DA COLÔNIA AO SHOPPING: um estudo da evolução tipológica da arquitetura hospitalar em Natal Maria Alice Lopes Medeiros Dissertação de Mestrado Programa de Pós Graduação em Arquitetura e Urbanismo Universidade Federal do Rio Grande do Norte Natal – RN, 2005 Maria Alice Lopes Medeiros DA COLÔNIA AO SHOPPING: um estudo da evolução tipológica da arquitetura hospitalar em Natal Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Arquitetura e Urbanismo. Área de concentração: Projeto Orientadora: Profa. Dra. Sônia Marques da Cunha Barreto Natal – RN Universidade Federal do Rio Grande do Norte 2005 UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARQUITETURA E URBANISMO DA COLÔNIA AO SHOPPING: um estudo da evolução tipológica da arquitetura hospitalar em Natal 0DULD$OLFH/RSHV0HGHLURV %$1&$(;$0,1$'25$ Profª. Drª. Maísa Fernandes D. Veloso – PPGAU/UFRN Presidente Profª. Drª. Claudia Loureiro – UFPE Examinador externo Prof. Dr. Pedro Antônio de Lima Santos – PPGAU/UFRN Examinador interno Dissertação defendida em 13 / 12 / 2005 Divisão de Serviços Técnicos Catalogação da Publicação na Fonte. UFRN / Biblioteca Central Zila Mamede Medeiros, Maria Alice Lopes. Da colônia ao shopping: um estudo da evolução tipológica da arquitetura hospitalar em Natal / Maria Alice Lopes Medeiros. – Natal, RN, 2005. 196 f. : il. Orientadora: Sônia Marques da Cunha Barreto. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo. 1. Arquitetura – Dissertação. Arquitetura hospitalar – Dissertação. 3. Arquitetura – Tipologia – Dissertação. 4. Edifício hospitalar – Projeto arquitetônico – Dissertação. I. Barreto, Sônia Marques da Cunha. II. Título. RN/UF/BCZM CDU 72 (043.3) Agradecimentos Escrevo esses agradecimentos mais de um ano depois do término dos trabalhos. Portanto, distante do calor dos acontecimentos, das emoções e do cansaço. Por um lado, esse distanciamento me permite observar os fatos com mais serenidade. Por outro, me arrisco a ser traída pela memória, deixando de citar alguns nomes daquelas pessoas que considero terem sido de fundamental importância para realização deste trabalho: os funcionários dos hospitais pesquisados em Natal. Falo especificamente daqueles que trabalham anos a fio nessas instituições, alguns inclusive desde sua construção. E que, por sua relação com elas como um segundo lar, guardam lembranças, escritos e fotos como se fossem suas próprias. Foi através delas que pude preencher lacunas deixadas pelos documentos oficiais quase inexistentes. Gostaria de registrar a valiosa ajuda e o apoio prestado por essas pessoas durante a execução da pesquisa – apoio e ajuda sem os quais seria difícil, ou até mesmo impossível, realizar algumas das tarefas deste trabalho. Também gostaria de agradecer a todas as demais pessoas que contribuíram para esse trabalho, por meio de comentários, sugestões, ou encorajamento. Certamente essa lista seria grande demais para registrá-la aqui. No entanto, citarei algumas em especial: minha orientadora, Sônia Marques, pela maneira crítica e instigadora com que leu e discutiu os textos por mim produzidos; Enilson, por sua companhia e generosidade; por fim, as companheiras do escritório – Shirley, Laíse e Adriana –, que com talento e paciência digitaram os projetos dos hospitais. Resumo Com base em uma discussão em torno do conceito de tipo e de seu papel na prática e na teoria da arquitetura, elabora-se um instrumental analítico com vistas a reconhecer a evolução tipológica da arquitetura hospitalar ocidental. Verifica-se então como essa evolução tipológica se reflete nos edifícios hospitalares em Natal, Rio Grande do Norte, usando-se para tanto um conjunto de 18 dos 29 hospitais implantados na cidade ao longo do século XX. Conclui-se que o itinerário tipológico da arquitetura hospitalar de Natal repete o ocidental, a menos de singularidades explicadas pelas características do desenvolvimento social e econômico da cidade. Abstract A conceptual discussion on architectural type and its role in theory and practice supports the construction of an analytical tool used for recognizing the typological evolution of hospital architecture in Western societies. The same tool is applied to analyze the typological evolution of hospital architecture in Natal, Brazil, through a sample of eighteen hospitals built in the city since the beginnings of 20th century. The conclusion is that typological evolution in Natal is almost the same as occidental one, except for a few singularities that can be explained by local social and economic development. Sumário 1. Introdução ................................................................................................ 1.1. Arquitetura e História da Arquitetura ............................................. 1.2. História comparada da Arquitetura e análise tipológica ................. 1.3. A análise tipológica ........................................................................ 1.4. Uma leitura sintética da evolução dos hospitais ocidentais ............ 1.5. Perguntas e hipóteses básicas de trabalho ...................................... 1.6. Objetivo geral e objetivos específicos ............................................ 1.7. Relevância e justificativa da pesquisa ............................................ 1.8. Procedimentos metodológicos ........................................................ 1.9. Estrutura do documento .................................................................. 1 3 4 4 5 7 9 9 10 11 2. Tipo, tipologia, análise tipológica: discussão e definição conceitual ... 2.1. O conceito de tipo e a crise da Arquitetura Moderna ..................... 2.2. O debate tipológico: uma breve reconstituição .............................. 2.3. Antecedentes dos teóricos do século XIX ...................................... 2.4. Tipo na visão de Quatremère de Quincy ........................................ 2.5. O tipo na obra de Durand ............................................................... 2.6. O tipo na visão de Viollet-le-Duc ................................................... 2.7. Integração dos conceitos de tipo ..................................................... 2.8. Descrição dos instrumentos de análise ........................................... 12 14 16 23 25 28 31 32 35 3. Evolução das tipologias arquitetônicas do edifício hospitalar ............ 3.1. O hospital no período medieval ...................................................... 39 41 3.1.1. O tipo claustral .......................................................................... 3.1.2. O tipo basilical .......................................................................... 3.1.3. O tipo colônia ............................................................................ 42 46 48 3.2. O hospital renascentista .................................................................. 50 3.2.1. A enfermaria cruzada ................................................................ 3.2.2. O tipo casa de campo ................................................................ 52 54 3.3. O hospital iluminista ....................................................................... 56 3.3.1. O tipo pavilhonar ....................................................................... 3.3.2. A influência de Florence Nightingale ....................................... 3.3.3. O legado do Iluminismo para a arquitetura hospitalar .............. 59 61 62 3.4. O hospital modernista ..................................................................... 63 3.4.1. O tipo torre sobre pódio ............................................................ 3.4.2. O tipo rua hospitalar .................................................................. 3.4.3. O tipo sanduíche ........................................................................ 66 68 72 3.5. O hospital do período pós-modernista ............................................ 74 3.5.1. O tipo shopping/hotel/residência ............................................... 77 3.6. Um quadro-síntese da evolução tipológica do hospital ocidental .. 81 4. Implantação de hospitais em Natal ao longo do século XX ................. 4.1. Política de saúde pública e a situação do hospital em Natal no Brasil Imperial ................................................................................ 4.2. A Primeira República: a construção das políticas públicas de saúde e suas repercussões nos hospitais de Natal ........... 4.3. Estado Novo, política nacional de saúde e desenvolvimento hospitalar em Natal ......................................................................... 4.4. Da redemocratização ao golpe militar de 1964 .............................. 4.5. O período da ditadura miltar (1964-1985) ...................................... 4.6. De 1985 ao presente ....................................................................... 4.7. Uma visão geral do hospital em Natal ........................................... 100 105 111 116 121 5. Análise tipológica dos hospitais de Natal ............................................... 5.1. Preparação do material para análise ............................................... 5.2. O tipo colônia e o Hospital Colônia São Francisco ........................ 5.3. O tipo casa de campo ...................................................................... 5.4. A presença do tipo pavilhonar ........................................................ 124 127 128 129 133 5.4.1. O Hospital Evandro Chagas ...................................................... 5.4.2. Policlínica, Casa de Saúde São Lucas, Hospital Colônia João Machado .................................................................................... 5.4.3. Hospital Sanatório Getúlio Vargas ............................................ 5.4.4. Considerações gerais a respeito dos hospitais pavilhonares de Natal .......................................................................................... 133 5.5. Hospital Infantil Varela Santiago ................................................... 5.6. Os hospitais do tipo torre sobre pódio ............................................ 143 147 5.6.1. 5.6.2. 5.6.3. 5.6.4. 92 94 96 136 139 142 Hospital Natal Center ................................................................ Hospital Walfredo Gurgel ......................................................... Hospital Santa Helena, Hospital PAPI, Hospital Memorial ..... Considerações sobre o tipo torre sobre pódio ........................... 147 150 152 155 5.7. Santa Catarina e Maria Alice Fernandes: hospitais rua ................. 5.8. Promater, Femina e Coração: uma incursão em um novo tipo? .... 156 159 5.8.1. 5.8.2. 5.8.3. 5.8.4. Hospital Promater ...................................................................... Hospital Femina ........................................................................ Hospital do Coração .................................................................. Considerações gerais ................................................................. 160 161 162 163 5.9. Agrupamentos tipológicos e aderência ao contexto ....................... 165 6. Conclusões ................................................................................................ 177 Referências ............................................................................................... 187 Anexos ...................................................................................................... 196 Capítulo 1 I n t ro d u ç ã o 2 1. Introdução No Brasil, pode-se registrar uma maior atenção com o projeto arquitetônico de hospitais, como objeto de estudo e de formação técnico-científica, a partir dos anos 1980. Foi a partir daquela década quando, por iniciativa conjunta do Ministério da Saúde e da Universidade de Brasília, passou-se a oferecer de modo sistemático um Curso de Especialização em Arquitetura do Sistema de Saúde. No programa do Curso, o hospital era abordado como elemento integrante de um sistema hierarquizado de atenção à saúde e, como requisito da formação do especialista, desenvolvia-se ali um projeto arquitetônico de um edifício hospitalar. Nesse projeto, trabalhava-se com base em normas, elaboradas pelo Ministério, as quais definiam fluxos, programas e dimensionamento dos espaços, além de recomendações e prescrições quanto a circulações, modulação do espaço, taxa de ocupação do terreno, localização urbana e configuração geral, entre outros aspectos e elementos do edifício. Não se levantavam, nem se discutiam questões tais como: x por que a configuração geral recomendada era a mais adequada? x como se chegou a essa conclusão? x que outras formas foram tentadas no passado e por que foram abandonadas? Além dessas, outras indagações mais críticas podiam ser levantadas: x se aquelas configurações recomendadas também se tornariam ultrapassadas, então como saber em que direção se estava caminhando? x se fosse possível entender como se dariam as mudanças, seria possível projetar estruturas mais adaptadas ou adaptáveis a elas? x as recomendações, prescrições e normas eram transferíveis a geografias com diferentes níveis de desenvolvimento social e econômico? Esse conjunto de questionamentos, certamente, pode ser, com maior ou menor ênfase, feito em outros campos da ação do projetista de arquitetura, que não o da arquitetura hospitalar. E, até porque indagam sobre o passado e sobre o futuro, requerem respostas que se formulem em conexão estreita com a História. 3 1.1. Arquitetura e História da Arquitetura Um ramo da História da Arquitetura, cujo tratado mais representativo é A History of Architecture, de autoria de Sir Banister Fletcher (publicado por primeira vez em 1896 e reeditado freqüentemente – foram 19 edições até agora, a última de 1987), admite implicitamente a importância das questões acima colocadas. Mais que isso, Fletcher (1987) estabelece conexões explícitas entre a arquitetura e seu entorno físico-geográfico, ambiental, cultural e socioeconômico, quando analisa a evolução da arquitetura segundo um método de história comparada. O enfoque historiográfico de Fletcher parte da descrição dos aspectos climáticos, geomorfológicos, socioculturais, tecnológicos e econômicos de cada região, em determinada época. Para Fletcher, é desses aspectos caracterizadores do entorno que, com a interveniência do ato criativo do arquiteto, resultam os elementos e soluções que compõem a arquitetura regional naquele período. Portanto, planta, volumetria, estrutura, aberturas e vedações, entendidas em conjunto, tendem a ser, inevitavelmente, condicionadas pela cultura (NEWTON, 1991). Em conseqüência, produção arquitetônica e contextos culturais podem ser associáveis. Assim, é possível compreender a evolução da Arquitetura em estreita relação com a evolução histórica das sociedades. E entender como cada solução arquitetônica, em uma dada época e região, surgiu em resposta a desafios contextuais, consolidou-se e, posteriormente, foi alterada ou substituída como conseqüência de ulteriores transformações da sociedade. Apropriando e adaptando a metodologia historiográfica de Fletcher para analisar a história da arquitetura hospitalar, pode-se entender como e porque, em cada período analisado, surgiu e se consolidou uma solução arquitetônica de natureza geral, que veio a concretizar um hospital característico do período – no sentido de representação sintética idealizada de uma série de edifícios hospitalares concretos. Observe-se que, em coerência com a abordagem historiográfica, uma coleção de hospitais característicos, como acima definidos, está critica e biunivocamente relacionada a um conjunto de contextos histórico-geográficos. O exame dessa estrutura de relações, portanto, permite compreender como se articulam as diferenças contextuais e as transformações dos edifícios hospitalares característicos. 4 1.2. História comparada da Arquitetura e análise tipológica Nesses termos, o estudo da Arquitetura precedente e sua sistematização vinculada ao contexto histórico-geográfico, nos moldes empregados por Fletcher, são assimiláveis à técnica da análise tipológica. A análise tipológica arquitetônica se constitui em ferramenta bastante utilizada quando se trata do estudo da produção arquitetônica, quer seja ela contemporânea ou precedente, com vistas ao conhecimento sistematizado dessa produção e/ou à adequação de soluções já testadas a novos projetos. Essa assimilação da tipologia à história pode ser reafirmada pela reaproximação da teoria e do projeto ao legado histórico arquitetônico, aproximadamente a partir da década de 1960, meio século depois de o movimento moderno haver rompido com a tradição arquitetônica precedente. O estudo tipológico foi um instrumento adequado para aquela reaproximação, na medida em que conseguiria captar, para cada período histórico, a essência representativa de sua Arquitetura. É evidente que, enquanto instrumento, a análise tipológica adquire as feições do conceito de tipo que é subjacente a sua formulação: distintos conceitos de tipo levam a distintas ferramentas de análise tipológica. E, portanto, somente estudos tipológicos fundados em conceitos de tipo que incorporem a referência ao contexto têm a possibilidade de alcançar significação historiográfica. Deste modo, a abordagem da arquitetura hospitalar com o fim de encaminhar respostas àquelas questões acima colocadas impõe que se adote um conceito de tipo – e, por conseguinte, uma matriz de análise tipológica – que seja coerente com a necessidade do referenciamento histórico do objeto arquitetônico estudado. Por outro lado, requer que se problematize, em uma perspectiva tipológica, a evolução do edifício hospitalar em face de relevantes alterações no seu contexto histórico. 1.3. A análise tipológica Em que pese a prevalência de algumas conceituações restritivas do tipo arquitetônico, notadamente aquelas que associam a tipologia, de maneira simplista, ou à mera taxonomia ou à idéia de tipificação, pode-se admitir que o conceito de tipo hoje mais disseminado está vinculado à representação da essência da Arquitetura em conexão com o seu ambiente sociocultural (FRANCESCATO, 1994). 5 As raízes intelectuais desse conceito de tipo podem ser rastreadas até a obra seminal de Quatremère de Quincy (1985, 1998) 1 . Não obstante, uma importante polêmica em torno do conceito de tipo teve lugar a partir do seu resgate, em 1962, por Argan (1996, 2001) 2 e de sua assimilação pelos teóricos e projetistas italianos da Tendenza, a partir da segunda metade da década de 1960. Nesse debate, foram se firmando distintas versões para o conceito de tipo – entre outros, Rossi, 1995 (publicado originalmente em 1966); Vidler, 1977; Oeschlin, 1985 –, como também se apresentavam discordâncias de peso quanto à validade ou à oportunidade do conceito para o estudo ou para a projetação em arquitetura (ver, por exemplo, PérezGómez, 1991), até o ponto em que o tipo se firmou como um dos temas fundamentais da agenda teórica do pós-modernismo (NESBITT, 1996a). Situar-se na polêmica e definir-se por um conceito é, portanto, um ponto de partida para uma abordagem analítica da evolução histórica dos edifícios hospitalares, um produto arquitetônico complexo e, em função da natureza pública de sua utilização, extremamente dependente de definições político-culturais da sociedade. Por outra parte, essa abordagem não deve ser desenvolvida sem tomar em conta o objeto arquitetônico hospital, de modo que uma visão resumida de uma história geral dos hospitais pode ser útil para estabelecer as bases de uma compreensão tipológica de sua linha evolutiva. 1.4. Uma leitura sintética da evolução dos hospitais ocidentais No início, os hospitais foram exclusivamente associados à idéia de morte. Os enfermos chegavam em busca de preparação espiritual, que lhes era dada em locais onde apenas se amontoavam as pessoas doentes. 1 O texto fundamental de Quatremère de Quincy a respeito do seu conceito de tipo é o verbete correspondente que aparece em duas de suas obras: a Encyclopédie méthodique, originalmente publicada entre 1788 e 1825, e o Dictionnaire historique de l’architecture, de 1832. Neste trabalho, as citações do verbete tiveram por base duas fontes: a transcrição completa do texto de Quatremère, traduzida para a edição italiana de 1844 por Antonio Mainardi e reproduzida integralmente em Casabella, ano XLIX, n. 509/510, 1985 (ver Quatremère de Quincy, 1985); a tradução para o inglês (não creditada) do verbete type da Encyclopédie méthodique conforme publicada em Oppositions, n. 8, primavera de 1977, sob uma introdução de Anthony Vidler e reproduzida em Hays (1998) (ver Quatremère de Quincy, 1998). 2 O artigo de Argan que introduziu as idéias de Quatremère de Quincy no debate teórico contemporâneo foi originalmente publicado em 1962. Traduzido para o inglês por Joseph Rykwert, foi incluído em Architectural Digest, n. 33, de dezembro de 1963 (p. 564-565). Essa versão em idioma inglês, incluída em Nesbitt (1996b), e a versão em português incluída em Argan (2001) – traduzida por Marcos Bagno diretamente do texto em italiano publicado em Proggeto e destino – foram as consultadas no decorrer deste trabalho. 6 Risse (1999) mostra como, a partir dessa origem medieval, os hospitais foram, gradualmente, adquirindo uma vinculação à vida. Em primeiro lugar, se tornaram espaços de recuperação de enfermos; depois, em lugar de atuação preventiva em prol da saúde e de melhoria da qualidade de vida. Tal evolução conceitual se refletiria nos espaços dedicados a estas atividades, e os hospitais foram se transformando em edifícios de estrutura arquitetônica complexa. Na Idade Média, a finalidade do hospital era dar abrigo, sustento, assistência e consolo espiritual aos desamparados pela sociedade – peregrinos, pobres, enfermos e insanos. Os cidadãos minimamente abastados tinham atendimento domiciliar a seus problemas de saúde, e isso se manteve até meados do século XIX (GOLDIN, 1984). Hospitais medievais eram construídos por ordens religiosas, bispos, senhores feudais e reis (ROSEN, 1994). Na verdade, não eram edifícios autônomos, pois se integravam às estruturas físicas dos mosteiros e catedrais, reproduzindo os esquemas dos claustros ou das basílicas de uma ou várias naves, com uma capela na cabeceira (GOLDIN, 1994). Esses hospitais se multiplicaram durante os séculos V ao XIII, e estavam, quase sempre, superlotados, sujos e insalubres. No Renascimento, a Igreja e a Corte deixaram de ser as fontes principais de financiamento da assistência aos pobres e enfermos. Ricos cidadãos burgueses tomaram a responsabilidade de construir hospitais. Goldin (1984) enfatiza que é então que se dá o crescimento de importância do conhecimento médico dentro do hospital: surgiram os primeiros hospitais civis, os chamados hospitais palácios de arquitetura neoclássica, de estrutura pavilhonar, como resultado de uma maior preocupação com ventilação e insolação. No período do Iluminismo, o avanço científico permitiu a compreensão dos processos de infecção cruzada e propagação de infecções. A prática cirúrgica desenvolvida nos hospitais militares foi incorporada aos hospitais civis, junto com o surgimento da anatomia patológica, que permitiu o conhecimento médico dos órgãos humanos internos (RISSE, 1999). O hospital tornou-se, então, um espaço importante para observação da evolução de enfermidades através de seus pacientes, e passou a ser, além de um local de recuperação de enfermos, um local de aprendizado da medicina. 7 Esses fatos produziram uma importante transformação no edifício hospitalar, onde, a partir de então, a ciência penetrou, modificando espaços que, antes, refletiam somente a influência religiosa (GOLDIN, 1994). O hospital começou a ser atrativo para os afluentes da sociedade, vez que já oferecia uma possibilidade de cura mais alta que aquela que se poderia conseguir com o atendimento domiciliar. Mais ou menos em meados do século XX, implantou-se nos edifícios hospitalares a sistematização projetual funcionalista: separação de funções, projeto modular, formas simplificadas, adoção de dimensões mínimas. Buscava-se viabilizar financeiramente o hospital pela via de sua racionalização e massificação, em um contexto em que eram crescentes os custos com equipamentos, pessoal, fármacos e materiais (CARPMAN et al., 1986). Várias soluções arquitetônicas foram exercitadas, todos refletindo uma preocupação funcionalista que passará a ser criticada nos anos 1960 e 1970. As críticas se intensificaram a partir dos anos 1980, com a emergência da pesquisa sobre a influência do ambiente no bem-estar dos usuários (KUFFLNER, 1986). Esses críticos reagiram contra o caráter estéril e impessoal dos hospitais, mais voltados para o seu funcionamento eficiente que para o bem-estar do paciente. Passou-se a defender, segundo Hosking e Haggard (1999), a aplicação das ciências do comportamento no planejamento e desenho do ambiente hospitalar. Acreditava-se que os edifícios hospitalares do século XX tinham feito pouco para satisfazer as necessidades humanas do dia a dia, e defendiam-se hospitais “humanizados”, com foco nas expectativas do paciente e de seus familiares, contando com ambientes apropriados para apoiar o processo de recuperação do enfermo. Esses pensamentos e suas manifestações na forma do edifício dominariam o período desde 1980 até o final do Século XX. Verderber e Fine (2000) relatam como o hospital assimilou soluções espaciais diferentes das anteriormente vigentes, buscando – sem perder de vista a eficiência econômica – assumir uma natureza mais familiar para o visitante e para o paciente. 1.5. Perguntas e hipóteses básicas de trabalho Nesse processo evolutivo do edifício hospitalar, há que destacar a importância das alterações na maneira como a sociedade vê o hospital e no que a sociedade espera dele. Ademais, cabe um papel de destaque para o progresso científico nas áreas da biologia e da medicina, bem como para o desenvolvimento tecnológico nesses setores. Tais fatores se 8 associam a uma demanda social crescente pela aplicação de novos conhecimentos médicos ao campo da atenção à saúde. Por fim, cabe salientar também as naturais mudanças nos materiais e métodos construtivos. Todos juntos, influenciando-se simultaneamente, esses fatores podem ser considerados como motores das mudanças nas tipologias arquitetônicas hospitalares que se registraram ao longo da história. Na medida em que esses fatores são disseminados mundialmente, de alguma forma eles devem ter sido assimilados por arquiteturas locais na projetação de novos edifícios hospitalares, ou mesmo na reabilitação, recuperação ou expansão de edifícios hospitalares já existentes. Como foram assimilados, com que ritmo? Ou seja, como uma arquitetura hospitalar local responde à dinâmica transformadora daqueles fatores responsáveis pela evolução tipológica dos edifícios hospitalares? Evidentemente, as respostas a estas perguntas estão vinculadas intimamente ao caso que se toma como local. Assim, ao recolocar a questão em termos mais concretos, faz-se necessário explicitar que o interesse expresso neste trabalho se centra em uma análise do caso de Natal. Por outro lado, concentrar-se-ia a preocupação analítica no período que vai de princípios a fins do século XX, quando a crítica ao modernismo e a busca de novas perspectivas arquitetônicas puseram o edifício hospitalar em uma nova rota conceitual. Define-se então como objeto de pesquisa a evolução tipológica do edifício hospitalar em Natal ao longo do século XX. Daí, as questões-chave da pesquisa podem ser formuladas nos seguintes termos: x de que forma se deu a evolução tipológica do edifício hospitalar em Natal em um dado período histórico (o século XX)? x em que medida a evolução registrada nas tipologias hospitalares em Natal corresponde àquela que se pode depreender da análise tipológica geral, explícita ou implicitamente refletida na literatura especializada? Nestes termos, pode-se formular como hipótese básica de trabalho a seguinte: a evolução tipológica do hospital em Natal no século XX, seguiu em linhas gerais a trajetória registrada no mundo ocidental, ressalvadas singularidades que podem ser explicadas pelo estágio de desenvolvimento socioeconômico local. 9 1.6. Objetivo geral e objetivos específicos O objetivo geral do trabalho consiste na descrição e análise do processo evolutivo das tipologias arquitetônicas hospitalares em Natal, identificando os fatores indutores das mudanças e das singularidades do processo com respeito à evolução tipológica dos hospitais ocidentais, tomada como referência. O desenvolvimento do trabalho de pesquisa requereu a realização de objetivos específicos, de caráter instrumental, tanto no campo teórico-conceitual, quanto no terreno do empírico. No que concerne ao quadro metodológico, dois eixos de discussão devem ser ressaltados. Por um lado, foi preciso formular um conceito operativo de tipo, com base em uma discussão das principais contribuições teóricas relativas ao tipo e à tipologia em arquitetura. Por outro, enfocou-se a evolução histórica do conceito de hospital, no mundo ocidental, com vistas a compreender esse processo pelo filtro da abordagem tipológica associada ao conceito de tipo previamente formulado. No que respeita a objetivos instrumentais de natureza empírica, foi necessário levantar o processo histórico de implantação de hospitais na cidade de Natal, recuperando e sistematizando as suas definições arquitetônicas, bem como a informação caracterizadora do contexto socioeconômico urbano e da política pública nacional para o setor de saúde. 1.7. Relevância e justificativa da pesquisa A importância deste trabalho resulta de sua própria abordagem. Considera-se que a análise tipológica constitui um elemento importante no aprimoramento conceitual da projetação. Na mesma medida da complexidade do edifício hospitalar, seu projeto arquitetônico requer preocupação com definições conceituais que implicam em um conhecimento sistematizado da forma como, historicamente, a arquitetura proveu soluções para problemas que se apresentavam. Por outro lado, o edifício hospitalar é um edifício de alto custo, que tem, portanto, a vocação da permanência. Paradoxalmente, entretanto, a dinâmica tecnológica do setor médico implica em uma necessidade quase permanente de mudanças e reformas arquitetônicas. Assim, no sentido em que permite compreender a essência da tomada de decisão projetual, a análise tipológica consiste em instrumento de valia para orientar e direcionar 10 adequadamente as quase permanentes requalificações, ampliações e recuperações exigidas pelo edifício hospitalar na contemporaneidade. Por fim, julga-se também de importância o trabalho por seu caráter historiográfico, uma vez que as suas intenções se direcionam para o entendimento do processo histórico de desenvolvimento dos edifícios hospitalares implantados em Natal. 1.8. Procedimentos metodológicos Tendo em vista a consecução dos objetivos fixados na seção anterior, os procedimentos metodológicos foram projetados de forma a encadear o processo de investigação em uma lógica consistente com as questões-chave e as hipóteses do trabalho. A formulação de um conceito operativo de tipologia teve por base uma revisão bibliográfica da literatura sobre o tema, projetada em dois níveis seqüenciais. Em primeiro lugar, enfocou-se o debate tipológico contemporâneo (dos anos 1960 aos 1990), confrontando-se interpretações e proposições dos autores mais significativos. Nesse processo, identificaram-se as raízes intelectuais mais expressivas do debate nos aportes teóricos de Quatremère de Quincy, Durand e Viollet-le-Duc. As suas contribuições foram então examinadas, principalmente por meio de leitura indireta, mas sem excluir a consulta e discussão de textos originais, em traduções contemporâneas. Essa reflexão levou à elaboração de uma interpretação, não propriamente dos conceitos de tipo e tipologia emanados das obras desses teóricos do século XIX, mas de suas abordagens tipológicas. Ou seja, a matriz de análise tipológica construída e utilizada neste trabalho, embora se informe da teoria tipológica dos 1800, se define a partir do vigoroso debate acadêmico de que foram objetos o tipo e a tipologia a partir dos anos 1960. A validação dessa matriz para o caso da análise tipológica da arquitetura hospitalar teve lugar quando, após concentrar-se em extensa revisão bibliográfica da evolução histórica dos hospitais e da arquitetura hospitalar ocidentais, construiu-se uma interpretação tipológica dessa evolução histórica sob a mediação do conceito e do instrumental de análise definidos na etapa anterior. Também informada pela discussão e definição da abordagem tipológica, a atividade empírica básica da pesquisa consistiu em levantar e sistematizar informações – de distintas naturezas: bibliográficas, obtidas em entrevistas, fotográficas, arquitetônicas etc. – que 11 permitissem reconstituir o mais fielmente possível o processo histórico de implantação de hospitais em Natal. A leitura desse processo histórico contextualizou os hospitais natalenses com respeito à evolução da cidade e das políticas públicas relevantes no setor saúde. Para um subconjunto dos hospitais implantados, foi possível reconstituir satisfatoriamente o projeto de arquitetura inicialmente implantado. Esses hospitais foram objetos de análise, aplicando-se para tanto a matriz de análise tipológica previamente elaborada, permitindo enfim avaliar suas afiliações aos diferentes tipos arquitetônicos hospitalares fixados pela arquitetura ocidental. 1.9. Estrutura do documento O presente documento está estruturado de formas a salientar o processo metodológico seguido no trabalho de pesquisa. Além deste capítulo inicial, o documento apresenta outros cinco capítulos e três anexos. O capítulo 2 está dedicado a apresentar os resultados do estudo realizado sobre o conceito de tipo e tipologia, culminando com a apresentação da matriz tipológica elaborada com base na discussão conceitual sobre o tema. No capítulo 3, o enfoque se dirige para a evolução tipológica da arquitetura hospitalar no mundo ocidental, apresentada sob a ótica da matriz de análise apresentada no capítulo anterior. O processo histórico de implantação de hospitais em Natal é analisado no capítulo 4, em que o pano de fundo das políticas nacionais de saúde pública e a evolução urbana de Natal marcam e conformam o cenário contextual que problematiza cada hospital implantado na cidade. Esses hospitais são então analisados tipologicamente no capítulo 5, apresentandose os resultados já de forma a salientar suas afiliações aos tipos arquitetônicos que, decantados da história dos hospitais no Ocidente, foram definidos no capítulo 3. Por sua vez, o sexto e último capítulo apresenta de forma sintética todos os resultados relevantes obtidos no curso do projeto de pesquisa conducente à elaboração dessa dissertação. Três anexos se integram ao documento: o primeiro apresenta um mapa de Natal com a localização dos hospitais; o segundo traz quadros que sintetizam as informações do capítulo 4; e, por fim, o terceiro apresenta os esquemas gráficos dos hospitais analisados. Capítulo 2 Ti p o , t i p o l o g i a , a n á l i s e t i p o l ó g i c a : discussão e definição conceitual 13 2. Tipo, tipologia, análise tipológica: discussão e definição conceitual Este capítulo tem por finalidade a construção de um marco teórico que sirva de referência para o balizamento das etapas empíricas do trabalho de pesquisa. Assim, o objeto deste capítulo é o desenvolvimento de um conceito operativo de análise tipológica, com vistas a sua aplicação, no capítulo seguinte, ao estudo da evolução da arquitetura hospitalar no mundo ocidental, da Idade Média até a contemporaneidade. Os tipos arquitetônicos hospitalares decantados nesse estudo serão, posteriormente, adotados como referências para o enquadramento e análise da evolução da arquitetura hospitalar em Natal, ao longo do século XX. Como resultado dos estudos que se apresentam neste capítulo, definem-se a configuração e a especificação de um instrumental de análise tipológica, com base na discussão em torno dos conceitos de tipo que, com mais relevância, estão disponíveis na literatura teórica sobre o tema. A seleção dos conceitos de tipo que foram considerados para o desenvolvimento do quadro analítico teve por base uma revisão bibliográfica extensiva, a qual enfocou principalmente a produção intelectual sobre o tema que teve lugar a partir dos anos 60 do passado século. O exame dessa literatura apontou a relevância das proposições teóricas de Quatremère de Quincy, Jean-Nicolas-Louis Durand e Eugène Emmanuel Viollet-le-Duc, todas do século XIX. Tal seleção não se orientou apenas pelo nível ou intensidade com que esses três teóricos alimentaram o debate tipológico no século XX. Levou em conta também o fato de que suas elaborações teóricas, entendidas como distintas abordagens conceituais que se complementam – como se mostrará no corpo do capítulo –, podem ser integradas em um quadro de análise tipológica. Esse quadro, ao mesmo tempo mais complexo e objetivamente operacional, tem sua gênese na compreensão – compartida com autores como Oeschlin (1985), Francescato (1994), Madrazo (1995), entre outros – de que as abordagens de Quatremère, Durand e Viollet-leDuc podem ser articuladas no sentido de fornecer uma leitura mais ampliada do processo criativo do projeto em arquitetura, bem como de seu produto – o edifício. Como se verá nas seções seguintes, pode-se inferir essa possibilidade de conciliação entre as três abordagens em alguns dos momentos mais significativos do debate tipológico 14 contemporâneo, bem como na utilização – implícita ou explícita – da abordagem tipológica na atividade projetual. Para atingir os seus objetivos instrumentais, este capítulo está estruturado em oito seções. Na primeira delas, situa-se a emergência do debate tipológico nos anos 1960, em conexão com a crise da Arquitetura Moderna. Os elementos e contribuições mais centrais desse debate – que marcou significativamente a cena teórica da arquitetura por, pelo menos, trinta anos – são escrutinados na segunda sessão. Na terceira, examinam-se as condições objetivas em que surgiram, nos primeiros anos do século XIX, as primeiras manifestações teóricas explicitamente concernentes à tipologia e ao tipo. As três seções seguintes estão respectivamente dedicadas à exploração dos conceitos de tipo desenvolvidos por Quatremère de Quincy, Durand e Viollet-le-Duc. Já a sétima seção se concentra no exame da possibilidade de, à luz das contribuições surgidas no debate tipológico contemporâneo, articular esses três conceitos relevantes de tipo em uma matriz de análise tipológica, a qual será detalhada na oitava e última seção. 2.1. O conceito de tipo e a crise da Arquitetura Moderna A partir dos primeiros anos da década de 1960, estendendo-se até quase o final do século passado, o debate em torno dos conceitos de tipo e tipologia passou a desempenhar um papel significativo na retomada da investigação teórica orientada pela busca de uma essência para a Arquitetura (NESBITT, 1996a). Quase ao mesmo tempo, como observou Moneo (1998), o conceito de tipo passou a ser explicitamente tratado no âmbito da teoria e da prática projetual, destacadamente no caso dos neo-racionalistas italianos. Analistas como Nesbitt (1996a) têm reivindicado para o tipo a capacidade de sintetizar os elementos essenciais da arquitetura – significado, forma, função e tectônica –, o que alçaria a tipologia à condição de elemento-chave da análise e/ou do processo projetual em Arquitetura. Por outra parte, Colquhoun (1996a) remarca que, na medida em que a tipologia tem o caráter de instrumento de memória cultural, ela adquire uma condição de significado arquitetônico e de mecanismo de retenção da significação cultural da arquitetura. Em direção similar, Francescato (1994) considera que o conceito de tipo forja um vínculo entre forma arquitetônica e precedente histórico, com tudo o que isso implica em termos do significado social e cultural do objeto arquitetônico. 15 Nesse sentido, pode-se entender o interesse pela tipologia no âmbito da busca do significado e da identidade arquitetônicas: o recurso ao tipológico oferece “continuidade histórica, o que confere inteligibilidade a edificações e cidades em uma dada cultura” (NESBITT, 1996a, p. 44). Isso esclarece porque o debate tipológico emergiu, nos anos 1960, como uma das respostas tentativas à crise então vivenciada pela Arquitetura Moderna. Afinal, uma característica fundamental do Modernismo na arquitetura foi a ruptura com a tradição. Essa ruptura se deu segundo dois pólos articulados que garantiram unidade e suporte ideológico-programático ao movimento em seus primeiros tempos: a negação estilístico-projetual-construtiva do século XIX, em prol da adesão às novas possibilidades tecnológico-formais da Era da Máquina; e a opção ética por um conteúdo social – utópico e transformador – para a prática da Arquitetura (PORTOGHESI, 1981; LARA, 1999). A desarticulação entre esses pólos minou a unidade política do Movimento, com a hegemonia tendendo para as preocupações de ordem formal-construtiva e reduzindo-se gradualmente a importância das questões sociais. Enquanto Lara (1999) data essa guinada em torno da Segunda Guerra Mundial (ou no período entre os CIAMs de 1937 e 1947), Vidler (1976) situa ainda no período entre as duas guerras mundiais (1919-1938) o surgimento de uma progressiva proeminência do processo tecnológico de produção industrial. Para ele, a tecnologia de produção em série passaria, já nos anos 1930, a servir de base para a projetação arquitetônica, estabelecendose a máquina como tipo generalizado (a coluna, a casa e a cidade vistas analogamente à pirâmide de produção industrial) e como elemento de contorno, restritivo à investigação formal. Aqueles que optaram, no início do movimento, pela investigação formal e pelas questões endógenas da arquitetura no inicio do movimento – aqueles que Lara (1999, p. 5-6) designa por “estilistas” –, perderam o rumo e se dispersaram em subgrupos cada vez menores, fragmentando o “transatlântico modernista” em “balsas de identidade arquitetônica” e, depois, em “frágeis jangadas formais”, ancoradas em estilos pessoais. Por outro lado, os “sociologistas” – que optaram por enfatizar as transformações sociais que seriam propiciadas pela nova arquitetura – simplesmente desapareceram após a Segunda Guerra. Frampton (1989, p. 274) afirma que o processo se deu a partir de 1933, quando as 16 “exigências políticas radicais do início do movimento tinham sido abandonadas”, até que “o idealismo liberal triunfou completamente” no pós-guerra. Dessa forma, a essência da arquitetura passaria a estruturar-se a partir de um elemento externo – a tecnologia industrial da construção civil, com seus padrões inspirados pelo objetivo da eficiência econômica 3 –, ao mesmo tempo em que se deturpava ou se perdia de vista a missão política transformadora que validaria socialmente a arquitetura dos tempos modernos. A esse quadro corresponde, como afirma Lara (1999, p.1), uma “profunda crise de valores, tanto interna (referente à falta de um suporte teórico consistente), quanto externamente (referente a seu papel nas esferas cultural e social)”. Em suma, uma crise de identidade e autonomia, em que o elemento central é o cerne mesmo da arquitetura: o significado. Em decorrência, o debate que se abre no âmbito dessa crise nos anos 1960 se nortearia pela retomada de uma preocupação com a essência disciplinar da arquitetura, o que colocava a questão de uma teoria inerente ao próprio objeto arquitetônico, mesmo quando essa teoria se articule com o entorno social, cultural, econômico e histórico. Colquhoun (2004, p. 92) assinala que, entre outras discussões, buscava-se então “redefinir o racionalismo nos termos de uma tradição autônoma da arquitetura”, pois “o que é ‘racional’ em arquitetura é o que conserva a arquitetura como um discurso cultural que perpassa toda a história”. Assim, no âmbito da crise da arquitetura que culminou cinqüenta anos de permanência do paradigma modernista, o esforço pela reconstrução de uma identidade e de uma autonomia para a disciplina encontrou, entre outras alternativas, uma âncora legítima no debate tipológico e no conceito de tipo. 2.2. O debate tipológico: uma breve reconstituição O debate tipológico na contemporaneidade foi aberto por Giulio Carlo Argan, com seu artigo Sobre o conceito de tipologia (ARGAN, 1996, 2001), em que sugeria a retomada das proposições de Quatremère de Quincy, formuladas em princípios do século XIX. 3 x Colquhoun (2004, p. 89-90) revela que “o progresso técnico alcançou um patamar em que era possível aproveitar o aspecto racional/construtivo do modernismo para as necessidades ideológicas do desenvolvimento imobiliário, solapando, dessa maneira, os fundamentos utópicos do modernismo”. 17 Naquele artigo, Argan não explorava a fundo, em verdade, a obra de Quatremère de Quincy. Tão somente partia da diferenciação tipo-modelo proposta por Quatremère para elaborar um entendimento do processo de formação tipológica e uma argumentação em defesa do papel da abordagem tipológica do processo projetual em arquitetura. Para os propósitos de Argan, o tipo arquitetônico é um esquema vago, um princípio ou regra geral, cujo caráter meramente nocional não pode afetar diretamente o projeto do edifício singular, muito menos suas qualidades formais. Trata-se de uma idéia-base, capaz de produzir infinitas variantes formais. Já um modelo seria um objeto real, concreto, a ser copiado perfeitamente, num processo eminentemente acrítico e não-criativo. Para Argan, um tipo arquitetônico nasce em função da existência de uma série de edifícios que têm entre si uma evidente analogia formal e funcional. Em outras palavras, quando um ‘tipo’ se forma na prática ou na teoria da arquitetura, ele já existe, como resposta a um complexo de demandas ideológicas, religiosas ou práticas, em uma dada condição histórica de alguma cultura (ARGAN, 1996, p. 243, tradução da autora 4 ). Logo, o processo tem uma dinâmica implícita, pois cada vez que uma série formal tem o incremento de uma nova variante – um novo objeto arquitetônico –, o tipo deduzido poderá ser mais ou menos alterado, em função do impacto mais ou menos intenso que o mais recente elemento introduzido na série possa produzir no princípio geral dedutível dessa série. Portanto, reflete Argan, a abordagem tipológica não inibe a inventividade do processo de projetação: há um momento tipológico, de apropriação de uma regra geral que se deduz da tradição, e há um momento criativo, inovador, em que essa regra geral, cotejada pelas demandas e exigências da situação presente, é traduzida em um objeto arquitetônico singular. A retomada das idéias de Quatremère por meio do artigo seminal de Argan foi oportuna. Naquele momento, como assinala Colquhoun (2004), se desenvolvia na Itália uma nova visão racionalista (o neo-racionalismo) pela qual as características da arquitetura não se vinculariam à tecnologia ou a formas especificamente contemporâneas das relações sociais e do comportamento em sociedade. Os neo-racionalistas, ao contrário, propunham que as características fundamentais da arquitetura persistem com as mudanças nos campos da 4 x Todas as citações presentes neste trabalho, à exceção de referências cujo idioma original seja o português, foram traduzidas do texto original pela autora. 18 tecnologia e na sociedade, vinculando-se assim a uma imagem permanente do homem. Ou, nas palavras do mesmo Argan, os ‘tipos’ históricos [...] não pretendem satisfazer requerimentos práticos contingentes; eles se voltam a lidar com problemas mais profundos que – ao menos nos limites de uma dada sociedade – são entendidos como fundamentais e permanentes. Daí ser necessário aprender da experiência amadurecida no passado de modo a ser capaz de conceber formas que se apresentem como válidas no futuro (ARGAN, 1996, p. 244). Assim, a interpretação arganiana do conceito de tipo em Quatremère assimilava a preocupação de garantir uma continuidade autônoma para a arquitetura. Entretanto, a formulação de Argan de um processo criativo em dois tempos – um tipológico, outro de definição formal do novo objeto arquitetônico – restringia a abordagem tipológica a exame da arquitetura precedente como informação do processo projetual. Segundo Francescato (1994), coube a Ernesto Rogers ampliar a interpretação de Argan e assimilar mais intensamente a proposta de Quatremère, ao entender que o processo projetual não apenas se inicia com um momento tipológico, mas que também consiste de operações tipológicas. Na lógica projetual de Rogers, revela Francescato (1994), o ajuste forma-função não poderia ser garantido por uma série de procedimentos técnicos sobre o programa de necessidades, vez que resulta de um processo histórico em que edifícios reais são usados por pessoas e grupos em uma cultura específica. Por isso, questões de natureza tipológica teriam de ser conscientemente trabalhadas na fase de definição da forma. Além disso, ressalte-se que a escolha do tipo é um processo ativo, em que o arquiteto é levado a escolher, entre as referências tipológicas disponíveis, aquela que ele mesmo julgue como a mais adequada para o problema projetual que tem em mãos. Tal valoração do tipo, evidentemente, trazia implícita a necessidade de uma elaboração sistemática para o processo de abordagem tipológica da arquitetura e do projeto. As proposições de Rossi, tanto no campo acadêmico quanto na atividade projetual, vão nessa direção (MONEO, 1998; BRAGHIERI, 1997). Para Rossi (1995, p. 26-27), as idéias de Quatremère de Quincy seriam suficientes para estabelecer que o tipo “é a regra, o modo constitutivo da arquitetura”, ou, mais radicalmente, que o tipo “é a própria idéia da arquitetura, aquilo que está mais próximo de 19 sua essência”. E, se esse tipo for uma constante, então ele “poderá ser encontrado em todos os fatos arquitetônicos”, constituindo-se como um “elemento cultural” que, embora determinado, conflita e articula-se com “a técnica, com as funções, com o estilo, com o caráter coletivo e o momento individual do fato arquitetônico”. Sobre essas bases, Rossi propunha a tipologia “como o estudo dos tipos não ulteriormente redutíveis dos elementos urbanos, tanto de uma cidade como de uma arquitetura”, afirmando a necessidade de seu amplo tratamento sistemático, pois se “nenhum tipo se identifica com uma forma”, “todas as formas arquitetônicas” são redutíveis a tipos, em um processo lógico. Quase vinte anos depois da primeira edição, em 1966, de A Arquitetura da Cidade (Rossi, 1995), Rossi (1985, p. 100) afirmaria entender “a tipologia de um edifício como uma coleção de dados geométricos, técnicos e históricos que estão na base de todo projeto”, abrangendo também um componente antropológico, e cuja relevância é indubitável, seja para a teoria da arquitetura, seja para a prática profissional. Para Colquhoun (1975, p. 368), essa utilização da tipologia na obra de Rossi partia da idéia de tipo em um nível tão alto de generalização que ele se tornava quase invulnerável à interferência tecnológica e social. Decorriam daí imagens subjetivas e poéticas, mas fortemente vinculadas a utilizações de analogias ou contrastes, com resultados que, freqüentemente, evocavam leituras tipológicas próprias do arquiteto, e não reveladas pela cultura. Como sugeriu Moneo (1978, p. 36), os tipos parecem ter saído da imaginação de Rossi, resgatados de “um passado que pode não ter existido”. Francescato (1994) entende que a noção de tipo revelada por Rossi em sua atividade projetual parece ser fortemente prescritiva e, ao mesmo tempo, nostálgica: uma espécie de proposição visando à recuperação de binômios forma-função do passado, de maneira crítica ou poética. Essas observações, entretanto, não se estendem a outros representantes do neo-racionalismo italiano, como Aymonino, Gregotti e Grassi, entre outros, todos eles com atividade teórico-acadêmica paralela a uma, se não intensa, pelo menos significativa produção em arquitetura e urbanismo (COLQUHOUN, 2004). Agrupados no movimento conhecido como Tendenza, eles foram responsáveis pela qualificação do debate tipológico em seus princípios, tanto quanto pela posta em prática de estudos tipológicos e de projetos imbuídos de suas visões sobre tipo e tipologia (FRAMPTON, 1989). 20 Oeschlin (1985, p. 67) situa o grupo mencionado como membros de um “círculo de iniciados” que, a partir da Itália, conseguiu produzir nos anos 1960 e 1970 uma discussão aprofundada e reveladora sobre a essência da arquitetura e sobre o processo criativo em projetação arquitetônica. Essa discussão, centrada na distinção tipo-modelo e nos modos de apropriação da análise tipológica na atividade projetual, pôde estabelecer um contraponto inicial a uma compreensão superficial do conceito de tipo. Oeschlin (1985, p. 66) identifica uma primeira reação à valoração da abordagem tipológica, atribuindo a Bruno Zevi a afirmação de que “a arte é anti-tipológica, toda criação arquitetônica é inevitavelmente uma interpretação individual do artista”. Nesse sentido, a tipologia veio a ser confundida com tipificação, e o conceito de tipo arquitetônico aproximado ao conceito de tipo funcional de edifício, como no conhecido trabalho de Pevsner (1976), ou ao de padrão volumétrico. No primeiro caso, como enfatiza Lampugnani (1985), o caráter banalizante da interpretação – tipologia assimilada a tipificação – está em sintonia com o conceito de eficiência econômica da produção de edifícios, de que se imbuiu o processo de edificação em massa da “casa mínima” a partir do CIAM de 1927. Aqui, o tipo não é derivado do precedente arquitetônico, e sim definido a partir das possibilidades tecnológicas de produção industrial de componentes padronizados. No segundo caso, assinala Francescato (1994), a banalização do conceito de tipo se dá pelo sentido meramente taxonômico que adquire. Um sentido que é capaz tão somente de produzir catálogos que são, no máximo, um passo intermediário no processo de estruturação do conhecimento, nunca um fim em si mesmo (UNGERS, 1985). Como afirma um crítico do pensamento tipológico, essas “formulações simplistas são pouco mais do que catálogos intermináveis e negligentes para os tímidos e os sem imaginação [...] confundem tipo e pensamento tipológico com cenografia histórica” (BELL, 1991, p. 19). Os muitos usos e maus usos da palavra tipo – que admite muitas acepções –, às vezes do conceito – vago ou ambíguo –, produziram, a partir da retomada da discussão tipológica nos anos 1960, uma certa falta de objetividade tanto nas críticas quanto nas apologias da abordagem tipológica da arquitetura. 21 Talvez o mais reiterativo e contundente crítico da abordagem tipológica, Peréz-Gómez (1991, p. 14-15) entende as formulações de Quatremère de Quincy como uma proposição de tipo como modelo formal, o que assimilaria a tradição arquitetônica a uma “autoreferenciada história dos edifícios” que elude “a dimensão invisível” da arquitetura. Kahn (1991, p. 111) retruca que essa é uma compreensão univalente do tipo em Quatremère: ao ressaltar a natureza convencional da tipologia, confunde-se tipo e modelo e se omite “a tensão entre convenção e inovação” que é inerente ao ato arquitetônico de confrontar a “dimensão invisível” do tipo ao edifício material concreto. Por outro lado, Symes (1994) tenta extrair elementos para uma análise generalizada dos usos do tipológico na prática arquitetônica, a partir de uma caracterização de Vidler (1989, p. 147) pela qual “a idéia de tipo na teoria arquitetônica [...] tem um significado deveras abrangente de concepção, forma essencial, e tipo edilício”, devido ao fato de que as múltiplas acepções do termo tipo “fizeram com que se prestasse bem a representar uma idéia ao mesmo tempo vaga e precisa”. Symes (p. 165) propõe, então, uma nomenclatura em que o conceito de tipo é assimilado à palavra tipo para designar tipos de prática arquitetônica, tipos de arranjo físico e tipos de uso: tudo isso para descrever como “os arquitetos usam o pensamento tipológico em seu trabalho profissional”. Diante dessa profusão de leituras distintas, cabe estabelecer alguns elementos de partida com vistas a delimitar o entendimento do pensamento tipológico que guiará este trabalho. Admite-se a avaliação de Reichlin (1985) que, discutindo a natureza taxonômica do tipo, afirma que ele promove um censo do conhecimento e um reordenamento da experiência histórica em torno da disciplina arquitetônica. Mas, o remontar ao significado histórico não se dá somente pela permanência do tipo, como enfatiza Corona Martínez (2000), mas também por meio de processos de analogia ou mesmo de confrontação (SOLÁ-MORALES, 1996). Nesse sentido, a crítica de Pérez-Gómez (1991, p. 16-18), para quem o tipo “pode ser obviamente percebido na repetição de precedentes formais na história das edificações” e o seu uso como “banal” estratégia analítica ou projetual “nega a nossa [do arquiteto] real capacidade para a invenção e a imaginação” é contestada por Kahn. Os termos dessa contestação são postos pela afirmação de que, corretamente interpretado, o conceito de tipo “é um construto crítico operativo, igualmente relevante para o discurso arquitetônico em 22 geral quanto para temas específicos de originalidade e repetição relativos ao papel do passado na produção arquitetônica de hoje” (KAHN, 1991, p. 113). Em verdade, o tipo revela e consolida a norma e os valores estéticos acumulados, como resultado de fatores socioculturais que condicionaram a formação desses valores e dessa norma. Mas, na mesma medida da permanente transformação dos fatores culturais da sociedade, o tipo e a abordagem tipológica estão associados ao processo contínuo de mudanças na norma e nos valores estéticos vigentes a cada momento (Colquhoun, 1996b). É daí que Hinson (1991, p. 5) realça a natureza dialética do conceito de tipo, expressa na relação conflituosa entre convenção e inovação, de modo que “o comum em arquitetura é o atributo sem o qual o incomum não pode ser criado nem apreciado”. A abordagem tipológica, então, traz implícita a necessidade de uma aproximação com a história, sem deixar de revê-la criticamente, de modo que o tipo sirva de base, natural ou social, para a constituição da forma e de referência de validação para a produção da Arquitetura (Vidler, 1976), dê-se essa validação pela utilização criativa do tipo, pela evolução ou pela revolução tipológica. Nas palavras de Colquhoun, a adoção de abordagens tipológicas não equivale a advogar uma reversão para uma arquitetura que aceite impensadamente a tradição. Isso implicaria acatar que formas e significado guardam uma relação fixa e imutável. A característica dos nossos tempos é a mudança, e é precisamente por isso que é necessário investigar o papel desempenhado por soluções-tipo com respeito a problemas e soluções que não têm precedente em qualquer tradição recebida (COLQUHOUN, 1996a, p. 257). Munindo-se desses elementos, pode-se agora proceder a uma aproximação ao conceito de tipo a partir de sua mesma gênese no século XIX. Tal procedimento tem o objetivo de aportar ao trabalho a possibilidade de uma apropriação mais consistente do conceito, revelando a essência das abordagens teóricas de Quatremère de Quincy, Durand e Violletle-Duc a partir de uma compreensão contemporânea dos conceitos de tipo e tipologia, com vistas a garantir relevância e coerência à matriz de instrumentos analíticos que é o objeto final do trabalho apresentado neste capítulo. 23 2.3. Antecedentes dos teóricos do século XIX As primeiras explicitações teóricas do tipo e da tipologia remontam a princípios do século XIX, quando, de acordo com Lavin (1992) e Madrazo (1995), Quatremère de Quincy introduzira por vez primeira o termo tipo na teoria da arquitetura. Entretanto, Madrazo (1995) assinala que a noção teórica e, mais tarde, o conceito de tipo sempre estiveram historicamente ligados a questões teóricas fundamentais na Arquitetura: a origem da forma e seu significado, a sistematização do conhecimento prevalente e a compreensão do processo criativo do projeto. Mauro (1985) informa que na filosofia grega o vocábulo typos era associado à noção de modelo, significando então um conjunto de características obrigatoriamente presentes em um grupo de indivíduos concretos. Madrazo (1995) fixa no século XVIII a apropriação do vocábulo tipo para designar o significado epistemológico da noção de forma, enquanto anteriormente o termo idéia integrava o significado epistemológico aos significados metafísico, ético e estético, como em Platão. No âmbito da teoria da arquitetura, as raízes do conceito de tipo podem ser rastreadas até os tempos de Vitrúvio (Madrazo, 1995). Para Vitruvio, as origens da arquitetura estavam na Natureza, de onde as criações humanas foram imitadas antes que se tornassem criações intelectuais ou artificiais. Na Renascença, Leonardo da Vinci e Palladio, com seus desenhos de igrejas de planta central e suas villas, exercitaram sua criatividade e seu talento, de origem divina, expondo variações sobre um mesmo tema. Para Madrazo, é nos séculos XVII e XVIII que os teóricos da Arquitetura vão por vez primeira separar os significados da idéia, dando origem à emergência de uma leitura epistemológica da forma que leva ao conceito de tipo em princípios do século XIX. Ressalve-se que o esforço conceitual de Quatremère de Quincy – e de Durand, seu contemporâneo – teve lugar, nas primeiras décadas dos 1800, quando, como nos anos 1960, a disciplina da arquitetura vivia uma crise de identidade. Entretanto, a crise que levou aos questionamentos de Quatremère e Durand tinha razões bem distintas daquela que sucedeu o apogeu modernista. Em finais do século XVIII, a Arquitetura ainda se apoiava nas virtudes da tradição neoclássica e em sua formulação vitruviana: o divino e a natureza eram os alicerces em que se apoiava a criação arquitetônica. 24 O desenvolvimento científico-tecnológico ocorrido no século XVIII não havia sido absorvido pela Arquitetura, enquanto que era rapidamente introduzido na formação profissional seguida nas escolas politécnicas francesas (PICON, 2000). O novo profissional egresso dessas escolas, o engenheiro, estava mais capacitado para absorver a dinâmica científico-tecnológica de seu tempo e, em conseqüência, era mais requisitado para dar conta das novas necessidades edilícias e urbanísticas surgidas no seio da Revolução Industrial e intensificadas com a consolidação da burguesia. Assim, a não-apropriação do progresso técnico vai desqualificar o arquiteto como cientista, obrigando-o a rever os princípios teóricos de sua profissão, e fazendo a arquitetura ingressar em uma crise que, segundo Marques (199-), só seria superada com o Modernismo. Entretanto, ao longo do século XVIII, os paradigmas vitruvianos já vinham sendo questionados por teóricos como o Abade Laugier, Boullée e Ledoux. Em seus trabalhos, como mostra Vidler (1977), a noção de tipo já aparecia, embora sob distintas óticas, como uma diretriz de reconstrução da disciplina arquitetônica que se opunha à simples manipulação das ordens vitruvianas (MADRAZO, 1995). A linha de investigação de Laugier nasceu como um degrau a mais na pesquisa sobre percepção da forma arquitetônica, manifestada na distinção entre real e aparente desenvolvida pelos escritores franceses e ingleses no inicio do século XVIII (VIDLER, 1977). Para Madrazo (1995), o Abade traduzia uma reação contrária ao excesso de formalismo na arquitetura de seu tempo (o barroco e o rococó). Para corrigir esses excessos, Laugier achou necessário retornar à origem da Arquitetura para encontrar os seus princípios fundamentais, atribuindo então à “cabana primitiva” um caráter normativo, e erigindo-a no modelo a partir do qual toda arquitetura poderia ser criada (VIDLER, 1977). A cabana primitiva de Laugier é um construto conceitual, mais que um protótipo físico. Trata-se de um padrão abstrato que é deixado na mente depois de observações de similaridades entre objetos diferentes. Logo, revela um processo relacional entre percepção e aquisição do conhecimento. Contemporaneamente a Laugier, uma noção similar de padrão abstrato de que derivaria a criação arquitetônica fazia parte dos trabalhos de Boullée e Ledoux (PICON, 2000). Avessos à diretriz vitruviana, tentaram identificar componentes fundamentais da Arquitetura, dirigindo sua investigação em duas direções: as sensações produzidas por 25 formas elementares e os aspectos funcionais do espaço arquitetônico. A ênfase de Boullée nas formas geométricas mais puras partia do entendimento de serem elas mais facilmente apreendidas pelos usuários. Os estudos de Boullée e Ledoux, entretanto, não chegaram a sintetizar as duas dimensões (sensações e funcionalidade), de modo que seus conceitos básicos não resultaram operacionais (VIDLER, 1977). É a partir dessas duas matrizes de investigação – Laugier, de um lado; do outro, Boullée e Ledoux – que o conceito de tipo se desenvolveria na virada do século XVIII para o XIX. Os trabalhos do Abade Laugier seriam redimensionados por Quatremère de Quincy, enquanto que as investigações de Boullée e Ledoux seriam retomadas por Durand. 2.4. Tipo na visão de Quatremère de Quincy Quatremère explicitou pela primeira vez na teoria da arquitetura o termo tipo, em 1825. Em sua obra, as idéias neoplatônicas de Laugier sobre o caráter original da cabana vão encontrar uma tradução culturalista (LAVIN, 1992). Tanto Laugier como Quatremère acreditavam que a arquitetura tinha de ser regenerada, depois do excesso cometido no passado imediato. Eles estavam certos que depois do abandono do modelo clássico, a arquitetura se sentiria sem direção (MADRAZO, 1995). A solução que eles defendiam era a mesma: era necessário voltar ao principio. Para Laugier, esse princípio era a cabana; para Quatremère, era o tipo. Pesquisando diferentes culturas, Quatremère concluiu que a cabana não era a única fonte de toda arquitetura. Havia três fontes básicas, das quais toda arquitetura teria sido derivada. A essas fontes ou germes, Quatremère chamou tipos – a cabana, a tenda e a caverna –, cada um deles correspondente a uma organização social: respectivamente, comunidades agrícolas sedentárias, tribos nômades, e caçadores. Daí, Quatremère concluiu que o tipo estabelece uma conexão entre Arquitetura e sociedade, entre o projeto e as forças sociais subjacentes, indicando uma dinâmica tipológica correspondente à dinâmica social (LAVIN, 1992). Quatremère mantém a interpretação de que esses tipos originais informam todo o processo criativo em Arquitetura. Logo, a doutrina da imitação esta no núcleo do conceito de tipo de Quatremère. De acordo com ele, a arquitetura seria uma arte imitativa. Por esta razão, segundo a nomenclatura proposta por Madrazo (1995), ele diferenciou duas formas de imitação na arte: a primeira, uma imitação literal ou real, em que o objeto de imitação é 26 um modelo concreto (mimese direta); a segunda, uma imitação ilusória ou abstrata, na qual o objeto de imitação é o tipo (mimese indireta). Assim, para Quatremère (apud MADRAZO, 1995, p. 188), “... para tudo é necessário um antecedente, nada sai do nada”. Para ele, o artista arquiteto compõe sua criação a partir da apreensão e da compreensão de uma regra interna que estrutura a forma. Trata-se do tipo, um elemento abstrato a partir do qual se produzem obras (modelos) diferentes. Tipo e modelo são assim diferenciados por Quatremère: A palavra tipo não representa tanto a imagem de uma coisa que tenha que se copiar e imitar-se perfeitamente, senão a idéia de um elemento que deve servir de regra ao modelo [...] O modelo, entendido segundo a execução prática da arte, é um objeto que deve se repetir tal qual é; o tipo, ao contrário, é um objeto de acordo com o qual cada um pode conceber obras que não se assemelham em absoluto entre si. Tudo está dado e é preciso no modelo; tudo é mais ou menos vago no tipo. Assim vemos que a imitação dos tipos não tem nada que o sentimento e o espírito não possam reconhecer (QUATREMÈRE DE QUINCY, 1985, p. 75). Basicamente, Quatremère afirmou a necessidade de transcender a mera aparência dos modelos e descobrir as regras e princípios a ele subjacentes, em uma atividade intelectual criativa que captura o ponto de partida da criação a partir do modelo. As palavras de Quatremère afirmam sua visão de que o modelo é uma forma para ser repetida, copiada e imitada, e desta forma, é mais apropriada para o artesanato ou para tecnologias da produção industrial do que para a arquitetura. A doutrina da imitação era válida tanto para a arquitetura como para a pintura e a escultura. A diferença era que, em arquitetura, o objeto de imitação – o tipo – é abstrato; nas artes figurativas, o modelo é um objeto concreto. Indo mais além, afirma Lavin (1992), o conceito de tipo foi a estrutura na qual Quatremère ancorou seu entendimento da história da arquitetura. Para Quatremère, a relação entre as arquiteturas primitiva e moderna pode ser entendida pelo estudo do processo de transformação do tipo, uma metamorfose conceitual requerida cada vez que um edifício foi projetado. Como resultado, o tipo arquitetônico do passado tornou-se chave para o tipo futuro e, mais importante, para a sua legitimação pública e social. Assim, Quatremère elaborou um argumento em que a evolução histórica da arquitetura deixa de ser linear, em que tipos arquitetônicos oriundos de distintas culturas e momentos históricos se cruzam, e em que o processo de imitação (mimese indireta) se caracteriza pela 27 atividade intelectual criativa de conceber e reconhecer um princípio ideal que estruture a atuação criadora do arquiteto. Esse princípio, como assinala Oeschlin (1985), pressupõe um enfoque sistemático, não apenas descritivo, do contexto histórico das regras, permitindo que essas sejam transpostas para a metodologia projetual. Oechslin (1985) conclui das reflexões de Quatremère a evidência de que o tipo não é um modelo simplificador, um padrão reduzido da descoberta arquitetônica. Ao contrário, Oeschlin considera o conceito de tipo como uma construção teórica inteligentemente edificada, a partir da qual se pode estabelecer uma compreensão tanto do processo evolutivo da Arquitetura quanto do processo criativo da projetação, nas suas recíprocas interdependências. Entretanto, não cabe dúvida de que a formulação conceitual de Quatremère é extremamente abstrata, de forma vaga e de difícil operacionalização. Alguns, como Pérez Gómez (1991), a consideram com uma noção bastante confusa e, de certa forma, inútil. Essas críticas, entretanto, segundo Francescato (1994), estão muito ligadas à idéia de que o enfoque tipológico aprisiona a mente criadora do arquiteto nos limites da convenção, o que seria indesejável em um campo em que deve sobressair-se a invenção. O próprio Quatremère já entendia o tipo como algo limitante, mas ao mesmo tempo liberalizante das energias criadoras do arquiteto (FRANCESCATO, 1994). Afinal, a dinâmica tipológica certamente supõe a progressiva alteração dos tipos, da mesma forma que admite tanto a permanência do precedente quanto a sua negação pela geração de um tipo novo. O elemento central do debate sobre a validade das formulações de Quatremère passa pela discussão dessa natureza supostamente conservadora, anticriativa, do conceito de tipo. Francescato (1994) considera que parte da imprecisão do debate se deve à releitura de Argan das idéias de Quatremère. Enquanto que este dava ao tipo uma orientação neoplatônica, pensando o tipo como uma entidade a priori, Argan (1996, 2001) viu o tipo como resultado de uma pesquisa de coisas em comum a trabalhos reais de arquitetos, ou seja, como um exame a posteriori objetivando o descobrimento da “estrutura interna formal” de uma série de trabalhos. Argan, como historiador, estava primariamente interessado nas qualidades descritivas e taxonômicas do tipo e somente incidentalmente naquelas que devem afetar a geração de formas. 28 Para Francescato (1994), há que se admitir que existe uma prática de utilização do conceito de tipo, em arquitetura, meramente como um esquema taxonômico, geralmente associado a categorias funcionais ou de construção. Mas, nesses casos de utilização do conceito, em que se salienta o elemento funcional ou tecnológico, o atributo da forma não é central. Para Quatremère, ao contrário, a geração da forma está no núcleo do conceito de tipo. Portanto, essa visão meramente “classificadora” não pode ser assimilada a Quatremère. Sua teoria tipológica, ao diferenciar claramente os conceitos de tipo e modelo e definir o tipo como um núcleo abstrato capaz de gerar obras diferentes, ressalta o papel criativo do arquiteto ao afirmar que a forma resulta de operações intelectuais criativas operando sobre as idéias (o tipo) que estão por trás das formas precedentes. 2.5. O tipo na obra de Durand Contemporâneo de Quatremère, Jean-Nicolas-Louis Durand retomou os estudos de Boullée e Ledoux em busca de identificar fundamentos da arquitetura precedente. Boullée e Ledoux haviam trabalhado, sem êxito, na direção de sintetizar duas vertentes da análise dos espaços arquitetônicos: as sensações produzidas e os aspectos funcionais. Durand, entretanto, se fixou apenas nos elementos formais da arquitetura pregressa (PICON, 2000), com o objetivo de produzir um método operativo de análise e projetação que internalizasse o conhecimento e a manipulação de soluções prevalentes. Arquiteto, teórico pragmático e professor da Escola Politécnica de Paris, onde o ensino se centrava em conhecimentos científicos e tecnológicos, Durand orientou seu esforço de pesquisador para uma fazer arquitetônico que fosse, nas palavras de Picon (2000), tão rigoroso quanto as ciências da observação e dedução, tão eficiente quanto a engenharia. Durand rejeitava as teorias de Vitrúvio e de Laugier, que defendiam que o princípio fundamental da arquitetura estava no corpo humano e na cabana, respectivamente. Para ele, o verdadeiro princípio fundamental da arquitetura – ou seja, o tipo – devia ser buscado na própria arquitetura. Por isso, Durand analisou os edifícios do passado, sintetizando-os para revelar suas características comuns, representadas em formas geométricas básicas (MADRAZO, 1995). Seu trabalho teórico mais conhecido está recolhido em duas obras publicadas entre 1800 e 1805: o Recueil et parallèlle dês edifices de tout genre, anciens et modernes e o Précis des 29 leçons d’architecture données à l’École Polytechnique (DURAND, 2000). Este último, um curso básico em arquitetura para futuros engenheiros, lançava mão do material sistematizado no primeiro para orientar a aprendizagem da projetação de edifícios. Daí pode-se depreender uma preocupação essencial na obra de Durand: o projeto. O Recueil tinha o objetivo de apresentar, desenhados em uma mesma escala, edifícios relevantes de todos os gêneros, novos ou antigos, e em vários países. Os edifícios eram comparados entre si, sugerindo, segundo Villari (1990, p. 55), a idéia de investigação em que a arquitetura – “concebida como um modelo de organização funcional para a atividade humana” – seria uma representação das formas da vida social e do modo de vida. Nessa direção, o trabalho de Durand no Recueil pode ser entendido como um levantamento sistemático de exemplares precedentes, que podem ser usados de forma a constituir-se, na mente do estudioso arquiteto, em fonte de conhecimento e cultura. As intenções de Durand eram as de apresentar plantas e elevações dos edifícios analisados na forma mais limpa possível. Para ele, o desenho era apenas um instrumento de representação da arquitetura dos edifícios, uma transcrição tecnográfica (VILLARI, 1990). Em suma, Durand buscava uma representação o mais fiel possível da anatomia do edifício, descartando efeitos meramente decorativos e concentrando-se nas definições mais puramente geométricas do projeto, para ele os princípios genéricos da Arquitetura (MADRAZO, 1995). Vê-se que o Durand do Recueil não desmerece o Durand do Précis. Neste livro, Durand (2000) propunha um método de projeto baseado em três etapas. A primeira, cujo objeto são os elementos da arquitetura, está concentrada em alvenarias, colunas, arcadas etc., analisadas dos pontos de vista da qualidade do material e de seu uso, ou seja, a tecnologia construtiva (VILLARI, 1990). A segunda etapa do método de Durand se dirige à composição, a qual ele mesmo definia como um processo de agregação ou encaixe (assamblage) dos elementos e das partes da arquitetura. Nas palavras de Durand: em primeiro lugar, devemos ver como os elementos da arquitetura deveriam ser combinados entre si e como deveriam se encaixar no todo, tanto no plano horizontal quanto no vertical; em segundo lugar, devemos verificar como, por meio das combinações de elementos, as partes do edifício – como pórticos, átrios, vestíbulos, escadas interiores e exteriores, cômodos em geral, pátios, fontes – são obtidas. Se julgarmos 30 o resultado satisfatório, devemos então combinar as partes para compor o edifício (DURAND, 2000, p. 119). Na terceira etapa do Précis, Durand examina diversos edifícios com respeito a suas funções, como elas se combinam e como se traduzem espacialmente, para finalmente estudar a articulação desses espaços (DURAND, 2000). Para Villari (1990), o resultado desse processo é uma classificação tipológica que, entretanto, só tem sentido quando está relacionada com as duas etapas anteriores. Assim, embora Vidler (1977) atribua a Durand a paternidade do moderno conceito de tipologia, não parece ter sido a categoria do edifício, assim definida pela função, o objeto central das preocupações de Durand. Com efeito, Oeschlin (1985) ressalta em Durand o apego à geometria, a suas formas básicas e à riqueza de possibilidades que se abrem mediante a articulação dessas formas básicas em formas cada vez mais complexas. Se, lembra Oeschlin, o Précis mostra precisamente como edifícios existentes podem ser reduzidos geometricamente até serem “anatomicamente” dissecados em partes constituintes singelas, isso se deve a que Durand estava realmente interessado em tornar legível na arquitetura pregressa a vinculação entre categorias de edifícios e determinados arranjos compositivos, organizados a partir de formas elementares da geometria plana. Ou seja, a partir das formas das figuras geométricas, reconhecer o pensamento arquitetônico a elas subordinado. Além disso, Picon (2000) acredita que o método proposto no Recueil representa para Durand a formalização do material histórico através da redução para o essencial para uso no processo projetual concreto. Assim, a relação entre a sistematização da geometria e da história forma premissas fundamentais para uma introdução racional da tipologia. É admissível, então, ressaltar na obra de Durand a catalogação extensiva de alternativas de composição no plano dos elementos da arquitetura, em um primeiro nível, e de articulação entre partes da arquitetura, no segundo. Daí pode-se depreender que o esforço tipológico de Durand se concentra, não no edifício (ou seja, não na visão de tipo edilício de Pevsner, 1976), mas no método. Essa leitura pode ser reforçada com o uso de palavras do próprio Durand no Précis: Combinar diferentes elementos entre eles, e daí formar partes do edifício que, combinadas entre si, formam o todo – este é o caminho a seguir quando se deseja aprender a compor; quando se compõe, o caminho é ao contrário, começando do todo para as partes e daí para os detalhes (DURAND, 2000, p. 127). 31 A idéia subjacente é de que uma mesma via é seguida em sentidos diferentes, um para o processo de análise, outro para o de síntese. O processo criativo do arquiteto, propõe Durand, deve ser iluminado pelo conhecimento das soluções de composição (o catálogo de soluções pregressas), mas não pressupõe nem uma atitude passiva de incorporação de formas-tipo adequadas a funções, nem a rigidez de um processo pré-definido. O trabalho teórico de Durand carrega a marca do novo contexto técnico-científico de seu tempo. Em muitos aspectos, tanto na definição dos elementos de arquitetura ou teorizando o uso de tipos arquitetônicos, ele retomou e completou o trabalho inacabado de Boullée e Ledoux. Mas, segundo Picon (2000), houve um preço a ser pago: desaparecem os aspectos mais “poéticos” e em seu lugar está um “método”. Pérez Gómez (1983), inclusive, chegou a chamar Durand de arquiteto “enxuto”, um possível eufemismo para “limitado” ou “redutor” da complexidade da arquitetura a um plano puramente racional. Para De Fusco (1990, p. 72), entretanto, Durand “elabora uma tipologia morfológica com flexibilidade e capacidade de adaptação a demandas e usos funcionais diversos do edifício singular”, concebendo aí um mecanismo de análise ajustável a qualquer edifício. Dessa forma, a abordagem tipológica de Durand – embora sua técnica de projetação possa parecer hoje ingênua ou simplista – aponta significativamente na direção do entendimento de como o ato arquitetônico de projetar opera com elementos geométricos estruturais, articulando-os por meio de soluções combinatórias para propor espaços arquitetônicos complexos (MADRAZO, 1995). 2.6. O tipo na visão de Viollet-le-Duc Eugène Emmanuel Viollet-le-Duc foi um dos mais proeminentes teóricos da Arquitetura no século XIX. Como Quatremère e Durand, Viollet-le-Duc não aceitava o paradigma vitruviano das ordens naturais como princípio fundamental da Arquitetura. Por outro lado, como assinala Madrazo (1995), Viollet-le-Duc compartia com outros teóricos de seu século o sentimento de que os anos 1800 eram anos sem “estilo”, ou seja, sem uma arquitetura peculiar que o distinguisse, como ocorria com a arquitetura grega, egípcia, romana ou medieval. Para Viollet-le-Duc, a palavra estilo significava “em uma obra de arte, a manifestação de um ideal estabelecido sobre um princípio” (apud MADRAZO, 1995, p. 259). Havia, para Viollet-le-Duc, leis naturais antecedentes à idéia criativa e, nesse sentido, pode-se assimilar 32 o tipo de Quatremère ao estilo de Viollet-le-Duc. Ambos os conceitos invocam, segundo Madrazo, um princípio genérico inerente à natureza que o arquiteto deve imitar (a mimese indireta de Quatremère). Mas, para Viollet-le-Duc, esse princípio que constitui a base da genuína criação na Arquitetura não é necessariamente derivado da natureza. Para Viollet-le-Duc – um racionalista e, portanto, um seguidor da idéia de que as razões do homem e da natureza são equivalentes –, a arquitetura precedente que tinha estilo também podia ser objeto de imitação, desde que o arquiteto não se limitasse a copiar a aparência dos estilos passados (ou seja, suas formas aparentes), mas sim que buscasse entender os princípios essenciais inerentes à formação desses estilos (VIOLLET-LE-DUC, 1990). Em seu trabalho como restaurador, afirma Colquhoun (1996b), Viollet-le-Duc procurava a essência da arquitetura gótica, reduzindo-a a um conjunto de princípios instrumentais, em um método de trabalho que, implicitamente, revela uma tentativa de encontrar a base da intervenção restauradora na idéia escondida dentro do edifício analisado. Essa idéia, ou “forma oculta”, equivalente do princípio estruturador da forma visível em Quatremère, estaria condicionada, na visão de Viollet-le-Duc, pela solução estrutural e pela lógica ditada pelos materiais e técnica construtiva (GUBLER, 1985). Segundo Madrazo (1995), isso significava um entendimento de que o suporte físico do edifício – a estrutura – era inseparável do princípio interior que dá unidade à forma, o que inclui também o desenvolvimento espacial do edifício. Há, portanto, na teoria de Viollet-le-Duc, uma menção explícita a um trabalho de análise que precede a elaboração criativa do projeto. Esse trabalho analítico, concretizado no conhecimento e no estudo da arquitetura precedente, exigia, porém, uma valoração crítica, um juízo de valor, sobre a qualidade (a existência ou não de estilo) da arquitetura estudada. 2.7. Integração dos conceitos de tipo Para Lavin (1992), Quatremère abordou cientificamente o entorno sociocultural da Arquitetura precedente com o objetivo de gerar um modelo operativo de projetar. Para Picon (2000), Durand enfocou cientificamente o ato de projetar como forma de gerar projetos adequados e convenientes para diferentes sociedades e usos. Para Madrazo (1995), Viollet-le-Duc adotou o paradigma científico de seu tempo para defender projetos que 33 articulassem eficientemente a forma e os fatores de contexto (materiais, técnica, função, clima). Ou seja, todos eles pesquisando cientificamente o ato criativo do projeto, enfatizaram as estreitas relações entre a Arquitetura e seu contexto humano, sociopolítico e tecnológico. Por outro lado, todos eles construíram teorias e argumentos em que, necessariamente, o processo de projetação inclui uma fase inicial de análise da arquitetura precedente. Na visão tipológica de Francescato (1994), a abordagem tipológica também se insinua em todo o decorrer do processo projetual, segundo algum modelo do processo de projetação que absorve e operacionaliza o conhecimento tipológico. Concretamente, os três teóricos analisados orientaram seus estudos pela busca da essência da Arquitetura. Para Quatremére, essa essência era o tipo, termo que usou explicitamente, e que definia como uma lei geratriz interna e abstrata com poder de estruturar o trabalho do arquiteto. Para Durand, a essência estava nas figuras geométricas básicas que sintetizavam o edifício e que serviam como elementos fundamentais para a atuação criativa do arquiteto. Para Viollet-le-Duc, que chamou essa essência de estilo, ela era um princípio unificador da estrutura e da forma arquitetônica, decorrente do material e da técnica construtiva. Essas diferentes visões acerca do que constitui a essência da arquitetura não bastam para caracterizar as posições de Quatremère, Durand e Viollet-le-Duc como conflitivas. Na verdade, as leituras de Quatremère e Durand foram freqüentemente consideradas como em conflito (STROHER, 2001), embora Oeschlin (1985) defende a sua utilização combinada como forma de aprimorar teoricamente a análise e a projetação arquitetônica. Com relação à concepção tipológica de Viollet-le-Duc, considera-se em geral que ela é bastante próxima da de Quatremère (MADRAZO, 1995), muito embora a “idéia estruturadora” deste seja abstrata e invisível, enquanto que a daquele é mais concreta, consistindo de estrutura e tecnologia construtiva. De outra perspectiva, Durand enfatiza a geometria da planta em sua abordagem do processo projetual. Quatremère põe a ênfase no conceito subjacente à estruturação do objeto arquitetônico, enquanto que Viollet-le-Duc ressalta a decisão em torno dos materiais e técnicas construtivas do edifício, embora a situe no plano da concepção do projeto. 34 Em verdade, pode-se entender que essas três visões são complementares. Não há um claro conflito entre elas e sua utilização simultânea pode fornecer uma compreensão mais completa e integrada do edifício, de uma perspectiva mais contemporânea. Uma vez definido um contexto, e considerada uma função, a integração destas visões permite compreender, não só cada um dos elementos essenciais considerados pelos autores, mas também as suas inter-relações e as suas relações com o contexto. Por outro lado, essa solução responde de forma ampliada às afirmações de Francescato (1994), para quem a vantagem principal do conceito de tipo e do pensamento tipológico, seja na análise, seja na projetação de arquitetura, é a possibilidade de explorar os aspectos relacionais forma-função. Nas suas próprias palavras: Tipologias relacionais [...] são menos diretas. Relacional conota a idéia de que tipo condensa o relacionamento entre forma arquitetônica e utilidade. Essa conexão distingue a arquitetura e firma-se no núcleo do empreendimento arquitetônico, mas tem sido difícil identificar e descrever como o conceito de tipo incorpora essa conexão (FRANCESCATO, 1994, p. 255). Pode ser conveniente também lembrar que Argan (2001, p. 69) enunciou que o seu conceito de tipo e o conceito de tectônica podiam se aproximar mutuamente, enriquecendo a tipologia até o ponto de ela representar o “fundamento ‘nocional’ sobre o qual se funda necessariamente a elaboração formal do artista”. O que se propõe aqui é considerar que o inter-relacionamento entre forma-base, função, geometria constituinte e tectônica adquire para o instrumento tipológico uma característica relacional que enriquece o processo analítico, bem como o de projetação orientado pela abordagem tipológica. Assim sendo, julga-se que o procedimento analítico que resulta da aplicação deste instrumento tipológico composto tem consistência interna, é satisfatoriamente sustentado pela literatura analisada e apresenta exeqüibilidade operacional com respeito tanto à análise evolutiva da tipologia arquitetônica hospitalar no Ocidente (que se realiza com base em informação secundária) quanto ao estudo da evolução tipológica do edifício hospitalar em Natal, que trabalha com informação primária coletada em campo. 35 2.8. Descrição dos instrumentos de análise A opção metodológica desse trabalho se insere na linha de argumentação reconciliadora das três abordagens já mencionadas do tipo (Quatremère, Durand, Viollet-le-Duc) e de seus papéis no processo analítico em Arquitetura. Nesta seção, explicita-se o conjunto de instrumentos que serão adotados na análise que se procederá adiante. Esses instrumentos se derivam dos conceitos de tipo estudados, sendo definidos de forma a que adquiram um caráter operativo, visando a seu uso posterior. Conforme se pode deduzir das seções antecedentes deste capítulo, são os seguintes os instrumentos a serem adotados: (a) princípio organizador do espaço Decorrente do conceito de tipo presente na obra de Quatremère de Quincy, o princípio organizador do espaço é um conjunto de regras que regem a organização do espaço, na forma de uma convenção abstrata. O princípio organizador do espaço não deve ser confundido com (ou tomado por) um esquema gráfico, seja de planta, seja volumétrico. Ele se exprime por palavras, não por croquis ou desenhos. Sendo um princípio estruturador do espaço, seu enunciado define como as atividades de um edifício vão se articular em um todo e se relacionar umas com as outras. O completo entendimento de como essa regra foi apropriada em um projeto específico requer o conhecimento do repertório da arquitetura e do contexto à época de elaboração e materialização do projeto. Logo, esse entendimento só pode se realizar verificando como ele se concretizou posteriormente em um dado edifício, ou seja, de como um princípio abstrato revelou-se materialmente em uma específica, dentre tantas possíveis, solução de planta, volumetria, sistemas estruturais e tecnologia construtiva. Neste trabalho, a aplicação do instrumento se deu, a partir do arranjo espacial de atividades, inferindo o princípio subjacente com que foi estruturado aquele arranjo, por meio de observação de elementos caracterizadores como: x natureza das atividades (religiosas, terapêuticas, de apoio, cuidados aos pacientes, técnico-científicas etc.); 36 x nível de complexidade, observando a diversidade de áreas e arranjos para executar cada atividade (quantidade de áreas e/ou compartimentos necessários para realizar cada atividade); x relação de proximidade entre atividades (perto x longe, contínua x descontínua, acima x abaixo etc.); x natureza da conexão entre atividades (direta ou indireta, de primeiro ou de segundo nível hierárquico, condicionada ou independente, em série ou em paralelo etc.); x natureza da formação de grupos espaciais de atividades (inter-relações funcionais, afinidade de uso, estética, ambiental etc.); x modo de distribuição dos grupos ou das atividades (funcional – processo racional, inter-relações funcionais, visão sistêmica, zoneamento; estética – composição, hierarquia, simetria, significado); x tratamento dos fluxos externos e internos à edificação (disciplinamento, controle, sequenciamento, convergência, divergência e separação de fluxos); x orientação solar (insolação, ventilação, luminosidade). (b) esquema geométrico da planta Originária da concepção de tipo presente na obra de Durand, a planta é a concretização gráfica do princípio organizador do espaço. Sua descrição geométrica esquemática, portanto, se dá na forma de esquemas gráficos e de comentários textuais, os quais permitem tentar inferir por que razão, em um caso específico de um projeto de edifício, adotou-se uma solução geométrica (e não uma outra) para dar guarida a um conjunto de atividades regidas por um princípio de organização do espaço. Tendo em vista o fato de que a planta materializa as pretensões que o arquiteto recolheu no princípio organizador do espaço, faz-se necessário que as observações nesse instrumento estejam articuladas com aquelas feitas com respeito ao instrumento anterior. Salientar-se-ão aspectos referidos a: x síntese da planta em uma(s) figura(s) geométrica(s) básica(s); x dimensões relativas na direção dos eixos, tanto na horizontal quanto na vertical; x eixos principais e secundários de desenvolvimento; x modulação em planta e na vertical; x forma de relacionamento entre figuras geométricas básicas; x como se posicionam os compartimentos entre si; x restrições que a forma do terreno induz na forma da planta; 37 x natureza dos volumes resultantes; x como se relacionam esses volumes. Obtêm-se as figuras geométricas básicas representantes da planta, bem como o modo de composição dessas formas para a definição progressiva de pavimentos do edifício e do todo edificado, ressaltando-se a solução volumétrica final. Leva-se em conta o contexto social e político, bem como outros condicionantes, do empreendimento e da planta, que sejam inerentes à função do edifício. (c) tecnologia construtiva Devida à visão de tipo propiciada por Viollet-le-Duc, a tecnologia construtiva engloba sistema estrutural, materiais e técnica construtiva. Constitui um instrumento que analisa como a idéia estruturadora do espaço (de Quatremère), graficamente concretizada na planta (de Durand), se converte em espaço edificado concreto. Naturalmente, sua definição é dependente do contexto histórico, diretamente – dados os condicionantes tecnológicos e econômicos das decisões neste instrumento – ou indiretamente, em razão de fatos e limitações econômicas, culturais e sociais. Por outro lado, vincula-se fortemente à eleição da planta, de modo que as considerações aqui feitas devem forçosamente articular-se com as que se fizerem com respeito a esse outro instrumento de análise. Inclusive, soma-se à planta para influir na volumetria predial. Observar-se-ão, nos edifícios concretamente construídos a solução estrutural e construtiva, sua adequação e ajustamento aos espaços projetados, em termos geométricos e volumétricos, tecnológicos e simbólicos. Por fim, há que ressaltar a necessidade de uma articulação interna no que concerne aos comentários feitos nos sub-instrumentos (estrutura, materiais, técnica de construção), uma vez que as decisões de projeto a esse respeito são necessariamente interdependentes. Assim definido, esse conjunto de instrumentos será aplicado neste trabalho em duas instâncias distintas. Em primeiro lugar, serão utilizados para analisar a evolução dos edifícios hospitalares no mundo ocidental. Nessa instância, o material objeto da aplicação provém de informação secundária, na forma de informação bibliográfica, documental, fotográfica, iconográfica ou literária a respeito de edifícios hospitalares representativos das mais diversas épocas. É evidente que, nessa primeira instância de aplicação, haverá de simplificar o modo de aplicação dos instrumentos, uma vez que haverá casos de 38 informações faltantes e, ao mesmo tempo, casos em que a informação obtida só parcialmente será adequada à análise. Os resultados dessa aplicação estão apresentados no capítulo seguinte, o terceiro do documento. Em segundo lugar, o instrumental de análise será aplicado a edifícios hospitalares de Natal, Rio Grande do Norte, com vistas a analisar a evolução tipológica por eles apresentada visà-vis a evolução tipológica da arquitetura hospitalar no mundo ocidental. Nessa instância, a aplicação dos instrumentos se dará diretamente sobre projetos de arquitetura e sobre edifícios construídos, nas condições de método que, junto com os resultados, são apresentadas no capítulo 5 deste documento. Cabe, nesse momento, relacionar esses instrumentos e esse detalhamento operacional às perguntas formuladas na seção primeira do capítulo 1 deste trabalho. Com efeito, se a análise tipológica é um instrumento metodológico capaz de endereçar respostas àquelas perguntas, como ali se supôs, então não haverá dificuldades em perceber como a aplicação dos instrumentos analíticos acima especificados pode responder às perguntas colocadas inicialmente a este trabalho. A primeira daquelas perguntas indaga sobre o porque de uma dada configuração geral do edifício se considerar mais adequada para atender as necessidades em um dado momento e em um dado contexto. Ora, a configuração geral é determinada pela planta organizada com base na lei geratriz da forma e efetivamente materializada pela incidência do sistema estrutural e construtivo. Mas tudo isso está relacionado, conforme se apontou na especificação acima, a fatores determinantes de contexto. As demais perguntas ali colocadas podem ser respondidas com a afirmação de que, na medida em que configuração geral e contexto estão vinculados, mudanças de contexto produzirão, necessariamente, alteração nas configurações gerais. Desse modo, transladar experiências tipológicas de um a outro contexto, sem as necessárias adaptações, não é uma alternativa adequada. Da mesma forma, se o arquiteto for capaz de intuir as mudanças futuras no contexto, poderá antecipar, ao menos na forma de projetos mais flexíveis e adaptáveis, as configurações gerais que mais se adequarão às necessidades por vir. Capítulo 3 E v o l u ç ã o d a s t i p o l o g i a s a rq u i t e t ô n i c a s do edifício hospitalar 40 3. Evolução das tipologias arquitetônicas do edifício hospitalar Neste capítulo, tem-se por finalidade estabelecer, com base no instrumental de análise definido no capítulo anterior, uma compreensão de como as tipologias arquitetônicas do edifício hospitalar se sucederam ao longo do tempo, sobre o pano de fundo de transformações institucionais, culturais, sociais, políticas e do desenvolvimento histórico da Medicina e da tecnologia médica. A análise está delimitada por um recorte geográficotemporal que circunscreve as tipologias estudadas à arquitetura hospitalar ocidental, da Idade Média até a contemporaneidade. Justifica-se ajustar o foco à arquitetura hospitalar do Ocidente pelo fato de que as hipóteses e questões-chave deste trabalho enfatizam o tema da assimilação, por uma arquitetura local, da evolução tipológica da arquitetura hospitalar em plano mundial. Como a assimilação supõe laços de intercâmbio ou influência cultural e profissional, e na medida em que os laços entre a arquitetura local estudada e o Oriente são pouco significativos, excluiu-se do escopo do trabalho a arquitetura hospitalar oriental. O recorte temporal adotado estabeleceu a Idade Média como ponto de partida para o estudo. Tal decisão, em primeiro lugar, se ancora no fato de que é na Idade Média que vai se firmar, no Ocidente, o conceito de hospital enquanto espaço de atenção ao enfermo ou, na definição aqui adotada, unidade de saúde com atendimento em regime de internação. Por outra parte, desde as primeiras observações empíricas feitas neste trabalho, pôde-se perceber que a arquitetura hospitalar em Natal registra exemplares com definições tipológicas que remontam à Idade Média. Assim, seja para apreender a atuação dos fatores de transformação tipológica do edifício hospitalar, seja para realizar a análise comparativa das evoluções tipológicas estudadas, julgou-se metodologicamente necessário adotar o hospital medieval como marco inicial do processo. O trabalho apresentado neste capítulo tem por base uma pesquisa bibliográficodocumental. Nela, buscou-se caracterizar o contexto em que se projetaram e construíram hospitais e as séries tipológicas de edifícios que mais significativamente marcaram os períodos estudados. Foi seguida uma periodização corrente em estudos históricos de distintas naturezas: o período medieval, a Renascença, o Iluminismo, a Era Moderna e o período contemporâneo da pós-modernidade. 41 Cabe ressaltar que muitas das referências bibliográficas utilizadas já apontam resultados de estudos anteriores no campo da tipologia do edifício hospitalar, até mesmo quando tal objetivo não é diretamente perseguido. Julgou-se consistente levar em conta essas considerações tipológicas presentes na literatura consultada, adotando-as inicialmente como sugestões a serem confrontadas e eventualmente adaptadas ao instrumental analítico que se elegeu como marco referencial do trabalho. Assim, o procedimento metodológico seguido foi o de apoiar-se em algumas dessas obras de referência (C. H. BOEHRINGER SOHN, 198-; THOMPSON; GOLDIN, 1975; IMBERT, 1982; JAMES; TATTON-BROWN, 1986; GOLDIN, 1994; VERDERBER; FINE, 2000) para elaborar uma interpretação preliminar da evolução das tipologias arquitetônicas hospitalares no Ocidente. Posteriormente, essa interpretação foi ajustada em função de análises específicas feitas de hospitais representativos de cada período adotado, conforme apresentados – por meio de descrições literárias, esquemas gráficos, gravuras, fotografias etc. – nas fontes documentais utilizadas. A estruturação deste capítulo foi definida pela periodização adotada no estudo bibliográfico. Assim, a primeira seção concentra-se no hospital do período medieval. As demais enfocam, sucessivamente: o hospital renascentista; o iluminista; o modernista; e, finalmente, o hospital do período pós-modernista. Uma seção final apresenta um quadrosíntese da evolução tipológica estudada, que condensa os resultados obtidos na análise das transformações sofridas pelo edifício hospitalar ao longo de todo o período analisado. 3.1. O hospital no período medieval Nos dez séculos que compõem a Idade Média, a evolução do hospital esteve fortemente vinculada à Igreja Católica. Com a expansão do Cristianismo, a partir de fins do século IV, a prestação de ajuda material e espiritual aos necessitados veio a se constituir no principal objetivo das instituições religiosas, principalmente os mosteiros – a mais importante representação arquitetônica do poder do Catolicismo (GOMBRICH, 1979) –, e de seus membros. Ante aqueles necessitados que não estavam em condições de prover seu próprio sustento, a atitude de caridade cristã estava organizada em sete tarefas (THOMPSON; GOLDIN, 1975): dar de comer, de beber e de vestir; falar com estranhos; oferecer consolo espiritual, cuidar os enfermos e enterrar os mortos. Aos desamparados, se somavam peregrinos e 42 viajantes (ROSEN, 1994): estes, cansados, carentes de alimentação e repouso; aqueles, depauperados pelas condições duras dos caminhos e das dietas, requerendo cuidados e descanso. No princípio, a instituição hospitalar era, portanto, uma espécie de albergue, que oferecia proteção, guarida, cuidados e, sobretudo, consolo espiritual aos necessitados. Esse caráter inicial de albergue e esse vínculo estreito com a religião viriam a sedimentar, segundo Imbert (1982), as bases das tipologias arquitetônicas hospitalares ao longo de toda a Era Medieval. Três tipos – e aqui se usa a palavra na acepção firmada no capítulo anterior – podem ser encontrados na arquitetura hospitalar ocidental dos séculos V a XV (THOMPSON; GOLDIN, 1975; IMBERT, 1982; CARLIN, 1989; BINET, 1996). O primeiro deles, ao qual se denomina neste trabalho de claustral, corresponde à Alta Idade Média, sendo contemporâneo do feudalismo. O segundo, aqui denominado basilical, surge e se consolida a partir do século XI, na Baixa Idade Média, período em que a expansão territorial, o surgimento de novas e o crescimento de antigas cidades, bem como o florescimento do comércio, caracterizam o desenvolvimento do capitalismo mercantil (C. H. BOEHRINGER SOHN, 198-). Por fim, tem-se o tipo colônia, cuja presença é notada desde o século IV e que, tendo se firmado com a edificação de leprosários, foi posteriormente usado em outras situações, transcendendo a arquitetura hospitalar e a Idade Média. Os três tipos são examinados nas subseções seguintes, adotando-se a estrutura de abordagem orientada pelo conceito de tipologia desenvolvido no Capítulo 2. Nesse sentido, ressaltam-se para cada um deles: o contexto interveniente na formação do tipo, a idéia subjacente à organização dos espaços, as definições de planta e volumetria, bem como as soluções tectônicas empregadas, mais atentamente as referentes à estrutura. 3.1.1. O tipo claustral Sob a proteção do Cristianismo e da Igreja, o hospital se converteu em uma instituição firme. Era instituído, edificado e administrado pelas autoridades eclesiásticas, sustentandose a sua construção e manutenção por meio de doações financeiras espontâneas e de recursos deixados em testamento por leigos (THOMPSON; GOLDIN, 1975). Esses legados não eram totalmente desinteressados, pois a Igreja da época filiava parte desses recursos à absolvição dos pecados ou aos pagamentos por graças alcançadas. 43 Assim é que, na Alta Idade Média, em volta das catedrais nas instituições monásticas, foram erguidos edifícios para abrigar atividades que se constituíam como próprias dos hospitais (ROSEN, 1994). Em geral, os mosteiros se localizavam fora das muralhas das cidades medievais, nos cruzamentos das estradas (LABASSE, 1982). Neles é que se estabeleceu mais significativamente a atividade hospitalar medieval. O Monastério Beneditino de St. Gall, na Suíça, é considerada como o mais representativo dos edifícios hospitalares medievais BOEHRINGER (C. SOHN, H. 198-; IMBERT, 1982). Alguns desenhos datados do ano de 820, e encontrados por pesquisadores em trabalhos de campo, serviram como base para reconstituição Figura 1 – Modelo tridimensional do Monastério de St. Gall, com destaque para a enfermaria. Fonte: http://vandyck.anu.edu.au do conjunto edificado do monastério em um modelo tridimensional (ver FIG.1). Ao redor da catedral, foram erguidos outros quarenta edifícios necessários para o desenvolvimento das atividades da vida dos monges, A incluindo aquelas de albergar os hóspedes e de cuidar dos enfermos (ver FIG.2). B Thompson e Goldin (1975) depõem que a maioria desses edifícios construtivo tinha sistema rudimentar, em madeira, bastante comum na época C para a construção de estábulos e celeiros. Do total, somente nove edifícios utilizavam arcadas e abóbadas – o sistema construtivo mais desenvolvido da época –, cujo Figura 2 – Planta geral do Monastério de St. Gall. Legenda: (A) Igreja; (B) Clausura dos monges; (C) Enfermarias. Fonte: htpp://lib.utexas.edu 44 principal material de construção era a pedra. Entre os nove, provavelmente os que gozavam de maior prestigio no mundo religioso do monastério, estavam a Catedral – uma basílica que se destacava do conjunto por suas dimensões – e, lançando mão do tipo claustral, a clausura dos monges e a enfermaria, designação do edifício destinado aos cuidados dos enfermos (IMBERT, 1982). O tipo claustral era uma derivação do tipo átrio, utilizado na arquitetura romana residencial clássica – um pátio interno descoberto para onde se voltavam as residências com suas aberturas como janelas e portas. No clima mediterrâneo, funcionava como uma espécie de proteção à hostilidade do clima seco. Nesse tipo, as relações entre os ambientes e entre as edificações são estabelecidas a partir de um espaço interno comum. O vínculo com o espaço interno é mais valorizado do que com o externo. Essa disposição favorece tanto a integração das atividades, quanto as relações sociais interiores ao grupo de usuários, ao mesmo tempo em que propicia um distanciamento com respeito ao ambiente externo e proteção das hostilidades climáticas. O esquema da clausura se diferenciava do átrio romano pelo acréscimo de uma circulação arqueada em redor do pátio, por onde os monges caminhavam fazendo suas orações e através do qual se faziam as comunicações dos aposentos dos monges com a capela e com o refeitório. Era também através do pátio que se dava a comunicação com o exterior do edifício, de modo que o pátio funcionava também como uma espécie de ante-sala. Para o pátio, em cujo centro se destacava a fonte em meio aos jardins internos, se voltavam as aberturas dos ambientes, pelas quais eles recebiam iluminação e ventilação. Em segundo grau de importância, as instalações para cozinha e banhos se situavam no exterior do edifício e se comunicavam aos aposentos através de circulações cobertas. 45 O edifício da enfermaria de St. Gall era uma reprodução do esquema da clausura (ver FIG. 3). Ao redor de um pátio interno retangular, encontravam-se quatro aposentos destinados à estadia dos enfermos, a capela e um refeitório, que se ligavam uns aos outros pelo interior do edifício, através de uma circulação com arcadas. Esta organização dos espaços parece bem Figura 3 – Planta da enfermaria do Monastério de St. Gall. adequada à vida de isolamento e meditação dos Legenda: (1) Pátio interno; (2) Claustro; (3) Enfermarias; (4) monges. No entanto, não havia nenhuma relação direta Latrinas; (5) Refeitório; (6) Capela. com as atividades de cuidados dos enfermos. Obs: adaptado de htpp://lib.utexas.edu O perímetro retangular do pátio estava estruturado em colunas (ou pares de colunas) igualmente espaçadas, erigidas em pedra, as quais apoiavam arcos e abóbadas semicirculares que cobriam o claustro, com coberta em água única. As paredes em pedra dos compartimentos garantiam a estrutura para a cobertura em duas águas e eventuais tetos abobados. Essa estrutura dá forma a uma volumetria assimilada a um prisma de base retangular – próxima do quadrado –, vazado no centro pelo pátio, com altura da ordem de metade das dimensões da planta, destacando-se (ver FIG. 1) a capela por exibir linha de cumeeira acima das outras alas, embora bem abaixo da altura da igreja. A simplicidade dos materiais e da solução estrutural condiz com a natureza religiosa de recolhimento, inerente ao tipo. A adoção da tipologia claustral para as enfermarias nos monastérios se deve provavelmente a dois motivos. O primeiro se liga ao fato de que cuidar dos enfermos ocupava uma posição elevada na hierarquia das regras da vida monacal da época (BINET, 1996; THOMPSON; GOLDIN, 1975): logo, tratava-se de uma atividade prestigiada e o edifício em que se realizava deveria adotar um tipo mais sofisticado que aquele tipo vernacular mais rudimentar. O segundo motivo deve derivar do fato de que o isolamento proporcionado pelo tipo claustral era adequado à vida de orações, cânticos, missas e comunhões à qual se obrigavam os enfermos ali internados (C. H. BOEHRINGER SOHN, 198-). 46 3.1.2. O tipo basilical A partir do Século XII, quando as cruzadas e a abertura de novas rotas de comércio contribuíram para o surgimento e enriquecimento das cidades, e para o florescimento da classe dos mercadores, a Igreja passou a contar com novas fontes de doações muito mais vultosas (GOMBRICH, 1979). A nobreza de origem feudal, reis e príncipes, mas também os novos ricos comerciantes, aportavam recursos para a construção de novos hospitais, motivados pela compra de indultos e indulgências (THOMPSON; GOLDIN, 1975). Por outro lado, o crescimento das cidades ocasionou o aumento da demanda por leitos. Com mais recursos, sob pressão pelo aumento de leitos, as entidades religiosas passaram a expandir, adequar, e construir hospitais. Essa época de crescimento econômico se refletiu, sobretudo, na arquitetura religiosa, o que se demonstra pela construção de monumentais catedrais e monastérios, os verdadeiros representantes da arquitetura gótica (GOMBRICH, 1979). Do ponto de vista da atenção ao enfermo pouca coisa mudara com respeito ao período da Alta Idade Média: o aspecto mais importante dos cuidados aos enfermos ainda era o consolo espiritual oferecido pela assistência dos monges e obtido nos rituais religiosos; os enfermos eram desconectados da vida em sociedade e submetidos a um especial regulamento religioso (THOMPSON; GOLDIN, 1975; ROSEN, 1994). Entretanto, mesmo que as facilidades hospitalares continuassem sendo disponibilizadas nos mosteiros, o tipo claustral não mais se ajustava às novas necessidades da sociedade. De fato, o retângulo fechado não satisfazia os novos requerimentos de expansão dos espaços das enfermarias para colocação de mais leitos. Além disso, a grandiosidade institucional da Igreja Católica na Baixa Idade Média havia de ser comunicada cotidianamente aos que a ela se arrimavam em busca de guarida e apoio espiritual (GOMBRICH, 1979). Um tipo adequado à suntuosidade e à grandiosidade parecia, então, mais adaptado ao novo contexto do edifício hospitalar. E a solução buscada se originava em um tipo clássico da construção religiosa: a basílica. A idéia central que ancora a tipologia arquitetônica basilical é a de acolher, com um sentido de coletividade (C. H. BOEHRINGER SOHN, 198-), todas as atividades indispensáveis à vida dos enfermos sob o mesmo teto: alimentação, repouso, banhos e, 47 sobretudo, a ritualística religiosa. Com esse requerimento básico, e visando tornar mais toleráveis as condições de vida, faz-se necessário um ambiente de grandes dimensões, não só em planta, mas também em termos de pé direito, sem quaisquer divisões entre os leitos. O representante mais significativo do hospital de tipo basilical é o que integrava o Monastério de Cluny, na França. Desenhos encontrados e escavações propiciaram a reconstituição do conjunto, inclusive das duas enfermarias, destacando-se a maior delas, edificada ao redor de 1135 (THOMPSON; GOLDIN, 1975; C. H. BOEHRINGER SOHN, 198-). Tinha ela planta retangular, semelhante a de uma basílica de três naves (ver FIG. 4). As naves laterais dessa enfermaria eram organizadas em dois pisos, de forma que os leitos de internação se situavam em um mezanino, uns ao lado dos outros, perpendicularmente às paredes laterais, sem divisões entre eles (CARLIN, 1989; THOMPSON; GOLDIN, 1975). Os banhos e latrinas estavam no nível desse mezanino, em um anexo adjunto ao edifício principal e a eles se acedia por meio de uma circulação. A capela estava situada em uma extremidade, e podia ser vista de todos os leitos; na outra extremidade, a cozinha. Ou seja, todas as atividades necessárias à vida dos enfermos estavam debaixo do mesmo teto. A reconstituição feita por Kenneth Conant (THOMPSON; GOLDIN, 1975) não chegou a definir qual seria o uso do pavimento inferior ao mezanino, mas levantou a possibilidade de ser usado para atendimento ambulatorial e triagem de enfermos. A B Figura 4 – (A) Modelo tridimensional do Monastério de Cluny, com destaque para o edifício da grande enfermaria; (B) Planta esquemática da grande enfermaria do Cluny. Fonte: Thompson e Goldin, 1975 A magnificência do edifício requeria uma solução estrutural arrojada. Os doze pilares do perímetro da nave central eram em pedra e ascendiam a cerca de 20 metros, com arcadas ao nível do mezanino e na parte superior. O teto da nave central em abóbada semicircular, em pedra, se elevava a 26,5 metros do nível do piso (C. H. BOEHRINGER SOHN, 198-). 48 As paredes laterais completavam a estrutura e eram dotadas de janelas em dois níveis: no mais baixo, para ventilação ao nível dos leitos; no outro, para iluminação natural. No extremo da nave central, a capela abobada recebia iluminação zenital, o que, contrastado com a parca iluminação do interior, ampliava a sensação de grandeza religiosa do edifício. A volumetria do edifício, com cobertura em duas águas, é assimilável do exterior a um prisma de seção trapezoidal, discorrendo horizontalmente, em que a altura se destaca com respeito à largura. 3.1.3. O tipo colônia Vigente ao longo de toda a Idade Média, a estrutura hospitalar de tipo colônia vincula-se à disseminação da lepra pelo Ocidente, a partir do século V, e à ameaça cotidiana que essa enfermidade fez pairar sobre a sociedade medieval (MARKHAM, 1997). Para Rosen (1994: p. 59), a lepra “representou a grande praga, a sombra sobre a vida diária da humanidade medieval”, mais que qualquer outra doença ou peste. Não sendo conhecida cura ou tratamento para a doença, e aceita a idéia de contágio por contacto social, a indicação de isolamento dos leprosos foi a solução adotada na Europa desde os primeiros registros significativos de sua presença. Na medida em que esse fenômeno coincide historicamente com o crescimento do Cristianismo e com a difusão entre os católicos das sete tarefas da caridade cristã, já mencionadas anteriormente, não é de se estranhar que, também com respeito aos leprosos, a Igreja Católica tenha assumido papel primordial no atendimento e guarida dos enfermos. E, de modo generalizado, o tipo colônia foi o que serviu aos hospitais para leprosos, e de forma tão marcante que vigoraria com essa função até meados do século XX. O tipo colônia tem origens nas comunidades de cristãos ascetas que, antes da oficialização do Cristianismo como religião de Estado – por Constantino, em 313 –, se rebelavam contra a licenciosidade da vida na Roma pagã (THOMPSON; GOLDIN, 1975). Afastando-se do convívio social, esses grupos passavam a viver como eremitas em aldeias nas florestas: choupanas isoladas ou grupadas em blocos se distribuíam em torno a uma capela e, eventualmente, a outro espaço de atividade comunitária, como cozinhas ou refeitórios. C. H. Boehringer Sohn (198-) assinala como essa forma de pequena organização comunitária rural foi adotada pelos leprosos e se designou à época com a expressão latina 49 “leprosi in campo”, tendo posteriormente evoluído, sob financiamento e tutela de instituições da Igreja, para construções mais sólidas, embora mantendo a estruturação espacial do conjunto. Destaque-se que, diferentemente dos tipos claustral e basilical, formados sem a interveniência de razões de ordem médica e sim, apenas, religiosa, a apropriação do tipo colônia para a arquitetura hospitalar medieval esteve diretamente relacionada ao fato de que os enfermos de lepra deveriam ser isolados das pessoas sãs (ROSEN, 1994). Assim, a colônia de leprosos deveria resumir as facilidades da vida das cidades, instando os internos a resolverem, parcamente, suas necessidades no espaço da instituição. É certo que motivações religiosas influíram na estruturação e conformação dos espaços desses hospitais-colônia, mas também é certo que há motivações práticas no fato de que os leprosários se estabelecessem em áreas que dispusessem de fontes de água – para os banhos, único procedimento terapêutico então adotado –, fossem atendidas por estrada, seja para facilitar o acesso de novos internos, seja para possibilitar a coleta de esmolas dos passantes (LABASSE, 1982; C. H. BOEHRINGER SOHN, 198-). O mesmo se pode dizer do fato de que o isolamento fosse garantido por um muro de contorno e um ou dois portões de acesso, controlados pela administração do leprosário (CARLIN, 1989; THOMPSON; GOLDIN, 1975). Assim, o tipo colônia se apresenta com uma idéia central que se pode resumir na disponibilização, em um espaço fisicamente segregado, de condições de vida comunal, em contato direto com a natureza – especialmente as fontes de água –, ao grupo de internos do hospital. A organização interior do espaço, normalmente limitado por um muro construído segundo um retângulo ou uma elipse, priorizava a liberação da área central, de modo que as celas individuais ou as casas isoladas ocupavam os espaços mais exteriores (THOMPSON; GOLDIN, 1975). No centro, ou num lado do perímetro não ocupado pelas acomodações dos enfermos, erguia-se a capela ou igreja, ladeada ou confrontando com galpões de atividades comunitárias e os aposentos de monges ou freiras. A individualização dos aposentos, mesmo quando se tratasse de celas contíguas, permitia a manutenção eventual da vida em família ou em pequenos grupos. Uma capela privativa do leprosário, um cemitério, um espaço de administração e alguma outra construção para abrigar atividades comuns – cozinha e refeitório, p.ex. – são também componentes da 50 definição tipológica, que se completa com a modesta tecnologia de edificação das casas (inicialmente de madeira) em face de uma presença magnificente da igreja (em pedra). Na FIG. 5, exibe-se um exemplo de conjunto hospitalar do tipo colônia: a “Beguinage” de Amsterdam, fundada no século XIII como instituição de atendimento a enfermos, amparada pela Igreja Católica. É possível observar a prevalência do conceito espacial de agrupamento de unidades – no exemplo, casas contíguas – em torno da capela e do bloco de atividades comuns. Na época de construção, a Beguinage se situava no Figura 5 – Gravura da Beguinage de Amsterdam. “waterfront”, hoje já avançado pelas obras de Fonte: http://www.begijnhofamsterdam.nl contenção hidráulica por barragens e aterros, tecnologia tão usada no desenvolvimento territorial dos Países Baixos. O cemitério era interior à capela e o único acesso ao interior do pátio também se dava pelo portão que a ela se dirigia. É importante observar que o tipo colônia não teve sua utilização interrompida após o Período Medieval. De um lado, a persistência da lepra como enfermidade preocupante em várias partes do mundo, de outro, apropriações do tipo para outras funções (p.ex.: asilos, prisões), puderam em conjunto manter a vigência desse tipo até o século XX. 3.2. O hospital renascentista Depois de muitos séculos na Idade Média em que a Igreja hegemonizou a assistência hospitalar, no Renascimento, ela deixaria de ser a principal entidade de assistência aos pobres e enfermos. Segundo Binet (1996), é conseqüência direta do surgimento de outras forças e organizações sociais o fato de que o hospital tenha começado a perder o vínculo de exclusividade que lhe relacionava a monastérios e ordens religiosas. Com a emergência, a partir do século XV, de uma burguesia laica de origem mercantil, com presença política e influência social, a responsabilidade de construir hospitais – outrora assumida totalmente pela Igreja – foi também assimilada por nobres e ricos cidadãos. Em face do crescimento populacional e econômico das cidades, afirma Labasse 51 (1982), os novos hospitais passaram a ter uma implantação mais urbana e a se descolarem, também no sentido físico, dos monastérios e das instituições religiosas. As motivações religiosas iam, portanto, perdendo força ante as motivações corporativas. Gombrich (1979) define as corporações como organizações criadas por artesãos e outras categorias de trabalhadores com a finalidade de ampliar seus direitos e defender seu mercado de trabalho. Eram organizações ricas, que possuíam voz e voto junto aos governos locais e aos cidadãos, e que não só faziam proposições de atuação, como se esforçavam por pô-las em prática, executando diretamente atividades de seu interesse. Se, na época medieval, o serviço de atendimento aos enfermos e o aporte de recursos financeiros para manter ou construir hospitais era feito em nome da salvação, no período renascentista, é o caráter cívico do serviço à sociedade que, segundo Thompson e Goldin (1975), vai mover a disposição de cidadãos para assumir o financiamento e garantir o funcionamento dos hospitais. Assim, como sugere Rosen (1994), o que era tido no hospital medieval como obrigação religiosa, foi pouco a pouco se convertendo em um dever cívico de assistência aos membros desvalidos da sociedade. Nesse contexto, Labasse (1982) e Imbert (1982) detectam o surgimento do hospital civil – ou seja, da instituição hospitalar como entidade civil – e observam que, progressivamente, a administração dos hospitais foi sendo assumida por instituições municipais que, para assegurar a manutenção dos edifícios e dos serviços, contavam com doações das comunidades (C. H. BOEHRINGER SOHN, 198-). Essas mudanças aconteceram de forma gradual e, durante o período que vai do século XV ao XVIII, duas tipologias passariam a marcar a arquitetura hospitalar. O primeiro tipo, denominado aqui enfermaria cruzada, surgiu e se consolidou na Itália renascentista, como uma manifestação definitiva da proeminência das grandes cidades. O segundo, o tipo que, neste trabalho, se denomina casa de campo, surgiu na Inglaterra após a dissolução dos mosteiros ordenada por Henrique VIII, no século XVI, sedimentando-se até o final do Renascimento e avançando por todo o período iluminista (THOMPSON; GOLDIN, 1975). Esses dois tipos hospitalares renascentistas, de acordo com Binet (1996), consagraram o fim da influência da arquitetura religiosa sobre os hospitais. 52 3.2.1. A enfermaria cruzada No período que se segue à Idade Média, mantêm-se os princípios fundamentais da missão e os objetivos do hospital: apenas a Igreja cedeu lugar à nascente burguesia mercantil (IMBERT, 1982). O princípio norteador do hospital continua sendo o consolo espiritual dos enfermos e o posicionamento da capela em relação aos leitos continua sendo o ponto de partida para a distribuição dos espaços. Com o crescimento da demanda por leitos nos hospitais, a planta basilical, teoricamente sem limites de expansão, ocasionava um problema: os pacientes mais ao fundo não escutavam e não viam a missa. Foi aí, segundo C. H. Boehringer Sohn (198-), que surgiu o cruzamento das enfermarias a partir do altar. O exame de plantas de hospitais baseados nesse tipo (ver FIG. 6) revela um outro aspecto importante na organização dos espaços do edifício, qual seja a predominância da simetria e dos traçados geométricos simples. Os serviços de apoio, instalados antes em anexos, agora se posicionavam de maneira a compor o traçado geométrico induzido na planta a partir do cruzamento de enfermarias. Cabia aos serviços, e às vezes a meras circulações, a função de encerrar os oito pátios menores do edifício, dispostos de maneira a formar um grande pátio central – em torno de cujos eixos se desenvolve o prédio simetricamente –, o qual é, por sua vez, encerrado entre a logia de entrada e a igreja, no lado oposto. Nesse primeiro momento do hospital do período renascentista, uma outra distinção com respeito ao hospital medieval se nota no exterior do edifício. O retorno aos modelos gregos conduz as fachadas a que se apresentem como simétricas, em estilo neoclássico. No entanto, no interior do edifício, permanecem as enfermarias como grandes espaços abertos dispostos em forma de cruz, com o posicionamento do altar no cruzamento dos pavilhões. Tal solução espacial buscava principalmente possibilitar que mais enfermos pudessem ver e ouvir a missa. No entanto, outras qualidades foram depois percebidas (THOMPSON; GOLDIN, 1975). Por exemplo, o fato de que a forma cruzada ajuda a supervisão dos leitos desde a capela central. Por outro lado, o tipo enfermaria cruzada apresentava a vantagem de ajudar a ventilação do ambiente das enfermarias e propiciava atender a questão colocada de separar enfermos de diferentes gêneros em diferentes alas. Esse tipo hospitalar é o embrião do tipo “pavilhonar”, o qual se desenvolveria e se consolidaria posteriormente, ao longo dos séculos XVIII a XIX. 53 Figura 6 – Elevação e planta do Ospedale Figura 7 – Vista aérea do Ospedale Maggiore. Fonte: http://vandyck.anu.edu.au Maggiore, Milão Legenda: (1) pátio central; (2) pátios laterais; (3) igreja; (4) capela; (5) enfermarias Fonte: C. H. BOEHRINGER SOHN, 198-. O grande exemplo do tipo enfermaria cruzada foi o Ospedale Maggiore, em Milão. Projetado por Filarete, o Maggiore teve sua construção iniciada em 1456, demorando cerca de 350 anos para ser considerado totalmente construído (C. H. BOEHRINGER SOHN, 198-). O conjunto edificado (ver FIG. 7) apresenta as inovações que seriam adotadas nos hospitais da época: as enfermarias em forma de cruz, com a capela no cruzamento, estão dispostas formando quatro pátios com claustros de cada lado, tipologia já adotada pelas enfermarias dos hospitais medievais (HENDERSON, 1989). No entanto, nos hospitais renascentistas, a presença do pátio é magnificada, como se sua existência se devesse mais à necessidade de realçar as formas elegantes da arquitetura neoclássica do que às exigências de intimidade e reclusão dos hospitais medievais. Para dar uma idéia dessa questão, vale salientar que o pátio interior de um hospital de tipo claustral – o St. Gall, por exemplo – tem cerca de metade da área de cada um dos oito pátios do Maggiore. A adoção de fachadas e de ambientes, que valorizavam as proporções em vez da escala grandiloquente dos hospitais basilicais, reflete o caráter laico das instituições financiadoras e mantenedoras – impondo, por certo, uma certa racionalidade na elaboração do projeto – e, por outro, as tendências neoclássicas de substituir suntuosidade e grandiloqüência pela simplicidade estética das harmonias geométricas gregas. Lembra Gombrich (1979) que a beleza das proporções, no ideal renascentista, homenageia o homem e suas organizações; 54 no ideal medieval, o espaço espetacular da basílica reduz o homem e o leva ao culto divino. Tudo isso resultaria em uma solução estrutural mais simples. A estrutura repetitiva é simétrica, com uso de pedra, tijolos e madeira. Os tetos nas enfermarias são planos, em madeira, apoiados em terças horizontais. As alvenarias em tijolos ou pedra são estruturais e, muitas vezes, arcos e abóbadas são usados por razões somente estéticas. A exceção é a abóbada estrutural que serve de teto ao porão e de piso ao único pavimento das enfermarias, um pavimento com duplo pé-direito, abrandado no pátio interior por um anexo de arcos e abóbadas em dois níveis – o claustro. A volumetria do conjunto é definida pela série de interseções de paralelogramos de baixa altura relativa, com larga predominância das dimensões da planta e destaque para os espaços abertos. Da perspectiva interior, entretanto, ainda se sente a presença da religiosidade no cotidiano dos enfermos na ordenação do desenvolvimento da planta a partir do altar no centro do edifício cruciforme, que ainda recebe iluminação zenital enfatizadora por sua cúpula destacada da coberta, eventualmente em domo, única inovação estrutural da Renascença (FLETCHER, 1987). 3.2.2. O tipo casa de campo A outra tipologia hospitalar renascentista – a casa de campo – teve seus primeiros desenvolvimentos a partir da Reforma luterana, no século XVI. Com o crescimento, na Europa central e na Grã-Bretanha, de movimentos de independência dos cristãos com respeito ao poder do Papa de Roma, a Igreja Católica diminuiu sua presença institucional, inclusive na área de atenção aos enfermos. O financiamento dos hospitais passou a ser feito efetivamente pela burguesia mercantil, de modo que se concentravam nas cidades. Para a manutenção dos hospitais, passou-se a ter financiamento fiscal, na medida em que as autoridades municipais cobravam taxas da comunidade com esse fim (THOMPSON; GOLDIN, 1975). Já havia uma certa pressão por privacidade dos leitos, o que descartava o sentido coletivista da oração e do rito religioso. Daí que a idéia de colocar os enfermos em contato direto com as dependências destinadas à atuação direta da Igreja foi sendo abandonada. Ao contrário, essa idéia é substituída por uma separação bem nítida entre o hospital, agora civil, e a hierarquia religiosa. 55 Os novos financiadores dos hospitais passarão a adotar, para os edifícios hospitalares, tipos mais familiares para eles: os palacetes ou casas de campo, os quais propiciariam também a adoção de uma maior privacidade na internação de pessoas. A solução espacial se libera do andar único e o hospital do tipo casa de campo, em geral, se define em dois ou três pavimentos, com plantas em formato H, C, U ou E. A repartição das enfermarias em quartos com um menor número de leitos era também uma marca distintiva desses hospitais dos fins da Renascença, o que reforça a origem residencial (casas de campo) do tipo. Pode-se citar o London Hospital, construído em 1752, como representativo do período, (ver FIG. 8). Tinha forma de U, convexo para a fachada, com planta perfeitamente simétrica. Observa-se no exame da planta Figura 8 – Elevação e plantas do térreo (abaixo, esquerda) que a distribuição dos ambientes e do primeiro piso do London Hospital se orienta pelo formato da planta, Legenda: (1) enfermaria; (2) posto de enfermagem; (3) pela simetria e pela conveniência capela; (4) hall de entrada Fonte: desenho próprio a partir de Thompson e Goldin, 1975 de privacidade dos enfermos. Os três pavimentos, articulados por uma circulação vertical central, têm o mesmo formato, e a privacidade é crescente do primeiro piso para o terceiro: serviços de apoio no térreo, enfermarias no segundo andar e quartos simples no terceiro. Também cabe destacar que, da planta, se pode depreender um diálogo entre a visão de conjunto do edifício e a concatenação das partes, objetivando a manutenção de uma rigorosa simetria e a singeleza das formas geométricas. Por outro lado, ressalte-se que a hierarquização dos espaços, em função da conveniência da privacidade, surge como fator de organização das partes do edifício, o que vai demonstrar a entrada em cena de uma postura de racionalização e de zoneamento dos espaços e atividades hospitalares. Em conseqüência dessa associação entre simetria, singeleza geométrica e organização espacial, os hospitais do tipo casa de campo possuem estrutura e sistema construtivo bastante simples. As alvenarias autoportantes de pedra ou tijolos se sucedem verticalmente, grandes vãos são vencidos com apoio de vigas planas de madeira; eventuais arcos e abóbadas seqüenciais podem surgir com função estético-decorativa. Exceção é feita para o 56 hall de entrada, cujo destaque no conjunto responde ao caráter civil da instituição hospitalar no período pela valorização do acesso. Nesse ponto, a estrutura e os volumes do saguão são diferenciados, com o uso de colunas em pedra e de vãos abobados em pédireito duplo, sobre arcos de contorno. Os hospitais do tipo casa de campo seguem a estratégia de distribuição espacial das enfermarias em paralelo (uma ao lado da outra) ou em seqüência (uma após a outra). Tal estratégia se materializa no projeto, notam Thompson e Goldin (1975), na forma de “enfermaria-corredor”, uma vez que se incorpora ao espaço da enfermaria o espaço de circulação que permite o acesso à enfermaria seguinte. Além do mais, a disposição em paralelo das enfermarias dificulta a ventilação cruzada (ver FIG. 9). Figura 9 – Planta de uma enfermaria do London Hospital Legenda: (1) enfermaria; (2) posto de enfermagem; (3) banhos Fonte: desenho próprio baseado em Goldin, 1994 3.3. O hospital iluminista Segundo Thompson e Goldin (1975: p. 35), o ambiente hospitalar prevalente a princípios do século XVIII podia ser descrito pela frase seguinte: “... leitos com enfermos que não se limpavam, colchões úmidos serviam como viveiros de bactérias, pisos mal limpos, água transportada em baldes desde o pátio, fumaça de óleo das lâmpadas, odores da cozinha combatidos a salpique de água perfumada”. Às baixas condições de higiene, somava-se a superlotação, alcançada pela prática generalizada de exceder a capacidade das enfermarias pela simples instalação de mais leitos (C. H. BOEHRINGER SOHN, 198-). No entanto, nas últimas décadas do período renascentista, a difusão dos avanços graduais das ciências médicas, como a Anatomia e a Fisiologia, permitiu que esses hospitais 57 congestionados fossem incorporando elementos técnicos novos e até o ensino “ao pé do leito” (ROSEN, 1994). A prática cirúrgica desenvolvida principalmente nos hospitais militares foi definitivamente incorporada aos hospitais civis, junto com o surgimento da Anatomia Patológica, que embasou o conhecimento médico dos órgãos humanos internos. Por outra parte, na segunda metade do século XVIII, com Lavoisier, e depois com Pasteur no século seguinte, o progresso científico na química e na microbiologia possibilitou a compreensão dos processos de infecção cruzada e de propagação de infecções por microorganismos vivos (JAMES; TATTON-BROWN, 1986). Para Foucault (1998: p. 39), “... até finais do século XVIII, a medicina referiu-se muito mais à saúde do que à normalidade”, no sentido em que o indivíduo enfermo era identificado por contraposição à pessoa sã. No século XIX, continua Foucault, a medicina “... regula-se mais (...) pela normalidade do que pela saúde”, ou seja, a enfermidade passa a ser entendida como um desvio com respeito a uma condição “normal” da estrutura e do funcionamento do organismo humano, conhecida em seus detalhes anatômico-fisiológicos. Assim, a doença pode ser diagnosticada no plano do órgão com funcionamento imperfeito e a esse órgão se dirigem as prescrições restauradoras. O exercício dessa intervenção clínica, diz Foucault (1998: p. 226), requereu “uma reorganização do campo hospitalar (...); foi preciso situar o doente em um espaço coletivo e homogêneo”. Esse novo espaço hospitalar requer tratamento urbanístico e arquitetônico. Será estudada cautelosamente a inserção do edifício hospitalar no espaço urbano (FOUCAULT, 2002), a partir de uma lógica sanitária. Passa-se a avaliar disposições alternativas para a implantação do edifício no terreno, para a organização dos fluxos e espaços internos e para a distribuição dos leitos (LABASSE, 1982: p. 132), tendo em vista assegurar “... a renovação do ar, a destruição dos miasmas, a circulação das pessoas e a manutenção da ordem”. Estabelecem-se regras de registro e cadastro, códigos de conduta e rotinas, destinadas a ordenar os comportamentos e obter informações sobre os enfermos e suas enfermidades. Enfim, institui-se, sobre o quadro do hospital confuso e desorganizado de princípios do século XVIII, a disciplina e o espírito de supervisão que vai garantir a “medicalização” do hospital (FOUCAULT, 2002). Nesse processo, o hospital tornou-se um espaço sob o poder do médico, o profissional preparado para intervir sobre os enfermos, dirigir o pessoal e decidir sobre as instalações hospitalares. Sob o poder do médico, crescem de significado a supervisão incisiva, o 58 controle e o monitoramento dos internos e dos fatos hospitalares. Para atender a essas proposições, surgiram esquemas especiais de caráter panótico, seguindo as idéias de Jeremy Bentham (THOMPSON; GOLDIN, 1975), para quem a essência da definição espacial do edifício (prisões, escolas, asilos, hospitais, indústrias) residia na capacidade de observação direta feita a partir de uma posição central. Embora as idéias de ordenamento espacial de Bentham não tenham tido influência direta nas tipologias relevantes do edifício hospitalar do Iluminismo, o certo é que o princípio básico de que o espaço hospitalar fosse tratado de forma a permitir a supervisão de cada paciente foi fundamental para a transformação que atingiria o hospital no século XVIII. Para tanto, tratava-se de enfocar o espaço e as atividades hospitalares, suas dinâmicas e interrelações, com o objetivo de traçar um “diagnóstico” e estabelecer uma “terapêutica” (SILVA, 2001): a essência dessa abordagem é a classificação e a observação atenta e estruturada. Não se trata apenas de uma descrição, mas sim de observação sistemática, destinada a produzir material para a análise detalhada que permitirá as sínteses propositivas de atuação reformadora no hospital. Foucault (2002) ressalta o fato de que o estudo mais significativo sobre a reorganização dos hospitais no século XVIII teve como responsável o médico francês Jacques Tenon, estudo que resultou em um conjunto de normas e recomendações para orientar na concepção e organização dos espaços hospitalares. Dirigidas tanto a arquitetos como a engenheiros e administradores, as recomendações de Tenon foram publicadas numa obra intitulada Mémoires sur lês hôpitaux de Paris, que obteve grande repercussão em vários paises (THOMPSON; GOLDIN, 1975; C. H. BOEHRINGER SOHN, 198-; SILVA, 2001; IMBERT, 1982). Tenon, a pretexto de realizar trabalhos vinculados à reconstrução do Hotel-Dieu de Paris, destruído em um incêndio, deteve-se em analisar e estudar vários hospitais franceses e estrangeiros. Surgiam, nos trabalhos de Tenon, as primeiras idéias funcionalistas na arquitetura hospitalar (SILVA, 2001). Em suas pesquisas feitas através de observação direta, Tenon tentou explicar o hospital pelo viés da utilidade, colocando as relações entre o desenvolvimento das atividades e o uso do espaço, do ponto de vista simultâneo de todos usuários, ou seja, o staff e o paciente. A estruturação dos serviços e dos espaços hospitalares, segundo a orientação de Tenon, seria feita através de pequenas unidades 59 funcionais organizadas a partir de eixos de circulação, tendo como base as relações entre fluxos e usos (SILVA, 2001). A partir do estudo detalhado dos gestos e dos movimentos, do mobiliário e dos equipamentos relacionados a todo usuário do hospital, Tenon, segundo Silva (2001) estabeleceu uma quantidade máxima de leitos por enfermaria, uma disposição modelar do mobiliário e dos equipamentos, as dimensões e a volumetria dos ambientes a fim de proporcionar eficiência e boas condições sanitárias (controle de temperatura, renovação do ar e iluminação natural) ao edifício. Sobre a obra de Tenon, Foucault é incisivo: O que Tenon projeta é um espaço hospitalar diferenciado. E diferenciado segundo dois princípios: o da ‘formação’, que destinaria cada hospital a uma categoria de doentes ou a uma família de doenças; e o da ‘distribuição’, que define, no interior de um mesmo hospital, a ordem a seguir, ‘para nele dispor as espécies de doentes que se tiver achado oportuno receber” (FOUCAULT, 1998: p. 46). Para Silva (2001), Thompson e Goldin (1975) e C. H. Boehringer Sohn (198-), o resultado das pesquisas de Tenon e suas recomendações levariam à adoção do tipo pavilhonar, em certa medida antecipado pelos tipos renascentistas (enfermaria cruzada, casa de campo), para edifícios hospitalares. Já no século XIX, trabalhando sobre sua própria experiência como enfermeira na Guerra da Criméia, Florence Nightingale se dedicou a visitar importantes hospitais no mundo e a analisá-los do ponto de vista de suas preocupações em torno do funcionamento hospitalar, especialmente das enfermarias. Os apontamentos de Nightingale sobre o projeto arquitetônico de hospitais foram publicados em dois livros, lançados em 1858 e 1859, com os títulos de, respectivamente, Notes on Hospitals e Notes on Nursing. Esses livros, segundo James e Tatton-Brown (1986), exerceram significativa influência no que restava de século XIX e em boa parte, ainda, do século XX, gerando novas soluções espaciais para o projeto das enfermarias. 3.3.1. O tipo pavilhonar A estruturação do espaço do tipo pavilhonar surgido no século XVIII era baseada nas exigências de salubridade ambiental (ou seja, espaços naturalmente bem ventilados e iluminados), nas necessidades funcionais de suas atividades (ou seja, de fluxos, dimensões, e supervisão dos enfermos) e na articulação desses espaços por meio de uma circulação ou “sistema” de circulações. 60 O hospital pavilhonar foi o tipo consagrado como aquele que se ajusta bem a esses requisitos, na medida em que o pavilhão, como edifício independente e de laterais livres, permite obter ventilação cruzada e iluminação natural. Assim, resolve-se o que era tido como maior produtor de insalubridade hospitalar: a estagnação do ar e a umidade. Além disso, há que considerar a flexibilidade de posicionar convenientemente os pavilhões, uns em relação a outros, estruturando os serviços e os compartimentos através dos eixos de circulação. Em que pese o fato de os estudos de Tenon terem sido orientados para a reconstrução do Hotel Dieu, tal projeto nunca foi edificado. No entanto, ele influenciou toda a arquitetura hospitalar do século XIX. O Hospital Lariboisière, construído no centro de Paris em 1854, é considerado como sendo um dos principais exemplos de aplicação das idéias de Tenon (THOMPSON; GOLDIN, 1975; SILVA, 2001). A planta (ver FIG. 10) é formada por um conjunto de pavilhões, ligados por uma grande circulação e dispostos em volta de um jardim retangular. O conjunto foi organizado a partir de eixos principais: um longitudinal e cinco transversais. Esses eixos costuram o “sistema de circulação” de todo edifício comunicando os pavilhões entre si e com todo o conjunto. Também foi levado em consideração na distribuição dos pavilhões, a própria organização interna de cada um deles assim como sua hierarquia funcional. Figura 10 – Planta do Hospital Lariboisiére, Paris Legenda: (1) enfermarias; (2) refeitórios; (3) escritórios; (4) capela; (5) aposentos das religiosas; (6) cirurgias; (7) posto de enfermagem; (8) cozinha; (9) farmácia; (10) pátio Fonte: desenho próprio a partir de C. H. Boehringer Sohn, 198- 61 Cada pavilhão tinha três pavimentos e sua altura foi calculada a partir da relação com a largura do pátio entre dois pavilhões, de modo que se garantia o recebimento de insolação em todos eles e se evitava umidade tanto nos pátios como no interior dos pavilhões. As enfermarias, por sua vez, eram grandes halls abertos dentro de blocos independentes retangulares, podendo haver mais de uma por pavilhão. Os serviços de apoio estavam distribuídos nos diversos pavilhões, construídos em alvenarias externas autoportantes de pedra e tijolo, as quais davam suporte aos pisos e tetos planos em madeira. A organização estrutural é repetida em todos os pavilhões, de modo que a disposição de alvenarias de fechamento no interior do pavilhão depende de que a mesma disposição ocorra nos pavimentos inferiores. Assim, a volumetria do conjunto é hegemonizada pelas dimensões da planta do conjunto e pelo arranjo das sucessivas interseções entre pavilhões prismáticos, mais altos que largos, e o corredor de circulação. 3.3.2. A influência de Florence Nightingale A vivência como enfermeira em hospitais de campanha, certamente, trouxe a Florence Nightingale um grande conjunto de conhecimentos sobre o funcionamento de enfermarias. Suas viagens de estudos em hospitais de toda a Europa, na primeira metade do século XIX, dariam origem à análise de elementos sanitários do edifício hospitalar, sempre com ênfase no posicionamento relativo e na qualidade funcional das enfermarias (JAMES; TATTONBROWN, 1985). Seu trabalho analisava problemas relativos à higiene, aeração, altura e orientação dos edifícios hospitalares (PANUNZIO, 1983). Também valorizou o trabalho de supervisão dos pacientes pela enfermagem, com reflexos na organização espacial das unidades de internação, mas também com resultados em termos da profissionalização das enfermeiras. O espaço da enfermaria proposta por Nightingale era retangular, como no tipo pavilhão (ver FIG. 11). Na entrada, deveriam estar localizados o posto de enfermagem e uma copa. Em seguida, estava um grande espaço aberto para disposição dos leitos e, no lado contrário ao posto de supervisão, por trás de uma parede e com ventilação independente, estavam os lavatórios e banhos. O posto de enfermagem teria um visor para supervisionar os leitos. Os leitos seriam posicionados lado a lado, perpendiculares a janelas colocadas de ambos os lados das paredes, uma a cada dois leitos, e com altura de 90 centímetros do piso, para possibilitar a ventilação cruzada. 62 As novas Nightingale ambiente fácil idéias de acerca do sanitarizado e de supervisão pela enfermagem significavam a rejeição, em base técnicocientífica, da “enfermaria- corredor” (ver FIG. 9) do século XVIII. O principal fator de rejeição era exatamente o fato de que as paredes colocadas lado a lado impediam a ventilação cruzada, além de reduzirem o Figura 11 – Enfermaria Nightingale campo visual de supervisão a Legenda: (1) posto de enfermagem; (2) área dos leitos; (3) partir do posto de enfermagem BWCs; (4) material sujo; (5) copa; (6) escada Fonte: James e Tatton-Brown. 1986 (GOLDIN, 1994). 3.3.3. O legado do Iluminismo para a arquitetura hospitalar Do exposto acima, pode-se concluir que, no período iluminista, a arquitetura hospitalar deixará de trabalhar com plantas derivadas de outros usos – tipos advindos da arquitetura religiosa ou palaciana – para, por vez primeira, trabalhar com plantas projetadas a partir de estudos feitos sobre as atividades e necessidades hospitalares. Se as plantas derivadas dos hospitais medievais e renascentistas se apropriavam de tipos disponíveis, e assim faziam mais por motivos simbólicos que funcionais, as plantas projetadas dos hospitais iluministas adotavam uma tipologia nova. Esse tipo pavilhonar se formava em função das novas atividades hospitalares que, naquele momento, eram já muito mais voltadas à supervisão e ao cuidado médico dos pacientes de que ao consolo espiritual dos enfermos ou ao sentimento cívico de comunidade. Por outro lado, ao contrário do que aconteceu na Idade Média, quando os tipos arquitetônicos dos hospitais permaneceram quase imutáveis, a tipologia arquitetônica pavilhonar se desenvolveu e se diversificou fortemente a partir do século XVIII. A 63 preocupação com a ventilação e higiene, respaldada cientificamente por Lavoisier; a descentralização impulsionada pelas descobertas de Pasteur; a segregação dos trajetos de enfermos e de pessoal, sugeridas por Tenon; e, a vigilância acentuada proposta por Nightingale, todas essas contribuições técnico-científicas deram origem a sucessivas mudanças e a diferentes alternativas na maneira de dispor os pavilhões. No período iluminista, os pavilhões se liberaram do edifício e seu posicionamento relativo passou a constituir uma variável do projeto: primeiramente, a solução foi a de dispor os pavilhões um ao lado do outro; mais tarde, assumiram-se várias soluções, unicamente restringidas pela necessidade de interligar os pavilhões por meio de um sistema de circulação. A arquitetura hospitalar tentava colocar em prática as novas idéias e os descobrimentos científicos, na busca de uma organização espacial adequada a uma atividade hospitalar que, pouco a pouco, ganhava contornos técnicos e bases científicas, afastando-se do caráter eclesiástico ou cívico anteriormente dominante. Formava-se o conceito de hospital “terapêutico”. Em paralelo, principalmente na segunda metade do século XIX, fatores técnico-científicos (o conhecimento do processo de contaminação por microorganismos, principalmente) e socioeconômicos (a busca do hospital terapêutico pelas classes médias e abastadas) trouxeram à tona a discussão entre supervisão coletiva e privacidade do enfermo, no âmbito das enfermarias (GOLDIN, 1994). Assim, o hospital que chega ao século XX, está fortemente marcado pela ênfase na boa ventilação e na boa insolação, no isolamento de doenças infecto-contagiosas, na higiene das enfermarias e dos procedimentos, nos sistemas de abastecimento de água potável, de coleta e tratamento de esgotos, nos laboratórios de análises clínicas, na medicina legal, nas enfermarias cada vez menores, tendentes à privacidade, e nos postos de enfermagem. Sua planta é estruturada em zonas funcionais, segundo seus diversos departamentos ou unidades, comunicadas por um sistema de circulação cuja definição se orienta pelos fluxos de pessoal, enfermos e materiais. 3.4. O hospital modernista Os avanços ocorridos na medicina nos séculos XVIII e XIX tinham transformado o perfil da atenção hospitalar, no sentido de estabelecer progressivamente o hospital como o lugar da prática médica, do tratamento de enfermos e do restabelecimento da saúde. James e 64 Tatton-Brown (1986: p. 3) descrevem como, na segunda metade do século XIX, foi se consolidando a “idéia de que os hospitais tinham mais relação com a vida do que com a morte”. Para tanto, diversas razões se acumularam: o desenvolvimento da anestesia, o surgimento das técnicas e práticas de assepsia, a formação médica “ao pé do leito” e o desenvolvimento da profissão da enfermeira laica. Esse processo seria intensificado no século XX, com o maior acesso a novas tecnologias de apoio ao diagnóstico e o desenvolvimento da industria farmacêutica. Em conjunto, tantas razões compõem a força motriz do movimento na direção do hospital moderno, que oferecia a perspectiva real de recuperação, propunha um certo nível de privacidade – com as pequenas enfermarias e os apartamentos individuais – e garantia um grau aceitável de segurança, com a redução das taxas de mortalidade por infecção intrahospitalar. Em decorrência, assinala Vogel (1989), a instituição hospitalar passa a ser gerida mais profissionalmente e a revelar alguma atratividade, inclusive para as camadas mais abastadas da população, pelo fato de que superava o conforto e a perspectiva de cura disponíveis em casa. Entretanto, do ponto de vista arquitetônico, o edifício hospitalar no século XX tardou em apresentar novidades. As soluções iluministas, já incorporando certa lógica funcionalista, puderam absorver sem maiores problemas as tendências de valorização do apoio ao diagnóstico e do procedimento médico. Daí que, embora o Movimento Modernista na arquitetura possa ser datado com início nas primeiras décadas do século XX, não foi antes dos anos 1950 que ele se firmou na Arquitetura Hospitalar. Stone (1980: p. 1) afirma que somente no final dos anos 1950 é que novos conceitos de projetação arquitetônica hospitalar iriam se materializar em novos edifícios que, uma vez concluídos na década seguinte, fariam com que a sociedade percebesse que “suas necessidades de saúde poderiam ser cuidadas em um ambiente moderno”. O fato é que, depois da Segunda Guerra Mundial, havia uma demanda social e política por mais leitos hospitalares, tanto na Europa em reconstrução, quanto nos Estados Unidos. Assim, os serviços de atenção à saúde entrariam em expansão, se ajustando às pressões políticas e às novas dimensões das políticas de Estado para a saúde (MILLER; SWENSSON, 2002; JAMES; TATTON-BROWN, 1986). O hospital era então projetado e construído de modo que a área dedicada a leitos de internação crescia mais que proporcionalmente às demais áreas. Quando passíveis de reconstrução com ampliação, 65 hospitais já existentes ganhavam ampliação de número de leitos. Esse crescimento do hospital foi tornando progressivamente mais complexa sua organização e administração, complexidade agravada na medida em que o avanço da tecnologia médica foi permitindo, e mais que isso, incentivando um aumento da especialização médica (VERDERBER; FINE, 2000). O crescimento do hospital se deu de forma mais especializada, contendo novas agrupações departamentais ou “zonas”, cada uma planejada com requerimentos baseados nas suas funções precípuas e nas inter-relações com as demais “zonas”. Eram três as principais “zonas” em que estava então organizado o hospital (JAMES; TATTON-BROWN, 1986): x a zona de internação, onde estavam os pacientes durante a sua estadia no hospital recebendo cuidados médicos, alimentação e higiene; x a zona clínica, em geral ventilada artificialmente, estava constituída por serviços de diagnóstico e tratamento, logo associada com equipamentos de alta tecnologia requeridos para procedimentos em pacientes; x a zona de suporte, que compreende os serviços de administração, nutrição e dietética, lavanderia, estoque de material, farmácia, esterilização de materiais, áreas de instalações especiais (gases medicinais, subestação de energia, central de ar condicionado etc.), tratamento e descarte de resíduos, e todos outros serviços de apoio necessários para colocar em funcionamento o hospital. A chave do planejamento hospitalar era a manipulação dessas zonas e suas inter-relações para produzir um hospital integrado e funcional, em um contexto em que as zonas iam crescendo em tamanho e complexidade (JAMES; TATTON-BROWN, 1986). Para fazer frente a esse novo desafio, planejadores e administradores copiaram modelos organizacionais do mundo dos negócios (MILLER; SWENSSON, 2002): para a organização e administração do hospital modernista, “eficiência, racionalidade, produtividade e conformidade tornaram-se conceitos chaves” (DILANI, 2000, p. 20). Para Dilani (2000), o hospital tornou-se um exemplo ilustrativo da eficiência industrial, de acordo com as condições e formas de pensar nos anos 1950, caracterizado por uma racionalização firmemente dirigida e uma conseqüente centralização das funções. O hospital, concentrado e especializado, passou a ser visto como uma unidade fabril; e a arquitetura hospitalar refletiu a evolução dos cuidados de saúde na direção da tecnocracia e da despersonalização. Verderber e Fine (2000: p. 13) apontam como a convergência entre a 66 rigidez dos programas, fluxos e prescrições, de um lado, e os princípios funcionalistas e as soluções universais, de outro, serviu para consagrar o hospital modernista como a “perfeita expressão arquitetônica nesse período da medicina de alta tecnologia”, o “contêiner da volumétrica máquina de curar”. A partir de então, e por algum tempo, o hospital será alterado somente em sua volumetria, com base na discussão das vantagens e desvantagens de produzir grandes superfícies predominantemente horizontais ou verticais, sob o impacto da necessidade de procurar soluções para abrigar a crescente intensidade de equipamentos no edifício, prever expansões e aumentos de complexidade e prevenir a obsolescência dos espaços edificados. Como afirmou Lindheim (1979: p. 71), Na medida em que os hospitais e a tecnologia médica do pósGuerra cresceram, o tema arquitetônico mais relevante não era a forma mais cuidadosa de acomodar as necessidades do enfermo mas como construir formas flexíveis para hospedar a constantemente cambiante tecnologia médica (...) Em todo o mundo, o trabalho dos arquitetos foi o de desenvolver sistemas para planejar esses hospitais. Três tipos podem ser decantados desse esforço de adaptação do edifício hospitalar ao contexto da segunda metade do século XX, marcada por necessidade de expansão, aumento de complexidade e risco de obsolescência: torre sobre pódio, rua hospitalar e sanduíche. 3.4.1. O tipo torre sobre pódio Com ênfase nas questões da concentração e da eficiência, uma maneira de organizá-las no edifício hospitalar foi expressa no tipo torre sobre pódio, um T invertido, ou seja, uma torre de pavimentos que crescia desde uma base. A volumetria do conjunto destaca o paralelogramo vertical da torre interceptando o horizontal que forma o pódio. Essa diferenciação correspondia a uma distinção de uso: como regra (JAMES; TATTONBROWN, 1986), a zona de internação situava-se na torre, em cuja periferia estavam as enfermarias; a base, que em geral tinha um ou dois pavimentos, abrigava a zona clínica – com acesso fácil desde a rua – e a zona de suporte, esta normalmente em andar inferior. Concentrado e de grandes dimensões, o edifício dependia quase totalmente de equipamentos mecânicos: utilizavam-se sofisticados sistemas de ventilação e ar condicionado; elevadores e monta-cargas respondiam pela circulação vertical. 67 A incorporação de uma dimensão vertical importante criava novas possibilidades de zoneamento e de segmentação funcional dos espaços hospitalares, possibilitada em última análise pelos progressos no campo dos materiais de construção para estruturas. Se as paredes autoportantes exigiam, para ganhar altura, consumir grandes áreas nas plantas dos pavimentos, as estruturas de esqueleto metálico (surgidas com o desenvolvimento siderúrgico do século XIX) ou de concreto armado (já no século XX) permitiam acúmulo vertical de pavimentos com poucas repercussões horizontais produzidas por estruturas relativamente esbeltas. Por outro lado, os novos materiais de vedação, revestimento ou pavimentação reduziam na mesma velocidade as cargas verticais das edificações, diminuindo os esforços solicitantes da estrutura e das fundações. Um bom exemplo do tipo torre sobre pódio é o Hospital Geral Etobicoke, em Toronto, Canadá (ver FIG. 12). Concluído em 1972, o edifício continha 500 leitos e possuía 38.000 m2 de área construída. A torre abrigava (REDSTONE, 1978) a zona de internação, enquanto o pódio hospedava, em seus dois andares, as zonas de suporte (no andar mais baixo) e clínica. Verticalmente, os leitos de internação eram distribuídos nos pavimentos, separados por especialidade médica. A interseção entre torre e pódio abrigava a administração e os arquivos médicos. Todo o hospital era servido por sistemas automatizados de transporte de bens, documentos, imagens. A zona de suporte centralizava o sistema mecânico de distribuição de materiais e alimentos em carrinhos que se deslocavam horizontalmente (em monotrilhos) e verticalmente (em montacargas), segundo um sistema automático de roteamento. Um sistema pneumático de correio interconectava todos os departamentos e andares. Todos os pacientes eram acompanhados em seus leitos por um sistema de imagens centralizado, que coordenava a atividade de enfermagem estruturada em quatro áreas para cada pavimento de internação. Por fim, o contato entre enfermagem e paciente era minimizado pelo uso de um armário de porta dupla e compartimentos específicos para entrada e saída de materiais. A estrutura da torre foi projetada em concreto armado, enquanto que no pódio foi usada uma trama de vigas metálicas, capaz de prover maiores vãos livres. Destacam-se nos materiais de vedação e acabamento o alumínio anodizado e o vidro fumê. Todo o edifício depende de ventilação, acondicionamento de ar e calefação, garantidas mecanicamente, sendo as instalações distribuídas através de colunas verticais (shafts). 68 Figura 12 –Hospital Etobicoke, no alto; abaixo, plantas esquemáticas do pavimento do pódio (direita) e da torre (esquerda). Fonte: REDSTONE, 1987; JAMES; TATTON-BROWN, 1986. Observadas conjuntamente, as soluções de estrutura e instalações foram capazes de possibilitar uma grande concentração de espaços, com uma flexibilidade no uso em face dos grandes vãos.A verticalização permitiu separar funções, o que favoreceu um tratamento adequado das relações entre zonas e departamentos. Em contrapartida, essa solução estipulava sérias restrições a mudanças ou ampliações nas zonas de internação e clínica, enrijecendo o hospital em face de mudanças tecnológicas nos campos da atenção ao enfermo e do apoio ao diagnóstico e ameaçando-lhe com forte rico de obsolescência. 3.4.2. O tipo “rua hospitalar”. O tipo torre sobre pódio não respondia a questões colocadas pelas necessidades de contínuo crescimento, transformação de funções e incorporação de mudanças tecnológicas cada vez mais aceleradas. Se as diferentes zonas cresciam a diferentes taxas, alterando-se suas participações relativas na área total de construção (MILLER; SWENSSON, 2000), a disposição das zonas em camadas verticais sucessivas, sendo impossível a expansão das 69 áreas de cada pavimento, estabelecia limites claros para a ampliação dos hospitais com essa tipologia. Para equacionar essas questões, com ênfase na possibilidade de expansão para absorver novas tecnológicas, desenvolver-se-ia um outro tipo arquitetônico de hospital: a rua hospitalar. Em fins dos anos 1940, um projeto (nunca executado) para um hospital em Hertfordshire, Reino Unido (ver FIG. 13), firmou as bases da estruturação espacial segundo o princípio de uma coluna de circulação que vertebrasse blocos independentes, contendo diferentes atividades (COX; GROVES, 1981). Figura 13 – Modelo esquemático em 3D de hospital com base no tipo rua hospitalar Fonte: COX; GROVES, 1981 Esse tipo rua hospitalar, por conseguinte, se adequaria bem a uma época em que, como afirmou Weeks (1973, p. 464), funções mudam tão rapidamente que os projetistas não deveriam mais buscar um ótimo ajuste entre edifício e função. O que é realmente requerido é que se projete o edifício que iniba minimamente as mudanças de função, e não que se ajuste melhor a uma função específica. Nesse sentido, esse tipo era bastante vantajoso. Tanto cada bloco do conjunto já edificado poderia ser transformado ou expandido, sem que isso provocasse grandes transtornos à utilização dos demais blocos, como a conexão de novos blocos poderia ser feita segundo um curso de desenvolvimento reprogramável a cada momento (MONK, 2004). Assim, o potencial de crescimento da quantidade de leitos, ou do número de espaços clínicos, ou ainda a introdução de novos espaços com novas funções, e a minimização dos riscos de obsolescência constituíam os pontos fortes do tipo rua hospitalar. Toda essa flexibilidade e adaptabilidade provinha, não só do modo de estruturação do espaço, mas também do uso de um sistema estrutural modulado em grandes vãos, que aportava – no plano de cada edifício adicionado ao conjunto – a possibilidade de adotar os arranjos físicos mais condizentes com a futura ocupação. A disponibilidade de novos materiais para as estruturas, como o concreto armado e o aço, também se ajustavam bem 70 ao tipo “rua hospitalar”. No caso, não é a associação entre leveza e alta resistência o que importa, dado que os edifícios deste tipo não são necessariamente altos; a característica importante aqui é a flexibilidade e a possibilidade de projetos modulados, com o uso de pórticos ou peças pré-usinadas, que se possam edificar por etapas. Um exemplo paradigmático do tipo rua hospitalar é encontrado no hospital geral do Parque Northwick, em Londres (REDSTONE, 1978; ver FIG. 14). Ali, foram plenamente especificados, como primeira fase do empreendimento concluída em Figura 14 – Vista geral da 1ª fase do Northwick General 1969, os projetos da espinha dorsal Hospital, Londres. Fonte: COX; GROVES, 1982 – ou seja, da rua hospitalar, eixo de concentração de circulação e comunicação – e de dois conjuntos de blocos correspondentes ao extremo leste da “rua” e à área central, em que se situavam instalações hospitalares para 300 leitos. Figura 15 – 2ª e 3ª etapas previstas para o Figura 16 – Vista do interior do Northwick Northwick General Hospital. General Hospital. Fonte: REDSTONE, 1982 Fonte: REDSTONE, 1982 Segundo Stone (1980), a implantação progressiva do empreendimento foi prevista para acontecer em três etapas (ver FIG. 15), configurando-se ao final um conjunto de edifícios de distintas dimensões, implantados de forma ordenada, mas sem excessivo rigor previsto 71 com respeito à exata realização do que se projetou inicialmente. Um detalhe fotográfico do edifício, na FIG. 16, mostra à direita a rua hospitalar, no nível destinado para a circulação de pedestres e paciente. Abaixo deste nível há uma rua similar para o tráfego de materiais e a rede de serviços, que poderiam ser verticalmente separados em determinados trechos, gerando então três pavimentos. Ao fundo e à esquerda, podem ser vistas fachadas de edifícios independentes em que se destaca o sistema modular da estrutura de concreto do exterior, formado por elementos verticais cujo espaçamento se amplia na medida em que se alcançam andares mais elevados. No interior de cada edifício, colunas estruturais de concreto moldadas in situ poderiam ser dispostas mais ou menos livremente, apoiando em pontos estratégicos a laje pré-moldada em grelha. De modo similar que o estrutural, o projeto de instalações foi desenvolvido em módulos, usando-se um dos níveis da rua hospitalar para sua distribuição. Assim, no projeto do Parque Northwick, a modulação estrutural contribuía para a padronização construtiva e a conseqüente pré-fabricação. Por outro lado, apoiava as intenções do projetista de obter grandes vãos interiores que permitissem a variabilidade de definição de usos e espaços internos. O tipo rua hospitalar apresentava alguns problemas. Os mais evidentes deles prendem-se à limitação do tamanho dos terrenos e aos longos percursos a serem seguidos por pessoas e por materiais. Mas também se apresentavam questões ligadas ao alto custo relativo de criar condições para expansões e adaptações que talvez nem venham a ser necessárias ou realizadas. Diante desses problemas, esses empreendimentos passaram a ser considerados caros para construir e manter. A crise econômica dos anos 1970 impulsionou a busca de alternativas para reduzir custos, mantendo algumas vantagens dessa tipologia. Novas formas de organização da planta, utilizadas até os anos 1990, reduziriam os graus de liberdade das futuras expansões. Essas seriam planejadas como módulos prediais articulados em torno de espinhas dorsais não mais lineares. É o caso da solução em malha ou em cruzes Figura 17 – Esquema em 3D de solução derivada do tipo sucessivas (ver FIG. 17). rua hospitalar. Fonte: JAMES; TATTON-BROWN, 1986 72 Nessas soluções, portanto, radicaliza-se a repetição e a padronização, favorecendo um uso mais intenso da pré-usinagem redutora de custos, mas ocasionando menor flexibilidade e mais regularidade ao desenvolvimento do hospital. 3.4.3. O tipo “sanduíche” No século XX, o hospital esteve sempre crescendo e mudando. Os diferenciais de crescimento entre as zonas foram aumentando na medida em que, a partir dos anos 1970, a pressão por mais leitos diminuiu (MILLER; SWENSSON, 2002). Naquela década, a maior taxa de crescimento era a da zona clínica, ou seja, a que abrigava a tecnologia médica. Para suportar mais equipamentos, os espaços requeridos para dutos de ar condicionado e outras instalações especiais também cresciam. Esses avanços aconteciam com tamanha rapidez que novas unidades construídas tornavam-se obsoletas antes mesmo de começar a funcionar. Planejadores e arquitetos eram pressionados a adotar uma posição proativa para o dilema da rápida obsolescência das unidades. Para Verderber e Fine (2000: p. 118), por causa dessas rápidas mudanças no campo da medicina, “o hospital máquina (...) tinha se tornado o mais complexo e imprevisível de todas as categorias de edifícios”. Uma resposta a esses problemas foi proposta na forma do que se chamou de “espaço intersticial”, solução que está na base do desenvolvimento do tipo sanduíche. Trata-se de uma espécie de pavimento técnico, com até 2 metros de pé-direito, intercalado entre dois pavimentos dedicados às outras funções do edifício. A existência desse semipavimento dedicado ao caminhamento horizontal das instalações, funcionando como suporte dos demais andares, viria a possibilitar que os pavimentos normais fossem indiferenciados. Com o uso de estruturas modulares, metálicas ou em concreto préfabricado, era possível alcançar grandes vãos, de maneira que facilmente se poderiam adaptar os mesmos espaços a novas utilizações. Assim (ver FIG. 18), se distribuíam os dutos e instalações especiais horizontalmente, e se poderia caminhar para realizar os Figura 18 – Esquema do pavimento intersticial. Fonte: VERDERBER; FINE, 2000 73 serviços de manutenção sem interferir no funcionamento do hospital. A conexão vertical entre os pavimentos se daria através de poços ou “shafts”, pelos quais os dutos das instalações passavam de um pavimento a outro. Este novo sistema produzia um aumento no custo do edifício, compensado pela flexibilidade que o sistema construtivo proporcionava, como também pela vantagem que aportava à manutenção das instalações. Estas, localizadas entre pavimentos, completamente separadas do resto do edifício, poderiam ser consertadas ou mantidas sem interferir nas atividades do hospital. Outra vantagem obtida pela adoção dessa tipologia era a facilidade com que se podiam reagrupar horizontalmente os diferentes departamentos, alterar as relações função-espaço, alternar verticalmente localizações: daí a designação de “espaço universal” que acompanha essa tipologia (REDSTONE, 1978). O objetivo principal do “espaço universal” era que o hospital não ficasse obsoleto frente aos avanços das Ciências Medicas, tão rápidos que o tempo da construção do hospital, em alguns casos, era suficiente para produzir a perda da atualidade do projeto. A adoção do tipo sanduíche permitia que se construísse o “esqueleto” do edifício, bem como as instalações dos principais serviços na interplanta de instalações. O espaço resultante poderia depois ser adaptado a futuras demandas. Paralelamente, eram escolhidos os equipamentos, dando-se oportunidade de instalar os modelos de tecnologia mais recentes disponíveis no mercado. Como as perspectivas buscadas eram as de integrar e condensar, a volumetria resultante para o tipo “sanduíche” é a do bloco, um paralelogramo em que as dimensões de planta são comparáveis entre si e superiores à altura. Um bom exemplo deste tipo é o instalações Hospital Distrital de Greenwich, em Londres, concluído em 1969. Tratase de um edifício que abrigava 800 leitos de internação. Possuía quatro andares, com pé direito médio de 2,7 metros, um deles subterrâneo (ver FIG. 19). Acima e abaixo de cada um dos três pisos superiores, o edifício tem pavimentos intersticiais para serviços e instalações mecânicas, com Figura 19 – Fachada principal do Hospital Distrital de Greenwich (destaque para os pavimentos intersticiais) Fonte: STONE,1980. 74 1,2 a 1,8 metros de pé direito, interconectados por quatro colunas (shafts) verticais que também incluem escadas e elevadores. A zona de suporte se completa pela existência de departamentos de serviços no andar subterrâneo, enquanto que as zonas clínica e de internação se distribuem entre os demais andares. A estrutura em concreto pré- fabricado, mais peças metálicas servindo de tirantes para suportar o piso dos pavimentos intersticiais, apresenta largos vãos livres, conforme se pode observar na FIG. 20. Todo o edifício é servido por arcondicionado e é possível dotar de acesso, a qualquer tipo de instalação, qualquer espaço de um Figura 20 – Construção do Hospital Greenwich. Fonte: STONE, 1980. pavimento. Também não se diferenciam quanto a isto os diferentes pavimentos, de modo que há, no Greenwich, uma total flexibilidade quanto à distribuição do espaço arquitetônico para distintas atividades. Tão somente se restringe essa possibilidade com respeito ao fato de que atividades com forte inter-relacionamento devessem localizar-se em um mesmo pavimento, evitando-se o transporte vertical nesses casos. Como se vê, essa tipologia se endereça principalmente para equacionar os problemas da complexidade e da obsolescência do edifício em face de avanços tecnológicos. Em geral, a expansão de uma zona em detrimento da outra é possível, mas não há facilidades de expansão absoluta da área construída total. 3.5. O hospital do período pós-modernista As soluções modernistas para lidar com os problemas de eficiência, crescimento, complexidade e rápidas mudanças que se apresentavam no projeto de hospitais foram as regras adotadas nos anos 1950 e 1960, um período de grandes investimentos em infraestrutura de saúde. No entanto, já naquele momento, essas soluções passaram a ser fortemente criticadas. Adicionalmente à questão dos altos custos, o hospital do período modernista era então visto como excessivamente concentrado e padronizado (LINDHEIM, 1979). Para Verderber e Fine (2000), a crítica aos hospitais modernos também realçava o distanciamento entre o hospital e as efetivas necessidades dos seus usuários, na mesma 75 medida do tratamento privilegiado conferido à tecnologia e aos procedimentos médicos nas decisões arquitetônicas. Essa afirmação podia ser decomposta em dois planos de análise. No plano mais individual e familiar do usuário, o hospital moderno podia ser criticado em face da despersonalização do atendimento ao paciente e da pouca consideração às suas necessidades individuais (CARPMAN et al., 1986). Já no plano das relações entre o edifício hospitalar e a comunidade urbana que o abrigava, Verderber e Fine (2000) ressaltam o fato de que, concebidos para a atenção à saúde em larga escala populacional, os grandes edifícios ou complexos hospitalares produziam impactos significativos – tráfego, ruído, perda do caráter de vizinhança por intrusão de edifícios e fluxos não integrados ao bairro, dificuldades de acesso, entre outros –, sobre a área urbana mais imediata, desproporcionais aos benefícios diretos e indiretos que para ela produziam. Por outro lado, a primeira crise do petróleo nos anos 1970, acelerando a inflação e trazendo recessão econômica, influenciou nos aumentos dos custos da construção hospitalar, quase provocando sua paralisação. Para Monk (2004), o acirramento e a generalização da crise fiscal nos países ocidentais também apontava claros limites para a continuidade das políticas de investimento público e, em todas as áreas de infra-estrutura técnica e social, viria a fomentar uma tendência mundial à participação de investidores privados na provisão de serviços hospitalares. Naquele momento, por todas essas razões, a palavra chave passaria a ser a redução de custos. O custo dos serviços também se tornara insustentável: a alta tecnologia utilizada nos serviços de apoio ao diagnóstico e tratamento tornava excessivamente dispendiosa a atenção à saúde para os seguros, para os institutos públicos e para a sociedade. Foi nesse sentido que mudaram as políticas governamentais para a saúde. Para Valins et al. (1996), a nova política enfatizava a prevenção e procedimentos menos sofisticados ou invasivos. A intenção era, sem redução da qualidade de atendimento, evitar o recurso desnecessário à alta tecnologia e a intervenções que redundassem em longas estadias do paciente no hospital. No caso da arquitetura hospitalar, analogamente, várias propostas surgiam no sentido de tornar os hospitais mais apropriados à escala humana, ao mesmo tempo em que se reduzissem os custos de construção e manutenção. As experiências com a planificação e o 76 projeto de hospitais com essas novas idéias só começaram a aparecer a partir dos anos 80, e vieram essencialmente de dois distintos grupos (VERDERBER; FINE, 2000). O primeiro – composto por profissionais militando na área da saúde e acadêmicos – defendia a atenção à saúde centrada no paciente; o segundo, composto principalmente por provedores públicos ou privados de serviços, se preocupava com os aspectos econômicos do atendimento hospitalar. Convergiam ambos, a despeito de seus distintos interesses e objetivos, em que um edifício hospitalar atrativo e convidativo teria um impacto positivo sobre os clientes. Para os primeiros, em função do bem-estar propiciado aos pacientes e familiares; para os demais, em função do que aquilo representava para o negócio do hospital (VERDERBER; FINE, 2000). A convergência dessas opiniões influiu sobremaneira no hospital a partir dos anos 1980. As mudanças, no princípio, foram essencialmente de natureza organizacional. Mais tarde, entretanto, foram imbuídas de imperativo arquitetônico (VERDERBER; FINE, 2000). Em fins daquela década, foram surgindo resultados de pesquisas que identificavam o ambiente hospitalar como causa de stress ambiental (MALKIN, 1992). Por outro lado, estudos sobre os efeitos do ambiente do hospital moderno no usuário obtiveram resultados que mostravam relações de causa-efeito entre ambiente e stress ou redução de bem-estar dos pacientes (CARPMAN et al., 1986). Embora de porte limitado, essas pesquisas iniciais sobre a percepção do usuário do ambiente do hospital moderno tiveram algum impacto sobre os projetistas e empreendedores. Tratava-se de um impacto discreto, se comparado com aquele produzido pelas análises de mercado as quais, em um contexto de competição entre hospitais, apontavam a necessidade de reformulação dos ambientes hospitalares como diferencial competitivo no negócio. Produziu-se, então, a necessidade de soluções arquitetônicas distintas das modernas, principalmente por serem centradas no paciente e não nos procedimentos e na tecnologia. De acordo com Miller e Swensson (2002), o conceito de familiaridade surgiu como chave para atender os requisitos desse hospital pós-moderno, ou seja, para tornar atrativo, humanizar e diminuir o stress nos edifícios hospitalares. Essa idéia de familiaridade foi formulada segundo duas vertentes. Na primeira, tratou-se a complexidade hospitalar e a possibilidade de sua expansão como uma questão de implantação territorial, não mais – como no caso modernista – 77 concentrando-se todos os serviços em um mesmo edifício ou complexo de edifícios contíguos (VALINS et al., 1996). Assim, a instituição hospitalar passava a se implantar segundo a lógica de serviços hierarquizados, com unidades articuladas que eram distribuídas no território, integrando-se de forma mais adequada à comunidade, na qual se posicionavam de forma menos impactante. Na segunda vertente, mantinha-se um hospital de referência para os serviços de maior complexidade, mas esse edifício seria relativamente menos concentrado e menos oneroso que seus análogos da fase modernista. Ademais, passaria a ser concebido de modo a evitar a padronização, a rigidez das prescrições e a presença ostensiva da tecnologia médica, buscando-se espaços mais humanizados, mais atrativos e que viessem a colaborar com o processo de recuperação dos pacientes (HOSKING; HAGGARD, 1999). 3.5.1. O tipo “shopping / hotel / residência” Para fazer frente aos novos conceitos e paradigmas diretrizes do ambiente hospitalar, os arquitetos, nas últimas duas décadas, lançaram mão de três tipos básicos que se encaixavam em seus objetivos de transformar o hospital em um espaço familiar para pacientes e para visitantes. Esses tipos foram o shopping center, o hotel e a casa. O shopping center tornou-se familiar na cultura ocidental como lugar de compras, de lazer e interação social (MONK, 2004). De acordo com Miller e Swensson (2002), a origem da idéia de apropriar o conceito do shopping mall em edifícios hospitalares pode ser rastreada até os longos corredores interligando os edifícios de consultórios aos hospitais em complexos de serviços médicos. Esses corredores, devido ao grande volume de tráfego de pessoas neles circulando, passaram a ser usados para abrigar pequenos locais: farmácias, lanchonetes, floristas, lojas de presentes, entre outros. À parte o fato de que essa solução agrega valor ao empreendimento hospitalar, é importante ressaltar que ela possui características outras que são úteis para a organização do hospital. Por um lado, oferece conforto e segurança a pacientes e visitantes. Por outro, organiza e facilita a distribuição das circulações e dá flexibilidade aos serviços de pacientes internos e externos. Associando esta tipologia contemporânea do shopping center – com significação de lazer e consumo – às tipologias hoteleiras, o hospital do período pós-moderno visa atingir dois 78 objetivos ao mesmo tempo (VERDERBER; FINE, 2000): por um lado, consolidar-se como estrutura agradável ao paciente e a visitantes; por outro, oferecer ao paciente interno, tratado como hóspede, uma atenção mais personalizada. As repercussões mais propriamente arquitetônicas dessa tendência aparecem de forma direta, por certo, nas áreas de internação. Mas vão além disso, como lembram Miller e Swensson (2002), influenciando na oferta de espaços internos desfrutáveis e humanizados (jardins, áreas de espera, descanso e convivência), mas também nas áreas de lobbies, átrios e balcões de check-in, estruturas de cozinha e lavanderia. No caso dos apartamentos de internação, é possível observar que a arquitetura hospitalar tem primado pelo residencialismo, seja na projetação de quartos com caráter mais pessoal, flexíveis, de decoração mais próxima àquela que o tipo de cliente tem em seu próprio lar, seja na possibilidade de que os clientes possam internar-se com bens pessoais (MALKIN, 1992). Esse tipo de hospital quer se desvencilhar da imagem institucional do hospital impessoal, associado a doenças, stress, ansiedade. Por isso, segundo Miller e Swensson (2002), partem da convicção de que ambientes familiares ao paciente e a sua família podem promover, mais que ambientes não-familiares, a sua recuperação. Daí que, em interiores, esse tipo de hospital se caracterize pelo uso de texturas, cores, iluminação, mobiliário, vegetação, todos eles manipulados com conhecimentos oriundos de estudos relativos ao papel do ambiente no comportamento humano (HOSKING; HAGGARD, 1999). O intuito é o de conseguir um ambiente confortável, seguro e acolhedor para o usuário dos serviços, inclusive por interesse de mercado: esses são valores apreciados pelos clientes, e atender essas expectativas pode ser um diferencial do negócio, em um ambiente competitivo. Em síntese, as idéias de escala humana e os conceitos de humanização que foram introduzidos na arquitetura hospitalar mais recente deram origem a um novo tipo arquitetônico. Embora a consolidação desse tipo seja muito recente, pode-se afirmar que as diretrizes que ele aponta para a estruturação de forma e as definições espaciais e tectônicas do edifício hospitalar têm sido seguidas em todo o mundo ocidental (MONK, 2004). Um exemplo que bem ilustra esse novo tipo arquitetônico pode ser apreciado no caso do Pine Lake Medical Center, em Mayfield, Kentucky (FIG. 21). O edifício, concluído em 1993, foi concebido para substituir um antigo hospital, de princípios dos anos 1950. O Centro Médico dispõe de 107 leitos de internação, em 21.000 m2 de área construída. Os 79 serviços da instituição são dirigidos para uma comunidade específica. Para ela, foram planejados consultórios médicos, serviços de apoio ao diagnóstico, serviço de emergência, cirurgias de média e baixa complexidade, além de serviços de atendimento a pacientes externos. Esses serviços foram distribuídos em um pavimento térreo. Acima desse pavimento foram erguidos dois volumes. O primeiro, em forma de cruz, com três pavimentos, onde estão localizados os leitos de internação. O segundo, retangular, de quatro Figura 21 – Reprodução fotográfica, fachada do pavimentos, onde estão os consultórios Pine Lake Medical Center. Fonte: MILLER; SWENSSON, 2002 médicos. No pavimento térreo (ver FIG. 22), há um lobby circular – na entrada principal do edifício – que se interliga a um pátio interno, ao qual se tem acesso também pela entrada da torre de consultórios médicos. Desse contínuo formado pelo lobby, pátio e acessos parte todo o sistema de circulação horizontal e vertical Figura 22 – Planta do térreo do Pine Lake Medical Center. do complexo. Fonte: MILLER; SWENSSON, 2002 O pátio interno tem um pé direito equivalente a quatro pavimentos, com um teto envidraçado que cria um fluxo de luz natural que, juntamente com alguma vegetação e revestimentos, dá ao pátio o aspecto de um átrio utilizado em shopping centers ou hotéis. É em torno do lobby e do átrio que estão dispostos os serviços administrativos – para todos os pacientes –, os serviços de atenção e suporte aos pacientes externos, bem como as unidades comerciais, como a farmácia, um restaurante e a loja de presentes. O centro cirúrgico e os serviços de apoio, que necessitam de privacidade ou acesso restrito aos pacientes, são ligados com o átrio através de circulações. Ou seja, o átrio assume um peso importante na organização dos espaços. É através dele que o usuário entra no edifício e tem 80 acesso aos seus serviços. É valorizado pelo aspecto estético, com grande pé direito, iluminação zenital, vegetação e outras amenidades ambientais. No centro do bloco de internação (ver FIG. 23) em forma de cruz se localiza o posto de enfermagem, de onde é mais fácil supervisionar os leitos distribuídos nas quatro alas. O espaço de interseção das alas coincide com o lobby circular do pavimento térreo, onde estão situados os elevadores que lhe dão acesso. Como a tendência é que esse tipo de unidade hospitalar seja cada vez mais dedicado a pacientes agudos, a forma de cruz que se deu ao bloco da internação Figura 23 – Planta do pavimento tipo da torre de internação, Pine Lake Medical Center. Fonte: MILLER; SWENSSON, 2002 também se justifica pela adaptação fácil do espaço a uma unidade de terapia intensiva. O outro volume retangular de quatro pavimentos está acima dos serviços de apoio ao diagnóstico do térreo e complementa esse serviço. Seu acesso é através de elevadores que estão no átrio. As instalações estão concentradas em um único pavimento técnico e são distribuídas através de shafts e forros falsos, não interferindo de forma significativa na configuração final da edificação. A estrutura de concreto e metal proporciona grandes vãos facilitando flexibilidade ao layout. Embora seja modulada, a marcação dos pilares ou módulos não é percebida nas fachadas. Os blocos que se conectam ao átrio não formam volumes padronizados pela modulação da estrutura, como acontecia no hospital tipo rua. Nem se pode saber, através do volume externo, onde está cada zona funcional do hospital, como no tipo torre sobre pódio. Mesmo as fachadas do bloco da internação não têm o mesmo tratamento externo, como não quisesse ser identificada cada ala da cruz como tendo o mesmo uso. No entanto, o átrio assume funções dentro da organização dos espaços semelhantes ao pátio interno do tipo claustral. Os espaços são organizados a partir dele, são voltados para ele, dele recebem luz natural e é a ele que recorrem para comunicar-se. Entretanto, sua 81 função é de facilitar o acesso desde o exterior, comunicar, fomentar convívio, ao contrário do claustro medieval, voltado para o interior, propiciador de isolamento. Assim, o átrio assume uma preponderância significativa para os hospitais pós-modernos. Apesar de não haver ainda muitos estudos para avaliar esses projetos, eles já recebem algumas críticas. Miller e Swensson (2002: p. 74 e 75) dão espaço às palavras do arquiteto Henry Stolzman, para quem é um equívoco disfarçar um hospital como um “lugar que associemos a conforto”. Para Stolzman, no pior caso, a tendência tem sido “produzir hospitais tão estéreis e confusos como sempre, com um pouco de acessórios cosméticos”. Mas, no melhor caso, os novos hospitais, bem ambientados e planejados com inteligência, seriam vítimas de um erro de princípio: seguir os protótipos errados. Para Stolzman, um hospital não pode ser como uma casa; eles têm de ser espaços que reflitam um conhecimento tecnológico. Da mesma forma, não é um shopping center, no sentido de que este é um ambiente impessoal, incapaz de dotar os cuidados médicos de dignidade e calor humano. Em que pese o fato de este debate conceitual ainda não estar suficientemente amadurecido; e apesar de que as experiências e suas avaliações é que deverão fazer emergir mais claramente uma tendência tipológica, o momento da produção arquitetônica no campo da atenção à saúde indica firmemente neste início de século a consolidação de um tipo arquitetônico híbrido, com raízes no shopping center, no hotel e na residência. 3.6. Um quadro-síntese da evolução tipológica do hospital ocidental Neste capítulo, buscou-se estudar a evolução da arquitetura hospitalar no Ocidente, abarcando-se um período que vai da Idade Média até a contemporaneidade, com a finalidade de construir uma matriz de referência para a análise da evolução tipológica de arquiteturas hospitalares locais, ou regionais. Tendo em vista sintetizar os elementos mais essenciais da análise realizada, esta seção apresenta um quadro-resumo das conclusões obtidas no capítulo (Quadro 1A a 1J, a seguir). 82 Quadro 1A – Síntese da evolução tipológica da arquitetura hospitalar no Ocidente Claustral Espaços organizados a partir de um pátio interno, por meio do qual são estabelecidas as inter-relações entre os compartimentos e as relações destes com o exterior da edificação. Através do pátio, os espaços interiores recebem iluminação, servindo ele também para preservar a intimidade do edifício com respeito à área externa. O consolo espiritual é exercido a semelhança dos ritos religiosos dos monges, privilegiando a relação dos enfermos com a religião. A disposição dos espaços segue uma hierarquia em que o conjunto pátio-claustro é o elemento mais valorizado, seguido pelas quatro enfermarias, o refeitório e a capela, e por fim, as latrinas e a cozinha. Palavras-chave: religião; introspecção; intimidade; simplicidade. Retângulos concêntricos formados por pátio e claustro, na parte mais central, e por enfermarias, refeitório e capela na parte mais externa. Cozinha e latrinas estão anexadas ao retângulo, formando uma espécie de edícula. Como os aposentos não são de grandes dimensões, nem em grande quantidade, a altura do volume é igual à metade dos lados. Logo, a volumetria assemelha-se a um cubo cortado na metade da altura, sendo a parte interna vazada pelo pátio. Apesar de que os espaços são organizados a partir do pátio, a volumetria destaca a capela, com pé direito mais alto que o do conjunto. Palavra-chave: retângulos concêntricos; simetria; cubo vazado. A estrutura do claustro é resolvida em colunas lançadas no perímetro do pátio, igualmente espaçadas, encimadas por arcos semicirculares, tudo em pedra, que suportam abóbadas em pedra. O resto do conjunto é estruturado sobre paredes de pedra, os cômodos tendo ou não tetos abobadados. O uso da madeira se restringe à estrutura da coberta, apoiada nas paredes de pedra dos compartimentos. Palavras-chave: arcos sucessivos, abóbadas, pedra. Configurações correspondentes Instrumento 1 Tipo Instrumento 2 Medieval Instrumento 3 Período 83 Quadro 1B – Síntese da evolução tipológica da arquitetura hospitalar no Ocidente Basilical O principio norteador da organização dos espaços é o de garantir que a missa celebrada no altar possa ser vista e ouvida desde uma grande quantidade de leitos. Por outra parte, cumpre também que todas as atividades dos enfermos, religiosas ou não, possam ser realizadas dentro do mesmo espaço. Logo, a configuração resultante é fortemente influenciada pela relação entre os leitos e a capela, à qual se segue a necessidade de abrigar, no mesmo espaço dos leitos, as atividades não-religiosas como beber, comer e dormir, exercidas coletivamente. Um anexo ao edifício provê latrinas e banhos. Palavras-chave: Igreja, ambiente coletivo, grandiosidade, magnificência. Planta retangular, com três naves, dotadas as laterais de mezanino. O altar é colocado em lugar de destaque, na extremidade do retângulo; o espaço reservado para a disposição – perpendicularmente às paredes – de grande quantidade de leitos alonga um dos lados do retângulo. A planta é desenvolvida em uma só direção, a do eixo longitudinal que passa pelo altar. Cozinha e latrinas ocupam anexos longitudinais, incorporados à edificação por circulações e acessos. A volumetria do conjunto, com coberta em duas águas de grande inclinação, justapõe um paralelogramo de seção trapezoidal do hall aberto, discorrendo horizontalmente, e um prisma de altura destacada, correspondente ao volume da capela. Palavras-chave: retângulo, paralelogramos, hall aberto, dimensão vertical destacada. A estrutura tinha linhas de colunas, de grande altura, no perímetro da nave central e com as paredes laterais de fechamento, tudo em pedra. O teto da nave central era em abóbada semicircular, em pedra ou madeira, culminando com a capela, abobadada a uma altura superior e coberta em cúpula. Nas naves laterais, um piso intermediário em madeira se apoiava em abóbadas que ligavam a série de colunas às paredes externas do hall, e cujo teto podia ser igualmente abobadado ou simplesmente revelar a cobertura estruturada em madeira. Assim, a estrutura acompanha a hierarquia tipológica, exibindo magnificência crescente das naves laterais para a central, e desta para a capela. Palavras-chave: arcos, grandes abóbadas, pedra, madeira. Configurações correspondentes Instrumento 1 Tipo Instrumento 2 Medieval Instrumento 3 Período 84 Quadro 1C – Síntese da evolução tipológica da arquitetura hospitalar no Ocidente Colônia Perseguia-se a reprodução de uma estrutura física segregada, que disponibilizasse aos usuários os espaços e atividades necessárias para a vida de uma comunidade isolada, em contato direto com a natureza e que buscasse a autosuficiência, exceto pela dependência de doações e esmolas. Atividades comunitárias – como cozinha, alimentação, banhos – e as religiosas deveriam ser destacadas, pela centralidade, da vida das famílias, em acomodações simples, com certo grau de privacidade. Palavras-chave: coletividade, segregação espacial, natureza, religiosidade A segregação espacial da comunidade induzia a uma planta fechada, em formato retangular ou elipsóide, reservando-se o perímetro da área para as acomodações individuais ou familiares, articuladas em torno de uma área central ocupada por espaços propícios às atividades coletivas – religiosas ou não. Da volumetria resultante destaca-se uma coroa perimetral continuamente construída, em pequena altura, ao redor de um grande pátio onde pontificam as estruturas da capela e as áreas dedicadas a outras atividades coletivas. Palavras-chave: perímetro retangular, centralidade, coroa perimetral, pequena dimensão vertical. As estruturas singelas e vernaculares das acomodações familiares e dos ambientas de uso coletivo se resolviam em madeira e alvenarias de pedra brutas, reservando-se as soluções mais sofisticadas, em pedra e madeira trabalhada, para a capela, eventualmente com o uso de arcos e abóbadas. Palavras-chave: simplicidade, pedra bruta, madeira rústica. Configurações correspondentes Instrumento 1 Tipo Instrumento 2 Medieval Instrumento 3 Período 85 Quadro 1D – Síntese da evolução tipológica da arquitetura hospitalar no Ocidente Enfermarias cruzadas A organização dos espaços deve propiciar que um maior número de enfermos, desde seu leito, possam ver e ouvir a missa na capela. A relação entre esta e os leitos exerce ainda muito influência na configuração geral, mas há uma preocupação voltada para maximizar a área de leitos. Apesar do consolo espiritual ainda ser a atividade mais valorizada, aparecem outras atividades de caráter terapêutico, como farmácia e serviços de apoio. Na distribuição desses espaços são utilizadas regras de composição geométricas, simetrias, proporções da arquitetura clássica, bem como a separação dos pacientes por gênero. Palavras-chave: capela, ambiente coletivo, composição, proporção, harmonia, hierarquia A planta é formada por dois retângulos cruzados na área onde seria localizada a capela. Estes retângulos cruzados estão localizados em cada lado de um grande pátio central onde no final localizava-se uma igreja. Os compartimentos de apoio são posicionados de maneira que completassem pátios quadrados, com claustros, com as pernas da cruz das enfermarias, em ambos os lados do grande pátio. Há semelhanças geométricas com o tipo claustral, mas os pátios são maiores e sua justaposição produz conjuntos bem grandes com respeito às enfermarias do tipo claustral. Comparadas ao tipo basilical, as enfermarias são halls abertos cruzados, com proporcionalidade e harmonia entre as dimensões de planta e a altura. A volumetria do conjunto resulta, entretanto, em larga hegemonia das dimensões no plano horizontal, em função da justaposição de paralelogramos de baixa altura relativa, e no destaque para os grandes espaços abertos. Palavras-chave: paralelogramos cruzados, planta cruciforme, espaços abertos. A estrutura é repetitiva, simétrica, com uso de pedras, tijolos e madeira. Alvenarias estruturais suportam tetos planos apoiados em terças de madeira. O piso do primeiro pavimento é apoiado em abóbada que serve de teto para o porão. Com essa exceção, arcos e abóbadas de pedras já não mais se sobressaíam na configuração final do edifício, aparecendo eventualmente com funções estéticas, tendo em vista principalmente a harmonia das fachadas. Palavras-chave: madeira selecionada e trabalhada, alvenaria estrutural de pedra. Configurações correspondentes Instrumento 1 Tipo Instrumento 2 Renascença Instrumento 3 Período 86 Quadro 1E – Síntese da evolução tipológica da arquitetura hospitalar no Ocidente Casa de campo A relação leito-capela dos tipos anteriores é substituída pelo sentimento de privacidade na orientação da organização dos espaços. As enfermarias são menores e contém menor quantidade de leitos. Os enfermos são separados por gênero. São utilizadas regras de composição por hierarquia e simetria. A atividade religiosa ainda é importante, com a capela integrada ao edifício, mas as atividades de caráter terapêutico e de serviços ganham maior relevância. A preocupação com os custos, a busca de simplicidade e uma certa racionalidade também influenciam na organização dos espaços. O caráter civil do edifício confere importância ao acesso e hall de entrada, a partir de que aumenta, na horizontal e na vertical, o grau de privacidade da atividade. Palavras-chave: privacidade, austeridade, simplicidade, composição, hierarquia, simetria. Planta retangular com desenvolvimento axial e simétrico, em forma de H, U, E ou C. A planta se desenvolve a partir de um eixo longitudinal linear, cortado no final e/ou no meio do corpo do edifício por eixos transversais. Os compartimentos de apoio e enfermarias estão distribuídos ao longo desses eixos, ora através de circulações, ora através de compartimentos sucessivos (enfermaria–corredor). A capela e a escada são localizadas no centro da planta. Nos três pavimentos, pode-se observar uma ligeira concentração dos primeiros no térreo e das enfermarias no último. A volumetria resulta da interseção entre paralelepípedos secundários e o paralelepípedo maior, segundo eixos ortogonais. A dimensão horizontal da fachada principal se destaca das demais. Palavras-chave: retângulo, eixos principal e secundário, interseção de paralelepípedos. A estrutura da entrada é mais portentosa e aparente, valorizando o saguão com vãos amplos apoiados em colunas de pedra, arcos e eventuais abóbadas. No resto do edifício, o usual é a utilização de alvenarias autoportantes em pedras e tijolos como apoio a tetos e pisos planos, preferencialmente em madeira, mesmo material da estrutura da coberta. Arcos podem ser usados, mas sua presença é mais estético-decorativa que propriamente justificada por necessidades estruturais: os vãos não são grandes e as tecnologias de estruturas de madeira estavam suficientemente evoluídas. Palavras-chave: madeira selecionada e trabalhada, alvenaria estrutural de pedra. Configurações correspondentes Instrumento 1 Tipo Instrumento 2 Renascença Instrumento 3 Período 87 Quadro 1F – Síntese da evolução tipológica da arquitetura hospitalar no Ocidente Pavilhonar Espaços organizados a partir das prescrições de um código sanitário, em que ventilação e insolação são os principais aspectos tratados. O arranjo do mobiliário e a ergonomia dos espaços também são considerados. As atividades terapêuticas são as mais importantes e o espaço mais valorizado é a enfermaria, estruturada de modo a facilitar a supervisão dos enfermos. As circulações assumem importância na distribuição de espaços e na disciplina dos fluxos. Ao longo da vigência do tipo, há uma crescente valorização da privacidade e uma crescente absorção das idéias funcionalistas. Uma noção preliminar de zoneamento funcional é utilizada. Palavras-chave: sanitarização ambiental, disciplina, supervisão x privacidade. Os pavilhões se resolvem em plantas retangulares, e se conectam a um extenso hall de circulação. A orientação vigente na conexão é usualmente a 90º, mas o tipo contempla soluções radiais ou a 45º. O espaço interior da enfermaria é semelhante a um grande hall aberto, em que os leitos são colocados lado a lado sem divisórias, para facilitar a supervisão de enfermos desde o posto de enfermagem. Com o tempo, diminui-se a quantidade de leitos, devido ao sentimento crescente de privacidade. O posto se situa numa extremidade do pavilhão; na extremidade oposta estão os banhos e latrinas. Algumas atividades, como salas de cirurgias, refeitórios, salas dos médicos, podem estar descentralizadas. A volumetria do conjunto é dada pela interseção entre os pavilhões prismáticos (cobertos em duas águas), com até três pavimentos, e o contínuo corredor de interconexão, em um pavimento, sendo também marcada pelos espaços abertos. Palavras-chave: retângulos, paralelos, regularmente espaçados, grandes circulações. A estrutura é organizada de forma repetitiva, reincindindo sobre alvenarias autoportantes de pedra e tijolo. Essa solução implica que os arranjos espaciais em cada piso de um dado pavilhão requerem que as alvenarias de fechamento dos compartimentos recaiam sobre alvenarias no pavimento inferior. As exceções devem ainda ser equacionadas com recurso ao arco de pedra facejada ou tijolos. Em geral, entretanto, os tetos são planos, em madeira, com apoio em peças de madeira. A partir da segunda metade do século XIX, entram em cena as estruturas metálicas e, posteriormente, o concreto armado. Palavras-chave: alvenaria estrutural, madeira, pedra e tijolos. Configurações correspondentes Instrumento 1 Tipo Instrumento 2 Iluminismo Instrumento 3 Período 88 Quadro 1G – Síntese da evolução tipológica da arquitetura hospitalar no Ocidente Torre sobre pódio O principio organizador do espaço é o de produzir um conjunto eficiente, racional e produtivo. A organização segue uma hierarquização funcional em unidades, que depois se reúnem em zonas – internação, clinica e apoio. Estas zonas são distribuídas, segundo suas inter-relações funcionais, formando um todo concentrado. Usam-se equipamentos mecânicos para climatização e circulações verticais. A internação é a principal zona e contém enfermarias com pequena quantidade de leitos e apartamentos individuais. Os fluxos de pacientes externos e internos, funcionários, resíduos, material, são separados e hierarquizados, tudo isso de uma maneira sistêmica. São considerados aspectos como lote e relação com o entorno. Palavras-chave: concentração espacial, sistêmico, funcional, eficiente, fluxos hierarquizados Planta retangular, com vários pavimentos conectados através de circulação vertical, escadas ou elevadores, posicionados estes no centro da planta. As circulações horizontais formam uma espécie de anel que inscreve as circulações verticais. Externamente ao anel, ficam os compartimentos que, por sua vez, estão na parte mais externa do retângulo, recebendo iluminação natural. Observada a volumetria, pode-se identificar a localização das zonas, uma torre em forma de paralelogramo vertical onde se localiza a internação. O eixo da torre é ortogonal com respeito à base, em forma de paralelogramo horizontal (pódio), onde estão localizadas as zonas de apoio e clinica. A zona de internação se destaca na volumetria final. Palavras-chave: base, paralelogramos, torre, prismas, pavimento-tipo, circulação vertical O avanço dos materiais e tecnologias de estrutura, com o uso de treliçados metálicos e pórticos em concreto, tridimensionais em ambos os casos, possibilita que o pódio seja tratado de forma a garantir grandes vãos livres, necessários principalmente na zona de apoio, e que a torre seja de grande altura pelo uso de peças verticais em concreto armado. Palavras-chave: concreto armado, treliças metálicas, torre Configurações correspondentes Instrumento 1 Tipo Instrumento 2 Modernismo Instrumento 3 Período 89 Quadro 1H – Síntese da evolução tipológica da arquitetura hospitalar no Ocidente Rua hospitalar O principio organizador do espaço é o de produzir um conjunto que possa expandir suas partes, em tempo e intensidades diferentes, sem afetar o conjunto. Atividades são grupadas em unidades que, por sua vez, são organizadas em zonas funcionais e distribuídas segundo suas inter-relações em áreas espalhadas e independentes. Uma circulação principal faz a ligação entre as unidades e zonas, fazendo um itinerário que segue o fluxo e sequenciamento de procedimentos. Há preocupação com os acessos e com a ocupação do lote. Não há zona principal, todas podem crescer segundo seu ritmo. Palavras-chave: expansível, sistêmico, funcional, fluxos, sequenciamento. Plantas retangulares se conectam a uma via de circulação troncal. As plantas são posicionadas paralelamente e se desenvolvem segundo um eixo longitudinal que se cruza ortogonalmente com o eixo da circulação principal. As extremidades das plantas ficam livres para crescer, podendo cada uma delas ter um tamanho diferente. O espaço interno de cada edifício é desenvolvido a partir de um módulo tridimensional. O tamanho final varia de acordo com os requerimentos funcionais de cada unidade ou zona, mas tendo como base um módulo básico de crescimento. A volumetria configurada no tipo é dada por uma série de paralelogramos, de pouca altura, que se conectam a uma circulação aberta nos extremos. O conjunto é hegemonizado pela extensão da rua hospitalar de conexão entre os edifícios. Palavras-chave: modulação, padronização, volumes paralelepipedais. Em geral, a estrutura é o fator de uniformização arquitetônica, na medida em que o sistema estrutural é modular e tem seus componentes singulares padronizados. A solução é viabilizada pela tecnologia de concreto armado ou protendido, pré-usinado, para pilares, vigas e lajes. Soluções baseadas em tecnologia de estruturas metálicas também são passíveis de aproveitamento. Palavras-chave: estrutura modular, pré-fabricação, padronização de componentes. Configurações correspondentes Instrumento 1 Tipo Instrumento 2 Modernismo Instrumento 3 Período 90 Quadro 1I – Síntese da evolução tipológica da arquitetura hospitalar no Ocidente Sanduíche A organização espacial é fortemente influenciada pelos requerimentos ambientais dos equipamentos médicos de tecnologia avançada e o combate à obsolescência provocada pelo rápido avanço tecnológico. Esse combate se dá principalmente através da disciplina das instalações e utilidades em pavimentos técnicos e da estrutura independente modular. As distintas atividades são grupadas hierarquicamente em unidades e zonas funcionais, sendo posicionadas de acordo com suas inter-relações. A zona clínica é a mais importante e nela se concentra a presença das atividades que utilizam os equipamentos de alta tecnologia. Palavras-chave: flexibilidade, instalações disciplinadas, funcional, combate à obsolescência As plantas são retangulares, ordenadas umas sobre outras segundo um eixo vertical. Intercaladas entre duas plantas dedicadas às atividades hospitalares está uma planta técnica, usada para circulação horizontal e distribuição das instalações e utilidades. A circulação vertical das instalações se faz por shafts que ocupam espaços nos extremos do volume edificado. A volumetria resultante é a do bloco monolítico, de altura relativamente baixa e de dimensões de planta comparáveis entre si. Palavras-chave: espaços técnicos, espaço universal, bloco monolítico. Estrutura em concreto armado, com lajes colméia ou protendidas, com o fim de garantir grandes vãos livres, pisos e tetos planos em todos os pavimentos, mesmo os intersticiais. O contorno do edifício é marcado pela presença de colunas e vigas periféricas de grande porte. Palavras-chave: grandes vãos, estrutura aparente, estrutura modular independente Configurações correspondentes Instrumento 1 Tipo Instrumento 2 Modernismo Instrumento 3 Período 91 Quadro 1J – Síntese da evolução tipológica da arquitetura hospitalar no Ocidente Shopping center/hotel/residência Os espaços são organizados em torno de um pátio interno, considerando a idéia de familiaridade, atendimento menos impessoal e humanizado. As atividades são agrupadas por função e seu posicionamento relativo leva em conta, além das rotinas médicas e das necessidades de fluxo e tecnologia, as necessidades dos pacientes internos. O pátio interno ou átrio é o espaço mais valorizado da edificação, responsável por consolidar um ambiente agradável para pacientes e visitantes, ambiente esse reforçado pelo caráter residencial das acomodações de quartos e enfermarias. Palavras-chave: foco no paciente, humanização, familiaridade A planta se desenvolve a partir do átrio, ao qual se conectam compartimentos ou grupos de compartimentos, seja diretamente ou por meio de circulações. O átrio tem altura de mais de um pé direito, encerrado em teto que permite iluminação zenital. Os grupos de compartimentos formam volumes diferentes entre si, não havendo um volume predominante no conjunto, exceção feita ao destaque do átrio. Palavras-chave: diferenciação interior, átrio, As soluções estruturais são diversificadas mesmo no âmbito de cada projeto, com uso de concreto, madeira ou metal segundo indique a situação. Salienta-se a solução usual para átrios e lobbies, estruturados mediante vigas e pilares de contorno e panos de coberta em treliçados metálicos tridimensionais. Nas áreas de internação, a estrutura é menos evidenciada, embutindo-se pilares e vigas em alvenarias e disfarçando-se as lajes colméia ou planas por forros falsos em pvc, madeira ou gesso. Palavras-chave: diversificação, flexibilidade Configurações correspondentes Instrumento 1 Tipo Instrumento 2 Pós-modernismo Instrumento 3 Período Capítulo 4 Implantação de hospitais em Natal ao longo do século XX 93 4. Implantação de hospitais em Natal ao longo do século XX Este capítulo visa a caracterizar o conjunto de edificações hospitalares implantadas em Natal desde fins do século XIX, conjunto que constitui o objeto empírico da dissertação. Por certo, a caracterização dos hospitais de Natal requer a elaboração de um pano de fundo, definido, para os fins desse trabalho, com base nas políticas de saúde adotadas no país e nas demandas sociais advindas do desenvolvimento da cidade, no período enfocado. A periodização adotada na análise se impõe, ante outras opções, em face de dois elementos: a evolução das políticas de saúde no Brasil, segundo indicam análises históricas do tema; por outro, os recortes temporais correntes na literatura dedicada ao desenvolvimento urbano de Natal no século XX. Desses fatores, resultou uma proposta de tratamento do tema em cinco períodos consecutivos, a saber: x a Primeira República (1889 – 1930); x dos anos 1930 até o imediato pós-Guerra (1930 – 1945); x da redemocratização ao golpe militar de 1964 (1945 – 1964); x a ditadura militar (1964 –1985); x de 1985 ao presente (1985 – 2004). Os limites desses períodos não devem ser entendidos como rígidos, pois é usual que políticas públicas revelem uma certa inércia em momentos de transição, além de que a elaboração, a maturação e a execução de projetos de edifícios hospitalares têm prazos médios a longos, em função de seu porte e de sua complexidade técnica e financeira. A estrutura do texto segue a periodização adotada, de modo que cada período da enumeração acima é analisado em uma das cinco seções centrais (da 4.2 até a 4.6) do capítulo. Esse núcleo central é antecedido por uma seção (4.1) que caracteriza a situação hospitalar de Natal na época pré-republicana, e sucedido por uma seção conclusiva (4.7), em que se apresenta uma síntese das conclusões mais relevantes do capítulo. Cabe mencionar também que uma síntese das informações apresentadas neste capítulo sobre cada hospital é incluída no Anexo II, segundo os períodos de análise, para os quais se destacam os elementos mais relevantes do contexto. 94 4.1. Política de saúde pública e a situação do hospital em Natal no Brasil Imperial Até já avançado o século XIX, embora fossem preocupantes as altas taxas de mortalidade, o Brasil ainda não contava com uma política de saúde pública identificável como tal (IYDA, 1993). O processo de urbanização brasileira ainda era incipiente em meados do século XIX e só ganharia feição mais significativa já em fins dos anos 1800 (COSTA, 1986). Por outra parte, o Estado brasileiro era então fragilizado pela presença de instâncias subnacionais que embargavam seu funcionamento efetivo (FAUSTO, 2000). Portanto, nem o problema urbano se alçava a alturas preocupantes, nem a contrapartida pública de organização de serviços de saúde era fornecida por um Estado-nação ainda se formando. Nesse quadro, Costa (1986) assinala que as autoridades locais atuavam apenas com uma abordagem urbano-higienista da saúde pública, tomando medidas de limpeza pública e de aterramento de corpos d’água estagnada. Scliar (1987) assinala a presença de hospitais filantrópicos e beneficentes, implantados por personalidades da vida social e econômica ou pela Igreja Católica, contando com trabalho voluntário e com a presença de membros de ordens religiosas. Pequenos auxílios financeiros das autoridades provinciais, entretanto, não tinham a necessária continuidade e sua efetiva consecução era dependente do esforço de lideranças políticas ou do prestígio de associações comunitárias. Saliente-se o caráter segregacionista desses primeiros hospitais, mais assemelhados a “depósitos” para isolar da sociedade os enfermos, com o objetivo de barrar eventuais processos de contágio em larga escala. O caso típico é o das “Misericórdias”, cujo primeiro exemplar no Brasil é o Hospital da Santa Cruz da Misericórdia de Santos, de 1543. Esse tipo de instituição, de origem ibérica, se estenderia pelo Brasil afora em capitais provinciais e até por cidades do interior (CAMPOS, 1952), constituindo-se em uma rede de instituições autônomas entre si, mas guardando sempre o modelo básico de espaço para guarida a enfermos desvalidos. A situação de Natal repete o quadro com maior ênfase. Fundada em 1599, a cidade teve um crescimento irrelevante até a segunda metade do século XIX. Segundo Oliveira (2000), por essa época, a ocupação do território natalense concentrava-se nos bairros da Cidade Alta e da Ribeira, expandindo-se até o bairro das Rocas de forma rarefeita 5 . Nas últimas décadas do século XIX, principalmente com a inauguração do porto em 1872, o bairro da Ribeira destacou-se como localização preferencial de atividades econômicas comerciais ligadas ou 5 Todas as menções feitas neste capítulo à localização dos hospitais e a bairros de Natal podem ser vistas em sua representação cartográfica no Mapa 1, em anexo. 95 não à exportação (CASCUDO, 1999). A atividade industrial era então incipiente, pouco mais que pequenas fábricas de tecido, óleo comestível e sabão. Com essa base econômica, não é de estranhar que as estimativas de população registrem pouco mais de 16.000 habitantes em Natal, no ano de 1900 (CLEMENTINO, 1995). Até 1856, a pequena população da cidade não contava com atenção hospitalar: não há, até então, qualquer registro de hospital em Natal. Os relatos dos Governadores de Província ao Governo Imperial (FUNDAÇÃO VINGT-UN ROSADO, 2001) apontam para epidemias de varíola, sarampo e febres, histerias e epilepsia. No entanto, não havia médico residente na Província nem qualquer forma de tratamento ou atenção especializada aos enfermos. Na ausência de uma política nacional de saúde, e face aos parcos recursos provinciais, a única medida que se registra na vida da Província até meados do século XIX, na área da infraestrutura edificada da saúde pública, é a aquisição de uma palhoça “acanhada (...), tão arruinada que pouco poderá durar” (FUNDAÇÃO VINGT-UN ROSADO, 2001, p. ), em que o Governo da Província depositava as pessoas pobres vítimas de moléstias. Em face desta situação, entre 1822 e 1856, os relatórios anuais da província solicitavam recursos ao Imperador para a construção de uma Casa de Caridade. Em meados da década de 1850, uma forte epidemia de cólera e sarampo obrigou o governador provincial a adquirir, ampliar e reformar uma casa para abrigar os enfermos indigentes, à qual denominou de Hospital da Caridade, implantado em 1856 (OLIVEIRA, 2000). Localizado na Rua da Salgadeira, na encosta da Cidade Alta em direção ao Rio Potengi, no que era então o limite Noroeste da área urbanizada da cidade, o Hospital da Caridade era mantido pelo Governo provincial e por doações de instituições de caridade, com recursos insuficientes para dotá-lo de pessoal especializado. Tratava-se, de fato, de um galpão anexado a uma casa de oitões, aonde deviam ser recolhidos doentes escravos, presos e pobres [...] 176 palmos e 53 de largura, sem forração, em que foram acomodados os repartimentos necessários ao hospital (FUNDAÇÃO VINGT-UN ROSADO, 2001, p. 634). A próxima implantação hospitalar em Natal, de acordo com Araújo (197-) foi o Lazareto da Piedade, depois Hospital de Alienados, inaugurado em 1882. Repetia-se o mesmo esquema de financiamento do Hospital da Caridade, tanto para construção quanto para manutenção. Tratava-se de uma simples casa reformada, destinada a abrigar loucos e 96 furiosos – até 1911, quando foi renomeado Asilo de Alienados, também recebia vítimas de epidemias – sem recursos para receber atenção particular. Informa Silva (1989) que a entidade localizava-se além dos limites construídos da cidade, em terreno onde hoje se situa o Centro de Saúde do Alecrim. Até 1916, não havia atuação médica na instituição, o que confere ao Lazareto um caráter exclusivo de segregação de enfermos. Por fim, já nos primeiros anos da República, em 1892, o governo estadual implantava o Hospital São João de Deus, a ser mantido por verbas provinciais e doações de filantropos, dedicado a receber tuberculosos pobres, incapazes de custear tratamentos da doença em suas residências. Localizado no bairro das Quintas, era uma casa simples, bastante apartada dos limites urbanizados de Natal (ARAÚJO, 197-). Assim, chega Natal ao século XX com uma precária infra-estrutura física de saúde pública. Observe-se que as instituições hospitalares implantadas na segunda metade do século XIX têm alguns pontos em comum, a saber: o governo provincial arca com o investimento inicial e reparte com a caridade, associada ou particular, os encargos de custeio; têm caráter de guarida a enfermos e desvalidos que não podem ser atendidos em seu lar; por fim, são instituições segregacionistas, sendo seu objetivo principal o de proteger a sociedade de enfermidades contagiosas ou mentais. Além disso, a estrutura física é um galpão ou casa, adaptada ao acolhimento de enfermos, sem preocupações de ordem sanitária, situada nos limites da cidade ou além deles. 4.2. A Primeira República: a construção das políticas públicas de saúde e suas repercussões nos hospitais de Natal Durante a Primeira República (1889-1930), os fatores inibidores da posta em prática de políticas públicas de saúde — fragilidade do Estado nacional e urbanização incipiente — foram sendo superados (FAUSTO, 2000). Com o crescimento da população urbana e das cidades, foi se problematizando a saúde pública em bases técnicas. Era um processo de construção que, antecipando-se e depois se deixando moldar, absorvia idéias do movimento sanitarista da década de 1910 (a Liga Pró-Saneamento do Brasil), ressaltandose aí a conscientização acerca da interdependência sanitária, ou seja, da ineficiência de circunscrever espacial ou socialmente enfermidades transmissíveis (HOCHMAN, 1998). Outro elemento de convencimento coletivo, de interesse para a compreensão do comportamento das elites regionais, é apontado por Scliar (1987): as epidemias nas cidades 97 portuárias inibiam o comércio exterior, que era vital para a acumulação do capital mercantil naquele momento do desenvolvimento nacional. Nesse sentido, o papel de Oswaldo Cruz na chefia da Direção Geral de Saúde Pública (DGSP, repartição do Governo Federal para a Capital do país) foi vital para o período por seu efeito demonstrativo. Encarregado de sanear a Capital do país, Cruz obteve êxitos no combate às epidemias, evidenciados pela expansão de suas medidas a outras sedes portuárias importantes. Mas, a generalização dessas políticas encontrava resistência no modelo federativo então vigente, e seriam necessários esforços substanciais para que as elites locais abrissem mão de suas atribuições em prol de uma atuação centralizada (HOCHMAN, 1998). Concretamente, uma investida na direção de uma política nacional de saúde pública pôde ser contemplada (PERES, s/d) com a criação da Justiça Sanitária, a obrigatoriedade da vacinação antivaríola e da notificação de certas doenças, o estabelecimento dos serviços de saneamento e profilaxia rural — na década de 1910 —, atingindo-se o clímax com a criação do Departamento Nacional de Saúde Pública (DNSP) em 1920, ainda subordinado à Pasta da Justiça e Negócios Interiores. O DNSP, inspirado no DGSP de Oswaldo Cruz e dirigido por Carlos Chagas, nascia para coordenar as ações de saúde pública no país (SANGLARD; COSTA, 2004, p. 109), “de forma mais direta no Distrito Federal e, por meio de convênios, nos estados”. Hochman (1998, p. 84) informa que o decreto de criação do DNSP estabelecia “ [...] uma inspetoria específica vinculada diretamente à Diretoria Geral” dedicada ao combate à hanseníase e as doenças venéreas. Para Rocha e Veiga (2004), esse fato – associado à compreensão de que o tratamento e isolamento dos hansenianos era atribuição estatal e não uma questão de caridade pública – revela como o Estado brasileiro de princípios do século XX assumia a implantação de políticas sanitaristas, à revelia das críticas e até de revoltas sociais, como a Revolta da Vacina. Uma outra inovação importante surgida na Primeira República são as CAPs – Caixas de Aposentadorias e Pensões, instituídas em 1923 com o objetivo de criar, nas empresas ferroviárias, uma entidade previdenciária para os empregados, a ser administrada por estes e pela empresa, sem interveniência estatal direta. Sobre o modelo CAP, que dominaria a cena até 1931, Oliveira e Teixeira (1989) informam que as Caixas asseguravam a prestação de serviços médicos de duas distintas formas: no princípio, as CAPs contratavam a 98 assistência junto a profissionais médicos; em 1926, foram autorizadas a organizar seus próprios serviços médico-hospitalares. No campo das edificações hospitalares, cabe mencionar os projetos de Luiz de Morais Júnior para o DGSP e para o Instituto Soroterápico de Manguinhos, ambos dirigidos por Oswaldo Cruz. Nesses projetos, afirma Benchimol (1990), Morais Júnior associava as regras da arquitetura hospitalar pavilhonar de fins do século XVIII com o enfoque científico do edifício oriundo das descobertas de Pasteur. Sanglard e Costa (2004, p. 108) também destacam nos projetos de A. Porto d’Ave na década de 1920 – que fazem desse profissional “uma das maiores referências em arquitetura hospitalar da década de 1920 até meados da década de 1930” – a presença de elementos dos hospitais pavilhonares europeus. Daí poder-se afirmar que ainda na Primeira República foram introduzidos princípios curativos e terapêuticos nos edifícios hospitalares do país. Vale observar que esses edifícios “terapêuticos” estavam direta ou indiretamente à ação governamental na área de saúde, em bases técnico-científicas. Se os projetos de Morais Júnior se vinculam diretamente à atuação em organismos públicos do cientista Oswaldo Cruz, os de Porto d’Ave se articulam com fundações privadas filantrópicas ligadas à causa do combate a males que afligiam a sociedade: o Hospital da Fundação Gaffré e Guinle, para portadores de doenças venéreas, foi resultado de ação pessoal de Carlos Chagas junto às famílias Gaffré e Guinle (CHAGAS FILHO, 1993); o Hospital do Câncer da Fundação Oswaldo Cruz, financiado pela família Guinle sob os auspícios de uma entidade – a Fundação, instituída por iniciativa de um grupo de médicos – criada para cultivar a memória de Oswaldo Cruz, teve seu projeto analisado e aprovado por uma Comissão Técnica em que figurava o mesmo Carlos Chagas (SANGLARD; COSTA, 2004). Assim, na Primeira República, ganha corpo no Brasil a idéia de uma ação mais incisiva do Estado, científica e tecnicamente lastreada, com respeito à saúde pública. Tal processo, desenhado e posto em marcha nos grandes centros urbanos do país, especialmente na capital federal, reflete-se parcialmente em Natal. Nas três primeiras décadas do século XX, a cidade registrava um acentuado crescimento populacional, praticamente dobrando a população entre 1900 e 1920. Nesse período, registra Santos (1998), a cidade teve seu crescimento planejado, com o projeto da Cidade Nova (Plano Polidrelli, de 1904) e o Plano de Sistematização Geral da Cidade, coordenado 99 por Palumbo em fins dos anos 1920. Oliveira (2000) destaca esses fatos como parte de uma ampla ação das elites dirigentes locais no sentido da modernização da capital, cujo escopo também incluía atuações na área do saneamento ambiental e da saúde pública. Essa marca do período analisado em Natal pode ser observada na implantação do Hospital da Caridade Juvino Barreto, em 1909. A decisão de criar a instituição foi tomada com posterioridade ao fato de que os primeiros profissionais médicos da cidade houvessem condenado, por sua alta insalubridade, o antigo Hospital da Caridade, fechado em 1906. O local escolhido para o novo Hospital da Caridade foi o Monte Petrópolis, onde se situava a casa de veraneio do Governador Alberto Maranhão, que foi cedida para as devidas reformas. Tratava-se de um sítio, um pouco afastado da mancha urbana, e próximo ao mar: “com melhores condições por conta dos bons ares do mar” (ARAÚJO, 2000, p. 15). A casa doada por Alberto Maranhão foi reformada, com recursos do Tesouro estadual, visando abrigar, principalmente, pacientes sem recursos. Concebido como hospital geral com 18 leitos, o Juvino Barreto funcionou nos anos 1910 com apenas um médico (SARINHO, 1988). Mas, ao redor de 1926, já havia médicos residentes, serviços ambulatoriais, laboratório de análises clínicas, cuidados de enfermagem por irmãs religiosas treinadas, e clínica cirúrgica. Depois, passou a dispor também de apartamentos para eventuais clientes particulares, advindo daí uma receita para a instituição. O custeio, entretanto, dependia em larga escala de verbas do governo do estado e de doações individuais. Por outro lado, um primeiro movimento de atuação integrada entre governos federal e estadual seria registrada na implantação do Hospital Colônia São Francisco, em 1929, realizada no âmbito do programa federal de construção de hospitais para combater as endemias, especificamente, a hanseníase, em todo o país, através da Inspetoria de Profilaxia da Lepra e das Doenças Venéreas (SANGLARD; COSTA, 2004; ROCHA; VEIGA, 2004). Dedicado ao confinamento e segregação de pacientes pobres com hanseníase, o “Leprosário” se localizava na hoje Avenida Capitão-Mor Gouveia, em sítio bem afastado da área urbanizada de então. No terreno de cerca de 20.000 m2, a área construída totalizava quase 2.000 m2, distribuídos em três blocos (administrativo, internação, tratamento), pequenas casas de dois cômodos para enfermos casados e aptos para cuidar-se, uma sala de cine-teatro, biblioteca, delegacia e uma pequena igreja. 100 Ressalte-se que, no período da 1ª República, permanece o governo estadual como principal provedor de serviços hospitalares, embora ainda haja dependência tanto de doações quanto do esforço voluntário de membros de ordens religiosas, e surjam os primeiros efeitos de políticas federais no financiamento de ações de saúde pública. No período, inaugura-se em Natal, ainda que precariamente, o edifício hospitalar com preocupações sanitárias. A presença de médicos e do laboratório de análises clínicas no ambiente hospitalar configura uma tendência de introdução de elementos científicos ao espaço do hospital, embora os cuidados de enfermagem ainda sejam feitos por irmãs de ordens religiosas. 4.3. Estado Novo, política nacional de saúde e desenvolvimento hospitalar em Natal Entre 1930 e 1945, o projeto nacional de desenvolvimento que orientaria a ação do Governo Federal reforçava a necessidade de políticas nacionais, diminuídas as objeções das oligarquias regionais, então com poder político reduzido (FAUSTO, 2000). Na direção de um presumido Estado de Bem Estar Social, intelectuais e militares nacionalistas pugnavam pela posta em marcha de uma política nacional de saúde e educação, o que levou à criação do Ministério de Educação e Saúde, deslocando-se essa da sombra da Justiça e dos Negócios Interiores e alçando-se à condição de variável central para a equação desenvolvimentista (OLIVEIRA; TEIXEIRA, 1989). A criação, nos anos 1930, dos Institutos de Aposentadoria e Pensão (IAPs) representou um marco na história da medicina previdenciária no Brasil. Os IAPs se referiam a categorias profissionais organizadas, reconhecidas pelo Estado, que indicava a administração profissional do Instituto. O financiamento da atuação dos IAPs se baseava em contribuições dos trabalhadores, das empresas e do Estado, gerando recursos para cobrir os custos de atendimento à saúde dos sindicalizados e familiares, além de permitir a construção de unidades de saúde e até hospitais. Diferentemente das CAPs na Primeira República, os recursos dos IAPs eram geridos de modo centralizado. Tomavam-se decisões de dispêndios no plano nacional das categorias, não no plano geográfico das empresas. Assim, comentam Oliveira e Teixeira (1989), os IAPs, instituições verticais, centralizadas e controladas pelo Estado, assumiam o financiamento da face mais visível da política nacional de saúde: a assistência médica curativa, preferentemente contratada junto a clínicas e hospitais de terceiros. Em paralelo aos serviços dos IAPs, havia uma ação direta dos Governos, principalmente o federal, na formação de serviços especializados e na construção de hospitais. É, entretanto, 101 relevante observar que, segundo Oliveira e Teixeira (1989), existiam apenas quatro hospitais da Previdência Social – ou seja, hospitais gerais abertos ao atendimento dos contribuintes da Previdência – no país, em 1945, o que mostra o direcionamento dos investimentos públicos diretos para a construção de unidades hospitalares especializadas em hanseníase, tuberculose, doenças mentais, doenças infecto-contagiosas tropicais etc, vinculados a programas do Governo Federal de combate às endemias. Por outro lado, a emergência da II Guerra Mundial e a mobilização de tropas deu origem à construção de hospitais militares por arma (Marinha, Aeronáutica e Exército), que tinham o Estado como financiador, mas que não ofereciam atendimento ao público em geral. Por fim, a ação preventiva de natureza universal seria articulada nacionalmente pelo Ministério, executada em associação entre este e os Serviços Estaduais de Saúde Pública, na forma das campanhas idealizadas por Oswaldo Cruz e Carlos Chagas. Esse modelo de financiamento levou os IAPs a se constituírem em fonte de recursos para hospitais organizados liberalmente por médicos que se associavam para – com apoio de instituições sociais beneficentes, dos estados e dos municípios, e até mesmo com recursos próprios – implantar unidades hospitalares que dispunham de alas e quartos especiais para o atendimento de pacientes particulares e dos Institutos. Assim, as categorias organizadas nacionalmente e seus IAPs funcionaram como uma base ampliada de consumo de serviços médico-hospitalares, de certa forma disseminada pelo país, permitindo que a edificação de hospitais fosse quantitativamente ampliada e que cada edifício implantado pudesse apresentar mais atividades de atenção à saúde dos usuários. Com efeito, se até a década de 1920 os projetos de Morais Júnior e Porto d’Ave tinham por base a arquitetura do hospital pavilhonar europeu, em suas obras nos anos 30 e 40 eles passariam a adotar a verticalização que caracterizara a edificação hospitalar nos Estados Unidos de princípios de século XX. A solução vertical permitia, ainda que sem grande altura, a diferenciação social e técnica dos espaços que caracteriza a segregação de atendimento e o zoneamento do espaço hospitalar por diferentes funções (GOLDIN, 1994). Nessa fase, ocorre uma primeira onda de extensão ao conjunto do território nacional da implantação de hospitais de cura, já com uma significativa tecnicidade de projeto e uma incipiente organização administrativo-financeira. 102 Essas tendências se registrarão parcialmente em Natal. A expansão territorial do adensamento urbano se consolidou na década de 1940, nas direções Sul/Sudoeste (Alecrim e Quintas) e Leste (Rocas e Petrópolis). Tal movimento foi em muito influenciado pelo envolvimento da cidade na Segunda Guerra Mundial. A vinda de grande contingente militar para Natal, somada aos estímulos à migração campo-cidade do governo Vargas (políticas compensatórias de auxílio ao trabalhador urbano, criação do salário mínimo), produziu alterações significativas na dinâmica econômica da cidade, especificamente no trajeto da implantação hospitalar na Natal desse período. Como se verá adiante, os hospitais implantados entre 1930 e 1945, em Natal, apresentam características bem distintas dos implantados nos períodos anteriores. Nesse sentido, vale salientar que, em 1931, surgia em Natal a Sociedade de Medicina e Cirurgia do Rio Grande do Norte, dedicada a disseminar o conhecimento médico e a aproximar os profissionais (SARINHO, 1991). A atividade dessa instituição é fundamental para compreender o processo de modernização técnico-tecnológica dos hospitais de Natal, a partir dos anos 1930 (DAVIM, 1999). Destaque similar deve ser dado à criação, em 1934, da Escola de Enfermeiras e Parteiras, idealizada para prover pessoal qualificado para as atividades hospitalares (IDANÉSIA, 199-). Em 1935, o antigo Hospital da Caridade Juvino Barreto já estava profundamente reformado, tanto em termos físicos, quanto no que refere ao padrão de serviços. A antiga casa de veraneio do Monte Petrópolis, adaptada para Hospital de Caridade em 1909, havia sido ampliada durante os anos 1910 e 1920. Dos dezoito leitos iniciais, nos primeiros anos da década de 1930 se chegava a uma capacidade de atendimento de cem pacientes internos. Renomeado Miguel Couto, o hospital ganhara, uma intervenção reestruturadora com recursos do Governo estadual, cujo erário também subvencionava a manutenção e o custeio da instituição, dedicada principalmente ao atendimento de pobres e indigentes (SARINHO, 1988) Havia, é certo, uma pequena receita advinda do atendimento clínico e da internação de pacientes particulares, cabendo a gestão de todos os recursos do Hospital à Sociedade de Assistência Hospitalar, criada pelo médico Januário Cicco, um personagem de alta significação na trajetória da medicina e dos hospitais em Natal (ARAÚJO, 1985). Das primeiras cirurgias e procedimentos terapêuticos dos anos 1910 e 1920, chegara-se a um hospital geral, com um pouco menos que cem leitos (DAVIM, 1999), que contava com 103 médicos em diversas especialidades: clínica médica e cirúrgica, ginecologia e obstetrícia, dermatologia, radiologia, oftalmologia e urologia (SARINHO, 1991). Essa especialização apontava claramente o aumento de tecnicidade e da sofisticação do atendimento, ao tempo em que diferenciava espaços e introduzia equipamentos dedicados a cada clínica. Entretanto, ainda faltava um corpo profissionalizado de enfermagem, continuando os cuidados aos pacientes a cargo de membros de irmandades religiosas. Em 1936, também estava sendo inaugurado, na Avenida Deodoro, limite entre a Cidade Alta e Petrópolis, o Hospital Infantil, renomeado Varela Santiago nos anos 1950 (DAVIM, 1999). A construção fora iniciada em 1923, coordenada pelo Instituto de Proteção e Assistência à Infância do Rio Grande do Norte, em terreno doado pelo Governo estadual. O Instituto inaugurou o edifício completo em 1936: era um hospital pediátrico, equipado com ambulatório, raios-X, laboratório de análises clínicas, centro cirúrgico, internação, e serviços de apoio como nutrição (SARINHO, 1988). Voltava-se ao atendimento de crianças pobres, com custeio coberto por recursos públicos estaduais e apoio de filantropos. Depois do Hospital Colônia São Francisco, no período anterior, o Varela Santiago foi o primeiro edifício hospitalar mais complexo da cidade a ter um projeto arquitetônico desenvolvido a partir de terreno nu, sem qualquer construção prévia a reformar ou ampliar. Com uma área construída de cerca de 950 m2, o Varela Santiago apresentava, como o Miguel Couto, um certo grau de sofisticação tecnológica. A existência de programa específico do Governo federal para o combate às doenças infecto-contagiosas conduziria a nova ação associada dos governos estadual e federal (como no caso do Hospital Colônia São Francisco). Surgia, em 1943, o Hospital Evandro Chagas, especializado no tratamento de casos de enfermidades infecto-contagiosas tipicamente tropicais. Localizado no bairro das Quintas, à época já quase integrado ao perímetro urbanizado da cidade, o hospital contava com internação e serviços de apoio à nutrição dos pacientes, além de uma área administrativa, prestando assistência em um prédio de dois pavimentos, projetado e edificado para esse fim, em terreno vizinho àquele que continha a casa de abrigo em que funcionava o antigo Hospital São João de Deus (ARAÚJO, 197-). 104 Este, por sua parte, foi ligeiramente reformado e ampliado, sendo reinaugurado no mesmo ano de 1943, com a denominação alterada para Hospital Getúlio Vargas, mantendo-se como hospital especializado em tratamento de tuberculosos indigentes. Os recursos para a reforma, segundo Davim (1999), advieram do Governo federal, no âmbito de programa de construção de sanatórios para tuberculosos. Por outro lado, ao final do período do Estado Novo, em 1944, o bairro do Alecrim, com população crescente de camadas médias em função da atividade comercial ali instalada, receberia a implantação de um hospital geral, a Policlínica do Alecrim. Originalmente, a Policlínica fora fundada em 1939 por um grupo de médicos e dentistas, recém-formados em sua maioria (SARINHO, 1988), sob os auspícios do Professor Luiz Soares e da Associação dos Escoteiros do Alecrim que ele dirigia. O êxito do empreendimento e a necessidade da população, cuja alternativa seria o Hospital Miguel Couto, do outro lado da cidade, criou as condições para que o conjunto de clínicas fosse transformado em hospital geral, com as obras iniciadas em 1942. Implantado em um lote de 5.000 m2, o hospital Policlínica do Alecrim (o nome só seria mudado para Hospital Professor Luiz Soares em 1967) teve seu projeto original de 1.297 m2 de área totalmente construído em dois anos. O financiamento da construção, sobre terreno doado pela Associação dos Escoteiros e situado na Avenida Alexandrino de Alencar, foi feito com recursos próprios dos médicos, com empréstimos, liquidados estes com a receita geral dos serviços – diárias e consultas –, e com a receita advinda dos sócios contribuintes que, em troca de pagamentos mensais da contribuição, ganhavam o direito de atendimento nas clínicas da Policlínica (SARINHO, 1988, 1991). Havia clínicas – médica, cirúrgica, ginecológica, urológica, pediátrica, entre outras –, raios-X, laboratório de análises clínicas, centro cirúrgico e serviços de apoio, como nutrição e lavanderia, e até, durante algum tempo, serviço de Pronto Socorro (SARINHO, 1988). Observe-se que a Policlínica do Alecrim já apresentava, à época de sua inauguração como hospital, uma incipiente visão privada do negócio hospitalar, na medida em que o grupo de médicos que liderava a sua implantação não se identificava como filantrópico. Também, a administração financeira do empreendimento lançou mão de inovações (a evolução de clínica para hospital, o sócio contribuinte, o administrador profissional etc) que o configuram como representante de uma nova cepa de instituições médicas. 105 Pode-se verificar que os três novos hospitais implantados no período 1930/45 – o Hospital Infantil, o Evandro Chagas e a Policlínica – já registram um certo patamar de tecnicidade médica (clínicas especializadas, aparelho de raios-X, laboratório de análises clínicas e, em alguns, centro cirúrgico). Excetuando o Evandro Chagas, edificado nos então limites da cidade, a localização se inclina para espaços mais centrais da área urbanizada, respectivamente na Cidade Alta e no Alecrim, porque os novos hospitais tinham ação curativa e não eram mais “depósitos” de pacientes a serem isolados da sociedade. Essas três instituições, além disso, foram projetadas como hospitais desde a sua primeira concepção, salientando suas diferenças com respeito ao caso de casas readaptadas. Ressalte-se, entretanto, que o Miguel Couto, instalado originalmente em uma casa brevemente reformada, já se apresentava como radicalmente transformados em infraestrutura e facilidades disponíveis. Novos hospitais, tanto quanto hospitais existentes e reformados, requeriam então mais espaço, fosse para receber as especialidades médicas, fosse para incorporar o crescente aparato tecnológico. Por outro lado, o crescimento da cidade incorporou as antigas localizações remotas à mancha urbana, integrando esses hospitais ao cotidiano da cidade. 4.4. Da redemocratização ao Golpe Militar de 1964 A partir de 1945 e até 1964, intensificou-se o modelo de saúde pública do período anterior. Dois fatores principais podem ser enumerados como razões para tal. Por um lado, com maior solvência devido ao crescimento dos salários nas categorias organizadas, os IAPs foram progressivamente estimulados pelo Governo Federal a ampliar seu papel na assistência à saúde dos beneficiários (OLIVEIRA; TEIXEIRA, 1989). Por outra parte, o processo de industrialização iniciado no período getulista passava a criar também uma classe média, liberal ou assalariada, vinculada ao crescimento econômico. Assim, ficavam mais claras as possibilidades de empreendimentos hospitalares. Os IAPs, ainda que aplicassem recursos à construção de hospitais próprios, constituíam um grande comprador de serviços médico-hospitalares (CAMPOS et al., 1979). Por sua vez, a nova classe média, com renda suficiente para pagar planos de saúde, fez nascer a medicina de grupo (convênios) no país (DUARTE, 2001). Tratava-se de companhias organizadas, por médicos ou por profissionais de outras áreas, para vender seguros-saúde aos empregados de empresas, com intermediação destas. Capitalizadas, essas companhias puderam lastrear 106 a construção de hospitais privados, pois a receita que elas proporcionavam se somava às provenientes de serviços contratados pelos IAPs (POLIGNANO, 1992). Essa possibilidade de financiamento no longo prazo permitiu que se investisse em hospitais ainda maiores, verticais pela superposição de pavimentos de enfermarias, capazes de concentrar o atendimento de uma grande área urbana. Essa mesma tendência vai ser encontrada nas políticas públicas federal e estaduais, até porque ela respondia ao desenvolvimento inicial de um tipo de medicina curativa muito amparada por diagnóstico de base tecnológica e técnicas cirúrgicas mais seguras e precisas. No caso dos hospitais públicos, os esforços desenvolvimentistas dos últimos anos 1950 e a existência de recursos orçamentários darão origem aos grandes projetos de hospitais verticalizados, que permitiam aprofundar o processo de especialização da unidade hospitalar, incorporando ao edifício equipamentos de suporte técnico e de transporte requeridos por suas dimensão e sofisticação tecnológica. Da mesma forma, permitia segmentar serviços e atividades diferenciadas que se articulavam na concepção de “máquina de curar”. Nesse processo, surgem os sinais de abertura, às parcelas menos abastadas da sociedade, do atendimento hospitalar terapêutico, incorporando às políticas de saúde pública – por vez primeira e ainda sem generalização – procedimentos de atenção ao enfermo pobre em hospitais de porte e qualidade de serviço. Como o crescimento populacional do período se deu especialmente nas grandes cidades e nas metrópoles brasileiras, estas passaram a requerer mais áreas hospitalares para atendimento e internação. Próximo ao fim do período, em 1960, Campos et al. (1979) estimam que a iniciativa privada respondia por mais de 80% dos hospitais brasileiros. Naquele ano, promulgava-se a Lei Orgânica da Previdência Social (Lei n. 3.807, de 27/8), pela qual os benefícios providos pelos IAPs seriam uniformizados. O aumento das prestações de serviços contratadas junto a terceiros fez com que alguns IAPs tratassem de estabelecer regras para a contratação de serviços médico-hospitalares. A partir de um primeiro documento “Padrão de elementos mínimos a serem considerados numa concorrência para a prestação de serviços hospitalares”, formalizado em 1961 pelo IAPC, dos comerciários, outros IAPs foram tratando de instituir padrões de avaliação da “assistência hospitalar, em termos de planta física, equipamento e organização” (CAMPOS et al., 1979, p. 49), um embrião da normativa edilícia hospitalar que se firmaria nos anos 1960 e 70. Esse movimento culminaria, já no período seguinte, em 1967, com as tabelas de classificação de hospitais, classificação nacionalmente usada para definir valores de serviços. 107 Em Natal, a população de 55 mil habitantes de 1940 quase triplicara para atingir os cerca de 162.000 habitantes em 1960. A economia urbana mudou amplamente e, após a Segunda Guerra, havia capital acumulado para financiar uma expansão territorial sem precedentes, para sul e para oeste, levando os limites urbanos até a Av. Bernardo Vieira e ao bairro das Quintas. Assim, a meados dos anos 1960, Natal já se constituía como um núcleo urbano economicamente significativo, concentrando cerca de 15% da população estadual e apresentando uma razoável diversificação de sua base produtiva (CLEMENTINO, 1995). A nova dinâmica econômica se refletiria nas relações entre os hospitais e a cidade. A emergência de categorias organizadas de renda média mais elevada, principalmente devido ao crescimento da presença estatal na economia ao longo do Estado Novo, capazes de articular seus IAPs ou de propiciar um mercado para medicina de grupo (ainda que em bases pioneiras, como no caso dos sócios contribuintes da Policlínica), vai fundamentar uma maior velocidade de surgimento de hospitais. Os hospitais já implantados continuaram sofrendo ampliações. De outra parte, o esforço de guerra e o caráter estratégico que Natal teve no conflito fez necessário prover instalações hospitalares para os militares aqui sediados: a Marinha ampliou significativamente seu antigo hospital na Base Ary Parreiras; a Aeronáutica fez construir seu próprio hospital em Parnamirim (SARINHO, 1988). Só em 1946, era inaugurado o prédio do Hospital da Guarnição de Natal, do Exército, sediado no bairro do Tirol, o que fez Natal atravessar toda a Segunda Guerra usando como hospital militar um edifício projetado e construído para ser a primeira maternidade da cidade. Desde 1928, Januário Cicco animava um movimento social em apoio à fundação da Maternidade de Natal. Festas, quermesses, rifas, sorteios, chás beneficentes, entre outras formas de promoção, iam sendo realizadas com o objetivo de, somando-se as receitas a doações de comerciantes, em dinheiro ou em materiais, edificar a Maternidade da capital. O terreno em Petrópolis, ao pé do monte em que se situava o então Hospital Juvino Barreto, foi doado pelo Prefeito Omar O’Grady e as obras puderam ser iniciadas em princípios de 1932 (ARAÚJO, 2000). Cuidava da administração das obras e do empreendimento a Sociedade de Assistência Hospitalar. Uma vez concluída a obra, em 1941, a Sociedade alugou o prédio ao Ministério da Guerra para servir de hospital de campanha e de quartel general (TAVARES, 1964). 108 Provavelmente, além de atender ao esforço de guerra, o adiamento da abertura da Maternidade se prendeu à necessidade de fundos para equipá-la convenientemente. Talvez não se contasse, por um lado, com mais quase cinco anos de guerra; ou, talvez, não se esperasse a demora e a relutância do Ministério em cumprir o preceito contratual de devolução do prédio, uma vez cessassem as hostilidades (ARAÚJO, 2000). O certo é que a Maternidade Escola Januário Cicco só veio a ser inaugurada em 1950, quase dez anos após a conclusão da obra e 22 anos depois dos primeiros passos para a sua construção. Com especialidade em obstetrícia e ginecologia, a Maternidade dispunha de enfermarias e apartamentos para particulares, centro cirúrgico, serviços de apoio como nutrição, lavanderia, laboratório de análises clínicas e farmácia. O edifício, de três pavimentos, abrigava enfermarias e apartamentos para clientes particulares, sendo de propriedade da Sociedade de Assistência Hospitalar e mantido em função de convênio com o Governo estadual, do qual provinham os recursos básicos de custeio. A Sociedade, por meio de um centro de estudos, também diplomava pessoal de nível médio para seus próprios quadros e para as cidades do interior (ARAÚJO, 2000) Um pouco antes da inauguração da Maternidade Escola, em 1949, um albergue para acolher pacientes com câncer foi transformado no primeiro Hospital da recém-fundada Liga Norte-rio-grandense de Combate ao Câncer, um grupo de filantropia formado basicamente por médicos dedicados a esta especialidade. Tratava-se do embrião do hoje Hospital Dr. Luiz Antônio, e era dedicado a cuidados e tratamentos a pacientes com câncer que não pudessem ter acesso a outros hospitais. O albergue estava localizado nas Quintas, um bairro pobre e relativamente afastado do núcleo urbano em que se implantavam os novos hospitais da cidade. A estrutura física do hospital foi conformada pela sucessiva incorporação de casas vizinhas ao antigo albergue, que foram adquiridas por meio de receitas de doações e de alguns recursos próprios obtidos em convênios com institutos ou com o Governo estadual. Mostrando a diversidade do empreendedorismo hospitalar do período, deve-se por em contraste com as experiências da Maternidade Escola (ainda considerando que o início do empreendimento remonta ao período anterior) e do Hospital Dr. Luiz Antônio o caso da Casa de Saúde São Lucas. O grupo iniciador da Casa de Saúde era composto por profissionais médicos com atuação em clínicas e hospitais da cidade. Sarinho (1981) discorre sobre as razões pelas quais esse grupo se dispôs a empreender o projeto de um 109 novo hospital na cidade, salientando, por um lado, o fato de a cidade estar mal dotada de instituições de atendimento médico, principalmente de urgência e, por outro, a dificuldade encontrada por jovens profissionais em ingressar nas equipes dos hospitais existentes. Nas palavras de Sarinho (1981, p. 7), ele mesmo um componente do grupo iniciador, “...não nos movia a preocupação do lucro, mas um local onde o nosso trabalho pudesse ser feito com maior liberdade”. Sendo a Casa de Saúde um empreendimento de iniciativa particular, a preocupação da sustentabilidade econômico-financeira do negócio estava presente, e se manifestou claramente na escolha do local. O bairro do Tirol ainda não havia sido plenamente ocupado ao fim da Segunda Guerra, quando se fundou a Sociedade Casa de Saúde e seus membros decidiam sobre onde implantar o hospital que pretendiam edificar. Parte dos sócios do empreendimento julgava o bairro um tanto distante do centro da cidade, mas a decisão pelo Tirol se revelaria logo um grande acerto em função do rápido crescimento que a área experimentaria nos anos 50. O terreno foi adquirido com recursos próprios da sociedade e um projeto foi elaborado “de acordo com os nossos planos e sugestões oferecidas pelo engenheiro” (SARINHO, 1981, p. 27). A Casa de Saúde seria inaugurada em princípios de 1952, contando com corpo médico, enfermagem profissional de nível médio e irmãs religiosas que faziam as vezes de enfermeiras diplomadas e administradoras do cotidiano do hospital. O custeio básico do hospital era garantido pelo atendimento aos IAPs existentes em Natal, dos quais apenas o IAPI (dos industriários) não teve convênio com a Casa de Saúde. Mas não era insignificante o aporte de pacientes particulares, em função principalmente das atividades da clínica cirúrgica (SARINHO, 1981). A estrutura de atendimento da Casa de Saúde consistia, em dois pavimentos, de enfermarias e apartamentos para internação, centro cirúrgico, laboratório de análises clínicas, raios-X e serviços de apoio como nutrição e lavanderia. De caráter estritamente privado, assim como a Casa de Saúde de São Lucas, surge em 1959 o Hospital Médico-Cirúrgico, em Petrópolis, a poucos metros da Maternidade e do Miguel Couto. Tratou-se de iniciativa de um grupo de pessoas com atuação profissional na área médica, endereçada ao veio de mercado aberto pela existência em Natal de IAPs bem estruturados e por uma classe média emergente, que garantia alguma clientela particular. O Hospital Médico-Cirúrgico ocupou uma casa reformada, com área de 455 m2, contando com doze leitos de internação, centro cirúrgico, laboratório de análises clínicas, raios-X, 110 quatro consultórios e serviços de apoio como nutrição. Foram investidos recursos próprios do grupo empreendedor, sendo o seu custeio coberto por clientela particular e de convênios. Por fim, o período ora estudado ainda registrou a segunda transferência de sede, em 1957, do Hospital de Alienados (antes Lazareto da Piedade), que deixou o edifício situado na esquina da Av. Alexandrino de Alencar com a Rua Mário Negócio – em frente ao qual se implantara em 1944 a Policlínica do Alecrim – e se instalou na mesma Avenida Alexandrino, mas em sua extremidade oposta, no bairro de Morro Branco, trocando-se sua denominação para Hospital Colônia João Machado (SILVA, 1989). O novo prédio fora construído com recursos dos Governos estadual e federal, os quais também assumiam a sua manutenção e custeamento de atividades. Mantinha-se a natureza da instituição – doentes mentais –, mas foram introduzidos cuidados terapêuticos, corpo médico e irmãs de ordens religiosas para prestar assistência e conforto aos pacientes. O edifício possuía dois pavimentos, espaço de internação e serviços de apoio como nutrição, administração e lavanderia, reservando-se também acomodações especiais para as irmãs. Por fim, nos primeiros anos da década de 1960, iniciava-se a construção do Hospital da Polícia Militar do Rio Grande do Norte, sediado na Avenida Prudente de Moraes, no Tirol (ARAÚJO, 2000). Ponha-se em destaque, no período, a implantação de um hospital especializado de grande porte – a Maternidade –, bem como a consolidação da iniciativa privada no setor hospitalar, com a Casa de Saúde São Lucas e o Médico-Cirúrgico sucedendo, com uma estrutura de empreendimento totalmente definida pela lógica privada, a experiência anterior da Policlínica do Alecrim, em que ainda se encontravam traços de filantropia e de atuação articulada socialmente. Ponha-se em realce o fato de que esses hospitais de iniciativa privada são, até este período ora em foco, sempre hospitais gerais, cabendo a primazia dos especializados ao investimento público e filantrópico. Por outro lado, cabe ressaltar que o período estabeleceu definitivamente a presença da tecnicidade e da tecnologia médica nos hospitais como elemento fundamental da organização do serviço e da assistência, um movimento que, fomentado pela Sociedade de Medicina e Cirurgia estadual a partir dos anos 1930, ganhou contornos definitivos em fins da década de 1950. 111 A importância da Sociedade de Assistência Hospitalar cresceria em 1952, quando a Lei estadual 693, de 7 de novembro, transferiu por doação para a Sociedade o Hospital Miguel Couto, pedindo em contrapartida tão somente que se mantivesse um certo número de leitos gratuitos para os funcionários do estado, conforme contrato que se firmaria posteriormente. Proprietária da Maternidade Escola e agora do Miguel Couto, a Sociedade de Assistência Hospitalar proporia em 1955 a criação da Faculdade de Medicina de Natal, recebendo apoio imediato do Presidente da República (o potiguar Café Filho). Antes de formar sua primeira turma, a Faculdade, com todo o seu patrimônio, seria incorporada à Universidade Federal do Rio Grande do Norte, em fins de 1960. 4.5. O período da ditadura militar (1964-1985) No período pós-64, vão-se agravar os problemas de saúde pública no Brasil. A urbanização crescente e o crescimento sem distribuição de renda exauriam as condições sanitárias das cidades de maior porte e faziam com que as doenças epidêmicas e derivadas de subnutrição se somassem ao crescimento dos acidentes de trabalho, pressionando as precárias condições de universalização da atenção à saúde curativa e reduzindo a eficiência dos programas preventivos (OLIVEIRA; TEIXEIRA, 1989). Em 1967, os IAPs foram unificados no INPS (Instituto Nacional de Previdência Social), que passava assim a gerir as contribuições previdenciárias de todas as categorias de trabalhadores. Se a primeira concepção dos IAPs no Estado Novo era centralizada em comando estatal mas descentralizada por categoria, e sua evolução na redemocratização após a Segunda Guerra Mundial levou a um controle mais descentralizado e flexível, a política previdenciária da ditadura militar ia na direção de uma hiperinstituição nacional, com um orçamento gigantesco, incapaz de ser gerida adequadamente no plano da produção dos serviços diretos à sociedade. O modelo assistencial adotado no período enfatizava o hospital como unidade mais importante de uma rede hierarquizada de atendimento (não-universalizado) à saúde, em que a prevenção, precária, era desvalorizada (LUZ, 1986). O modelo priorizava o atendimento curativo, enquanto a piora das condições sanitárias e o aumento da miséria repercutiam negativamente na eficiência-custo deste atendimento. O modelo (centralizado, com contratação de serviços remunerados de terceiros) era claramente vulnerável a fraudes (LUZ, 1986), e a redução na qualidade média do 112 atendimento voltou a estimular a construção de sociedades de medicina de grupo, desta vez contando com a presença de cooperativas médicas regionais e locais articuladas nacionalmente na sigla UNIMED (DUARTE, 2001). Segundo Akamine (1987), a primeira UNIMED singular surgiu em Santos, em 1967: dez anos depois, mais de 60 cooperativas de trabalho médico com a mesma denominação já existiam em todo o país. A expansão do número de leitos privados se sustentou inicialmente nas mesmas bases do período anterior, ou seja, pela remuneração aos hospitais privados por serviços prestados (LUZ, 1986), mas ganharia uma estruturação mais sofisticada com a criação do FAS – Fundo de Apoio ao Desenvolvimento Social, em fins de 1974. Os recursos do FAS, aplicáveis em apoio a projetos públicos e privados, beneficiariam especialmente, com juros subsidiados, os investimentos em construção, ampliação, readequação e (re)aparelhamento de hospitais privados, depois mantidos pelo INPS à conta de pagamento por serviços unitários prestados aos beneficiários da Previdência Social (OLIVEIRA; TEIXEIRA, 1989), sem desprezar as possibilidades abertas pela expansão dos planos de saúde privados. O empenho na obtenção de alta produtividade do investimento em unidades hospitalares reforçaria o caráter concentrado e vertical dos hospitais edificados nesse período, consolidando de vez a tendência pela volumetria do tipo torre sobre pódio, mesmo quando outros elementos constitutivos do tipo – funcionalidade, eficiência, por exemplo – não tivessem sido tomados em consideração. Sobretudo, a preocupação era com a concentração em unidades hospitalares maiores e “a implantação de hospitais com pequeno número de leitos não deve ser estimulada, tendo em vista a dificuldade de manutenção (sic)” (BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE, 1978, p. 7). A visão hegemônica era a de que para obter equilíbrio “econômico e financeiro” o hospital deveria ser proposto com uma capacidade não inferior a 150 leitos, ainda que as normas admitissem e apresentassem estudos para hospitais de 50 leitos, “considerando as nossas condições”, certamente as demográficas. Com o objetivo de garantir que essas unidades de saúde tivessem as mínimas condições sanitárias e operacionais, foi criado pelo Ministério da Saúde um conjunto de normas e padrões para construção e instalações de estabelecimentos de serviços de saúde: a Portaria n. 400, de 1977 (BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE, 1977). A Portaria vinha coroar um processo que se iniciara com o “Padrão de elementos mínimos a serem considerados numa 113 concorrência para a prestação de serviços hospitalares”, do IAPC, em 1961, e que originara uma atividade de elaboração de normativas de projeto e tabelas de classificação de hospitais e prescrições sobre o tema, ainda na era IAPs (CAMPOS et al., 1979) O Governo militar de 1964 tratou o tema com mesma intensidade, envolvendo nele o Conselho Interministerial de Preços e o INPS. Em 1965, saia a luz um primeiro conjunto articulado de normas disciplinadoras da construção hospitalar (BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE, 1965), que persistiu vigente até a emissão de novas normas de construção e instalação do hospital geral (BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE, 1974), cujo aprimoramento e generalização levaram à já citada Portaria n. 400. Válida para todo território nacional, essa Portaria estabelecia o programa de necessidades das unidades de saúde, dimensões mínimas por ambiente e outras recomendações como segregação de fluxos, acessos e implantação do hospital, localização, e escolhas de terrenos. As unidades estavam categorizadas de acordo com o nível de complexidade e a área de cobertura da população. O modelo centralizador vigente influenciou diretamente nas diretrizes adotadas pelo documento, em que se utilizavam tipologias pré-determinadas, programas arquitetônicos pré-definidos e parâmetros de abrangência nacional calcados unicamente em dados demográficos. A estratégia governamental para a área de infra-estrutura construída de saúde tomaria feições definitivas com a Resolução n. 3 – CIPLAN, de 25 de março de 1981 (BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE E MINISTÉRIO DA PREVIDÊNCIA E ASSISTÊNCIA SOCIAL, 1981) que estabelecia critérios e normas para a adequação e expansão da rede de unidades físicas de atenção à saúde, com o objetivo de alcançar a sua integração e hierarquização. Em Natal, a população crescia com taxas mais altas que a média nacional. Os Censos do IBGE para 1960 e 1980 indicam, respectivamente, números de 162.000 e 416.000 habitantes, ascendendo o peso da capital na população do estado de cerca de 14% em 1960 para 22% em 1980. Nesse período, a cidade testemunhou a ocupação da periferia urbana pelos conjuntos habitacionais, financiados pelo Sistema Financeiro de Habitação por meio do Banco Nacional de Habitação (BNH). Inicialmente, logo em 1966, com verbas do Governo Federal, o Hospital Getúlio Vargas é amplamente reformado e ampliado, para funcionar com capacidade para 180 leitos de 114 internação dedicados a pacientes com tuberculose. Tinha raios-X, laboratório de análises clínicas, pronto socorro, serviços de apoio como lavanderia, nutrição, almoxarifado, farmácia, além de salas de aula para atividades didático-pedagógicas ligadas ao Curso de Medicina da Universidade Federal. A área total construída era de 6.180 m2, em três pavimentos. A demanda por serviços hospitalares, agora unificados os institutos no INPS, vai requerer a implantação de grandes hospitais gerais públicos dirigidos às populações de menor renda. O primeiro exemplar natalense desta nova política de infra-estrutura hospitalar foi o Hospital Walfredo Gurgel, inaugurado em 1971. Tratava-se de um hospital geral, com ênfase no atendimento de urgências e emergências, mas contando com centro cirúrgico, ambulatório, laboratório de análises clínicas, 150 leitos de internação (não por coincidência), serviços de nutrição e de lavanderia integrados ao edifício. A área total implantada era superior a 6.900 m2, em três blocos variando entre um e sete pavimentos. A edificação, localizada na Avenida Hermes da Fonseca, quase no limite sul do bairro do Tirol, era de fácil acesso à época desde as entradas rodoviárias de Natal, o que consolidava o hospital como de referência regional. Os recursos aplicados na construção, na equipagem e no custeio do Walfredo Gurgel provinham dos Tesouros estadual e federal. Dos anos 1970 é também o Hospital Santa Helena, uma instituição materno-infantil de iniciativa privada, com área construída de 3.337 m2, distribuída por três pavimentos. O Santa Helena foi projetado com centro cirúrgico e obstétrico, berçário, raios-X, laboratório de análises clínicas e serviços de apoio – lavanderia, nutrição e administração – integrados ao corpo do edifício. Os recursos para a construção – com aporte do FAS – foram arregimentados pelo grupo de médicos que constituiu a sociedade mantenedora, cujo alvo eram os clientes particulares, os de convênio e, também, os da Previdência Social. O hospital dirigia seus serviços para a população de classe média e média baixa de seu entorno, localizando-se no Alecrim em uma área residencial de alta densidade. Esse modelo de atuação da iniciativa privada no setor hospitalar traria para Natal mais dois exemplares nos anos 1980. O primeiro deles, em 1982, foi o PAPI, um hospital especializado em pediatria, com 120 leitos de internação, ambulatório, centro cirúrgico, urgência, raios-X, laboratório de análises clínicas e serviços de apoio – nutrição e lavanderia, integrados ao edifício. A área construída era de 3.625 m2 e o hospital, objeto de investimento exclusivamente privado, por meio de empréstimos bancários e com apoio do 115 FAS, era mantido com receitas provenientes de clientela particular e de convênios. A localização do PAPI é central, no bairro do Tirol: logo, direcionado a um público de renda mais elevada. O segundo hospital privado do período foi a Maternidade Santa Isabel, com ênfase em ginecologia e obstetrícia, contando com 54 leitos de internação, ambulatórios, centro cirúrgico e obstétrico, laboratório de análises clínicas e serviços de apoio de nutrição e lavanderia. Aqui, também se financiou com recursos privados a implantação do hospital e se buscava garantir o custeio com receitas provenientes de clientela particular e de convênios, característica da demanda potencial da população de renda média e médio-alta residente em seu entorno. Concluindo o período, registra-se o Hospital Santa Catarina. Trata-se de um hospital geral público, construído, equipado e custeado com verbas dos Tesouros estadual e da União. Inaugurado em 1985, sua localização revela a preocupação de fazer chegar aos bairros periféricos, no caso os da Zona Norte, o atendimento médico-hospitalar. Faz parte da primeira tentativa de implantar efetivamente a rede de saúde hierarquizada e regionalizada prevista pela Resolução n. 3 – CIPLAN, em Natal e no Rio Grande do Norte. O terreno escolhido está no Conjunto Santa Catarina, aproximadamente no centro do território alémPotengi do município de Natal. Assim, o Santa Catarina se apresenta como o primeiro hospital público de Natal cujo público alvo não é toda a população municipal, mas sim a de uma certa área do município. O edifício do Santa Catarina resolve-se em um único pavimento, com área total de 3.500 m2, nos quais se enfatizam clínicas pediátrica, cirúrgica, obstétrica e ginecológica. Possui ainda serviços de urgência, ambulatórios, centro cirúrgico, laboratório de análises clínicas, raios-X, nutrição, lavanderia e farmácia. Do exposto, pode-se concluir que o período correspondente à ditadura militar representou, para os hospitais de Natal, uma época de expansão relativamente acelerada, com respeito aos períodos anteriores, tanto no que tange aos empreendimentos privados, quanto aos hospitais de iniciativa pública. Somente a área construída de hospitais novos no período (sem contar ampliações dos existentes) ascendeu a mais de 20.000 m2, mais ou menos distribuídos por igual entre hospitais públicos e privados. Tal fato deve ser vinculado às facilidades de financiamento bancário e da transferência de recursos federais através do FAS. Observa-se também a presença do serviço de urgência na maioria dos hospitais surgidos no período, revelando um avanço na assistência à saúde da população. Há 116 destaque para o Hospital Walfredo Gurgel, único do período com serviço de emergência e capacidade para executar cirurgias de maior complexidade. Quanto à tecnologia médica não há diferenciação para o período anterior: permanecem o aparelho de raios-X e o laboratório de análises clinicas como representantes deste segmento. Entretanto, as áreas da nutrição e lavanderia passam a ser incorporadas ao edifício como atividades hospitalares, merecendo o mesmo grau de exigência de assepsia de outros setores. Observa-se também uma nova “divisão do trabalho” entre o provedor público e o investidor privado, na forma de uma presença maior da especialidade (materno-infantil, pediátrico, ambas de média complexidade) no setor privado, e da ênfase em hospitais gerais públicos, de média e alta complexidade, revelando um direcionamento dos investimentos privados para os segmentos de oferta com menores custos e garantia de mercado. 4.6. De 1985 ao presente O processo de repolitização do país vai de encontro ao desastre previdenciário promovido pelas políticas da ditadura militar. A questão do direito à saúde e ao saneamento básico vai ser tratada, a partir de 1983, no âmbito da luta pela redemocratização nacional. Passa-se a entender a questão como uma questão de cidadania: saúde e meio ambiente saudável são traduzidos na pauta dos deveres de Estado e dos direitos universais do cidadão. Contrariamente à idéia de centralização burocrática, os movimentos sociais adquirem sotaque municipalista, advogando por um sistema nacional com poder de decisão descentralizada, garantindo-se a universalização dos serviços pela via do financiamento federal, mas com gestão compartilhada com estados e municípios na forma de Conselhos de Saúde, requeridos estes e seu funcionamento adequado como exigência para as transferências de recursos (COHN; ELIAS, 1996). A Constituição de 1988 aprovou em linhas gerais esses princípios, concretizando-os no Sistema Único de Saúde (SUS) que deve enfatizar a atuação preventiva (COHN; ELIAS, 1996). Efetiva-se-se aí uma mudança paradigmática. No modelo assistencial anteriormente vigente, a organização do sistema nacional de saúde implicava na valorização do hospital e da atenção curativa, era centralmente planejado e não buscava a universalização dos serviços. No modelo vigente a partir de 1988, os elementos fundamentais são a descentralização coordenada, o acesso universal e a ênfase na prevenção (BICALHO; ABDALLA, 2003). 117 O Sistema Único de Saúde se rebate fisicamente em uma rede de serviços de atenção à saúde territorialmente regionalizada e hierarquizada do ponto de vista da resolutividade das unidades (do posto de saúde ao hospital de base), ainda nos termos da já mencionada Resolução n. 3 – CIPLAN. O sistema conta com a participação do setor privado, que provê mediante pagamento aqueles serviços que inexistam na rede pública ou que, aí existindo, não tenham capacidade de atendimento aos clientes. A hierarquização do sistema de atendimento à população, adotado como norma para a saúde pública, tem rendido bons frutos em parte dos municípios aderidos, mas esses resultados não podem ser generalizados na medida em que, em muitos municípios, as unidades descentralizadas funcionam mal, são mal aparelhadas e seu custeio enfrenta diversos problemas (TEIXEIRA; VILASBÔAS, 2002). Assim, formalmente o sistema está universalizado e homogeneizado, mas sua concretização é, em função do caráter local das decisões, extremamente dependente da ação de cada município (COHN; ELIAS, 1996). Tais problemas dão origem, mais uma vez, ao crescimento do negócio privado de atenção hospitalar, com base em financiamentos subsidiados (via BNDES) e sustentado pela potencialidade de geração de renda dos convênios e planos de saúde complementar. As classes médias e a elite urbana, na busca de serviços mais qualificados e eficientes, compõem a massa de conveniados que se omitem do atendimento universal e viabilizam uma nova explosão dos hospitais particulares, ao mesmo tempo em que a falência fiscal e a falta de prioridade política para a saúde pública condenam as unidades hospitalares do Estado a um mau funcionamento crônico. Mais competitiva, essa oferta de serviços privados de medicina privilegia a segmentação de mercados e a diferenciação arquitetônica do edifício, parcialmente ancorada por uma difusão um tanto imprecisa e vaga dos conceitos de humanização do ambiente hospitalar (LOPES; LUCIANA, 2004). Entretanto, na esteira da ausência de crescimento econômico sustentado, as bases de financiamento privado do custeio hospitalar e, também, da remuneração dos altos investimentos não se apresentam estáveis, provocando crises reiteradas nas relações entre convênios e planos de saúde, de um lado, e instituições hospitalares, de outro. Com a nova Constituição, foi elaborada pelo Ministério da Saúde em 1994 a Portaria n. 1.884/1994 (BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE, 1994), que define normas para projetos 118 físicos de estabelecimentos assistenciais de saúde, substituindo a Portaria n. 400/1977. Depois, em 2002 a ANVISA atualizou esse documento, substituindo-o pela RDC n. 50/2002 (BRASIL. AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA, 2002), alterada pelas RDCs n. 307/2002 e n. 189/2003. Essa versão, de acordo com o espírito da Lei Orgânica da Saúde, de 1988, contém diretrizes que procuram descentralizar as decisões de planejamento e projeto, e permitir a projetação de qualquer unidade de saúde, sem estabelecer programas arquitetônicos padronizados, com a disponibilização de regras flexíveis (BICALHO; ABDALLA, 2003). Como houve uma concentração da população em algumas áreas da cidade houve também uma concentração da demanda por hospitais privados. Essa demanda veio a ser intensificada com a ampliação do número de segurados por planos ou seguros privados de saúde, na esteira da deterioração acentuada dos hospitais públicos. Com efeito, em Natal, a geração atual dos planos de saúde nasceu com a Unimed-Natal, em 1977. Sua massificação, entretanto, data dos primeiros anos 1990, a partir de quando surgem grupos privados com interesse em investir em hospitais particulares, com interesse empresarial. Até então, mesmo nos casos de hospitais privados, não havia estrutura organizacional claramente voltada para a comercialização dos serviços e a rentabilidade. Havia, sobretudo, um caráter que, se não era de empreendimento familiar, produzia comportamentos próximos aos de empresas familiares (falta de profissionais na gestão, decisões de racionalidade discutível) ou de organizações filantrópicas subvencionadas (desconsideração de ineficiências desde que os custos sejam cobertos, por exemplo). Em sua maioria, os grupos de investidores eram formados por médicos, dedicados a suas clínicas e que, em que pese sua motivação empresarial, não detinham suficientes conhecimentos ou vivências empresariais, mas também não sentiram a necessidade de buscar o assessoramento profissional necessário para os seus investimentos. Era com base nas experiências individuais que eles buscavam gerir o negócio. Mas, não havia claramente uma proposta assistencial definida, nem um estudo de viabilidade econômica, concretamente. As decisões sobre perfil e dimensionamento dos hospitais eram tomadas pelos proprietários, da perspectiva de suas especialidades médicas, de forma meio intuitiva e com base nas possibilidades que percebiam desde suas experiências individuais. Assim, não há uma integração das unidades privadas do período a um modelo assistencial, recaindo a preocupação dos empreendedores sobre os recursos próprios e bancários que 119 lastreariam o investimento, bem como sobre a garantia de acesso aos beneficiários de seguros e planos de saúde, que deveriam ser suficientes para custear a manutenção das unidades, bancar as amortizações do financiamento e recompor o capital próprio aplicado. Só posteriormente, já em fins dos anos 1990, com o acirramento da competição por clientes de seguros e planos, é que gradativamente se impuseram as idéias da administração e do assessoramento profissionais. Por outro lado, houve que reorientar o perfil hospitalar na direção de serviços de maior complexidade, aqueles que são os mais bens remunerados pelas tabelas de aquisição de serviços do SUS. O primeiro hospital implantado no período é o Hospital Memorial, de 1990. Hospital geral, com ênfase em ortopedia e traumatologia, o Memorial contava então com 17 leitos de internação, serviços de urgência, raios-X, laboratórios de análises clínicas, centro cirúrgico, UTI e serviços de apoio, em seus três pavimentos. Sua localização na Cidade Alta, quase no limite com o Tirol, já aponta uma certa tendência dos hospitais privados a buscar áreas mais centrais. Mas a maturação do novo ambiente de negócios, especialmente no que se refere à necessária consolidação dos seguros privados, adiou até 1996 o surgimento de um segundo hospital privado no período. Desta vez, foi a PROMATER, um hospital materno-infantil com 80 leitos de internação, centro cirúrgico, consultórios, UTI neo-natal, raios-X, laboratório de análises clínicas, mamografia, ultrassonografia e serviços de apoio (nutrição, lavanderia e farmácia), com estacionamento interior ao lote. Em seus 7.500 m2 de área construída em quatro pavimentos, como se vê, a PROMATER é o primeiro hospital de Natal a internalizar, ao edifício hospitalar, o apoio ao diagnóstico de maneira extensiva. A localização, no bairro de Lagoa Nova, busca tirar partido da nova centralidade urbana que Natal adquirira com a valorização dos bairros a Sul, destino de muitos investimentos imobiliários nos anos 90. Os recursos de construção foram de iniciativa privada, sendo o principal público alvo os planos de saúde garantidores de custeio e recuperação de capital. O único hospital público implantado no período se situa na Zona Norte, no Conjunto Parque dos Coqueiros. Iniciado no final dos anos 1980, o Hospital Maria Alice Fernandes teve sua construção paralisada por cerca de dez anos. Nesse período, alterou-se o perfil do projeto original, de hospital geral, para o de hospital especializado em pediatria voltado para a demanda identificada pelos técnicos estaduais na Zona Norte de Natal. Trata-se de investimento público estadual, contando também com recursos federais para implantação e 120 para custeio, sendo seu objeto principal a clientela do SUS. É um hospital com 70 leitos de internação, seis de UTI, urgência, raios-X, laboratório de análises clínicas, ultrassonografia e serviços de apoio. Com área de 3.755 m2, o Maria Alice Fernandes tem um só pavimento. Os primeiros anos do século XXI presenciam um forte ritmo de expansão dos investimentos privados em hospitais em Natal. Nota-se nos hospitais implantados nesta fase a incorporação de tecnologia médica de ponta, na área de apoio ao diagnóstico. Já em 2000, é inaugurado o Hospital do Coração, hospital geral com ênfase em cardiologia. Três pavimentos e 11000 m2 de área construída abrigam 58 leitos de internação, 25 consultórios, 13 leitos de UTI, urgência e emergência, centro cirúrgico, laboratórios de análises clínicas, raios-X, tomografia computadorizada, hemodinâmica, ultrassonografia. Possui estacionamento interno e se localiza no bairro de Lagoa Nova, como a PROMATER. O financiamento da construção se deu por recursos próprios, tomados ao BNDES, enquanto que o custeio e a recuperação do capital busca seus recursos na receita de planos de saúde. Também no Hospital do Coração verifica-se a tendência de apropriar ao hospital capacidade de resolução em termos de consultórios, de um lado, e de apoio ao diagnóstico, de outro. Definido de modo similar à PROMATER, o Hospital Femina é uma instituição maternoinfantil com 54 leitos de internação. Tendo 5700 m2 de área construída nos seus dois pavimentos, a Femina conta com centro cirúrgico, UTI neo-natal, urgência em pediatria, raios-X, laboratório de análises clínicas e serviços de apoio. Há estacionamento interno ao lote. Localiza-se no mesmo bairro de Lagoa Nova, como o Hospital do Coração e a PROMATER, e pelos mesmos motivos. Por fim, o Natal Hospital Center, implantado em 2002, conta com 6 pavimentos e 14000 m2 de área. O Hospital é geral, mas tem ênfase em cardiologia e oncologia, com 77 leitos de internação, centro cirúrgico, UTI, urgência e emergência, hemodinâmica, raios-X, laboratório de análises clínicas e serviços de apoio. O financiamento foi feito pelos proprietários, tomando-se os recursos financeiros em bancos (linhas de financiamento BNDES), enquanto custeio e recuperação de capital devem ser cobertos por arrecadação de pacientes de convênio. Localiza-se no bairro do Tirol, ao lado do PAPI: com o Natal Center, uma área que começa a consolidar-se como um outro pólo de atenção à saúde. 121 Observe-se que, no período, os hospitais são relativamente bem maiores e mais altos que a média do período anterior. Por outro lado, há uma incorporação ao edifício de atividades de diagnóstico mais sofisticadas, antes processadas em clínicas, e – definitivamente – dos consultórios, isso em larga escala. Uma outra constatação a ser feita é a baixa significação relativa do único hospital público implantado nesse último período. 4.7. Uma visão geral do hospital em Natal A caracterização dos hospitais implantados em Natal ao longo do século XX, ainda que realizada como objetivo instrumental, permite inferir algumas conclusões relevantes para o entendimento do objeto empírico do trabalho. Tendo em vista os elementos de caracterização trabalhados neste capítulo, e mesmo considerando o fato de ser Natal ainda hoje uma cidade média, pode-se verificar que o conjunto dos hospitais implantados em Natal – desde o primeiro Hospital da Caridade, de 1856, até o Natal Center, de 2002 – apresenta toda uma variedade institucional que sintetiza quase completamente a história dos hospitais. É certo que não há registro em Natal de hospitais patrocinados pela Igreja, mas a trajetória examinada neste capítulo revela uma gama variada de empreendimentos hospitalares: públicos, privados e filantrópicos; gerais e especializados; de pequeno e grande porte. Essa variedade é o reflexo, principalmente, das transformações pelas quais passou a cidade, no período estudado. São essas transformações, juntamente com as alterações da política pública de saúde no Brasil, que parecem direcionar os caminhos da evolução do hospital natalense, em resposta a necessidades e demandas interpostas pela sociedade. Nesse sentido, cabe ressaltar que a periodização aqui utilizada permitiu perceber como, no âmbito local, os movimentos nacionais exercem influência significativa no comportamento dos agentes locais, no que se refere ao desenvolvimento da infra-estrutura hospitalar. Assim, mesmo quando a cidade dava, nas três primeiras décadas do século XX, os primeiros passos em seu crescimento populacional e econômico, seu cenário no campo hospitalar registrava as primeiras incursões no rumo da internalização ao hospital de preocupações sanitárias com fundamentos técnicos e científicos, com âncora no investimento público, mas com significativa participação da sociedade civil pela via da filantropia. 122 Depois, durante o Estado Novo, intensifica-se a tecnicidade dos hospitais e, ao mesmo tempo, a iniciativa privada – ainda associada a um viés filantrópico – começa a se insinuar mais decididamente no terreno. O aumento de tecnicidade não se dá apenas pela inserção ao hospital de elementos tecnológicos, com clínicas especializadas, tecnologia de apoio ao diagnóstico e espaços diferenciados para a cirurgia; também se verifica pelo abandono da idéia de edificar hospitais reformando casas e galpões em prol da escolha de localizações adequadas e do desenvolvimento de projetos para o edifício hospitalar. No período seguinte, entre 1945 e 1964, a incipiente tecnicidade se converteria em um dado marcante na estruturação hospitalar e, por outro lado, o viés filantrópico das instituições privadas deu lugar à lógica do investimento privado nas decisões de localização, porte e perfil assistencial, com vistas a assegurar rentabilidade ao capital investido. É interessante ressaltar que nesse período de vinte anos apenas se registra uma implantação hospitalar nova com recursos públicos, mesmo assim na área de sanidade mental. Uma retomada do investimento público em novos hospitais ocorre no período seguinte, entre 1964 e 1985. É um período de expansão da capacidade hospitalar, em termos de número de leitos, com equilíbrios entre as presenças privada e pública. Enquanto não há novidades na tecnologia, crescem de importância, até em função de um maior porte médio dos hospitais, as atividades de suporte como nutrição, farmácia, lavanderia etc, o que revela maior estruturação e organização da unidade hospitalar como ambiente de produção de cuidados ao paciente. É marcante o fato de que o setor privado, neste período, migra para os hospitais especializados de média complexidade, enquanto o setor público atua mais na direção de ampliar a capacidade de atendimento em hospitais gerais. A partir de 1985, passa a ser mais evidente uma orientação comercial para o investimento privado, na esteira da expansão dos beneficiários de seguros e planos de saúde. A oferta de leitos e serviços em novos hospitais privados é francamente maior que a dos hospitais públicos, alterando-se a postura do investidor privado que passa a perseguir serviços diferenciados. Os novos hospitais do período são bem mais supridos de tecnologia médica avançada, investem em publicidade e disputam usuários em um mercado bastante competitivo. 123 Pelo exposto, os hospitais mudaram com a evolução da cidade e com as alterações da política pública para o setor saúde. Essas mudanças institucionais, gerenciais e organizacionais certamente repercutiram sobre suas definições arquitetônicas: são essas redefinições e suas correlações com o entorno o foco do próximo capítulo. Capítulo 5 Análise tipológica dos hospitais de Natal 125 5. Análise tipológica dos hospitais de Natal O objetivo deste capítulo é a apresentação dos resultados da aplicação, a um subconjunto formado por dezoito hospitais de Natal–RN, do instrumento de análise tipológica que foi especificado no capítulo 3. Embora o trabalho tenha seguido uma diretriz censitária, no esforço de submeter à análise todos os vinte e nove hospitais implantados em Natal a partir de meados do século XIX, não foi possível aplicar o instrumental desenvolvido em todos esses casos, mencionados no capítulo 4. Assim, não se pôde incluir entre os hospitais analisados o primeiro Hospital da Caridade (implantado em 1856, desativado em 1906), o Hospital São João de Deus (operativo em 1892 e reconstruído totalmente em 1966) e o Asilo de Alienados (de 1911, desativado em 1957), pela impossibilidade de obter, primária ou secundariamente, quaisquer elementos gráficos indispensáveis à análise. Em função da impossibilidade ou da dificuldade de acesso aos edifícios e aos projetos originais, concluiu-se que os hospitais pertencentes às Forças Armadas (Exército, Marinha e Aeronáutica) e à Polícia Militar não poderiam fazer parte do conjunto de hospitais analisados. Por outras razões, também foram excluídos do conjunto analisado os Hospitais Luís Antônio, Médico-Cirúrgico, Miguel Couto (hoje Hospital Universitário Onofre Lopes) e a Maternidade Santa Izabel (hoje ITORN). Nesses casos, embora tenha sido possível realizar levantamentos e registros arquitetônicos de suas atuais situações, não havia disponibilidade de informações suficientes e de qualidade para reconstituir o projeto tal qual inicialmente implementado. Essa dificuldade se prende ao fato de que esses hospitais foram objeto de reiteradas reformas e adequações, sem que tivesse sido possível obter registros dessas incidências. A restrição na quantidade de hospitais analisados se dá em função de uma definição de método, uma vez que a base metodológica aplicada no trabalho indica a necessidade de apreender o projeto no momento da primeira implantação do hospital, com vistas a entendê-lo em um contexto socioeconômico, cultural e político específico. 126 Feita a ressalva, foram analisados todos os demais dezoito hospitais, para os quais foi possível dispor dos elementos documentais necessários para suportar o trabalho empírico. A relação desses hospitais, com a indicação das correspondentes figuras que os apresentam e que compõem o Anexo III deste documento, é a seguinte: x Hospital Colônia São Francisco (FIG. 24); x Maternidade Escola Januário Cicco (FIG. 25); x Hospital Evandro Chagas (FIG. 26); x Hospital Policlínica do Alecrim (FIG. 27); x Casa de Saúde São Lucas (FIG. 28); x Hospital Colônia João Machado (FIG. 29); x Hospital Getúlio Vargas (FIG. 30); x Hospital Infantil (Varela Santiago) (FIG. 31); x Hospital Natal Center (FIG. 32) x Hospital Walfredo Gurgel (FIG. 33); x Maternidade Santa Helena (FIG. 34); x Hospital PAPI (FIG. 35); x Hospital Memorial (FIG. 36); x Hospital Santa Catarina (FIG. 37); x Hospital Maria Alice Fernandes (FIG. 38); x Hospital Promater (FIG. 39); x Hospital Femina (FIG. 40); x Hospital do Coração (FIG. 41). Para apresentar os resultados da análise realizada, estruturou-se este capítulo em nove seções. A primeira delas está dedicada a comunicar os procedimentos de método adotados para preparar o material empírico, nos dezoito casos já mencionados. Em cada uma das sete seções centrais, apresentam-se os resultados da análise empírica concernentes a grupos de hospitais reunidos por afiliação tipológica. A exceção a esse procedimento é a do Hospital Infantil Varela Santiago, tratado como um caso especial em função de singularidades tipológicas evidenciadas por sua análise. Assim, a ele dedicou-se uma das sete seções mencionadas. Por fim, a última seção sintetiza os principais resultados da análise. 127 5.1. Preparação do material para análise Para construir a análise que se apresenta nas diversas seções deste capítulo, foram levantadas informações em vários suportes a respeito de cada um dos dezoito hospitais analisados. Tais informações dizem respeito às definições arquitetônicas do hospital no momento em que ele foi implantado. Dois tipos de situação podem ser detalhados aqui para dar a conhecer o processo de investigação que resulta nas plantas anexadas ao capítulo. Em primeiro lugar, há o caso dos hospitais mais recentes, com mínimas modificações desde sua construção. Nesse caso, o projeto arquitetônico original foi obtido com os proprietários ou autor, verificado em visitas in loco e em diálogos com administradores, médicos, pessoal de enfermagem etc. Em segundo lugar, há o caso em que se dispunha de planta do hospital tal como hoje se encontra, obtida em levantamento de campo. Nesse segundo caso, procedeu-se a um processo de regressão da planta atual à original, utilizando-se para tanto de informações obtidas em: x visitas ao edifício, com observação de diferenciais de aspectos técnico-construtivos – tais como espessura de alvenarias e lajes, tipos de acabamento superficial, entre outros –; x entrevistas com pessoas que tiveram contato com o hospital na época de sua implantação; x fotografias e croquis de época; x descrições literárias do projeto e do edifício. Em todos os casos, se fez uma checagem das informações, por meio de verificação e conferência de eventuais conflitos entre elas. Por outra parte, em alguns casos, esse esforço de reconstituição do projeto implantado não resultou em uma definição completa do material. Nessas ocorrências, houve que avaliar se as informações faltantes ou nãoverificadas eram ou não relevantes para a análise. Quando essa avaliação de relevância foi positiva, optou-se por retirar o caso do rol de hospitais analisados, conforme já relatado neste capítulo a respeito dos Hospitais Luís Antônio, Médico-Cirúrgico, Miguel Couto e da Maternidade Santa Izabel. 128 5.2. O tipo colônia e o Hospital Colônia São Francisco O Hospital Colônia São Francisco (FIG. 24), implantado em 1929 e só desativado nos anos 1990, era uma instituição dedicada à segregação de portadores de hanseníase. Não há registro ou testemunho de que o hospital contasse com atendimento médico ou de enfermagem, nem mesmo com a presença de irmãs religiosas. O elemento mais significativo na definição da instituição era o isolamento da sociedade, conduzindo a uma preocupação em possibilitar aos internos as condições mínimas necessárias para a vida em comunidade. Dispunham os internos de três diferentes arranjos residenciais, para contemplar diferentes tamanhos de família, além de acomodações individuais para solteiros. Como equipamento comunitário, havia uma pequena capela, cine-teatro, biblioteca, cozinha comunitária, além de delegacia e dependências administrativas para o exercício da autogestão. A localização do hospital proporcionava o isolamento do grupo de enfermos com respeito ao meio urbano, reforçando-se esse isolamento com a presença de um muro que contornava toda a área do terreno, exceto para os limites com o Rio Potengi, fonte de água para os banhos e alimentação. No único portão de acesso ao interior, localizava-se um parlatório, de modo que os contatos entre internos e pessoas externas pudessem ser realizados sem que o visitante entrasse no hospital. A forma geométrica dominante no arranjo do hospital é o retângulo. Trata-se de retângulos independentes, representando as plantas dos cinco blocos de residência e dos equipamentos comunitários. A implantação das unidades construídas no terreno se deu compondo uma forma assimilável a um semicírculo, com centro na posição ocupada pela capela e, secundariamente, pela biblioteca. Nesse semicírculo, pode-se identificar uma posição mais central para os blocos de residências familiares e uma mais periférica para os pavilhões de doentes individuais. Havia três blocos de residências geminadas, cada um deles correspondendo a um arranjo residencial distinto. As unidades residenciais desses blocos continham compartimentos de estar, dormitório, banheiro, cozinha e varanda, esta na parte da frente da unidade residencial. Além dessas construções dedicadas a famílias de enfermos, dois pavilhões – 129 um para mulheres, outro para homens – estavam divididos em pequenos quartos individuais. Os edifícios dedicados à vida em família e em comunidade compõem um núcleo que evoca o tipo colônia. Ainda mais porque a implantação não se refere ao portão de entrada, indicando que o isolamento era o ponto central para organizar todo o hospital. É na verdade a capela, apesar de ser uma construção modesta, que serve de referencial para a disposição espacial das unidades. Para ela se voltam as residências, valorizando sobremaneira o espaço comunitário interior ao semicírculo. A volumetria do conjunto se obtém pela soma de paralelepípedos de pouca altura, com destaque para os blocos de residências, devido ao fato de ser baixo o adensamento das construções. Esse fato, decorrente de implantação em terreno que evoque a vila rural, se registra da mesma forma na tecnologia estrutural e construtiva. Alvenarias estruturais de tijolos, cobertura de telhas francesas de cerâmica, estrutura de telhado em madeira, soluções técnicas e materiais rústicos correntes na região ajudam a compor o quadro reconhecível da pequena comunidade rural. A vida comunitária em isolamento social e em contato com a natureza, o princípio ordenador do espaço, o muro segregador e o rio, as residências familiares geminadas e a tectônica do Hospital Colônia São Francisco são indicadores claros de sua afiliação ao tipo colônia. 5.3. O tipo casa de campo O empreendimento que resultou na Maternidade (FIG. 25) foi de iniciativa de um médico de Natal, Januário Cicco, que liderou um movimento da sociedade para chegar a construíla. Com rifas, quermesses e festas beneficentes, a construção se fez entre 1932 e 1940. A idéia subjacente ao empreendimento era prover assistência médica a parturientes sem condições de pagar por serviço médico privado. O perfil assistencial definido no projeto era de assistência médica especializada em ginecologia e obstetrícia, em regime ambulatorial e de internação. Observando a totalidade das atividades previstas na planta, nota-se que os cuidados terapêuticos prevalecem sobre os religiosos. Esses estão representados apenas pelos aposentos das irmãs e pela presença da capela, representando cerca de 10% da área total da 130 planta. As atividades terapêuticas marcam a presença das ciências médicas no hospital, não somente pela presença de atividades diretamente ligadas aos cuidados dos pacientes, mas também por atividades de natureza técnico-científica, como demonstra a existência de um anfiteatro em que seriam apresentados e discutidos casos médicos. O esquema geométrico é formado por vários retângulos que se conectam face a face, sem a intermediação de uma circulação, formando um só corpo. Assim, a um retângulo principal mais alongado se conectam ortogonalmente, segundo seus eixos longitudinais, outros retângulos menores, secundários, regularmente espaçados. Essas conexões se dão de forma a que o conjunto apresenta simetria com relação a um eixo transversal, dando como resultado uma figura semelhante a um “E”. Esse esquema geométrico da planta se repete nos primeiros pavimentos – térreo e primeiro –; no segundo pavimento são subtraídos os retângulos das extremidades. A implantação do edifício é solta no centro do terreno, de modo que não há implicações da forma irregular do lote sobre a geometria externa do edifício. Quanto aos acessos ao prédio, há dois deles: um acesso social pela frente do lote e um acesso de serviços, pela lateral sul. Podem ser observados três princípios na maneira com que se organizam as atividades na planta. O primeiro princípio é o da organização de grupos funcionais de atividades, ou seja, grupos de atividades, por natureza funcional, que foram reunidas espacialmente. Entre os grupos funcionais claramente formados estão: o da internação, o centro cirúrgico, o centro obstétrico, a central de esterilização e o de atividades de apoio (cozinha, lavanderia, almoxarifado), exceto as administrativas. Essas atividades administrativas estão posicionadas de maneira descontínua, em todos os três pavimentos, sem que transpareça um princípio de como foi orientada a alocação de atividades pelos distintos espaços. O segundo princípio observado é o de composição por hierarquia. Como o esquema geométrico da planta é definido a priori, então a distribuição dos distintos grupos espaciais de atividades obedece a uma regra pela qual os grupos mais importantes ocupam as posições frontais e centrais da planta, enquanto os menos importantes são alocados na parte posterior do edifício. A capela posicionada centralmente na planta traduz ainda uma certa importância simbólica da religião na organização hospitalar, embora as atividades terapêuticas sejam mais importantes. Por outro lado, os compartimentos dedicados ao conforto médico estão 131 posicionados na parte central da planta com varandas, refletindo o fato de que os médicos são a autoridade máxima na organização hospitalar, como nos hospitais iluministas. O hall de entrada – associado à escada e aos elevadores –, também está posicionado centralmente na planta, enfatizando a importância simbólica do acesso ao hospital de caráter civil, aberto à sociedade, como nos hospitais renascentistas. Os leitos de internação estão colocados, sejam em enfermarias ou apartamentos individuais, na face anterior do retângulo, exceto no último pavimento que é todo dedicado à internação. A opção de colocar preferencialmente os espaços de internação na face frontal do edifício é uma indicação de que a internação constituiu um outro grupo importante na hierarquia dos compartimentos. Por outro lado, os grupos funcionais de cuidados de pacientes – centro cirúrgico, centro obstétrico, consultórios, entre outros – ou de serviços de apoio, tais como central de esterilização, cozinha e refeitório, considerados em segundo nível da hierarquia, foram posicionados nos retângulos secundários, compondo ou preenchendo os espaços da figura geométrica. Um terceiro e último princípio é o da distribuição por níveis de privacidade. Pode-se notar a valorização da privacidade dos leitos nos arranjos espaciais internos das enfermarias, que são feitos de três maneiras distintas: enfermarias coletivas com leitos separados por uma parede divisória; apartamentos com dois leitos e banheiros coletivos; e, por fim, apartamentos individuais com banheiros privativos. A distribuição desses compartimentos no edifício é feita de maneira que, à medida que se sobe nos pavimentos, a privacidade aumenta. Assim no pavimento térreo estão as enfermarias, no primeiro pavimento estão os apartamentos com dois leitos e os apartamentos individuais com banheiros anexos estão no terceiro pavimento. As circulações internas têm apenas dois níveis de hierarquia. No primeiro nível estão as circulações coincidentes com os eixos longitudinais do retângulo maior e que fazem a conexão entre os grupos funcionais de um mesmo pavimento. No segundo nível estão as circulações coincidentes aos eixos longitudinais dos retângulos menores que fazem a conexão dentro de cada grupo funcional. 132 Não há diversificação de traçados da circulação, sugerindo a intenção mais de distribuir os compartimentos do que de disciplinar os fluxos. A circulação vertical pode ser considerada como estando no primeiro nível, pois exerce função de prover conectividade e acesso entre grupos funcionais de distintos pavimentos. É importante também ressaltar que a circulação vertical (escada e elevadores) localizada centralmente na planta reforça a simetria do conjunto. Com respeito às circulações externas ao edifício, também estão estruturadas de maneira simples visando apenas à separação de fluxos social e de serviço e vinculando-se espacialmente, de forma direta, aos acessos do prédio. A volumetria consiste de uma série de quatro interseções de um paralelepípedo de dimensão horizontal alongada com paralelepípedos menores, iguais dois a dois, que se desenvolvem na ortogonal do eixo principal do paralelepípedo maior. Destaca-se na volumetria a largura do edifício, mais de quatro vezes maior que a altura, e cerca de duas vezes maior que a profundidade máxima do prédio. Na frontal do edifício, ressalta-se um volume central de maior altura que marca a entrada, a qual também funciona como eixo de simetria do conjunto. A solução volumétrica está articulada com a estrutural, mediante o uso predominante de alvenarias autoportantes e vigamento de contorno para os panos de laje plana, em concreto armado. Pode-se verificar no contorno do edifício, quase como regra, o uso da alvenaria estrutural, configurando sempre volumes maciços. Excetua-se desse padrão o acesso principal e o saguão, em que pilares e vigas, bem como arcos, configuram um espaço mais vazado. Pode-se apontar que o projeto da Maternidade revela marcos de diferentes tipos arquitetônicos hospitalares. Com respeito ao esquema geométrico de sua planta e à volumetria, apresenta soluções que equivalem ao tipo casa de campo. No entanto, na definição programática das atividades e na organização de seus compartimentos, foram utilizados princípios organizadores do funcionalismo utilizado no hospital de tipo pavilhonar em suas vertentes do início do século XX – a agrupação de atividades segundo a natureza funcional. No que concerne à distribuição dos grupos no interior do edifício segundo as relações entre eles, pode-se notar que o projeto não mostra o resultado de uma análise sistêmica, na qual 133 os grupos sejam localizados relativamente de forma a otimizar o funcionamento do conjunto. Em verdade, o projeto denota que esse posicionamento relativo se deu por principio de composição da forma geométrica, hierarquizando os compartimentos mais importantes em locais centrais da planta e considerando uma privacidade crescente do centro para as laterais e do térreo para o último pavimento. Nesse sentido, a solução organizadora dos espaços bebe na fonte do tipo casa de campo. Reitere-se que também aponta nessa direção a presença da capela em posição ainda relevante no corpo mesmo do edifício, ainda que a importância da religiosidade na atividade hospitalar seja minimizada. Cabe destacar também, uma vez mais, o fato de o Hospital Maternidade ter sua gênese relacionada a uma atuação organizada da sociedade civil – o que é caracteristicamente de inspiração renascentista. Decorre da análise que o Hospital Maternidade Januário Cicco apresenta mais fortemente características do tipo casa de campo, a que se somam algumas soluções tipológicas que remontam ao tipo pavilhonar em sua variante do final do período iluminista. 5.4. A presença do tipo pavilhonar O emprego do instrumental de análise levou a concluir que cinco dos dezoito hospitais considerados neste trabalho são afiliados ao tipo pavilhonar. São eles: o Evandro Chagas, a Policlínica, a Casa de Saúde São Lucas, o João Machado e o Getúlio Vargas. Nesta seção, apresentam-se os principais elementos obtidos no estudo desses cinco hospitais, tendo sido integradas – pela semelhança dos resultados – as análises de três deles. 5.4.1. O Hospital Evandro Chagas Hospital especializado em tratamento de doenças infecto-contagiosas tropicais, o Evandro Chagas (FIG. 26) teve sua implantação em 1943. Hoje esse prédio encontra-se abandonado, tendo em sua estrutura física as marcas das diversas reformas sofridas, incluindo a da década de 1980, quando mudou de uso e foi adaptado para funcionar como um centro de formação de profissionais da área da saúde. Não foi possível encontrar o projeto arquitetônico utilizado para a construção. Portanto, foi necessário reconstituir a planta correspondente ao momento da inauguração a partir de levantamento do edifício hoje existente. Contou-se para isso com observações no local que permitiram averiguar e levantar hipóteses sobre a evolução do edifício, bem como com 134 informações obtidas em entrevistas com pessoas que tiveram contacto com o hospital quando de sua inauguração. O hospital tinha as atividades terapêuticas como as mais importantes. Dos 1.200 m2 de área construída, 70% eram dedicados aos serviços de internação. É certo que havia dois consultórios médicos, mas nenhum entrevistado mencionou a existência de qualquer outro serviço de apoio ao diagnóstico. As atividades de apoio eram ainda pouco estruturadas, pois a cada atividade – salas administrativas, lavanderia, farmácia, cozinha e refeitório – correspondia apenas um compartimento. O esquema geométrico da planta era muito simples e repetido nos dois pavimentos que constituíam o edifício. Corresponde a dois retângulos que se cruzam ortogonalmente, formando na interseção uma figura próxima a um quadrado. Há uma divisão clara na distribuição das atividades nas plantas dos pavimentos. Nos retângulos perpendiculares à frente do lote estão distribuídos todas as atividades de apoio do hospital, em compartimentos situados de um lado e de outro da circulação central. Já os retângulos paralelos à testada do lote estão ocupados apenas pelas enfermarias, grandes halls abertos onde estavam dispostos os leitos de internação. No final de cada hall estavam posicionados os banheiros coletivos; no quadrado resultante do cruzamento dos retângulos estavam os postos de enfermagem. Esse arranjo espacial assemelha cada uma das quatro enfermarias do Hospital Evandro Chagas à “enfermaria Nightingale”. Como nesta, a supervisão dos leitos desde o posto de enfermagem é garantida pela ampla visão do ambiente sem divisórias. Além disso, a insolação natural e a ventilação cruzada são garantidas através das janelas colocadas em paredes longitudinais opostas. No caso estudado, ressalve-se ainda que a importância da ventilação é reforçada também pela colocação de um terraço na lateral longitudinal das enfermarias por onde entram os ventos dominantes. Pode-se observar também a semelhança com o esquema geométrico das enfermarias cruzadas do Renascimento. No entanto, há uma diferença fundamental: enquanto no tipo enfermaria cruzada as enfermarias se cruzavam na capela, que podia ser vista pelos enfermos do leito realçando a relação leito/missa, no Hospital Evandro Chagas as plantas se cruzam para reforçar a supervisão dos leitos desde o posto de enfermagem, ou seja, é a relação leito/enfermagem que importa. 135 O edifício tem sua implantação solta no terreno e não guarda nenhuma relação formal com o mesmo. Foram previstos dois acessos ao hospital, um para o público externo, visitas e familiares, situado na parte frontal do edifício, e outro na lateral próxima ao final do edifício, para o público interno e abastecimento. Não há indícios de que houve influência da orientação do sol na configuração da planta. O traçado das circulações é muito simples. Nos retângulos paralelos à rua, onde estão localizadas as enfermarias, não há circulações. Existe assim apenas uma circulação em cada pavimento: ela discorre perpendicularmente à rua, nos retângulos em que estão distribuídas as atividades de apoio. A circulação coincide em grande parte, com o eixo longitudinal da planta. No pavimento térreo, ela liga o acesso principal do edifício, localizado na parte frontal, ao acesso de serviço localizado na parte posterior. Na medida em que a circulação percorre toda planta, vão sendo distribuídas as atividades: as atividades de apoio dedicadas às visitas e familiares dos pacientes estão localizadas na parte frontal, perto do acesso externo; as atividades de apoio para os pacientes internos estão localizadas na parte posterior da planta. As circulações verticais também reforçam esse princípio, tendo sido previstas duas escadas, uma na parte frontal, para uso do público externo e outra na parte posterior, para serviços internos. A organização e a distribuição dos espaços nas plantas foram orientadas por quatro princípios, revelando uma lógica funcionalista ainda pouco desenvolvida. Em primeiro lugar, adotou-se a separação espacial das atividades de internação e de apoio. Enquanto estas foram posicionadas nos retângulos perpendiculares à rua, as atividades de internação foram alocadas nos retângulos paralelos à rua. Em segundo lugar, as atividades de apoio foram distribuídas de modo a colocar na parte frontal do edifício as relacionadas ao público externo, enquanto que as dedicadas ao publico interno foram alocadas na parte posterior. Os outros dois princípios utilizados foram os de sanitarização e de supervisão das enfermarias. A configuração volumétrica geral resultante é a de dois paralelepípedos que se interceptam para formar um volume cruciforme cujas dimensões no plano horizontal são predominantes em face da altura. A regularidade dessa volumetria está refletida na estrutura, definida por um sistema composto de alvenarias portantes e concreto armado. A existência de terraços anexados ao prédio principal, cobertos por lajes de piso em concreto, 136 ressalta a esbeltez dos pilares sobre o fundo dos panos contínuos de alvenaria dobrada que fazem o contorno do edifício. 5.4.2. Policlínica, Casa de Saúde São Lucas, Hospital Colônia João Machado Observando a totalidade das atividades de cuidados aos pacientes nos hospitais gerais Policlínica (inaugurado em 1944, FIG. 27) e Casa de Saúde São Lucas (em 1952, FIG. 28), verifica-se que são cirúrgicas, de internação e de diagnóstico (neste caso: alguns consultórios, laboratório de análises clínicas e raios–X). Ambas as instituições são resultado do interesse de profissionais médicos, principalmente os cirurgiões, em dispor de um local de trabalho que pudessem conceber e organizar. Nos dois hospitais, as atividades de internação ocupavam aproximadamente metade da área construída total, e eram constituídas por apartamentos de um leito (com banheiro anexo) ou dois leitos, com banheiros coletivos. O Hospital Colônia João Machado (FIG. 29), por seu turno, era especializado em tratamento de doenças mentais. Inaugurado em 1957, tinha a assistência prestada aos pacientes em regime de internação. As atividades de internação eram, portanto, as que ocupavam a maior parte da área do hospital, chegando essa porcentagem a cerca de 70%. A quantidade de leitos em cada enfermaria variava, sendo definida segundo critério médico. As enfermarias, separadas as de homens e mulheres, eram classificadas segundo o tipo de paciente: calmos, sórdidos, menores, delinqüentes, agitados, além de cômodos para isolamento. Logo, havia quartos com leito individual para pacientes mais agitados e isolados. Os banheiros, por sua vez, eram coletivos. Em todos os três hospitais, as atividades de apoio eram representadas por cozinha, lavanderia, farmácia e algumas salas administrativas, mostrando-se pouco estruturadas e, da mesma forma que no caso do Evandro Chagas, a cada atividade correspondia um e só um compartimento. Os cuidados de enfermagem nos três hospitais estavam sob a responsabilidade de irmãs religiosas, que moravam e tinham seus aposentos no corpo do hospital. No entanto, era o médico a maior autoridade, acumulando as direções administrativa e clínica. O esquema geométrico das plantas dos três hospitais tem como principal figura a do retângulo. Os retângulos são paralelos e conectados entre si através de uma circulação 137 perpendicular ou de um outro retângulo, também perpendicular, o que confere um certo grau de simetria no conjunto, característica do hospital tipo pavilhonar. No caso da Policlínica, a forma da planta pode ser sintetizada como equivalendo a um “H”: dois retângulos paralelos conectados por uma circulação perpendicular aos seus eixos longitudinais. Os retângulos frontal e posterior estão divididos em duas alas iguais pela interseção feita com a circulação: no primeiro, uma ala é ocupada pelas atividades de centro cirúrgico e a outra pelas ambulatoriais; no segundo, uma ala é ocupada pelas atividades de internação e outra pelas de apoio. Existe ainda de um lado, entre a ala das atividades de apoio e a do ambulatório, um pátio retangular, com circulação arqueada em forma de “L”, onde havia bancos e jardins para uso dos pacientes. Na Casa de Saúde São Lucas, a planta era mais simples. Formava-se por dois retângulos paralelos, um principal e um de pequenas dimensões. Esses retângulos se repetiam na planta de outro pavimento: no retângulo principal, um pavimento superior; no retângulo secundário, um pavimento inferior semi-enterrado. Esses retângulos eram interligados por uma circulação disposta ortogonalmente aos seus eixos longitudinais. O retângulo principal, no pavimento térreo, está dividido por essa circulação em duas alas iguais, uma ocupada pelas atividades de centro cirúrgico, outra por atividades de internação. As duas alas da planta retangular do pavimento superior correspondem a atividades de internação. No retângulo secundário, a cozinha ocupa o térreo e a lavanderia ocupa o pavimento semienterrado. No caso do Hospital João Machado, o esquema geométrico era mais complexo. O centro da planta era marcado por um retângulo principal com sua dimensão longitudinal bastante alongada, posicionado perpendicularmente à rua principal. A extremidade desse retângulo é cortada por dois retângulos menores, sem, entretanto, tirar a predominância da forma resultante do primeiro. Nesses retângulos menores estão localizadas as atividades administrativas, parte dos consultórios e os aposentos das irmãs religiosas. No retângulo principal, em seu início, estavam posicionados os consultórios restantes; depois, todas as atividades de apoio do hospital: cozinha, lavanderia, farmácia e almoxarifado. Simetricamente posicionados em relação ao retângulo principal, havia dois conjuntos de retângulos paralelos, regularmente espaçados, conectados por uma circulação cujo eixo fazia 45q com o retângulo principal, um dedicado aos pacientes do gênero 138 masculino e outro aos do gênero feminino. Cada um desses retângulos secundários correspondia a uma enfermaria, que variava de tamanho conforme a quantidade de pacientes instalados. Entre os retângulos paralelos das enfermarias havia pátios com jardins murados, onde os pacientes tomavam banho de sol. Embora os esquemas geométricos das plantas sejam diferentes, podem ser encontrados princípios ou regras semelhantes de organização dos espaços. A forma geométrica das plantas dos hospitais não guarda relação com a forma dos respectivos lotes. Nos três casos, a implantação do edifício é solta no centro do lote, observando apenas uma maior proximidade com o lado do terreno correspondente à via principal. Há dois acessos ao edifício: um principal, na sua parte mais frontal, junto aos serviços aos pacientes externos (recepção, ambulatório, entre outros) do hospital; e um de serviços, localizado na parte mais posterior, próximo à área ocupada pelas atividades de apoio (cozinha, lavanderia etc.). Não há também qualquer preocupação com a orientação solar dos compartimentos. Nos três hospitais, as circulações têm dois níveis de hierarquização. Nos casos da Casa de Saúde São Lucas e da Policlínica havia duas únicas circulações. A circulação principal era coincidente com o eixo transversal do conjunto e responsável pelo acesso do exterior ao edifício e pela ligação entre os pavilhões paralelos. A circulação secundária coincidia com o eixo longitudinal dos pavilhões e era responsável pela conexão entre os compartimentos de cada ala. No caso do Hospital João Machado, a circulação de primeiro nível coincide com o eixo longitudinal do conjunto e é responsável pela ligação entre os pavilhões. A circulação secundária coincide com o eixo longitudinal no caso dos pavilhões secundários, ligando os compartimentos interiores a esses pavilhões. Outras duas circulações secundárias estão posicionadas a 45o com respeito ao eixo da circulação principal, servindo de interligação para os dois conjuntos de enfermarias. O princípio organizador dos espaços nos três hospitais está pautado, primeiramente, na agrupação espacial de atividades de mesma natureza funcional. A distribuição desses grupos funcionais é feita de modo que aqueles grupos relacionados ao público externo (ambulatório, raios-X, laboratório de análises clínicas) se posicionam em uma das alas situadas na frente dos edifícios, enquanto em uma ala da parte posterior dos edifícios estão 139 as atividades de apoio. As demais alas do hospital são ocupadas pelas atividades de cuidados aos pacientes internos. O esquema de circulação reforça essa organização espacial, na medida em que separa claramente os grupos funcionais – os fluxos internos a esses grupos se definem no nível secundário de circulação – e também os fluxos entre grupos pela natureza desses fluxos, se internos ou externos. No caso do João Machado, inclusive, a circulação principal se bifurca em dois corredores paralelos na metade do retângulo principal com vistas a separar os fluxos relacionados às alas masculina e feminina da internação. Em termos de volumetria, a Casa de Saúde São Lucas e a Policlínica se resolvem de maneira similar, apresentando um conjunto de interseções de paralelepípedos sempre a 90o. As diferenças entre elas se resumem ao fato de a Casa de Saúde registrar uma maior significação da dimensão vertical na parte frontal, enquanto que a Policlínica exibe nítida predominância das dimensões horizontais. Já o Hospital Colônia João Machado tem uma definição volumétrica um pouco mais complexa, ainda que predominem as dimensões horizontais. Como as interseções dos paralelepípedos são a 90o e a 45o e as dimensões horizontais variam muito em todo o edifício, o contorno do volume é definido de modo recortado e irregular. A solução estrutural não se diferencia entre os três hospitais, sempre com predomínio das alvenarias estruturais dobradas, com a presença do concreto armado mais significativa acontecendo nas lajes planas. A não utilização de pilares isolados indica uma volumetria maciça, sem recortes. 5.4.3. Hospital Sanatório Getulio Vargas O Hospital Sanatório Getulio Vargas (FIG. 30) foi inaugurado em 1966 como instituição especializada em tratamento de tuberculose, contando com atividades de cuidados aos pacientes, de apoio e também de formação. Entre as atividades de cuidados aos pacientes, a que ocupa maior área na planta é a de internação. Há uma diversificação na maneira como os leitos são distribuídos nas enfermarias coletivas, que são a maioria: enfermarias de quatro leitos e de dois leitos, com banheiros coletivos, representam 90% do total dos leitos; os 10% restantes são apartamentos com leitos individuais e banheiros anexos. 140 Quanto ao serviço de apoio ao diagnóstico, o hospital contava com um aparelho de raios-X e um laboratório de análises clínicas, facilidades presentes na maioria dos hospitais da época. O destaque neste caso é o atendimento de urgência no pronto socorro, pelo fato de constituir serviço de um certo grau de complexidade, no qual são requeridos procedimentos mais especializados. As atividades de suporte presentes no Getúlio Vargas já tinham uma boa diversificação, demonstrando um nível de estruturação que se reflete em uma repartição do espaço segundo tarefas necessárias à boa execução da atividade. Apresentam-se assim estruturadas as atividades de nutrição, almoxarifado, central de esterilização, farmácia, lavanderia, vestiários para funcionários e arquivo médico. Com respeito à atividade de formação, registra-se no Getúlio Vargas a presença de um setor vinculado à Universidade Federal do Rio Grande do Norte, além de salas de aula, o que mostra que o hospital também serviu como hospital de ensino. O esquema geométrico da planta é formado por dois retângulos secundários, iguais e paralelos entre si, conectados ortogonalmente a um terceiro retângulo principal, maior que os anteriores. Esse esquema se repete em três pavimentos, e equivale ao do hospital de tipo pavilhonar, em que cada retângulo corresponde a um pavilhão e a conexão entre eles se dá através de uma circulação. As atividades estão espacialmente reunidas em grupos, segundo sua natureza funcional. Na distribuição desses grupos no edifício, pode-se perceber que foi levado em conta, ainda que de forma parcial, o princípio das inter-relações funcionais entre grupos, aplicado nos casos da internação e do pronto-socorro. O grupo da internação, localizado no primeiro e no segundo pavimento dos pavilhões secundários, está posicionado estrategicamente para receber o suporte das atividades de apoio (cozinha, lavanderia, farmácia). Já o grupo do pronto socorro está posicionado de forma a ter um acesso independente desde o exterior do edifício e acesso fácil a atividades de apoio ao diagnóstico, tais como o laboratório de análises clínicas e raios-X. No pavilhão principal dos três pavimentos encontram-se distribuídas as atividades de apoio, as atividades terapêuticas restantes (exames e consultórios) e as atividades de ensino e pesquisa. Estão localizadas no pavimento térreo as atividades de apoio, raios-X e laboratório de análises clínicas. No primeiro pavimento, concentram-se atividades 141 administrativas e consultórios. No terceiro pavimento, estão as atividades de ensino e pesquisa. A delimitação do perímetro exterior do edifício não tem relação direta com a forma aproximadamente trapezoidal do lote. No entanto, podemos observar que dois aspectos foram levados em consideração na implantação dos pavilhões: a garantia da ventilação e insolação natural dos leitos da internação, espaçando os pavilhões e orientando sua face longitudinal para o sudeste; e o disciplinamento dos acessos prevendo três vias independentes, uma para pacientes externos e visitas no pavilhão principal, uma para o pronto socorro, e outra para abastecimento e funcionários nos pavilhões secundários. Dentro do edifício as atividades estão distribuídas ao longo de um sistema circulatório – um enlaçado de vias que interligam os três pavilhões entre si e os compartimentos dentro de cada pavilhão, tanto no sentido horizontal como no vertical. Um exame em detalhe da planta permite verificar que na solução adotada, há uma grande quantidade de áreas dedicadas a circulações, inclusive, registram-se circulações paralelas e duplicação de rampas. Diante do grande espaçamento entre os pavilhões da internação, gerou-se uma grande extensão a ser vencida pelos movimentos e fluxos que interligam quaisquer dois dos blocos do conjunto. Dadas a quantidade e a extensão das circulações, pressupõe-se que houve uma preocupação fundamental com a distribuição das atividades, como era de se esperar em um hospital de tipo pavilhonar. As preocupações com a sanitarização do ambiente e com a distribuição dos fluxos prevaleceram. A volumetria resultante consiste de um conjunto de três paralelepípedos interconectados, sobressaindo-se a dimensão horizontal, posicionados paralelamente ou em ângulo reto. Esse volume foi desenvolvido a partir de uma modulação da estrutura tanto no sentido horizontal como vertical, que deve ter sido definida pela largura das enfermarias que se repetem. Inclusive, nos espaços de enfermaria dos blocos secundários, pode-se observar como o arranjo enfermaria/enfermaria+circulação reflete perfeitamente a simetria da estrutura em relação ao eixo central de desenvolvimento do bloco. O sistema estrutural do edifício está composto por vigas e pilares em concreto armado, e a modulação dos espaços entre vigas e entre pilares se dá tanto sobre o eixo frontal de desdobramento, quanto nos dois eixos transversais que organizam os blocos secundários. 142 O uso de tal solução implica em um encaixe de vigas e pilares em cubos, os quais se repetem por todo edifício, tanto no sentido horizontal como vertical. Essa modulação e regularidade da estrutura transparecem claramente na volumetria do edifício. Nas fachadas, inclusive, são acentuadas pela reiteração do módulo de esquadria ao longo de todo o bloco. A organização do espaço interno do edifício do Getúlio Vargas segue, então, os princípios da ventilação cruzada e da insolação natural nos blocos da internação, nos quais também se pode perceber uma redução na quantidade de leitos por apartamento, o que indica uma preocupação com a privacidade. A separação das atividades por grupo funcional orienta a disposição em planta e já se pode verificar uma incipiente experiência na localização relativa dos grupos de atividade, tendo em conta requerimentos funcionais. Uma terceira observação quanto à organização dos espaços é a tentativa mais decisiva de separação de fluxos originários do exterior. Externamente, as vias de acesso ao edifício servem de suporte para distinguir quatro tipos de fluxo; entretanto, e apesar da grande quantidade de circulações internas ao prédio, só se pode distinguir duas classes de fluxos: os que se vinculam ao público externo e os que se vinculam ao público e aos serviços internos do hospital. 5.4.4. Considerações gerais a respeito dos hospitais pavilhonares de Natal Os cinco hospitais comentados nesta seção apresentam características, de acordo com o instrumental de análise tipológico usado, que mostram sua afiliação ao tipo pavilhonar. A figura geométrica básica é o retângulo de dimensão longitudinal bem maior em relação à dimensão transversal. O esquema geométrico da planta, em geral, consiste em retângulos paralelos, regularmente espaçados, que se conectam diretamente (face a face, como no Getúlio Vargas, ou de modo cruciforme, como no Evandro Chagas) ou através de uma circulação ou de outro retângulo, de eixo ortogonal ou oblíquo ao eixo dos primeiros (casos da Casa de Saúde, da Policlínica e do João Machado). Ao menos uma das extremidades da planta retangular é livre. O número de pavimentos varia de um a três. A implantação do edifício no lote é solta e não há relação entre a geometria do lote e a geometria da planta do edifício. Entre os princípios de organização do espaço, foi possível observar os seguintes: sanitarização do ambiente hospitalar (Evandro Chagas e Getúlio Vargas); supervisão dos 143 leitos de enfermaria (Evandro Chagas); maior privacidade dos leitos (São Lucas e Policlínica apresentam a maior percentagem de apartamentos individuais); agrupação espacial das atividades segundo sua natureza funcional (em todos os casos verifica-se a formação de grupos funcionais); distribuição dos grupos funcionais na planta segundo o grau de contato com o público externo (em todos os casos). No caso do Getúlio Vargas, a distribuição espacial das atividades também leva em conta, ainda que parcialmente, as relações funcionais entre grupos. Com exceção do Getúlio Vargas, em que há quatro acessos ao edifício, todos os demais casos possuem apenas dois, que se dedicam a fluxos de serviço e a fluxos para o público externo. As circulações internas são usadas como instrumento para separar e disciplinar os fluxos. Nos cinco hospitais analisados há apenas dois níveis de hierarquização. O primeiro nível conecta entre si os grupos funcionais; o segundo é responsável pelo suporte aos fluxos internos a um grupo de atividades. Em termos de volumetria, pode-se verificar que os cinco hospitais apresentam poucas diferenças entre eles, tendendo para um volume composto por paralelepípedos que se interceptam, com baixa altura relativa com respeito às dimensões horizontais e regularidade de contorno. Pode-se mencionar a exceção do João Machado que, por suas características de planta, dá lugar a uma volumetria com contorno mais recortado e irregular. Estruturalmente, apenas o Getúlio Vargas faz uso mais intensivo do concreto armado com fins de estrutura vertical. Os demais são basicamente resolvidos pelo uso de alvenarias estruturais dobradas, com lajes planas em concreto armado. Cabe destacar que o projeto do Hospital Getúlio Vargas apresenta, em alguns aspectos, maior sofisticação de que os demais hospitais pavilhonares. Essa distinção se dá, por exemplo, na introdução – ainda incipiente – do princípio de zoneamento na distribuição espacial dos grupos funcionais, na presença de serviços mais estruturados de apoio, no uso da circulação como instrumento de separação e disciplina dos fluxos internos, no aprofundamento da separação de fluxos externos, e no uso de modulação como base para o desenvolvimento estrutural do edifício. 5.5. Hospital Infantil Varela Santiago Trata-se de hospital especializado em pediatria, com operação iniciada em 1936. Os principais serviços assistenciais do Hospital Infantil (FIG. 31) eram cirurgia, internação, 144 além de serviços ambulatoriais como raios-x, laboratório de análises clínicas, consultas médicas e vacinação. Apresentava atividades de apoio – cozinha, lavanderia, refeitório e almoxarifado – que somavam quase um terço da área total construída, revelando um nível de organização e estruturação avançado para a época de sua implantação. A internação se compunha de várias enfermarias de poucos leitos, com banheiro coletivo, e apartamentos individuais, com banheiro anexo. A configuração da planta é composta por três figuras geométricas diferentes e conectadas por uma circulação que coincide com o eixo longitudinal do conjunto. Em que pese a variação das figuras geométricas, o modo como elas são conectadas remete ao hospital do tipo pavilhonar, no qual essas figuras geométricas correspondem a retângulos regularmente espaçados. Para efeito da análise apresentada nesta seção, admitiu-se que cada uma dessas figuras geométricas, ainda que nem todas sejam retângulos, corresponde a um pavilhão. Analisando a organização espacial do conjunto, verifica-se que foram utilizados princípios similares àqueles adotados no hospital do tipo pavilhonar. As atividades são reunidas espacialmente em grupos segundo sua natureza funcional. Os grupos de atividades são posicionados em edifícios independentes (pavilhões) interconectados, segundo seu maior ou menor relacionamento com o público externo. Assim, no primeiro pavilhão do Hospital Infantil, estão posicionadas as atividades dedicadas aos cuidados de pacientes externos: o grupo funcional de atividades ambulatoriais. No segundo pavilhão estão posicionadas as atividades dedicadas aos cuidados dos pacientes internos – grupos do centro cirúrgico e da internação. No último pavilhão estão posicionadas as atividades do grupo de apoio, a saber: cozinha, lavanderia, almoxarifado e farmácia. A assimilação da configuração geométrica e da organização espacial do conjunto do Hospital Infantil ao hospital de tipo pavilhonar, entretanto, deve ser discutida mais detalhadamente em função do fato de que, no caso, cada pavilhão apresenta um esquema geométrico próprio e uma lógica própria na sua organização espacial interna. A primeira figura geométrica, correspondente à planta do primeiro pavilhão, pode ser sintetizada em dois círculos concêntricos de onde partem, segundo dez eixos radiais, dez retângulos. Essa forma geométrica assemelha-se a uma das variações do hospital tipo pavilhonar – o formato de estrela –, com uma diferença. Aqui, cada retângulo corresponde 145 a apenas um compartimento em vez de corresponder a um pavilhão inteiro. Em cada um desses compartimentos, está posicionada uma das atividades de cuidados aos pacientes externos, como consultórios, recepção, vacinação, pequenas cirurgias, laboratório de análises clínicas, raios-X. No núcleo da figura, o circulo mais interior corresponde a um pátio interno, sem cobertura e com vegetação. A coroa circular corresponde a uma circulação que interliga os compartimentos desse pavilhão, serve de acesso do exterior ao interior do edifício e se conecta à grande circulação do conjunto. Os compartimentos foram organizados de modo a convergir para um mesmo espaço, o pátio, que serve de área de estar e espera para acompanhantes e pacientes que estão sendo atendidos no ambulatório. Esse pátio interno, embora esteja presente também no tipo claustral, não tem aqui o mesmo uso. Ao invés de servir como lugar para introspecção e isolamento do exterior, serve como ponto de confluência e socialização dos pacientes externos, além de ser uma espécie de hall de entrada para todo o hospital. A segunda figura geométrica é um retângulo e corresponde à planta do segundo pavilhão. O retângulo é cortado em partes iguais pela circulação principal do prédio, ficando dividido em duas alas. Cada uma delas recebe um grupo de atividades de mesma natureza funcional: as atividades do centro cirúrgico e as atividades da internação. Nesse pavilhão, tanto a figura geométrica da planta, o retângulo, como o principio organizador dos espaços – reunião funcional –, remetem ao tipo pavilhonar em suas vertentes de finais do século XIX. Note-se que não há uma hierarquização das circulações determinando um controle dos fluxos, nem um sequenciamento na execução das tarefas, o que indicaria um uso mais aprofundado dos princípios funcionalistas. Por outro lado, já pode ser notada uma tendência a valorizar mais a privacidade do que a supervisão dos leitos. Essa tendência é refletida na existência de quartos com poucos leitos e até de quartos individuais com banheiro anexo. A terceira figura geométrica, representando a planta do terceiro pavilhão, tem o formato aproximado a um “E”, ou seja, um retângulo maior no qual são conectados, nas suas extremidades e no centro, retângulos menores. Nota-se que o traçado dos compartimentos desse pavilhão resulta em perfeita igualdade e simetria em relação ao seu eixo transversal. 146 As atividades posicionadas nesse pavilhão são as do grupo de serviços de apoio; não há uma lógica funcional na distribuição e a organização na planta segue o princípio da composição por hierarquia. A principal atividade de apoio é a cozinha, que está posicionada no centro do pavilhão. Do centro para as extremidades foram sendo posicionadas as outras atividades (refeitório, copa, depósitos, sanitários), as menos importantes mais longe do centro. Assim, a forma geométrica da planta desse pavilhão e a lógica de organização dos compartimentos em seu interior se assemelham às do hospital tipo casa de campo. Voltando ao conjunto, vê-se que o edifício hospitalar tem sua implantação solta no centro do terreno não guardando nenhuma relação formal com este. Há dois acessos ao edifício, um no pavilhão mais próximo da rua principal – para pacientes externos e visitas – e outro localizado no terceiro pavilhão, nos fundos do edifício, para serviços de apoio. As circulações internas também se organizam de maneira simples, só havendo dois níveis de hierarquização. No primeiro nível está a circulação que corta todos os pavilhões perpendicularmente, fazendo a conexão entre eles, desde a parte frontal do edifício até o acesso de serviços na parte mais posterior. No segundo nível estão as circulações que ligam os compartimentos do mesmo pavilhão. A volumetria do conjunto apresenta-se de forma irregular, com predomínio das dimensões horizontais e destaque para os interstícios entre os três volumes básicos que constituem o edifício. Assim, tem-se uma percepção de paralelepípedos interceptados, no caso dos pavilhões central e posterior, culminados frontalmente com um volume cilíndrico muito recortado e o destaque da cúpula que anuncia a entrada do edifício. Evidentemente, a solução estrutural é muito simples, adaptada aos volumes pavilhonares, centrando-se em alvenarias estruturais dobradas, lajes planas, com a exceção da estrutura esbelta que suporta a cúpula, em pilares de granito. Embora vários elementos da análise tipológica convirjam para que o Hospital Infantil possa ser enquadrado como um hospital de tipo pavilhonar, as observações feitas sobre a singularidade desse projeto quando se analisam mais detidamente suas partes componentes levaram a que se optasse por mantê-lo como um hospital não assimilado a apenas um tipo dos estudados. 147 Isso não significa que se trate de um hospital sem tipo identificável. Ao contrário, o não enquadramento a um tipo deriva do fato de que ele constitui um caso em que vários tipos hospitalares parecem ter sido apropriados, como se a projetação do hospital tivesse feito uso de uma abordagem tipológica. Tal hipótese pode ser sustentada pelo fato de que o projetista do Hospital Infantil buscou no repertório da arquitetura hospitalar de sua época não apenas a solução tipológica então hegemônica (o pavilhonar, em rota de transição para o empilhamento vertical de enfermarias que configura os primeiros desenvolvimentos do tipo torre sobre pódio na volumetria monobloco). Lançou ele mão de diversos recursos tipológicos, compondo soluções do tipo pavilhonar em suas distintas vertentes (o pavilhão em estrela, por exemplo) com elementos do tipo casa de campo e do tipo claustral. Nesse processo, o projetista assumiu uma racionalidade explícita uma vez que, definidos por ele os grupos funcionais ocupantes de cada pavilhão, cada caso foi trabalhado de modo a apropriar o tipo que ele julgou mais adequado para abrigar aquela função. 5.6. Os hospitais do tipo torre sobre pódio Cinco dos dezoito hospitais analisados foram enquadrados como afiliados ao tipo arquitetônico hospitalar torre sobre pódio. São eles: o Natal Center, o Walfredo Gurgel, o PAPI, o Memorial e o Santa Helena. Nesta seção, são apresentados os resultados da análise tipológica desses hospitais, sendo que três deles são integrados em uma única subseção. 5.6.1. Hospital Natal Center Trata-se de um hospital geral, inaugurado em 2002, com ênfase em cardiologia e oncologia. O Natal Center (FIG. 32) apresenta serviços de alta complexidade – como cirurgia cardiológica, neurocirurgia e transplantes. A clientela alvo é a portadora de seguro ou plano de saúde, mas também há serviços para pacientes SUS. Conta com serviço de apoio ao diagnóstico e tratamento, utilizando equipamentos de tecnologia avançada. As atividades de apoio – serviços de farmácia, de nutrição e dietética, de processamento de roupa, central de administração de material e equipamentos, conforto e higiene para funcionários, limpeza e zeladoria, central de esterilização e serviços de engenharia clínica 148 – são diversificadas e bem estruturadas, de acordo com os processos e rotinas para execução das tarefas. A internação é composta, em sua totalidade, por apartamentos individuais com banheiro anexo. O programa espacial, o dimensionamento e a organização espacial seguem as recomendações das Normas Técnicas do Ministério da Saúde. Além dos ambientes recomendados como mínimos nessas normas, o hospital conta com snack bar, auditório, restaurante e livraria. O esquema geométrico da planta é de dois retângulos aproximadamente concêntricos, de dimensões diferentes. O retângulo maior representa os três pavimentos mais baixos – subsolo, térreo e primeiro pavimento. O retângulo menor representa os pavimentos-tipo, empilhados a partir do segundo e até o sétimo pavimento. Visto o edifício de perfil, a configuração geométrica é semelhante ao do tipo torre sobre pódio, um “T” invertido. O lote de forma geométrica retangular é ocupado quase inteiramente pela edificação, também de planta retangular, sobrando apenas no seu perímetro as vias de acessos e os recuos obrigatórios pela legislação. Todas os acessos se dão através da parte frontal do edifício. Apesar de serem apenas duas as vias de acesso ao edifício, elas conduzem os diversos tipos de fluxos a quatro entradas separadas no edifício, seja no subsolo, seja no pavimento térreo. As atividades são agrupadas em unidades, de acordo com sua natureza funcional. As unidades, posteriormente, se agrupam em três zonas – clínica, internação e apoio – de acordo também com sua natureza funcional. A organização espacial dessas zonas se dá segundo suas inter-relações funcionais. As circulações são hierarquizadas em até quatro níveis e têm a finalidade de separar, controlar e disciplinar os fluxos. Tudo isso é feito de forma sistêmica, ou seja, considerando que cada atividade é parte de um todo integrado cujo funcionamento depende do funcionamento de cada uma delas. Este princípio está presente em todos os tipos do período modernista. No pavimento térreo, logo na entrada principal do edifício, há um grande ambiente onde estão localizados a recepção, o snack bar, a livraria, áreas de estar e os elevadores que fazem as conexões verticais entre os pavimentos. Esse ambiente funciona como um hall de entrada de um hotel: além de receber e acolher o público externo, ele controla e distribui os fluxos para dentro do edifício. 149 As circulações horizontais estão hierarquizadas em vários níveis. Em cada pavimento, há uma circulação primária, mais importante, que faz as ligações entre as unidades funcionais. Essas são as circulações mais extensas e coincidem em cada pavimento com o eixo longitudinal da planta retangular. As outras circulações são ramificações posicionadas fora do eixo longitudinal, com extensões menores, e que separam e disciplinam os fluxos dentro das unidades funcionais. A circulação vertical é feita por elevadores e escadas, concentrados no núcleo da planta e que atingem os distintos pavimentos em um ponto da circulação principal. A separação dos fluxos no sentido vertical se dá pelo uso de elevadores destinados especificamente para cada fluxo, uns vizinhos dos outros. Isso é uma solução que reflete o fato de a planta ser concentrada, a dimensão vertical sendo mais relevante que as horizontais, característica do tipo torre sobre pódio. A volumetria final do edifício corresponde a um paralelogramo horizontal, formando uma base sobre o qual está posicionado ortogonalmente um prisma vertical de base retangular. No paralelogramo horizontal, que corresponde a sub-solo, térreo e primeiro pavimento, estão posicionadas as zonas clínicas e de apoio. No prisma vertical, estão empilhadas as unidades que formam a zona de internação. Essa volumetria corresponde a uma estrutura em concreto armado, modulada na horizontal e na vertical, com destaque para as vigas e pilares aparentes que marcam o contorno do volume. As lajes em concreto armado são em colméia, reduzindo-se a marcação dos espaços interiores pela diminuição da densidade de vigas de maior altura. Assim, observa-se que o Natal Center apresenta-se como um edifício afiliado ao tipo torre sobre pódio, na absoluta maioria dos elementos de observação: o princípio estruturador, a disposição das zonas, a solução geométrica da planta, a volumetria e a estrutura correspondem a esse tipo. 5.6.2. Hospital Walfredo Gurgel O Hospital Walfredo Gurgel (FIG. 33) é um hospital geral de referência regional, inaugurado em 1971, com a população em geral como clientela. Conta com internação, atendimento de urgência e emergência, centro cirúrgico, raios-x, laboratório de análises clínicas, ambulatório e serviços de apoio. Esses já são bastante estruturados e 150 diversificados: farmácia, serviço de nutrição, serviço de lavanderia, almoxarifado, vestiários para funcionários, central de esterilização, manutenção e administração. O esquema geométrico da planta é formado por três retângulos paralelos de dimensões aproximadamente iguais, conectados por uma circulação. O retângulo do meio representa a planta de um bloco de seis pavimentos. As plantas do primeiro pavimento e do térreo conformam uma base por possuírem dimensões maiores do que os pavimentos restantes, que são menores e se repetem até o último pavimento. O retângulo mais próximo da rua representa um bloco de três pavimentos de mesmas dimensões. O último retângulo representa um bloco de um só pavimento. O terreno apresenta um desnível no sentido do eixo transversal dos blocos: as cotas vão diminuindo na medida em que se vai aproximando da rua. Em função disso, o teto do bloco frontal de três pavimentos está no mesmo nível que o teto do segundo pavimento da base do bloco do meio. Este é também o nível do teto do terceiro bloco. Vistos de perfil, portanto, o conjunto dos três blocos – pouco afastados um do outro – tem a aparência de um “T” invertido, semelhante ao esquema geométrico do hospital tipo torre sobre pódio. O terreno tem forma estreita e alongada nos primeiros dois terços a partir da rua que são dedicados ao estacionamento e vias de acessos. No ultimo terço, o terreno se alarga e aí são implantados os três blocos. Entre os três blocos e entre eles e as divisas do terreno, há um enlaçado de vias que dão acesso a cada bloco, sempre separando os fluxos por tipo de acesso como abastecimento, urgência e emergência, paciente externo e admissão de pacientes internos. Observando o desenho da implantação pode-se perceber que o formato do terreno interferiu nas dimensões e posicionamento dos blocos, no traçado das vias de acessos e estacionamentos. O principio organizador dos espaços é funcionalista e sistêmico. As atividades são agrupadas em unidades segundo sua natureza funcional e, depois, posicionadas obedecendo a um zoneamento onde são observadas as inter-relações entre as unidades e também a de cada unidade com o conjunto total das unidades. Comparativamente ao tipo torre sobre pódio, não se usou radicalmente no Walfredo o principio da concentração na organização de seus espaços. A base, ou pódio, está dividida em três partes, conectadas entre si por uma circulação. Por outro lado, o formato da base da torre se aproxima mais a um retângulo alongado do que a um quadrado, sendo possível 151 posicionar quase a totalidade dos leitos de um mesmo lado da circulação – aquele que recebe os ventos dominantes. Do outro lado da circulação, são posicionadas as atividades de apoio. Assim, a dependência da climatização artificial fica minimizada, tanto na internação quanto nos ambientes localizados na base. Outro efeito dessa “concentração moderada” na organização dos espaços é no alcance da eficiência na execução das tarefas: menos concentrado o arranjo espacial, as distancias percorridas serão maiores. Os leitos de internação são organizados de três maneiras diferentes. A maioria das enfermarias contém dois ou seis leitos, mas há também um apartamento individual em cada pavimento de internação. Em todos os três casos, os banheiros são anexos ao espaço da enfermaria. As circulações internas dão seqüência aos fluxos que chegam das vias externas de acesso, e distribuem esses fluxos no interior do edifício. As circulações internas têm três níveis de hierarquização. As circulações principais fazem a ligação entre os blocos e as circulações secundárias fazem as ligações entre atividades dentro de cada unidade funcional. Há um nível terciário de circulação, ainda pouco desenvolvido, que corresponde à estrutura de fluxos no interior da área destinada a algumas atividades de rotinas mais complexas – o centro cirúrgico, por exemplo. As escadas e elevadores fazem as ligações entre os pavimentos. Há dois conjuntos de elevadores com funções distintas. Um deles vincula-se às circulações horizontais entre os blocos, ou seja, as de nível primário, sendo associado principalmente a movimentos de público externo. O outro está vinculado ao nível secundário de circulação nos pavimentos do bloco central, servindo então principalmente aos fluxos relacionados a serviços internos do hospital. Observando a volumetria do conjunto verifica-se que ela corresponde à volumetria do tipo torre sobre pódio, onde o pódio é conformado pelos pavimentos semi-enterrado, térreo, e primeiro dos três blocos. Nesses pavimentos é que estão localizadas as zonas clínica e de suporte. A torre corresponde aos pavimentos-tipo das enfermarias do bloco do meio. A estrutura é modulada em concreto armado, com vãos modulados em paralelepípedos elementares que se repetem em todo o edifício, e que correspondem a um pórtico estrutural básico em três dimensões. 152 O esquema geométrico da planta, o princípio organizador dos espaços e a solução volumétrica correspondem ao hospital tipo torre sobre pódio. Entretanto, há elementos a destacar que, no Walfredo, divergem das características centrais do tipo. A principal delas é o fato de o Walfredo apresentar uma “concentração moderada”. Por outro lado, há que destacar o fato de que a solução estrutural indiferenciada entre base e torre não coaduna com a solução típica em que o pódio é estruturado de forma a garantir vãos mais amplos que na torre, uma vez que as zonas instaladas no pódio requerem maior flexibilidade nos espaços. 5.6.3. Hospital Santa Helena, Hospital PAPI, Hospital Memorial O Hospital Maternidade Santa Helena (FIG. 34) presta atendimento à população em clínica ginecológica e obstétrica, tendi sido aberto ao público em 1976. O PAPI (FIG. 35) é especializado em pediatria, atuando nas clínicas médica e cirúrgica desde 1982. Os dois hospitais têm seus programas espaciais semelhantes quanto aos serviços de atendimento aos pacientes, ambos apresentando centro cirúrgico, laboratório de análises clínicas, raiosx e consultas médicas. No caso do Santa Helena as atividades de apoio apresentavam-se de modo estruturado, com farmácia, serviço de nutrição, lavanderia, vestiários para funcionários, central de esterilização, almoxarifado e atividades administrativas. No PAPI, as atividades de apoio eram menos estruturadas pois não contava com lavanderia ou com vestiários para funcionários. Os dois hospitais têm como principal figura dos seus esquemas geométricos o retângulo. No Santa Helena são dois retângulos que se interceptam segundo um ângulo de 45o. O retângulo paralelo à rua representa três pavimentos iguais superpostos, enquanto o oblíquo representa apenas dois. No PAPI são dois retângulos próximos, de tamanhos distintos, que estão posicionados paralelamente. Esses dois retângulos se tocam na parte da frente por meio de aproximação de suas faces longitudinais; na parte de trás do retângulo menor eles estão interligados por meio de uma circulação perpendicular a seus eixos. Entre as duas ligações, forma-se uma espécie de poço de iluminação. Ambos os retângulos da planta do PAPI representam três pavimentos iguais superpostos. 153 Em que pese o fato de, em ambos os casos, ser possível verificar um afastamento entre os retângulos formadores da planta, a aproximação entre eles coaduna com a observação de que podem ser entendidos como um bloco contínuo. Na verdade, podem ser aproximados ao tipo torre sobre pódio: no Santa Helena, a linha vertical é pouco expressiva; no PAPI a horizontal que destaca o pódio da torre é inexistente. Isso é resultado do porte pequeno que têm esses hospitais. No caso do Santa Helena, que apresenta proporcionalmente poucos leitos, não foi necessário empilhar tantos pavimentos de internação para abrigá-los, de modo que a “torre” não se destaca da base. No PAPI, o “pódio” é reduzido porque o hospital não conta com tantos serviços de apoio (faltam-lhe a lavanderia e os vestiários de funcionários, por exemplo) que requeressem espaço em planta para posicioná-los. Observando as plantas de locação dos dois hospitais verifica-se que os esquemas geométricos das plantas foram condicionados pelas formas dos terrenos, pois os edifícios se encaixam perfeitamente aos lotes, salvo pelos recuos obrigatórios e estacionamentos. Os dois hospitais possuem duas vias de acesso, uma localizada na parte frontal (para pacientes e visitas), e outra na parte posterior do edifício, para funcionários e abastecimento. Eles também apresentam esquemas circulatórios internos semelhantes. Em cada pavimento, na área de encontro dos dois retângulos, estão posicionadas as circulações verticais, escadas e elevadores. No eixo longitudinal de cada pavimento retangular foram posicionadas as circulações que fazem a comunicação horizontal. No centro cirúrgico, há uma ramificação de circulações para segregar áreas e disciplinar os fluxos de entrada nos ambientes mais críticos. No Santa Helena também acontecem soluções dessa natureza nos serviços de apoio como lavanderia e cozinha. O principio organizador dos espaços é funcional e sistêmico. As atividades estão reunidas em unidades segundo sua natureza funcional. No entanto, nem todas as unidades foram organizadas espacialmente seguindo o rígido esquema de zoneamento dos hospitais tipo do período modernista. As unidades de centro cirúrgico foram deslocadas da zona clínica, localizada no térreo, e foram posicionadas no último (caso do Santa Helena) ou no penúltimo (caso do PAPI) pavimento. No Santa Helena, parte dos leitos de internação foi retirada dos pavimentos superiores e posicionada no térreo. 154 No PAPI, os leitos estão distribuídos em apartamentos individuais, com dois, três e seis leitos, todos com banheiro anexo. No Santa Helena, apenas há apartamentos individuais e enfermarias de quatro leitos, sempre com banheiro anexo. Outro caso é o do Hospital Memorial (FIG. 36), operativo desde 1990. Especializado em ortopedia, com internação, serviço de pronto socorro, raios-x e laboratórios de análises clínicas, centro cirúrgico atendimento de fisioterapia, o Memorial é dedicado à clientela particular e de convênios, sendo todos os apartamentos de internação de apenas um leito, com banheiro anexo. As atividades de apoio não registram a lavanderia, nem se apresentam bem estruturadas. O esquema geométrico da planta é aproximado à figura de um quadrado. No interior desse quadrado há um vazio retangular, conformando uma espécie de poço de iluminação. As pequenas dimensões desse poço são insuficientes para garantir ventilação para toda área da planta, o que faz com que o edifício dependa quase completamente de climatização artificial. Aproximadamente no centro do quadrado passa um eixo transversal de distribuição de quatro escadas e dois elevadores. Esse eixo divide a planta em dois retângulos, desnivelados entre si em meio pé-direito. De um lado do eixo, na direção do acesso principal, estão distribuídas as atividades administrativas e ambulatoriais. Do outro lado do eixo, na direção do acesso de serviço, meio pé-direito acima, estão as atividades de pronto socorro e de apoio. Esse desnivelamento segue por mais duas plantas, uma com as atividades de internação, e outra com centro cirúrgico e salas de exames para diagnósticos. Esses desnivelamentos, associados à distribuição das escadas e elevadores ao longo de um eixo, espalha os fluxos do hospital de modo indisciplinado e descontrolado. A implantação do edifício no terreno foi influenciada pelo formato deste e pela relação com as vias do entorno. A forma da planta se encaixa no terreno, com a ressalva do recuo, das vias de acessos e dos estacionamentos. Nos três casos, o princípio organizador dos espaços é similar. Seguiu-se a regra de reunir espacialmente as unidades funcionais, mas ao organizá-las no interior do edifício não foi seguido por completo o princípio de observar as inter-relações funcionais entre as unidades. Em conseqüência, foi gerada uma maior dificuldade para que houvesse uma 155 eficiente separação e controle de fluxos, o que se agrava pelo fato de que a hierarquização desses fluxos não foi tão aprofundada. A volumetria do Memorial é de um bloco compacto, aproximadamente um prisma de base trapezoidal com pouca significação da altura relativamente às dimensões da base. A volumetria do Santa Helena corresponde a dois paralelogramos que se interceptam a 45o, sendo que um deles possui a dimensão vertical maior. O PAPI tem sua volumetria aproximada a um prisma vertical de base retangular. Em todos eles, o centro cirúrgico foi deslocado de sua posição na base para ser posicionado nos andares superiores. Assim, as volumetrias dos dois hospitais podem ser comparadas às do tipo torre sobre pódio, levando em conta que a mudança de posição do centro cirúrgico, ausência de elementos da zona de apoio e até o porte do hospital se refletiram na desconficguração do volume e sua assimilação a um bloco sem torre e sem pódio. Assim, essas volumetrias dos três hospitais são uma variação simplificada, onde a torre o pódio se unificam em um só volume. Essa simplificação é evidentemente sentida também na estrutura, em que a característica comum aos três hospitais vai ser uma solução de modulação em planta, com pilares igualmente espaçados, mas com vigas de contorno salientes e lajes com pequenos vãos. 5.6.4. Considerações sobre o tipo torre sobre pódio De acordo com o instrumental de análise tipológico utilizado neste trabalho, os cinco hospitais analisados nesta seção são afiliados ao tipo torre sobre pódio. A figura geométrica básica é um retângulo de dimensões aproximadas, tendendo a um quadrado. O esquema geral da planta é o de dois quadrados aproximadamente concêntricos, o menor sendo a projeção horizontal da torre. O esquema geométrico do perfil, então, consiste em um “T” invertido, com base e pódio bem caracterizados (casos do Natal Center e do Walfredo Gurgel, em que a altura é a dimensão predominante do conjunto) ou com base e pódio indiferenciados entre si (casos do Santa Helena, do Memorial e do PAPI, de baixa altura relativa). Na medida da concentração espacial desses cinco hospitais, implantados em lotes urbanos de dimensões limitadas, a forma geométrica da planta do edifício é muito influenciada pela forma geométrica do lote. Em geral, aquela se encaixa perfeitamente nesta, a exceção da 156 obediência a recuos e afastamentos prescritos pela norma urbanística, ou pela existência de acessos viários e de estacionamentos. Os princípios de organização do espaço são funcionalistas e sistêmicos, assumidos integralmente nos casos do Natal Center e do Walfredo Gurgel, que exibem programas espaciais mais complexos. Os demais têm esses princípios como guia geral, mas eles não são totalmente assumidos, em parte pelo pequeno porte dos hospitais, em parte pela sua baixa complexidade. Nos casos do Walfredo e do Natal Center, os fluxos são separados e disciplinados por meio de uso de circulações hierarquizadas. O mesmo não acontece nos demais, reflexo também do fato de os princípios funcionalistas não terem sido completamente absorvidos. Da mesma forma, o Walfredo e o Natal Center exibem separação dos fluxos externos ao edifício em quatro categorias, enquanto os demais o fazem em apenas duas. Em termos de volumetria, pode-se verificar que, dos cinco hospitais analisados, dois apresentam a volumetria esperada – o Walfredo e o Natal Center – enquanto os demais apresentam uma volumetria em monobloco. Por fim, no que tange à estrutura, destaca-se o Natal Center por apresentar uma solução perfeitamente integrada à volumetria e à idéia organizadora dos espaços, qual seja a estrutura de concreto armado modulada em grandes vãos livres, com lajes colméia e vigamento de contorno. Os demais, embora usando largamente o concreto armado, trazem uma proposta mais convencional, com módulos espaciais de pequenas dimensões e, portanto, maior densidade de vigas e pilares. 5.7. Santa Catarina e Maria Alice Fernandes: hospitais rua Os dois hospitais enquadrados no tipo hospital rua foram frutos de iniciativa do Governo estadual e financiados com recursos públicos. Os projetos levaram em consideração um modelo assistencial de saúde para o estado, em sintonia com a então política do Ministério da Saúde. Esse modelo era baseado em um sistema de unidades hierarquizadas e regionalizadas. Quando inaugurado em 1986, o Hospital Santa Catarina (FIG. 37) prestava assistência nas especialidades médicas de ginecologia e obstetrícia, pediatria, clínica médica e clinica cirúrgica. Já o Hospital Maria Alice Fernandes (FIG. 38), aberto ao público em 1998, 157 prestava atendimento à população infantil, nas clinicas médica e cirúrgica. O nível de resolutividade desses hospitais na rede estadual era de média complexidade. Em ambos os casos, o programa espacial correspondia ao previsto nas normas do Ministério da Saúde para hospitais de média complexidade. A organização dos espaços em unidades ou departamentos que formam zonas funcionais, as áreas dos ambientes e o dimensionamento dos serviços seguiram os parâmetros daquelas normas. A organização espacial das atividades seguia, nos dois hospitais, princípios rígidos. As atividades de uma mesma natureza funcional eram reunidas em unidades (unidades de internação, de centro cirúrgico e obstétrico, de ambulatório etc). As unidades, por sua vez, estavam organizadas espacialmente em zonas, segundo a sua relação com os cuidados dos pacientes: unidades com atividades diretamente ligadas aos cuidados dos pacientes externos (ambulatório, diagnóstico, urgência); as ligadas diretamente aos pacientes internos (internação, centro cirúrgico e obstétrico); e as que dão suporte logístico-técnico ao funcionamento das duas primeiras zonas e não guardam relação direta com os cuidados dos pacientes (lavanderia, nutrição, central de esterilização, administração etc). Essa organização funcional das atividades em unidades, das unidades em zonas, e das zonas em um todo integrado considera as relações e interdependências internamente a cada zona e de cada uma delas com o todo, refletindo uma visão sistêmica do edifício. Os fluxos de pessoas e materiais entre zonas e atividades são controlados no intuito de executar eficientemente os procedimentos e rotinas estabelecidas. Nos dois casos, as atividades do hospital foram distribuídas em varias plantas retangulares independentes, de diferentes tamanhos e posicionadas ora paralelamente ora ortogonalmente entre si. Essas plantas são conectadas através de circulações perpendiculares ao seu eixo longitudinal. As plantas e circulações formam um conjunto de figuras geométricas retangulares desenvolvidas através de uma malha reticular ortogonal que regula tanto seus limites como seus afastamentos. Tanto no Santa Catarina quanto no Maria Alice Fernandes, os leitos são distribuídos em quartos de um, dois e quatro leitos, sempre com banheiro anexo. A implantação dos edifícios é solta no meio do terreno, guardando alguma relação de proximidade apenas com o limite frontal do lote onde estão os acessos dos pacientes 158 externos. Os acessos são disciplinados, havendo entradas específicas para pacientes externos, para pacientes em processo de internação e visitas, para funcionários e para abastecimento. O desenho das circulações dentro dos edifícios segue disciplinando estes fluxos, ora conduzindo os pacientes a áreas de atendimento, ora criando barreiras ao acesso a setores mais reservados. Nas unidades funcionais onde há exigências mais severas no sequenciamento de tarefas, as circulações se diversificam em vias menores e traçam rotas operacionais, disciplinando passo a passo a execução de tarefas. As circulações formam assim um sistema hierarquizado que determina o itinerário seqüencial de pacientes e de rotinas. Ainda quanto ao posicionamento dos blocos no terreno, temos no caso do Hospital Santa Catarina, uma variação importante em relação ao tipo rua hospitalar. Nesse tipo, os blocos são posicionados paralelamente entre si, com um lado conectado a uma circulação e outro solto para permitir a expansão do bloco sem afetar os demais. O espaçamento entre blocos é apenas o necessário para iluminar naturalmente os ambientes. Em muitos ambientes, inclusive, é prevista a utilização de equipamentos mecânicos para ventilação e climatização. Os princípios seguidos para o posicionamento dos blocos são o de racionalização funcional do hospital e o de proporcionar a expansibilidade do edifício. No Santa Catarina, o bloco onde está localizada a unidade de internação se posiciona ortogonalmente em relação aos outros, provavelmente para aproveitar melhor a ventilação sudeste em seus leitos. Nesse caso, a sanitarização do ambiente foi o princípio mais forte. No entanto, os princípios de posicionamento funcional e expansibilidades não foram desrespeitados. Os espaços são desenvolvidos em módulos tridimensionais elementares de 1,20 x 1,20 x 1,20 m3. As dimensões de cada compartimento são definidas pelo layout e requerimentos ambientais dos equipamentos e procedimentos, conformando-se pelo módulo que regula e define os espaços. Observando a volumetria dos edifícios, verifica-se que ela é marcada por paralelepípedos de expressiva horizontalidade, posicionados paralelamente ou ortogonalmente (caso da internação no Santa Catarina), que se interconectam por uma circulação de eixo perpendicular aos blocos. Não há um volume que se sobressaia em relação ao outro, apesar 159 de terem tamanhos diferentes, em ambos os caso dando origem a um conjunto com regularidade de contorno. As soluções estruturais dos edifícios são idênticas e adaptadas à diversificação de tamanhos dos blocos: estrutura modular em concreto armado, projetada em módulos tridimensionais. No Santa Catarina, os dois tipos de vigas e pilares foram usinados no canteiro e manipulados por grua; as lajes eram em nervuras pré-fabricadas fora do canteiro. No Maria Alice Fernandes, a estrutura foi moldada convencionalmente in loco, apenas as nervuras das lajes sendo pré-fabricadas. As semelhanças entre os dois hospitais analisados nesta seção dão realce ao fato de que ambos foram projetados sob a vigência de normas técnicas estritamente prescritivas. 5.8. Promater, Femina e Coração: uma incursão em um novo tipo? Os hospitais Promater (de 1996, FIG. 39), Femina (2001, FIG. 40) e do Coração (2000, FIG. 41) foram concebidos por iniciativa de três grupos diferentes de médicos de Natal, com o intuito de prestar assistência médica especializada em ginecologia, obstetrícia e pediatria (nos dois primeiros casos) e em cardiologia (no terceiro), sempre tendo como clientela-alvo os portadores de seguro ou plano de saúde privado. As atividades de cuidados aos pacientes nos três hospitais envolvem centro cirúrgico, raios-X, laboratório de análises clínicas, ultra-som, mamografia. No Hospital do Coração, adiciona-se tomografia computadorizada, ecocardiografia e hemodinâmica. Nos três casos, os serviços de apoio são diversificados e bem estruturados, de acordo com os processos e rotinas para execução das tarefas, constando de: serviços de farmácia, de nutrição e dietética, de processamento de roupa, central de administração de material e equipamentos, conforto e higiene para funcionários, limpeza e zeladoria, central de esterilização e serviços de engenharia clínico-hospitalar. Esses hospitais não estavam integrados à rede do Sistema Único de Saúde, nem mesmo como assistência conveniada. O nível de resolutividade nos dois primeiros hospitais corresponde ao nível médio de complexidade; no terceiro é de alta complexidade. A distribuição de leitos de internação nos três hospitais privilegia os apartamentos individuais com banheiro anexo, de modo que apenas cerca de 10% dos apartamentos são de dois leitos, mantendo-se aí o banheiro anexo. 160 5.8.1. Hospital Promater A configuração geral da planta pode ser sintetizada por três figuras geométricas: um quadrado e dois retângulos iguais e paralelos, todos alinhados segundo um eixo paralelo ao comprimento do terreno. A primeira figura, o quadrado, representa a forma geométrica da planta do bloco posicionado na parte mais frontal do edifício. Nele, preenchendo dois terços de sua área, está presente um grande hall de entrada, ocupado por ambientes dedicados ao conforto de pacientes e familiares – tais como áreas de espera, snack bar, jardim interno – e algumas atividades administrativas com contato direto com os pacientes externos, tais como recepção e admissão. No terço restante do quadrado, distribuídos no térreo e em um mezanino, estão todas as salas de espera dos cuidados aos pacientes externos, como consultórios médicos, raios-x, mamografia, ultrassonografia e pronto socorro. As salas de espera estão voltadas para o átrio mas posicionadas de maneira contígua aos serviços. Esse bloco conta com 500 m2 de área construída, com altura de 7,2 m. Ele ganha destaque em relação ao conjunto em função de que o hall de entrada foi dotado de grandes dimensões e porque foram utilizadas soluções que valorizam o seu espaço interno. A iluminação zenital e os jardins internos proporcionam luz natural no núcleo da planta quadrada. No limite entre o quadrado e o primeiro dos retângulos, estão posicionados elevador e escada, que distribuem todos os fluxos dos pacientes externos e familiares. As outras duas figuras são dois retângulos iguais e paralelos conectados por uma circulação, que representam as plantas de blocos de quatro pavimentos. Nos dois blocos, o subsolo é destinado a garagem. Nos pavimentos térreos, estão posicionados serviços de apoio e centro cirúrgico. Nos demais pavimentos estão posicionados os apartamentos da internação. Embora plantas com forma retangular facilitem a ventilação e a insolação natural dos ambientes internos (como no tipo pavilhonar), nesse hospital só a insolação foi aproveitada, já que o edifício é dotado de ar condicionado em todos os ambientes. A volumetria do edifício é dominada pelas dimensões no plano horizontal. Frontalmente, um prisma de seção quadrada, se apresenta como um volume mais compacto, fechado. 161 Lateralmente, somando-se ao prisma frontal os paralelogramos correspondentes aos dois blocos retangulares, o volume se apresenta com um contorno bastante recortado. A solução estrutural modular em concreto armado tem comportamento convencional em todo o edifício, a menos do átrio frontal em que se combinam panos estruturais planos de concreto e a estrutura metálica da cobertura translúcida, com efeitos sobre as dimensões das vigas e pilares que marcam a fachada e o interior do átrio. 5.8.2. Hospital Femina O esquema geométrico da planta é representado por três retângulos aproximadamente concêntricos. O retângulo maior representa os pavimentos do subsolo e do térreo, onde estão localizados os serviços de apoio e de cuidados aos pacientes externos. O retângulo de tamanho intermediário representa o primeiro e o segundo pavimentos, onde estão localizados os apartamentos de internação. O terceiro e menor retângulo representa um pátio interno ajardinado que vaza as plantas de todos os pavimentos e recebe e distribui luz natural através de uma cobertura translúcida. Em torno desse pátio há uma circulação avarandada em todos os pavimentos. No subsolo e no térreo, onde estão localizados os serviços de consultório e de diagnóstico, o contorno do pátio é ocupado por salas de espera e recepção. No térreo, além dessas, o contorno do pátio conta com o snack bar para pacientes e visitantes e o hall de entrada do edifício. Essa circulação em torno do pátio se repete em todos os pavimentos e faz a ligação entre os compartimentos de um mesmo andar. A ligação no sentido vertical se faz através de elevadores e escadas posicionados em um dos lados do pátio. Os esquemas geométricos da planta e do perfil guardam semelhança com o tipo torre sobre pódio. Entretanto, há dois elementos de divergência com respeito a este tipo. Por um lado, a existência, no núcleo do bloco, de um pátio avarandado de grandes dimensões horizontais e verticais traz grandes repercussões na conformação espacial do hospital. Por outro lado, na Femina, a área dedicada a internação é inferior à que se dedica aos serviços de diagnóstico, relação inversa da que se verifica no tipo torre sobre pódio. A volumetria é aproximada à do tipo torre sobre pódio, embora a altura da torre não seja marcante e o pátio, vazando torre e pódio, retire o caráter de maciço que o volume aparenta 162 quando observado do exterior. Por outro lado, embora as dimensões relativas sejam diferentes, a volumetria revela alguma semelhança com aquela do tipo claustral. Pode-se assimilar, então, o volume do edifício a um prisma reto de seção retangular, perfurado segundo o seu eixo vertical por um outro prisma reto de seção retangular, o pátio, com menores dimensões horizontais. A solução estrutural adotada é o pórtico tridimensional de concreto armado, regularmente repetido, e que se associa, no pátio vazado, a uma estrutura metálica para a cobertura em policarbonato. 5.8.3. Hospital do Coração O esquema geométrico da planta é formado por três retângulos de tamanhos distintos e um círculo, todos arranjados de maneira a conformar um “U“. Cada figura geométrica representa a planta de um bloco com cinco pavimentos. No primeiro retângulo perpendicular à via principal, estão distribuídos em quatro pavimentos os consultórios médicos. No segundo retângulo, paralelo à via principal, o pronto socorro e o centro cirúrgico estão posicionados no térreo e no primeiro pavimento; nos dois últimos pavimentos, estão os apartamentos de internação. No terceiro retângulo estão posicionadas nos quatro pavimentos as atividades de apoio ao diagnóstico. No círculo, o pavimento térreo foi destinado às atividades de apoio ao diagnóstico e o primeiro pavimento à UTI. Os demais foram reservados para futuras ampliações. O subsolo está todo ocupado por atividades de serviços de apoio. Na área central, em continuação ao hall de entrada, está posicionado um átrio com pédireito de quatro pavimentos, iluminado naturalmente através de uma cobertura translúcida de policarbonato. Na planta do átrio, estão posicionados elevadores e escadas que fazem a comunicação vertical das atividades de cuidados aos pacientes externos. Em volta do átrio, em todos pavimentos, há uma circulação que faz a comunicação horizontal entre esses serviços. Para o átrio se voltam todas as esperas dos serviços aos pacientes externos. Ou seja, o átrio polariza todos os fluxos e áreas de espera dos serviços dedicados aos pacientes externos. A volumetria do edifício pode ser aproximada à de um paralelogramo com dimensões comparáveis, apresentando um destaque para o formato curvo do contorno em que a planta adquire formato circular. A solução estrutural é simples, pois se trata de estrutura modular 163 em concreto armado, repetida em todo o edifício à exceção do átrio, em que se compõe com a estrutura metálica da cobertura. 5.8.4. Considerações gerais Os três edifícios apresentados nesta seção são implantados em áreas urbanas residenciais adensadas. São volumetrias predominantemente verticais, que buscam ocupar o terreno na máxima possibilidade. Logo, as formas dos edifícios são contingenciadas pelos formatos dos lotes. Observando a configuração geométrica das plantas dos três hospitais verifica-se que elas conformam esquemas geométricos diferentes, mas sempre formados por figuras geométricas que se juntam, colando faces sem usar a intermediação de circulações. A volumetria se torna aparentemente maciça e concentrada, mas isso é descaracterizado pela presença de átrios ou pátios que vazam verticalmente o edifício. Esse é um ponto em comum entre os três hospitais: a existência de um elemento com altura de vários pés-direitos, que traz iluminação natural ao interior do edifício. Esse elemento, pátio ou átrio, tem grande importância na organização dos espaços dos três hospitais. O fato é que, nos três casos analisados nesta seção, a natureza funcional das atividades e suas inter-relações para atender as rotinas estabelecidas no hospital são consideradas de maneira sistêmica. As atividades são agrupadas, segundo sua natureza funcional, em unidades, e estas em três zonas (de internação, clínica e de apoio). A organização das zonas segue o principio das inter-relações funcionais, mas com uma diferença. O átrio aglutina todos os fluxos de pacientes que se dirigem aos serviços externos e internos do hospital e distribui esses fluxos através de salas de espera. Em conseqüência, atividades de algumas zonas, em função de terem contato direto com o público externo, são deslocadas do espaço de suas zonas para o átrio. Por exemplo: da zona de apoio são deslocadas as atividades de admissão, registro e tesouraria; da zona clínica são deslocadas as atividades de recepção e as esperas das salas de exames e dos consultórios. Logo, o átrio assume um papel importante na organização dos espaços, recebendo e distribuindo fluxos através de elevador e escadas sociais, bem como proporcionando estar, conforto e acolhida aos pacientes externos e visitantes. Essas características refletem também a necessidade de esses hospitais trabalharem suas 164 respectivas imagens junto aos clientes, o que revela a natureza também comercial do empreendimento. É, portanto, o foco no paciente, ou no cliente, que orientou esses hospitais a adotar um programa espacial em que novas atividades se integram ao edifício. Essas atividades, “amenidades” no caso dos hospitais de Natal, se concentram no átrio, cujas características tipológicas (no conceito de tipo utilizado neste trabalho) foram apropriadas das soluções de átrios em shopping centers e adaptadas a áreas do hall de entrada do hospital. É aí que se dá o primeiro contato dos pacientes com a organização hospitalar: o tratamento adotado para esse espaço visa a incorporar um atendimento ao cliente que seja mais personalizado, aconchegante e impactante, como em uma recepção de hotel. Verifica-se no caso desses hospitais de Natal que as repercussões arquitetônicas do conceito de foco no paciente (ou no cliente) são quase que totalmente limitadas à requalificação desse espaço do átrio. Essa estratégia é diferente daquela que configura um tipo hospitalar pós-modernista, no qual a idéia de foco no paciente vai imprimir sua marca em todo o hospital. Assim, pode-se observar, nas análises desses hospitais, que eles mostram um certo descolamento do tipo modernista, por meio de uma pretensão de focar o desenvolvimento da planta na atenção ao cliente, com considerações relativas a seu bem-estar. Entretanto, nos três casos esse esforço se concentra no espaço do átrio e seu entorno. A ordenação espacial do restante do hospital ainda segue a solução tipo do hospital modernista – unidades e zonas funcionalmente organizadas para atender rotinas estabelecidas em função dos procedimentos. Ponderadas essas razões, pode-se considerar que a Promater, a Femina e o Hospital do Coração estão mais vinculados ao tipo hospitalar shopping center/hotel/residência, embora ainda estejam de certa forma arraigados ao tipo modernista. Constituem, assim, exemplares de transição entre um tipo em desuso – o modernista – e seu desafiante. 5.9. Agrupamentos tipológicos e aderência ao contexto Da análise realizada, pode-se verificar que os agrupamentos tipológicos resultantes correspondem aproximadamente a períodos histórico-contextuais definidos e estudados no capítulo 4. No Quadro 2 a seguir, essa característica da evolução da tipologia arquitetônica 165 dos hospitais em Natal é explicitada, tendo em conta os dezoito hospitais estudados neste capítulo. Em verdade, considerando os dezoito hospitais analisados, pode-se falar em grupos tipológicos para quatro tipos: pavilhonar (com cinco exemplares e mais o caso especial do Hospital Infantil), torre sobre pódio (cinco exemplares), rua hospitalar (dois exemplares) e shopping center/hotel/residência (três). Os outros dois tipos registrados na análise, colônia e casa de campo, registram um exemplar para cada. QUADRO 2 Agrupamentos tipológicos por período histórico-contextual Períodos Tipos 1889-1930 1930-1945 1945-1964 1964-1985 Depois de 1985 São Francisco - - - - - Maternidade - - - Infantil Evandro Chagas Policlínica São Lucas João Machado Getúlio Vargas - Torre sobre pódio - - - Walfredo Sta. Helena PAPI Memorial Natal Center Rua hospitalar - - - - Santa Catarina M.A.Fernandes Shopping/ hotel/ residência - - - - Promater Femina Coração Colônia Casa de campo Pavilhonar Nota: Para o caso do Hospital Infantil, o enquadramento no grupo tipológico pavilhonar é preliminar. Como se verá adiante, a análise desse hospital irá entendê-lo como um exemplar isolado, por suas características tipológicas inovadoras. Observe-se que o exemplar que fixa a presença do tipo colônia entre os hospitais de Natal, o Hospital Colônia São Francisco, é o primeiro dos dezoito hospitais analisados a ser implantado, em 1929. Nesse período da Primeira República, a ação consorciada dos Governos federal e estadual tinha entre seus principais objetivos o financiamento de políticas de combate à hanseníase. Tal combate era feito principalmente por meio da segregação dos enfermos com respeito à vida social urbana, com implantação e 166 custeamento (este também apoiado por organizações de caridade e filantrópicas) de infraestrutura hospitalar. A localização do Hospital Colônia São Francisco corresponde a esse modelo segregacionista que é uma marca importante do tipo colônia. Mas o São Francisco não foi financiado ou gerido pela Igreja Católica, presença que está na base da formação do tipo na Idade Média, conforme se pode ver no capítulo 3. Ressalte-se que, de acordo com os dados e informações levantados neste trabalho, a presença da Igreja Católica na implantação ou apoio a hospitais em Natal não é tão significativa quanto pode ser em outras cidades, o que pode explicar a inexistência na cidade de hospitais afiliados aos tipos claustral, basilical e enfermaria cruzada, de todos os que mais intensamente registram a presença da religião. Além disso, é importante salientar que Natal nunca contou com uma Casa de Misericórdia, uma instituição que se espalhou pelo Brasil desde o século XVI, em geral vinculada à Igreja Católica. Por sua parte, entretanto, a sociedade civil local destaca-se nas primeiras décadas do século XX por sua organização e por iniciativas vinculadas ao processo de modernização da cidade. A Maternidade Escola Januário Cicco foi, como se detalhou no capítulo 4, resultado de uma ação da sociedade civil organizada. A Maternidade representa, dentre os hospitais de Natal, o tipo casa de campo, cuja formação remonta ao período renascentista. Como o projeto de arquitetura pode ser datado no período entre 1928, ano em que se divulgou a intenção do empreendimento, e 1932, quando tiveram início as obras de construção civil (ver capítulo 4), pode-se considerar que a Maternidade – finalmente aberta ao público em 1950 – é um exemplar que reflete as condições contextuais da década de 1920. Essas condições, em que a sociedade civil desempenhava um papel importante na modernização da cidade, podem estabelecer um nexo com o tipo casa de campo. Embora fosse sendo suplantada ao longo dos séculos XVIII e XIX pela pavilhonar, a solução tipológica da casa de campo ainda continuou a se fazer presente em muitos edifícios hospitalares no mundo ocidental até próximo do século XX. Assim, a apropriação ao projeto arquitetônico da Maternidade Escola do tipo casa de campo pode ser entendida como simples resultado da permanência e da fixação deste tipo, 167 mas, não se pode deixar de levantar a possibilidade de que a decisão arquitetônica tenha se dado em conexão com a natureza cívica do empreendimento que levou à implantação do hospital. Em que pese o fato de a configuração geométrica do projeto da Maternidade Escola vincular-se claramente à casa de campo, a análise tipológica revelou a presença, na organização dos espaços, de princípios funcionalistas que compõem o tipo pavilhonar em sua vertente de final do século XIX. Isso demonstra que o projeto, embora tenha lançado mão de uma forma do passado, pôde incorporar soluções funcionais dele contemporâneas, em uma clara demonstração de que o projetista fez a opção de adotar o tipo casa de campo – talvez por seu valor simbólico para a iniciativa cívica – ante a possibilidade de usar o tipo pavilhonar, mais ajustado ao modo de organização interior dos espaços em um hospital com as características da Maternidade. Esse exercício da opção do arquiteto, revelador de um determinado grau de conhecimento tipológico, pode ser mais bem apreciada no caso do Hospital Infantil. Inaugurado em 1936, o Hospital Infantil teve suas obras iniciadas em 1923, o que situa o seu projeto arquitetônico ao redor do início daquela década. A natureza do empreendimento, como no caso da Maternidade, era de uma entidade civil da sociedade, igualmente liderada por um médico. A análise tipológica do projeto mostrou que o Hospital Infantil pode, a princípio, ser afiliado ao tipo pavilhonar, mas constitui de fato um caso de hospital em que o arquiteto se aprofundou nas possibilidades tipológicas do edifício. Para diferentes grupos funcionais de atividades, o projetista adotou distintas configurações geométricas e princípios organizadores dos espaços da arquitetura hospitalar precedente, buscando apropriar e mesclar, de forma racional, soluções tipológicas de diferentes períodos do passado. Os demais exemplares locais que testemunham a presença em Natal do tipo pavilhonar aparecem entre princípios da década de 1940 e meados da década de 1960, praticamente coincidindo com o período posterior à Segunda Guerra (1945-1964). Suas implantações derivam de duas diferentes iniciativas. De um lado, os hospitais públicos que se constroem no âmbito de programas do Governo federal na área da saúde pública, voltados para o combate às enfermidades infecto-contagiosas e para o tratamento 168 de doenças mentais. Na primeira linha estão o Evandro Chagas – de 1943, especializado em doenças tropicais – e o Getúlio Vargas – de 1966, especializado em tuberculose. No caso das doenças mentais, tem-se o João Machado, 1958. De outra parte, estão as iniciativas conducentes à Policlínica, de 1944, e à Casa de Saúde São Lucas, de 1952. Nestes casos, o empreendimento era dirigido por grupos de médicos locais que financiavam com recursos próprios a construção do hospital, cuja clientela-alvo era a população beneficiária dos IAPs. Observa-se que esses hospitais estão direcionados a serviços de cirurgia geral e clínica médica, diferentemente dos hospitais públicos especializados do mesmo período. Nesses hospitais privados, de caráter terapêutico, está presente o conhecimento técnicocientífico e o médico é a principal autoridade. Como se pode ver na análise deles realizada, as atividades terapêuticas já apresentam um certo nível de estruturação, organizando-se em vários espaços de acordo com rotinas e procedimentos. Também está presente a tecnologia de diagnóstico, por meio dos exames de raios-x e laboratório de analises clínicas. Distinguem-se claramente os hospitais privados dos públicos pelo que revelam de interesse por privacidade na internação. Os hospitais pavilhonares públicos vão do grande hall aberto de enfermaria do Evandro Chagas até o Getúlio Vargas, em que os leitos são distribuídos por enfermarias menores. Enquanto isso, nos hospitais privados do período pavilhonar (Policlínica e São Lucas) já se nota a presença mais significativa de apartamentos individuais e de dois leitos. Em que pese essa distinção, vale salientar que a opção pelo tipo pavilhonar é consistente no setor privado e no setor público, em todo o período que vai de final dos anos 1920 até os anos 1960. Em geral, os hospitais pavilhonares de Natal se informam tipologicamente das variantes mais recentes do tipo, normalmente com uma organização espacial que remonta aos princípios funcionalistas de fins do século XIX. Essa persistência do tipo pavilhonar em Natal está provavelmente vinculada ao fato de que esses hospitais do período, tanto os privados como os públicos, eram ainda de pequeno porte, de baixo nível de resolutividade e com incorporação de um pequeno grau de tecnologia nos equipamentos de diagnóstico. É só final do período 1945-1964 que, no Getúlio Vargas, vão se aplicar princípios funcionalistas mais abrangentes na organização espacial, embora ainda se adote a solução pavilhonar. 169 Uma mudança tipológica só vai ocorrer no fim dos anos 1960, quando do projeto do Walfredo Gurgel, hospital público inaugurado em 1971, na onda do financiamento pelo Governo Federal de hospitais de grande porte de natureza curativa. O Walfredo é, em Natal, o primeiro hospital de grande porte (150 leitos), de grande resolutividade e com seus serviços estruturados de acordo com as primeiras normas para planejamento e construção de hospitais, estabelecidas pelo Ministério da Saúde, normas que ainda não refletiam totalmente os princípios da organização espacial pertencentes aos tipos do período modernista. Como hospital de grande porte, o Walfredo é uma resposta hospitalar ao crescimento urbano experimentado por Natal nos anos que sucederam à Segunda Guerra. A solução tipológica adotada é a do hospital concentrado, com uso intensivo de pavimentos empilhados, configurando a torre sobre pódio. Também afiliados a essa mesma tipologia, vieram na seqüência do Walfredo, o Santa Helena e o PAPI, ainda no período 1964-1985, e o Memorial, no ano de 1990. Todos eles eram de iniciativa privada, financiados com recursos bancários intermediados pelo FAS, e se dirigiam a uma clientela de classe média emergente na cidade, pagante com recursos próprios ou dos primeiros planos ou seguros de saúde, bem como a prestar serviços contratados pelo INPS. Todos eles seguem parcialmente as normas e os princípios de funcionalidade vigentes na época foram, também parcialmente, incorporados. Em função de seu pequeno porte e de terem média resolutividade, com serviços não totalmente estruturados, sua afiliação ao tipo torre sobre pódio não é integral. Como último componente desse grupo tipológico, tem-se o Natal Center, inaugurado em 2002. Esse hospital é, dentre todos os analisados, o que mais bem se enquadra nas definições tipológicas. A iniciativa privada de um grupo de médicos, com financiamento bancário, tocou o empreendimento com objetivos de lucratividade. A clientela-alvo é constituída de portadores de seguro ou plano de saúde privado. Construído, como os demais desse grupo tipológico, em áreas urbanas de alto adensamento, a verticalização é necessária para abrigar uma grande quantidade de leitos, o alto nível de resolutividade e os serviços complexos e bem estruturados. 170 O projeto do Natal Center adotou princípios funcionalistas dos tipos hospitalares do período modernista, embora trabalhando com as normas vigentes, mais flexíveis, da RDC50. Trata-se de caso que chama a atenção, uma vez que apropria uma solução tipológica que não guarda coerência com o contexto do período recente de sua implantação, estendendo a vigência do tipo torre sobre pódio em Natal. Um outro tipo modernista presente entre os hospitais analisados é o rua hospitalar, ou hospital rua. Dois exemplares de hospitais públicos edificados em áreas periféricas na Zona Norte de Natal, que à época de suas implantações registravam, como ainda hoje, um processo acelerado de crescimento populacional, são nitidamente afiliados a essa tipologia. Trata-se de hospitais – o Santa Catarina, de 1986, e o Maria Alice Fernandes, de 1998 mas com obras iniciadas dez anos antes – que foram planejados para integrar-se a uma rede de serviços hierarquizada, com a necessidade de guardar possibilidades de expansão e diversificação de serviços. Seus princípios de organização espacial são absolutamente funcionalistas, ressaltando o caráter sistêmico do hospital, com foco principal na eficiência de rotinas e procedimentos. Também correspondiam a um período ainda marcado pela rigidez das normas ministeriais (Portaria 400) e respondem a preocupações construtivas de redução de custo, pela via da modulação e da padronização de componentes. É essa rigidez que vai ser quebrada pela presença de exemplares afiliados parcialmente ao tipo shopping/hotel/residência, um grupo tipológico cuja implantação se concentra no período entre 1995 e o presente. Dele constam três hospitais – Promater, Femina e do Coração –, todos eles construídos por grupos de médicos, organizados economicamente de maneira empresarial, e irrompem no cenário de uma saúde pública marcada pelo crescimento dos planos e seguros de saúde, em que a competição pelo cliente é uma preocupação do empreendimento hospitalar. Os três hospitais têm em comum a presença de um átrio ou pátio, cuja função é receber e dar conforto aos pacientes, além de distribuir os fluxos que se originam fora do edifício. Como já se comentou, esses hospitais seguem, nas outras áreas interiores do edifício, os princípios funcionalistas de organização do espaço, de modo que a apropriação dessa nova tipologia – que se caracteriza por transferir ao cliente e ao paciente a sensação de familiaridade e exclusividade de atendimento –, se atém àqueles elementos vinculados ao 171 entorno do átrio, o que pode ser explicado em função da expressividade desses espaços no aspecto comercial. Observa-se que os resultados da análise tipológica, em síntese, apontam que, em geral, os agrupamentos dos hospitais analisados pelos diferentes tipos revelam coerência com as condições contextuais estudadas no capítulo 4. Há que reiterar a ausência dos tipos mais ligados às origens católicas do hospital (o claustral, o basilical e o enfermaria cruzada), ao mesmo tempo em que salientar que a ausência do tipo sanduíche pode ser explicada pelo fato de que Natal não apresentava, à época da sua vigência, as condições de grande demanda por serviços de altíssima tecnologia que se impõem como necessárias à implantações de hospitais deste tipo. No que concerne à sucessão dos grupos tipológicos identificados na arquitetura hospitalar de Natal, cabe verificar em que medida ela reflete ou se distingue da evolução verificada no capítulo 3 para a arquitetura hospitalar ocidental. Recolocando os tipos ocidentais, pode-se estabelecer que eles evoluíram dos tipos medievais identificados como claustral e basilical, mais ligados à noção católica do hospital, para os tipos renascentistas da enfermaria cruzada e, posteriormente, da casa de campo. A exceção a esse processo de substituição tipológica diz respeito ao tipo colônia, o mais longevo dos tipos hospitalares, que foi largamente usado em todo o mundo até o século XX. Os tipos renascentistas foram suplantados, no Iluminismo, pelo tipo pavilhonar, cuja vigência por cerca de dois séculos possibilitou que fosse sendo adaptado para exibir distintas vertentes – umas referidas a variações nos princípios de organização espacial (diminuição progressiva da quantidade de leitos por enfermaria, incorporação progressiva de elementos funcionalistas, por exemplo), outras a novas disposições relativas entre pavilhões e circulação, outras ainda para incorporar soluções tectônicas surgidas no século XIX. Só ao redor da metade do século XX é que os tipos modernistas ganharam proeminência, para serem logo contestados nos anos 1980 pelo tipo híbrido de shopping, hotel e residência que se qualifica hoje como dominante. 172 Ao comparar essa evolução com o caso de Natal, pode-se verificar que os tipos claustral e basilical não marcaram presença hospitalar em Natal, pelas razões já expostas anteriormente. A análise feita em dezoito hospitais constatou, tão somente, que o Hospital Infantil e a Femina fazem referência ao claustro, mas redefinindo-o e requalificando-o, tanto espacialmente quanto funcionalmente. Por sua vez, o tipo colônia esteve presente já em princípios do século XX, através do Hospital Colônia São Francisco. Já mencionada e discutida em detalhe a experiência do Hospital Infantil, o próximo apontamento tipológico em Natal é a casa de campo, representado na Maternidade. Já se expôs anteriormente uma série de razões pelas quais pode-se considerar que a Maternidade é tipologicamente assimilável à casa de campo, mas que isso se deveu a uma decisão projetual, uma vez que a solução pavilhonar já era reconhecida e disponível. De toda a forma, pode-se registrar aqui um desvio do sequenciamento tipológico natalense com relação ao ocidental. Feitos esses comentários sobre os primeiros hospitais da cidade, há que salientar que, em verdade, a primeira onda mais sistemática de construção de hospitais em Natal já nasce com a vinculação ao tipo pavilhonar, que se fez presente na arquitetura hospitalar da cidade por cerca de quarenta anos, a partir de finais da década de 1920. Da mesma forma que no processo evolutivo geral o pavilhonar foi sendo desenvolvido tipologicamente ao longo de sua vigência, em Natal o uso desse tipo vai se aperfeiçoando do início (Evandro Chagas) para o fim (Getúlio Vargas) do período de sua vigência. Esses desenvolvimentos também são similares aos que se verifica em termos ocidentais: enfermarias menores, maior abrangência da noção de funcionalismo, soluções de planta geometricamente mais elaboradas, passagem progressiva da alvenaria portante para o concreto armado. Da mesma forma que no caso geral, em Natal o tipo pavilhonar é substituído pelos tipos modernistas, que depois dão lugar ao tipo contemporâneo, híbrido de shopping center, hotel e residência. O intervalo modernista dos anos 1960 a 1980, em que os tipos torre sobre pódio e hospital rua fizeram presença em Natal, é bastante próximo, historicamente falando, do intervalo de vigência desses tipos – e mais o tipo sanduíche – em todo o mundo. 173 O único elemento discordante é a ausência, pelos motivos já mencionados anteriormente, do tipo sanduíche em Natal. Pode-se observar também que a introdução do tipo rua hospitalar em Natal é posterior à do tipo torre sobre pódio, da mesma maneira que no quadro ocidental estudado. Enfatize-se outra vez o fato de que um exemplar do tipo torre sobre pódio é implantado em Natal já neste século XXI, constituindo isso um elemento de desconformidade entre os sequenciamentos tipológicos ora comparados. Por fim, a substituição dos hospitais modernistas pelos pós-modernistas também reflete uma tendência mundial. A diferença no caso de Natal é que essa substituição aparenta ser, hoje, apenas um movimento de transição, na medida em que resulta de apropriar elementos tipológicos dos hospitais modernistas no âmbito de uma visão humanizada e, ao mesmo tempo, comercial do hospital. Assim, ainda não se verifica em Natal a presença de um hospital que haja absorvido totalmente as características do tipo shopping center/hotel/residência. Uma vez verificado esse sequenciamento, cabe discutir os fatores que, em Natal, induzem a suplantação ou substituição de um tipo por outro. Nessa discussão, há que definir a priori os momentos em que se procede a evolução de um para outro tipo, bem como estabelecer previamente uma sistematização dos fatores relevantes para a indução de mudanças. Examinando o quadro, já exposto e discutido, dos movimentos tipológicos no itinerário da arquitetura hospitalar de Natal, pode-se por em destaque cinco grandes momentos, a saber: x a entrada em cena do tipo pavilhonar, em finais da década de 1920; x a incorporação progressiva de vertentes mais desenvolvidas do tipo pavilhonar, ao longo do período 1945-1964; x a substituição do tipo pavilhonar pelo tipo torre sobre pódio, na década de 1960; x a introdução do tipo rua hospitalar, na década de 1980; x a emergência, nos anos 1990, do tipo shopping/hotel/residência. Por outro lado, com base na análise realizada no capítulo 3, é possível elencar os potenciais fatores indutores de mudança para verificar seu papel em cada um dos movimentos acima detalhados, quais sejam: x natureza e intensidade das necessidades e demandas sociais; x políticas públicas de saúde; 174 x natureza e objetivos da iniciativa do empreendimento; x conhecimento científico e padrão tecnológico; x tecnologia construtiva. A emergência do tipo pavilhonar na arquitetura hospitalar em Natal se dá de forma a refletir a atuação conjugada desses fatores. Nas décadas de 1910 e 1920, como já se expôs no capítulo 4, a cidade registrara a duplicação de sua população, ao mesmo tempo em que um processo modernizador se implantava, com base em ações públicas e da sociedade civil no campo do planejamento urbano, da construção de infra-estruturas, da implantação de serviços públicos etc. Um elemento central desse processo era a questão da higiene e da saúde pública e, nesse âmbito, o problema da carência de infra-estrutura hospitalar na cidade. Ao mesmo tempo, forjavam-se no Governo Federal as primeiras políticas nacionais de combate a enfermidades infecto-contagiosas e a doenças mentais, cujo escopo incluía a implantação de hospitais especializados nas principais cidades do país. Nesse quadro, a demanda da sociedade local vai se articular com uma ação federal organizada, com base técnico-científica, em que o projeto do edifício hospitalar se dá de modo a incorporar conhecimento médico e a buscar um certo padrão de eficiência funcional (higienização e sanitarização ambiental, organização das tarefas na enfermaria, entre outras). O tipo pavilhonar havia sido desenvolvido na Europa, e continuava ainda sendo adotado em princípios do século XX em todo o mundo, porque dava respostas de caráter médico a essas necessidades, respostas mais precisas e eficazes que os tipos anteriores, uns mais ligados ao caráter religioso do hospital, outros ao seu caráter cívicoinstitucional. Assim, tanto se prestava o tipo pavilhonar para materializar-se em edifícios hospitalares públicos, vinculados a políticas federais tecnicamente definidas, quanto permitia sua apropriação ao projeto de hospitais de iniciativa privada de grupos de médicos, uma vez que incorpora a noção de autoridade científica do profissional de medicina e realça a sua importância na sociedade (a “medicalização” do hospital terapêutico, instituição responsável pela cura das enfermidades). Entretanto, ao longo do período de cerca de 40 anos em que dominou o cenário tipológico do edifício hospitalar em Natal, a análise realizada pode detectar que o tipo pavilhonar 175 apropriado nos projetos foi progressivamente incorporando novidades e avanços, o que se denominou neste trabalho por vertentes tipológicas. Esse segundo movimento na evolução tipológica dos hospitais de Natal vai se processar na medida em que crescem as exigências quanto ao padrão tecnológico dos serviços prestados pelo hospital e quanto a sua organização, mas também pelo crescimento de demandas sociais por maior privacidade na internação. Tal mudança, entretanto, vai requerer a incorporação em larga escala da tecnologia construtiva do concreto armado, liberando a organização dos espaços da rigidez das alvenarias portantes e flexibilizando o uso de vãos mais livres para o posicionamento de atividades. O domínio local das possibilidades do concreto armado e das vedações cerâmicas leves é um fator imprescindível para viabilizar o seguinte movimento tipológico, de superação do tipo pavilhonar pela torre sobre pódio, na década de 1960. O cenário para essa substituição de tipos, entretanto, é multifacetado. A cidade havia crescido, em população e em território urbanizado, e se desenvolvido economicamente no período posterior à Segunda Guerra, requerendo um número bem maior de leitos de hospital geral para atenção à saúde. A política pública nacional de saúde estava centrada no edifício hospitalar, disponibilizando-se recursos públicos – recursos do FAS a partir de 1974 – para sua construção, tanto por iniciativa pública, quanto pela iniciativa privada. Ademais, enfatizava-se o caráter curativo do hospital por meio de incorporação ao edifício hospitalar de maior tecnologia de apoio ao diagnóstico, o que requeria um edifício mais vertical, mais concentrado, projetado segundo estritas normas técnicas, para garantir maior número de leitos de internação, maiores espaços técnicos e de suporte, além de maior eficiência nas rotinas e procedimentos. Paralelamente à vigência do tipo torre sobre pódio, na primeira metade dos anos 1980 vai se agregar ao cenário tipológico do hospital natalense um outro tipo modernista: a rua hospitalar. O hospital rua surge como opção em Natal em face do crescimento periférico urbano das duas décadas anteriores. Na medida em que a cidade adquiria uma dinâmica de crescimento na Zona Norte, havia que, em consonância com a política nacional de hierarquização da rede de saúde pública, implantar hospitais flexíveis, aptos a serem 176 posteriormente expandidos, o inverso do hospital concentrado e acabado do tipo torre sobre pódio. Um último movimento tipológico registrado é a emergência nos anos 1990 de uma vertente de apropriação do tipo hospitalar pós-modernista, um tipo híbrido de shopping center, hotel e residência. Como já se demonstrou na análise dos três hospitais de Natal afiliados a esse tipo, essa apropriação do tipo não tem sido integral, mantendo-se elementos tipológicos dos tipos modernistas (principalmente do torre sobre pódio) e absorvendo elementos do novo tipo. Os fatores intervenientes nesse movimento são principalmente derivados das necessidades e demandas interpostas aos hospitais por uma sociedade, e Natal não é uma exceção, que nas últimas décadas passou a ter uma abordagem comercial da atenção à saúde. Nesse processo, em muito alimentado pela falência da atenção pública à saúde da população, originou-se uma demanda de mercado por serviços hospitalares, ancorada nos planos e seguros de saúde, pelas quais os hospitais passam a competir. Nesse sentido, a política pública tem sido orientada à flexibilização das normas técnicas de projeto, orientando-se o financiamento ao setor privado para as linhas de atuação do BNDES. Mas, em Natal, essa competição ainda não amadureceu a ponto de os novos conceitos de foco no cliente, foco no paciente, humanização, personalização, entre outros terem sido completamente assimilados na concepção de empreendimentos hospitalares, menos ainda na dos edifícios hospitalares correspondentes. Capítulo 6 Conclusões 178 6. Conclusões A origem dos questionamentos que motivaram o trabalho de pesquisa que redundou nesta dissertação remonta aos anos 1980. Ante as prescrições rígidas da normativa então vigente no Brasil para o projeto e construção de unidades de atenção à saúde (a Portaria n. 400, do Ministério da Saúde), em especial ante a definição prévia de configurações gerais para o edifício hospitalar, cabia questionar-se em que medida tal definição era correta, desde quando era assim e até quando seria. No caminho buscado para responder àquelas indagações, pôde-se vislumbrar que a base para entendê-las melhor guardava uma relação com a História da Arquitetura. Não uma história dos edifícios – em que, como diz Pérez-Gómez (1991, p. 15), a história da arquitetura é sintetizada em algo parecido com uma “coleção de borboletas” –, mas uma história interpretativa da arquitetura como produto de um diálogo entre o ato criativo do projeto, o precedente arquitetônico e o contexto físico-social, com suas necessidades e demandas socioeconômicas e políticas, mas também com sua cultura, seu conhecimento e sua tecnologia. Essa ampla interpretação da história da arquitetura foi sistematizada por Sir Banister Fletcher (1987) em fins do século XIX e, como afirma Newton (1991, p. 47), “oferece uma compreensiva análise tipológica” ao entender que cada solução arquitetônica surgiu em resposta a exigências formuladas por um contexto específico, fixou-se e depois foi suplantada por outras soluções que mais bem respondiam a contextos novos, surgidos de transformações da sociedade. O trabalho de investigação cujo resultado material concreto é esta dissertação fundou sua plataforma teórico-conceitual naquela “história tipológica” de Fletcher, que também forneceu as raízes mais fundamentais da estrutura metodológica aqui adotada. Entretanto, há duas considerações relevantes a serem feitas neste capítulo conclusivo. Em primeiro lugar, na medida em que o foco do trabalho de pesquisa se dirigia para uma arquitetura setorial específica e singular como a arquitetura de hospitais, houve que promover adaptações significativas no conceito de contexto. Enquanto no procedimento historiográfico de Fletcher o contexto é um entorno geoeconômico e político geral, aqui o 179 conceito de contexto foi redefinido de forma menos geral e mais precisa (ver capítulos 3 e 4, respectivamente para os casos dos contextos referentes às evoluções tipológicas do hospital ocidental e do hospital em Natal). Enfatizaram-se principalmente os aspectos culturais, socioeconômicos e políticos mais diretamente ligados à saúde pública e aos hospitais, na intenção de abarcar um contexto capaz de influir mais diretamente nas configurações arquitetônicas, seja para fixá-las, seja para transformá-las. Em segundo lugar, tendo em vista todo o debate acumulado nos últimos quarenta anos em torno da noção e do conceito de tipo, não havia sentido em fixar-se nas definições tipológicas que Fletcher, implicitamente, adotou para descrever as arquiteturas dos seus distintos contextos histórico-geográficos. Buscou-se então internalizar ao trabalho de investigação a construção conceitual requerida para constituir uma matriz de análise tipológica operativa com vistas a sua aplicação à arquitetura hospitalar. A pesquisa referida à construção do conceito operativo de tipo, e de sua correspondente matriz de análise, teve como resultado o capítulo 2 desta dissertação. Ali, pode-se observar que a compreensão do debate pós-moderno em torno do tipo e da tipologia resultou no entendimento de que haveria que buscar as raízes teóricas do conceito em sua formulação inicial, no século XIX. A razão para tanto consiste em que o uso do conceito de tipo trabalhado por seus estudiosos contemporâneos está contaminado por entendimentos e interpretações divergentes e conflituosas, na mesma medida em que esses estudiosos reiteram a importância de Quatremère de Quincy, Durand e Viollet-le-Duc para a formulação do conceito e remetem às suas obras para lastrear apologias ou restrições ao tipo e à tipologia. Resolveu-se, então, na impossibilidade de uma leitura crítica de toda a obra desses teóricos, centrar o foco da pesquisa naqueles autores contemporâneos que se dedicaram à interpretação do conjunto de suas obras – Lavin (1992), para Quatremère; Picon (2000) e Villari (1990), para Durand; os comentários de Hearn em Viollet-le-Duc (1990), para o mesmo –, independentemente da valoração relativa que esses intérpretes deram ao papel do conceito de tipo nas respectivas produções daqueles teóricos. Sem embargo, foram incluídos na revisão bibliográfica os textos mais nucleares das obras dos três teóricos com respeito aos conceitos de tipo e tipologia, conforme indicaram as listas de referências da literatura que, neste trabalho, representou a parte mais relevante da 180 discussão contemporânea. Esses textos centrais – Quatremère de Quincy (1985, 1998), Durand (2000) e Viollet-le-Duc (1990) – serviram, quando da reflexão conceitual e da análise do debate sobre tipo na contemporaneidade, para demarcar os elementos de partida sobre os quais se desenrola, em cada um deles, a discussão tipológica. Por outra parte, os trabalhos dos já referidos analistas de Quatremère, Durand e Viollet-le-Duc vieram contribuir para a compreensão do papel desempenhado pelo tipo no conjunto das respectivas obras e de qual o significado que o conceito adquiria para os três teóricos no contexto de seus trabalhos. Dessa forma, procedeu-se a uma tentativa de aproximação entre os três teóricos, lançando mão de seus conceitos de tipo, mas privilegiando as suas abordagens tipológicas, por entender que suas formulações sobre o tema são compatíveis e reconciliáveis. A matriz de instrumentos de análise proposta ao final do capítulo 2 é o resultado material e operativo dessa tentativa. Pode-se concluir, em sua estruturação mesma, que a hipótese de trabalho da reconciliação entre as visões de Quatremère, Durand e Viollet-le-Duc foi validada, na medida em que a complementaridade entre as três abordagens se confirma na própria definição dos instrumentos. Evidentemente, como ela é definida com um propósito claro de aplicação neste estudo, esse caráter operativo da matriz faz com que ela se deixe influenciar pelas características singulares do projeto de arquitetura hospitalar, principalmente em termos da concepção idealizada do espaço. Isso não implica, entretanto, na impossibilidade de adaptação da matriz de análise para outras arquiteturas setoriais ou na sua generalização. Nesses termos, pode-se concluir que a tentativa de desenvolver um instrumental de análise a partir da leitura integrada de conceitos distintos, embora reconciliáveis, obteve êxito, ao menos formal, no estágio atual dessa discussão neste capítulo. No capítulo 3, a tarefa proposta era de dupla face. Por um lado, havia que aplicar o instrumental definido anteriormente para elaborar uma análise tipológica da evolução da arquitetura hospitalar ocidental em um período de quinze séculos, da Idade Média à contemporaneidade. Por outro, essa análise tipológica havia que estar referida aos diferentes contextos históricos que deram suporte e validaram soluções arquitetônicas que prevaleceram durante largos, uns mais outros menos, períodos históricos. 181 A complicação básica da primeira faceta dessa dupla tarefa era a expectativa de que um instrumental desenvolvido para a análise de projetos pudesse ser aplicado a descrições literárias, fotográficas, pictóricas ou arquitetônicas de séries de hospitais ou de hospitais isolados que se consagraram por representar períodos históricos nos quais condições contextuais relevantes se mantivessem constantes. Nesse sentido, há que ressaltar a importância da extensa bibliografia utilizada, tanto no campo da arquitetura hospitalar, quanto no da história da saúde pública e das instituições hospitalares. Por outro lado, há que registrar que parte importante desse material bibliográfico foi escrita com intenções tipológicas, mesmo quando não se explicitam conceitos de tipo, porque buscam mostrar como os edifícios hospitalares nas diversas épocas revelavam interesses e necessidades do contexto, analisando também edifícios singulares que representavam as soluções utilizadas em uma série de hospitais da época. O fato é que a matriz pôde ser aplicada, não sem dificuldades ou necessidade de aproximações, juntamente com os contextos elaborados, para evidenciar de maneira consistente a evolução dos hospitais no Ocidente. Produziu-se aí uma narrativa analítica de que emerge um quadro do itinerário tipológico da arquitetura hospitalar em que a permanência ou a substituição de tipos, e mesmo a coexistência de alguns deles, podem ser compreendidas de maneira articulada com as transformações sociais e econômicas. Esse quadro, apresentado também de forma sinóptica na última seção do capítulo 3, permite concluir que o objeto arquitetônico hospital, para além dos diferenciais devidos ao gênio criador de projetistas ou a condições locais específicas, evoluiu historicamente segundo uma rota bem definida: o hospital medieval “da religião” deu lugar ao hospital “cívico” da Renascença; este cedeu espaço ao hospital “medicalizado” do Iluminismo que, por sua vez, foi suplantado pelo hospital “sistêmico” do período modernista; e este é superado pelo hospital “comercial”, do cliente e do mercado, das últimas décadas. O rebatimento dessa evolução no espaço da arquitetura hospitalar pode ser observado no capítulo 3, em que se mostra que apenas um tipo permaneceu vigente desde a Idade Média até o século XX: a colônia dos hansenianos resistiu, com sua formulação básica recuperada da aldeia rural isolada e autárquica, à retirada da Igreja da posição de patrocinadora, substituída pela filantropia cívica renascentista, depois pelo financiamento estatal. A substituição progressiva dos demais tipos apenas reforça a condição de exceção da colônia 182 e de sua permanência em quinze séculos de transformações sociais, econômicas e políticas, o que se deve provavelmente a um fator exorbitante: o temor da sociedade, em todos os tempos e latitudes, à lepra e aos leprosos. A colônia resistiu até mesmo à evolução da medicina: persistiu ainda depois que se tornaram consagrados o tratamento ambulatorial e o não-isolamento para os enfermos de hanseníase. Para cada transformação tipológica por que passou o hospital ocidental em seu percurso histórico, transformações essas avaliadas pelos diferenciais tipológicos evidenciados pelo instrumental analítico adotado, a abordagem utilizada permitiu compreender quais fatores de contexto foram relevantes e decisivos. Esse resultado permite afirmar a validade da matriz de análise e a consistência do conceito de tipo que a instrui. A aplicabilidade da matriz de análise, associada à abordagem de contextos, ao objeto empírico do trabalho pôde então ser exercitada. O problema neste ponto era de natureza bem distinta. Enquanto que na etapa de trabalho relatada no capítulo 3 o objeto da análise eram séries ou hospitais representativos de períodos históricos, passava-se agora a lidar com um objeto empírico composto pelos hospitais implantados em Natal nos últimos cem anos, aproximadamente. Na verdade, o objeto se definia como sendo o conjunto de hospitais implantados em Natal, vez que nada havia de mais relevante quando se examinava o ocorrido nesse campo no século XIX. Nessa etapa, então, havia que aplicar o instrumental a projetos e edifícios concretos, de variadas naturezas. Para uma aplicação consistente da metodologia, havia também de elaborar, mediante uma periodização daqueles cem anos, os correspondentes quadros contextuais na cidade de Natal. Tratava-se de estabelecer, com base na exploração histórica do capítulo 3, um conjunto de elementos contextuais que poderiam ser considerados como os fatores potencialmente determinantes da evolução tipológica do hospital em Natal. Entre esses elementos contextuais havia alguns endógenos à cidade, tais como base demográfica e territorial, estágio de desenvolvimento econômico e social, ação política local, organização da sociedade civil, conhecimento e tecnologia médica incorporada, entre outros. Mas havia também que considerar elementos exógenos relevantes, tais como a política pública federal para a saúde em todas as suas dimensões. Assim, dedicou-se neste documento o capítulo 4 para apresentar os resultados desse esforço de construção contextual, ao mesmo tempo em que iam sendo registrados, ao longo 183 do percurso histórico da cidade, os hospitais que se implantavam e suas principais características como empreendimento: locacionais, organizacionais, de perfil assistencial, de tecnologia, de financiamento, de clientela-alvo etc. As conclusões a que se chega no capítulo 4 realçam o fato de que, na medida em que a cidade cresce e se desenvolve, observa-se, além de uma óbvia intensificação da construção de hospitais, uma maior diversificação dos perfis assistenciais. Por outro lado, pode-se constatar naquele capítulo, como também no Anexo 2 – em que se disponibilizam quadros sinópticos da implantação de hospitais em Natal, por período, e uma definição sumária do contexto relevante –, uma variação significativa na intensidade da presença de iniciativa pública e da iniciativa privada na implantação de hospitais. Essa variação é só em parte explicada pelas variações da política nacional de financiamento à instalação de unidades hospitalares. A realização dessa política, no caso do empreendimento privado, depende da intensidade e das formas com que a sociedade (em verdade, parte dela, a que constitui a demanda em um mercado de saúde) satisfaz suas necessidades de atendimento por meio de desembolso privado, de planos ou seguros de saúde. Outra conclusão interessante do capítulo 4 diz respeito ao elemento locacional dos hospitais implantados com respeito à mancha urbana. Observa-se claramente, e isso também pode ser observado no mapa apresentado no Anexo 1, que a implantação hospitalar em Natal seguiu uma lógica de proximidade ou de distanciamento da área mais urbanizada da cidade em função das características do hospital implantado. Além da constatação da evidência de que os hospitais dedicados a segregar buscam áreas mais remotas, pode-se perceber claramente uma distinção na lógica locacional dos hospitais privados com respeito aos públicos. Enquanto estes têm localização mais direcionada pela proximidade da população alvo, os hospitais privados buscam geralmente áreas com facilidade de acesso motorizado para as camadas de renda média e alta da população. Ao todo, no capítulo 4, recupera-se informação básica sobre 29 hospitais implantados em Natal. Para esse efeito, definiu-se hospital como uma unidade de atenção à saúde em regime de internação. Com base na literatura consultada, pode-se afirmar que nenhum hospital implantado em Natal deixou de ser mencionado no capítulo 4, ainda que alguns tenham sido pouco mais que mencionados, por absoluta falta de informação disponível. É 184 o caso do Asilo de Alienados, implantado em 1911, como também do Hospital da Aeronáutica, de que não foi possível obter qualquer registro. Constituía intenção metodológica da pesquisa um levantamento censitário de informações arquitetônicas, considerando todos os hospitais já implantados em Natal. Como se comenta na introdução ao capítulo 5, não foi possível realizar essa intenção, por motivos variados. Assim, só foi possível completar a base necessária de informações para 18 hospitais. Entretanto, dos onze não analisados, para três é possível afirmar que sua exclusão não interpõe problemas para os resultados da análise. São eles: o primeiro Hospital da Caridade (implantado em 1856), o São João de Deus (de 1892) e o Asilo de Alienados (de 1911). Pelas informações que se conseguiu obter com respeito a esses hospitais, eram eles pouco mais que casas reformadas funcionando como albergues destinados a dar guarida a doentes pobres e enfermos mentais. Dessa forma, analisaram-se 18 dentre 26 hospitais significativos, restando ainda a possibilidade de – exceto nos casos dos hospitais das três armas e da Polícia Militar – averiguar, a partir da informação disponível, embora não completa, a possibilidade de que a introdução de mais algum(ns) deles no conjunto analisado viesse a implicar em alteração significativa de resultados. A primeira conclusão relevante a que se chegou na elaboração da etapa da pesquisa referente ao capítulo 5 foi a de que o processo seguido para a reconstituição das plantas do projeto original foi bastante satisfatório, conforme se pode observar no Anexo 3, em que estão dispostas as informações gráficas obtidas para todos os hospitais analisados. Pode-se avaliar como positiva a experiência de aplicar o instrumental analítico aos dezoito hospitais trabalhados. O enquadramento desses dezoito hospitais em grupos tipológicos baseados nos tipos arquitetônicos definidos no capítulo 3 se deu sem grandes dificuldades. Inclusive, o caso do Hospital Infantil, o qual foi tratado em separado, foi de grande importância para demonstrar que a abordagem tipológica da projetação não tem porque ser entendida como limitante da criatividade do arquiteto. Concluiu-se da primeira fase da análise tipológica que Natal, nos cem anos analisados, registrou a presença de quase todos os tipos hospitalares revelados no capítulo 3, com exceção de tipos mais diretamente ligados à presença da Igreja como provedora ou peça 185 importante na manutenção de hospitais (claustral, basilical e enfermaria cruzada) e do tipo sanduíche, aplicado a situações de altíssima tecnologia, que a cidade em sua dimensão atual ainda não requereu. No entanto, identificam-se quatro grupos tipológicos mais relevantes, quais sejam os referidos aos tipos pavilhonar, torre sobre pódio, hospital rua e shopping/hotel/residência, os quais se sucederam entre os anos 1930 e os dias correntes. O grupo pavilhonar teve prevalência por 40 anos, aproximadamente, enquanto que os tipos modernistas – torre sobre pódio e hospital rua – dominaram a cena por 20 anos, no período 1964-1985. O tipo shopping/hotel/residência, na verdade uma variante dele, tem sido dominante no período de 1995 até os dias correntes, embora se registre a presença de um hospital afiliado ao tipo torre sobre pódio como o último exemplar de hospital implantado em Natal. Com respeito à hipótese lançada no capítulo 1, de que a evolução tipológica do hospital em Natal reproduz, ressalvadas singularidades locais, a evolução tipológica do hospital ocidental, pode-se afirmar que ela foi validada. A singularidade mais evidente se prende à inexistência de tipos de início da evolução tipológica do hospital, explicáveis pelo fato de que o início da história hospitalar em Natal já encontra um poder civil razoavelmente constituído e independente da Igreja Católica para atuar como organizador e financiador de políticas de saúde. Em Natal, com efeito, a presença da Igreja Católica na história dos hospitais vai pouco além da presença reiterada das irmãs religiosas responsáveis por serviços de enfermagem, uma situação que não se repete como regra no Brasil, haja vista a rede de Casas de Misericórdia implantadas em cidades brasileiras de vários portes e idades. É importante ressalvar que a pequena Natal de início do século XX já contava com uma perspectiva de modernização, ancorada na ação do Estado e na participação cívica da sociedade, principalmente das elites. Ao mesmo tempo em que isso ajuda a explicar a ausência da Igreja Católica na história hospitalar de Natal, também propõe uma resposta ao fato de que a cidade tenha contado, no século XX, com um tipo hospitalar firmado na Europa dos séculos XVI a XVIII, de inspiração renascentista. Cumpre ressaltar que a arquitetura hospitalar norte-americana, conforme assinalam Thompson e Goldin (1975), fez uso significativo do tipo casa de campo até princípios do século XX, ressaltando seu valor cívico simbólico, mesmo quando inoculava na solução 186 formal os princípios organizativos dos pavilhões “medicalizados” do final do século XIX. Essa informação contribui para a interpretação da Maternidade Escola como um exemplar híbrido do edifício hospitalar, embora mais marcante seja a presença tipológica da casa de campo. Uma última singularidade relevante para a análise é aquela que fixa, no processo de superação dos tipos modernistas ao longo dos anos 1990 e 2000, um tipo de transição que apenas apreende de forma superficial a sinalização das mudanças. Nesse mesmo período, a arquitetura hospitalar ocidental buscava internalizar ao hospital a integralidade da herança tipológica do shopping center, do hotel e da residência, em uma hibridação capaz de forjar um novo tipo arquitetônico em que o foco no paciente constitui o aspecto mais central da organização e da definição dos espaços hospitalares. Em Natal, a pouca maturidade do empreendedorismo hospitalar privado produziu exemplares que guardam desse novo tipo apenas os aspectos mais evidentes e imediatos. A ponto de o hospital mais recentemente edificado em Natal poder ser identificado como o exemplar mais radicalmente próximo ao tipo torre sobre pódio entre todos os estudados, apenas recebendo um tratamento cenográfico “hoteleiro” em suas dependências organizadas sob os mais rígidos ditames funcionalistas. Por fim, cabe salientar que os resultados obtidos da análise dos fatores indutores de mudança revelam que, no caso de Natal, os mais significativos são as políticas públicas nacionais de saúde, as condições de mercado, dadas pelas demandas sociais em transformação, e as alterações na natureza e nos objetivos do empreendimento hospitalar. Esses elementos se mostraram suficientes para explicar os movimentos de alteração do tipo dominante, no caso de Natal. 187 Referências AKAMINE, O. Unimed 30 anos. São Paulo: Cartaz Editorial, 1997. ARAÚJO, Iaperi. História da Maternidade Escola Januário Cicco. Natal: EDUFRN, 2000. ARAÚJO, Iaperi. Januário Cicco: um homem além de seu tempo. 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Instituição hospitalar Ano base Contexto local Cenário nacional relevante Período pré-republicano Operativo em 1882 (desativado em 1957) Em 1911, Asilo de Alienados; em 1921, Hospício de Alienados; em 1933, Hospital de Alienados. Desativado em 1957; substituído pelo Hospital Colônia João Machado, em outro local. Segregação dos “loucos e furiosos” para proteção da sociedade. Não havia pessoal especializado. Construção: Governo da província Custeio: Governo provincial e caridade Bairro do Alecrim, no terreno que hoje recebe o Centro de Saúde do Alecrim. Casa reformada sem registro gráfico Lazareto da Piedade Casa reformada sem registro gráfico Local para acolhimento de tuberculosos pobres, segregados para proteção da sociedade. Não havia pessoal especializado. Construção: Governo estadual Custeio: Governo do estado e caridade Bairro das Quintas. Operativo em 1892 (renomeado em 1943) Ligeiramente reformado em 1943, passou a denominar-se Hospital Getúlio Vargas. Foi objeto de ampla reforma e ampliação em 1966. Hospital São João de Deus O processo de urbanização do país ainda não estava consolidado; o Estado nacional era frágil em face de oligarquias regionais, não permitindo seu funcionamento institucional efetivo. Em conseqüência, a política nacional de saúde era incipiente e as ações locais eram apenas de caráter urbano-higienista. Os poucos hospitais da época eram filantrópicos ou beneficentes, construídos com recursos de particulares ou da Igreja Católica, e tinham natureza segregacionista: eram depósitos de pacientes com o fim de proteger os que estavam fora da instituição. Pequeno crescimento urbano. Não havia assistência à saúde da população, apenas medidas de higiene urbana. Foram adquiridas, com recursos provinciais, edificações precárias para abrigar enfermos indigentes, loucos e furiosos.Em geral, a manutenção era feita com recursos do governo provincial, de instituições de caridade e de filantropos. Hospital da Caridade Juvino Barreto Operativo em 1909 (renomeado em 1935) Sucessivas reformas e ampliações; em 1935, é reinaugurado como Observações Hospital Miguel Couto. Hospital geral, com introdução de cuidados terapêuticos e realização Perfil da das primeiras cirurgias; laboratório de análises clínicas. Havia irmãs assistência religiosas treinadas para cuidados de enfermagem. Construção: Governo estadual Recursos financeiros Custeio: Governo estadual, filantropia, receita de clientes particulares. Localização Av. Nilo Peçanha, bairro de Petrópolis. Casa reformada sem registro gráfico. Tipologia Instituição hospitalar Ano base Contexto local Cenário nacional relevante 1ª República: 1889 a 1930 Construção: Governo estadual e federal Custeio: Governo federal, governo estadual, filantropia Av. Capitão-Mor Gouveia, bairro das Quintas. Colônia. Operativo em 1929 (desativado nos anos 1990) Só foi desativado como hospital em finais do século XX, com as mudanças na política de saúde para enfermos de hanseníase. Confinamento de pacientes com hanseníase. Não havia pessoal especializado. Hospital Colônia São Francisco Foram sendo suplantados os fatores inibidores da implantação de uma política nacional de saúde, construída com base nas idéias e atuações do movimento sanitarista, cuja ênfase estava na conscientização coletiva acerca da interdependência sanitária. Ações são concentradas na capital nacional e em cidades portuárias. Há campanhas sanitárias de combate às epidemias urbanas e endemias rurais. Foram criadas as CAPs, que financiavam a assistência médico-hospitalar. Introduzem-se enfoques curativos e terapêuticos nos hospitais, que ainda dependem da caridade e do esforço das comunidades religiosas. Criação do DNSP com criação de programas nacionais de combates a doenças infecto-contagiosas. Acentuado crescimento populacional; grande esforço da elite dirigente para a modernização urbana, com atuações na área de saneamento ambiental e saúde publica. O governo estadual é o principal mantenedor dos serviços hospitalares. Foram introduzidos cuidados terapêuticos na assistência hospitalar, com presença permanente de médicos, religiosas treinadas, laboratório de análises clinicas e prática de cirurgias. Operativo em 1936 (início da construção: 1923) Operativo em 1935 Tipologia Casa reformada sem registro gráfico. Construção: Governo do Estado e doações de particulares Custeio: Subvenções do Governo estadual e doações de particulares, geridos pela mantenedora Av. Deodoro da Fonseca, limite entre os bairros de Petrópolis e Cidade Alta. Várias apropriações das vertentes do tipo pavilhonar. Hospital especializado em pacientes infantis, contando com ambulatório, raios-x, laboratório de análises clínicas, centro cirúrgico e internação. Renomeado para Hospital Infantil Varela Santiago em 1967. Hospital Infantil Hospital Miguel Couto Sucede o Hospital de Caridade Juvino Barreto, com modernização e reformas de porte. Renomeado para Hospital das Clínicas quando Observações encampado pela UFRN em 1960; em 1984, passou a chamar-se Hospital Universitário Onofre Lopes. Hospital geral, amplamente reformado para abrigar diferentes especialidades como: clínicas médica, cirúrgica, ginecológica, Perfil da obstétrica, dermatológica, radiológica, oftalmológica e urológica. assistência Corpo médico presente na assistência aos pacientes, em geral indigentes, mas também particulares. Construção: Governo do estado Recursos Custeio: Subvenções do Governo estadual e receita própria, geridos financeiros pela Sociedade de Assistência Hospitalar Bairro de Petrópolis Localização Instituição hospitalar Ano base Contexto local Cenário nacional relevante Estado Novo: 1930 a 1945 (parte I) Tentativa de formulação de uma política nacional de saúde unificada. A ação preventiva era articulada nacionalmente pelo ministério e executada em associação entre este e os serviços estaduais. Criação dos IAPs destinados a financiar assistência a saúde curativa a categorias profissionais organizadas. Surgiram novos hospitais de particulares e do estado com ênfase na ação curativa. O edifício hospitalar passou a incorporar a verticalização e o zoneamento do espaço por diferentes funções. Crescimento demográfico e desenvolvimento urbanístico; assunção pelo Estado de funções de controle urbanístico e de provisão de infraestruturas e serviços públicos. Implantação de novos hospitais, ampliação e/ou reforma de existentes, sempre com novas características como: aumento da especialização dos serviços médicos, intensificação do caráter terapêutico da assistência hospitalar, novas tecnologias de diagnósticos. Presença mais intensiva de médicos. Criação da Sociedade de Medicina e Cirurgia, elemento de difusão de novos conhecimentos e tecnologias. Também aparece por primeira vez o hospital construído com recursos angariados por um grupo de médicos. Operativo em 1944 (início das obras: 1942) Operativo em 1943, desativado em 1982 Construção: Governo federal Custeio: Governos estadual e federal Localização Bairro das Quintas Pavilhonar. Tipologia Recursos financeiros Renomeado Hospital Professor Luiz Soares em 1967 Hospital geral. Assistência aos pacientes era prestada por médicos e irmãs de ordens religiosas. Havia aparelho de raios-X, laboratório de análises clínicas, farmácia, pronto socorro. Voltava-se aos indigentes, mas havia internação com enfermarias e apartamentos para pacientes particulares. Construção: recursos próprios de médicos, apoio dos Governos estadual e federal Custeio: contribuição de associados, receitas de particulares, subvenções do Governo estadual, IAPs Bairro do Alecrim Pavilhonar. (Hospital) Policlínica do Alecrim Hospital Evandro Chagas Observações Serviços foram transferidos para o Hospital Getúlio Vargas, em 1982. Hospital especializado em doenças infecto-contagiosas, atendendo preferencialmente enfermos pobres. Perfil da assistência Instituição hospitalar Ano base Contexto local Cenário nacional relevante Estado Novo: 1930 a 1945 (parte II) Tentativa de formulação de uma política nacional de saúde unificada. A ação preventiva era articulada nacionalmente pelo ministério e executada em associação entre este e os serviços estaduais. Criação dos IAPs destinados a financiar assistência a saúde curativa a categorias profissionais organizadas. Surgiram novos hospitais de particulares e do estado com ênfase na ação curativa. O edifício hospitalar passou a incorporar a verticalização e o zoneamento do espaço por diferentes funções. Crescimento demográfico e desenvolvimento urbanístico; assunção pelo Estado de funções de controle urbanístico e de provisão de infraestruturas e serviços públicos. Implantação de novos hospitais, ampliação e/ou reforma de existentes, sempre com novas características como: aumento da especialização dos serviços médicos, intensificação do caráter terapêutico da assistência hospitalar, novas tecnologias de diagnósticos. Presença mais intensiva de médicos. Criação da Sociedade de Medicina e Cirurgia, elemento de difusão de novos conhecimentos e tecnologias. Também aparece por primeira vez o hospital construído com recursos angariados por um grupo de médicos. Hospital Dr. Luiz Antônio Maternidade Escola Januário Cicco O período é marcado pela ação dos IAPs, que adquiriram maior solvência financeira, e pelo surgimento da medicina de grupo como os planos de saúde privados.Esses dois segmentos capitalizados para o consumo, somados a recursos federais e estaduais, propiciaram suporte financeiro para ampliação dos serviços de saúde de tipo curativo, com apoio em tecnologia diagnóstica e técnicas cirúrgicas. Apareceram os primeiros sinais de abertura para acesso de parcelas menos abastadas da população aos serviços terapêuticos em hospitais de grande porte e qualidade do serviço. Forte crescimento populacional da cidade e dinamização da economia urbana. Há fortalecimentos dos IAPs e surgem serviços de medicina de grupo. Ampliações de hospitais existentes e construções de novos hospitais pela iniciativa privada. Consolidação da presença do conhecimento médico-terapêutico nos hospitais, influenciando na sua organização. Operativo em 1949 Operativo em 1950 (início das obras: 1932) Iniciativa da Liga Norte-rio-grandense de Combate ao Câncer (LNCC). Administrada pela Sociedade de Assistência Hospitalar, de início. Foi Observações incorporada à UFRN em 1960. A princípio, um albergue para servir de abrigo para pacientes de câncer. Hospital especializado em obstetrícia e ginecologia. Havia enfermarias Aos poucos, foram sendo introduzidos os serviços de internação e e apartamentos para particulares, e serviços de apoio como nutrição, Perfil da tratamento. lavanderia, c. cirúrgico, laboratório de analises clinicas e farmácia. assistência Contava com médicos e irmãs para ajuda nos cuidados de pacientes. Construção: recursos próprios da LNCC e donativos Construção: doações da sociedade Recursos Custeio: Governo estadual financeiros Custeio: Governo estadual, recursos da LNCC e doações Bairro das Quintas Bairro de Petrópolis Localização Casa reformada sem registro gráfico. Casa de campo. Tipologia Instituição hospitalar Ano base Contexto local Cenário nacional relevante Redemocratização ao golpe militar: 1945 a 1964 (parte I) Operativo em 1952 (início das obras: 1948) Ano base Hospital João Machado Operativo em 1957 (início das obras: 1947) Sucedeu o antigo Hospital de Alienados, com Observações mudança de sede. Hospital geral com enfermarias e apartamentos Hospital especializado em doença mental. Introduzidos cuidados terapêuticos. para internação. Com centro cirúrgico, Perfil da laboratório de análises clínicas, raios-x, Havia médicos e irmãs de ordens religiosas assistência serviços de apoio como nutrição e lavanderia. para prestar assistência aos pacientes. Construção: recursos dos empreendedores e Construção e custeio: Governos estadual e Recursos empréstimos federal financeiros Custeio: IAPs e pacientes particulares Bairro de Morro Branco Localização Bairro do Tirol Pavilhonar. Pavilhonar. Tipologia Casa de Saúde São Lucas Instituição hospitalar Contexto local Cenário nacional relevante Redemocratização ao golpe militar: 1945 a 1964 (parte II) Bairro de Petrópolis Casa reformada sem registro gráfico. Operativo em 1959 Inicialmente uma casa reformada. Nos anos 1960, um edifício de dois pavimentos. Hospital geral, com 12 leitos de internação, centro cirúrgico, laboratório de analises clinicas, raios-x, ambulatório, e serviço de apoio como nutrição. Construção: recursos dos empreendedores Custeio: IAPs, clientes particulares, convênios Hospital Médico-Cirúrgico O período é marcado pela ação dos IAPs, que adquiriram maior solvência financeira, e pelo surgimento da medicina de grupo como os planos de saúde privados.Esses dois segmentos capitalizados para o consumo, somados a recursos federais e estaduais, propiciaram suporte financeiro para ampliação dos serviços de saúde de tipo curativo, com apoio em tecnologia diagnóstica e técnicas cirúrgicas. Apareceram os primeiros sinais de abertura para acesso de parcelas menos abastadas da população aos serviços terapêuticos em hospitais de grande porte e qualidade do serviço. Forte crescimento populacional da cidade e dinamização da economia urbana. Há fortalecimentos dos IAPs e surgem serviços de medicina de grupo. Ampliações de hospitais existentes e construções de novos hospitais pela iniciativa privada. Consolidação da presença do conhecimento médico-terapêutico nos hospitais, influenciando na sua organização. Localização Bairro das Quintas Pavilhonar Tipologia Bairro do Tirol Torre sobre pódio. Construção: Recursos próprios, FAS e bancários Custeio: Particular e convênios, INPS Bairro do Alecrim Torre sobre pódio. Construção e custeio: Governo do Estado e Federal Renomeado nos anos 1990 para Hospital Antônio Prudente Operativo em 1976 Hospital materno-infantil com 60 leitos, centro cirúrgico e obstétrico, berçário, raios-X, laboratório de análises clinicas e unidades de apoio como nutrição, lavanderia e administração. Operativo em 1971 Ampliado e reformado em 1966 Hospital Santa Helena Hospital geral com ênfase no atendimento de urgência e emergência, 150 leitos de internação, centro cirúrgico, ambulatório, laboratório de analises clinicas e unidades de apoio como nutrição, lavanderia e administrativa. Hospital Walfredo Gurgel Hospital Getúlio Vargas Inicialmente Hospital São João de Deus, passou a Getúlio Vargas em 1943. Em 1966, Observações houve modernização, ampliação e reforma de porte. Renomeado Giselda Trigueiro em 1990. Hospital especializado em tuberculose. Assistência prestada a tuberculosos indigentes por médicos e irmãs de ordens religiosas. Perfil da Havia 180 leitos, aparelho de raios-X, assistência laboratório de análises clínicas, serviços de apoio como nutrição, lavanderia e administrativos. Construção e custeio: Governos federal e Recursos estadual financeiros Instituição hospitalar Ano base Contexto local Cenário nacional relevante Ditadura militar: de 1964 a 1985 (parte I) Urbanização acelerada e concentração de renda agravam as condições de saúde pública do país. Embora o modelo assistencial previsse um sistema regionalizado e hierarquizado de unidades de saúde, ele funcionava precariamente e com ênfase em atendimento curativo. Os IAPs são unificados no INPS, uma hiperinstituição nacional, com um orçamento gigantesco, gerida ineficazmente. Houve expansão de leitos hospitalares privados, financiados e mantidos com recursos do INPS. O Ministério da Saúde promulga normas e padrões para projeto e construção de unidades físicas de saúde. Crescimento acentuado da população com ocupação predominante da periferia da cidade. Construção dos primeiros hospitais públicos concebidos como partes de um sistema de atendimento regionalizado e hierarquizado. Construção de hospitais privados especializados, tendo no INPS como maior financiador da prestação de serviços. Hospital especializado em pediatria, com 120 leitos, ambulatório, centro cirúrgico, urgência, raios-x, laboratório de análises clinicas e unidades de apoio como nutrição e administrativa. Operativo em 1984 Operativo em 1982 Recursos financeiros Bairro de Petrópolis Prédio reformado sem registro gráfico de sua implantação inicial. Construção: recursos próprios e bancários Custeio: receita de clientes particulares e de convênios Transformado em hospital de ortopedia e traumatologia, renomeado ITORN nos anos 1980 Hospital maternidade com 54 leitos, ambulatório, centro cirúrgico, raios-x, laboratório de análises clínicas e unidades de apoio como nutrição, lavanderia e serviços administrativos. Maternidade Santa Isabel Hospital PAPI Construção: recursos próprios, FAS e empréstimos bancários Custeio: receita de clientes particulares e de convênios Localização Bairro do Tirol Torre sobre pódio Tipologia Perfil da assistência Observações Instituição hospitalar Ano base Contexto local Cenário nacional relevante Ditadura militar: de 1964 a 1985 (parte II) Zona Norte Rua hospitalar. Hospital Geral, com 50 leitos, ênfase em clínicas de atendimento básico como pediatria, cirurgia, obstetrícia e ginecologia. Conta com serviços de urgência, ambulatorial, laboratório de análises clínicas, raios-x e unidades de apoio como nutrição, lavanderia e serviços administrativos. Hospital de referência local e de média complexidade. Construção: Governos estadual e federal Custeio: SUS Operativo em 1985 Hospital Santa Catarina Urbanização acelerada e concentração de renda agravam as condições de saúde pública do país. Embora o modelo assistencial previsse um sistema regionalizado e hierarquizado de unidades de saúde, ele funcionava precariamente e com ênfase em atendimento curativo. Os IAPs são unificados no INPS, uma hiperinstituição nacional, com um orçamento gigantesco, gerida ineficazmente. Houve expansão de leitos hospitalares privados, financiados e mantidos com recursos do INPS. O Ministério da Saúde promulga normas e padrões para projeto e construção de unidades físicas de saúde. Crescimento acentuado da população com ocupação predominante da periferia da cidade. Construção dos primeiros hospitais públicos concebidos como partes de um sistema de atendimento regionalizado e hierarquizado. Construção de hospitais privados especializados, tendo no INPS como maior financiador da prestação de serviços. Tipologia Localização Recursos financeiros Perfil da assistência Observações Instituição hospitalar Ano base Contexto local Cenário nacional relevante De 1985 ao presente (parte I) Operativo em 1998 (início das obras: 1988) Operativo em 1996 Zona Norte, Conjunto Parque dos Coqueiros Rua hospitalar Hospital materno-infantil, com 80 leitos, centro cirúrgico, UTI neo Natal, raios-x, laboratório de análises clínicas, mamografia, ultrassonografia e serviços de apoio como nutrição, lavanderia e farmácia. Construção: recursos próprios e bancários Custeio: receita de clientes particulares e de convênios Av. São José, bairro de Lagoa Nova Shopping center/hotel/residência Hospital especializado em pediatria, com 70 leitos, 6 leitos de UTI, urgência, raios-x, laboratório de análises clínicas, ultrassonografia, serviços de apoio como nutrição, lavanderia, farmácia. Construção: Governos estadual e federal Custeio: SUS Hospital Maria Alice Fernandes Hospital Promater Construção: recursos próprios, BNDES Custeio: receita de clientes particulares e de convênios Av. Beira Canal, no limite entre os bairros de Barro Vermelho, da Cidade Alta e do Tirol Torre sobre pódio Hospital geral com ênfase em ortopedia. Com 17 leitos, serviços de urgência, raios-x, laboratório de analises clinicas, centro cirúrgico, nutrição, lavanderia, farmácia e UTI. Operativo em 1990 Hospital Memorial A política de saúde trata a questão da saúde e do meio ambiente saudável como dever de Estado e direito universal do cidadão. O financiamento é garantido pelo Governo federal, mas a gestão é repartida entre União, estados, municípios e sociedade. Esses princípios são concretizados no Sistema Nacional de saúde (SUS), que deve enfatizar a ação preventiva. Formalmente o sistema esta universalizado e homogeneizado, mas sua concretização esta comprometida pela depreciação da rede e falência fiscal do governo federal. Tais problemas dão origem ao crescimento do negócio privado de atenção à saúde, com base em financiamento subsidiados (via BNDES) e sustentado pelos convênios e planos de saúde complementar, e também pelo SUS. A verticalização possibilitou que a população se concentrasse em algumas áreas centrais; o crescimento periférico adquire caráter metropolitano. Na ausência de investimentos em novos hospitais públicos, abrem-se possibilidades de mercado para as instituições privadas, principalmente pela ampliação do número de segurados por planos ou seguros privados de saúde. A instauração da concorrência pela clientela de seguros e planos deu origem a crises que levaram os hospitais privados a reenfocarem os serviços de alta complexidade, bem remunerados pelo SUS. Construção: recursos próprios e BNDES Custeio: receita de clientes particulares, de convênios e SUS Bairro do Tirol Torre sobre pódio. Construção: recursos próprios e BNDES Custeio: receita de clientes particulares, de convênios e SUS Bairro de Lagoa Nova Shopping center/hotel/residência Operativo em 2002 Hospital geral, com ênfase em cardiologia e oncologia, com 150 leitos de internação, centro cirúrgico, UTI, urgência, hemodinâmica, raiosx, laboratório de análises clínicas, ultrassonografia, serviços de apoio como nutrição, lavanderia, farmácia, almoxarifado e administrativos. Operativo em 2001 Renomeado em 2004 para Hospital UNIMED Operativo em 2000 Natal Hospital Center Hospital materno-infantil, com 54 leitos de internação, centro cirúrgico, UTI neo-natal, urgência em pediatria, raios-x, laboratório de análises clínicas, e serviços de apoio de nutrição, lavanderia, farmácia, administrativos e almoxarifado. Hospital Femina Hospital do Coração Hospital geral com ênfase em cardiologia. Com 58 leitos de internação, 13 leitos de UTI, urgência, centro cirúrgico, 25 consultórios, Perfil da raios-X, laboratório de análises clínicas, assistência tomografia computadorizada, hemodinâmica, ultrassonografia, serviços de apoio como lavanderia, nutrição farmácia, almoxarifado e administrativo. Construção: recursos próprios e BNDES Recursos Custeio: receita de clientes particulares, de financeiros convênios e SUS Localização Bairro de Lagoa Nova Shopping center/hotel/residência Tipologia Observações Instituição hospitalar Ano base Contexto local Cenário nacional relevante De 1985 ao presente (parte II) A política de saúde trata a questão da saúde e meio ambiente saudável como dever de Estado e direitos universais do cidadão. O financiamento é garantido pelo financiamento federal, mas a gestão é repartida entre estado e municípios e sociedade. Esses princípios são concretizados no Sistema Nacional de saúde (SUS) que deve enfatizar a ação preventiva. Formalmente o sistema esta universalizado e homogeneizado, mas sua concretização esta comprometida pela depreciação física e ética da rede e falência fiscal do governo federal. Tais problemas dão origem ao crescimento do negocio privado de atenção à saúde, com base em financiamento subsidiados (via BNDES) e sustentado pela potencialidade de geração de renda dos convênios e planos de saúde complementar. A verticalização possibilitou que a população se concentrasse em algumas áreas centrais; o crescimento periférico adquire caráter metropolitano. Na ausência de investimentos em novos hospitais públicos, abrem-se possibilidades de mercado para as instituições privadas, principalmente pela ampliação do número de segurados por planos ou seguros privados de saúde. A instauração da concorrência pela clientela de seguros e planos deu origem a crises que levaram os hospitais privados a reenfocarem os serviços de alta complexidade, bem remunerados pelo SUS. Anexo III