que se organizam as atividades na
planta. O primeiro princípio é o da organização de grupos funcionais de atividades, ou seja,
grupos de atividades, por natureza funcional, que foram reunidas espacialmente. Entre os
grupos funcionais claramente formados estão: o da internação, o centro cirúrgico, o centro
obstétrico, a central de esterilização e o de atividades de apoio (cozinha, lavanderia,
almoxarifado), exceto as administrativas. Essas atividades administrativas estão
posicionadas de maneira descontínua, em todos os três pavimentos, sem que transpareça
um princípio de como foi orientada a alocação de atividades pelos distintos espaços.
O segundo princípio observado é o de composição por hierarquia. Como o esquema
geométrico da planta é definido a priori, então a distribuição dos distintos grupos espaciais
de atividades obedece a uma regra pela qual os grupos mais importantes ocupam as
posições frontais e centrais da planta, enquanto os menos importantes são alocados na parte
posterior do edifício.
A capela posicionada centralmente na planta traduz ainda uma certa importância simbólica
da religião na organização hospitalar, embora as atividades terapêuticas sejam mais
importantes. Por outro lado, os compartimentos dedicados ao conforto médico estão
131
posicionados na parte central da planta com varandas, refletindo o fato de que os médicos
são a autoridade máxima na organização hospitalar, como nos hospitais iluministas. O hall
de entrada – associado à escada e aos elevadores –, também está posicionado centralmente
na planta, enfatizando a importância simbólica do acesso ao hospital de caráter civil, aberto
à sociedade, como nos hospitais renascentistas.
Os leitos de internação estão colocados, sejam em enfermarias ou apartamentos
individuais, na face anterior do retângulo, exceto no último pavimento que é todo dedicado
à internação. A opção de colocar preferencialmente os espaços de internação na face
frontal do edifício é uma indicação de que a internação constituiu um outro grupo
importante na hierarquia dos compartimentos.
Por outro lado, os grupos funcionais de cuidados de pacientes – centro cirúrgico, centro
obstétrico, consultórios, entre outros – ou de serviços de apoio, tais como central de
esterilização, cozinha e refeitório, considerados em segundo nível da hierarquia, foram
posicionados nos retângulos secundários, compondo ou preenchendo os espaços da figura
geométrica.
Um terceiro e último princípio é o da distribuição por níveis de privacidade. Pode-se notar
a valorização da privacidade dos leitos nos arranjos espaciais internos das enfermarias, que
são feitos de três maneiras distintas: enfermarias coletivas com leitos separados por uma
parede divisória; apartamentos com dois leitos e banheiros coletivos; e, por fim,
apartamentos individuais com banheiros privativos.
A distribuição desses compartimentos no edifício é feita de maneira que, à medida que se
sobe nos pavimentos, a privacidade aumenta. Assim no pavimento térreo estão as
enfermarias, no primeiro pavimento estão os apartamentos com dois leitos e os
apartamentos individuais com banheiros anexos estão no terceiro pavimento.
As circulações internas têm apenas dois níveis de hierarquia. No primeiro nível estão as
circulações coincidentes com os eixos longitudinais do retângulo maior e que fazem a
conexão entre os grupos funcionais de um mesmo pavimento. No segundo nível estão as
circulações coincidentes aos eixos longitudinais dos retângulos menores que fazem a
conexão dentro de cada grupo funcional.
132
Não há diversificação de traçados da circulação, sugerindo a intenção mais de distribuir os
compartimentos do que de disciplinar os fluxos. A circulação vertical pode ser considerada
como estando no primeiro nível, pois exerce função de prover conectividade e acesso entre
grupos funcionais de distintos pavimentos.
É importante também ressaltar que a circulação vertical (escada e elevadores) localizada
centralmente na planta reforça a simetria do conjunto. Com respeito às circulações externas
ao edifício, também estão estruturadas de maneira simples visando apenas à separação de
fluxos social e de serviço e vinculando-se espacialmente, de forma direta, aos acessos do
prédio.
A volumetria consiste de uma série de quatro interseções de um paralelepípedo de
dimensão horizontal alongada com paralelepípedos menores, iguais dois a dois, que se
desenvolvem na ortogonal do eixo principal do paralelepípedo maior. Destaca-se na
volumetria a largura do edifício, mais de quatro vezes maior que a altura, e cerca de duas
vezes maior que a profundidade máxima do prédio. Na frontal do edifício, ressalta-se um
volume central de maior altura que marca a entrada, a qual também funciona como eixo de
simetria do conjunto.
A solução volumétrica está articulada com a estrutural, mediante o uso predominante de
alvenarias autoportantes e vigamento de contorno para os panos de laje plana, em concreto
armado. Pode-se verificar no contorno do edifício, quase como regra, o uso da alvenaria
estrutural, configurando sempre volumes maciços.
Excetua-se desse padrão o acesso
principal e o saguão, em que pilares e vigas, bem como arcos, configuram um espaço mais
vazado.
Pode-se apontar que o projeto da Maternidade revela marcos de diferentes tipos
arquitetônicos hospitalares. Com respeito ao esquema geométrico de sua planta e à
volumetria, apresenta soluções que equivalem ao tipo casa de campo. No entanto, na
definição programática das atividades e na organização de seus compartimentos, foram
utilizados princípios organizadores do funcionalismo utilizado no hospital de tipo
pavilhonar em suas vertentes do início do século XX – a agrupação de atividades segundo
a natureza funcional.
No que concerne à distribuição dos grupos no interior do edifício segundo as relações entre
eles, pode-se notar que o projeto não mostra o resultado de uma análise sistêmica, na qual
133
os grupos sejam localizados relativamente de forma a otimizar o funcionamento do
conjunto. Em verdade, o projeto denota que esse posicionamento relativo se deu por
principio de composição da forma geométrica, hierarquizando os compartimentos mais
importantes em locais centrais da planta e considerando uma privacidade crescente do
centro para as laterais e do térreo para o último pavimento. Nesse sentido, a solução
organizadora dos espaços bebe na fonte do tipo casa de campo.
Reitere-se que também aponta nessa direção a presença da capela em posição ainda
relevante no corpo mesmo do edifício, ainda que a importância da religiosidade na
atividade hospitalar seja minimizada. Cabe destacar também, uma vez mais, o fato de o
Hospital Maternidade ter sua gênese relacionada a uma atuação organizada da sociedade
civil – o que é caracteristicamente de inspiração renascentista.
Decorre da análise que o Hospital Maternidade Januário Cicco apresenta mais fortemente
características do tipo casa de campo, a que se somam algumas soluções tipológicas que
remontam ao tipo pavilhonar em sua variante do final do período iluminista.
5.4. A presença do tipo pavilhonar
O emprego do instrumental de análise levou a concluir que cinco dos dezoito hospitais
considerados neste trabalho são afiliados ao tipo pavilhonar. São eles: o Evandro Chagas,
a Policlínica, a Casa de Saúde São Lucas, o João Machado e o Getúlio Vargas. Nesta
seção, apresentam-se os principais elementos obtidos no estudo desses cinco hospitais,
tendo sido integradas – pela semelhança dos resultados – as análises de três deles.
5.4.1. O Hospital Evandro Chagas
Hospital especializado em tratamento de doenças infecto-contagiosas tropicais, o Evandro
Chagas (FIG. 26) teve sua implantação em 1943. Hoje esse prédio encontra-se
abandonado, tendo em sua estrutura física as marcas das diversas reformas sofridas,
incluindo a da década de 1980, quando mudou de uso e foi adaptado para funcionar como
um centro de formação de profissionais da área da saúde.
Não foi possível encontrar o projeto arquitetônico utilizado para a construção. Portanto, foi
necessário reconstituir a planta correspondente ao momento da inauguração a partir de
levantamento do edifício hoje existente. Contou-se para isso com observações no local que
permitiram averiguar e levantar hipóteses sobre a evolução do edifício, bem como com
134
informações obtidas em entrevistas com pessoas que tiveram contacto com o hospital
quando de sua inauguração.
O hospital tinha as atividades terapêuticas como as mais importantes. Dos 1.200 m2 de área
construída, 70% eram dedicados aos serviços de internação. É certo que havia dois
consultórios médicos, mas nenhum entrevistado mencionou a existência de qualquer outro
serviço de apoio ao diagnóstico. As atividades de apoio eram ainda pouco estruturadas,
pois a cada atividade – salas administrativas, lavanderia, farmácia, cozinha e refeitório –
correspondia apenas um compartimento.
O esquema geométrico da planta era muito simples e repetido nos dois pavimentos que
constituíam o edifício. Corresponde a dois retângulos que se cruzam ortogonalmente,
formando na interseção uma figura próxima a um quadrado.
Há uma divisão clara na distribuição das atividades nas plantas dos pavimentos. Nos
retângulos perpendiculares à frente do lote estão distribuídos todas as atividades de apoio
do hospital, em compartimentos situados de um lado e de outro da circulação central. Já os
retângulos paralelos à testada do lote estão ocupados apenas pelas enfermarias, grandes
halls abertos onde estavam dispostos os leitos de internação. No final de cada hall estavam
posicionados os banheiros coletivos; no quadrado resultante do cruzamento dos retângulos
estavam os postos de enfermagem.
Esse arranjo espacial assemelha cada uma das quatro enfermarias do Hospital Evandro
Chagas à “enfermaria Nightingale”. Como nesta, a supervisão dos leitos desde o posto de
enfermagem é garantida pela ampla visão do ambiente sem divisórias. Além disso, a
insolação natural e a ventilação cruzada são garantidas através das janelas colocadas em
paredes longitudinais opostas. No caso estudado, ressalve-se ainda que a importância da
ventilação é reforçada também pela colocação de um terraço na lateral longitudinal das
enfermarias por onde entram os ventos dominantes.
Pode-se observar também a semelhança com o esquema geométrico das enfermarias
cruzadas do Renascimento. No entanto, há uma diferença fundamental: enquanto no tipo
enfermaria cruzada as enfermarias se cruzavam na capela, que podia ser vista pelos
enfermos do leito realçando a relação leito/missa, no Hospital Evandro Chagas as plantas
se cruzam para reforçar a supervisão dos leitos desde o posto de enfermagem, ou seja, é a
relação leito/enfermagem que importa.
135
O edifício tem sua implantação solta no terreno e não guarda nenhuma relação formal com
o mesmo. Foram previstos dois acessos ao hospital, um para o público externo, visitas e
familiares, situado na parte frontal do edifício, e outro na lateral próxima ao final do
edifício, para o público interno e abastecimento. Não há indícios de que houve influência
da orientação do sol na configuração da planta.
O traçado das circulações é muito simples. Nos retângulos paralelos à rua, onde estão
localizadas as enfermarias, não há circulações. Existe assim apenas uma circulação em
cada pavimento: ela discorre perpendicularmente à rua, nos retângulos em que estão
distribuídas as atividades de apoio. A circulação coincide em grande parte, com o eixo
longitudinal da planta. No pavimento térreo, ela liga o acesso principal do edifício,
localizado na parte frontal, ao acesso de serviço localizado na parte posterior.
Na medida em que a circulação percorre toda planta, vão sendo distribuídas as atividades:
as atividades de apoio dedicadas às visitas e familiares dos pacientes estão localizadas na
parte frontal, perto do acesso externo; as atividades de apoio para os pacientes internos
estão localizadas na parte posterior da planta. As circulações verticais também reforçam
esse princípio, tendo sido previstas duas escadas, uma na parte frontal, para uso do público
externo e outra na parte posterior, para serviços internos.
A organização e a distribuição dos espaços nas plantas foram orientadas por quatro
princípios, revelando uma lógica funcionalista ainda pouco desenvolvida. Em primeiro
lugar, adotou-se a separação espacial das atividades de internação e de apoio. Enquanto
estas foram posicionadas nos retângulos perpendiculares à rua, as atividades de internação
foram alocadas nos retângulos paralelos à rua. Em segundo lugar, as atividades de apoio
foram distribuídas de modo a colocar na parte frontal do edifício as relacionadas ao público
externo, enquanto que as dedicadas ao publico interno foram alocadas na parte posterior.
Os outros dois princípios utilizados foram os de sanitarização e de supervisão das
enfermarias.
A configuração volumétrica geral resultante é a de dois paralelepípedos que se interceptam
para formar um volume cruciforme cujas dimensões no plano horizontal são
predominantes em face da altura. A regularidade dessa volumetria está refletida na
estrutura, definida por um sistema composto de alvenarias portantes e concreto armado. A
existência de terraços anexados ao prédio principal, cobertos por lajes de piso em concreto,
136
ressalta a esbeltez dos pilares sobre o fundo dos panos contínuos de alvenaria dobrada que
fazem o contorno do edifício.
5.4.2. Policlínica, Casa de Saúde São Lucas, Hospital Colônia João Machado
Observando a totalidade das atividades de cuidados aos pacientes nos hospitais gerais
Policlínica (inaugurado em 1944, FIG. 27) e Casa de Saúde São Lucas (em 1952, FIG. 28),
verifica-se que são cirúrgicas, de internação e de diagnóstico (neste caso: alguns
consultórios, laboratório de análises clínicas e raios–X). Ambas as instituições são
resultado do interesse de profissionais médicos, principalmente os cirurgiões, em dispor de
um local de trabalho que pudessem conceber e organizar. Nos dois hospitais, as atividades
de internação ocupavam aproximadamente metade da área construída total, e eram
constituídas por apartamentos de um leito (com banheiro anexo) ou dois leitos, com
banheiros coletivos.
O Hospital Colônia João Machado (FIG. 29), por seu turno, era especializado em
tratamento de doenças mentais. Inaugurado em 1957, tinha a assistência prestada aos
pacientes em regime de internação. As atividades de internação eram, portanto, as que
ocupavam a maior parte da área do hospital, chegando essa porcentagem a cerca de 70%.
A quantidade de leitos em cada enfermaria variava, sendo definida segundo critério
médico. As enfermarias, separadas as de homens e mulheres, eram classificadas segundo o
tipo de paciente: calmos, sórdidos, menores, delinqüentes, agitados, além de cômodos para
isolamento. Logo, havia quartos com leito individual para pacientes mais agitados e
isolados. Os banheiros, por sua vez, eram coletivos.
Em todos os três hospitais, as atividades de apoio eram representadas por cozinha,
lavanderia, farmácia e algumas salas administrativas, mostrando-se pouco estruturadas e,
da mesma forma que no caso do Evandro Chagas, a cada atividade correspondia um e só
um compartimento.
Os cuidados de enfermagem nos três hospitais estavam sob a responsabilidade de irmãs
religiosas, que moravam e tinham seus aposentos no corpo do hospital. No entanto, era o
médico a maior autoridade, acumulando as direções administrativa e clínica.
O esquema geométrico das plantas dos três hospitais tem como principal figura a do
retângulo. Os retângulos são paralelos e conectados entre si através de uma circulação
137
perpendicular ou de um outro retângulo, também perpendicular, o que confere um certo
grau de simetria no conjunto, característica do hospital tipo pavilhonar.
No caso da Policlínica, a forma da planta pode ser sintetizada como equivalendo a um “H”:
dois retângulos paralelos conectados por uma circulação perpendicular aos seus eixos
longitudinais. Os retângulos frontal e posterior estão divididos em duas alas iguais pela
interseção feita com a circulação: no primeiro, uma ala é ocupada pelas atividades de
centro cirúrgico e a outra pelas ambulatoriais; no segundo, uma ala é ocupada pelas
atividades de internação e outra pelas de apoio. Existe ainda de um lado, entre a ala das
atividades de apoio e a do ambulatório, um pátio retangular, com circulação arqueada em
forma de “L”, onde havia bancos e jardins para uso dos pacientes.
Na Casa de Saúde São Lucas, a planta era mais simples. Formava-se por dois retângulos
paralelos, um principal e um de pequenas dimensões. Esses retângulos se repetiam na
planta de outro pavimento: no retângulo principal, um pavimento superior; no retângulo
secundário, um pavimento inferior semi-enterrado. Esses retângulos eram interligados por
uma circulação disposta ortogonalmente aos seus eixos longitudinais. O retângulo
principal, no pavimento térreo, está dividido por essa circulação em duas alas iguais, uma
ocupada pelas atividades de centro cirúrgico, outra por atividades de internação. As duas
alas da planta retangular do pavimento superior correspondem a atividades de internação.
No retângulo secundário, a cozinha ocupa o térreo e a lavanderia ocupa o pavimento semienterrado.
No caso do Hospital João Machado, o esquema geométrico era mais complexo. O centro
da planta era marcado por um retângulo principal com sua dimensão longitudinal bastante
alongada, posicionado perpendicularmente à rua principal. A extremidade desse retângulo
é cortada por dois retângulos menores, sem, entretanto, tirar a predominância da forma
resultante do primeiro. Nesses retângulos menores estão localizadas as atividades
administrativas, parte dos consultórios e os aposentos das irmãs religiosas.
No retângulo principal, em seu início, estavam posicionados os consultórios restantes;
depois, todas as atividades de apoio do hospital: cozinha, lavanderia, farmácia e
almoxarifado. Simetricamente posicionados em relação ao retângulo principal, havia dois
conjuntos de retângulos paralelos, regularmente espaçados, conectados por uma circulação
cujo eixo fazia 45q com o retângulo principal, um dedicado aos pacientes do gênero
138
masculino e outro aos do gênero feminino. Cada um desses retângulos secundários
correspondia a uma enfermaria, que variava de tamanho conforme a quantidade de
pacientes instalados. Entre os retângulos paralelos das enfermarias havia pátios com jardins
murados, onde os pacientes tomavam banho de sol.
Embora os esquemas geométricos das plantas sejam diferentes, podem ser encontrados
princípios ou regras semelhantes de organização dos espaços.
A forma geométrica das plantas dos hospitais não guarda relação com a forma dos
respectivos lotes. Nos três casos, a implantação do edifício é solta no centro do lote,
observando apenas uma maior proximidade com o lado do terreno correspondente à via
principal. Há dois acessos ao edifício: um principal, na sua parte mais frontal, junto aos
serviços aos pacientes externos (recepção, ambulatório, entre outros) do hospital; e um de
serviços, localizado na parte mais posterior, próximo à área ocupada pelas atividades de
apoio (cozinha, lavanderia etc.). Não há também qualquer preocupação com a orientação
solar dos compartimentos.
Nos três hospitais, as circulações têm dois níveis de hierarquização. Nos casos da Casa de
Saúde São Lucas e da Policlínica havia duas únicas circulações. A circulação principal era
coincidente com o eixo transversal do conjunto e responsável pelo acesso do exterior ao
edifício e pela ligação entre os pavilhões paralelos. A circulação secundária coincidia com
o eixo longitudinal dos pavilhões e era responsável pela conexão entre os compartimentos
de cada ala.
No caso do Hospital João Machado, a circulação de primeiro nível coincide com o eixo
longitudinal do conjunto e é responsável pela ligação entre os pavilhões. A circulação
secundária coincide com o eixo longitudinal no caso dos pavilhões secundários, ligando os
compartimentos interiores a esses pavilhões. Outras duas circulações secundárias estão
posicionadas a 45o com respeito ao eixo da circulação principal, servindo de interligação
para os dois conjuntos de enfermarias.
O princípio organizador dos espaços nos três hospitais está pautado, primeiramente, na
agrupação espacial de atividades de mesma natureza funcional. A distribuição desses
grupos funcionais é feita de modo que aqueles grupos relacionados ao público externo
(ambulatório, raios-X, laboratório de análises clínicas) se posicionam em uma das alas
situadas na frente dos edifícios, enquanto em uma ala da parte posterior dos edifícios estão
139
as atividades de apoio. As demais alas do hospital são ocupadas pelas atividades de
cuidados aos pacientes internos.
O esquema de circulação reforça essa organização espacial, na medida em que separa
claramente os grupos funcionais – os fluxos internos a esses grupos se definem no nível
secundário de circulação – e também os fluxos entre grupos pela natureza desses fluxos, se
internos ou externos. No caso do João Machado, inclusive, a circulação principal se bifurca
em dois corredores paralelos na metade do retângulo principal com vistas a separar os
fluxos relacionados às alas masculina e feminina da internação.
Em termos de volumetria, a Casa de Saúde São Lucas e a Policlínica se resolvem de
maneira similar, apresentando um conjunto de interseções de paralelepípedos sempre a 90o.
As diferenças entre elas se resumem ao fato de a Casa de Saúde registrar uma maior
significação da dimensão vertical na parte frontal, enquanto que a Policlínica exibe nítida
predominância das dimensões horizontais.
Já o Hospital Colônia João Machado tem uma definição volumétrica um pouco mais
complexa, ainda que predominem as dimensões horizontais. Como as interseções dos
paralelepípedos são a 90o e a 45o e as dimensões horizontais variam muito em todo o
edifício, o contorno do volume é definido de modo recortado e irregular.
A solução estrutural não se diferencia entre os três hospitais, sempre com predomínio das
alvenarias estruturais dobradas, com a presença do concreto armado mais significativa
acontecendo nas lajes planas. A não utilização de pilares isolados indica uma volumetria
maciça, sem recortes.
5.4.3. Hospital Sanatório Getulio Vargas
O Hospital Sanatório Getulio Vargas (FIG. 30) foi inaugurado em 1966 como instituição
especializada em tratamento de tuberculose, contando com atividades de cuidados aos
pacientes, de apoio e também de formação.
Entre as atividades de cuidados aos pacientes, a que ocupa maior área na planta é a de
internação. Há uma diversificação na maneira como os leitos são distribuídos nas
enfermarias coletivas, que são a maioria: enfermarias de quatro leitos e de dois leitos, com
banheiros coletivos, representam 90% do total dos leitos; os 10% restantes são
apartamentos com leitos individuais e banheiros anexos.
140
Quanto ao serviço de apoio ao diagnóstico, o hospital contava com um aparelho de raios-X
e um laboratório de análises clínicas, facilidades presentes na maioria dos hospitais da
época. O destaque neste caso é o atendimento de urgência no pronto socorro, pelo fato de
constituir serviço de um certo grau de complexidade, no qual são requeridos
procedimentos mais especializados.
As atividades de suporte presentes no Getúlio Vargas já tinham uma boa diversificação,
demonstrando um nível de estruturação que se reflete em uma repartição do espaço
segundo tarefas necessárias à boa execução da atividade. Apresentam-se assim estruturadas
as atividades de nutrição, almoxarifado, central de esterilização, farmácia, lavanderia,
vestiários para funcionários e arquivo médico.
Com respeito à atividade de formação, registra-se no Getúlio Vargas a presença de um
setor vinculado à Universidade Federal do Rio Grande do Norte, além de salas de aula, o
que mostra que o hospital também serviu como hospital de ensino.
O esquema geométrico da planta é formado por dois retângulos secundários, iguais e
paralelos entre si, conectados ortogonalmente a um terceiro retângulo principal, maior que
os anteriores. Esse esquema se repete em três pavimentos, e equivale ao do hospital de tipo
pavilhonar, em que cada retângulo corresponde a um pavilhão e a conexão entre eles se dá
através de uma circulação.
As atividades estão espacialmente reunidas em grupos, segundo sua natureza funcional. Na
distribuição desses grupos no edifício, pode-se perceber que foi levado em conta, ainda que
de forma parcial, o princípio das inter-relações funcionais entre grupos, aplicado nos casos
da internação e do pronto-socorro. O grupo da internação, localizado no primeiro e no
segundo pavimento dos pavilhões secundários, está posicionado estrategicamente para
receber o suporte das atividades de apoio (cozinha, lavanderia, farmácia). Já o grupo do
pronto socorro está posicionado de forma a ter um acesso independente desde o exterior do
edifício e acesso fácil a atividades de apoio ao diagnóstico, tais como o laboratório de
análises clínicas e raios-X.
No pavilhão principal dos três pavimentos encontram-se distribuídas as atividades de
apoio, as atividades terapêuticas restantes (exames e consultórios) e as atividades de ensino
e pesquisa. Estão localizadas no pavimento térreo as atividades de apoio, raios-X e
laboratório de análises clínicas. No primeiro pavimento, concentram-se atividades
141
administrativas e consultórios. No terceiro pavimento, estão as atividades de ensino e
pesquisa.
A delimitação do perímetro exterior do edifício não tem relação direta com a forma
aproximadamente trapezoidal do lote. No entanto, podemos observar que dois aspectos
foram levados em consideração na implantação dos pavilhões: a garantia da ventilação e
insolação natural dos leitos da internação, espaçando os pavilhões e orientando sua face
longitudinal para o sudeste; e o disciplinamento dos acessos prevendo três vias
independentes, uma para pacientes externos e visitas no pavilhão principal, uma para o
pronto socorro, e outra para abastecimento e funcionários nos pavilhões secundários.
Dentro do edifício as atividades estão distribuídas ao longo de um sistema circulatório –
um enlaçado de vias que interligam os três pavilhões entre si e os compartimentos dentro
de cada pavilhão, tanto no sentido horizontal como no vertical. Um exame em detalhe da
planta permite verificar que na solução adotada, há uma grande quantidade de áreas
dedicadas a circulações, inclusive, registram-se circulações paralelas e duplicação de
rampas.
Diante do grande espaçamento entre os pavilhões da internação, gerou-se uma grande
extensão a ser vencida pelos movimentos e fluxos que interligam quaisquer dois dos blocos
do conjunto. Dadas a quantidade e a extensão das circulações, pressupõe-se que houve uma
preocupação fundamental com a distribuição das atividades, como era de se esperar em um
hospital de tipo pavilhonar. As preocupações com a sanitarização do ambiente e com a
distribuição dos fluxos prevaleceram.
A volumetria resultante consiste de um conjunto de três paralelepípedos interconectados,
sobressaindo-se a dimensão horizontal, posicionados paralelamente ou em ângulo reto.
Esse volume foi desenvolvido a partir de uma modulação da estrutura tanto no sentido
horizontal como vertical, que deve ter sido definida pela largura das enfermarias que se
repetem. Inclusive, nos espaços de enfermaria dos blocos secundários, pode-se observar
como o arranjo enfermaria/enfermaria+circulação reflete perfeitamente a simetria da
estrutura em relação ao eixo central de desenvolvimento do bloco.
O sistema estrutural do edifício está composto por vigas e pilares em concreto armado, e a
modulação dos espaços entre vigas e entre pilares se dá tanto sobre o eixo frontal de
desdobramento, quanto nos dois eixos transversais que organizam os blocos secundários.
142
O uso de tal solução implica em um encaixe de vigas e pilares em cubos, os quais se
repetem por todo edifício, tanto no sentido horizontal como vertical. Essa modulação e
regularidade da estrutura transparecem claramente na volumetria do edifício. Nas fachadas,
inclusive, são acentuadas pela reiteração do módulo de esquadria ao longo de todo o bloco.
A organização do espaço interno do edifício do Getúlio Vargas segue, então, os princípios
da ventilação cruzada e da insolação natural nos blocos da internação, nos quais também se
pode perceber uma redução na quantidade de leitos por apartamento, o que indica uma
preocupação com a privacidade. A separação das atividades por grupo funcional orienta a
disposição em planta e já se pode verificar uma incipiente experiência na localização
relativa dos grupos de atividade, tendo em conta requerimentos funcionais.
Uma terceira observação quanto à organização dos espaços é a tentativa mais decisiva de
separação de fluxos originários do exterior. Externamente, as vias de acesso ao edifício
servem de suporte para distinguir quatro tipos de fluxo; entretanto, e apesar da grande
quantidade de circulações internas ao prédio, só se pode distinguir duas classes de fluxos:
os que se vinculam ao público externo e os que se vinculam ao público e aos serviços
internos do hospital.
5.4.4. Considerações gerais a respeito dos hospitais pavilhonares de Natal
Os cinco hospitais comentados nesta seção apresentam características, de acordo com o
instrumental de análise tipológico usado, que mostram sua afiliação ao tipo pavilhonar.
A figura geométrica básica é o retângulo de dimensão longitudinal bem maior em relação à
dimensão transversal. O esquema geométrico da planta, em geral, consiste em retângulos
paralelos, regularmente espaçados, que se conectam diretamente (face a face, como no
Getúlio Vargas, ou de modo cruciforme, como no Evandro Chagas) ou através de uma
circulação ou de outro retângulo, de eixo ortogonal ou oblíquo ao eixo dos primeiros
(casos da Casa de Saúde, da Policlínica e do João Machado). Ao menos uma das
extremidades da planta retangular é livre.
O número de pavimentos varia de um a três. A implantação do edifício no lote é solta e não
há relação entre a geometria do lote e a geometria da planta do edifício.
Entre os princípios de organização do espaço, foi possível observar os seguintes:
sanitarização do ambiente hospitalar (Evandro Chagas e Getúlio Vargas); supervisão dos
143
leitos de enfermaria (Evandro Chagas); maior privacidade dos leitos (São Lucas e
Policlínica apresentam a maior percentagem de apartamentos individuais); agrupação
espacial das atividades segundo sua natureza funcional (em todos os casos verifica-se a
formação de grupos funcionais); distribuição dos grupos funcionais na planta segundo o
grau de contato com o público externo (em todos os casos). No caso do Getúlio Vargas, a
distribuição espacial das atividades também leva em conta, ainda que parcialmente, as
relações funcionais entre grupos.
Com exceção do Getúlio Vargas, em que há quatro acessos ao edifício, todos os demais
casos possuem apenas dois, que se dedicam a fluxos de serviço e a fluxos para o público
externo. As circulações internas são usadas como instrumento para separar e disciplinar os
fluxos. Nos cinco hospitais analisados há apenas dois níveis de hierarquização. O primeiro
nível conecta entre si os grupos funcionais; o segundo é responsável pelo suporte aos
fluxos internos a um grupo de atividades.
Em termos de volumetria, pode-se verificar que os cinco hospitais apresentam poucas
diferenças entre eles, tendendo para um volume composto por paralelepípedos que se
interceptam, com baixa altura relativa com respeito às dimensões horizontais e
regularidade de contorno. Pode-se mencionar a exceção do João Machado que, por suas
características de planta, dá lugar a uma volumetria com contorno mais recortado e
irregular. Estruturalmente, apenas o Getúlio Vargas faz uso mais intensivo do concreto
armado com fins de estrutura vertical. Os demais são basicamente resolvidos pelo uso de
alvenarias estruturais dobradas, com lajes planas em concreto armado.
Cabe destacar que o projeto do Hospital Getúlio Vargas apresenta, em alguns aspectos,
maior sofisticação de que os demais hospitais pavilhonares. Essa distinção se dá, por
exemplo, na introdução – ainda incipiente – do princípio de zoneamento na distribuição
espacial dos grupos funcionais, na presença de serviços mais estruturados de apoio, no uso
da circulação como instrumento de separação e disciplina dos fluxos internos, no
aprofundamento da separação de fluxos externos, e no uso de modulação como base para o
desenvolvimento estrutural do edifício.
5.5. Hospital Infantil Varela Santiago
Trata-se de hospital especializado em pediatria, com operação iniciada em 1936. Os
principais serviços assistenciais do Hospital Infantil (FIG. 31) eram cirurgia, internação,
144
além de serviços ambulatoriais como raios-x, laboratório de análises clínicas, consultas
médicas e vacinação. Apresentava atividades de apoio – cozinha, lavanderia, refeitório e
almoxarifado – que somavam quase um terço da área total construída, revelando um nível
de organização e estruturação avançado para a época de sua implantação. A internação se
compunha de várias enfermarias de poucos leitos, com banheiro coletivo, e apartamentos
individuais, com banheiro anexo.
A configuração da planta é composta por três figuras geométricas diferentes e conectadas
por uma circulação que coincide com o eixo longitudinal do conjunto. Em que pese a
variação das figuras geométricas, o modo como elas são conectadas remete ao hospital do
tipo pavilhonar, no qual essas figuras geométricas correspondem a retângulos
regularmente espaçados. Para efeito da análise apresentada nesta seção, admitiu-se que
cada uma dessas figuras geométricas, ainda que nem todas sejam retângulos, corresponde a
um pavilhão.
Analisando a organização espacial do conjunto, verifica-se que foram utilizados princípios
similares àqueles adotados no hospital do tipo pavilhonar. As atividades são reunidas
espacialmente em grupos segundo sua natureza funcional. Os grupos de atividades são
posicionados em edifícios independentes (pavilhões) interconectados, segundo seu maior
ou menor relacionamento com o público externo. Assim, no primeiro pavilhão do Hospital
Infantil, estão posicionadas as atividades dedicadas aos cuidados de pacientes externos: o
grupo funcional de atividades ambulatoriais. No segundo pavilhão estão posicionadas as
atividades dedicadas aos cuidados dos pacientes internos – grupos do centro cirúrgico e da
internação. No último pavilhão estão posicionadas as atividades do grupo de apoio, a
saber: cozinha, lavanderia, almoxarifado e farmácia.
A assimilação da configuração geométrica e da organização espacial do conjunto do
Hospital Infantil ao hospital de tipo pavilhonar, entretanto, deve ser discutida mais
detalhadamente em função do fato de que, no caso, cada pavilhão apresenta um esquema
geométrico próprio e uma lógica própria na sua organização espacial interna.
A primeira figura geométrica, correspondente à planta do primeiro pavilhão, pode ser
sintetizada em dois círculos concêntricos de onde partem, segundo dez eixos radiais, dez
retângulos. Essa forma geométrica assemelha-se a uma das variações do hospital tipo
pavilhonar – o formato de estrela –, com uma diferença. Aqui, cada retângulo corresponde
145
a apenas um compartimento em vez de corresponder a um pavilhão inteiro. Em cada um
desses compartimentos, está posicionada uma das atividades de cuidados aos pacientes
externos, como consultórios, recepção, vacinação, pequenas cirurgias, laboratório de
análises clínicas, raios-X.
No núcleo da figura, o circulo mais interior corresponde a um pátio interno, sem cobertura
e com vegetação. A coroa circular corresponde a uma circulação que interliga os
compartimentos desse pavilhão, serve de acesso do exterior ao interior do edifício e se
conecta à grande circulação do conjunto. Os compartimentos foram organizados de modo a
convergir para um mesmo espaço, o pátio, que serve de área de estar e espera para
acompanhantes e pacientes que estão sendo atendidos no ambulatório. Esse pátio interno,
embora esteja presente também no tipo claustral, não tem aqui o mesmo uso. Ao invés de
servir como lugar para introspecção e isolamento do exterior, serve como ponto de
confluência e socialização dos pacientes externos, além de ser uma espécie de hall de
entrada para todo o hospital.
A segunda figura geométrica é um retângulo e corresponde à planta do segundo pavilhão.
O retângulo é cortado em partes iguais pela circulação principal do prédio, ficando
dividido em duas alas. Cada uma delas recebe um grupo de atividades de mesma natureza
funcional: as atividades do centro cirúrgico e as atividades da internação. Nesse pavilhão,
tanto a figura geométrica da planta, o retângulo, como o principio organizador dos espaços
– reunião funcional –, remetem ao tipo pavilhonar em suas vertentes de finais do século
XIX.
Note-se que não há uma hierarquização das circulações determinando um controle dos
fluxos, nem um sequenciamento na execução das tarefas, o que indicaria um uso mais
aprofundado dos princípios funcionalistas. Por outro lado, já pode ser notada uma
tendência a valorizar mais a privacidade do que a supervisão dos leitos. Essa tendência é
refletida na existência de quartos com poucos leitos e até de quartos individuais com
banheiro anexo.
A terceira figura geométrica, representando a planta do terceiro pavilhão, tem o formato
aproximado a um “E”, ou seja, um retângulo maior no qual são conectados, nas suas
extremidades e no centro, retângulos menores. Nota-se que o traçado dos compartimentos
desse pavilhão resulta em perfeita igualdade e simetria em relação ao seu eixo transversal.
146
As atividades posicionadas nesse pavilhão são as do grupo de serviços de apoio; não há
uma lógica funcional na distribuição e a organização na planta segue o princípio da
composição por hierarquia. A principal atividade de apoio é a cozinha, que está
posicionada no centro do pavilhão. Do centro para as extremidades foram sendo
posicionadas as outras atividades (refeitório, copa, depósitos, sanitários), as menos
importantes mais longe do centro. Assim, a forma geométrica da planta desse pavilhão e a
lógica de organização dos compartimentos em seu interior se assemelham às do hospital
tipo casa de campo.
Voltando ao conjunto, vê-se que o edifício hospitalar tem sua implantação solta no centro
do terreno não guardando nenhuma relação formal com este. Há dois acessos ao edifício,
um no pavilhão mais próximo da rua principal – para pacientes externos e visitas – e outro
localizado no terceiro pavilhão, nos fundos do edifício, para serviços de apoio.
As circulações internas também se organizam de maneira simples, só havendo dois níveis
de hierarquização. No primeiro nível está a circulação que corta todos os pavilhões
perpendicularmente, fazendo a conexão entre eles, desde a parte frontal do edifício até o
acesso de serviços na parte mais posterior. No segundo nível estão as circulações que
ligam os compartimentos do mesmo pavilhão.
A volumetria do conjunto apresenta-se de forma irregular, com predomínio das dimensões
horizontais e destaque para os interstícios entre os três volumes básicos que constituem o
edifício. Assim, tem-se uma percepção de paralelepípedos interceptados, no caso dos
pavilhões central e posterior, culminados frontalmente com um volume cilíndrico muito
recortado e o destaque da cúpula que anuncia a entrada do edifício. Evidentemente, a
solução estrutural é muito simples, adaptada aos volumes pavilhonares, centrando-se em
alvenarias estruturais dobradas, lajes planas, com a exceção da estrutura esbelta que
suporta a cúpula, em pilares de granito.
Embora vários elementos da análise tipológica convirjam para que o Hospital Infantil
possa ser enquadrado como um hospital de tipo pavilhonar, as observações feitas sobre a
singularidade desse projeto quando se analisam mais detidamente suas partes componentes
levaram a que se optasse por mantê-lo como um hospital não assimilado a apenas um tipo
dos estudados.
147
Isso não significa que se trate de um hospital sem tipo identificável. Ao contrário, o não
enquadramento a um tipo deriva do fato de que ele constitui um caso em que vários tipos
hospitalares parecem ter sido apropriados, como se a projetação do hospital tivesse feito
uso de uma abordagem tipológica.
Tal hipótese pode ser sustentada pelo fato de que o projetista do Hospital Infantil buscou
no repertório da arquitetura hospitalar de sua época não apenas a solução tipológica então
hegemônica (o pavilhonar, em rota de transição para o empilhamento vertical de
enfermarias que configura os primeiros desenvolvimentos do tipo torre sobre pódio na
volumetria monobloco).
Lançou ele mão de diversos recursos tipológicos, compondo soluções do tipo pavilhonar
em suas distintas vertentes (o pavilhão em estrela, por exemplo) com elementos do tipo
casa de campo e do tipo claustral. Nesse processo, o projetista assumiu uma
racionalidade explícita uma vez que, definidos por ele os grupos funcionais ocupantes de
cada pavilhão, cada caso foi trabalhado de modo a apropriar o tipo que ele julgou mais
adequado para abrigar aquela função.
5.6. Os hospitais do tipo torre sobre pódio
Cinco dos dezoito hospitais analisados foram enquadrados como afiliados ao tipo
arquitetônico hospitalar torre sobre pódio. São eles: o Natal Center, o Walfredo Gurgel, o
PAPI, o Memorial e o Santa Helena. Nesta seção, são apresentados os resultados da
análise tipológica desses hospitais, sendo que três deles são integrados em uma única
subseção.
5.6.1. Hospital Natal Center
Trata-se de um hospital geral, inaugurado em 2002, com ênfase em cardiologia e
oncologia. O Natal Center (FIG. 32) apresenta serviços de alta complexidade – como
cirurgia cardiológica, neurocirurgia e transplantes. A clientela alvo é a portadora de seguro
ou plano de saúde, mas também há serviços para pacientes SUS. Conta com serviço de
apoio ao diagnóstico e tratamento, utilizando equipamentos de tecnologia avançada.
As atividades de apoio – serviços de farmácia, de nutrição e dietética, de processamento de
roupa, central de administração de material e equipamentos, conforto e higiene para
funcionários, limpeza e zeladoria, central de esterilização e serviços de engenharia clínica
148
– são diversificadas e bem estruturadas, de acordo com os processos e rotinas para
execução das tarefas. A internação é composta, em sua totalidade, por apartamentos
individuais com banheiro anexo.
O programa espacial, o dimensionamento e a organização espacial seguem as
recomendações das Normas Técnicas do Ministério da Saúde. Além dos ambientes
recomendados como mínimos nessas normas, o hospital conta com snack bar, auditório,
restaurante e livraria.
O esquema geométrico da planta é de dois retângulos aproximadamente concêntricos, de
dimensões diferentes. O retângulo maior representa os três pavimentos mais baixos –
subsolo, térreo e primeiro pavimento. O retângulo menor representa os pavimentos-tipo,
empilhados a partir do segundo e até o sétimo pavimento. Visto o edifício de perfil, a
configuração geométrica é semelhante ao do tipo torre sobre pódio, um “T” invertido.
O lote de forma geométrica retangular é ocupado quase inteiramente pela edificação,
também de planta retangular, sobrando apenas no seu perímetro as vias de acessos e os
recuos obrigatórios pela legislação. Todas os acessos se dão através da parte frontal do
edifício. Apesar de serem apenas duas as vias de acesso ao edifício, elas conduzem os
diversos tipos de fluxos a quatro entradas separadas no edifício, seja no subsolo, seja no
pavimento térreo.
As atividades são agrupadas em unidades, de acordo com sua natureza funcional. As
unidades, posteriormente, se agrupam em três zonas – clínica, internação e apoio – de
acordo também com sua natureza funcional. A organização espacial dessas zonas se dá
segundo suas inter-relações funcionais. As circulações são hierarquizadas em até quatro
níveis e têm a finalidade de separar, controlar e disciplinar os fluxos. Tudo isso é feito de
forma sistêmica, ou seja, considerando que cada atividade é parte de um todo integrado
cujo funcionamento depende do funcionamento de cada uma delas. Este princípio está
presente em todos os tipos do período modernista.
No pavimento térreo, logo na entrada principal do edifício, há um grande ambiente onde
estão localizados a recepção, o snack bar, a livraria, áreas de estar e os elevadores que
fazem as conexões verticais entre os pavimentos. Esse ambiente funciona como um hall de
entrada de um hotel: além de receber e acolher o público externo, ele controla e distribui os
fluxos para dentro do edifício.
149
As circulações horizontais estão hierarquizadas em vários níveis. Em cada pavimento, há
uma circulação primária, mais importante, que faz as ligações entre as unidades funcionais.
Essas são as circulações mais extensas e coincidem em cada pavimento com o eixo
longitudinal da planta retangular. As outras circulações são ramificações posicionadas fora
do eixo longitudinal, com extensões menores, e que separam e disciplinam os fluxos dentro
das unidades funcionais.
A circulação vertical é feita por elevadores e escadas, concentrados no núcleo da planta e
que atingem os distintos pavimentos em um ponto da circulação principal. A separação dos
fluxos no sentido vertical se dá pelo uso de elevadores destinados especificamente para
cada fluxo, uns vizinhos dos outros. Isso é uma solução que reflete o fato de a planta ser
concentrada, a dimensão vertical sendo mais relevante que as horizontais, característica do
tipo torre sobre pódio.
A volumetria final do edifício corresponde a um paralelogramo horizontal, formando uma
base sobre o qual está posicionado ortogonalmente um prisma vertical de base retangular.
No paralelogramo horizontal, que corresponde a sub-solo, térreo e primeiro pavimento,
estão posicionadas as zonas clínicas e de apoio. No prisma vertical, estão empilhadas as
unidades que formam a zona de internação.
Essa volumetria corresponde a uma estrutura em concreto armado, modulada na horizontal
e na vertical, com destaque para as vigas e pilares aparentes que marcam o contorno do
volume. As lajes em concreto armado são em colméia, reduzindo-se a marcação dos
espaços interiores pela diminuição da densidade de vigas de maior altura.
Assim, observa-se que o Natal Center apresenta-se como um edifício afiliado ao tipo torre
sobre pódio, na absoluta maioria dos elementos de observação: o princípio estruturador, a
disposição das zonas, a solução geométrica da planta, a volumetria e a estrutura
correspondem a esse tipo.
5.6.2. Hospital Walfredo Gurgel
O Hospital Walfredo Gurgel (FIG. 33) é um hospital geral de referência regional,
inaugurado em 1971, com a população em geral como clientela. Conta com internação,
atendimento de urgência e emergência, centro cirúrgico, raios-x, laboratório de análises
clínicas, ambulatório e serviços de apoio. Esses já são bastante estruturados e
150
diversificados: farmácia, serviço de nutrição, serviço de lavanderia, almoxarifado,
vestiários para funcionários, central de esterilização, manutenção e administração.
O esquema geométrico da planta é formado por três retângulos paralelos de dimensões
aproximadamente iguais, conectados por uma circulação. O retângulo do meio representa a
planta de um bloco de seis pavimentos. As plantas do primeiro pavimento e do térreo
conformam uma base por possuírem dimensões maiores do que os pavimentos restantes,
que são menores e se repetem até o último pavimento. O retângulo mais próximo da rua
representa um bloco de três pavimentos de mesmas dimensões. O último retângulo
representa um bloco de um só pavimento.
O terreno apresenta um desnível no sentido do eixo transversal dos blocos: as cotas vão
diminuindo na medida em que se vai aproximando da rua. Em função disso, o teto do bloco
frontal de três pavimentos está no mesmo nível que o teto do segundo pavimento da base
do bloco do meio. Este é também o nível do teto do terceiro bloco. Vistos de perfil,
portanto, o conjunto dos três blocos – pouco afastados um do outro – tem a aparência de
um “T” invertido, semelhante ao esquema geométrico do hospital tipo torre sobre pódio.
O terreno tem forma estreita e alongada nos primeiros dois terços a partir da rua que são
dedicados ao estacionamento e vias de acessos. No ultimo terço, o terreno se alarga e aí são
implantados os três blocos. Entre os três blocos e entre eles e as divisas do terreno, há um
enlaçado de vias que dão acesso a cada bloco, sempre separando os fluxos por tipo de
acesso como abastecimento, urgência e emergência, paciente externo e admissão de
pacientes internos. Observando o desenho da implantação pode-se perceber que o formato
do terreno interferiu nas dimensões e posicionamento dos blocos, no traçado das vias de
acessos e estacionamentos.
O principio organizador dos espaços é funcionalista e sistêmico. As atividades são
agrupadas em unidades segundo sua natureza funcional e, depois, posicionadas
obedecendo a um zoneamento onde são observadas as inter-relações entre as unidades e
também a de cada unidade com o conjunto total das unidades.
Comparativamente ao tipo torre sobre pódio, não se usou radicalmente no Walfredo o
principio da concentração na organização de seus espaços. A base, ou pódio, está dividida
em três partes, conectadas entre si por uma circulação. Por outro lado, o formato da base da
torre se aproxima mais a um retângulo alongado do que a um quadrado, sendo possível
151
posicionar quase a totalidade dos leitos de um mesmo lado da circulação – aquele que
recebe os ventos dominantes. Do outro lado da circulação, são posicionadas as atividades
de apoio. Assim, a dependência da climatização artificial fica minimizada, tanto na
internação quanto nos ambientes localizados na base. Outro efeito dessa “concentração
moderada” na organização dos espaços é no alcance da eficiência na execução das tarefas:
menos concentrado o arranjo espacial, as distancias percorridas serão maiores.
Os leitos de internação são organizados de três maneiras diferentes. A maioria das
enfermarias contém dois ou seis leitos, mas há também um apartamento individual em cada
pavimento de internação. Em todos os três casos, os banheiros são anexos ao espaço da
enfermaria.
As circulações internas dão seqüência aos fluxos que chegam das vias externas de acesso, e
distribuem esses fluxos no interior do edifício. As circulações internas têm três níveis de
hierarquização. As circulações principais fazem a ligação entre os blocos e as circulações
secundárias fazem as ligações entre atividades dentro de cada unidade funcional. Há um
nível terciário de circulação, ainda pouco desenvolvido, que corresponde à estrutura de
fluxos no interior da área destinada a algumas atividades de rotinas mais complexas – o
centro cirúrgico, por exemplo.
As escadas e elevadores fazem as ligações entre os pavimentos. Há dois conjuntos de
elevadores com funções distintas. Um deles vincula-se às circulações horizontais entre os
blocos, ou seja, as de nível primário, sendo associado principalmente a movimentos de
público externo. O outro está vinculado ao nível secundário de circulação nos pavimentos
do bloco central, servindo então principalmente aos fluxos relacionados a serviços internos
do hospital.
Observando a volumetria do conjunto verifica-se que ela corresponde à volumetria do tipo
torre sobre pódio, onde o pódio é conformado pelos pavimentos semi-enterrado, térreo, e
primeiro dos três blocos. Nesses pavimentos é que estão localizadas as zonas clínica e de
suporte. A torre corresponde aos pavimentos-tipo das enfermarias do bloco do meio. A
estrutura é modulada em concreto armado, com vãos modulados em paralelepípedos
elementares que se repetem em todo o edifício, e que correspondem a um pórtico estrutural
básico em três dimensões.
152
O esquema geométrico da planta, o princípio organizador dos espaços e a solução
volumétrica correspondem ao hospital tipo torre sobre pódio. Entretanto, há elementos a
destacar que, no Walfredo, divergem das características centrais do tipo. A principal delas
é o fato de o Walfredo apresentar uma “concentração moderada”. Por outro lado, há que
destacar o fato de que a solução estrutural indiferenciada entre base e torre não coaduna
com a solução típica em que o pódio é estruturado de forma a garantir vãos mais amplos
que na torre, uma vez que as zonas instaladas no pódio requerem maior flexibilidade nos
espaços.
5.6.3. Hospital Santa Helena, Hospital PAPI, Hospital Memorial
O Hospital Maternidade Santa Helena (FIG. 34) presta atendimento à população em clínica
ginecológica e obstétrica, tendi sido aberto ao público em 1976. O PAPI (FIG. 35) é
especializado em pediatria, atuando nas clínicas médica e cirúrgica desde 1982. Os dois
hospitais têm seus programas espaciais semelhantes quanto aos serviços de atendimento
aos pacientes, ambos apresentando centro cirúrgico, laboratório de análises clínicas, raiosx e consultas médicas.
No caso do Santa Helena as atividades de apoio apresentavam-se de modo estruturado,
com farmácia, serviço de nutrição, lavanderia, vestiários para funcionários, central de
esterilização, almoxarifado e atividades administrativas. No PAPI, as atividades de apoio
eram menos estruturadas pois não contava com lavanderia ou com vestiários para
funcionários.
Os dois hospitais têm como principal figura dos seus esquemas geométricos o retângulo.
No Santa Helena são dois retângulos que se interceptam segundo um ângulo de 45o. O
retângulo paralelo à rua representa três pavimentos iguais superpostos, enquanto o oblíquo
representa apenas dois.
No PAPI são dois retângulos próximos, de tamanhos distintos, que estão posicionados
paralelamente. Esses dois retângulos se tocam na parte da frente por meio de aproximação
de suas faces longitudinais; na parte de trás do retângulo menor eles estão interligados por
meio de uma circulação perpendicular a seus eixos. Entre as duas ligações, forma-se uma
espécie de poço de iluminação. Ambos os retângulos da planta do PAPI representam três
pavimentos iguais superpostos.
153
Em que pese o fato de, em ambos os casos, ser possível verificar um afastamento entre os
retângulos formadores da planta, a aproximação entre eles coaduna com a observação de
que podem ser entendidos como um bloco contínuo. Na verdade, podem ser aproximados
ao tipo torre sobre pódio: no Santa Helena, a linha vertical é pouco expressiva; no PAPI a
horizontal que destaca o pódio da torre é inexistente.
Isso é resultado do porte pequeno que têm esses hospitais. No caso do Santa Helena, que
apresenta proporcionalmente poucos leitos, não foi necessário empilhar tantos pavimentos
de internação para abrigá-los, de modo que a “torre” não se destaca da base. No PAPI, o
“pódio” é reduzido porque o hospital não conta com tantos serviços de apoio (faltam-lhe a
lavanderia e os vestiários de funcionários, por exemplo) que requeressem espaço em planta
para posicioná-los.
Observando as plantas de locação dos dois hospitais verifica-se que os esquemas
geométricos das plantas foram condicionados pelas formas dos terrenos, pois os edifícios
se encaixam perfeitamente aos lotes, salvo pelos recuos obrigatórios e estacionamentos. Os
dois hospitais possuem duas vias de acesso, uma localizada na parte frontal (para pacientes
e visitas), e outra na parte posterior do edifício, para funcionários e abastecimento.
Eles também apresentam esquemas circulatórios internos semelhantes. Em cada
pavimento, na área de encontro dos dois retângulos, estão posicionadas as circulações
verticais, escadas e elevadores. No eixo longitudinal de cada pavimento retangular foram
posicionadas as circulações que fazem a comunicação horizontal. No centro cirúrgico, há
uma ramificação de circulações para segregar áreas e disciplinar os fluxos de entrada nos
ambientes mais críticos. No Santa Helena também acontecem soluções dessa natureza nos
serviços de apoio como lavanderia e cozinha.
O principio organizador dos espaços é funcional e sistêmico. As atividades estão reunidas
em unidades segundo sua natureza funcional. No entanto, nem todas as unidades foram
organizadas espacialmente seguindo o rígido esquema de zoneamento dos hospitais tipo do
período modernista. As unidades de centro cirúrgico foram deslocadas da zona clínica,
localizada no térreo, e foram posicionadas no último (caso do Santa Helena) ou no
penúltimo (caso do PAPI) pavimento. No Santa Helena, parte dos leitos de internação foi
retirada dos pavimentos superiores e posicionada no térreo.
154
No PAPI, os leitos estão distribuídos em apartamentos individuais, com dois, três e seis
leitos, todos com banheiro anexo. No Santa Helena, apenas há apartamentos individuais e
enfermarias de quatro leitos, sempre com banheiro anexo.
Outro caso é o do Hospital Memorial (FIG. 36), operativo desde 1990. Especializado em
ortopedia, com internação, serviço de pronto socorro, raios-x e laboratórios de análises
clínicas, centro cirúrgico atendimento de fisioterapia, o Memorial é dedicado à clientela
particular e de convênios, sendo todos os apartamentos de internação de apenas um leito,
com banheiro anexo. As atividades de apoio não registram a lavanderia, nem se
apresentam bem estruturadas.
O esquema geométrico da planta é aproximado à figura de um quadrado. No interior desse
quadrado há um vazio retangular, conformando uma espécie de poço de iluminação. As
pequenas dimensões desse poço são insuficientes para garantir ventilação para toda área da
planta, o que faz com que o edifício dependa quase completamente de climatização
artificial.
Aproximadamente no centro do quadrado passa um eixo transversal de distribuição de
quatro escadas e dois elevadores. Esse eixo divide a planta em dois retângulos,
desnivelados entre si em meio pé-direito. De um lado do eixo, na direção do acesso
principal, estão distribuídas as atividades administrativas e ambulatoriais. Do outro lado do
eixo, na direção do acesso de serviço, meio pé-direito acima, estão as atividades de pronto
socorro e de apoio. Esse desnivelamento segue por mais duas plantas, uma com as
atividades de internação, e outra com centro cirúrgico e salas de exames para diagnósticos.
Esses desnivelamentos, associados à distribuição das escadas e elevadores ao longo de um
eixo, espalha os fluxos do hospital de modo indisciplinado e descontrolado.
A implantação do edifício no terreno foi influenciada pelo formato deste e pela relação
com as vias do entorno. A forma da planta se encaixa no terreno, com a ressalva do recuo,
das vias de acessos e dos estacionamentos.
Nos três casos, o princípio organizador dos espaços é similar. Seguiu-se a regra de reunir
espacialmente as unidades funcionais, mas ao organizá-las no interior do edifício não foi
seguido por completo o princípio de observar as inter-relações funcionais entre as
unidades. Em conseqüência, foi gerada uma maior dificuldade para que houvesse uma
155
eficiente separação e controle de fluxos, o que se agrava pelo fato de que a hierarquização
desses fluxos não foi tão aprofundada.
A volumetria do Memorial é de um bloco compacto, aproximadamente um prisma de base
trapezoidal com pouca significação da altura relativamente às dimensões da base. A
volumetria do Santa Helena corresponde a dois paralelogramos que se interceptam a 45o,
sendo que um deles possui a dimensão vertical maior. O PAPI tem sua volumetria
aproximada a um prisma vertical de base retangular. Em todos eles, o centro cirúrgico foi
deslocado de sua posição na base para ser posicionado nos andares superiores.
Assim, as volumetrias dos dois hospitais podem ser comparadas às do tipo torre sobre
pódio, levando em conta que a mudança de posição do centro cirúrgico, ausência de
elementos da zona de apoio e até o porte do hospital se refletiram na desconficguração do
volume e sua assimilação a um bloco sem torre e sem pódio. Assim, essas volumetrias dos
três hospitais são uma variação simplificada, onde a torre o pódio se unificam em um só
volume. Essa simplificação é evidentemente sentida também na estrutura, em que a
característica comum aos três hospitais vai ser uma solução de modulação em planta, com
pilares igualmente espaçados, mas com vigas de contorno salientes e lajes com pequenos
vãos.
5.6.4. Considerações sobre o tipo torre sobre pódio
De acordo com o instrumental de análise tipológico utilizado neste trabalho, os cinco
hospitais analisados nesta seção são afiliados ao tipo torre sobre pódio.
A figura geométrica básica é um retângulo de dimensões aproximadas, tendendo a um
quadrado. O esquema geral da planta é o de dois quadrados aproximadamente
concêntricos, o menor sendo a projeção horizontal da torre. O esquema geométrico do
perfil, então, consiste em um “T” invertido, com base e pódio bem caracterizados (casos do
Natal Center e do Walfredo Gurgel, em que a altura é a dimensão predominante do
conjunto) ou com base e pódio indiferenciados entre si (casos do Santa Helena, do
Memorial e do PAPI, de baixa altura relativa).
Na medida da concentração espacial desses cinco hospitais, implantados em lotes urbanos
de dimensões limitadas, a forma geométrica da planta do edifício é muito influenciada pela
forma geométrica do lote. Em geral, aquela se encaixa perfeitamente nesta, a exceção da
156
obediência a recuos e afastamentos prescritos pela norma urbanística, ou pela existência de
acessos viários e de estacionamentos.
Os princípios de organização do espaço são funcionalistas e sistêmicos, assumidos
integralmente nos casos do Natal Center e do Walfredo Gurgel, que exibem programas
espaciais mais complexos. Os demais têm esses princípios como guia geral, mas eles não
são totalmente assumidos, em parte pelo pequeno porte dos hospitais, em parte pela sua
baixa complexidade.
Nos casos do Walfredo e do Natal Center, os fluxos são separados e disciplinados por meio
de uso de circulações hierarquizadas. O mesmo não acontece nos demais, reflexo também
do fato de os princípios funcionalistas não terem sido completamente absorvidos. Da
mesma forma, o Walfredo e o Natal Center exibem separação dos fluxos externos ao
edifício em quatro categorias, enquanto os demais o fazem em apenas duas.
Em termos de volumetria, pode-se verificar que, dos cinco hospitais analisados, dois
apresentam a volumetria esperada – o Walfredo e o Natal Center – enquanto os demais
apresentam uma volumetria em monobloco. Por fim, no que tange à estrutura, destaca-se o
Natal Center por apresentar uma solução perfeitamente integrada à volumetria e à idéia
organizadora dos espaços, qual seja a estrutura de concreto armado modulada em grandes
vãos livres, com lajes colméia e vigamento de contorno. Os demais, embora usando
largamente o concreto armado, trazem uma proposta mais convencional, com módulos
espaciais de pequenas dimensões e, portanto, maior densidade de vigas e pilares.
5.7. Santa Catarina e Maria Alice Fernandes: hospitais rua
Os dois hospitais enquadrados no tipo hospital rua foram frutos de iniciativa do Governo
estadual e financiados com recursos públicos. Os projetos levaram em consideração um
modelo assistencial de saúde para o estado, em sintonia com a então política do Ministério
da Saúde. Esse modelo era baseado em um sistema de unidades hierarquizadas e
regionalizadas.
Quando inaugurado em 1986, o Hospital Santa Catarina (FIG. 37) prestava assistência nas
especialidades médicas de ginecologia e obstetrícia, pediatria, clínica médica e clinica
cirúrgica. Já o Hospital Maria Alice Fernandes (FIG. 38), aberto ao público em 1998,
157
prestava atendimento à população infantil, nas clinicas médica e cirúrgica. O nível de
resolutividade desses hospitais na rede estadual era de média complexidade.
Em ambos os casos, o programa espacial correspondia ao previsto nas normas do
Ministério da Saúde para hospitais de média complexidade. A organização dos espaços em
unidades ou departamentos que formam zonas funcionais, as áreas dos ambientes e o
dimensionamento dos serviços seguiram os parâmetros daquelas normas.
A organização espacial das atividades seguia, nos dois hospitais, princípios rígidos. As
atividades de uma mesma natureza funcional eram reunidas em unidades (unidades de
internação, de centro cirúrgico e obstétrico, de ambulatório etc). As unidades, por sua vez,
estavam organizadas espacialmente em zonas, segundo a sua relação com os cuidados dos
pacientes: unidades com atividades diretamente ligadas aos cuidados dos pacientes
externos (ambulatório, diagnóstico, urgência); as ligadas diretamente aos pacientes
internos (internação, centro cirúrgico e obstétrico); e as que dão suporte logístico-técnico
ao funcionamento das duas primeiras zonas e não guardam relação direta com os cuidados
dos pacientes (lavanderia, nutrição, central de esterilização, administração etc).
Essa organização funcional das atividades em unidades, das unidades em zonas, e das
zonas em um todo integrado considera as relações e interdependências internamente a cada
zona e de cada uma delas com o todo, refletindo uma visão sistêmica do edifício. Os fluxos
de pessoas e materiais entre zonas e atividades são controlados no intuito de executar
eficientemente os procedimentos e rotinas estabelecidas.
Nos dois casos, as atividades do hospital foram distribuídas em varias plantas retangulares
independentes,
de
diferentes
tamanhos
e
posicionadas
ora
paralelamente
ora
ortogonalmente entre si. Essas plantas são conectadas através de circulações
perpendiculares ao seu eixo longitudinal. As plantas e circulações formam um conjunto de
figuras geométricas retangulares desenvolvidas através de uma malha reticular ortogonal
que regula tanto seus limites como seus afastamentos.
Tanto no Santa Catarina quanto no Maria Alice Fernandes, os leitos são distribuídos em
quartos de um, dois e quatro leitos, sempre com banheiro anexo.
A implantação dos edifícios é solta no meio do terreno, guardando alguma relação de
proximidade apenas com o limite frontal do lote onde estão os acessos dos pacientes
158
externos. Os acessos são disciplinados, havendo entradas específicas para pacientes
externos, para pacientes em processo de internação e visitas, para funcionários e para
abastecimento. O desenho das circulações dentro dos edifícios segue disciplinando estes
fluxos, ora conduzindo os pacientes a áreas de atendimento, ora criando barreiras ao acesso
a setores mais reservados. Nas unidades funcionais onde há exigências mais severas no
sequenciamento de tarefas, as circulações se diversificam em vias menores e traçam rotas
operacionais, disciplinando passo a passo a execução de tarefas. As circulações formam
assim um sistema hierarquizado que determina o itinerário seqüencial de pacientes e de
rotinas.
Ainda quanto ao posicionamento dos blocos no terreno, temos no caso do Hospital Santa
Catarina, uma variação importante em relação ao tipo rua hospitalar. Nesse tipo, os
blocos são posicionados paralelamente entre si, com um lado conectado a uma circulação e
outro solto para permitir a expansão do bloco sem afetar os demais. O espaçamento entre
blocos é apenas o necessário para iluminar naturalmente os ambientes. Em muitos
ambientes, inclusive, é prevista a utilização de equipamentos mecânicos para ventilação e
climatização.
Os princípios seguidos para o posicionamento dos blocos são o de racionalização funcional
do hospital e o de proporcionar a expansibilidade do edifício. No Santa Catarina, o bloco
onde está localizada a unidade de internação se posiciona ortogonalmente em relação aos
outros, provavelmente para aproveitar melhor a ventilação sudeste em seus leitos. Nesse
caso, a sanitarização do ambiente foi o princípio mais forte. No entanto, os princípios de
posicionamento funcional e expansibilidades não foram desrespeitados.
Os espaços são desenvolvidos em módulos tridimensionais elementares de 1,20 x 1,20 x
1,20 m3. As dimensões de cada compartimento são definidas pelo layout e requerimentos
ambientais dos equipamentos e procedimentos, conformando-se pelo módulo que regula e
define os espaços.
Observando a volumetria dos edifícios, verifica-se que ela é marcada por paralelepípedos
de expressiva horizontalidade, posicionados paralelamente ou ortogonalmente (caso da
internação no Santa Catarina), que se interconectam por uma circulação de eixo
perpendicular aos blocos. Não há um volume que se sobressaia em relação ao outro, apesar
159
de terem tamanhos diferentes, em ambos os caso dando origem a um conjunto com
regularidade de contorno.
As soluções estruturais dos edifícios são idênticas e adaptadas à diversificação de
tamanhos dos blocos: estrutura modular em concreto armado, projetada em módulos
tridimensionais. No Santa Catarina, os dois tipos de vigas e pilares foram usinados no
canteiro e manipulados por grua; as lajes eram em nervuras pré-fabricadas fora do canteiro.
No Maria Alice Fernandes, a estrutura foi moldada convencionalmente in loco, apenas as
nervuras das lajes sendo pré-fabricadas.
As semelhanças entre os dois hospitais analisados nesta seção dão realce ao fato de que
ambos foram projetados sob a vigência de normas técnicas estritamente prescritivas.
5.8. Promater, Femina e Coração: uma incursão em um novo tipo?
Os hospitais Promater (de 1996, FIG. 39), Femina (2001, FIG. 40) e do Coração (2000,
FIG. 41) foram concebidos por iniciativa de três grupos diferentes de médicos de Natal,
com o intuito de prestar assistência médica especializada em ginecologia, obstetrícia e
pediatria (nos dois primeiros casos) e em cardiologia (no terceiro), sempre tendo como
clientela-alvo os portadores de seguro ou plano de saúde privado. As atividades de
cuidados aos pacientes nos três hospitais envolvem centro cirúrgico, raios-X, laboratório
de análises clínicas, ultra-som, mamografia. No Hospital do Coração, adiciona-se
tomografia computadorizada, ecocardiografia e hemodinâmica.
Nos três casos, os serviços de apoio são diversificados e bem estruturados, de acordo com
os processos e rotinas para execução das tarefas, constando de: serviços de farmácia, de
nutrição e dietética, de processamento de roupa, central de administração de material e
equipamentos, conforto e higiene para funcionários, limpeza e zeladoria, central de
esterilização e serviços de engenharia clínico-hospitalar.
Esses hospitais não estavam integrados à rede do Sistema Único de Saúde, nem mesmo
como assistência conveniada. O nível de resolutividade nos dois primeiros hospitais
corresponde ao nível médio de complexidade; no terceiro é de alta complexidade. A
distribuição de leitos de internação nos três hospitais privilegia os apartamentos individuais
com banheiro anexo, de modo que apenas cerca de 10% dos apartamentos são de dois
leitos, mantendo-se aí o banheiro anexo.
160
5.8.1. Hospital Promater
A configuração geral da planta pode ser sintetizada por três figuras geométricas: um
quadrado e dois retângulos iguais e paralelos, todos alinhados segundo um eixo paralelo ao
comprimento do terreno.
A primeira figura, o quadrado, representa a forma geométrica da planta do bloco
posicionado na parte mais frontal do edifício. Nele, preenchendo dois terços de sua área,
está presente um grande hall de entrada, ocupado por ambientes dedicados ao conforto de
pacientes e familiares – tais como áreas de espera, snack bar, jardim interno – e algumas
atividades administrativas com contato direto com os pacientes externos, tais como
recepção e admissão.
No terço restante do quadrado, distribuídos no térreo e em um mezanino, estão todas as
salas de espera dos cuidados aos pacientes externos, como consultórios médicos, raios-x,
mamografia, ultrassonografia e pronto socorro. As salas de espera estão voltadas para o
átrio mas posicionadas de maneira contígua aos serviços.
Esse bloco conta com 500 m2 de área construída, com altura de 7,2 m. Ele ganha destaque
em relação ao conjunto em função de que o hall de entrada foi dotado de grandes
dimensões e porque foram utilizadas soluções que valorizam o seu espaço interno. A
iluminação zenital e os jardins internos proporcionam luz natural no núcleo da planta
quadrada. No limite entre o quadrado e o primeiro dos retângulos, estão posicionados
elevador e escada, que distribuem todos os fluxos dos pacientes externos e familiares.
As outras duas figuras são dois retângulos iguais e paralelos conectados por uma
circulação, que representam as plantas de blocos de quatro pavimentos. Nos dois blocos, o
subsolo é destinado a garagem. Nos pavimentos térreos, estão posicionados serviços de
apoio e centro cirúrgico. Nos demais pavimentos estão posicionados os apartamentos da
internação. Embora plantas com forma retangular facilitem a ventilação e a insolação
natural dos ambientes internos (como no tipo pavilhonar), nesse hospital só a insolação foi
aproveitada, já que o edifício é dotado de ar condicionado em todos os ambientes.
A volumetria do edifício é dominada pelas dimensões no plano horizontal. Frontalmente,
um prisma de seção quadrada, se apresenta como um volume mais compacto, fechado.
161
Lateralmente, somando-se ao prisma frontal os paralelogramos correspondentes aos dois
blocos retangulares, o volume se apresenta com um contorno bastante recortado.
A solução estrutural modular em concreto armado tem comportamento convencional em
todo o edifício, a menos do átrio frontal em que se combinam panos estruturais planos de
concreto e a estrutura metálica da cobertura translúcida, com efeitos sobre as dimensões
das vigas e pilares que marcam a fachada e o interior do átrio.
5.8.2. Hospital Femina
O esquema geométrico da planta é representado por três retângulos aproximadamente
concêntricos. O retângulo maior representa os pavimentos do subsolo e do térreo, onde
estão localizados os serviços de apoio e de cuidados aos pacientes externos. O retângulo de
tamanho intermediário representa o primeiro e o segundo pavimentos, onde estão
localizados os apartamentos de internação. O terceiro e menor retângulo representa um
pátio interno ajardinado que vaza as plantas de todos os pavimentos e recebe e distribui luz
natural através de uma cobertura translúcida.
Em torno desse pátio há uma circulação avarandada em todos os pavimentos. No subsolo e
no térreo, onde estão localizados os serviços de consultório e de diagnóstico, o contorno do
pátio é ocupado por salas de espera e recepção. No térreo, além dessas, o contorno do pátio
conta com o snack bar para pacientes e visitantes e o hall de entrada do edifício.
Essa circulação em torno do pátio se repete em todos os pavimentos e faz a ligação entre os
compartimentos de um mesmo andar. A ligação no sentido vertical se faz através de
elevadores e escadas posicionados em um dos lados do pátio.
Os esquemas geométricos da planta e do perfil guardam semelhança com o tipo torre sobre
pódio. Entretanto, há dois elementos de divergência com respeito a este tipo. Por um lado,
a existência, no núcleo do bloco, de um pátio avarandado de grandes dimensões
horizontais e verticais traz grandes repercussões na conformação espacial do hospital. Por
outro lado, na Femina, a área dedicada a internação é inferior à que se dedica aos serviços
de diagnóstico, relação inversa da que se verifica no tipo torre sobre pódio.
A volumetria é aproximada à do tipo torre sobre pódio, embora a altura da torre não seja
marcante e o pátio, vazando torre e pódio, retire o caráter de maciço que o volume aparenta
162
quando observado do exterior. Por outro lado, embora as dimensões relativas sejam
diferentes, a volumetria revela alguma semelhança com aquela do tipo claustral.
Pode-se assimilar, então, o volume do edifício a um prisma reto de seção retangular,
perfurado segundo o seu eixo vertical por um outro prisma reto de seção retangular, o
pátio, com menores dimensões horizontais. A solução estrutural adotada é o pórtico
tridimensional de concreto armado, regularmente repetido, e que se associa, no pátio
vazado, a uma estrutura metálica para a cobertura em policarbonato.
5.8.3. Hospital do Coração
O esquema geométrico da planta é formado por três retângulos de tamanhos distintos e um
círculo, todos arranjados de maneira a conformar um “U“. Cada figura geométrica
representa a planta de um bloco com cinco pavimentos. No primeiro retângulo
perpendicular à via principal, estão distribuídos em quatro pavimentos os consultórios
médicos. No segundo retângulo, paralelo à via principal, o pronto socorro e o centro
cirúrgico estão posicionados no térreo e no primeiro pavimento; nos dois últimos
pavimentos, estão os apartamentos de internação. No terceiro retângulo estão posicionadas
nos quatro pavimentos as atividades de apoio ao diagnóstico. No círculo, o pavimento
térreo foi destinado às atividades de apoio ao diagnóstico e o primeiro pavimento à UTI.
Os demais foram reservados para futuras ampliações. O subsolo está todo ocupado por
atividades de serviços de apoio.
Na área central, em continuação ao hall de entrada, está posicionado um átrio com pédireito de quatro pavimentos, iluminado naturalmente através de uma cobertura translúcida
de policarbonato. Na planta do átrio, estão posicionados elevadores e escadas que fazem a
comunicação vertical das atividades de cuidados aos pacientes externos. Em volta do átrio,
em todos pavimentos, há uma circulação que faz a comunicação horizontal entre esses
serviços. Para o átrio se voltam todas as esperas dos serviços aos pacientes externos. Ou
seja, o átrio polariza todos os fluxos e áreas de espera dos serviços dedicados aos pacientes
externos.
A volumetria do edifício pode ser aproximada à de um paralelogramo com dimensões
comparáveis, apresentando um destaque para o formato curvo do contorno em que a planta
adquire formato circular. A solução estrutural é simples, pois se trata de estrutura modular
163
em concreto armado, repetida em todo o edifício à exceção do átrio, em que se compõe
com a estrutura metálica da cobertura.
5.8.4. Considerações gerais
Os três edifícios apresentados nesta seção são implantados em áreas urbanas residenciais
adensadas. São volumetrias predominantemente verticais, que buscam ocupar o terreno na
máxima possibilidade. Logo, as formas dos edifícios são contingenciadas pelos formatos
dos lotes.
Observando a configuração geométrica das plantas dos três hospitais verifica-se que elas
conformam esquemas geométricos diferentes, mas sempre formados por figuras
geométricas que se juntam, colando faces sem usar a intermediação de circulações. A
volumetria se torna aparentemente maciça e concentrada, mas isso é descaracterizado pela
presença de átrios ou pátios que vazam verticalmente o edifício.
Esse é um ponto em comum entre os três hospitais: a existência de um elemento com altura
de vários pés-direitos, que traz iluminação natural ao interior do edifício. Esse elemento,
pátio ou átrio, tem grande importância na organização dos espaços dos três hospitais.
O fato é que, nos três casos analisados nesta seção, a natureza funcional das atividades e
suas inter-relações para atender as rotinas estabelecidas no hospital são consideradas de
maneira sistêmica. As atividades são agrupadas, segundo sua natureza funcional, em
unidades, e estas em três zonas (de internação, clínica e de apoio).
A organização das zonas segue o principio das inter-relações funcionais, mas com uma
diferença. O átrio aglutina todos os fluxos de pacientes que se dirigem aos serviços
externos e internos do hospital e distribui esses fluxos através de salas de espera. Em
conseqüência, atividades de algumas zonas, em função de terem contato direto com o
público externo, são deslocadas do espaço de suas zonas para o átrio.
Por exemplo: da zona de apoio são deslocadas as atividades de admissão, registro e
tesouraria; da zona clínica são deslocadas as atividades de recepção e as esperas das salas
de exames e dos consultórios. Logo, o átrio assume um papel importante na organização
dos espaços, recebendo e distribuindo fluxos através de elevador e escadas sociais, bem
como proporcionando estar, conforto e acolhida aos pacientes externos e visitantes. Essas
características refletem também a necessidade de esses hospitais trabalharem suas
164
respectivas imagens junto aos clientes, o que revela a natureza também comercial do
empreendimento.
É, portanto, o foco no paciente, ou no cliente, que orientou esses hospitais a adotar um
programa espacial em que novas atividades se integram ao edifício. Essas atividades,
“amenidades” no caso dos hospitais de Natal, se concentram no átrio, cujas características
tipológicas (no conceito de tipo utilizado neste trabalho) foram apropriadas das soluções de
átrios em shopping centers e adaptadas a áreas do hall de entrada do hospital.
É aí que se dá o primeiro contato dos pacientes com a organização hospitalar: o tratamento
adotado para esse espaço visa a incorporar um atendimento ao cliente que seja mais
personalizado, aconchegante e impactante, como em uma recepção de hotel.
Verifica-se no caso desses hospitais de Natal que as repercussões arquitetônicas do
conceito de foco no paciente (ou no cliente) são quase que totalmente limitadas à
requalificação desse espaço do átrio. Essa estratégia é diferente daquela que configura um
tipo hospitalar pós-modernista, no qual a idéia de foco no paciente vai imprimir sua marca
em todo o hospital.
Assim, pode-se observar, nas análises desses hospitais, que eles mostram um certo
descolamento do tipo modernista, por meio de uma pretensão de focar o desenvolvimento
da planta na atenção ao cliente, com considerações relativas a seu bem-estar. Entretanto,
nos três casos esse esforço se concentra no espaço do átrio e seu entorno. A ordenação
espacial do restante do hospital ainda segue a solução tipo do hospital modernista –
unidades e zonas funcionalmente organizadas para atender rotinas estabelecidas em função
dos procedimentos.
Ponderadas essas razões, pode-se considerar que a Promater, a Femina e o Hospital do
Coração estão mais vinculados ao tipo hospitalar shopping center/hotel/residência,
embora ainda estejam de certa forma arraigados ao tipo modernista. Constituem, assim,
exemplares de transição entre um tipo em desuso – o modernista – e seu desafiante.
5.9. Agrupamentos tipológicos e aderência ao contexto
Da análise realizada, pode-se verificar que os agrupamentos tipológicos resultantes
correspondem aproximadamente a períodos histórico-contextuais definidos e estudados no
capítulo 4. No Quadro 2 a seguir, essa característica da evolução da tipologia arquitetônica
165
dos hospitais em Natal é explicitada, tendo em conta os dezoito hospitais estudados neste
capítulo.
Em verdade, considerando os dezoito hospitais analisados, pode-se falar em grupos
tipológicos para quatro tipos: pavilhonar (com cinco exemplares e mais o caso especial do
Hospital Infantil), torre sobre pódio (cinco exemplares), rua hospitalar (dois
exemplares) e shopping center/hotel/residência (três). Os outros dois tipos registrados na
análise, colônia e casa de campo, registram um exemplar para cada.
QUADRO 2
Agrupamentos tipológicos por período histórico-contextual
Períodos
Tipos
1889-1930
1930-1945
1945-1964
1964-1985
Depois de 1985
São Francisco
-
-
-
-
-
Maternidade
-
-
-
Infantil
Evandro Chagas
Policlínica
São Lucas
João Machado
Getúlio Vargas
-
Torre sobre pódio
-
-
-
Walfredo
Sta. Helena
PAPI
Memorial
Natal Center
Rua hospitalar
-
-
-
-
Santa Catarina
M.A.Fernandes
Shopping/ hotel/
residência
-
-
-
-
Promater
Femina
Coração
Colônia
Casa de campo
Pavilhonar
Nota: Para o caso do Hospital Infantil, o enquadramento no grupo tipológico pavilhonar é preliminar. Como
se verá adiante, a análise desse hospital irá entendê-lo como um exemplar isolado, por suas características
tipológicas inovadoras.
Observe-se que o exemplar que fixa a presença do tipo colônia entre os hospitais de Natal,
o Hospital Colônia São Francisco, é o primeiro dos dezoito hospitais analisados a ser
implantado, em 1929. Nesse período da Primeira República, a ação consorciada dos
Governos federal e estadual tinha entre seus principais objetivos o financiamento de
políticas de combate à hanseníase. Tal combate era feito principalmente por meio da
segregação dos enfermos com respeito à vida social urbana, com implantação e
166
custeamento (este também apoiado por organizações de caridade e filantrópicas) de infraestrutura hospitalar.
A localização do Hospital Colônia São Francisco corresponde a esse modelo
segregacionista que é uma marca importante do tipo colônia. Mas o São Francisco não foi
financiado ou gerido pela Igreja Católica, presença que está na base da formação do tipo na
Idade Média, conforme se pode ver no capítulo 3.
Ressalte-se que, de acordo com os dados e informações levantados neste trabalho, a
presença da Igreja Católica na implantação ou apoio a hospitais em Natal não é tão
significativa quanto pode ser em outras cidades, o que pode explicar a inexistência na
cidade de hospitais afiliados aos tipos claustral, basilical e enfermaria cruzada, de todos os
que mais intensamente registram a presença da religião. Além disso, é importante salientar
que Natal nunca contou com uma Casa de Misericórdia, uma instituição que se espalhou
pelo Brasil desde o século XVI, em geral vinculada à Igreja Católica.
Por sua parte, entretanto, a sociedade civil local destaca-se nas primeiras décadas do século
XX por sua organização e por iniciativas vinculadas ao processo de modernização da
cidade. A Maternidade Escola Januário Cicco foi, como se detalhou no capítulo 4,
resultado de uma ação da sociedade civil organizada. A Maternidade representa, dentre os
hospitais de Natal, o tipo casa de campo, cuja formação remonta ao período renascentista.
Como o projeto de arquitetura pode ser datado no período entre 1928, ano em que se
divulgou a intenção do empreendimento, e 1932, quando tiveram início as obras de
construção civil (ver capítulo 4), pode-se considerar que a Maternidade – finalmente aberta
ao público em 1950 – é um exemplar que reflete as condições contextuais da década de
1920.
Essas condições, em que a sociedade civil desempenhava um papel importante na
modernização da cidade, podem estabelecer um nexo com o tipo casa de campo. Embora
fosse sendo suplantada ao longo dos séculos XVIII e XIX pela pavilhonar, a solução
tipológica da casa de campo ainda continuou a se fazer presente em muitos edifícios
hospitalares no mundo ocidental até próximo do século XX.
Assim, a apropriação ao projeto arquitetônico da Maternidade Escola do tipo casa de
campo pode ser entendida como simples resultado da permanência e da fixação deste tipo,
167
mas, não se pode deixar de levantar a possibilidade de que a decisão arquitetônica tenha se
dado em conexão com a natureza cívica do empreendimento que levou à implantação do
hospital.
Em que pese o fato de a configuração geométrica do projeto da Maternidade Escola
vincular-se claramente à casa de campo, a análise tipológica revelou a presença, na
organização dos espaços, de princípios funcionalistas que compõem o tipo pavilhonar em
sua vertente de final do século XIX.
Isso demonstra que o projeto, embora tenha lançado mão de uma forma do passado, pôde
incorporar soluções funcionais dele contemporâneas, em uma clara demonstração de que o
projetista fez a opção de adotar o tipo casa de campo – talvez por seu valor simbólico para
a iniciativa cívica – ante a possibilidade de usar o tipo pavilhonar, mais ajustado ao modo
de organização interior dos espaços em um hospital com as características da Maternidade.
Esse exercício da opção do arquiteto, revelador de um determinado grau de conhecimento
tipológico, pode ser mais bem apreciada no caso do Hospital Infantil. Inaugurado em 1936,
o Hospital Infantil teve suas obras iniciadas em 1923, o que situa o seu projeto
arquitetônico ao redor do início daquela década. A natureza do empreendimento, como no
caso da Maternidade, era de uma entidade civil da sociedade, igualmente liderada por um
médico.
A análise tipológica do projeto mostrou que o Hospital Infantil pode, a princípio, ser
afiliado ao tipo pavilhonar, mas constitui de fato um caso de hospital em que o arquiteto
se aprofundou nas possibilidades tipológicas do edifício. Para diferentes grupos funcionais
de atividades, o projetista adotou distintas configurações geométricas e princípios
organizadores dos espaços da arquitetura hospitalar precedente, buscando apropriar e
mesclar, de forma racional, soluções tipológicas de diferentes períodos do passado.
Os demais exemplares locais que testemunham a presença em Natal do tipo pavilhonar
aparecem entre princípios da década de 1940 e meados da década de 1960, praticamente
coincidindo com o período posterior à Segunda Guerra (1945-1964).
Suas implantações derivam de duas diferentes iniciativas. De um lado, os hospitais
públicos que se constroem no âmbito de programas do Governo federal na área da saúde
pública, voltados para o combate às enfermidades infecto-contagiosas e para o tratamento
168
de doenças mentais. Na primeira linha estão o Evandro Chagas – de 1943, especializado
em doenças tropicais – e o Getúlio Vargas – de 1966, especializado em tuberculose. No
caso das doenças mentais, tem-se o João Machado, 1958.
De outra parte, estão as iniciativas conducentes à Policlínica, de 1944, e à Casa de Saúde
São Lucas, de 1952. Nestes casos, o empreendimento era dirigido por grupos de médicos
locais que financiavam com recursos próprios a construção do hospital, cuja clientela-alvo
era a população beneficiária dos IAPs. Observa-se que esses hospitais estão direcionados a
serviços de cirurgia geral e clínica médica, diferentemente dos hospitais públicos
especializados do mesmo período.
Nesses hospitais privados, de caráter terapêutico, está presente o conhecimento técnicocientífico e o médico é a principal autoridade. Como se pode ver na análise deles realizada,
as atividades terapêuticas já apresentam um certo nível de estruturação, organizando-se em
vários espaços de acordo com rotinas e procedimentos. Também está presente a tecnologia
de diagnóstico, por meio dos exames de raios-x e laboratório de analises clínicas.
Distinguem-se claramente os hospitais privados dos públicos pelo que revelam de interesse
por privacidade na internação. Os hospitais pavilhonares públicos vão do grande hall
aberto de enfermaria do Evandro Chagas até o Getúlio Vargas, em que os leitos são
distribuídos por enfermarias menores. Enquanto isso, nos hospitais privados do período
pavilhonar (Policlínica e São Lucas) já se nota a presença mais significativa de
apartamentos individuais e de dois leitos. Em que pese essa distinção, vale salientar que a
opção pelo tipo pavilhonar é consistente no setor privado e no setor público, em todo o
período que vai de final dos anos 1920 até os anos 1960.
Em geral, os hospitais pavilhonares de Natal se informam tipologicamente das variantes
mais recentes do tipo, normalmente com uma organização espacial que remonta aos
princípios funcionalistas de fins do século XIX. Essa persistência do tipo pavilhonar em
Natal está provavelmente vinculada ao fato de que esses hospitais do período, tanto os
privados como os públicos, eram ainda de pequeno porte, de baixo nível de resolutividade
e com incorporação de um pequeno grau de tecnologia nos equipamentos de diagnóstico. É
só final do período 1945-1964 que, no Getúlio Vargas, vão se aplicar princípios
funcionalistas mais abrangentes na organização espacial, embora ainda se adote a solução
pavilhonar.
169
Uma mudança tipológica só vai ocorrer no fim dos anos 1960, quando do projeto do
Walfredo Gurgel, hospital público inaugurado em 1971, na onda do financiamento pelo
Governo Federal de hospitais de grande porte de natureza curativa. O Walfredo é, em
Natal, o primeiro hospital de grande porte (150 leitos), de grande resolutividade e com seus
serviços estruturados de acordo com as primeiras normas para planejamento e construção
de hospitais, estabelecidas pelo Ministério da Saúde, normas que ainda não refletiam
totalmente os princípios da organização espacial pertencentes aos tipos do período
modernista.
Como hospital de grande porte, o Walfredo é uma resposta hospitalar ao crescimento
urbano experimentado por Natal nos anos que sucederam à Segunda Guerra. A solução
tipológica adotada é a do hospital concentrado, com uso intensivo de pavimentos
empilhados, configurando a torre sobre pódio.
Também afiliados a essa mesma tipologia, vieram na seqüência do Walfredo, o Santa
Helena e o PAPI, ainda no período 1964-1985, e o Memorial, no ano de 1990. Todos eles
eram de iniciativa privada, financiados com recursos bancários intermediados pelo FAS, e
se dirigiam a uma clientela de classe média emergente na cidade, pagante com recursos
próprios ou dos primeiros planos ou seguros de saúde, bem como a prestar serviços
contratados pelo INPS.
Todos eles seguem parcialmente as normas e os princípios de funcionalidade vigentes na
época foram, também parcialmente, incorporados. Em função de seu pequeno porte e de
terem média resolutividade, com serviços não totalmente estruturados, sua afiliação ao tipo
torre sobre pódio não é integral.
Como último componente desse grupo tipológico, tem-se o Natal Center, inaugurado em
2002. Esse hospital é, dentre todos os analisados, o que mais bem se enquadra nas
definições tipológicas. A iniciativa privada de um grupo de médicos, com financiamento
bancário, tocou o empreendimento com objetivos de lucratividade. A clientela-alvo é
constituída de portadores de seguro ou plano de saúde privado. Construído, como os
demais desse grupo tipológico, em áreas urbanas de alto adensamento, a verticalização é
necessária para abrigar uma grande quantidade de leitos, o alto nível de resolutividade e os
serviços complexos e bem estruturados.
170
O projeto do Natal Center adotou princípios funcionalistas dos tipos hospitalares do
período modernista, embora trabalhando com as normas vigentes, mais flexíveis, da RDC50. Trata-se de caso que chama a atenção, uma vez que apropria uma solução tipológica
que não guarda coerência com o contexto do período recente de sua implantação,
estendendo a vigência do tipo torre sobre pódio em Natal.
Um outro tipo modernista presente entre os hospitais analisados é o rua hospitalar, ou
hospital rua. Dois exemplares de hospitais públicos edificados em áreas periféricas na
Zona Norte de Natal, que à época de suas implantações registravam, como ainda hoje, um
processo acelerado de crescimento populacional, são nitidamente afiliados a essa tipologia.
Trata-se de hospitais – o Santa Catarina, de 1986, e o Maria Alice Fernandes, de 1998 mas
com obras iniciadas dez anos antes – que foram planejados para integrar-se a uma rede de
serviços hierarquizada, com a necessidade de guardar possibilidades de expansão e
diversificação de serviços. Seus princípios de organização espacial são absolutamente
funcionalistas, ressaltando o caráter sistêmico do hospital, com foco principal na eficiência
de rotinas e procedimentos. Também correspondiam a um período ainda marcado pela
rigidez das normas ministeriais (Portaria 400) e respondem a preocupações construtivas de
redução de custo, pela via da modulação e da padronização de componentes.
É essa rigidez que vai ser quebrada pela presença de exemplares afiliados parcialmente ao
tipo shopping/hotel/residência, um grupo tipológico cuja implantação se concentra no
período entre 1995 e o presente. Dele constam três hospitais – Promater, Femina e do
Coração –, todos eles construídos por grupos de médicos, organizados economicamente de
maneira empresarial, e irrompem no cenário de uma saúde pública marcada pelo
crescimento dos planos e seguros de saúde, em que a competição pelo cliente é uma
preocupação do empreendimento hospitalar.
Os três hospitais têm em comum a presença de um átrio ou pátio, cuja função é receber e
dar conforto aos pacientes, além de distribuir os fluxos que se originam fora do edifício.
Como já se comentou, esses hospitais seguem, nas outras áreas interiores do edifício, os
princípios funcionalistas de organização do espaço, de modo que a apropriação dessa nova
tipologia – que se caracteriza por transferir ao cliente e ao paciente a sensação de
familiaridade e exclusividade de atendimento –, se atém àqueles elementos vinculados ao
171
entorno do átrio, o que pode ser explicado em função da expressividade desses espaços no
aspecto comercial.
Observa-se que os resultados da análise tipológica, em síntese, apontam que, em geral, os
agrupamentos dos hospitais analisados pelos diferentes tipos revelam coerência com as
condições contextuais estudadas no capítulo 4. Há que reiterar a ausência dos tipos mais
ligados às origens católicas do hospital (o claustral, o basilical e o enfermaria cruzada), ao
mesmo tempo em que salientar que a ausência do tipo sanduíche pode ser explicada pelo
fato de que Natal não apresentava, à época da sua vigência, as condições de grande
demanda por serviços de altíssima tecnologia que se impõem como necessárias à
implantações de hospitais deste tipo.
No que concerne à sucessão dos grupos tipológicos identificados na arquitetura hospitalar
de Natal, cabe verificar em que medida ela reflete ou se distingue da evolução verificada
no capítulo 3 para a arquitetura hospitalar ocidental.
Recolocando os tipos ocidentais, pode-se estabelecer que eles evoluíram dos tipos
medievais identificados como claustral e basilical, mais ligados à noção católica do
hospital, para os tipos renascentistas da enfermaria cruzada e, posteriormente, da casa de
campo. A exceção a esse processo de substituição tipológica diz respeito ao tipo colônia, o
mais longevo dos tipos hospitalares, que foi largamente usado em todo o mundo até o
século XX.
Os tipos renascentistas foram suplantados, no Iluminismo, pelo tipo pavilhonar, cuja
vigência por cerca de dois séculos possibilitou que fosse sendo adaptado para exibir
distintas vertentes – umas referidas a variações nos princípios de organização espacial
(diminuição progressiva da quantidade de leitos por enfermaria, incorporação progressiva
de elementos funcionalistas, por exemplo), outras a novas disposições relativas entre
pavilhões e circulação, outras ainda para incorporar soluções tectônicas surgidas no século
XIX.
Só ao redor da metade do século XX é que os tipos modernistas ganharam proeminência,
para serem logo contestados nos anos 1980 pelo tipo híbrido de shopping, hotel e
residência que se qualifica hoje como dominante.
172
Ao comparar essa evolução com o caso de Natal, pode-se verificar que os tipos claustral e
basilical não marcaram presença hospitalar em Natal, pelas razões já expostas
anteriormente. A análise feita em dezoito hospitais constatou, tão somente, que o Hospital
Infantil e a Femina fazem referência ao claustro, mas redefinindo-o e requalificando-o,
tanto espacialmente quanto funcionalmente. Por sua vez, o tipo colônia esteve presente já
em princípios do século XX, através do Hospital Colônia São Francisco.
Já mencionada e discutida em detalhe a experiência do Hospital Infantil, o próximo
apontamento tipológico em Natal é a casa de campo, representado na Maternidade. Já se
expôs anteriormente uma série de razões pelas quais pode-se considerar que a Maternidade
é tipologicamente assimilável à casa de campo, mas que isso se deveu a uma decisão
projetual, uma vez que a solução pavilhonar já era reconhecida e disponível. De toda a
forma, pode-se registrar aqui um desvio do sequenciamento tipológico natalense com
relação ao ocidental.
Feitos esses comentários sobre os primeiros hospitais da cidade, há que salientar que, em
verdade, a primeira onda mais sistemática de construção de hospitais em Natal já nasce
com a vinculação ao tipo pavilhonar, que se fez presente na arquitetura hospitalar da
cidade por cerca de quarenta anos, a partir de finais da década de 1920.
Da mesma forma que no processo evolutivo geral o pavilhonar foi sendo desenvolvido
tipologicamente ao longo de sua vigência, em Natal o uso desse tipo vai se aperfeiçoando
do início (Evandro Chagas) para o fim (Getúlio Vargas) do período de sua vigência. Esses
desenvolvimentos também são similares aos que se verifica em termos ocidentais:
enfermarias menores, maior abrangência da noção de funcionalismo, soluções de planta
geometricamente mais elaboradas, passagem progressiva da alvenaria portante para o
concreto armado.
Da mesma forma que no caso geral, em Natal o tipo pavilhonar é substituído pelos tipos
modernistas, que depois dão lugar ao tipo contemporâneo, híbrido de shopping center,
hotel e residência. O intervalo modernista dos anos 1960 a 1980, em que os tipos torre
sobre pódio e hospital rua fizeram presença em Natal, é bastante próximo, historicamente
falando, do intervalo de vigência desses tipos – e mais o tipo sanduíche – em todo o
mundo.
173
O único elemento discordante é a ausência, pelos motivos já mencionados anteriormente,
do tipo sanduíche em Natal. Pode-se observar também que a introdução do tipo rua
hospitalar em Natal é posterior à do tipo torre sobre pódio, da mesma maneira que no
quadro ocidental estudado. Enfatize-se outra vez o fato de que um exemplar do tipo torre
sobre pódio é implantado em Natal já neste século XXI, constituindo isso um elemento de
desconformidade entre os sequenciamentos tipológicos ora comparados.
Por fim, a substituição dos hospitais modernistas pelos pós-modernistas também reflete
uma tendência mundial. A diferença no caso de Natal é que essa substituição aparenta ser,
hoje, apenas um movimento de transição, na medida em que resulta de apropriar elementos
tipológicos dos hospitais modernistas no âmbito de uma visão humanizada e, ao mesmo
tempo, comercial do hospital. Assim, ainda não se verifica em Natal a presença de um
hospital
que
haja
absorvido
totalmente
as
características
do tipo
shopping
center/hotel/residência.
Uma vez verificado esse sequenciamento, cabe discutir os fatores que, em Natal, induzem
a suplantação ou substituição de um tipo por outro. Nessa discussão, há que definir a priori
os momentos em que se procede a evolução de um para outro tipo, bem como estabelecer
previamente uma sistematização dos fatores relevantes para a indução de mudanças.
Examinando o quadro, já exposto e discutido, dos movimentos tipológicos no itinerário da
arquitetura hospitalar de Natal, pode-se por em destaque cinco grandes momentos, a saber:
x
a entrada em cena do tipo pavilhonar, em finais da década de 1920;
x
a incorporação progressiva de vertentes mais desenvolvidas do tipo pavilhonar, ao
longo do período 1945-1964;
x
a substituição do tipo pavilhonar pelo tipo torre sobre pódio, na década de 1960;
x
a introdução do tipo rua hospitalar, na década de 1980;
x
a emergência, nos anos 1990, do tipo shopping/hotel/residência.
Por outro lado, com base na análise realizada no capítulo 3, é possível elencar os potenciais
fatores indutores de mudança para verificar seu papel em cada um dos movimentos acima
detalhados, quais sejam:
x
natureza e intensidade das necessidades e demandas sociais;
x
políticas públicas de saúde;
174
x
natureza e objetivos da iniciativa do empreendimento;
x
conhecimento científico e padrão tecnológico;
x
tecnologia construtiva.
A emergência do tipo pavilhonar na arquitetura hospitalar em Natal se dá de forma a
refletir a atuação conjugada desses fatores. Nas décadas de 1910 e 1920, como já se expôs
no capítulo 4, a cidade registrara a duplicação de sua população, ao mesmo tempo em que
um processo modernizador se implantava, com base em ações públicas e da sociedade civil
no campo do planejamento urbano, da construção de infra-estruturas, da implantação de
serviços públicos etc.
Um elemento central desse processo era a questão da higiene e da saúde pública e, nesse
âmbito, o problema da carência de infra-estrutura hospitalar na cidade. Ao mesmo tempo,
forjavam-se no Governo Federal as primeiras políticas nacionais de combate a
enfermidades infecto-contagiosas e a doenças mentais, cujo escopo incluía a implantação
de hospitais especializados nas principais cidades do país.
Nesse quadro, a demanda da sociedade local vai se articular com uma ação federal
organizada, com base técnico-científica, em que o projeto do edifício hospitalar se dá de
modo a incorporar conhecimento médico e a buscar um certo padrão de eficiência
funcional (higienização e sanitarização ambiental, organização das tarefas na enfermaria,
entre outras). O tipo pavilhonar havia sido desenvolvido na Europa, e continuava ainda
sendo adotado em princípios do século XX em todo o mundo, porque dava respostas de
caráter médico a essas necessidades, respostas mais precisas e eficazes que os tipos
anteriores, uns mais ligados ao caráter religioso do hospital, outros ao seu caráter cívicoinstitucional.
Assim, tanto se prestava o tipo pavilhonar para materializar-se em edifícios hospitalares
públicos, vinculados a políticas federais tecnicamente definidas, quanto permitia sua
apropriação ao projeto de hospitais de iniciativa privada de grupos de médicos, uma vez
que incorpora a noção de autoridade científica do profissional de medicina e realça a sua
importância na sociedade (a “medicalização” do hospital terapêutico, instituição
responsável pela cura das enfermidades).
Entretanto, ao longo do período de cerca de 40 anos em que dominou o cenário tipológico
do edifício hospitalar em Natal, a análise realizada pode detectar que o tipo pavilhonar
175
apropriado nos projetos foi progressivamente incorporando novidades e avanços, o que se
denominou neste trabalho por vertentes tipológicas.
Esse segundo movimento na evolução tipológica dos hospitais de Natal vai se processar na
medida em que crescem as exigências quanto ao padrão tecnológico dos serviços prestados
pelo hospital e quanto a sua organização, mas também pelo crescimento de demandas
sociais por maior privacidade na internação. Tal mudança, entretanto, vai requerer a
incorporação em larga escala da tecnologia construtiva do concreto armado, liberando a
organização dos espaços da rigidez das alvenarias portantes e flexibilizando o uso de vãos
mais livres para o posicionamento de atividades.
O domínio local das possibilidades do concreto armado e das vedações cerâmicas leves é
um fator imprescindível para viabilizar o seguinte movimento tipológico, de superação do
tipo pavilhonar pela torre sobre pódio, na década de 1960. O cenário para essa substituição
de tipos, entretanto, é multifacetado.
A cidade havia crescido, em população e em território urbanizado, e se desenvolvido
economicamente no período posterior à Segunda Guerra, requerendo um número bem
maior de leitos de hospital geral para atenção à saúde. A política pública nacional de saúde
estava centrada no edifício hospitalar, disponibilizando-se recursos públicos – recursos do
FAS a partir de 1974 – para sua construção, tanto por iniciativa pública, quanto pela
iniciativa privada.
Ademais, enfatizava-se o caráter curativo do hospital por meio de incorporação ao edifício
hospitalar de maior tecnologia de apoio ao diagnóstico, o que requeria um edifício mais
vertical, mais concentrado, projetado segundo estritas normas técnicas, para garantir maior
número de leitos de internação, maiores espaços técnicos e de suporte, além de maior
eficiência nas rotinas e procedimentos.
Paralelamente à vigência do tipo torre sobre pódio, na primeira metade dos anos 1980 vai
se agregar ao cenário tipológico do hospital natalense um outro tipo modernista: a rua
hospitalar. O hospital rua surge como opção em Natal em face do crescimento periférico
urbano das duas décadas anteriores. Na medida em que a cidade adquiria uma dinâmica de
crescimento na Zona Norte, havia que, em consonância com a política nacional de
hierarquização da rede de saúde pública, implantar hospitais flexíveis, aptos a serem
176
posteriormente expandidos, o inverso do hospital concentrado e acabado do tipo torre
sobre pódio.
Um último movimento tipológico registrado é a emergência nos anos 1990 de uma vertente
de apropriação do tipo hospitalar pós-modernista, um tipo híbrido de shopping center, hotel
e residência. Como já se demonstrou na análise dos três hospitais de Natal afiliados a esse
tipo, essa apropriação do tipo não tem sido integral, mantendo-se elementos tipológicos
dos tipos modernistas (principalmente do torre sobre pódio) e absorvendo elementos do
novo tipo.
Os fatores intervenientes nesse movimento são principalmente derivados das necessidades
e demandas interpostas aos hospitais por uma sociedade, e Natal não é uma exceção, que
nas últimas décadas passou a ter uma abordagem comercial da atenção à saúde. Nesse
processo, em muito alimentado pela falência da atenção pública à saúde da população,
originou-se uma demanda de mercado por serviços hospitalares, ancorada nos planos e
seguros de saúde, pelas quais os hospitais passam a competir. Nesse sentido, a política
pública tem sido orientada à flexibilização das normas técnicas de projeto, orientando-se o
financiamento ao setor privado para as linhas de atuação do BNDES.
Mas, em Natal, essa competição ainda não amadureceu a ponto de os novos conceitos de
foco no cliente, foco no paciente, humanização, personalização, entre outros terem sido
completamente assimilados na concepção de empreendimentos hospitalares, menos ainda
na dos edifícios hospitalares correspondentes.
Capítulo 6
Conclusões
178
6. Conclusões
A origem dos questionamentos que motivaram o trabalho de pesquisa que redundou nesta
dissertação remonta aos anos 1980. Ante as prescrições rígidas da normativa então vigente
no Brasil para o projeto e construção de unidades de atenção à saúde (a Portaria n. 400, do
Ministério da Saúde), em especial ante a definição prévia de configurações gerais para o
edifício hospitalar, cabia questionar-se em que medida tal definição era correta, desde
quando era assim e até quando seria.
No caminho buscado para responder àquelas indagações, pôde-se vislumbrar que a base
para entendê-las melhor guardava uma relação com a História da Arquitetura. Não uma
história dos edifícios – em que, como diz Pérez-Gómez (1991, p. 15), a história da
arquitetura é sintetizada em algo parecido com uma “coleção de borboletas” –, mas uma
história interpretativa da arquitetura como produto de um diálogo entre o ato criativo do
projeto, o precedente arquitetônico e o contexto físico-social, com suas necessidades e
demandas socioeconômicas e políticas, mas também com sua cultura, seu conhecimento e
sua tecnologia.
Essa ampla interpretação da história da arquitetura foi sistematizada por Sir Banister
Fletcher (1987) em fins do século XIX e, como afirma Newton (1991, p. 47), “oferece uma
compreensiva análise tipológica” ao entender que cada solução arquitetônica surgiu em
resposta a exigências formuladas por um contexto específico, fixou-se e depois foi
suplantada por outras soluções que mais bem respondiam a contextos novos, surgidos de
transformações da sociedade.
O trabalho de investigação cujo resultado material concreto é esta dissertação fundou sua
plataforma teórico-conceitual naquela “história tipológica” de Fletcher, que também
forneceu as raízes mais fundamentais da estrutura metodológica aqui adotada. Entretanto,
há duas considerações relevantes a serem feitas neste capítulo conclusivo.
Em primeiro lugar, na medida em que o foco do trabalho de pesquisa se dirigia para uma
arquitetura setorial específica e singular como a arquitetura de hospitais, houve que
promover adaptações significativas no conceito de contexto. Enquanto no procedimento
historiográfico de Fletcher o contexto é um entorno geoeconômico e político geral, aqui o
179
conceito de contexto foi redefinido de forma menos geral e mais precisa (ver capítulos 3 e
4, respectivamente para os casos dos contextos referentes às evoluções tipológicas do
hospital ocidental e do hospital em Natal). Enfatizaram-se principalmente os aspectos
culturais, socioeconômicos e políticos mais diretamente ligados à saúde pública e aos
hospitais, na intenção de abarcar um contexto capaz de influir mais diretamente nas
configurações arquitetônicas, seja para fixá-las, seja para transformá-las.
Em segundo lugar, tendo em vista todo o debate acumulado nos últimos quarenta anos em
torno da noção e do conceito de tipo, não havia sentido em fixar-se nas definições
tipológicas que Fletcher, implicitamente, adotou para descrever as arquiteturas dos seus
distintos contextos histórico-geográficos. Buscou-se então internalizar ao trabalho de
investigação a construção conceitual requerida para constituir uma matriz de análise
tipológica operativa com vistas a sua aplicação à arquitetura hospitalar.
A pesquisa referida à construção do conceito operativo de tipo, e de sua correspondente
matriz de análise, teve como resultado o capítulo 2 desta dissertação. Ali, pode-se observar
que a compreensão do debate pós-moderno em torno do tipo e da tipologia resultou no
entendimento de que haveria que buscar as raízes teóricas do conceito em sua formulação
inicial, no século XIX.
A razão para tanto consiste em que o uso do conceito de tipo trabalhado por seus
estudiosos contemporâneos está contaminado por entendimentos e interpretações
divergentes e conflituosas, na mesma medida em que esses estudiosos reiteram a
importância de Quatremère de Quincy, Durand e Viollet-le-Duc para a formulação do
conceito e remetem às suas obras para lastrear apologias ou restrições ao tipo e à tipologia.
Resolveu-se, então, na impossibilidade de uma leitura crítica de toda a obra desses
teóricos, centrar o foco da pesquisa naqueles autores contemporâneos que se dedicaram à
interpretação do conjunto de suas obras – Lavin (1992), para Quatremère; Picon (2000) e
Villari (1990), para Durand; os comentários de Hearn em Viollet-le-Duc (1990), para o
mesmo –, independentemente da valoração relativa que esses intérpretes deram ao papel do
conceito de tipo nas respectivas produções daqueles teóricos.
Sem embargo, foram incluídos na revisão bibliográfica os textos mais nucleares das obras
dos três teóricos com respeito aos conceitos de tipo e tipologia, conforme indicaram as
listas de referências da literatura que, neste trabalho, representou a parte mais relevante da
180
discussão contemporânea. Esses textos centrais – Quatremère de Quincy (1985, 1998),
Durand (2000) e Viollet-le-Duc (1990) – serviram, quando da reflexão conceitual e da
análise do debate sobre tipo na contemporaneidade, para demarcar os elementos de partida
sobre os quais se desenrola, em cada um deles, a discussão tipológica. Por outra parte, os
trabalhos dos já referidos analistas de Quatremère, Durand e Viollet-le-Duc vieram
contribuir para a compreensão do papel desempenhado pelo tipo no conjunto das
respectivas obras e de qual o significado que o conceito adquiria para os três teóricos no
contexto de seus trabalhos.
Dessa forma, procedeu-se a uma tentativa de aproximação entre os três teóricos, lançando
mão de seus conceitos de tipo, mas privilegiando as suas abordagens tipológicas, por
entender que suas formulações sobre o tema são compatíveis e reconciliáveis. A matriz de
instrumentos de análise proposta ao final do capítulo 2 é o resultado material e operativo
dessa tentativa. Pode-se concluir, em sua estruturação mesma, que a hipótese de trabalho
da reconciliação entre as visões de Quatremère, Durand e Viollet-le-Duc foi validada, na
medida em que a complementaridade entre as três abordagens se confirma na própria
definição dos instrumentos.
Evidentemente, como ela é definida com um propósito claro de aplicação neste estudo,
esse caráter operativo da matriz faz com que ela se deixe influenciar pelas características
singulares do projeto de arquitetura hospitalar, principalmente em termos da concepção
idealizada do espaço. Isso não implica, entretanto, na impossibilidade de adaptação da
matriz de análise para outras arquiteturas setoriais ou na sua generalização.
Nesses termos, pode-se concluir que a tentativa de desenvolver um instrumental de análise
a partir da leitura integrada de conceitos distintos, embora reconciliáveis, obteve êxito, ao
menos formal, no estágio atual dessa discussão neste capítulo.
No capítulo 3, a tarefa proposta era de dupla face. Por um lado, havia que aplicar o
instrumental definido anteriormente para elaborar uma análise tipológica da evolução da
arquitetura hospitalar ocidental em um período de quinze séculos, da Idade Média à
contemporaneidade. Por outro, essa análise tipológica havia que estar referida aos
diferentes contextos históricos que deram suporte e validaram soluções arquitetônicas que
prevaleceram durante largos, uns mais outros menos, períodos históricos.
181
A complicação básica da primeira faceta dessa dupla tarefa era a expectativa de que um
instrumental desenvolvido para a análise de projetos pudesse ser aplicado a descrições
literárias, fotográficas, pictóricas ou arquitetônicas de séries de hospitais ou de hospitais
isolados que se consagraram por representar períodos históricos nos quais condições
contextuais relevantes se mantivessem constantes.
Nesse sentido, há que ressaltar a importância da extensa bibliografia utilizada, tanto no
campo da arquitetura hospitalar, quanto no da história da saúde pública e das instituições
hospitalares. Por outro lado, há que registrar que parte importante desse material
bibliográfico foi escrita com intenções tipológicas, mesmo quando não se explicitam
conceitos de tipo, porque buscam mostrar como os edifícios hospitalares nas diversas
épocas revelavam interesses e necessidades do contexto, analisando também edifícios
singulares que representavam as soluções utilizadas em uma série de hospitais da época.
O fato é que a matriz pôde ser aplicada, não sem dificuldades ou necessidade de
aproximações, juntamente com os contextos elaborados, para evidenciar de maneira
consistente a evolução dos hospitais no Ocidente. Produziu-se aí uma narrativa analítica de
que emerge um quadro do itinerário tipológico da arquitetura hospitalar em que a
permanência ou a substituição de tipos, e mesmo a coexistência de alguns deles, podem ser
compreendidas de maneira articulada com as transformações sociais e econômicas.
Esse quadro, apresentado também de forma sinóptica na última seção do capítulo 3,
permite concluir que o objeto arquitetônico hospital, para além dos diferenciais devidos ao
gênio criador de projetistas ou a condições locais específicas, evoluiu historicamente
segundo uma rota bem definida: o hospital medieval “da religião” deu lugar ao hospital
“cívico” da Renascença; este cedeu espaço ao hospital “medicalizado” do Iluminismo que,
por sua vez, foi suplantado pelo hospital “sistêmico” do período modernista; e este é
superado pelo hospital “comercial”, do cliente e do mercado, das últimas décadas.
O rebatimento dessa evolução no espaço da arquitetura hospitalar pode ser observado no
capítulo 3, em que se mostra que apenas um tipo permaneceu vigente desde a Idade Média
até o século XX: a colônia dos hansenianos resistiu, com sua formulação básica recuperada
da aldeia rural isolada e autárquica, à retirada da Igreja da posição de patrocinadora,
substituída pela filantropia cívica renascentista, depois pelo financiamento estatal. A
substituição progressiva dos demais tipos apenas reforça a condição de exceção da colônia
182
e de sua permanência em quinze séculos de transformações sociais, econômicas e políticas,
o que se deve provavelmente a um fator exorbitante: o temor da sociedade, em todos os
tempos e latitudes, à lepra e aos leprosos. A colônia resistiu até mesmo à evolução da
medicina: persistiu ainda depois que se tornaram consagrados o tratamento ambulatorial e
o não-isolamento para os enfermos de hanseníase.
Para cada transformação tipológica por que passou o hospital ocidental em seu percurso
histórico, transformações essas avaliadas pelos diferenciais tipológicos evidenciados pelo
instrumental analítico adotado, a abordagem utilizada permitiu compreender quais fatores
de contexto foram relevantes e decisivos. Esse resultado permite afirmar a validade da
matriz de análise e a consistência do conceito de tipo que a instrui.
A aplicabilidade da matriz de análise, associada à abordagem de contextos, ao objeto
empírico do trabalho pôde então ser exercitada. O problema neste ponto era de natureza
bem distinta. Enquanto que na etapa de trabalho relatada no capítulo 3 o objeto da análise
eram séries ou hospitais representativos de períodos históricos, passava-se agora a lidar
com um objeto empírico composto pelos hospitais implantados em Natal nos últimos cem
anos, aproximadamente. Na verdade, o objeto se definia como sendo o conjunto de
hospitais implantados em Natal, vez que nada havia de mais relevante quando se
examinava o ocorrido nesse campo no século XIX.
Nessa etapa, então, havia que aplicar o instrumental a projetos e edifícios concretos, de
variadas naturezas. Para uma aplicação consistente da metodologia, havia também de
elaborar, mediante uma periodização daqueles cem anos, os correspondentes quadros
contextuais na cidade de Natal. Tratava-se de estabelecer, com base na exploração histórica
do capítulo 3, um conjunto de elementos contextuais que poderiam ser considerados como
os fatores potencialmente determinantes da evolução tipológica do hospital em Natal.
Entre esses elementos contextuais havia alguns endógenos à cidade, tais como base
demográfica e territorial, estágio de desenvolvimento econômico e social, ação política
local, organização da sociedade civil, conhecimento e tecnologia médica incorporada, entre
outros. Mas havia também que considerar elementos exógenos relevantes, tais como a
política pública federal para a saúde em todas as suas dimensões.
Assim, dedicou-se neste documento o capítulo 4 para apresentar os resultados desse
esforço de construção contextual, ao mesmo tempo em que iam sendo registrados, ao longo
183
do percurso histórico da cidade, os hospitais que se implantavam e suas principais
características como empreendimento: locacionais, organizacionais, de perfil assistencial,
de tecnologia, de financiamento, de clientela-alvo etc.
As conclusões a que se chega no capítulo 4 realçam o fato de que, na medida em que a
cidade cresce e se desenvolve, observa-se, além de uma óbvia intensificação da construção
de hospitais, uma maior diversificação dos perfis assistenciais. Por outro lado, pode-se
constatar naquele capítulo, como também no Anexo 2 – em que se disponibilizam quadros
sinópticos da implantação de hospitais em Natal, por período, e uma definição sumária do
contexto relevante –, uma variação significativa na intensidade da presença de iniciativa
pública e da iniciativa privada na implantação de hospitais.
Essa variação é só em parte explicada pelas variações da política nacional de
financiamento à instalação de unidades hospitalares. A realização dessa política, no caso
do empreendimento privado, depende da intensidade e das formas com que a sociedade
(em verdade, parte dela, a que constitui a demanda em um mercado de saúde) satisfaz suas
necessidades de atendimento por meio de desembolso privado, de planos ou seguros de
saúde.
Outra conclusão interessante do capítulo 4 diz respeito ao elemento locacional dos
hospitais implantados com respeito à mancha urbana. Observa-se claramente, e isso
também pode ser observado no mapa apresentado no Anexo 1, que a implantação
hospitalar em Natal seguiu uma lógica de proximidade ou de distanciamento da área mais
urbanizada da cidade em função das características do hospital implantado. Além da
constatação da evidência de que os hospitais dedicados a segregar buscam áreas mais
remotas, pode-se perceber claramente uma distinção na lógica locacional dos hospitais
privados com respeito aos públicos. Enquanto estes têm localização mais direcionada pela
proximidade da população alvo, os hospitais privados buscam geralmente áreas com
facilidade de acesso motorizado para as camadas de renda média e alta da população.
Ao todo, no capítulo 4, recupera-se informação básica sobre 29 hospitais implantados em
Natal. Para esse efeito, definiu-se hospital como uma unidade de atenção à saúde em
regime de internação. Com base na literatura consultada, pode-se afirmar que nenhum
hospital implantado em Natal deixou de ser mencionado no capítulo 4, ainda que alguns
tenham sido pouco mais que mencionados, por absoluta falta de informação disponível. É
184
o caso do Asilo de Alienados, implantado em 1911, como também do Hospital da
Aeronáutica, de que não foi possível obter qualquer registro.
Constituía intenção metodológica da pesquisa um levantamento censitário de informações
arquitetônicas, considerando todos os hospitais já implantados em Natal. Como se comenta
na introdução ao capítulo 5, não foi possível realizar essa intenção, por motivos variados.
Assim, só foi possível completar a base necessária de informações para 18 hospitais.
Entretanto, dos onze não analisados, para três é possível afirmar que sua exclusão não
interpõe problemas para os resultados da análise. São eles: o primeiro Hospital da Caridade
(implantado em 1856), o São João de Deus (de 1892) e o Asilo de Alienados (de 1911).
Pelas informações que se conseguiu obter com respeito a esses hospitais, eram eles pouco
mais que casas reformadas funcionando como albergues destinados a dar guarida a doentes
pobres e enfermos mentais.
Dessa forma, analisaram-se 18 dentre 26 hospitais significativos, restando ainda a
possibilidade de – exceto nos casos dos hospitais das três armas e da Polícia Militar –
averiguar, a partir da informação disponível, embora não completa, a possibilidade de que
a introdução de mais algum(ns) deles no conjunto analisado viesse a implicar em alteração
significativa de resultados.
A primeira conclusão relevante a que se chegou na elaboração da etapa da pesquisa
referente ao capítulo 5 foi a de que o processo seguido para a reconstituição das plantas do
projeto original foi bastante satisfatório, conforme se pode observar no Anexo 3, em que
estão dispostas as informações gráficas obtidas para todos os hospitais analisados.
Pode-se avaliar como positiva a experiência de aplicar o instrumental analítico aos dezoito
hospitais trabalhados. O enquadramento desses dezoito hospitais em grupos tipológicos
baseados nos tipos arquitetônicos definidos no capítulo 3 se deu sem grandes dificuldades.
Inclusive, o caso do Hospital Infantil, o qual foi tratado em separado, foi de grande
importância para demonstrar que a abordagem tipológica da projetação não tem porque ser
entendida como limitante da criatividade do arquiteto.
Concluiu-se da primeira fase da análise tipológica que Natal, nos cem anos analisados,
registrou a presença de quase todos os tipos hospitalares revelados no capítulo 3, com
exceção de tipos mais diretamente ligados à presença da Igreja como provedora ou peça
185
importante na manutenção de hospitais (claustral, basilical e enfermaria cruzada) e do tipo
sanduíche, aplicado a situações de altíssima tecnologia, que a cidade em sua dimensão
atual ainda não requereu.
No entanto, identificam-se quatro grupos tipológicos mais relevantes, quais sejam os
referidos aos tipos pavilhonar, torre sobre pódio, hospital rua e shopping/hotel/residência,
os quais se sucederam entre os anos 1930 e os dias correntes. O grupo pavilhonar teve
prevalência por 40 anos, aproximadamente, enquanto que os tipos modernistas – torre
sobre pódio e hospital rua – dominaram a cena por 20 anos, no período 1964-1985. O tipo
shopping/hotel/residência, na verdade uma variante dele, tem sido dominante no período
de 1995 até os dias correntes, embora se registre a presença de um hospital afiliado ao tipo
torre sobre pódio como o último exemplar de hospital implantado em Natal.
Com respeito à hipótese lançada no capítulo 1, de que a evolução tipológica do hospital em
Natal reproduz, ressalvadas singularidades locais, a evolução tipológica do hospital
ocidental, pode-se afirmar que ela foi validada.
A singularidade mais evidente se prende à inexistência de tipos de início da evolução
tipológica do hospital, explicáveis pelo fato de que o início da história hospitalar em Natal
já encontra um poder civil razoavelmente constituído e independente da Igreja Católica
para atuar como organizador e financiador de políticas de saúde. Em Natal, com efeito, a
presença da Igreja Católica na história dos hospitais vai pouco além da presença reiterada
das irmãs religiosas responsáveis por serviços de enfermagem, uma situação que não se
repete como regra no Brasil, haja vista a rede de Casas de Misericórdia implantadas em
cidades brasileiras de vários portes e idades.
É importante ressalvar que a pequena Natal de início do século XX já contava com uma
perspectiva de modernização, ancorada na ação do Estado e na participação cívica da
sociedade, principalmente das elites. Ao mesmo tempo em que isso ajuda a explicar a
ausência da Igreja Católica na história hospitalar de Natal, também propõe uma resposta ao
fato de que a cidade tenha contado, no século XX, com um tipo hospitalar firmado na
Europa dos séculos XVI a XVIII, de inspiração renascentista.
Cumpre ressaltar que a arquitetura hospitalar norte-americana, conforme assinalam
Thompson e Goldin (1975), fez uso significativo do tipo casa de campo até princípios do
século XX, ressaltando seu valor cívico simbólico, mesmo quando inoculava na solução
186
formal os princípios organizativos dos pavilhões “medicalizados” do final do século XIX.
Essa informação contribui para a interpretação da Maternidade Escola como um exemplar
híbrido do edifício hospitalar, embora mais marcante seja a presença tipológica da casa de
campo.
Uma última singularidade relevante para a análise é aquela que fixa, no processo de
superação dos tipos modernistas ao longo dos anos 1990 e 2000, um tipo de transição que
apenas apreende de forma superficial a sinalização das mudanças. Nesse mesmo período, a
arquitetura hospitalar ocidental buscava internalizar ao hospital a integralidade da herança
tipológica do shopping center, do hotel e da residência, em uma hibridação capaz de forjar
um novo tipo arquitetônico em que o foco no paciente constitui o aspecto mais central da
organização e da definição dos espaços hospitalares.
Em Natal, a pouca maturidade do empreendedorismo hospitalar privado produziu
exemplares que guardam desse novo tipo apenas os aspectos mais evidentes e imediatos. A
ponto de o hospital mais recentemente edificado em Natal poder ser identificado como o
exemplar mais radicalmente próximo ao tipo torre sobre pódio entre todos os estudados,
apenas recebendo um tratamento cenográfico “hoteleiro” em suas dependências
organizadas sob os mais rígidos ditames funcionalistas.
Por fim, cabe salientar que os resultados obtidos da análise dos fatores indutores de
mudança revelam que, no caso de Natal, os mais significativos são as políticas públicas
nacionais de saúde, as condições de mercado, dadas pelas demandas sociais em
transformação, e as alterações na natureza e nos objetivos do empreendimento hospitalar.
Esses elementos se mostraram suficientes para explicar os movimentos de alteração do tipo
dominante, no caso de Natal.
187
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196
Anexos
Anexo I
Anexo II
Hospital da Caridade
Perfil da
assistência
Abrigo de indigentes (pobres, escravos,
presos) sem condições para tratamento na
residência. Não havia pessoal especializado.
Construção: Governo da província
Recursos
financeiros Custeio: Governo provincial e caridade
Bairro da Cidade Alta, Rua da Salgadeira, na
Localização
encosta do Rio Potengi.
Casa reformada sem registro gráfico
Tipologia
Operativo em 1856 (desativado em 1906)
Desativado em 1906; substituído pelo
Hospital da Caridade Juvino Barreto,
Observações implantado em 1909 em outra área.
Instituição
hospitalar
Ano base
Contexto
local
Cenário
nacional
relevante
Período pré-republicano
Operativo em 1882 (desativado em 1957)
Em 1911, Asilo de Alienados; em 1921,
Hospício de Alienados; em 1933, Hospital de
Alienados. Desativado em 1957; substituído
pelo Hospital Colônia João Machado, em
outro local.
Segregação dos “loucos e furiosos” para
proteção da sociedade. Não havia pessoal
especializado.
Construção: Governo da província
Custeio: Governo provincial e caridade
Bairro do Alecrim, no terreno que hoje recebe
o Centro de Saúde do Alecrim.
Casa reformada sem registro gráfico
Lazareto da Piedade
Casa reformada sem registro gráfico
Local para acolhimento de tuberculosos
pobres, segregados para proteção da
sociedade. Não havia pessoal especializado.
Construção: Governo estadual
Custeio: Governo do estado e caridade
Bairro das Quintas.
Operativo em 1892 (renomeado em 1943)
Ligeiramente reformado em 1943, passou a
denominar-se Hospital Getúlio Vargas. Foi
objeto de ampla reforma e ampliação em
1966.
Hospital São João de Deus
O processo de urbanização do país ainda não estava consolidado; o Estado nacional era frágil em face de oligarquias regionais, não permitindo
seu funcionamento institucional efetivo. Em conseqüência, a política nacional de saúde era incipiente e as ações locais eram apenas de caráter
urbano-higienista. Os poucos hospitais da época eram filantrópicos ou beneficentes, construídos com recursos de particulares ou da Igreja
Católica, e tinham natureza segregacionista: eram depósitos de pacientes com o fim de proteger os que estavam fora da instituição.
Pequeno crescimento urbano. Não havia assistência à saúde da população, apenas medidas de higiene urbana. Foram adquiridas, com recursos
provinciais, edificações precárias para abrigar enfermos indigentes, loucos e furiosos.Em geral, a manutenção era feita com recursos do
governo provincial, de instituições de caridade e de filantropos.
Hospital da Caridade Juvino Barreto
Operativo em 1909 (renomeado em 1935)
Sucessivas reformas e ampliações; em 1935, é reinaugurado como
Observações
Hospital Miguel Couto.
Hospital geral, com introdução de cuidados terapêuticos e realização
Perfil da
das primeiras cirurgias; laboratório de análises clínicas. Havia irmãs
assistência
religiosas treinadas para cuidados de enfermagem.
Construção: Governo estadual
Recursos
financeiros Custeio: Governo estadual, filantropia, receita de clientes particulares.
Localização Av. Nilo Peçanha, bairro de Petrópolis.
Casa reformada sem registro gráfico.
Tipologia
Instituição
hospitalar
Ano base
Contexto
local
Cenário
nacional
relevante
1ª República: 1889 a 1930
Construção: Governo estadual e federal
Custeio: Governo federal, governo estadual, filantropia
Av. Capitão-Mor Gouveia, bairro das Quintas.
Colônia.
Operativo em 1929 (desativado nos anos 1990)
Só foi desativado como hospital em finais do século XX, com as
mudanças na política de saúde para enfermos de hanseníase.
Confinamento de pacientes com hanseníase. Não havia pessoal
especializado.
Hospital Colônia São Francisco
Foram sendo suplantados os fatores inibidores da implantação de uma política nacional de saúde, construída com base nas idéias e atuações do
movimento sanitarista, cuja ênfase estava na conscientização coletiva acerca da interdependência sanitária. Ações são concentradas na capital
nacional e em cidades portuárias. Há campanhas sanitárias de combate às epidemias urbanas e endemias rurais. Foram criadas as CAPs, que
financiavam a assistência médico-hospitalar. Introduzem-se enfoques curativos e terapêuticos nos hospitais, que ainda dependem da caridade e
do esforço das comunidades religiosas. Criação do DNSP com criação de programas nacionais de combates a doenças infecto-contagiosas.
Acentuado crescimento populacional; grande esforço da elite dirigente para a modernização urbana, com atuações na área de saneamento
ambiental e saúde publica. O governo estadual é o principal mantenedor dos serviços hospitalares. Foram introduzidos cuidados terapêuticos
na assistência hospitalar, com presença permanente de médicos, religiosas treinadas, laboratório de análises clinicas e prática de cirurgias.
Operativo em 1936 (início da construção: 1923)
Operativo em 1935
Tipologia
Casa reformada sem registro gráfico.
Construção: Governo do Estado e doações de particulares
Custeio: Subvenções do Governo estadual e doações de particulares,
geridos pela mantenedora
Av. Deodoro da Fonseca, limite entre os bairros de Petrópolis e
Cidade Alta.
Várias apropriações das vertentes do tipo pavilhonar.
Hospital especializado em pacientes infantis, contando com
ambulatório, raios-x, laboratório de análises clínicas, centro cirúrgico
e internação.
Renomeado para Hospital Infantil Varela Santiago em 1967.
Hospital Infantil
Hospital Miguel Couto
Sucede o Hospital de Caridade Juvino Barreto, com modernização e
reformas de porte. Renomeado para Hospital das Clínicas quando
Observações
encampado pela UFRN em 1960; em 1984, passou a chamar-se
Hospital Universitário Onofre Lopes.
Hospital geral, amplamente reformado para abrigar diferentes
especialidades como: clínicas médica, cirúrgica, ginecológica,
Perfil da
obstétrica, dermatológica, radiológica, oftalmológica e urológica.
assistência
Corpo médico presente na assistência aos pacientes, em geral
indigentes, mas também particulares.
Construção: Governo do estado
Recursos
Custeio: Subvenções do Governo estadual e receita própria, geridos
financeiros
pela Sociedade de Assistência Hospitalar
Bairro de Petrópolis
Localização
Instituição
hospitalar
Ano base
Contexto
local
Cenário
nacional
relevante
Estado Novo: 1930 a 1945 (parte I)
Tentativa de formulação de uma política nacional de saúde unificada. A ação preventiva era articulada nacionalmente pelo ministério e
executada em associação entre este e os serviços estaduais. Criação dos IAPs destinados a financiar assistência a saúde curativa a categorias
profissionais organizadas. Surgiram novos hospitais de particulares e do estado com ênfase na ação curativa. O edifício hospitalar passou a
incorporar a verticalização e o zoneamento do espaço por diferentes funções.
Crescimento demográfico e desenvolvimento urbanístico; assunção pelo Estado de funções de controle urbanístico e de provisão de infraestruturas e serviços públicos. Implantação de novos hospitais, ampliação e/ou reforma de existentes, sempre com novas características como:
aumento da especialização dos serviços médicos, intensificação do caráter terapêutico da assistência hospitalar, novas tecnologias de
diagnósticos. Presença mais intensiva de médicos. Criação da Sociedade de Medicina e Cirurgia, elemento de difusão de novos conhecimentos
e tecnologias. Também aparece por primeira vez o hospital construído com recursos angariados por um grupo de médicos.
Operativo em 1944 (início das obras: 1942)
Operativo em 1943, desativado em 1982
Construção: Governo federal
Custeio: Governos estadual e federal
Localização Bairro das Quintas
Pavilhonar.
Tipologia
Recursos
financeiros
Renomeado Hospital Professor Luiz Soares em 1967
Hospital geral. Assistência aos pacientes era prestada por médicos e
irmãs de ordens religiosas. Havia aparelho de raios-X, laboratório de
análises clínicas, farmácia, pronto socorro. Voltava-se aos indigentes,
mas havia internação com enfermarias e apartamentos para pacientes
particulares.
Construção: recursos próprios de médicos, apoio dos Governos
estadual e federal
Custeio: contribuição de associados, receitas de particulares,
subvenções do Governo estadual, IAPs
Bairro do Alecrim
Pavilhonar.
(Hospital) Policlínica do Alecrim
Hospital Evandro Chagas
Observações Serviços foram transferidos para o Hospital Getúlio Vargas, em 1982.
Hospital especializado em doenças infecto-contagiosas, atendendo
preferencialmente enfermos pobres.
Perfil da
assistência
Instituição
hospitalar
Ano base
Contexto
local
Cenário
nacional
relevante
Estado Novo: 1930 a 1945 (parte II)
Tentativa de formulação de uma política nacional de saúde unificada. A ação preventiva era articulada nacionalmente pelo ministério e
executada em associação entre este e os serviços estaduais. Criação dos IAPs destinados a financiar assistência a saúde curativa a categorias
profissionais organizadas. Surgiram novos hospitais de particulares e do estado com ênfase na ação curativa. O edifício hospitalar passou a
incorporar a verticalização e o zoneamento do espaço por diferentes funções.
Crescimento demográfico e desenvolvimento urbanístico; assunção pelo Estado de funções de controle urbanístico e de provisão de infraestruturas e serviços públicos. Implantação de novos hospitais, ampliação e/ou reforma de existentes, sempre com novas características como:
aumento da especialização dos serviços médicos, intensificação do caráter terapêutico da assistência hospitalar, novas tecnologias de
diagnósticos. Presença mais intensiva de médicos. Criação da Sociedade de Medicina e Cirurgia, elemento de difusão de novos conhecimentos
e tecnologias. Também aparece por primeira vez o hospital construído com recursos angariados por um grupo de médicos.
Hospital Dr. Luiz Antônio
Maternidade Escola Januário Cicco
O período é marcado pela ação dos IAPs, que adquiriram maior solvência financeira, e pelo surgimento da medicina de grupo como os planos de
saúde privados.Esses dois segmentos capitalizados para o consumo, somados a recursos federais e estaduais, propiciaram suporte financeiro para
ampliação dos serviços de saúde de tipo curativo, com apoio em tecnologia diagnóstica e técnicas cirúrgicas. Apareceram os primeiros sinais de
abertura para acesso de parcelas menos abastadas da população aos serviços terapêuticos em hospitais de grande porte e qualidade do serviço.
Forte crescimento populacional da cidade e dinamização da economia urbana. Há fortalecimentos dos IAPs e surgem serviços de medicina de
grupo. Ampliações de hospitais existentes e construções de novos hospitais pela iniciativa privada. Consolidação da presença do conhecimento
médico-terapêutico nos hospitais, influenciando na sua organização.
Operativo em 1949
Operativo em 1950 (início das obras: 1932)
Iniciativa da Liga Norte-rio-grandense de Combate ao Câncer (LNCC). Administrada pela Sociedade de Assistência Hospitalar, de início. Foi
Observações
incorporada à UFRN em 1960.
A princípio, um albergue para servir de abrigo para pacientes de câncer. Hospital especializado em obstetrícia e ginecologia. Havia enfermarias
Aos poucos, foram sendo introduzidos os serviços de internação e
e apartamentos para particulares, e serviços de apoio como nutrição,
Perfil da
tratamento.
lavanderia, c. cirúrgico, laboratório de analises clinicas e farmácia.
assistência
Contava com médicos e irmãs para ajuda nos cuidados de pacientes.
Construção: recursos próprios da LNCC e donativos
Construção: doações da sociedade
Recursos
Custeio: Governo estadual
financeiros Custeio: Governo estadual, recursos da LNCC e doações
Bairro
das
Quintas
Bairro
de Petrópolis
Localização
Casa reformada sem registro gráfico.
Casa de campo.
Tipologia
Instituição
hospitalar
Ano base
Contexto
local
Cenário
nacional
relevante
Redemocratização ao golpe militar: 1945 a 1964 (parte I)
Operativo em 1952 (início das obras: 1948)
Ano base
Hospital João Machado
Operativo em 1957 (início das obras: 1947)
Sucedeu o antigo Hospital de Alienados, com
Observações
mudança de sede.
Hospital geral com enfermarias e apartamentos Hospital especializado em doença mental.
Introduzidos cuidados terapêuticos.
para internação. Com centro cirúrgico,
Perfil da
laboratório de análises clínicas, raios-x,
Havia médicos e irmãs de ordens religiosas
assistência
serviços de apoio como nutrição e lavanderia. para prestar assistência aos pacientes.
Construção: recursos dos empreendedores e
Construção e custeio: Governos estadual e
Recursos
empréstimos
federal
financeiros
Custeio: IAPs e pacientes particulares
Bairro de Morro Branco
Localização Bairro do Tirol
Pavilhonar.
Pavilhonar.
Tipologia
Casa de Saúde São Lucas
Instituição
hospitalar
Contexto
local
Cenário
nacional
relevante
Redemocratização ao golpe militar: 1945 a 1964 (parte II)
Bairro de Petrópolis
Casa reformada sem registro gráfico.
Operativo em 1959
Inicialmente uma casa reformada. Nos anos
1960, um edifício de dois pavimentos.
Hospital geral, com 12 leitos de internação,
centro cirúrgico, laboratório de analises
clinicas, raios-x, ambulatório, e serviço de
apoio como nutrição.
Construção: recursos dos empreendedores
Custeio: IAPs, clientes particulares, convênios
Hospital Médico-Cirúrgico
O período é marcado pela ação dos IAPs, que adquiriram maior solvência financeira, e pelo surgimento da medicina de grupo como os planos de
saúde privados.Esses dois segmentos capitalizados para o consumo, somados a recursos federais e estaduais, propiciaram suporte financeiro para
ampliação dos serviços de saúde de tipo curativo, com apoio em tecnologia diagnóstica e técnicas cirúrgicas. Apareceram os primeiros sinais de
abertura para acesso de parcelas menos abastadas da população aos serviços terapêuticos em hospitais de grande porte e qualidade do serviço.
Forte crescimento populacional da cidade e dinamização da economia urbana. Há fortalecimentos dos IAPs e surgem serviços de medicina de
grupo. Ampliações de hospitais existentes e construções de novos hospitais pela iniciativa privada. Consolidação da presença do conhecimento
médico-terapêutico nos hospitais, influenciando na sua organização.
Localização Bairro das Quintas
Pavilhonar
Tipologia
Bairro do Tirol
Torre sobre pódio.
Construção: Recursos próprios, FAS e
bancários
Custeio: Particular e convênios, INPS
Bairro do Alecrim
Torre sobre pódio.
Construção e custeio: Governo do Estado e
Federal
Renomeado nos anos 1990 para Hospital
Antônio Prudente
Operativo em 1976
Hospital materno-infantil com 60 leitos,
centro cirúrgico e obstétrico, berçário,
raios-X, laboratório de análises clinicas e
unidades de apoio como nutrição,
lavanderia e administração.
Operativo em 1971
Ampliado e reformado em 1966
Hospital Santa Helena
Hospital geral com ênfase no atendimento
de urgência e emergência, 150 leitos de
internação, centro cirúrgico, ambulatório,
laboratório de analises clinicas e unidades
de apoio como nutrição, lavanderia e
administrativa.
Hospital Walfredo Gurgel
Hospital Getúlio Vargas
Inicialmente Hospital São João de Deus,
passou a Getúlio Vargas em 1943. Em 1966,
Observações
houve modernização, ampliação e reforma de
porte. Renomeado Giselda Trigueiro em 1990.
Hospital especializado em tuberculose.
Assistência prestada a tuberculosos indigentes
por médicos e irmãs de ordens religiosas.
Perfil da
Havia 180 leitos, aparelho de raios-X,
assistência
laboratório de análises clínicas, serviços de
apoio como nutrição, lavanderia e
administrativos.
Construção e custeio: Governos federal e
Recursos
estadual
financeiros
Instituição
hospitalar
Ano base
Contexto
local
Cenário
nacional
relevante
Ditadura militar: de 1964 a 1985 (parte I)
Urbanização acelerada e concentração de renda agravam as condições de saúde pública do país. Embora o modelo assistencial previsse um
sistema regionalizado e hierarquizado de unidades de saúde, ele funcionava precariamente e com ênfase em atendimento curativo. Os IAPs são
unificados no INPS, uma hiperinstituição nacional, com um orçamento gigantesco, gerida ineficazmente. Houve expansão de leitos hospitalares
privados, financiados e mantidos com recursos do INPS. O Ministério da Saúde promulga normas e padrões para projeto e construção de
unidades físicas de saúde.
Crescimento acentuado da população com ocupação predominante da periferia da cidade. Construção dos primeiros hospitais públicos
concebidos como partes de um sistema de atendimento regionalizado e hierarquizado. Construção de hospitais privados especializados, tendo no
INPS como maior financiador da prestação de serviços.
Hospital especializado em pediatria, com 120
leitos, ambulatório, centro cirúrgico, urgência,
raios-x, laboratório de análises clinicas e
unidades de apoio como nutrição e
administrativa.
Operativo em 1984
Operativo em 1982
Recursos
financeiros
Bairro de Petrópolis
Prédio reformado sem registro gráfico de sua
implantação inicial.
Construção: recursos próprios e bancários
Custeio: receita de clientes particulares e de
convênios
Transformado em hospital de ortopedia e
traumatologia, renomeado ITORN nos anos
1980
Hospital maternidade com 54 leitos,
ambulatório, centro cirúrgico, raios-x,
laboratório de análises clínicas e unidades de
apoio como nutrição, lavanderia e serviços
administrativos.
Maternidade Santa Isabel
Hospital PAPI
Construção: recursos próprios, FAS e
empréstimos bancários
Custeio: receita de clientes particulares e de
convênios
Localização Bairro do Tirol
Torre sobre pódio
Tipologia
Perfil da
assistência
Observações
Instituição
hospitalar
Ano base
Contexto
local
Cenário
nacional
relevante
Ditadura militar: de 1964 a 1985 (parte II)
Zona Norte
Rua hospitalar.
Hospital Geral, com 50 leitos, ênfase em
clínicas de atendimento básico como pediatria,
cirurgia, obstetrícia e ginecologia. Conta com
serviços de urgência, ambulatorial, laboratório
de análises clínicas, raios-x e unidades de
apoio como nutrição, lavanderia e serviços
administrativos. Hospital de referência local e
de média complexidade.
Construção: Governos estadual e federal
Custeio: SUS
Operativo em 1985
Hospital Santa Catarina
Urbanização acelerada e concentração de renda agravam as condições de saúde pública do país. Embora o modelo assistencial previsse um
sistema regionalizado e hierarquizado de unidades de saúde, ele funcionava precariamente e com ênfase em atendimento curativo. Os IAPs são
unificados no INPS, uma hiperinstituição nacional, com um orçamento gigantesco, gerida ineficazmente. Houve expansão de leitos hospitalares
privados, financiados e mantidos com recursos do INPS. O Ministério da Saúde promulga normas e padrões para projeto e construção de
unidades físicas de saúde.
Crescimento acentuado da população com ocupação predominante da periferia da cidade. Construção dos primeiros hospitais públicos
concebidos como partes de um sistema de atendimento regionalizado e hierarquizado. Construção de hospitais privados especializados, tendo no
INPS como maior financiador da prestação de serviços.
Tipologia
Localização
Recursos
financeiros
Perfil da
assistência
Observações
Instituição
hospitalar
Ano base
Contexto
local
Cenário
nacional
relevante
De 1985 ao presente (parte I)
Operativo em 1998 (início das obras: 1988)
Operativo em 1996
Zona Norte, Conjunto Parque dos Coqueiros
Rua hospitalar
Hospital materno-infantil, com 80 leitos,
centro cirúrgico, UTI neo Natal, raios-x,
laboratório de análises clínicas, mamografia,
ultrassonografia e serviços de apoio como
nutrição, lavanderia e farmácia.
Construção: recursos próprios e bancários
Custeio: receita de clientes particulares e de
convênios
Av. São José, bairro de Lagoa Nova
Shopping center/hotel/residência
Hospital especializado em pediatria, com 70
leitos, 6 leitos de UTI, urgência, raios-x,
laboratório de análises clínicas,
ultrassonografia, serviços de apoio como
nutrição, lavanderia, farmácia.
Construção: Governos estadual e federal
Custeio: SUS
Hospital Maria Alice Fernandes
Hospital Promater
Construção: recursos próprios, BNDES
Custeio: receita de clientes particulares e de
convênios
Av. Beira Canal, no limite entre os bairros de
Barro Vermelho, da Cidade Alta e do Tirol
Torre sobre pódio
Hospital geral com ênfase em ortopedia. Com 17
leitos, serviços de urgência, raios-x, laboratório
de analises clinicas, centro cirúrgico, nutrição,
lavanderia, farmácia e UTI.
Operativo em 1990
Hospital Memorial
A política de saúde trata a questão da saúde e do meio ambiente saudável como dever de Estado e direito universal do cidadão. O financiamento
é garantido pelo Governo federal, mas a gestão é repartida entre União, estados, municípios e sociedade. Esses princípios são concretizados no
Sistema Nacional de saúde (SUS), que deve enfatizar a ação preventiva. Formalmente o sistema esta universalizado e homogeneizado, mas sua
concretização esta comprometida pela depreciação da rede e falência fiscal do governo federal. Tais problemas dão origem ao crescimento do
negócio privado de atenção à saúde, com base em financiamento subsidiados (via BNDES) e sustentado pelos convênios e planos de saúde
complementar, e também pelo SUS.
A verticalização possibilitou que a população se concentrasse em algumas áreas centrais; o crescimento periférico adquire caráter metropolitano.
Na ausência de investimentos em novos hospitais públicos, abrem-se possibilidades de mercado para as instituições privadas, principalmente
pela ampliação do número de segurados por planos ou seguros privados de saúde. A instauração da concorrência pela clientela de seguros e
planos deu origem a crises que levaram os hospitais privados a reenfocarem os serviços de alta complexidade, bem remunerados pelo SUS.
Construção: recursos próprios e BNDES
Custeio: receita de clientes particulares, de
convênios e SUS
Bairro do Tirol
Torre sobre pódio.
Construção: recursos próprios e BNDES
Custeio: receita de clientes particulares, de
convênios e SUS
Bairro de Lagoa Nova
Shopping center/hotel/residência
Operativo em 2002
Hospital geral, com ênfase em cardiologia e
oncologia, com 150 leitos de internação, centro
cirúrgico, UTI, urgência, hemodinâmica, raiosx, laboratório de análises clínicas,
ultrassonografia, serviços de apoio como
nutrição, lavanderia, farmácia, almoxarifado e
administrativos.
Operativo em 2001
Renomeado em 2004 para Hospital UNIMED
Operativo em 2000
Natal Hospital Center
Hospital materno-infantil, com 54 leitos de
internação, centro cirúrgico, UTI neo-natal,
urgência em pediatria, raios-x, laboratório de
análises clínicas, e serviços de apoio de
nutrição, lavanderia, farmácia, administrativos
e almoxarifado.
Hospital Femina
Hospital do Coração
Hospital geral com ênfase em cardiologia.
Com 58 leitos de internação, 13 leitos de UTI,
urgência, centro cirúrgico, 25 consultórios,
Perfil da
raios-X, laboratório de análises clínicas,
assistência
tomografia computadorizada, hemodinâmica,
ultrassonografia, serviços de apoio como
lavanderia, nutrição farmácia, almoxarifado e
administrativo.
Construção: recursos próprios e BNDES
Recursos
Custeio: receita de clientes particulares, de
financeiros
convênios e SUS
Localização Bairro de Lagoa Nova
Shopping center/hotel/residência
Tipologia
Observações
Instituição
hospitalar
Ano base
Contexto
local
Cenário
nacional
relevante
De 1985 ao presente (parte II)
A política de saúde trata a questão da saúde e meio ambiente saudável como dever de Estado e direitos universais do cidadão. O financiamento é
garantido pelo financiamento federal, mas a gestão é repartida entre estado e municípios e sociedade. Esses princípios são concretizados no
Sistema Nacional de saúde (SUS) que deve enfatizar a ação preventiva. Formalmente o sistema esta universalizado e homogeneizado, mas sua
concretização esta comprometida pela depreciação física e ética da rede e falência fiscal do governo federal. Tais problemas dão origem ao
crescimento do negocio privado de atenção à saúde, com base em financiamento subsidiados (via BNDES) e sustentado pela potencialidade de
geração de renda dos convênios e planos de saúde complementar.
A verticalização possibilitou que a população se concentrasse em algumas áreas centrais; o crescimento periférico adquire caráter metropolitano.
Na ausência de investimentos em novos hospitais públicos, abrem-se possibilidades de mercado para as instituições privadas, principalmente
pela ampliação do número de segurados por planos ou seguros privados de saúde. A instauração da concorrência pela clientela de seguros e
planos deu origem a crises que levaram os hospitais privados a reenfocarem os serviços de alta complexidade, bem remunerados pelo SUS.
Anexo III
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Maria Alice Lopes Medeiros - Sigaa