LUTAS E CONQUISTAS DOS MOVIMENTOS SOCIAIS DE POLÍTICAS DE ENSINO SUPERIOR PARA OS POVOS DO CAMPO Ladjane Fidelis Felinto Maria do Socorro Xavier Batista RESUMO Este texto é parte de um relatório de pesquisa que busca analisar as políticas de Educação Superior para os povos do campo e tem como objetivo principal a análise dos cursos superiores da Universidade Federal da Paraíba voltados para os sujeitos do campo. Foram analisados dois programas: Pronera (Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária) e o Procampo (Programa de Apoio à Formação Superior em Licenciatura em Educação do Campo). O texto apresenta discussões sobre Movimentos Sociais, Educação Popular, Educação do Campo, Políticas Públicas e Ensino Superior. . Palavras-chave: Educação do campo; movimentos sociais; Ensino superior RÉSUMÉ Ce texte fait partie d'un rapport de recherche qui analyse les politiques d'enseignement supérieur pour les gens de terrain et a pour principal objectif l'analyse de l'enseignement supérieur à l'Université fédérale de Paraíba face au champ du sujet. Nous avons analysé deux programmes: Pronera (Programme national de l'éducation dans la réforme agraire) et Procampo (Programme d'Appui à l'enseignement supérieur Licence en éducation dans le domaine). Le texte présente des discussions sur les mouvements sociaux, l'éducation populaire Campagne d'éducation, en politique publique et l'enseignement supérieur. Mots-clés: éducation rurale, des mouvements sociaux, l'enseignement supérieur 2 LUTAS E CONQUISTAS DOS MOVIMENTOS SOCIAIS DE POLÍTICAS DE ENSINO SUPERIOR PARA OS POVOS DO CAMPO As lutas dos movimentos sociais por uma Educação do campo A Educação do Campo defendida pelos movimentos sociais é um tipo de educação que precisa ser desenvolvida de acordo com os interesses dos/as trabalhadores/as do campo, que possa permitir uma ampla discussão acerca da realidade política, social e cultural deste grupo social, valorizando suas especificidades, suas condições de existência e o contexto sócio-histórico em que vivem sem se desvincular da conjuntura nacional. E assim se faz a exigência de que a educação promova uma aprendizagem significativa e real, a qual enfatize a proposta de aprender não somente a ler as palavras, mas também, a interpretar a estrutura social na qual estão inseridos através de um processo pedagógico dialógico onde seja debatida e discutida a realidade da escola e da comunidade. Além disso, a Educação do Campo deve estar preocupada com a formação humana construída com a mobilização, a participação efetiva dos sujeitos do campo em favor de um novo modelo de desenvolvimento social e econômico sustentável e solidário. Segundo Fernandes (2004), o conceito de Educação do Campo nasceu em julho de 1997, quando houve a realização do I Encontro Nacional de Educadores e Educadoras da Reforma agrária (I ENERA), no campus da Universidade de Brasília, promovido pelo MST, em Parceria com a própria UnB, o UNICEF, a UNESCO e a CNBB. O conceito de Educação do Campo é novo. [...] Surgiu como denúncia e como mobilização organizada contra a situação atual do meio rural: situação de miséria crescente, de exclusão/expulsão das pessoas do campo; situação de desigualdades econômicas, sociais, que também são desigualdades educacionais, escolares [...]. Uma das mais marcantes características da Educação do Campo é sua indissociabilidade do debate sobre os modelos de desenvolvimento em disputa na sociedade brasileira, e o papel do campo nos diferentes modelos. A especificidade mais forte da Educação do Campo, em relação a outros diálogos sobre educação, deve-se ao fato de sua permanente associação com as questões do desenvolvimento e do território no qual ele se enraíza. A afirmação de que só há sentido o debate sobre Educação do Campo como parte de uma reflexão maior sobre a construção de um Projeto de Nação é consenso entre os que se reúnem em torno desta luta (JESUS, 2007, p. 15). O paradigma da Educação do Campo foi gestado no seio dos conflitos e lutas dos movimentos sociais pela terra e pela Reforma Agrária. Este toma como ponto de partida à realidade e a luta camponesa por reforma agrária; valoriza o fazer pedagógico em educação e a produção de 3 cultura e, ao mesmo tempo, busca delinear qual o melhor caminho teórico-metodológico que a educação deva seguir. Para tanto, a Educação do Campo precisa ser entendida a partir do conceito de Educação Popular, uma vez que esta está diretamente ligada à luta dos movimentos sociais de caráter popular, que nasceram fora da escola, mas como concepção de educação, tem influenciado também a educação escolar. A Educação Popular faz opção pelo resgate da função social da educação através de um novo projeto de sociedade e traz em seus fundamentos um projeto de educação humanista e revolucionária. Paulo Freire defende essa perspectiva em sua obra Pedagogia do Oprimido (1987) que nos possibilita entender o amplo sentido de emancipação como resposta para o ato pedagógico enquanto prática que permite trabalhar a sensibilidade humana reconstruindo sua existência participando efetivamente na formação do grupo social. A finalidade primeira da prática educativa segundo as bases propostas na Pedagogia do Oprimido é possibilitar ao sujeito entender a história como processo e não algo pronto e acabado e neste sentido perceber-se como sujeito. É preciso que a educação esteja em seu conteúdo, em seus programas e em seus métodos adaptada ao fim que se persegue; permitir ao homem chegar a ser sujeito, construir-se como pessoa, transformar o mundo, estabelecer com os outros homens relações de reciprocidade, fazer cultura e a história (Freire l980, p.39). Os eixos pedagógicos que fundamentam esta concepção de Educação do Campo englobam a Pedagogia Crítica que tem como objetivos a promoção de uma educação política, com vistas à emancipação, justiça e igualdade social; a referência teórica da Educação Popular discorrida na obra Pedagogia do Oprimido de Paulo Freire, que introduz o diálogo como princípio educativo em busca da emancipação dos sujeitos do campo e a idéia de educação política, da cultura do oprimido e da reflexão crítica como instrumento de superação da situação de opressão; e, por último, a Pedagogia do Movimento, que se caracteriza pelo emprego das experiências explícitas e implícitas desenvolvidas pelos movimentos sociais, que pensa o movimento como princípio educativo. Os movimentos sociais do campo entendem que para rediscutir a atual situação do campo brasileiro, também precisam rediscutir o modelo de educação existente, pois entendem que a educação neste contexto precisa ser diferente, alternativa no sentido de buscar atender os reais interesses do camponês. Dessa forma, a Educação do Campo fundamentada na Educação Popular enquanto ideário de libertação, expresso através dos princípios contidos no pensamento freireano torna-se uma matriz orientadora deste processo de mudança educacional, contribuindo para a construção de um projeto de vida digna para quem vive no e do campo. 4 Ordenamento jurídico das políticas de educação do campo A Lei de diretrizes e Bases da Educação Nacional Lei nº 9.394 de 1996 foi o marco da inserção da educação do campo na política educacional ao afirmar, em seu artigo 28, a possibilidade de adequação curricular e metodologias apropriadas ao meio rural; flexibilizar a organização escolar, com adequação do calendário escolar. Especialmente porque as constituições anteriores apesar de mencionarem a educação não mencionaram a educação rural. Assim, apoiado na LDB de 1996 (Lei nº 9394/96 -arts.3º. 23, 28 e 61) que reconhece a diversidade sócio-cultural e o direito à igualdade e à diferença, houve a possibilidade da definição de Diretrizes Operacionais para a educação do campo sem, no entanto, romper com um projeto de educação global do país. A abertura introduzida por esse artigo da LDB possibilitou que fosse construído no país um processo de mobilização social em torno da construção de Diretrizes Operacionais para Educação Básica nas Escolas do Campo, o qual além de retomar o debate sobre a situação da escola do campo ainda possibilitou um aprofundamento fecundo sobre a concepção de espaço rural e de campo, possibilitando a partir de várias experiências da sociedade civil e algumas do poder público, afirmar uma proposta de Educação do Campo que a sociedade deseja construir. A despeito do que determina o Art. 28 da LDB/96, citado anteriormente, sobre as adaptações necessárias na oferta de Educação Básica para a população rural e a partir da organização dos Movimentos Sociais, algumas políticas públicas começaram a aparecer no cenário nacional e estadual, direcionando a Educação a ser desenvolvida no meio rural. Assim houve uma confluência entre os interesses e demandas dos movimentos que encontraram eco na lei que define as bases da educação possibilitando que em 2002 houvesse a aprovação das Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo, que no Parecer 36 de 2001 que fundamenta a Resolução 01 CNE-CEB/2002 ressalta a diversidade cultural dos povos do campo: “A educação do campo, tratada como educação rural na legislação brasileira, tem um significado que incorpora os espaços da floresta, da pecuária, das minas e da agricultura, mas os ultrapassa ao acolher em si os espaços pesqueiros, caiçaras, ribeirinhos e extrativistas. O campo, nesse sentido, mais do que um perímetro não-urbano, é um campo de possibilidades que dinamizam a ligação dos seres humanos com a própria produção das condições da existência social e com as realizações de sociedade humana.”1 Registra-se, ainda, no Art. 28 das Diretrizes, a possibilidade de na oferta da Educação Básica para a população rural os sistemas de ensino promoverem adaptações para que haja adequação às peculiaridades da vida rural e de cada região, especialmente no tocante aos conteúdos curriculares e metodologias apropriadas às reais necessidades e interesses dos alunos da 1 Sobre as Diretrizes ver BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Diretrizes operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo. Brasília, DF, 2001. 5 zona rural; à organização escolar própria, incluindo adequação do calendário escolar às fases do ciclo agrícola e as condições climáticas; e à adequação a natureza do trabalho na zona rural. Nesse sentido a busca por políticas públicas que satisfaçam as necessidades dos povos do campo, se repercute em dois programas identificados como Pronera e Procampo, programas que promovem o Ensino Superior para a educação do campo, os quais se caracterizam como Políticas Públicas de Desenvolvimento do Campo. Estes Programas partem da organização dos Movimentos Sociais do Campo, que através de reflexões e práticas estabelecidas em suas organizações, ao integrarem a Articulação Por Uma Educação do Campo, formam atualmente uma das mais significativas expressões de mobilização pela afirmação da Educação do Campo no Brasil, ao reunirem em sua composição, órgãos do poder público, ONGs e Movimentos Sociais do Campo. Um dos maiores indicativos da organização de todas as entidades têm sido as pressões feitas sobre os órgãos governamentais no sentido de atuar na política de educação, o que se tem tido um resultado significativo na ação e no esforço de determinadas Secretarias de Educação para se tornar mais sensíveis à inclusão da Educação do Campo em sua agenda política, criando espaços e situações em que as especificidades do campo sejam reconhecidas e valorizadas. As políticas públicas de desenvolvimento do campo promovidas pelo governo federal a partir dos Programas implementados pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário abarcam diversos aspectos que se traduzem em ações de reforma agrária, de apoio à agricultura familiar, de crédito, de assistência social, de assistência técnica. Dentre estes Programas podemos destacar o PRONAF (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar), que cria condições de financiamento e de seguro contra adversidades climáticas para os pequenos produtores familiares e os Territórios da Cidadania, que promovem o desenvolvimento econômico e a cidadania dos povos do campo numa perspectiva social sustentável. Muitas vezes em parceria com outros Ministérios como o da Educação, da Justiça e do Trabalho, essas políticas também desenvolvem ações para a sustentabilidade, a saúde, a educação e a infra-estrutura das áreas rurais. No que se refere às políticas de educação e, em especial, à implementação de Programas de formação de profissionais em nível superior, o Ministério do Desenvolvimento Agrário e o Ministério da Educação têm respondido a essa reivindicação com a criação, respectivamente, do PRONERA (Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária) em 1998 e da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (SECAD) em 2004. O PRONERA atende aos assentados das áreas da reforma agrária com a alfabetização de jovens e adultos, a escolarização em nível fundamental, médio e superior e a formação técnico-profissional. A SECAD é responsável, dentre outras iniciativas, pelo PROCAMPO (Programa de Apoio à Formação Superior em Licenciatura em Educação do Campo), que promove a criação de cursos de Licenciatura em Educação do Campo nas 6 universidades públicas de todo o país, no intento de formar educadores para á docência nos anos finais do Ensino Fundamental e Ensino Médio nas escolas do campo. O PRONERA, em seus 10 anos de atuação, foi responsável pela formação em nível superior de cerca de 3 mil jovens e adultos das áreas de reforma agrária, tendo iniciado a oferta de cursos superiores no estado do Rio Grande do Sul em 1998 com a abertura do curso de Pedagogia em convênio com a Universidade Regional do Nordeste do Estado do Rio Grande do Sul (UNIJUÍ). Atualmente, oferece cursos de graduação em vários estados do país contemplando as mais diversas áreas do conhecimento: Geografia, Agronomia, Zootecnia, Pedagogia, Administração, Engenharia Agronômica, Direito, História, Artes, Ciências Agrárias, Medicina Veterinária e Letras. Na Paraíba, segundo o INCRA, o Programa já beneficiou, desde sua criação, cerca de 300 alunos com a implantação e execução de 4 cursos superiores, sendo: 2 Cursos de Licenciatura em História, 1 Curso de Licenciatura em Ciências Agrárias, 1 Curso de Licenciatura em Pedagogia e 1 Curso de Especialização em Residência Agrária. Estes dados revelam a Paraíba como o estado do Nordeste que mais oferece cursos superiores para assentados da reforma agrária. O PROCAMPO, iniciado em 2007, está sendo executado em 4 universidades públicas do Brasil numa experiência de projeto-piloto do Ministério da Educação. Oferecendo 220 vagas no total, a Universidade de Brasília, a Universidade Federal de Minas Gerais, a Universidade Federal de Sergipe e a Universidade Federal da Bahia estão desenvolvendo de maneira inovadora um projeto pedagógico multidisciplinar de formação de educadores do campo para atuarem nas séries finais do Ensino Fundamental e no Ensino Médio. Fundamentos e estratégias metodológicas do PRONERA no Ensino Superior O PRONERA, no âmbito do Ensino Superior, apresenta como objetivo principal a formação profissional de jovens assentados, mediante cursos de graduação ou pós-graduação, em diversos campos do conhecimento, qualificando os sujeitos que vivem e trabalham no campo para a promoção do desenvolvimento sustentável das áreas de reforma agrária. Os cursos oferecidos pelo PRONERA, nesse sentido, atuam com base na diversidade cultural e sócio-territorial, na gestão democrática e na produção de conhecimento científico coerente com os interesses dos sujeitos do campo. A promoção dos cursos é conduzida em parceria entre os movimentos sociais, o INCRA, as Universidades. Essa parceria possibilita a gestão participativa, que distribui as responsabilidades entre todos os parceiros efetivando uma construção coletiva na elaboração, no acompanhamento e na avaliação dos cursos oferecidos. Os movimentos sociais atuam mobilizando os jovens e adultos moradores das áreas de reforma agrária, quantificam a demanda educacional e participam da 7 elaboração e do acompanhamento dos cursos. O INCRA coordena o Programa no âmbito da Superintendência e articula a participação de outras entidades para assegurar a promoção dos cursos. As Universidades responsabilizam-se pela execução dos cursos, organizam o quadro docente responsável e discutem a aplicação dos recursos. Quanto aos princípios teóricos, políticos e pedagógicos percebe-se no PRONERA alguns elementos da concepção de educação defendidos pelos movimentos sociais, uma vez que ele é fruto das reivindicações dos movimentos sociais do campo, que ao longo da sua história vêm colocando na pauta de discussões e ações a necessidade de implantar e fazer executar políticas de educação para o campo de acordo com suas realidades, suas culturas e suas peculiaridades. Desse modo, o PRONERA, assim como outros projetos educativos para as áreas de assentamentos, se baseia nos princípios da Educação do Campo. O Manual de Operações do PRONERA esclarece que o Programa é articulado por vários ministérios; de diferentes esferas do governo; de instituições e movimentos sociais e sindicais de trabalhadores (as) rurais para qualificação educacional dos assentados da Reforma Agrária (2004, p.17). Como se vê é um Programa direcionado para acampados e assentados de áreas de Reforma Agrária legalizadas pelo INCRA ou por órgãos estaduais de terras, quando existe a parceria formal entre o INCRA e esses órgãos. O PRONERA funciona a partir de quatro princípios político-pedagógicos: a Inclusão, a Participação, a Interação e a Multiplicação. O princípio da Inclusão visa, a partir da indicação das demandas educativas, a ampliação das condições do acesso à educação e a garantia da construção dos direitos de cidadania a todos os jovens e adultos que vivem nas áreas de Reforma Agrária. A cidadania é aqui considerada como o reconhecimento de acesso a um conjunto de condições básicas para que a identidade do sujeito do campo se construa pela dignidade, solidariedade e não só pela propriedade. O princípio da Participação pretende assegurar o envolvimento das comunidades das áreas de Reforma Agrária em conjunto com os parceiros do Programa no processo de elaboração, execução e tomada de decisões nos cursos oferecidos pelo Programa. O planejamento participativo, suposto num trabalho interdisciplinar, poderá constituir uma mediação eficiente no fortalecimento de propostas de caráter emancipatório. A Interação é pensada no sentido de desenvolver a articulação entre os parceiros do PRONERA no intuito de estabelecer uma relação permanente entre esses sujeitos sociais pela via da promoção da educação continuada e da profissionalização dos sujeitos do campo. Por fim, com o princípio da Multiplicação, o PRONERA visa ampliar o número de educadores e educadoras da Reforma Agrária e de profissionais que atuarão na promoção do desenvolvimento sustentável dos assentamentos. 8 Além destes, os princípios teórico-metodológicos que orientam a prática educacional do PRONERA são: o Diálogo, na perspectiva de valorização dos diferentes saberes, do respeito à cultura do grupo e as produção coletiva do conhecimento. A partir da teoria dialógica de Freire, ao entender o diálogo como um dos elementos fundamentais no processo de superação da condição de oprimido e no fortalecimento na luta por um projeto emancipatório, essa teoria dialógica focaliza questões de uma pedagogia voltada para a libertação do ser integralmente. Trata-se não apenas de uma libertação da voz, da palavra, trata-se de desmistificar falsas verdades que calam o sujeito e libertam do silêncio de tantas opressões sofridas pelas classes populares. Nesse entendimento, a teoria dialógica vem como facilitadora das relações sociais de solidariedade corroborando para a construção de uma sociedade mais justa e humana. Neste sentido, o exercício do diálogo é fundamental para afirmar a palavra e o pensar, como enfatiza Freire (1987, p. 160): O diálogo com as massas não é concessão, nem presente, nem muito menos uma tática a ser usada [...]. O diálogo como encontro dos homens para a “pronúncia” do mundo é uma condição fundamental para a sua real humanização. A Práxis apresenta-se na construção de uma prática educativa que se baseia no movimento de ação-reflexão-ação e na perspectiva de transformação da realidade, com uma dinâmica de ensino/aprendizagem que, simultaneamente, valorize e provoque o envolvimento dos educandos e educandas em ações sociais concretas e que auxilie na interpretação crítica e no aprofundamento teórico necessário a uma atuação transformadora. A Transdisciplinaridade enfatiza o processo de constituição de uma educação que contribua para inter-relação e articulação entre os conteúdos e os saberes locais, regionais e globais, tornando-se imprescindível que os sujeitos possam identificar suas necessidades e potencialidades e busquem estabelecer relações que contemplem a diversidade dos campos sociais, culturais, políticos, econômicos, de gênero, geração e etnia.Dessa forma, a educação do PRONERA se pretende problematizadora, dialógica e participativa. A metodologia utilizada é própria de uma abordagem interdisciplinar do currículo em torno de eixos temáticos e palavras-chave que suscitam situações-problema a partir da história e da experiência de vida dos trabalhadores-educandos, integrando os conteúdos pedagógicos às necessidades da comunidade e estimulando a participação ativa do aluno com base numa relação dialógica. Para que esses princípios sejam atendidos, deve-se fazer uso de instrumentos didáticopedagógicos de uma educação problematizadora, dialógica e participativa. Isto significa pensar um 9 processo de aprendizagem-ensino que comporte três etapas básicas: investigação dos grandes temas geradores que mobilizem a comunidade ou o grupo e que podem ser transformados também em eixos temáticos estruturadores do currículo; contextualização crítica dos temas geradores identificados privilegiando uma abordagem histórica, relacional e problematizadora da realidade; processos de aprendizagem-ensino que se vinculem a ações concretas de superação das situações-limite do grupo. Os cursos devem contemplar as situações-problema vivenciadas pelos assentados, a fim de que os alunos encontrem soluções para eles e simultaneamente se capacitem. Serão desenvolvidos conforme o princípio da metodologia da alternância caracterizada por dois momentos: tempo de estudos desenvolvidos nos centros de formação e o tempo de estudos desenvolvido na comunidade. Na comunidade são realizados estudos e pesquisas que levem a uma reflexão teórico-prática das questões pertinentes à Educação do Campo, os problemas de ensino-aprendizagem, à gestão escolar, entre outros que subsidiarão as intervenções práticas. Estas atividades serão orientadas e acompanhadas por professores(as), especialistas e alunos(as) universitários. O tempo destinado às pesquisas e aos estudos na comunidade não poderá ultrapassar 30% da carga-horária total dos cursos. Fundamentação político-pedagógica dos cursos do PROCAMPO O PROCAMPO (Programa de Apoio à Formação Superior em Licenciatura em Educação do Campo) atua como projeto inovador, que pretende articular conhecimento teórico e prática. Para atingir esse objetivo, a licenciatura é multidisciplinar com abordagem de quatro áreas: linguagens e códigos – onde o aluno adquire formação para trabalhar em português, literatura e artes; ciências da natureza e matemática, que capacita para lecionar matemática, química, física e biologia; ciências humanas e sociais, para trabalhar com filosofia, sociologia, história, geografia; e ciências agrárias. Segundo o MEC, o PROCAMPO deve atuar apoiando projetos de licenciatura específicos em Educação do Campo, que tenham por base o ensino, a pesquisa e a extensão, promovendo a valorização da cultura do campo, a reflexão e o debate de questões relevantes e relacionadas à realidade dos sujeitos do campo. Esses projetos devem considerar as alternativas de organização escolar e pedagógica, possibilitando a ampliação da oferta de educação básica nas comunidades rurais e a superação das desvantagens históricas sofridas pelos sujeitos do campo. Os cursos oferecidos e apoiados pelo PROCAMPO devem observar os princípios constitucionais da gratuidade e da igualdade de condições de acesso ao ensino, devem ter embasamento jurídico apoiado na Constituição Federal, na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e nos principais Pareceres e Resolução sobre Educação, em especial, Educação do Campo e Formação de Educadores. 10 Os cursos, para serem apoiados pelo PROCAMPO, devem apresentar um diagnóstico da demanda, quantitativa e qualitativamente, justificando a necessidade de formação dos professores do campo no contexto dos anos finais do Ensino Fundamental e do Ensino Médio no âmbito das comunidades a serem atendidas pelo projeto, evidenciando o perfil e características sociais, culturais e econômicas de suas populações. Além disso, devem indicar os impactos social-acadêmicos do projeto no âmbito institucional, mostrar claramente os objetivos propostos e a coerência da justificativa/objetivos do projeto com os objetivos do PROCAMPO, estar articulados, envolvidos com instituições dos sistemas estaduais e municipais de ensino e com um conjunto de movimentos sociais e sindicais do campo ou Comitês Estaduais de Educação do Campo e apresentar a contribuição do projeto político-pedagógico do curso para o desenvolvimento da Educação Básica no campo. A fundamentação político-pedagógica dos cursos apoiados pelo PROCAMPO deve contemplar vários aspectos que são relevantes para o desenvolvimento de propostas de Educação do Campo. Primeiro, considerar a realidade social e cultural específica das populações a serem beneficiadas, sendo elaborados com a participação dos Comitês/Fóruns Estaduais de Educação do Campo, onde houver, e dos sistemas estaduais e municipais de ensino. Em segundo lugar, as condições metodológicas e práticas devem fomentar a formação de educadores que possam tornar-se agentes efetivos na construção e reflexão dos projetos político-pedagógicos das escolas do campo. Os critérios e instrumentos para a seleção dos alunos dos cursos do PROCAMPO, com o intuito de contribuir para o atendimento da demanda por formação superior dos professores das escolas do campo, dão prioridade àqueles em efetivo exercício nos anos finais do Ensino Fundamental e Ensino Médio das redes de ensino. O PROCAMPO estabelece a organização curricular por etapas equivalentes a semestres regulares cumpridas em regime de alternância entre tempo-escola e tempo-comunidade, favorecendo o intercâmbio de períodos intensivos de formação presencial no campus universitário e períodos intensivos de formação presencial nas comunidades camponesas, com a realização de práticas pedagógicas orientadas. Dessa forma, o Programa pretende articular conhecimento teórico e prática. Com relação ao currículo dos cursos apoiados pelo PROCAMPO, este apresenta um projeto pedagógico inovador, numa abordagem multidisciplinar que abrange as seguintes áreas de conhecimento previstas para a docência: Linguagens e Códigos; Ciências Humanas e Sociais; Ciências da Natureza e Matemática; e, Ciências Agrárias. Os alunos podem, no decorrer do curso, fazer opção por uma formação específica em até duas destas áreas. 11 Conclusões A Educação do campo é uma construção das lutas e das experiências dos movimentos sociais. Ela assume uma perspectiva de práxis, pois é um corpo teórico que resulta das práticas educativas desenvolvidas ao longo das lutas pela reforma agrária. Ela é uma expressão da cidadania que se faz na luta, que exige os direitos essenciais dos homens e mulheres do campo, entre os quais a educação destaca-se como um dos mais importantes. Ela é a negação da negação a que os sujeitos do campo foram submetidos em termos de acesso a uma educação de qualidade; é uma positividade que afirma que todos devem ter direito à educação e que o poder público tem a obrigação de assumir. O movimento reclama que no âmbito do direito à igualdade, as políticas devem respeitar as diferenças. Assim, a diversidade dos povos do campo deve ser contemplada com uma educação de qualidade que na perspectiva da inclusão precisa ser diferenciada respeitando a diversidade cultural que lhes é peculiar. Portanto, ela reclama a emergência das culturas camponesas e um projeto de sociedade libertador e sustentável seja contemplado na educação escolar. Esse clamor dos Movimentos Sociais buscou apoio do poder público e de organizações da sociedade civil como os Conselhos Estaduais e Municipais de Educação, a SEF/MEC, o Conselho Nacional dos Secretários Estaduais de Educação - CONSED, da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação - UNDIME, as Universidades e instituições de pesquisa, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável, das ONG’s e através de uma articulação organizou e sistematizou propostas que embasaram o ordenamento jurídico das políticas e programas de educação focalizadas para as populações do campo. Referências BRASIL. Ministério da Educação; Conselho Nacional de Educação. Parecer 36/2001, aprovado em 04 de dezembro de 2001, institui as Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo. BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Agrário. Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária. Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária: PRONERA: manual de operações. 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