89 Uau! Buscando o Encantamento 02.07.1998 De tempo em tempo aparece um bordão ou um desses novos chavões para definir o tipo de atitudes ou tendências mais atualizado, traduzindo sinteticamente o momento ou determinadas situações atuais. Agora a palavra sinônima que representa o encantamento e a excelência numa organização é Uau! Grandes consultores de gestão estão dizendo que os clientes precisam sentir-se assim, totalmente Uau!, o que, traduzido objetivamente, é ser sabedor de que é preciso maravilhar a clientela. Que digam mesmo que o som pode até não ter simpática sonoridade, mas, segundo eles, se os clientes não se sentirem totalmente emocionados, extasiados, satisfeitíssimos então é porque você não conseguiu ser diferente e, afinal, provocar esse Uau! Foi assim que Tom Peters (123) chamou o encantamento nas empresas, em seu livro A Busca do Uau!. Diz ele: “Estar simplesmente no grupo dos que são comuns já não funciona. Fazer as coisas exatamente como sempre se fizeram ou como todo mundo faz ou, quem sabe, na linha média das coisas não conta ponto”. É difícil mesmo provocar contentamento nas pessoas sempre tão rígidas, presas, econômicas na capacidade de elogiar, de alegrar-se, mas as empresas precisam tentar isso. Enfim, segundo especialistas, essa obviedade de repetir as coisas e as práticas já não impressiona ninguém. O negócio é inovar, maravilhar e, no final, ouvir um simpático Uau! Provocar uma atitude maravilhosa, surpreender até os mais céticos e insensíveis. Deixar o cliente satisfeitíssimo, de “queixo caído”. Aquela roupa bem acabada, puxa vida, Uau! A Ferrari vermelhinha da silva, nela o escudo místico da marca do cavalinho galopante que percorreu fantásticas pistas de corrida. Que acabamento; e o motor nem se fala, linda de morrer! Quem não admira uma Ferrari? Mesmo sendo indiferente a “máquinas”, estou estupefato. Uau! Mil vezes Uau! Meu Deus! E o restaurante do sonho, a noite encantadora, daquelas de que nunca se esquece mesmo. E a comida? Simplesmente divina. Ah! E aqueles camarões com molho de acerola. O atendimento foi irretocável, cintilante; o serviço, incomparável; e, pasmem vocês, os preços absolutamente justos. Mais um Uau! E os olhos dela, bem no fundo, com aquele amor que você aguardou e esperou uma vida toda. Apaixonado. Uau! Amar, nossa, que Uau! O lucro daquela indústria foi esplendoroso neste ano, e todos os funcionários já estão recebendo uma parcela dos resultados. Que excelência, que preocupação com o capital humano naquela empresa. Uau! Ontem passou um clipe fantástico de Frank Sinatra (124) com Tom Jobim (125). Uau! Vocês viram o musical inesquecível de Fred Astaire (126) com aquele sapateado mágico, subindo pelas paredes? Ele dançava como se seus pés estivessem flutuando sobres nuvens. Uau! A Ginger Rogers (127) estava esplendorosa também ao lado dele. Uau! Luciano Pavarotti (128) cantando o Sole Mio em Roma: Uau! Uau! Ela é muito delicada. Uau! Fulano escolheu para sócio uma pessoa de grande reputação, um defensor dos padrões éticos nas empresas, Uau! Enfim, não é difícil que nenhuma dessas coisas aconteçam nas situações mais simples, e, assim, eventos pequenos podem se transformar em Uaus! É dessa busca de encantamento que vivem as pessoas. Todos querem sentir-se assim. Phillipe Starck (129), da Thompson Consumer Electronic, diz: “O que pessoas querem são produtos cordiais e algo que as seduza”. Afirma Tom Peters (123): “Tudo feito para que os clientes em perspectiva digam Uau!”. Uma forma superlativa de se sentir bem. Como se tudo fosse feito de verdade, absolutamente especial, pessoal, memorável, impulsionado por uma aura própria, gestos mágicos, alma, paixão, cuidados e valores bem definidos. Como se estivéssemos, por isso, comprometidos por princípios, Uau! É uma atitude absoluta, de tirar o fôlego e para emocionar. As empresas precisam cuidar todos os dias dessas atitudes, quebrando muitas das práticas tradicionais e, ao contrário, encontrando uma maneira nova de oxigenar sua missão institucional. Como se buscassem destinos que não são fixos, mas que se renovam, alterados em busca da qualidade. Afinal, como diz Anita Loos (130), “O destino continua acontecendo”. Ele nunca está mesmo pronto. Existem ainda tantas coisas a serem feitas. Shakespeare (87) disse que existem mais coisas no céu e na terra do que sonha sua vã filosofia. Só não dá mais é para ser tão mecânico, fazendo coisas repetitivamente, tudo tão monótono, tão uniforme e sem novidades. Oscar Wilde (131) definiu a uniformidade: “Ela é o último refúgio de quem de fato não tem imaginação”. Você acabou de ler meu artigo. Você gostou? Será que eu mereço um Uau!? Imagine se agora você tiver uma grande ideia por causa disso. Milhões de vezes Uau! (Artigo publicado no Jornal do Commercio, Caderno Economia & Negócios, Recife, PE, em 02.07.1998.) Notas: (123) Tom Peters (1942–): Guru da gerência de negócios de 1970 até o presente. Seu primeiro grande livro, em coautoria com Robert Waterman, In Search of Excellence, editado em português como Vencendo a Crise, foi um inesperado sucesso editorial. Seu combate incansável contra a imobilidade e a falta de paixão no trabalho o levou a ser radicalmente a favor da inovação, contra o kaizen (ou melhoria contínua), e a considerar o incrementalismo como o maior inimigo da inovação. Temas como a destruição criativa e a descontinuidade são ícones de seu alerta contra a predominância da mutabilidade dos mercados sobre a intenção de “continuidade” que é presumida pela maior parte das empresas. Imaginação e paixão são recomendadas em abundância para um mundo altamente competitivo. Atuando da perspectiva de um ativista sexagenário, ele tenta ferir mortalmente a engrenagem burocrática que vê envenenando o mundo dos negócios — resíduo do modelo racionalista —, mas sua luta continua, tendo o ponto de exclamação (!) como logotipo. Tom Peters gosta de dizer que é capaz de entrar numa empresa e, em quinze minutos, diagnosticar se os empregados estão satisfeitos ou não. (124) Francis Albert Sinatra (Hoboken, Nova Jérsei, 1915 – Los Angeles, 1998): Cantor e ator americano. Filho de dois imigrantes italianos, foi casado com Nancy Barbato e, posteriormente, com as atrizes Ava Gardner e Mia Farrow e com a socialite Barbara Marx, com quem terminou seus dias. Possui duas estrelas na Calçada da Fama, uma por seu trabalho no cinema e outra por seu trabalho na TV americana. É considerado um dos maiores intérpretes da música no século XX. Teve três filhos: Nancy Sinatra, Frank Sinatra Jr. e Tina Sinatra. Sem nenhum treinamento formal, Sinatra desenvolveu um estilo altamente sofisticado. Sua habilidade em criar uma longa e fluente linha musical sem pausas para respiração (recursos vocais normalmente encontrados em ópera) e sua manipulação de frases (apenas encontrada em Billie Holiday e Mabel Mercer), o fizeram chegar bem mais longe que o usual dos cantores pop. Sinatra apareceu em mais de cinquenta filmes, entre eles: Anchors Aweigh (1945); On The Town (1949); From Here To Eternity (1953), com o qual ganhou o Oscar; The Man With The Golden Arm e High Society (ambos de 1956); The Manchurian Candidate (1962); e The First Deadly Sin (1980). Fez parte do chamado Rat Pack, grupo de artistas muito ativo entre meados da década de 1950 e 1960. Teve seu próprio show de TV durante vários anos e, nos anos 1990 continuou na ativa em concertos e gravações, quando lançou uma série de duetos, inclusive via satélite, utilizando recursos da mais moderna tecnologia. (125) Antônio Carlos Brasileiro de Almeida Jobim (Rio de Janeiro, 1927 – Nova York, 1994): Mais conhecido como Tom Jobim, foi um compositor, maestro, pianista, cantor, arranjador e violonista brasileiro. É considerado um dos maiores expoentes da música brasileira e um dos criadores do movimento da Bossa Nova. Tom Jobim é um dos nomes que melhor representa a música brasileira na segunda metade do século XX e é praticamente uma unanimidade entre críticos e público em termos de qualidade e sofisticação musical. (126) Fred Astaire (Omaha, Nebraska, 1899 – Los Angeles, Califórnia, 1987): Foi um ator e dançarino estado-unidense. Dançou nos musicais como nenhum outro ator. Antes de Fred Astaire estrear no cinema, os dançarinos apareciam nos filmes apenas em partes, os pés, as cabeças e os torsos eram compostos na sala de edição. Astaire, por sua vez, exigia ser filmado de corpo inteiro. Para isso, eram necessários longos ensaios. Em seus filmes, Astaire conseguiu dar nova emoção à dança, fosse ela banal ou repleta de tragicidade. Sua interpretação enriquecia-se pelo que James Cagney chamava de o toque do vagabundo. Sempre trajado a rigor, seu charme tornou-se lendário. Fez sua primeira apresentação no palco aos 5 anos com a irmã Adele, que o acompanhava em revistas musicais nos anos 1920, em Londres. Estreou no cinema em 1915, fazendo uma pequena ponta e, em 1933, apareceu ao lado de Joan Crawford em Dancing Lady. Nesse mesmo ano, atuou no primeiro de uma série de dez filmes ao lado de Ginger Rogers. Os dois formavam uma parceria impecável (“Ele dava classe a ela, ela dava sex-appeal a ele”, explicou certa vez um diretor de estúdio). Hollywood tinha razão ao lhe conferir um Oscar especial, em 1949, por sua contribuição à técnica dos musicais no cinema. Ginger Rogers, claro, foi quem lhe entregou o prêmio. Em 1933, casou-se com Phyllis Potter, que morreu em 1954, e com quem teve dois filhos, Fred e Ava. Ele deixou de ser dançarino em 1968 para passar a interpretar papéis dramáticos. Fora dos estúdios, não gostava de dançar e dizia que as danças de salão o entediavam. Grande fã de corrida de cavalos, voltou a se casar em 1980, com a jóquei Robbin Smith, 35 anos mais nova que ele. Fred Astaire é citado na música Take You on a Cruise, do grupo de rock alternativo americano Interpol, e no título da música Quando Fui Fred Astaire, do cantor brasileiro Jay Vaquer. O arquiteto americano Frank O. Gehry projetou um edifício em Praga, República Tcheca, em homenagem ao casal Fred e Ginger. O edifício toma a forma do casal e parece mostrá-los em plena dança. (127) Ginger Rogers (1911–1995): Seu verdadeiro nome era Virginia Katherine McMath. Foi uma premiada atriz, dançarina e cantora do cinema e do teatro dos Estados Unidos da América. O nome Ginger surgiu, ainda menina, quando ganhou um concurso de Charleston no Texas. Sua mãe foi a grande incentivadora de sua carreira, que começou aos 15 anos em Vaudevilles. Aos 19 anos, estreou em Hollywood no filme Inconstância, produzido pela Paramount. Conheceu Fred Astaire na década de 1930 e com ele fez dez filmes musicais, tornando-se uma de suas mais célebres parceiras. Em 1941, recebeu o Oscar de melhor atriz por seu papel dramático em Kitty Foyle. Trabalhou em Hollywood até 1971 e se casou cinco vezes. Fez quase cem filmes entre musicais, comédias e dramas. (128) Luciano Pavarotti (Módena, 1935–2007): Cantor (tenor lírico) italiano, grande intérprete das obras de Donizetti, Puccini e Verdi, dentre outros em seu grande repertório. É reconhecido como o tenor que popularizou mundialmente a ópera. Pavarotti participou, com os tenores espanhóis José Carreras e Plácido Domingo, dos famosos concertos Os Três Tenores, e gravou duetos com Frank Sinatra, Ricky Martin, Laura Pausini, Spice Girls, Bryan Adams, Andrea Bocelli, Mariah Carey, Queen, Céline Dion, Eros Ramazzotti, Jon Bon Jovi, The Corrs, U2 e Roberto Carlos, entre outros, especialmente para causas beneficentes, nas quais se envolveu bastante. É considerado um dos mais importantes tenores de todos os tempos. Cantou nos mais importantes teatros mundiais, como o Teatro alla Scala (Milão), a Royal Opera House (Covent Garden, Londres), o Metropolitan Opera House (Nova York), dentre outros. Pavarotti esteve no Brasil sete vezes, a última delas em 2000, com uma apresentação de Os Três Tenores, no Estádio do Morumbi, em São Paulo. (129) Philippe Starck: Nasceu em 1949 em Paris e estudou na Escola Central de Artes Decorativas (École Centrale des Arts Decoratifs). Com 20 anos, dirigiu um escritório produzindo casas infláveis. Arquiteto e designer, continuou decorando ambientes, criando fachadas e construindo casas com arquitetura moderníssima. Faz parte do time de designers do renomado Giovanni Alessi desde a década de 1980, criando uma infinidade de objetos como o espremedor de frutas cítricas. Philippe Starck é ídolo entre os projetistas de produto e, sem dúvida, um designer que marcou este final de século XX. (130) Corinne Anita Loos (Sisson, Califórnia, 1889 – Nova York, 1981): Escritora estadunidense, mais conhecida por sua novela Os Homens Preferem as Loiras (Gentlemen Prefer Blondes), de 1925. Escrevia regularmente para as revistas Harper's Bazaar, Vanity Fair e The New Yorker. (131) Oscar Fingal O'Flahertie Wills Wilde (Dublin, 1854 – Paris, 1900): Foi um escritor irlandês criado numa família protestante que estudou na Portora Royal School, de Enniskillem, e no Trinity College, de Dublin, onde sobressaiu como latinista e helenista. Ganhou depois uma bolsa de estudos para o Magdalene College de Oxford. Wilde saiu de Oxford em 1878. Um pouco antes, havia ganho o prêmio Newdigate com o poema Ravena. Passou a morar em Londres e começou a ter uma vida social bastante agitada, sendo logo caracterizado por suas atitudes extravagantes. Foi convidado para ir aos Estados Unidos a fim de dar uma série de palestras sobre o movimento estético por ele fundado — o esteticismo, ou dandismo —, que defendia, a partir de fundamentos históricos, o belo como antídoto para os horrores da sociedade industrial, sendo ele mesmo um dândi. Em 1883, vai para Paris e entra para o mundo literário local, o que o leva a abandonar seu movimento estético. Volta para a Inglaterra e casa-se com Constance Lloyd, filha de um rico advogado de Dublin, indo morar em Chelsea, um bairro de artistas londrinos. Com Constance, teve dois filhos, Cyril, em 1885, e Vyvyan, em 1886. O melhor período intelectual de Oscar Wilde é o que vai de 1887 a 1895. Em 1892, começa uma série de bem-sucedidas comédias, hoje clássicos da dramaturgia britânica: O Leque de Lady Windernere (1892), Uma Mulher Sem Importância (1893), Um Marido Ideal e A Importância de Ser Fervoroso, (ambas de 1895). Publica contos como O Príncipe Feliz e O Rouxinol e a Rosa (que escrevera para os seus filhos) e O Crime de Lord Artur Saville. O seu único romance foi O Retrato de Dorian Gray. Em maio de 1895, após três julgamentos, foi condenado a dois anos de prisão, com trabalhos forçados, por cometer atos imorais com diversos rapazes. Wilde escreveu uma denúncia contra um jovem chamado Bosie, publicada no livro De Profundis, acusando-o de tê-lo arruinado. Bosie era o apelido de Lorde Alfred Douglas, um dos homens de que se suspeitava que Wilde fosse amante. Foi o pai de Bosie, o Marquês de Queensberry, que levou Oscar Wilde ao tribunal. No terrível período da prisão, Wilde redigiu uma longa carta a Douglas. A imaginação como fruto do amor é uma das armas que Wilde utiliza para conseguir sobreviver nas condições terríveis da prisão. Apesar das críticas severas a Douglas, ele ainda alimenta o amor dentro de si como estratégia de sobrevivência. A imaginação, a beleza e a arte estão presentes na obra de Wilde. Após a condenação, sua vida mudou radicalmente, e o talentoso escritor viu, no cárcere, serem consumidas sua saúde e reputação. No presídio, o autor de Salomé (1893) produziu, entre outros escritos, De Profundis, o clássico anarquista, A Alma do Homem sob o Socialismo e a célebre Balada do Cárcere de Reading.