MOVIMENTOS SOCIAIS, ASSESSORIA E PESQUISA ACADÊMICA NA
EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS
Antonio Carlos de Souza
UNICASTELO / SP
Resumo: O pensar e o fazer acadêmicos podem cooperar com as associações populares,
auxiliando-as técnica e pedagogicamente na educação de jovens e adultos, expressando, dessa
forma, o compromisso social do professor-pesquisador com as mudanças sociais necessárias
para uma sociedade de democracia ampliada.
Palavras-chaves: Movimentos Sociais, Educação de Jovens e Adultos, Ensino e Pesquisa.
Os movimentos sociais podem ser compreendidos em dois momentos distintos
associados às relações que estabelecem com o Estado no período recente de nossa história. O
primeiro momento é relativo ao período ditatorial em que as relações entre governantes e
governados ocorriam de maneira opressiva e distante de qualquer ordenamento, além daquele
formalizado pelo aparato jurídico e militar de repressão às demandas populares.
Foi o momento heróico, centrado na espontaneidade dos movimentos pelo fato de
serem uma quebra dentro do sistema político, de surgirem como alguma coisa nova que, de
certa maneira, iria substituir os instrumentos de participação até então disponíveis como
partidos, associações e outros (Cardoso, 1994, p. 82).
Os movimentos sociais que no final dos anos 70 emergiram e, principalmente, na
década de 80, por exemplo, na cidade de São Paulo, em grande parte foram impulsionados
pela atuação da Igreja Católica empolgada pela opção pelos pobres naquilo que ficou
conhecido como teologia da libertação.
O discurso eclesial adepto da teologia da libertação valorizava a questão da
autonomia popular atribuindo para as Cebs a missão de impulsioná-la: a educação popular,
traduzida em tarefas específicas, permite ao povo criar os instrumentos próprios a sua
organização e ação política, sem ônus para a comunidade eclesial (Betto, 1981, p. 46).
Na derrocada do regime ditatorial, iniciou-se a segunda fase dos movimentos sociais
que
Corresponde mais ou menos ao começo do processo de “redemocratização”,
quando o sistema político começa a abrir novos canais de comunicação e de
participação até então parcialmente bloqueados. Isso começa a acontecer a partir de
1982 com as eleições estaduais (Cardoso, 1994, p. 83).
Inicia-se uma outra forma de participação (final dos anos 80 em diante) que leva esses
movimentos a relacionarem-se mais diretamente com as agências públicas. Momento em que
os conselhos de participação foram criados, desde o conselho da mulher até o conselho do
negro, de habitação, de saúde, conselho da criança criado pelo Estatuto da Criança e do
Adolescente (ECA). “Há uma ampliação do modo de gerir as áreas de políticas públicas com
a aceitação e abertura de espaços novos onde os movimentos sociais entram – tudo isso de
modo parcelado” (Idem, p. 83).
A derrocada do autoritarismo na sua forma militar-ditatorial motivou a organização
de associações, entidades de classe, partidos políticos, entre outras formas orgânicas. O
processo de democratização exigiu do movimento social que se legitimasse, já que o Estado
legitimava-se perante a sociedade devido em grande parte aos amplos processos eleitorais
que instauravam a alternância nos poderes culminando nas eleições presidenciais de 1989.
Dito de uma outra maneira, o Estado como interlocutor somente reconheceu às
organizações legalizadas, impulsionando parcerias entre o Mercado, a Sociedade e ele
próprio, Estado, notadamente nos municípios.
As parcerias que entraram em modo nos municípios são, pois, alternativas de
dupla face. De um lado, podem, sim, significar um instrumento político
manipulado de acordo com os interesses dominantes de classe através de um
prefeito qualquer e seus ajudantes de plantão, representantes do autoritarismo.
Então, em vez de democracia pela descentralização e transferência de poder, o que
pode ocorrer é uma simples transferência de encargos à sociedade; coisas que já
eram direitos do cidadão e dever do Estado executar. Em vez de novas parcerias –
numa relação de iguais – onde houvesse decisões conjuntas sobre os fundos
públicos, pode ocorrer uma transferência de migalhas de recursos públicos, e
ainda como se fosse uma benesse de quem está no poder para com seus clientes;
poderíamos chamar tal mecanismo de “neoclientelismo”. No entanto, de outro
lado, as parcerias no município podem, também, significar um jeito novo e
eficiente de produção de uma nova cultura política que potencialmente funda
bases de transformação da relação Estado-sociedade no todo (Munarim, 1997, p.
20-1).
Poderíamos afirmar que, tantas vezes, a aproximação das entidades populares ao
Estado, em quaisquer de seus níveis, ocorra numa relação de tensão entre o controle e a
autonomia das mesmas entidades. Essa ambivalência se expressa na medida em que as
associações populares necessitam do reconhecimento estatal, portanto, de algo que traz a
seletividade de que tipo de parceiros ou interlocutores o Estado julga apto a sentar do outro
lado da mesa. Legalidade e legitimidade acabam por se interpenetrar e se confundir.
Podemos ter movimentos sociais legítimos conquanto não estejam formalizados
perante o Estado, e o contrário, associações legitimadas pelo Estado que não expressam
necessidades nem se configuram como representativas das camadas populares embora
privilegiem a atuação em meio a elas. Em poucas palavras: a legalidade é conferida por ato
do Estado, a legitimidade pela população organizada; o legal e o legítimo podem apresentarse juntos, mas nem por isso as relações do Estado com a população serão menos
contraditórias.
No meio urbano, a criação das instituições populares, quando seus articuladores
apresentam certo grau de politização, obedece a algumas motivações como: a necessidade de
sustar o refluxo dos movimentos sociais, de buscar a legalidade e a interlocução do Estado
para o atendimento de reivindicações. Estado que, nos anos 90, passa por aceleradas
reformas vistas, a partir dos resultados eleitorais e pela adoção do Estado Mínimo1 como
programa de governo, como objetivas e racionais no processo de internacionalização da
economia nacional, adequando-se às orientações provenientes de fontes externas, como as do
1
Estado mínimo, expressão pela qual passou a se designar a concepção que propõe a
desregulamentação, a privatização e instauração da liberdade pura de mercado, ou seja, toda a
regulação social passaria pelo mercado com o conseqüente afastamento do Estado na implementação
de políticas públicas sociais.
Banco Mundial, por exemplo.2 Assim, o Estado legitimado pelas urnas escolhe a quem falar,
a quem atender, às vezes ignorando completamente as reivindicações de movimentos
urbanos, que ao não possuírem inserção massiva nas camadas populares, não obtêm
visibilidade e interlocução mesmo quando legalizados.
Em outro aspecto, a legalização das associações populares expressa às contradições
existentes no próprio aparelho de Estado que, por suas ações, deve legitimar-se. Tais
contradições percorrem o conjunto social e chegam às associações populares que devem
também se legitimar frente à população que representa ou organiza como meio eficaz de
obter benefícios, de obterem atendimento das reivindicações nas relações com os poderes
públicos.
Um obstáculo na interlocução com os movimentos sociais apresenta-se proveniente
do aparato burocrático do Estado com seus trâmites disciplinadores e lentos. As formas
políticas reivindicatórias ganham, na atualidade, muitas vezes, formas técnicas, assim
associações populares que porventura reivindiquem a ampliação do atendimento da
Educação de Jovens e Adultos, por exemplo, esbarram na exigência - por parte das agências
fomentadoras - de projetos pedagógicos estruturados. A esse aspecto voltaremos adiante o
relacionando à atuação do professor-pesquisador nosso objeto neste texto.
Movimentos sociais e a educação
A educação na última década do século passado tornou-se um dos campos em que as
reformas referidas às concepções de Estado mínimo mais prosperaram. Assim, o
estabelecimento do ensino fundamental como prioridade acarretou o descuramento com os
demais níveis de escolarização. A Educação de Jovens e Adultos, certamente, foi a
modalidade que menos recursos recebeu, sendo esse período em que o Estado (União) deixou
de lado o seu papel de implementador e gestor direto desse tipo de educação. Recorde-se que
ao Mobral (Movimento Brasileiro de Alfabetização), sucedeu-se a Fundação Educar no
período da redemocratização e a esta, quando da eleição de Collor de Mello em 1989, foi
transformada no Programa Nacional de Alfabetização e Cidadania (PNAC) que não emergiu
do papel. Os oito anos de governo de Fernando Henrique Cardoso foram marcados pela
secundarização da Educação de Jovens e Adultos, seja pelos vetos presidenciais que restringiu
o atendimento nos termos legais, seja pela restrição às políticas sociais que atingiu
diretamente as formas de ensino de jovens e adultos excluídos do acesso e/ou permanência
pela escola. Vingou a Alfabetização Solidária, parceria entre Estado, Sociedade e, algumas
vezes, o Mercado, efetivada nos municípios de maior concentração de analfabetos no país,
expressamente nas unidades federativas mais pobres, como os estados nordestinos.
Contanto tenha havido tal afastamento por parte do Estado no nível federal, a
Educação de Jovens e Adultos apresentou novas formas de atendimento nos estados e
municípios principalmente.
A população potencialmente a ser alfabetizada situa-se em torno dos trinta e cinco
milhões de pessoas com idade igual e superior a quinze anos. Isso nos dá a dimensão da tarefa
2
O Banco Mundial notabiliza-se por condicionar a concessão de empréstimos mediante as lições de casa
impostas às economias do Terceiro Mundo tais como: contenção dos gastos públicos, privatização de serviços
públicos e empresas estatais, estabelecimentos de prioridades, racionalização, etc. o que foi chamado de
dominação dos direitos sociais pela lógica e racionalidade do universo econômico. Em relação à Educação, ver
O Banco Mundial e as Políticas Educacionais, Lívia De Tommasi, Mirian J. Warde e Sérgio Haddad (orgs.),
Cortes, 1996.
educativa a ser realizada, já que antes de simplesmente ser um processo de escolarização
tardia, a Educação de Jovens e Adultos trata da extensão dos direitos sociais à população
excluída dos benefícios da educação.
A parceria Universidade/Movimentos Sociais Organizados
A implementação de políticas pertinentes ao Estado mínimo em parte transferiu à
própria população o encargo da resolução de suas carências, com o Estado constituindo-se
como parceiro quando se faz presente.
Vicejam as formulações autodenominadas de terceiro setor compreendidas como
aliança entre (parceria) Estado-Mercado-Sociedade; tais concepções acarretam formas
distintas de intervenção no real, contanto surjam privilegiando características particulares de
grupos socioculturais distintos, permanecem delimitadas ao local de aplicação e são
fragmentárias em relação às necessidades populares, estruturais em sua origem.
Parece-nos que seja, entretanto, essencial na relação Estado-sociedade civil
organizada que reside um potencial capaz de imprimir à tese e à prática das parcerias um
caráter inovador, marcado por processos de construção da democracia e da justiça com
sentido universal (Munarim, 1997, p. 12).
Nesse aspecto, reveste-se de importância às relações possíveis de serem estabelecidas
entre a sociedade civil organizada e o meio acadêmico, em especial, à reflexão sobre as
formas de Educação de Jovens e Adultos. Se a contribuição da Universidade pode conferir
qualidade para a atuação de organizações sociais, essa relação contribuiria para a qualificação
do próprio meio acadêmico, em especial à pedagogia, compreendendo-se a importância
pedagógica dos movimentos sociais em relação à educação não-formal.
A Comissão de Especialistas de Pedagogia do Ministério da Educação (MEC) em seu
documento de orientação aos avaliadores dos cursos existentes e em implantação indica a
indefinição pela qual o curso de Pedagogia se encontra, sustentando a necessidade de
superação da dicotomia entre professor x especialista na formação profissional dos
educadores.3
O mesmo documento indica que os cursos de Pedagogia vêm preparando o
profissional para as escolas de educação infantil e primeiro segmento do ensino fundamental,
bem como para o exercício de tarefas de coordenação pedagógica, supervisão e administração
escolar. Enuncia também, que fora da escola (projetos, instituições educativas, ações
coletivas, culturais com jovens, mulheres, negros, etc.) o campo de atuação do pedagogo vem
se definindo.
Podemos perceber que as orientações estabelecidas pela Comissão de Especialistas
apontam em muito que as relações existentes - por conta das características comuns que os
cursos de pedagogia apresentam no país – entre a organização interna dos cursos e seus
vínculos com organismos escolares e extra-escolares são determinantes em conferir o perfil e
esboçar definições adequadas aos próprios cursos. Destaca ainda o documento de orientação
para os avaliadores dos cursos de educação em sua página cinco que:
A ênfase na formação do professor pesquisador e da introdução da pesquisa e da
investigação como componente curricular presente em inúmeros cursos de
Pedagogia das várias universidades, oferece condições, ainda, para o
3
www.mec.gov.br/Sesu/cursos/default.shtm#padroes . Padrões de Qualidade. 22/07/2002, 12:14 h.
aprofundamento dos estudos em nível de pós-graduação, contribuindo para a
geração e construção de conhecimento na área educacional.
Assim, por base nesse documento, que expressa o pensamento tanto de parte do
movimento dos educadores quanto do próprio ministério, podemos estabelecer que a
formação de educadores aglutinaria três aspectos distintos: a docência, a especialidade e a
pesquisa.
Certamente há vozes discordantes, como a de Selma Garrido Pimenta e José Carlos
Libâneo (2002), dentre outros destacados educadores, que preferem cursos distintos para
professores e especialistas compreendendo a pesquisa como formação necessária para ambos.4
As relações que possam ser estabelecidas entre movimentos sociais (sociedade civil
organizada) e Universidade exigem uma definição sobre as formas em que tais relações serão
estabelecidas, destacando-se o papel do professor como docente e pesquisador.
A assessoria às organizações populares pode ser efetivada de modos diferenciados,
algo externo à coletividade em sua origem. Por mais que o assessor se identifique ao grupo,
instituição, movimento assessorado, sua característica principal será definida pelos
motivadores que o levaram a cooperar com o movimento.
Maria da Glória Gohn em Assessorias aos Movimentos Populares: mediações
necessárias (1989), afirma que as assessorias externas aos movimentos são executadas
individual ou coletivamente por profissionais técnicos, militantes políticos, religiosos,
assumindo formas de assessorias diferenciadas com concepções e projetos políticoideológicos diferentes. Em relação ao coletivo apoiado o assessor apresenta um saber técnico
específico (médico, arquiteto, sanitarista, etc.) do qual a instituição não dispõe.
O papel executado pela assessoria universitária encontra, desse modo, a sua
sustentação nos fundamentos explicitados pelo documento de avaliação das instituições de
ensino superior, no caso específico da pedagogia. A formação profissional de futuros
pedagogos inclui entre seus componentes curriculares a pesquisa, a investigação, permitindo e
incentivando o prosseguimento dos estudos em cursos de extensão e pós-graduação, sendo
que o incentivo para o envolvimento do corpo docente e discente em grupos de estudos,
cursos de extensão não se constituem em elementos estranhos para uma formação qualificada
do futuro docente e/ou especialista em educação.
A assessoria universitária aos movimentos sociais deve considerar que os mesmos não
são uno ou homogêneos, daí que as assessorias são diferenciadas, portanto, as formas de
relacionamento em grande parte não podem ser definidas a priori. É necessária flexibilidade
na compreensão dos movimentos sociais, embora atuem em um terreno comum, o das
reivindicações ou ações para a resolução de carências e necessidades de parcelas da
população.
Para Maria da Glória Gohn não existe movimento puro sem assessoria. Na
compreensão dessa autora e professora universitária, a assessoria é uma das partes
constitutivas do movimento. Em sua reflexão, indica que geralmente a participação em um
movimento aconteça por algum tipo de afinidade (história de vida, prática política, trabalho,
etc.), ou mesmo pela somatória de diferentes afinidades.
A assessoria a movimentos sociais reveste-se de um caráter particular, ou seja, o
assessor é pesquisador, devendo oferecer ao movimento os seus conhecimentos, bem como
atuar de forma a permitir o avanço da reflexão empreendida pelo próprio movimento.
4
Ver Pedagogia e Pedagogos: caminhos e perspectivas, organizado por Selma Garrido Pimenta,
publicado pela editora Cortez em 2002.
Dada a centralização dos aparatos burocráticos e ao tecnocratismo existentes nos
órgãos estatais, os movimentos urbanos ao negociarem com o Estado atribuem um
papel importante aos seus assessores técnicos, na formulação das propostas, como
garantia de igualdade com o interlocutor (Gohn, 1989, p. 132).
Na atualidade, o afastamento do Estado em fomentar, gerir e administrar
exclusivamente formas de Educação de Jovens e Adultos gerou políticas de parceria com a
sociedade civil organizada. Nesse aspecto, a assessoria universitária pode subsidiar as práticas
educativas que as instituições populares perfazem, contribuindo na elaboração de projetos
que, por exemplo, muitas vezes constituem um obstáculo para que se efetivem formas de
atendimento pretendidas pelas organizações ou movimentos sociais organizados.
A assessoria de origem universitária pode ou não ser formalizada, o docente
universitário ao estabelecer vinculo entre a sua prática e a realidade dos alunos provenientes
de comunidades ou de movimentos organizados pode estabelecer formas de incluir em seus
objetivos educacionais a realidade de seus alunos. Daí para assessorar os movimentos,
associações e/ou projetos populares existe tão somente o limite da vontade, política
certamente, mas profissional, sendo que a sua legitimidade será construída pela e na prática.
Na minha atuação de professor-pesquisador pela Unicastelo, e como docente do curso
de pedagogia, deparei-me com graduandos provenientes de entidades, associações e
movimentos que buscam orientações na confecção de projetos educacionais, por exemplo. É o
caso do Conselho Comunitário Milton Santos do Jardim Yolanda II, periferia leste da cidade
de São Paulo. Este Conselho mantém por meio de trabalho voluntário 42 núcleos de Educação
de Jovens e Adultos atendendo a mais de oitocentas pessoas em alfabetização e pósalfabetização. Na busca de recursos junto aos poderes públicos e mesmo instituições privadas,
o Conselho viu-se na necessidade de construir o seu projeto pedagógico, que foi realizado por
meio da ordenação dos propósitos da instituição, de pesquisa em parte efetivada pelos
próprios educadores do Conselho com a assessoria por mim realizada. Nesse processo, a todo
o momento quando da produção do projeto, as consultas recíprocas, a construção do
consenso, demonstraram que pela troca estabelecida é possível pesquisar e assessorar
organizações populares ao mesmo tempo em que as próprias organizações são participantes
conscientes do processo, que de modo mais preciso, deve-se chamar de reflexão conjunta.5
Há muito se sabe que os movimentos que mais avançam na cidade de São Paulo são
aqueles que dispõem de uma retaguarda.
Apenas queremos registrar que as seções universitárias de apoio aos movimentos
populares têm se constituído numa frente de revitalização do ensino e da
pesquisa, além de responderem a uma demanda importantíssima: o estudo e o
equacionamento de problemas cotidianos enfrentados pela parcela da população
que não detém conhecimento e nem recursos para resolvê-los (Gohn, 1989, p.
137).
5
A atuação junto ao Conselho Comunitário Milton Santos deve ser compreendida como possível graças à função
de professor-pesquisador que venho exercendo há dois anos no curso de Pedagogia da Unicastelo. Não se trata
de trabalho voluntário posto que a função de pesquisador é remunerada pela Universidade que destina algumas
horas para que seja exercida. É fruto da vontade e da compreensão que esse tipo de vínculo enriquece à própria
prática docente, permitindo uma nova forma de relacionamento com os graduandos. Essa assessoria nasceu da
pesquisa que realizei em 2003 sob o tema de Educação e cotidiano: o encontro da cultura da escola e a cultura
juvenil, pois o Conselho em seus núcleos de alfabetização atende em sua maioria a jovens, muitos deles
excluídos dos processos regulares de escolarização, o que interessou-nos sobremaneira para a pesquisa então em
curso. Na atualidade, estamos iniciando uma investigação que objetiva estabelecer se houve alteração nas
condições de vida dos educandos egressos dos cursos de alfabetização mediante o domínio da leitura e escrita.
A participação junto ao organismo popular na confecção de seu projeto pedagógico de
Educação de Jovens e Adultos apresenta uma questão crucial no trabalho de um assessor, que
é o de participar da confrontação do mesmo com o seu destino ou função.
Concernente a isso, a assessoria não pode ser encerrada na entrega de um produto
(projeto), necessita de acompanhamento, de confrontação com a prática efetuada pelos
educadores da organização popular na efetivação de sua prática educativa. O papel do
assessor não pode ser o de fazer pelo outro, mas estimular a percepção sobre o exercício do
fazer. O ofício de assessoria desenvolve-se sobre e na vivência de problemas concretos (Idem,
1989).
Por isso, não é descabido ao docente-pesquisador efetivar formas de capacitação aos
agentes populares educacionais que tratem de aspectos específicos. Por exemplo, foi-me
solicitada orientação para que na pós-alfabetização os educadores do Conselho possam
realizar práticas de desenvolvimento da expressão escrita e da interpretação de textos. Cabe
ao assessor atender e dar uma resposta por meio de práticas problematizadoras que
enriqueçam a reflexão sobre o processo de ensino-aprendizagem e a vivência comunitária dos
envolvidos nesse processo educativo e no papel que a posse de domínio da língua escrita
acarreta ao indivíduo, por exemplo.
As conseqüências sempre devem ser refletidas, seja da prática docente, do exercício da
assessoria, da prática dos educadores populares e ao que almejam. Assim, a contribuição à
educação de parcela, por menor que seja, da população torna os indivíduos capazes de ter
acesso aos bens culturais, se não, capacita-os - em princípio - a lutarem por eles.
A docência universitária e sua pesquisa ao se estabelecerem ampliam as possibilidades
do ensino na formação de futuros pedagogos, e ao estreitarem-se os laços com a comunidade
popular, constituem-se em componente que nos remete a discussão à ampliação democrática,
que por justiça deve ser compreendida como algo além da simples representação obtida por
meios eleitorais. Meios certamente importantes, se não o fossem não teríamos ao longo de
nossa história períodos ditatoriais extensos. Em outro aspecto, a democracia representativa
vem mostrando-se insuficiente em solucionar os problemas sociais, talvez o afastamento do
Estado e as novas formas de relação que este estabelece com a sociedade organizada acabe
por implementar canais mais vigorosos de participação popular na busca de soluções efetivas
aos seus problemas. Obviamente, não podemos ser ingênuos e conceber que ações
circunstanciadas por si sejam capazes de construir tais mecanismos, mas se não houver
empenho ou formas de atuação, aí sim, nada acontecerá.
Title: Teaching, research and social commitment
Abstract: Academic thoughts and achievements may cooperate with the popular associations
helping them technically and pedagogically in the adolescent and adult education, expressing,
in this way, the educator’s social commitment to the essential changes for a large democratic
society.
Key words: Popular associations, adolescent and adult education, teaching and research.
Bibliografia
BETTO, Frei.O que é Comunidade Eclesial de Base. São Paulo: Brasiliense, 1981.
CARDOSO, Ruth in DAGNINO, Evelina (org.). Anos 90: política e sociedade no Brasil.
São Paulo: Brasiliense, 1994.
GOHN, Maria da Glória. Assessorias aos movimentos populares: mediações necessárias.
Revista Educação & Sociedade, dez. /1989, nº 34, p. 130-144.
______. Movimentos Sociais e Educação 2ª ed. São Paulo: Cortez, 1994.
MUNARIM, Antonio. Parceria, uma faca de muitos gumes in Alfabetização e Cidadania,
São Paulo, RAAB, 1997, nº 5, p.11-22.
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