Movimentos sociais no Vale do Araguaia/MT: fim das utopias?
José Bertoldo Brandão Filho
AGB – Rio de Janeiro
Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) - mestrando
NUCLAMB / Geografia / UFRJ - pesquisador
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RESUMO
Nas últimas décadas os movimentos sociais vêm passando por profundas
transformações em seus formatos e em suas relações com o capital e com o Estado. Os
setores que defendiam mudanças profundas no modo de produção e nas relações sociais
não conseguiram evoluir e implantar suas propostas, a partir de mudanças estruturais.
Os novos processos, que se desenvolvem no âmbito da globalização da economia e
domínio do capital financeiro e das novas tecnologias, no atual contexto da nova
divisão do trabalho, necessitam de uma nova leitura.
Este trabalho tem como objetivo fazer uma breve análise das transformações
ocorridas no âmbito dos movimentos sociais no Vale do Araguaia/MT, a partir dos anos
1970 e dos reflexos exercidos pelos agentes da igreja católica, da teologia da libertação,
na formação de lideranças e nos processos atuais, principalmente na educação formal
ou alternativa, cujos processos implicam em reestruturação territorial no cerne das
atuais formas de reprodução do capital.
São análises comuns as de que os movimentos sociais se esvaziaram em suas
bases e suas lideranças foram cooptadas pelos espaços formais do planejamento e da
gestão do território, enquanto outros movimentos que surgiram não têm mais o viés
produtivo como base de suas lutas e reivindicações econômicas.
Portanto, algumas questões são objetos de análises: Qual o significado das novas
formas de atuação dos movimentos sociais? Qual o viés político-ideológico que
conduziu a militância dos anos 70? Qual o viés que conduz as atuais formas de inserção
no Vale do Araguaia?
Seriam os movimentos sociais capazes de construir uma nova
ordem econômica e social articulando-se com os aparatos institucionais, sob o controle
do modo de produção capitalista?
PALAVRAS-CHAVES: Movimentos sociais; Vale do Araguaia, MT; utopias
1
Mudanças nos cenários do capital e nos movimentos sociais?
As mudanças no capitalismo, no trabalho e nos movimentos sociais, a partir dos
anos 80, parecem convergir para uma análise comum, em torno da quais as proposições
para a promoção de grandes transformações sociais, cuja ação política se restringe ao
viés economicista, envolvendo a produção e o trabalho, perdeu o seu potencial frente ao
cenário da globalização. Este “novo” cenário exige a redefinição de nossos instrumentos
de interpretação dos movimentos sociais.
Os estudos desenvolvidos por Gorz (1980), Evers (1983 e 1984), Habermas
(1984) e Offe (1984 e 1989), que alcançam grande repercussão no mundo acadêmico na
década de 80, evidenciam estas mudanças. Portanto, as mudanças nas formas de
organização dos movimentos sociais e em suas políticas frente ao capital e ao Estado,
são inerentes aos novos processos do modo de produção hegemônico, cujo contexto
implica em maiores complexidades nas relações capital-trabalho e, por sua vez, nas
composições e nos conflitos classistas.
As proposições restritas ao viés economicista, sem incorporar as complexidades
no campo das relações culturais e políticas não conseguiram se articular com os anseios
concretos e pragmáticos das bases dos movimentos sociais e se incorporaram às novas
propostas de atuação nos espaços governamentais.
Para o marxismo, no campo da fundamentação teórica, a práxis transformadora
do social é fundamental, que se realiza em conexão com a atividade teórica, por meio
das atividades produtivas e políticas (Gohn, 2006). Nas condições atuais de organização
das relações sociais e de produção, os conceitos de classes parecem serem objetos de
mudanças.
Nesse contexto, os movimentos sociais também passam por intensas mudanças
nas suas formas. Estas formas parecem também ser diferentes de acordo com a tipologia
dos movimentos. Há os que já assumem o papel de gestão do território em alianças com
os poderes públicos, na lógica da reprodução do capital e há os que, por sua vez, criam
novas formas de embate ao sistema estabelecido.
Entende-se que os formatos de organização dos movimentos sociais não são
homogêneos, assim como não são homogêneas as composições de interesses de classes
que atuam no interior de cada tipologia de movimento. Entretanto, na atual fase,
parecem-nos mais complexas as suas formas de atuação. A pluralidade de interesses no
interior dos movimentos sociais pode também significar a procura de novos formatos de
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organização, negociação ou confronto com as forças hegemônicas, representadas pelo
Estado ou representadas diretamente pelo capital. Essas novas formas significam
refluxos de mobilização como estratégias de resistência ou enfrentamento, ou assinalam
para o retorno de mobilizações com novos formatos de organização?
Portanto, as formas contêm processos, realizam funções e são também
manifestações de estruturas. Parafraseando Ribeiro (2005), “as formas contêm energias
coletivas e, ao mesmo tempo, expressam os limites de sua manifestação num
determinado contexto” (p.17). A observação das formas orienta a compreensão da
essência e a busca de definições para a compreensão das mudanças contextualizadas em
um novo paradigma de produção, de relações sociais, submetidas às diretrizes da
acumulação do capital no âmago da divisão territorial do trabalho.
Apesar das mudanças globais e de tentativas de homoneizar as ações dos
diferentes agentes territoriais, de diferentes interesses de classes e diferentes territórios,
há singularidades histórico-culturais e econômicas dos lugares, ainda que estes estejam
em parte submetidas às leis gerais do modo de produção predominante, cujas leis por
sua vez, orienta os níveis de organização do capital, das relações de trabalho e dos
movimentos sociais, em um determinado contexto relações sociais e produtivas.
No Brasil, em muitas regiões, como no Centro-Oeste, a política de incentivos
fiscais, ao estimular a expulsão dos pequenos agricultores, também desenraizou os
latifundiários. O governo ainda estimulou e acelerou as modificações nas relações de
trabalho e introduziu e difundiu novas tecnologias, máquinas, defensivos, herbicidas,
aliados aos incentivos fiscais para a introdução da modernização capitalista no campo,
com vistas a atender ao grande capital.
Segundo Martins (1982),
a questão não foi somente a dos posseiros, dos parceiros e arrendatários
pobres. Os pequenos proprietários, como os colonos do projeto Canarana, no
sul da BR-158, viviam uma situação nada fácil. A Canarana foi um projeto
de colonização particular e de assentamento de lavradores procedentes do
Rio Grande do Sul, da região de Tenente Portela, que se instalaram em Mato
Grosso, em Barra do Garças” (p. 116).
Esses lavradores, apesar de trabalharem de forma organizada e com máquinas
modernas, no plantio e colheita de arroz nos anos 80, estavam endividados e se diziam
“empregados do Banco do Brasil”. Nesse contexto, a expansão do capitalismo no
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campo, incentivado pelo governo federal, tendo à frente as grandes empresas, pode ser
ilustrado pelo seguinte fluxograma.
MIGRAÇÃO PARA NOVAS TERRAS
Desenvolve
Atrai
Grande contingente
populacional
Agricultura de subsistência
Acarreta
Valorização da terra
Mudança de objetivos políticos
Implantação de grandes empresas e cooperativas
Expulsão para novas terras
ou cidades
Aproveitamento da mão-de-obra
do pequeno proprietário
Ou
Fonte: CNBB, 1977.
O fluxograma acima nos mostra que o capitalismo no campo se reproduz através
da mobilidade de força de trabalho rural migrante, trabalhadores sem terra ou pequenos
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produtores, que na fase inicial desmatam, plantam agriculturas de subsistência ou para a
acumulação simples, “amansam” a terra e a valorizam para a entrada do capital em
grande escala, comandados pelas grandes corporações capitalistas, mercado financeiro e
apoio do Estado nacional. Estes aproveitam mão-de-obra de pequenos proprietários ou
de trabalhadores imigrantes especializados. Os demais trabalhadores, o excedente de
mão-de-obra ou os que perdem a posse ou propriedade da terra, migram para outros
espaços menos valorizados e, possivelmente, podem seguir sempre migrando.
Obviamente, devem-se considerar a existência dos nativos, indígenas ou posseiros,
antes ocupantes dos espaços das novas fronteiras do capital.
O Vale do Araguaia, localizado na parte leste do estado de Mato Grosso, limites
com os estados de Goiás, Tocantins e ao norte com o estado do Pará, foi palco de
movimentos populares de defesa dos pequenos produtores rurais, posseiros e nações
indígenas, nos anos 1970. Por outro lado, no referido contexto, o capital sob a proteção
do Estado keynesiano, representado pela ditadura militar, investiu na expansão das
novas fronteiras de Mato Grosso, com distribuição de terras e incentivos fiscais para os
grupos capitalistas que ocuparam a região. Mortes, torturas de lideranças e agentes
sociais foram os cenários dos conflitos entre os interesses do capital sob a proteção do
Estado, contrapondo-se àqueles que defendiam os interesses dos estratos sociais em
processo de exclusão na região.
Repercussão das políticas públicas do governo militar na região
Segundo Pedroso et. alii (2004), até a década de 1960, o envolvimento do
Estado na evolução da fronteira agrícola manteve-se reduzido. A expansão das frentes
de atividades produtivas foi basicamente espontânea. De acordo com Muller (1990), “a
participação governamental, freqüentemente tardia, ocorria apenas quando deficiências
de infra-estrutura ameaçavam a viabilidade das frentes de agricultura comercial” (p.50).
No início da década de 1970 as políticas governamentais passaram a estimular a
ocupação da Amazônia na esperança de que, em pouco tempo, pudesse se tornar
importante região agrícola. Como isso não aconteceu, a princípio, o interesse
governamental voltou-se novamente aos cerrados, mais bem situados em relação aos
crescentes mercados do Centro-Sul, marcando, assim, o início do desenvolvimento
agrícola na região Centro-Oeste, apoiado por programas governamentais.
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O Planto de Integração Nacional (PIN), criado em 1970, é um dos principais
programas organizados nos governos da ditadura militar, com a função financiar o plano
de obras de infra-estrutura nas regiões compreendidas nas áreas da Superintendência
para o Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE) e da Superintendência para o
Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM) e promover a integração entre as regiões. Os
projetos de colonização e exploração das áreas situadas ao longo das rodovias foram
efetuados com os recursos do PIN.
Informes da SUDAM em 1977 assinalavam que vultosos investimentos foram e
continuam sendo feitos, representando grande massa de recursos oriundos dos
orçamentos convencionais da União e dos Estados ou fundos e programas especiais,
com vistas a potencializar o suporte aos investimentos da iniciativa privada e apoio a
novas iniciativas governamentais.
Instituto de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) criado em 1970, tem
como objetivos promover a colonização das “áreas vazias” e propiciar mão-de-obra para
a valorização da Amazônia Legal. Além de não resolver os conflitos existentes o
INCRA criou outros conflitos e aumentou a violência no campo, não resolvendo os
problemas do pequeno produtor agrário, dos posseiros e das nações indígenas na região,
favoreceu grilagens e apoiou a expulsão de posseiros (Pedroso, 2004).
A ação do INCRA parece ser contraditória com a sua filosofia. A sua doutrina
firmada de dar prioridade à solução dos casos marcados por forte tensão social. Mas
quase sempre a distribuição da terra ou a regularização da situação fundiária se faz
acompanhada de forte repressão às lideranças, classificadas como subversivas, diz
Martins (1982). Aparentemente quer fazer reforma agrária em alguns lugares do país,
sem tocar no latifúndio, afirma A Comissão Pastoral da Terra - CPT (2001).
A ação da igreja da teologia da libertação no Médio Araguaia
No contexto dos regimes autoritários instalados na América Latina, no âmbito da
“Guerra Fria”, em especial no Brasil, nos anos 60, os conflitos no campo, o aumento da
pobreza e da violência, mobilizaram a cúpula da igreja católica, aliada a alguns setores
evangélicos. No encontro de Medelin, na Colômbia, o Conselho Episcopal Latino
Americano (CELAM), a partir do Concílio Vaticano II, criou a Teologia da Libertação.
Para Boff (1980, p. 87), “o quadro de degradação apresentado na América
Latina é o fundamento gerador do conceito de libertação”, significando a “ação que visa
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criar espaço para a liberdade” (Op. Cit., p. 87). Ser livre, neste sentido, é não estar sob
o jugo da lei alheia; é poder construir-se autonomamente. O processo histórico da
América Latina tem sido dominado por diversas leis estranhas a ela.
Assim, no início dos anos 70, a igreja católica representada pela Prelazia de São
Felix do Araguaia iniciou um trabalho de conscientização através da educação e saúde,
tendo à sua frente padres, freiras e leigos comprometidos com os projetos da teologia da
libertação. A microrregião de São Felix do Araguaia, dominada por grileiros e
latifundiários, contava com grupos indígenas em processo de dizimação, pequenos
agricultores, antigos posseiros e trabalhadores rurais em regime de semi-escravidão, que
estavam sendo pressionados e expulsos pelos novos agentes econômicos.
Em 1976 passou a se desenvolver um nível de organização popular através dessa
Prelazia, a partir das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), coordenada pelo bispo
Dom Pedro Casaldáliga. Os movimentos sociais tinham como contraponto a
implantação do capital na região, via novas empresas que contavam com o apoio do
Estado, na figura do governo militar, através de subsídios para a nova fronteira do
capital.
Até fins dos anos 70 tinham sido aprovados para os municípios de Barra do
Garças e Luciara, 66 (sessenta e seis) projetos do governo federal e, posteriormente,
outros novos já foram criados, como o da Bordon S/A (Frigorífico Bordon); Nacional
S/A (Banco Nacional de Minas Gerais), cujo presidente era o então ministro das
Relações Exteriores, Magalhães Pinto; o da Uirapuru S/A (do jornalista-latifundiário,
David Nasser), entre outros.
As áreas compradas por alguns dos empreendimentos
agropecuários, em
território da Prelazia, eram absurdas, destacando-se a Agropecuária Suiá-Missu S/A
com 695.843 ha, que corresponde a aproximadamente a 300.000 alqueires, área superior
a de muitos territórios estaduais, de propriedade de uma única família paulista, a família
Ometto. Destacam-se também a Companhia de Desenvolvimento do Araguaia
(CODEARA), com 196.497 hectares, a Agropasa, com 48.165 ha., a Urupianga, com
50.468 hectares., a Porto Velho, com 49.994 hectares, e assim sucessivamente (Sterci,
1987).
Este novo processo de ocupação do solo, na Região do Araguaia, implicou em
aumento da violência no campo e, como formas de resistência e luta pelo território, os
movimentos sociais, articulados com as estruturas da igreja, se organizaram e passaram
a ter papel central na defesa dos posseiros, pequenos proprietários, trabalhadores sem
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terra e povos indígenas. As lideranças que conseguiram sobreviver às pressões do
sistema ocuparam outras instâncias ao nível sindical ou institucional do Estado, ou das
Organizações não Governamentais (ONGs).
Os movimentos sociais na atual fase de reprodução capitalista
Diversos autores apontam para o fato de que a produção mudou suas formas
depois dos anos 70 e transformou o pensamento cultural, econômico e político. Tudo é
absorvido pelo mercado. Parece que aí fica mais clara a análise marxista de que tudo é
mercadoria. Na nova fase tudo é mercadoria de consumo cada vez menos durável. Essa
avalanche de rápidas mudanças, junto com a nova divisão do trabalho implica em
maiores complexidades para os estudos da nova dinâmica dos movimentos sociais.
A ideologia consumista aumenta o individualismo e acelera a queda das utopias.
O pensamento independente ficou acuado porque tudo está subordinado ao mercado. O
modo de vida no rural torna-se cada vez engessado ao modo de vida urbano,
caracterizado como principal espaço de realização da acumulação do capital e, os novos
espaços urbanos parecem cada vez mais esquizofrênicos em suas formas.
A partir dos anos 90, os setores que atuavam no interior dos movimentos sociais
e que conseguiram hegemonia na condução dos rumos dos movimentos optaram pelos
pactos mais amplos no planejamento e gestão do território, atuando no aparelho de
Estado em diversas escalas, preocupando-se em ocupar espaços políticos, manter ou
obter visibilidade pública e “equilibrar” os conflitos inerentes às relações capitaltrabalho, controle dos processos de acumulação do capital, exclusão/inclusão
econômica, social e política, através das relações estruturadas no local, na região,
articuladas com os eventos globais dominantes, nos âmbitos da produção e da
circulação.
Essa problemática se deu tanto ao nível urbano como ao nível rural e as
estratégias universalizaram-se, mesclando-se idealismo político, defesa de interesses
classistas com práticas políticas, às vezes elitistas, desviadas dos interesses coletivos de
propostas iniciais dos movimentos sociais e dos partidos “comprometidos” com
mudanças estruturais.
É importante considerar que setores dos movimentos sociais atuais se
configuram pelos combates aos eixos das políticas neoliberais, ou seja, contra as
privatizações, pela reforma agrária e urbana, com algum destaque pontual para
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movimentos étnicos e de gênero. A igreja, assim como o Estado, também “mudou” suas
formas de relações com os movimentos sociais, em virtude da nova face do capital e dos
pactos políticos de classes em torno da governabilidade, o que parece atingir a todas as
categorias de movimentos sociais.
No que concerne aos movimentos do Vale do Araguaia mato-grossense, na atual
conjuntura, mudam as formas, as intensidades e as direções, num contexto em que o
papel da prelazia de São Felix do Araguaia na organização dos movimentos sociais
continua existindo, mas significativamente debilitado pela atual orientação da cúpula da
igreja, na qual a teologia da libertação parece adquirir menor expressão, num contexto
em que proliferam as igrejas pentecostais e novas formas de mobilização da população
rural e urbana resultam em diferentes formas de organização espacial, tais como os
assentamentos rurais, que por sua vez ocorrem e se solidificam engessados ao espaço
urbano.
Na fase atual, seguindo-se as mesmas diretrizes pautadas em uma nova divisão
territorial do trabalho, com base na flexibilização das relações entre capital e trabalho,
para sua reprodução e expansão, utilizando-se de novas fronteiras, encontram, por um
lado, diferentes formas de inserção de antigos e novos agentes, inseridos nos aparelhos
de Estado e, por outro lado, sindicatos, associações de classes de pequenos produtores,
posseiros, que permeiam as interfaces entre o nível institucional e a autonomia em
relação ao Estado, ou seja, usam estratégias de pactos, tentando por outro lado, manter
independência em relação às estruturas burocráticas do mesmo.
Estes movimentos sociais, mais engessados às instituições estatais, reivindicam
legitimação dos direitos à posse da terra, aos instrumentos de financiamento da
produção e infra-estruturas logísticas para viabilização dos projetos de subsistência
econômica, frente aos espaços do capital e do Estado, mantendo-se em posições
políticas às vezes dúbias e contraditórias em relação aos discursos verbalizados em tom
de oposição ao capital e ao Estado, nas figuras dos governantes, visto que necessitam
estar articulados com alguma instância de poder para legitimar os encaminhamentos de
suas reivindicações.
Em geral, os antigos e os novos militantes estão atuando através dos poderes
legislativos e executivos regionais, ou atuando nas instituições educacionais, na
formação de professores e nas Organizações não Governamentais (ONGs), com relativa
autonomia política e poder reivindicatório formal, ou articulados com os poderes
legislativos e executivos locais, ou seja, há uma certa funcionalidade do sistema, no qual
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os movimentos sociais atuam como sub-sistemas, legitimando a ação do capital via
instituições democráticas, mas que na essência ocultam as contradições das relações
capital-trabalho e dos processos de inclusão/exclusão.
Na atual divisão territorial do trabalho pode-se dizer que os modelos de
movimentos sociais pautados na produção fordista e no modelo político keynesiano se
esgotaram e dão passagem para novas formas de organização sem centralidade
partidária e sindical, seguindo os novos trâmites de organização social exigidas pela
reprodução do capital na atual fase de modernização. Nesse sentido, as dicotomias
existentes entre reprodução e organização social reformam as relações capitalistas e
pulverizam a proposta de mudanças estruturais vigentes até a existência da bipolaridade
entre capitalismo e socialismo.
Fragmentação e globalização, na dialética da vida cotidiana e nos formatos
reproduzidos nos movimentos sociais, fazem parte de uma mesma lógica, com base nos
interesses e na hegemonia dos centros econômicos e de poder ao nível global.
Entretanto, entre fragmentação e globalização há uma teia de processos heterogêneos,
difíceis de compreendê-los sem a compreensão da totalidade que articula as partes e o
todo. Os movimentos sociais, como sujeitos de transformações encontram sérios limites,
na compreensão de seus papéis como agentes transformadores ou em suas práticas
políticas e econômicas, na ação territorial e espacial.
Considerações finais
Os movimentos sociais contêm, em sua gênese, o histórico de resistências e lutas
contra as desigualdades sociais e econômicas, produtos de dominação de classes e,
portanto, produto de relações econômicas e sociais no cerne da reprodução capitalista,
cujos processos indicam que para lutar por um mundo melhor, por melhores condições
econômicas e sociais, é preciso ter utopias.
Na lógica de uma sociedade organizada em classes, à medida que os estratos “da
base piramidal” conseguem avançar no sentido de controlar os instrumentos políticos e
econômicos, os que possuem a hegemonia econômica e política reagem com os
instrumentos que possuem, desde a desqualificação dos símbolos dos “dominados” até o
uso da violência física.
O movimento do capital segue linhas que oscilam entre crises e abundância, com
desenvolvimentos econômicos e recessões diferenciadas entre territórios e classes
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econômicas, políticas e sociais. Os movimentos sociais também seguem essa lógica.
Entram em crise, se reformulam e retomam às vezes com novos formatos. Às vezes
servem como alavanca para novos impulsos da acumulação capitalista; outras vezes, são
os impulsos da acumulação capitalista que servem como alavanca para novas mudanças
nas formas de atuação dos movimentos sociais. A ascensão e as crises são trabalhadas
no âmbito das conjunturas locais ou nacionais, no cerne dos caminhos tortuosos da
acumulação do capital. Os movimentos sociais tendem a reproduzir as contradições do
modo de produção capitalista no interior de suas organizações. Seriam então os
movimentos sociais oxigênios necessários às mudanças estruturais do modelo de
acumulação?
Os movimentos sociais, em especial os rurais e urbanos estiveram sempre muito
centrados em conceitos de inclusão econômica e política, não conseguiram resultados
mais expressivos, uma vez que a unidade interna em torno de um objetivo mais comum
sempre foi difícil e até impossível. A fragmentação facilitou a exclusão de setores
minoritários e inclusão de setores ou lideranças que galgaram instâncias institucionais
de poder.
A complexidade da fase atual implica em maior diversidade de interesses no
interior dos movimentos sociais. As crises que se manifestam podem também significar
a procura de novos formatos de organização, negociação ou confronto com as forças
hegemônicas, representadas pelo Estado ou representadas diretamente pelo capital. Ou
seja, os refluxos de mobilização podem significar o retorno de mobilizações, com novos
formatos de organização.
Nos atuais processos, torna-se evidente que um paradigma global, que possibilite
a construção de uma nova sociedade só será possível através de uma outra lógica de
reprodução econômica e de relações sociais, o que implica em novas formas de relações
de poder construídas sob outras formas de hegemonia e de valores, a partir da base da
pirâmide social, sem contaminação dos valores competitivos, selvagens e doentios,
predominantes nas relações capitalistas.
Apesar dos limites deste trabalho para aprofundar questões complexas, entendese que os novos processos sociais no Vale do Araguaia contêm elementos do velho
modelo ideológico, mas se reproduzem no interior da lógica atual da reprodução do
capital, navegando entre a autonomia em relação aos seus interesses e as possibilidades
de atendimentos de suas reivindicações através dos pactos de classes.
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