MARCO AURÉLIO SOUZA A TRAJETÓRIA DA ESCOLA PADRE RÉUS: EDUCAÇÃO DE SURDOS - DO ORALISMO AO BILINGÜISMO CANOAS, 2008 1 MARCO AURÉLIO SOUZA A TRAJETÓRIA DA ESCOLA PADRE RÉUS: EDUCAÇÃO DE SURDOS - DO ORALISMO AO BILINGÜISMO Monografia apresentada como requisito parcial para aprovação no Curso de PósGraduação em Educação Especial - Surdez, do Centro Universitário La Salle de Canoas, RS. Orientadora: Profª.Drª. Dirléia Fanfa Sarmento . CANOAS, 2008 2 TERMO DE APROVAÇÃO MARCO AURÉLIO SOUZA A TRAJETÓRIA DA ESCOLA PADRE RÉUS: EDUCAÇÃO DE SURDOS - DO ORALISMO AO BILINGÜISMO Monografia aprovada como requisito parcial para obtenção do título de Especialista em Educação Especial - Surdez, do Centro Universitário La Salle - Unilasalle, pela seguinte avaliadora: Profª. Drª. Dirléia Fanfa Samento Unilasalle Canoas, 07 de março de 2008. 3 DEDICATÓRIA Dedico este trabalho: À minha amada esposa Elenara Paschoal Lopes, companheira e parceira em todos os projetos de minha vida; Aos meus filhos Gabriela Zílio Souza e Felipe Zílio Souza; Ao meu Deus provedor e supridor de todos os momentos de minha caminhada, sendo parceiro na elaboração e realização desta conquista. Tenho a certeza de que esta monografia representa mais um passo da realização de um sonho, na busca da verdade, que empenhou a maior parte do tempo de minha vida, com a história da educação de surdos na Escola Estadual Especial Padre Réus, a quem também dedico, na certeza de que sempre estive buscando uma sociedade mais justa, fraterna e humana. 4 AGRADECIMENTOS Agradeço à minha orientadora Dirléia Fanfa Sarmento, pelo acompanhamento e revisão do estudo, e por confiar em meu trabalho; Em especial, a Escola Estadual Especial Padre Réus, fonte inspiradora deste trabalho; À direção da escola que propiciou acesso às fontes de pesquisa; E a todos que, direta ou indiretamente, contribuíram para a realização deste. 5 “A educação é um direito humano com uma imensa potencialidade de produzir mudança. Na sua base residem às pedras angulares da liberdade, democracia e desenvolvimento sustentável… Não existe maior prioridade, missão mais importante, do que a Educação para Todos”. Kofi Annan 6 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 10 1.1 Contextualização do interesse pela temática investigativa ......................... 11 1.2 Formulação do problema e dos objetivos de investigação ......................... 12 1.3 Estrutura do Relatório ..................................................................................... 13 2 A EDUCAÇÃO DE SURDOS ............................................................................... 14 2.1 Um breve histórico sobre a educação de surdos no Brasil e no mundo......14 2.2 Correntes Filosóficas da Educação de Surdos ...............................................18 3 METODOLOGIA ................................................................................................... 25 4 PROPOSTAS PEDAGÓGICAS DA ESCOLA ..................................................... 27 4.1 Trajetória da Escola Padre Réus desde a década de 60 ............................... 27 5 PARTICIPAÇÃO E EXCLUSÃO DA COMUNIDADE SURDA ............................. 34 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................. 36 REFERÊNCIAS ........................................................................................................ 38 7 LISTA DE FIGURAS FIG.01 – Alfabeto digital: obra de “Cosmas Rosselius”, 1954 .............................. 15 FIG.02 – Ponce de Leon (1520-1584) ................................................................... 15 FIG.03 – Abade L’Epèe (INES, 2007) ………………………………………………... 16 FIG.04 – Abade Sicard (INES, 2007) …………………………………………………. 16 FIG.05 – Registro iconográfico de Flausiano Gama ............................................... 18 8 RESUMO Em busca de um modelo novo ou de um modelo melhor para a Educação, os antigos modelos vão sendo reinterpretados e ressignificados. Os alunos e alunas, participantes em todos os momentos na construção do saber e no ato da aprendizagem são os protagonistas históricos da comunidade surda. O objetivo é apresentar a caminhada histórica da Educação Especial nas metodologias específicas voltadas ao ensino de surdos, na Escola Estadual Especial Padre Réus, na cidade de Esteio, e também, as principais correntes ou propostas educacionais utilizadas em sala de aula, tendo como foco, não apenas os procedimentos adotados, mas numa análise sócio-educacional e antropológica, evidenciando-as no contexto histórico, cultural e social do Oralismo, da Comunicação Total e do Bilingüismo, identificando estas correntes utilizadas. Com a apresentação desta trajetória da Educação de Surdos, do Oralismo ao Bilingüismo, proporcionam-se o conhecimento, entendimento e reflexões sobre as formas de manifestações culturais e sociais, que se evidenciaram a partir da década de 60 até os dias atuais nessa Escola, no Brasil e no mundo. A pesquisa, de cunho bibliográfico, tem por objetivo buscar em livros, revistas, sites e documentos da própria escola, as informações necessárias. Palavras-chave: educacionais. educação de surdos; manifestações culturais, correntes 9 ABSTRACT In search of a new model or a better model for the Education, the old models go being reinterpretados and ressignificados. The pupils and pupils, participants in all the moments in the construction of knowing and the act of the learning are the historical protagonists of the deaf community. The objective is to present the historical walked one of the Special Education in the specific methodologies directed to education of deaf people, in Guilty the State School Special Priest, in the city of Esteio, and also, main chains or educational proposals used in classroom, having as focus, not only the adopted procedures, but in an partner-educational and antropológica analysis, evidencing them in the historical, cultural and social context of the Oralismo, the Total Communication and the Bilingüismo, identifying these used chains. With the presentation of this trajectory of the Education of Deaf people, of the Oralismo to the Bilingüismo, the knowledge, agreement and reflections are provided on the forms of cultural and social manifestations, that if had evidenced from the decade of 60 until the current days in this School, Brazil and the world. The research, of bibliographical matrix, has for objective to search in books, magazines, sites and documents of the proper school, the necessary information. Word-key: education of deaf people; cultural, current manifestations educational. 10 1 INTRODUÇÃO "Somos notavelmente ignorantes a respeito da surdez, muito mais ignorantes do que um homem instruído teria sido em 1886 ou 1786. Ignorantes e indiferentes (...). Eu nada sabia a respeito da situação dos surdos, nem imaginava que ela pudesse lançar luz sobre tantos domínios, sobretudo o domínio da língua. Fiquei pasmo com o que aprendi sobre a história das pessoas surdas e os extraordinários desafios (lingüísticos) que elas enfrentam, e pasmo também ao tomar conhecimento de uma língua completamente visual, a língua de sinais, diferente em modo de minha própria língua, a falada. (...)". Oliver Sacks Ao iniciar este trabalho, minha proposta será a de contribuir de alguma forma para o conhecimento da caminhada histórica da Educação Especial nas metodologias específicas voltadas ao ensino de surdos na Escola Estadual Especial Padre Réus, e também, das principais correntes ou propostas educacionais utilizadas em sala de aula, enfocando, não apenas os procedimentos adotados, mas realizando uma análise sócio-educacional antropológica, evidenciando-as no contexto histórico, cultural e social do Oralismo, da Comunicação Total e do Bilingüismo, identificando estas correntes utilizadas. Sendo os protagonistas históricos desta comunidade surda, os alunos e alunas participantes destes momentos históricos, no ato da aprendizagem. Quero proporcionar com a apresentação desta trajetória da Educação de Surdos, do Oralismo ao Bilingüismo, momentos prazerosos de leitura, de conhecimento, entendimento e reflexões sobre as formas de manifestações culturais e sociais, que se evidenciaram a partir da década de 60 até os dias atuais, no Brasil e no mundo. Este trabalho será uma memória viva de uma comunidade e instituição de ensino que vivenciou todas essas transformações, recebendo influências, marcas e traços de cada década, que forjaram a realidade educacional na qual vivemos hoje. Minha intenção é, ao abordar este tema, propor o conhecimento e toda a trajetória da Educação de Surdos, do Oralismo ao Bilingüismo, na comunidade da Escola Estadual Especial Padre Réus, contribuir também para o crescimento pedagógico da comunidade escolar local, bem como levar ao conhecimento das demais comunidades educacionais envolvidas ou não na arte de fazer educação. Pois desta forma, acredito estar despertando interesses e curiosidade, e por que não zelo ou simpatia no compartilhar destes conhecimentos, estimulando outras 11 instituições educacionais a empenharem-se na pesquisa e no registro desta educação? Quero assim, objetivar melhorias na estrutura educacional da comunidade surda, no comprometimento de uma educação de qualidade, em busca de um modelo novo, ou de um modelo melhor para a educação através dos velhos modelos reinterpretados e ressignificados, que logo trarão grandes benefícios a todos. Iniciar com estas ações se faz necessário para que, ao longo do tempo se torne grandioso na contribuição da educação do surdo. 1.1 Contextualização do Interesse pela Temática Investigativa Ao longo da minha trajetória profissional e com a minha vivência diária com os surdos das mais diferentes idades e graus de escolaridade, muitas indagações foram surgindo sobre o processo de educação dos surdos, que apresenta ainda resultados insatisfatórios, que hoje me preocupam e inquietam. Leciono na Escola Estadual Especial Padre Réus desde 1991, mas o que me despertou grande interesse em trabalhar com surdos foi uma visita à Escola feita antes mesmo de me graduar como historiador. Isso ocorreu em 1989, quando ainda concluía minha graduação - inicialmente na Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS) e por fim no Centro Universitário La Salle (UNILASALLE). Precisei manter contato com a Escola durante duas semanas, devido à necessidade, na época, da utilização do recurso datilográfico existente na Escola para digitar meu relatório final. Portanto, ao chegar à Escola e me deparar com os educandos surdos tentando oralizar, além de gesticular, senti um impacto, mas logo me adaptei a tal realidade. A corrente ou filosofia predominante nesse período era a Comunicação Total. O estranhamento, o diferente me envolveu, motivando-me a buscar mais informações e conhecimentos sobre a educação dos surdos. Meu foco de interesse, que antes era o de trabalhar no ensino regular, mudou completamente, levando-me decidir quanto à realização do concurso público estadual, conforme Boletim nº. 5539/DOE de 15/05/91 na área de Educação Especial, mesmo sem ter formação específica na área da surdez, já que não era necessário. Sendo assim, fui inserido 12 no quadro docente da Escola Estadual Especial Padre Réus, no ano de 1991 e, paralelamente, me especializando na área. A temática dessa pesquisa se deu a partir do trabalho interdisciplinar realizado no 2º semestre de 2006 na Escola Estadual Especial Padre Réus, no qual o tema gerador foi o resgate histórico desde a criação da escola em 1960, aos dias atuais, traçando um paralelo social com o país e o mundo. Convivendo em uma realidade educacional pública, carente de recursos, tenho como privilégio, poder construir, através de experiências e conhecimentos teóricos, uma proposta de registros que venha somente a acrescentar, a beneficiar o conhecer pedagógico e contribuir para que haja novos olhares ante o conjunto de crenças e conceitos, muitas vezes, de natureza inconsciente, em que se baseiam nas atitudes e comportamentos de um grupo social. Isto reforça a vontade de ver esta proposta dando certo e estimulando a futuros registros. 1.2 Formulação do Problema e dos Objetivos de Investigação O problema da pesquisa está formulado do seguinte modo: Como se constituíram as propostas pedagógicas na área da surdez, na Escola Estadual Especial Padre Réus, em Esteio/RS, desde a sua fundação até os dias atuais? Para responder tal questão, apresento os seguintes objetivos orientadores do estudo: a) Comparar as diferentes correntes da Educação de Surdos com a trajetória da Escola Estadual Especial Padre Réus, em Esteio/ RS a fim de evidenciá-las dentro do contexto histórico, cultural e social; b) Analisar as diferentes correntes da Educação de Surdos e suas implicações na participação desses sujeitos nos contextos histórico, cultural e social; c) Evidenciar as manifestações culturais e sociais da Comunidade Surda da Escola Estadual Especial Padre Réus, em Esteio/ RS em cada uma das correntes; d) Revisitar a trajetória da Escola Estadual Especial Padre Réus no que se refere às propostas pedagógicas na área da surdez; e) Problematizar a forma de participação da comunidade surda da Escola Estadual Especial Padre Réus, no decorrer de sua trajetória educativa. 13 1.3 Estrutura do Trabalho Feitas tais considerações, este relatório está organizado em cinco capítulos. No primeiro capítulo introduzo a temática investigativa, contextualizando o interesse, problema e objetivos norteadores do estudo. No segundo capítulo abordo a história da educação de surdos, algumas concepções e as correntes existentes até a atualidade, situando o leitor na temática deste trabalho, antes mesmo de relatar a experiência e trajetória da Escola Estadual Especial Padre Réus. No terceiro capítulo apresento os procedimentos metodológicos adotados nesta pesquisa, baseada em Bardin (1988). Para tornar tais conhecimentos mais claros e específicos dessa temática, no quarto capítulo trago as propostas pedagógicas da Escola já citada, descrevendo sua trajetória desde a fundação. E, por fim, no quinto capítulo revelo as diferentes manifestações culturais e sociais da comunidade surda. 14 2 A EDUCAÇÃO DE SURDOS “[...] surdez uma diferença que deve ser aceita e não uma deficiência a ser vencida” 1 Se analisarmos a educação de surdos através dos tempos, podemos perceber que as dificuldades e os conflitos com os quais passam, atualmente, são semelhantes aos que enfrentavam desde os mais remotos tempos da humanidade. Através de uma pequena retrospectiva será possível ver o processo de mudança e aceitação do surdo na sociedade. 2.1 Um Breve Histórico Sobre a Educação de Surdos no Brasil e no Mundo Durante a antiguidade e por quase toda a idade média, pensava-se que os surdos eram sujeitos não educáveis, imperfeitos e inferiores aos outros, e, somente por volta do século XVI, esse pensamento foi se modificando, percebendo-se a capacidade dos surdos de aprender e se comunicar, tanto na utilização oral quanto por língua de sinais. Oficialmente, não temos registros sobre o surgimento da língua de sinais no mundo, ficando como registro iconográfico mais remoto, um alfabeto digital numa gravura em madeira (fig.01), extraída da obra de “Cosmas Rosselius”, em Veneza, no ano de 1579. Conforme Moores (1978), nos séculos XVII e meados do século XVIII, na Espanha, a instrução era privilégio apenas dos filhos de famílias nobres, podiam pagar relevantes quantias aos professores. Os nobres necessitavam que seus herdeiros soubessem ler, escrever e falar e, assim serem considerados capazes perante a justiça (casar, adquirir bens...). 1 (LARA, A.T.S apud STOBAUS, C.D, MOSQUERA, J.J.M, 2004 p.136). 15 Figura 1 – Alfabeto digital: gravura de “Cosmas Rosselius”, Fonte: extraída do artigo do Dr.Hans Worner de Zurique, publicado na Revista de ensino ao surdo – ano I, Distrito Federal, 1954 – nº2. Segundo historiadores, foi no século XVII, na Espanha, que as pessoas surdas começaram a fazer o uso do alfabeto manual durante as aulas. O primeiro professor de surdos de quem se tem noticia foi Pedro Ponce de Leon (Fig.02), um monge beneditino que educava os filhos surdos de nobres, ensinando-os a ler, escrever, fazer cálculos e expressar-se, oralmente, com o auxílio do alfabeto manual. Essa metodologia de ensino de Ponce de Leon utilizada com os surdos aconteceu desta forma por ser um hábito dos monges beneditinos nos mosteiros, devido ao voto de silêncio. Figura 2 – Ponce de Leon (1520-1584) No ano de 1755, na França, o abade Charles L’Epée (Fig.03) fundou uma classe para pessoas surdas, trabalho este, voluntário e focado, essencialmente, às pessoas surdas pobres de Paris. Com isso, ele observava a comunicação entre a classe e fazia anotações quanto às significações. E, em 1775, com o intuito de resgatar essas anotações do papel, ele funda a primeira escola pública de surdos, no qual são usados, por professores e alunos, os sinais metódicos, assim nomeados. Além disso, elaborou uma metodologia educacional nomeada Sistema de sinais metódicos2. Figura 3 - Abade Charles L’Epée 2 Tipo de comunicação apoiada no canal visual-gestual. 16 Fonte: Foto extraída do site: INES. 150 anos de história. Disponivel em: http://www.ines.org.br/Paginas/historico.asp Essa proposta metodológica educacional de L’Epée defendia que os educadores deveriam aprender tais sinais para se comunicar com os surdos. Eles aprendiam com os surdos e, através dessa forma de comunicação, ensinavam a língua falada e escrita do grupo socialmente majoritário, os ouvintes. E, como sucessor de abade L’Epée, o gramático abade Sicard (Fig.04) escreve o primeiro dicionário de sinais, baseado nas anotações de L’Epée. Figura - 4- Abade Sicard Fonte: Foto extraída do site: INES. 150 anos de história. http://www.ines.org.br/Paginas/historico.asp O avanço e divulgação das práticas pedagógicas com surdos contribuíram para a realização do I Congresso Internacional sobre a instrução do surdo, em 1878, em Paris. Nesse congresso, alguns defendiam a idéia de que falar era melhor que usar sinais, mas que a língua de sinais era importante para o surdo se comunicar. Os surdos tiveram algumas conquistas importantes, como o direito a assinar documentos, tirando-os da marginalidade social, mas ainda distante de uma verdadeira integração social. Em 1880, com a realização do II Congresso Internacional, em Milão-Itália, houve uma mudança nos rumos da educação dos surdos, ocorrendo uma ruptura em suas conquistas, tornando-se esse período o marco histórico da educação de surdos. As decisões tomadas nesse Congresso repercutiram, negativamente na educação de surdos, pois a linguagem gestual foi praticamente banida como forma de comunicação no trabalho educacional, ficando estabelecido que todos os surdos deveriam ser ensinados pelo Método Oral Puro. A figura do professor surdo foi extinta das escolas, rompendo-se assim, com o modelo cultural transmitido por estes professores surdos. Isso resultou na educação de sujeitos pouco preparados para o convívio social e com sérias dificuldades de comunicação oral e escrita, evidenciando o insucesso dessa abordagem. 17 No Brasil, a educação de surdos inicia em 26 de setembro de 1857, com a fundação do Imperial Instituto de Surdos Mudos, hoje conhecido como Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES), que se deu com a vinda do Professor surdo francês Hernest Huet à pedido de Dom Pedro II. Na época, o Instituto era um asilo, onde só eram aceitos surdos do sexo masculino. Eles vinham de todos os pontos do país e muitos eram abandonados pelas famílias. A partir de então, os surdos brasileiros passaram a contar com uma escola especializada para a sua educação, tendo a oportunidade da criação de uma língua nativa3, denominada de Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS), mistura da Língua de Sinais Francesa com os sistemas de comunicação já usados pelos surdos das mais diversas localidades do país. Huet utiliza no INES o mesmo método educacional de ensino para os surdos das escolas de Paris, denominado de didática especial. Os seis anos em que o Huet permaneceu no Brasil não foram suficientes para que houvesse a formação de novos professores surdos para esta área, pois esta era também um dos centros de interesse de seu trabalho. No ano de 1861, Hernest Huet com problemas familiares, e não podendo mais estar a frente do Imperial Instituto de Surdos Mudos, decide retornar a França deixando o Instituto com 17 alunos surdos. Aqui no Brasil, do que se tem conhecimento, o registro mais remoto do uso desta língua nativa é do ano de 1875, produzido por Flausiano José da Gama, aluno do INES, intitulado de “Iconographia nos signaes dos Surdos-Mudos”(Fig.05). Figura 5 – Registro de Flausiano Gama: “Iconographia dos Signaes dos Surdo-Mudos”, encontrado no INES. 3 É a primeira língua que uma criança aprende. Em certos casos, quando a criança é educada por pais (ou outras pessoas) que falem línguas diferentes, é possível adquirir o domínio de duas línguas simultaneamente, cada uma delas podendo ser considerada língua materna, configura-se então uma situação de bilingüismo. 18 O Instituto INES funcionou em vários endereços: na Rua Municipal nº. 08 (atual Rua Maryrink Veiga), no Centro; na Ladeira do Livramento nº. 29, no bairro da Saúde; no Prédio do Campo da Aclamação nº. 49 (atual Praça da República), também no Centro; na rua Real Grandeza, s/nº (canto de São Joaquim), em Botafogo e finalmente na Rua das Laranjeiras, 95 (atualmente 232). A partir do século XX, o número de escolas especiais para surdos aumentou em todo o mundo. No Brasil, por exemplo, surgiram o Instituto Santa Terezinha para meninas surdas (SP), a Escola Concórdia (Porto Alegre -RS), a Escola de Surdos de Vitória, o Centro de Audição e Linguagem Ludovico Pavoni – CEAL/LP (Brasília DF), entre outras. E nesse período, com o Congresso de Salamanca, de 10 de julho de 1994, com o intuito de normalizar e integrar as pessoas com necessidades especiais, as crianças passaram a ser encaminhadas para as escolas regulares, sendo implantado, em algumas escolas, Salas de Recursos e Classes Especiais. 2.2 Correntes Filosóficas da Educação de Surdos Ao falar em Educação de surdos surgem, basicamente, três abordagens: o oralismo, a comunicação total e o bilingüismo. Ao relatar estas correntes educacionais, deveremos vê-las sob o prisma de quatro pontos importantes que nortearam a história educacional dos surdos no mundo e no Brasil. O primeiro, a criação ou fundação da primeira escola pública para surdos, em Paris, na França, em 1760. O segundo, o início da educação de surdos, no Brasil, no ano de1857. O terceiro, o II Congresso Internacional de Milão-Itália, no ano de 1880, como ponto marcante na (re)construção social e educacional desta comunidade. E o quarto ponto, a Declaração de Salamanca, que determina e orienta a inclusão nos espaços educacionais. Anterior a estas datas ou marcos históricos na educação dos surdos, como eram vistos os surdos na Idade Antiga, por exemplo, na Grécia? Segundo Moore (1978), conforme Aristóteles (384-322 a.C), um filósofo grego, após suas observações, constatou que as pessoas que oralizam são dotadas de cognição 19 desenvolvendo sua inteligência. Na afirmação de que o pensamento não podia se desenvolver sem linguagem e que esta não se desenvolvia sem a fala. Pessoas que não oralizam, no caso dos surdos que não conseguem falar, articular sons, são incapazes cognitivamente não desenvolvendo a inteligência consequentemente não pensando. Desde então se configura, no plano cultural, a hegemonia do ouvinte sobre as formas de pensar, de agir, de se desenvolver, das regras sociais, marcadas não apenas pelo modo de funcionamento mental do homem, mas a forma de ser, aprender e transmitir valores, criando ideologias nas relações sociais. Cria-se assim, como pano de fundo, no jogo político das relações, o conceito de normalidade, do ser completo, do sujeito à imagem e semelhança de Deus. Aqueles que apresentam diferenças em seu desenvolvimento, os sujeitos considerados incompletos, foram marcados a partir deste momento como defeituosos ou imperfeitos. Os surdos que estão enquadrados na concepção das diferenças lingüísticas foram atrelados ao padrão de anormalidade, de patologia, de defeituosos, sujeitos deficientes, historicamente determinados pelo conceito de incompletos. Este entendimento e esta visão cognitiva a respeito da surdez só começaram a mudar por meados do século XVI. Segundo o filósofo Girolamo Cardano (In: SILVA, 2001, p.26), a escrita pode substituir os sons e as idéias. Cardano comprovou e provou, através de pesquisas, que as pessoas surdas podem aprender através da escrita e leitura, desenvolvendo assim sua inteligência. Neste momento histórico, a educação escolar dos surdos era somente para os filhos das famílias ricas, abastadas da nobreza e da burguesia. É também neste período que se têm registros dos primeiros movimentos sociais de luta pela comunidade surda, principalmente pelos surdos pobres que sofriam pela discriminação social na Europa. O primeiro educador de surdos foi Pedro Ponce de Leon (1510-1584), um frade Beneditino espanhol que, embora não tenha deixado registros de seus métodos, depoimentos escritos por alguns de seus alunos, indicavam que utilizava a combinação de sinais com o esforço concentrado na escrita. Foi o primeiro a inventar o alfabeto manual transformando-o em instrumento de acesso à escrita e à leitura para só então enfatizar a fala. Na França, Abade Charles Michel L’Epée, no ano de 1760, nas ruas de Paris, agregou surdos pobres e funda uma escola para crianças, jovens e adultos surdos. Todos os surdos se comunicavam em língua de sinais francesa, conseguindo o 20 desenvolvimento e o domínio da escrita, da leitura, da matemática, da geografia, da astronomia, das artes, do teatro, da pintura e das artes gráficas, fazendo com que os surdos se sentissem inseridos social e culturalmente. Este modelo educacional ganha espaço em outros países da Europa. No século seguinte, mais precisamente no ano de 1857, da-se o início da educação de surdos no Brasil a 26 de setembro do mesmo ano. Eduardo Huet, discípulo do Abade Charles Michel de L’Épée, é o primeiro professor de surdos no Brasil. Vindo da França, a pedido de Dom Pedro II, inicia seu trabalho no Imperial Instituto de Educação de Surdos-mudos no Rio de Janeiro, hoje denominado Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES), utilizando como metodologia educacional o ensino-aprendizagem através do uso constante da língua de sinais, sendo esta a única língua que permite a pessoa surda de ascender a todas as características lingüísticas da fala (Bouvet, 1989). Huet funda a primeira associação dos surdos com o objetivo de superar as dificuldades da educação dos surdos no Brasil e a valorização da língua de sinais brasileira. Esta corrente educacional metodológica de educação de surdos é totalmente quebrada e rompida através da metodologia oralista. O oralismo tem como objetivo ensinar o surdo a falar a língua dos ouvintes (no caso do Brasil, o português). Apesar de ser usado ainda hoje tal abordagem, o início do oralismo como corrente educacional se deu a partir do Congresso Internacional de Educadores de Surdos em Milão-Itália, em 1880, quando foi determinado o fim da corrente educacional da língua de sinais no ensino dos surdos, que ganhava expressão e já estava sendo utilizada em muitos países, inclusive no Brasil. O Oralismo tem como princípio, a indicação de prótese individual, que amplifica os sons, admitindo a existência de resíduo auditivo em qualquer tipo de surdez, mesmo na profunda. Esse método busca reeducar auditivamente a criança surda, através de técnicas específicas como: treinamento auditivo, desenvolvimento da fala e leitura labial. De forma geral, “[...] sinais e alfabeto digitais são proibidos, embora alguns aceitem o uso de gestos naturais, e recomenda-se que a recepção da linguagem seja feita pela via auditiva e pela orofacial” (TRENCHE, apud LACERDA, 1998, p. 5). Esta corrente educacional ganha espaço em muitos países da Europa, sendo crescente a opinião da maioria dos participantes ouvintes neste congresso de que esta seria a melhor forma de educação e comunicação dos surdos com o meio 21 social. A partir deste momento a fala e a oralização destacam-se como formas de comunicação de uma minoria da comunidade surda, mas ganha adeptos em todo o mundo e passa a ser uma corrente pedagógica educacional até mais ou menos no ano de 1980, permanecendo praticamente um século como abordagem exclusiva na educação dos surdos. A abordagem da comunicação total surgiu na década de 80, como uma alternativa ao oralismo estrito. Advoga o uso de todos os meios que possam facilitar a comunicação, desde a fala sinalizada, passando por uma série de sistemas artificiais até os sinais. Muitos dos sistemas usados por ela, tinham como objetivo auxiliar a compreensão da língua falada, razão pela qual é vista, por muitos, mais como uma extensão do oralismo do que como oposição ao mesmo. Nesta abordagem, propõe-se que todos os recursos são importantes e indispensáveis para promover a comunicação: fala; leitura labial; escrita; desenho; língua de sinais; alfabeto manual etc. Quando foi criada teve o mérito de reconhecer a língua de sinais como direito da criança surda. A crítica maior a esta abordagem se relaciona ao fato de na prática promulgar o uso simultâneo de fala e sinais, constituindo o bimodalismo ou português sinalizado. O uso simultâneo entre as duas línguas (língua falada e português sinalizado), apesar de proposto pela comunicação total, não tem respaldo teórico. Na verdade, tal conciliação nunca foi e nem poderia ser possível, devido à natureza extremamente distinta das duas línguas em questão. Sendo assim, não demorou muito para que a comunicação total cedesse lugar ao bilingüismo. O bilingüismo defende o uso da língua de sinais (no Brasil: Língua Brasileira de Sinais ou LIBRAS) e do Português, como duas línguas distintas, reconhecendo o surdo na sua diferença e especificidade. As duas línguas são usadas, mas não simultaneamente, como propunha a abordagem anterior. Na prática o bilingüismo se caracteriza, no Brasil, pelo domínio de LIBRAS e Português (falado e escrito) ou pelo domínio de LIBRAS e do Português escrito (grande maioria dos surdos brasileiros considerados bilíngües se inclui nesse 2o grupo). No bilingüismo, a primeira língua (L1) dos surdos é a Língua de Sinais. A língua falada ou escrita a ser adquirida (o Português, por exemplo) é tida como 2a língua (L2). A Língua de Sinais é, ainda, considerada a língua natural dos surdos. Língua natural é aquela que os indivíduos adquirem na interação com outros, sem necessitar de muito esforço e de um trabalho sistematizado. Os surdos adquirem 22 assim a Língua de Sinais (como os ouvintes adquirem o português oral); o mesmo não acontece quando se tenta oralizá-los. Um Brasil para todos; Uma escola para todos, são slogans que norteiam a política educacional brasileira que está longe de ser o ideal sonhado, almejado pela Comunidade Surda, hoje e em qualquer tempo. Incluso dentro dos sistemas de ensino regular, o sujeito surdo continua segregado do processo de aprendizagem. É oferecido o ensino, ou seja, o recebe, mas não aprende efetivamente. Portanto, mesmo incluso em um espaço educacional que deveria dar conta da educação para todos permanece ele, o incluso, como mais um excluído dos saberes, do espaço do aprender, mesmo estando presente, da sociedade educacional que o cerca, alheio ao ato primordial no aprender que é o direito de interagir, compreender e se fazer ser compreendido. Dito isto, se pode afirmar que o processo de Inclusão é profundamente dicotômico: enquanto inclui o sujeito surdo na escola regular, o exclui do direito de aprender. Na Conferência Mundial de Educação Especial, realizada entre 7 e 10 de junho de 1994, representando 88 governos e 25 organizações internacionais em assembléia, em Salamanca, Espanha, foi reafirmado o compromisso para com a Educação para todos, reconhecendo a necessidade e urgência do providenciamento de educação para as crianças, jovens e adultos com necessidades educacionais especiais dentro do sistema regular de ensino. Dentre as ações de educação especial ficou determinado no item 19 da Declaração que: Políticas educacionais deveriam levar em total consideração as diferenças e situações individuais. A importância da linguagem de signos como meio de comunicação entre os surdos, por exemplo, deveria ser reconhecida e provisão deveria ser feita no sentido de garantir que todas as pessoas surdas tenham acesso à educação em sua língua nacional de signos. Devido às necessidades particulares de comunicação dos surdos e das pessoas surdas/cegas, a educação deles pode ser mais adequadamente provida em escolas especiais ou classes especiais e unidades em escolas regulares. Não há preocupação com o seu aprender, o ensino igual para todos educação para todos, desconsidera que o sujeito surdo tem um outro canal para a ou da aprendizagem. A escola e o professor não têm o devido preparo (e quem sabe, o interesse) em conhecer como se dá o processo de aprendizagem deste aluno diferente. Pensa-se que, ao tê-lo dentro da escola, cumpre-se com a obrigação legal da Inclusão. 23 Os sujeitos surdos que passaram e passam por este processo de inclusão trazem consigo as tristes marcas desta experiência, expressas em sentimentos de exclusão, de privação de um direito posto a sua frente, mas impossível de ser plenamente alcançado e usufruído, dada a distância entre ele e o objeto do conhecimento apresentado apenas sob o ponto de vista da cultura ouvinte, desrespeitando ou ignorando, por falta de conhecimento ou desinteresse, a cultura surda. Na Declaração de Salamanca, no item 9 da Estrutura de Ação em Educação Especial, diz: A situação com respeito à educação especial varia enormemente de um país a outro. Existem por exemplo, países que possuem sistemas de escolas especiais fortemente estabelecidos para aqueles que possuam impedimentos específicos. Tais escolas especiais podem representar um valioso recurso para o desenvolvimento de escolas inclusivas. Os profissionais destas instituições especiais possuem nível de conhecimento necessário à identificação precoce de crianças portadoras de deficiências. Escolas especiais podem servir como centro de treinamento e de recurso para os profissionais das escolas regulares. Finalmente, escolas especiais ou unidades dentro das escolas inclusivas podem continuar a prover a educação mais adequada a um número relativamente pequeno de crianças portadoras de deficiências que não possam ser adequadamente atendidas em classes ou escolas regulares. Investimentos em escolas especiais existentes deveriam ser canalizados a este novo e amplificado papel de prover apoio profissional às escolas regulares no sentido de atender às necessidades educacionais especiais. Uma importante contribuição às escolas regulares que os profissionais das escolas especiais podem fazer refere-se à provisão de métodos e conteúdos curriculares às necessidades individuais dos alunos. Tal citação evidencia que as escolas especiais podem dar suporte no desenvolvimento e na formação de profissionais de escolas regulares inclusivas, porém para que haja essa inclusão, o encaminhamento de uma criança surda para o ensino regular se dá a partir de pré-requisitos importantes, segundo Ângela Ribas Guimarães (In: STROBEL,1995, p.67) como: vocabulário, boa coordenação, letra legível, excelência na destreza viso-manual, boa comunicação oral, estrutura familiar e um rigoroso acompanhamento no processo educacional. A falta de comunicação oral prejudica toda a formação de linguagem, pensamento, entre outros aspectos, restringindo a formação de um bom vocabulário, o que limita a compreensão de mensagem, a estruturação de um texto ou idéia, a elaboração de histórias, etc. Sabe-se que a escolaridade é bastante fácil para muitas crianças e, por outro lado, extremamente dificultosa para outras, dependendo do estimulo e do contexto ao qual está inserida a criança surda. 24 3 METODOLOGIA Neste capítulo apresentamos os procedimentos metodológicos adotados nesta pesquisa, assim como situamos através dos dados apresentados, a origem dos critérios que serviram como referência para a seleção do corpus4 que compõe o estudo. Esta pesquisa de cunho bibliográfico focaliza as propostas pedagógicas na área da surdez, na Escola Estadual Especial Padre Réus em Esteio/RS, desde sua fundação até os dias atuais. O estudo foi conduzido com base em autores tais como Moura (2000), Quadros (1997), Sacks (1998), Sánchez (1990), Skliar (1997) entre outros. O corpus da pesquisa foi composto por documentos disponibilizados pela escola como os Planos Políticos Pedagógicos (PPP’s) desde a fundação e documentos históricos; livros e artigos dos autores já citados. Para a análise das temáticas extraídas do material selecionado, utilizamos a técnica de análise de conteúdo apresentada por Bardin (1988). A análise de conteúdo configura-se num conjunto de técnicas que possibilita, através de procedimentos sistemáticos de descrição do conteúdo, a realização de inferências acerca da produção e/ou recepção de determinada mensagem. Em relação ao processo da análise de conteúdo, Bardin apresenta três etapas: pré-análise, exploração do material e treinamento dos resultados, inferência e interpretação. Na fase de pré-análise, realizamos o que Bardin (1988) denomina como sendo leitura flutuante, ou seja, escolhemos os materiais que compõem o corpus da pesquisa. Essa escolha foi realizada com base nas regras da exaustividade5, representatividade6, homogeneidade7 e pertinência8, apontadas pela autora como de grande importância. Assim, nessa etapa, procede-se ao fichamento do material com dados condizentes com as especificidades de cada segmento da produção. 4 Expressão usada por Bardin (1988) Exaustividade - inclui todo o material que apresentava características consoantes com os objetivos de investigação. 6 Representatividade - a partir do mapeamento da produção, se estabelece os critérios de seleção da amostra já apresentados, os quais asseguram a representatividade do material. 7 Homogeneidade - os materiais selecionados para a constituição da amostra são escolhidos com base no mesmo tema e na utilização da mesma técnica. 8 Pertinência - os materiais selecionados estão adequados, em termos de informação, correspondendo aos objetivos traçados. 5 25 Na fase de exploração do material, procedemos à codificação, à classificação e ao estabelecimento das unidades de registro. Para Bardin (1988, p.103), A codificação corresponde a uma transformação – efetuada segundo regras precisas – dos dados brutos do texto, transformação esta que, por recorte, agregação e enumeração, permite atingir uma representação do conteúdo, ou da sua expressão, susceptível de esclarecer o analista acerca das características do texto [...] [grifo do autor] Desse modo, optamos por utilizar como unidade de registro, o tema (ou temáticas). Estes temas foram identificados no decorrer da análise do material, observando-se as mesmas normas seguidas na fase de pré-análise, isto é, a regra da exaustividade, da representatividade, homogeneidade e pertinência. Em relação à regra de enumeração, foram considerada a presença ou a ausência de elementos essenciais pertinentes às temáticas identificadas nos livros, artigos e outros documentos. Optamos por esta regra por ser ela a mais condizente com a análise qualitativa que desejamos realizar neste trabalho. Segundo Bardin (1988, p.114), “[...] a utilização deste tipo de indicador pode possibilitar uma maior inferência do que outras quantitativas”. regras que, geralmente são mais utilizadas em abordagens 26 4 PROPOSTAS PEDAGÓGICAS DA ESCOLA Neste capítulo será descrita a trajetória da escola desde sua fundação até a presente data. Esta descrição é resultado da análise dos Regimentos Escolares, com base nos seguintes documentos: Projetos Políticos Pedagógicos (PPP’s), Plano Global da Escola, Desenho Curricular, Grade Curricular, Base Curricular. 4.1 Trajetória da Escola Padre Réus Desde a Década de 60 O prefeito do Município de Esteio, Sr. Adão Ely Johann, através do Decreto nº. 3 de 28 de setembro de 1960, criou uma escola especial para surdos com o nome de Escola Municipal Osvaldo Aranha no mesmo ano, funcionando primeiramente nas dependências da Escola Municipal Vitorina Fabre, já que a escola recém criada ainda não contava com uma sede própria. Nessa época, era composta de uma turma de Jardim da Infância com quatro alunos e uma professora, sua esposa, Eva Karnal Johann, que também respondia pela direção da escola – de março de 1960 a outubro de 1968. A proposta pedagógica era montada na corrente ou filosofia oralista com a reabilitação da fala. Em 1962, através do Decreto nº 14.218, de 04 de outubro de 1962, o Governo do Estado cria a Escola Especial de Surdos no Município de Esteio, em conformidade com o disposto no artigo 4º, letra c, alínea a, da Lei nº 2.346, de 29 de janeiro de 1954. Destina-se esta escola a continuar prestando assistência a crianças excepcionais deficientes da audição, que sejam educáveis9. Neste ano, a escola continuava a contar com uma turma de Jardim de Infância sob direção e ensino da professora Eva Karnal Johann, passando a ter atendimento na Escola Estadual Bernardo Vieira de Melo, escola de ouvintes, em Esteio, que cedeu uma sala para a educação das crianças excepcionais deficientes da audição, ainda com a mesma corrente oralista como proposta pedagógica e com ênfase na reabilitação da fala. 9 Quer dizer, com deficiência auditiva leve ou profunda, sem outros comprometimentos. 27 A partir de 1965, o Sr. Adão Ely Johann, prefeito Municipal de Esteio, autoriza a construção de um prédio para o funcionamento da escola de surdos na Avenida Presidente Vargas, 1607, para este fim. O prédio fica concluído e inaugurado oficialmente no ano de 1967 com nova nomenclatura: Escola Especial Padre Réus. Neste ano, acontece a transferência da escola para a nova cede passando a ter a presença de uma nova professora, Marlide Taffarel, contratada pela Prefeitura Municipal, já que neste ano a escola recebe novos alunos, tendo matrículas de alunos procedentes do Estado de Santa Catarina, de outros municípios do Estado do Rio Grande do Sul, sendo necessário à criação de uma nova turma: Jardim da Infância – Nível B. A nova escola continua a atender crianças com deficiência auditiva leve ou profunda, sem outros comprometimentos. É montada, neste momento, uma Equipe Multidisciplinar composta por um médico otorrinolaringologista, um médico neurologista, um psicólogo e uma assistente social. No ano de 1968 a professora Marlide Taffarel é a nova diretora da escola, cargo que ocupa até o ano de 1971, sendo necessário à contratação neste mesmo ano de 1968 da professora Maria Iony Danquirini da Silva, que assume a classe Jardim Nível A e, irá assumir a direção da escola em abril de 1971 até março de 1975. Eva Karnal Johann continua sendo professora da classe Jardim Nível B. A escola tem por finalidade, continuar proporcionando ao educando a formação continuada necessária ao desenvolvimento de suas potencialidades como elementos de sua auto-realização, integração à comunidade e prepara para sua futura atuação junto à mesma, bem como atender as necessidades básicas do desenvolvimento da criança, de acordo com sua realidade biopsicossocial e cultural. A escola passa a desenvolver atividades nas áreas cognitivas, afetivas e psicomotora, dando ênfase aos aspectos relacionados com a percepção, sociabilização e, prioritariamente, desenvolvimento da linguagem oral. Em 03 de junho de 1977, o Decreto nº.25.616 reorganiza e dá nova denominação à Instituição que passa a chamar-se Escola Estadual de 1º Grau Incompleto Padre Réus, especializada na educação de crianças deficientes de audição e de fala, mantendo em funcionamento as classes de Jardim da Infância – Nível A – atendendo crianças de quatro a cinco anos de idade incompletos; Nível B – atendendo crianças de cinco a seis anos de idade; ensino de 1º Grau 28 incompleto – de 1ª a 4ª série. É contratada a professora Marieta Py de Oliveira que assume a direção da escola até a data de março de 1980. A escola cria o Serviço de Saúde Escolar, constituindo-se em atendimento clínico, na Área de Reabilitação de Fala e de Audição. O Serviço de Saúde Escolar formado pelo conjunto de atividades médico-sócio-psicopedagógicas e nutricional e visa melhorias das condições nutricionais dos alunos, bem como o objetivo de promover, preservar, recuperar e melhorar o índice de saúde escolar, do ponto de vista físico e psíquico, a fim de ajustar os alunos ao Sistema Educacional. Com isso, a escola toma iniciativas relacionadas à saúde escolar dos alunos, submetendo-se, sempre, à aprovação da DE (Delegacia de Educação), como requisito a sua execução. A proposta pedagógica é mantida na corrente ou filosofia oralista, com a reabilitação da audição e da fala. No ano de 1985, a Portaria nº 6.625 de 07 de maio de 1985, publicada no Diário Oficial do dia 17 de maio de 1985, autoriza o funcionamento do 1º Grau Completo da Escola, a partir de 1985, denominando-se Escola Estadual de 1º Grau Padre Réus. Neste momento a direção da Escola era exercida pela professora Lourdes Felisberta da Silva Pimentel, contratada no ano de 1976 que exerce o cargo de diretora de 1980 até o ano de 1995. Por ser a única escola pública e gratuita no ensino do 1º Grau completo no Estado, houve o aumento no número de alunos procedentes de outros Municípios como Porto Alegre, Glorinha, Gravataí, Viamão, Ivotí, Estância Velha, Guaíba, Novo Hamburgo, São Leopoldo, além de Esteio, Sapucaia do Sul e Canoas. Houve mudanças na proposta pedagógica da Escola, seguindo a nova tendência educacional da corrente ou filosofia, que até meados de 1980 era oralista, passando a seguir a corrente filosófica da Comunicação Total. O espaço físico da Escola estava pequeno diante a demanda de tantos alunos, é na data de 24 de fevereiro de 1991, que a Escola muda-se para um prédio novo construído pelo Governo do Estado sito a Rua Santana, 235, centro de Esteio onde funciona até os dias atuais. Neste período não aconteceram mudanças na proposta pedagógica da Escola, permanecendo a corrente ou filosofia da Comunicação Total. 29 No ano de 1993 a Escola foi autorizada a oferecer o ensino de 2º Grau, recebendo o parecer favorável de Transformação do Conselho Estadual de Educação. Neste momento, as Bases Curriculares da Escola tem sua organização, segundo os princípios norteados pela legislação vigente e a política educacional do Sistema Estadual de Ensino, sendo o currículo adaptado às condições do aluno consonante ao processo ensino - aprendizagem do deficiente auditivo acrescido de atendimentos específicos, passando a denominar-se Escola Estadual de 1º e 2º Graus Padre Réus para Educação Especial, atendendo portadores de deficiência auditiva, mantendo as classes, desde a estimulação precoce até o 2º grau: a) Estimulação Precoce – crianças de zero a dois anos. O atendimento da criança em Estimulação Precoce se dará diariamente, com orientação de um professor especializado e tendo a participação direta dos Pais. b) Maternal – crianças de dois a três anos. O atendimento da criança na classe de Maternal deve ser feito em pequenos grupos de, no máximo, cinco (5) alunos, diariamente, em um período de quatro (4) horas, seguindo o período letivo adotado pela Escola. c) Jardim de Infância – Nível A – crianças de quatro a cinco anos. O atendimento da criança nessa classe do Jardim de Infância deve ser feito em pequenos grupos de, no máximo, cinco (5) alunos, diariamente, em um período de quatro (4) horas, seguindo o período letivo adotado pela Escola. d) Jardim de Infância – Nível B – crianças de cinco a seis anos. O atendimento da criança nessa classe também deve ser feito em pequenos grupos de, no máximo, cinco (5) alunos, diariamente, em um período de quatro (4) horas, da mesma forma que no nível A, seguindo o período letivo adotado pela Escola. e) Pré-alfabetização – crianças a partir de seis anos. O atendimento da criança na classe de Pré-alfabetização deve ser feito com grupos de, no máximo, seis (6) alunos, diariamente, em um período de quatro (4) horas, seguindo o período letivo adotado pela Escola. A duração desse período depende das necessidades individuais do educando, podendo estender-se por mais de um (1) ano. f) Ensino de 1º Grau. O atendimento da criança de 1ª a 3ª série deve ser feito em regime seriado bianual, sendo o conteúdo de cada série dividido em duas (2) etapas, seguindo, 30 cada etapa, o período adotado pela Escola, tendo em vista o grande acréscimo de atividades especiais a desenvolver com o deficiente auditivo. O atendimento da criança, a partir da 4ª série, deve ser feito em regime seriado anual, sendo que, duas (2) vezes por semana, o aluno deverá completar a carga horária, em horário oposto ao seu respectivo turno. Fazem parte do currículo de 1ª a 8ª séries o atendimento nas Oficinas de Marcenaria, Malharia, Tapeçaria, Encadernação, Couro, Nutrição, Cerâmica, Artes e Datilografia de acordo com o interesse demonstrado pelo aluno, sendo respeitadas as suas condições individuais. g) Ensino de 2º Grau. O atendimento do aluno de 2º Grau deve ser feito em regime seriado anual. O número máximo para a constituição das classes, a partir da 1ª série, é de oito (8) alunos por turma. A Reabilitação da Fala e da Audição é realizada a partir do Maternal sucessivamente a todas as séries curriculares seguintes. A Escola também oferece atendimento de Reforço, por professores especializados, para os alunos que apresentam dificuldades de aprendizagem, em turno oposto ao da sua escolaridade. Aos alunos com deficiência auditiva leve, que ingressam em escola de ensino regular, mas que necessitam de um acompanhamento especializado para o desenvolvimento integral da sua aprendizagem, a Escola também oferece o Reforço em turno oposto. A Escola passa a ser neste momento a única instituição pública da América Latina a oferecer atendimento para alunos surdos, da Estimulação Precoce ao ensino do 2º Grau. Com relação aos objetivos de ensino do 1º e 2º Graus, a Escola oferece ao Deficiente Auditivo condições que favoreçam a capacidade de comunicação com seus semelhantes, deficientes auditivos e ouvintes, manifestandose harmonicamente no seu grupo social, o ajustamento ao meio em que atua, através do conhecimento da realidade brasileira com o seu desenvolvimento do pensamento lógico e com o desenvolvimento de atividades, dentro de cada componente curricular, que oportunizem a sua formação para o trabalho. Acontecem mudanças na proposta pedagógica da Escola, seguindo a nova tendência educacional da corrente ou filosofia, que até meados de 1990 era da Comunicação Total, passando a seguir a corrente ou filosofia do Bilingüismo. 31 No ano de 2000, sob direção da professora Lourdes Felisberta da Silva Pimentel, a Escola visa a criação de uma metodologia que proporcione aos educandos surdos a construção da sua identidade, o uso da sua língua materna – LIBRAS – e a escrita e a leitura do Português, o conhecimento da história surda e seu patrimônio cultural, fazendo da Escola um lugar de conquista e luta por seus direitos e sua cidadania. A Língua de Sinais (L1) será usada como língua de construção do conhecimento e o Português (L2) como segunda língua. Na organização Curricular da Escola é oferecido: a) Educação Infantil: a ação pedagógica fundamenta-se nos níveis de desenvolvimento e construção do conhecimento da criança, enquanto cidadã, oportunizando-lhe experiências enriquecedoras e significativas, que propiciem a exploração da curiosidade infantil, organizando um ambiente aconchegante, desafiador e significativo, para que favoreça a construção da identidade surda, visando inicialmente a construção da língua de sinais, incentivando a ampliação das habilidades físicas, sócio-afetivas, intelectuais e construção de seres autônomos. As aulas serão ministradas, preferencialmente, por um professor surdo, com habilitação para atuar na Educação Infantil e/ou Séries Iniciais do Ensino Fundamental. b) Ensino Fundamental: a metodologia está baseada no construtivismo sócio-interacionista, isto é, na interação entre aluno e objeto do conhecimento, selecionado a partir de uma pesquisa participante da realidade com o aluno, mediado pela intervenção pedagógica e didática do professor, oportunizando uma aprendizagem significativa, que atenda a especificidade da comunidade surda. c) Educação de Jovens e Adultos: a metodologia adotada se utiliza da pesquisa, contribuindo para a problematização e classificação da prática vivida pelo grupo. O educando é o produtor do conhecimento e construtor de hipóteses sobre a realidade que o cerca, partindo da visão de si mesmo, levantando hipóteses, experimentando-as e reelaborando o conhecimento. d) Ensino Médio: a ação pedagógica pressupõe a integração das disciplinas num mesmo esforço, através do exercício coerente e responsável dos princípios pedagógicos culturais e humanísticos, da identidade, da autonomia, da interdisciplinariedade e contextualização, compreendida como estruturadores dos currículos desse nível de ensino. Neste período, a escola adota o regime seriado anual. 32 O número máximo para a constituição das classes de Educação Infantil é de cinco (5) alunos por turma e, a partir da 1ª série do Ensino Fundamental e Ensino Médio, é de oito (8) alunos por turma. Atualmente, no ano de 2007, ainda sob a direção da professora Lourdes Felisberta da Silva Pimentel, a metodologia de ensino permanece a mesma em todas as séries, apenas com a alteração do ensino fundamental em relação aos seus objetivos que passa a ter uma duração mínima de nove (9) anos para o ensino fundamental. O número máximo para a constituição das classes de educação Infantil é de cinco (5) alunos por turma e, a partir da 1ª série do Ensino Fundamental e Ensino Médio, é de doze (12) alunos por turma. A escola continua adotando a corrente ou filosofia do Bilingüismo, oferecendo aos educandos todas as condições que favorecem o seu desenvolvimento de aprendizagem, oferecendo uma educação libertadora numa prática educativa que valoriza a auto-estima, numa construção de conhecimento como processo permanente, coletivo e dialógico. 33 5 PARTICIPAÇÃO E EXCLUSÃO DA COMUNIDADE SURDA Ao pensar em participação da comunidade surda (minoritária) na sociedade dos ouvintes (majoritária), sendo uma visual-gestual e a outra oral-auditiva, onde as formas de comunicação e cultura são eminentemente diferentes, necessariamente, me reporto ao marco inicial de todo este movimento. Para que acontecesse o sucesso da participação social, a introdução da língua de sinais no cotidiano da comunidade surda foi o meio que influenciou, de algum modo, para que os surdos se voltassem para a capacitação pessoal, dando início à formação continuada da educação e proporcionando avanços, criando condições para a produção do conhecimento, favorecendo o entendimento, o desenvolvimento e a compreensão do meio social. Portanto, foi a língua de sinais, a grande protagonista que oportunizou a existência até os dias atuais desta comunidade. Na inexistência da língua, não haveria registros para narração desta participação, como fato que marcou e marca a história dos surdos até os dias atuais, no contexto social em que vivemos. Numa perspectiva lingüística, uma comunidade surda não é um ‘lugar’ onde pessoas deficientes, que têm o mesmo problema de comunicação, se encontram, mas um ponto de articulação política, pois, cada vez mais, os surdos se organizam enquanto minoria lingüística e lutam por seus direitos lingüísticos e de cidadania. (FELIPE apud STROBEL, 1995, p. 59) O início dos movimentos sociais dos surdos que se tem registro se deu no ano de 1834 na França, na cidade de Paris onde, por ocasião do aniversário do professor Abbé Charles Michel de L’Eppé, reuniram-se dez surdos para tal comemoração. Alguns anos depois, não se tendo uma precisão de data nos registros, ocorreu muitas reuniões em Paris, com a participação de sessenta surdos entre eles, professores, gravadores, pintores e empregados sendo estes os representantes oficiais da comunidade surda local, por serem bastante capacitados intelectualmente. Neste momento, em diversos encontros, discutiam sobre os problemas decorrentes de suas profissões e a possibilidade de mobilização do grupo para lutarem por necessidades próprias, relatando suas aptidões, suas capacidades e conquistas sociais. Este grupo deu continuidade a estas reuniões, onde, após muitas discussões e estudos, criaram a denominação de povo surdo e nação surda. Este movimento 34 era consistente e estava centrado nos objetivos de conservar suas conquistas anteriores, como o direito do uso da língua de sinais, o direito da manutenção da cultura surda e a permanência efetiva de espaços onde poderiam manter e criar novas artes, demonstrando assim, tentativas de resistência contra a influência e supremacia do oralismo frente à língua de sinais, fato este que poderia levar ao desaparecimento desta língua. No século XX, aumentou o número de escolas para surdos em todo o mundo. No Brasil, surgiram o Instituto Santa Terezinha para meninas (SP), a Escola Concórdia (Porto Alegre - RS), a Escola de Surdos de Vitória, o Centro de Audição e Linguagem Ludovico Pavoni – CEAL/LP (Brasília - DF). Destacou-se também a importância de alguns aspectos culturais que marcaram e continuam a marcar a trajetória da participação da comunidade surda, do que vem a ser o essencial para esta comunidade, se tornando bastante insistente. Com isso conquistaram o close caption, a janela com intérprete na tv, a atuação de interpretes em espaços públicos (governamentais ou privados), o passe livre, entre outros. Por sua vez, em outros aspectos culturais, como na política, onde não há um centro de interesses de atuação, essa insistência se torna mais branda. Atualmente, pensa-se que o domínio da Língua de Sinais é o suficiente para incluí-los na sociedade, mas a sua inclusão passa por uma transformação muito mais profunda no pensar, ver e agir de cada um. A discriminação vem do encarar o outro como alguém menor/menos capaz do que eu. Isto, no entanto, é algo cultural, que nenhuma lei no mundo sozinha pode mudar. Mas a comunidade surda demonstrou, ao longo dos tempos, a sua força e capacidade de mudar tal realidade. Para acompanhar a evolução do mundo com a rapidez em que a comunicação acontece, uma pessoa surda também precisa estar recebendo informações tão rapidamente quanto necessário, e a Língua de Sinais é uma possibilidade de acompanhar tal processo num grupo social; quebra-se a barreira entre surdos e ouvintes. 35 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS “Se vier a existir uma comunidade no mundo dos indivíduos, só poderá ser (e precisa sê-lo) uma comunidade tecida em conjunto a partir do compartilhamento e do cuidado mútuo; uma comunidade de interesse e responsabilidade em relação aos direitos iguais de sermos humanos e igual capacidade de agirmos em defesa desses direitos” (ZYGMUNT, Bauman, 2003, p.128). A partir desta afirmação, atualmente, pensa-se que o conhecimento e o domínio da Língua de Sinais pela comunidade ouvinte é suficiente para que aconteça a inclusão dos sujeitos surdos na sociedade. A inclusão social passa por uma transformação muito mais profunda no pensar, ver e agir de cada um. A discriminação vem do encarar o outro como alguém menor, menos capaz do que o eu. Isto, no entanto, é algo cultural, que nenhuma lei no mundo sozinha pode mudar. Mas a comunidade surda demonstrou, ao longo dos tempos, a sua força e capacidade de mudar tal realidade. Não há preocupação com o seu aprender, o ensino igual para todos educação para todos, desconsidera que o sujeito surdo tem um outro canal para a ou da aprendizagem. A escola e o professor não têm o devido preparo (e quem sabe, o interesse) em conhecer como se dá o processo de aprendizagem deste aluno diferente. Pensa-se que, ao tê-lo dentro da escola, cumpre-se com a obrigação legal da Inclusão. Manter uma Escola de Surdos só para Surdos seria a melhor forma de realizar a inclusão destes sujeitos no complexo mundo do aprender. Seria a forma de garantir–lhes a aprendizagem significativa e, portanto, realmente efetiva e inclusiva. Essa Escola, além de contar com profissionais devidamente preparados e capazes para atuar com este grupo de alunos, está e estará inserida no contexto da cultura surda, conhecedora tanto dos seus canais de aprendizagem como também de sua história enquanto grupo social. Esta pesquisa mostra a trajetória da aquisição do conhecimento, da construção do saber, da formação histórica e da participação social da comunidade surda ao longo dos séculos no mundo, como também a realidade educacional da Escola Estadual Especial Padre Réus, nas últimas quatro décadas, para que possamos compreender, entender, saber e, porque não dizer, propor ações e 36 reflexões através desta pesquisa para que hajam novos registros na contribuição da construção de uma educação de qualidade voltada a realidade da comunidade surda. Só é possível propor através de conhecimentos prévios já adquiridos, e através de pequenas ações individuais no dia-a-dia. Reconhecer que vivemos um momento muito importante de tomada de consciência da situação e de implementações de ações reais e efetivas no sentido de fazer o melhor, de fazer a diferença para a comunidade surda no desenvolvimento de sua educação, para que estes acompanhem a evolução do mundo em nosso tempo, com todas as transformações tecnológicas, com a rapidez em que a comunicação acontece proporcionada pela globalização mundial, o surdo precisa estar recebendo informações tão rapidamente quanto necessário for. A Língua de Sinais é uma possibilidade, é um canal natural e espontâneo que o surdo utiliza como forma de acompanhar tal processo num grupo social ou no mundo. Neste momento, quebram-se a barreira da comunicação e do entendimento, entre surdos e ouvintes, os tornando iguais na aquisição do conhecimento e do saber. E hoje, ao concluir esta pesquisa sobre a realidade educacional dos surdos, sua história e trajetória que forjou e continua a forjar seu caminho, acredito que conhecer com sentimento é conhecer duas vezes. Sentir é ampliar conhecimento do outro, de si e do mundo na alegria, na tristeza, na ansiedade, na curiosidade, na apatia, no desânimo, na incompreensão, na compreensão, na disposição, no medo... e tantos outros sentimentos antagônicos que povoaram meus sentimentos no desenrolar deste trabalho, que não poderia deixar de falar agora. 37 REFERÊNCIAS BOUVET, D. La parole de l'énfant. Le Fil Rouge, Puf. Paris,1989. ESPANHA. Declaração de Salamanca. Conferência Mundial em Educação Especial. 10 de julho de 1994. INES. 150 anos de história. Disponivel: http://www.ines.org.br/Paginas/historico.asp acessado em 07/07/07. LACERDA, Cristina B. F. de. Um pouco da história das diferentes abordagens na educação dos surdos. Vol.19; n.46. Campinas: Cad. CEDES, 1998. MOORES, D. 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