O Conceito de Kopschmerz na Filosofia de Werner Schmoe Jerry Zucchini Inuvik University, Canada Werner Schmoe (1829-1893) é um filósofo alemão pouco conhecido. Não publicou nenhuma obra de grande porte, inspirado pelo movimento estético do Infrarealismus, que criou. Suas idéias sobreviveram graças as suas cartas, às estórias que escrevia nos guardanapos de mesas de bar, e aos relatos de pessoas que o conheceram. Costuma-se dividir sua obra em três períodos: a do jovem Schmoe, a do velho Schmoe, e a do morto Schmoe. Alguns autores consideram que o conceito de Nada é o fio condutor de sua obra. Concordo que isto é verdade em seu último período, mas defendo aqui que o conceito fundamental que norteou sua carreira é o de Kopfschmerz. Kopfschmerz é um conceito de difícil tradução. A tradução usual é de “dor de cabeça”, mas parece-me mais preciso um neologismo como “dor-aí-em-cabeça”. Os especialistas já estabeleceram que a primeira referência a Kopfschmerz ocorreu em 1852, numa aula ministrada por Schmoe no Gymnasium de Aachen. Esta referência consta das notas de aula da então jovem Annabelle Klein (1852). Falava sobre a reprodução das plantas, quando um aluno interrompeu-o, perguntando-lhe: “Herr professor, podemos dizer que antes do universo e antes de Deus havia nada?” Schmoe empalideceu, sentou-se, e após alguns minutos de profunda meditação, pôs a mão na cabeça e exclamou “Kopfschmerz, não, não há nada!”. Encerrou subitamente a aula, e não temos mais anotações de Klein para este dia. É, sem dúvida, uma locução enigmática. O crítico Adolf Schickelgruber (1961, p. 87), editor de suas cartas amorosas, considera o encerramento da aula “o símbolo metaverbal do (meta)nada que (não) há além do vácuo do nada espacial e temporal”. Em minha dissertação de doutorado, apresentei um relato que consegui casualmente, de um descendente de Xavier Brugg, amigo de Schmoe e difusor do zen budismo na comunidade cigana aacheniana (Zucchini, 1978, p. 31). Certo dia, Schmoe visitou Brugg e lhe perguntou o célebre koan zen-budista: “Podes ouvir o som de duas mãos que aplaudem. Mostra-me agora como aplaude uma única mão”. O astuto Brugg nada respondeu. Após vários minutos de absoluto silêncio, Schmoe reclamou: “Não vale! Você já sabia a resposta!”, ao que Brugg retrucou com um sonoro tapa no rosto de Schmoe, dado com apenas uma mão. Schmoe deixou a casa do amigo praguejando, acometido de uma forte dor-aí-em-cabeça. 1 O jovem Schmoe foi o fundador do movimento estético do Infrarealismus. Cito: “O infrarealismo aspira ao número 2, é a visão de mundo que deixa de aspirar à completude, à unidade, que se considera reles, inferior à realidade. [...] O infrarealismo não tem definição, pois está sendo construído. É uma doutrina contingente acidental, que existe porque eu a criei”. Seu colega Hans Riefenstahl, morto prematuramente, aplicou estas idéias na literatura infrarealista, baseado no princípio de que “o conteúdo deve estruturar a forma e a forma deve permear o conteúdo”. Werner Schmoe tinha também preocupações políticas. Propôs incluir um terceiro “a” no nome da cidade, “Aachen”, de forma a que aparecesse sempre em primeiro lugar nas enciclopédias. Revoltou-se quando sua moção não foi aprovada, e terminou preso, acometido de uma forte dor-aí-em-cabeça. É deste período sua célebre frase “As palavras são apenas 20% de ação!”. Acabou sendo exilado, indo morar na cidade holandesa de Maastricht, às margens do rio Mosa, onde conseguiu um emprego esculpindo lápides no cemitério da cidade. Propôs incluir um terceiro “a” no nome da cidade, mas neste caso não tinha um argumento tão forte quanto no caso anterior. Schmoe foi casado duas vezes, em 1849, com Abigail Briest, que fugiu com um jogador de bridge, e em 1855, com a filha de um comerciante inglês, Henrietta Coolidge. No meio tempo, teve possivelmente algumas relações homossexuais, sendo notória sua admiração excessiva pelo filósofo dinamarquês Søren Kierkegaard, a quem propôs incluir um terceiro “a” em seu nome. Não se conhecem as cartas que mandou para Kierkegaard, mas é célebre uma frase deste a Schmoe, em resposta a uma carta em que o alemão afirmava que “Achar que você está amando é o mesmo que você de fato amar.” Kierkegaard escreveu, em 1853: “Iludir a si mesmo por amor é a mais terrível decepção, é uma perda eterna para a qual não existe reparação, quer neste mundo, quer na eternidade”. Em sua fase de velhice, marcada pela transição para Maastricht e pelo niilismo, Schmoe ficou fascinado pelas “palavras que não podem ser ditas”, após um sonho em que acordou com uma forte dor-aí-em-cabeça. Em uma palestra sobre o assunto, passou uma boa parte da sessão sem dizer nada, o que prejudicou sobremaneira sua aceitação pela comunidade dos filósofos da cidade. Fascinado pelo Nada, defendia inicialmente que o nada-em-si não era representável pela ciência. Esforçou-se então em exprimir artisticamente o Nada, mas não obteve bons resultados. Voltou atrás de sua opinião anterior, e decidiu investigar empiricamente o Nada. Conseguiu um revólver emprestado do guarda do cemitério, e deixou um bilhete, no qual explicou sua última tentativa de apreender o Nada. “Concentrarei todas as forças na mão. Se, 2 ao morrer, eu me deparar com Nada, fecharei a mão esquerda. Se não me deparar com Nada, deixarei a mão aberta.” Deu um tiro em sua têmpora esquerda, e foi acometido de uma fortíssima Kopfschmerz, morrendo com a mão esquerda aberta. No entanto, o filósofo catalão Ferdinando Navarra (1944, p. 46) considera que sua experiência não tem muita validade, já que a comoção cerebral pode ter provocado uma “reação de Waldorf”, que distende todos os músculos do corpo. Sob o signo da inconclusão inicia-se o terceiro Schmoe. Deixarei a análise desta fase para outra oportunidade. Werner Schmoe se caracterizou como um espírito arguto, que não se deixou iludir pela fama. Recusava-se a virar um nome na capa de um livro. No entanto, contrariando sua vontade, estamos editando um volume em sua homenagem, a ser editada em parceria com Adolf Schickelgruber. Alunos que queiram participar deste projeto são bemvindos. Werner Schmoe é o exemplo vivo do nada que se tornou alguma coisa! Referências bibliográficas Klein, A. (1852). Caderno manuscrito “Naturgeschichte”, seção “Die Blume”. Aaachen: Aaachen Gymnasium. Navarra, F. (1944). El onanismo en filosofía. México: Fondo de Cultura Económica, México. Schickelgruber, A. (1961). Der Metanihilismus von Werner Schmoe. Frankfurt: Suhrkamp Verlag. Zucchini, J. (1978). The concept of head-there-in-ache in the philosophy of Werner Schmoe. Santa Cruz: University of California. 3