TOPONÍMIA URBANA DE TRÊS LAGOAS – MS: RELAÇÃO ENTRE LÍNGUA E CULTURA
Renato Rodrigues PEREIRA (G/UEMS)1
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Ana Paula Tribesse Patrício DARGEL (UEMS-PG/UNESP-FCCLAR)
RESUMO: Nesta pesquisa, tivemos o objetivo de investigar a toponímia da cidade de Três Lagoas (MS),
mais especificamente os nomes dos logradouros. Como princípios teórico-metodológicos que orientaram a
análise dos dados, utilizamos como parâmetros recomendações da Toponímia e de disciplinas afins, com
ênfase ao modelo de classificação taxionômica de Dick (1992). Demonstramos, mediante a análise de dois
gráficos, a relação entre língua/cultura/sociedade e o percentual das taxionomias de natureza física e
antropocultural, bem como a porcentagem de cada taxe toponímica dos logradouros da cidade de Três
Lagoas (MS). Analisamos, dentre as vinte e sete taxes, as cinco que tiveram maior produtividade, quais
sejam: antropotopônimo, numerotopônimos, axiotopônimos, hagiotopônimos e corotopônimos. A pesquisa
revelou que os fatores de natureza antropocultural predominam na toponímia urbana de Três Lagoas,
demonstrando a interdependência sócio-lingüístico-cultural no ato de batismo dos logradouros.
RESUMEN: En esta pesquisa, tuvimos el objetivo de investigar la toponímia de la ciudad de Três Lagoas
(MS), más especificamente los nombres de los logradoros. Como princípios teórico-metodológicos que
orientaron el análisis de los datos, utilizamos como parámetros recomendaciones de la Toponímia y de
disciplinas afines, con énfasis al modelo de clasificación taxionómica de Dick (1992). Demostramos, por el
análisis de dos gráficos, la relación entre lengua/cultura/sociedad y el porcentaje de las taxionomias de
naturaleza física y antropocultural, bien como el porcentaje de cada taxe toponímica de los logradoros de la
ciudad de Três Lagoas (MS). Analisamos, dentre las veintisiete que tuvieron mayor productividad, que son:
antropotopônimo, numerotopônimos, axiotopônimos, hagiotopônimos e corotopônimos La pesquisa reveló
que los factores de naturaleza antropocultural predominan en la toponímia urbana de Três Lagoas (MS),
demostrando la interdependencia socio-lengüístico-cultural en el acto de bautismo de los logradoros.
1. Introdução
A Toponímia constitui-se como a crônica de um povo e, portanto, um estudo toponímico é um estudo
de caso. Trabalha, primeiramente, com o que está mais próximo, ou seja, o grupo/homem que pensou o nome
e designou um lugar no espaço. A disciplina Toponímia faz parte de uma ciência maior, a Onomástica,
dividida em Antrotoponímia-estudo de nomes próprios de pessoas; Toponímia-estudo do nome próprio dos
lugares.
Como estudo autônomo, a Toponímia surgiu na França com os estudos de Longnon, em 1878. Nessa
época, segundo Dick (1992), a Toponímia era genética, pois tinha como objetivo recuperar a etimologia dos
nomes e, assim, apenas o dado servia para essa teoria. Já em 1922, Dauzat muda o rumo dos estudos
toponímicos, porque começa a investigar o fato, tentando recuperar, além da etimologia, o significado do
topônimo. Em 1985, Drumond, pesquisador brasileiro, impulsiona os estudos toponímicos no Brasil ao dar
atenção aos nomes de origem indígena e ao orientar e preparar Dick para assumir seus trabalhos.
Propusemos, nesta pesquisa, investigar a toponímia da cidade de Três Lagoas (MS) porque
consideramos que, por intermédio desse estudo, tivemos e ainda teremos a oportunidade de esclarecer muito
sobre a história, a política, a língua, a cultura dos habitantes de Três Lagoas e do próprio estado de Mato
Grosso do Sul, tentando, portanto, auxiliar no inventário da toponímia do Bolsão sul-mato-grossense. Grande
parte desse resgate toponímico foi finalizado por Dargel (2003), em sua Dissertação de Mestrado, na qual
abordou a toponímia dos acidentes físicos e geográficos da região do Bolsão sul-mato-grossense. O nosso
modelo para classificação dos topônimos adotado foi o de Dick (1992), pois, entre os existentes, é o mais
recente, completo e que, além disso, é voltado para a realidade brasileira.
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2. Aspectos históricos e geográficos de Três Lagoas3
O município de Três Lagoas possui 10.235,8 quilômetros quadrados de área territorial e cerca de
79.000 pessoas residentes. Sua sede situa-se na divisa com o estado de São Paulo, tendo como barreira
natural o Rio Paraná, e apresenta as seguintes coordenadas: Latitude 20º 45´04´´ Sul e uma longitude de 51º
40´42´´ Oeste. A cidade de Três Lagoas limita-se ainda ao Norte, com o município de Inocência; ao
Nordeste, com o município de Selvíria; a Leste, com o município de Selvíria e com o estado de São Paulo; ao
Sul, com o município de Brasilândia; a Sudoeste, Oeste e Noroeste limita-se com o município de Água Clara.
Os pioneiros da região onde hoje se localiza o município de Três Lagoas foram as famílias Garcia e
Lopes. Em 1829, a bandeira chefiada por Joaquim Francisco Lopes chegou às imediações do rio Paraná. A
Bandeira de Januário Garcia Leal adentrou a região em 1830 com o objetivo de conquistar terras para a
expansão das fazendas de gado. José Garcia Leal, com sua gente, atravessou o rio Paranaíba e fundou o
arraial de Sete Povos, ou seja, “sete casas”, Vila que teve rápido desenvolvimento e, assim, seus fundadores
estenderam seus domínios até as terras que margeiam os rios Sucuriú, Verde e Pardo – área que se constituiu
o município de Três Lagoas.
Os primeiros feudos foram implantados, assim como também foram fixados os marcos de posse. A
exploração da pecuária atingiu áreas imensas, adentrando propriedades além do Rio Pardo no rumo de
Vacaria e Brilhante, de onde tiveram que sair por causa da Guerra do Paraguai.
Entretanto, com o final da Guerra do Paraguai, em 1875, os sertanistas voltaram para as suas terras,
reunindo o restante dos rebanhos e, também, novos povoadores que, gradativamente, foram espalhando-se
pelas margens dos ribeirões Palmito, Moeda, Piaba, Pombo, Campo Triste e Brioso.
Três Lagoas foi, conseqüentemente, o desdobramento do surto povoador que teve início em Sant´Anna
do Paranaíba. Em 1880, eram os principais proprietários de terras da região: João Ferreira de Melo, Januário
Garcia Leal, o último remanescente das bandeiras de penetração, no ribeirão Moeda e no rio Taquarussu. Em
1885, instalaram-se na região novos pioneiros, distinguindo-se Protazio Garcia Leal, filho de Francisco
Garcia Leal e neto de Januário adquirindo posse na região de Piaba, as margens do rio Verde, Necessio
Ferreira de Melo, fundando uma propriedade agropastoril a que denominou piaba, em terras banhadas pelo
ribeirão Campo Triste, Antônio Ferreira Bueno, em Serrinha, hoje Garcia e Antônio Paulino também as
margens do Campo Triste.
Em 1911, atingem a região os trilhos da Ferrovia Noroeste do Brasil, que representava a mais
importante frente pioneira para o Oeste. Com a Construção da primeira estação ferroviária, surgem os
primeiros traçados urbanos, planejados pelo engenheiro Oscar Guimarães e demarcados pelo agrimensor
Justino Rangel de França.
Antônio Trajano dos Santos, ainda no início do século XX doou cerca de 40 alqueires de terras, para a
criação do povoado. A área restante foi doada pelo Estado, aproximadamente 3.600ha, no governo de
Celestino da Costa, demarcadas pelo engenheiro Sampaio Jorge.
O distrito de Três Lagoas foi criado pela Lei Estadual nº. 659, de 12 de junho de 1914, pertencendo ao
município de Sant´Anna do Paranaíba. Em 1915, foi criada a vila de Três Lagoas, pela Lei Estadual nº 706
de 15 de junho. O município de Três Lagoas foi criado em 08 de agosto de 1915, mas ainda pertencia a
Paranaíba. Três Lagoas foi desmembrada da comarca-mãe no dia 27 de dezembro de 1916, com o Decreto
Lei nº 768. Pela resolução nº. 820, de 19 de outubro de 1920, Três Lagoas recebe foros de cidade.
Com a construção da Usina Hidrelétrica de Jupiá em 1969, Três Lagoas foi enquadrada como área de
segurança nacional. O prefeito, a partir daquele ano, era indicado pelo Executivo Estadual e nomeado pelo
Presidente da República. Apenas em 1985, deixando de ser área de segurança nacional, os habitantes de Três
Lagoas voltaram a eleger seu prefeito pelo voto direto. Integram o município de Três Lagoas os distritos de
Arapuá, dos Garcias, da Ilha Comprida e do Guadalupe do Alto Paraná.
No próximo capítulo, apresentamos a fundamentação teórica que nos subsidiou no decorrer deste
trabalho.
3
- Fontes deste histórico da cidade de Três Lagoas: Histórico fornecido pela Prefeitura Municipal de Três Lagoas, sites
www.centroeste.com.br/matogrossodosul e www.ibge.gov.br.
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3. Toponímia: alguns pressupostos
Desde o início da criação, o homem nomeia os lugares. O processo designativo constitui-se em uma
forma desse homem poder se localizar no espaço que o cerca. O que não se sabia é que o ato designador
poderia ser um objeto de pesquisa para os estudiosos da língua, principalmente dos que se dedicam ao estudo
do léxico.
Sobre os estudos toponímicos, Dick ressalta que
Hoje, ela pode ser considerada como uma disciplina completa acabada, com seu campo de
estudos específicos (o topônimo, em suas várias modalidades semânticas, de modo a poder
se traduzir, através delas, verdadeiras áreas nomenclaturais e, por conseguinte, os principais
motivos que coordenam essa nomenclatura, como já procuramos demonstrar em nossa Tese
de Doutoramento. A motivação toponímica. Princípios teóricos e modelos taxionômicos,
USP, 1980), e um método próprio de trabalho (o da investigação científica, genericamente
considerada) (DICK, 1992: II).
Observamos, portanto, que atualmente há novas perspectivas em relação à disciplina Toponímia, ao
passo que houve um novo direcionamento por parte de Dick. Não podemos mais atribuir o entendimento de
um mero diletantismo, sem vinculação com outras ciências do conhecimento humano que, segundo Dick, é
delas que se recebe “ao mesmo tempo que lhes fornece subsídios preciosos para suas configurações
teóricas”(DICK: 1992, p.II ). Inclusive não se considera mais a Toponímia como disciplina completa e
acabada, hoje está caracterizada como uma disciplina aberta e de caráter dinâmico que vai sendo ampliada ao
mesmo tempo em que se nomeiam novos espaços.
A Toponímia “é uma disciplina que se volta para a História, a Geografia, a Lingüística, a
Antropologia, a Psicologia Social e, até mesmo, à Zoologia, à Botânica, à Arqueologia, de acordo com a
formação intelectual do pesquisador” (DICK: 1992, p. II).
Como já afirmamos na introdução, desde o princípio da vida humana, ou melhor, desde a possível
recuperação dos fatos da criação que podem ser alcançados pela memória humana, a nomeação é uma
atividade exercida pelos homens. No início, havia uma diretriz geral no processo designativo que com intuito
de valorizar os indivíduos, nomeavam a terra e o solo com os nomes de seus possuidores, visto como forma
de homenagem à família, servindo num futuro imediato para localização, bem como, manifestações
lingüísticas que consolidavam tendências sócio-culturais ligadas a períodos e épocas por países em fase de
assimilação fonética, como os vividos na Europa. E hoje, esses documentos são preciosos subsídios a
pesquisas no ramo da Onomástica.
No entanto, para chegar a uma investigação ativa, verdadeira, volta-se para todos os recursos que a
ciência dispõe, com análise, comparação, interpretação, seleção e outras maneiras que proporcionem
hipóteses em teoria, no alcance dos seus princípios.
A Toponímia é parte da lingüística que se ocupa da origem dos nomes de lugares, de suas relações
com a língua do país, com as línguas de outros países ou com línguas desaparecidas. E uma das importantes
verificações da Toponímia, num plano geral, é que existe uma forte resistência dos substratos nos nomes de
lugares de um país, como aqui, no Brasil, temos uma grande quantidade de nomes indígenas em cidades,
estados e em acidentes geográficos. Mas o estudo vai da origem dos nomes portugueses, a outras duas
línguas que influenciaram de várias maneiras o léxico português, que foi a indígena e a africana.
De acordo com Dick,
A formação etno-histórica do Brasil acusa a existência de estratos populacionais diversos
como os ameríndios, distribuídos em vários troncos e famílias, os portugueses, os africanos
e os de procedência estrangeira, já em época posterior à colonização propriamente dita.
Essa origem heterogênea deixou reflexos diferençados na língua, nos usos e costumes, nas
tradições regionais e, conseqüentemente, na toponímia do país” (DICK: 1992, p.81.).
A partir das definições de Toponímia, verifica-se que todos esses conceitos nos trazem uma
contribuição para o conhecimento da evolução da Toponímia. Neste trabalho adotamos a definição de Dick
(1992: p. 03), que considera a Toponímia como uma ciência ampla, que demonstra uma infinita gama de
características sociais, políticas, históricas, econômicas, culturais e antropo-lingüísticas, não só de um
indivíduo, mas de um grupo social, ou seja, de uma região.
Na seqüência, apresentamos os procedimentos metodológicos que nortearam a execução deste
trabalho.
2597
4. Caminhos percorridos
Este estudo foi destinado a investigar a inter-relação língua-cultura-sociedade, por meio do estudo de
uma parte do léxico de um grupo sócio-lingüístico-cultural a partir da extração dos topônimos dos
logradouros da cidade de Três Lagoas - MS.
Para a coleta dos signos toponímicos, trabalhamos com duas formas de pesquisa:
a) Pesquisa indireta, na qual a coleta dos dados foi feita por meio da análise documental-cartográfica
para inventariar os signos toponímicos da cidade.
b) Pesquisa direta, realizada de duas maneiras: uma que consistiu no envio de correspondência para a
Prefeitura Municipal de Três Lagoas-MS.
Ressaltamos que, seguindo a tradição dos estudos toponímicos, a pesquisa indireta foi efetuada antes
da pesquisa direta. Isso ocorreu para que sejam evitadas lacunas no resultado final do trabalho.
A pesquisa tem como subsídios teórico-metodológicos os princípios da Lexicologia e da Toponímia.
Para a classificação dos topônimos, empregamos o modelo taxionômico sugerido por Dick (1992: 3134). A toponimista divide os topônimos em duas ordens de conseqüência:
Taxionomias de Natureza Física: astrotopônimos, cardinotopônimos, cromotopônimos,
dimensiotopônimos,
fitotopônimos,
geomorfotopônimos,
hitrotopônimos,
minatopônimos,
meteorotopônimos, morfotopônimos, zootopônimos.
Taxionomias de Natureza Antropo-Cultural4: animotopônimos ou nootopônimos,
antropotopônimos, axiotopônimos “topônimos relativos aos títulos e dignidades de que se fazem
acompanhar os nomes próprios individuais”. Ex.: Presidente Prudente (AH SP); Doutor Pedrinho (AH MG);
Duque de Caxias (AH AC).”, corotopônimos, cronotopônimos, ecotopônimos, ergotopônimos,
etnotopônimos, dirrematotopônimos, hierotopônimos, historiotopônimos, hodotopônimos ou odotopônimos,
númerotopônimos, poliotopônimos, sociotopônimos, somatotopônimos.
Como se pode perceber, a terminologia adotada é composta pelo elemento topônimo antecedido por
um elemento genérico que define a classe onomástica. Desse modo, nomes com origens relativas aos
movimentos de cunho histórico-social e aos seus membros recebem a denominação de historiotopônimos.
Na cidade de Três Lagoas-MS, há 448 logradouros, ou seja, 448 signos toponímicos que constituem o
corpus desta pesquisa. Neste estudo, apresentamos todos os topônimos da cidade de Três Lagoas e suas taxes
toponímicas.
Para tanto, classificamos os topônimos dentro da taxionomia proposta por Dick (1992) por meio de
quadros estatísticos, a fim de demonstrar a análise dos topônimos de tal forma a resgatar aspectos históricos,
lingüísticos, sociais e culturais.
Convém ressaltar que o estudo dos topônimos das vias públicas de Três Lagoas (MS), ajudará a
resgatar, na memória de seus moradores, a importância de fatos históricos, sociais e culturais. De acordo com
a explanação acima do que vem a ser um topônimo, e a partir dos dados coletados pela pesquisa indireta,
efetivada por intermédio da análise documental-cartográfica, tivemos a oportunidade de extrair 448 signos
toponímicos.
5. Análise dos dados
Demonstramos os resultados estatísticos de nossos dados por meio de dois gráficos: Gráfico I –
percentual das taxionomias toponímicas em que verificamos o percentual das taxionomias de acordo com a
natureza física e com a natureza antropo-cultural, sem deixar de incluir o total dos topônimos que não foram
classificados; Gráfico II – taxes toponímicas dos logradouros da cidade de Três Lagoas em que distribuímos
as taxes toponímicas com seus respectivos percentuais com o intuito de averiguarmos quais foram as taxes
mais produtivas e analisarmos, dentre elas, as cinco mais recorrentes na toponímia de Três Lagoas. Assim,
podemos recuperar que aspectos motivaram o designador/enunciador no ato de batismo dos logradouros de
Três Lagoas.
4
- Exemplos extraídos de Dick (1992).
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5.1 Apresentação dos dados
GRÁFICO I - PERCENTUAL DAS TAXIONOMIAS
0,45% TOPONÍMICAS
9,38%
Taxionomias de Natureza
Antropo-Cultural
Taxionomias de Natureza
Física
NC
90,18%
5.2 Análise do gráfico I
A partir da análise dos dados estatísticos do gráfico I, foi possível verificar que as taxionomias de
natureza antropo-cultural obtiveram recorrência superior em relação às taxionomias de natureza física. Na
nomenclatura onomástica de Três Lagoas, há o percentual de 90,18% (404 topônimos) de taxes de natureza
antropo-cultural; 9,38% (42 topônimos) de natureza física; 0,45% (2 topônimos) que não conseguimos
classificá-los dentre as taxes sugeridas por Dick (1992).
A predominância de taxes de natureza antropo-cultural pode ser explicada pelo nosso objeto de
pesquisa: a toponímia dos logradouros da cidade de Três Lagoas, ou seja, trata-se de uma pesquisa em que se
analisa a toponímia urbana. Diante desse fato, é compreensível que haja mais topônimos de natureza
antropo-cultural porque é nas cidades, zona urbana, que há concentração de pessoas e isso faz com que o
designador busque a motivação para nomear espaços urbanos em fatos relacionados à cultura, à história e à
sociedade como um todo.
Quando se trata de uma pesquisa a respeito dos acidentes físicos5, verifica-se que acontece o contrário.
Isso pode ser constatado pelas pesquisas de Francisquini (1998), Schneider (2202), 03) e Dargel (2003). Ou
seja, quando se pesquisa a toponímia urbana de uma localidade, há a predominância de taxes de natureza
antropo-cultural; por outro lado, quando se analisa a toponímia física, as taxes de natureza física são mais
recorrentes. Percebemos, portanto, que a toponímia urbana de Três Lagoas segue em linhas gerais as
tendências do processo designativo como um todo. Buscamos em Sapir (1969) argumentos de que o
ambiente se reflete no léxico da língua, no sentido em que consideramos que um topônimo, fato de língua, é
anteriormente uma unidade de língua e, portanto, uma parte do léxico.
5
- Acidentes físicos – córregos, rios, montanhas; acidentes humanos – ruas, cidades, fazendas.
2599
GRÁFICO II - TAXES TOPONÍMICAS DOS LOGRADOUROS
DA CIDADE DE TRÊS LAGOAS
8,48%
0,45%
0,22%
0,45%
2,01%
0,22%
A NIM OTOP ÔNIM OS
1,56%
A NTROP OTOP ÔNIM OS
1,56%
A STROTOP ÔNIM OS
A XIOTOP ÔNIM OS
CA RDINOTOP ÔNIM OS
COROTOP ÔNIM OS
1,12%
CROM OTOP ÔNIM OS
5,36%
CRONOTOP ÔNIM OS
0,89%
ETNOTOP ÔNIM OS
0,67%
FITOTOP ÔNIM OS
GEOM ORFOTOP ÔNIM OS
2,90%
HIDROTOP ÔNIM OS
HA GIOTOP ÔNIM OS
0,67%
HISTORIOTOP ÔNIM OS
2,01%
HODOTOP ÔNIM OS
0,22%
LITOTOP ÔNIM OS
NÃ O CLA SSIFICA DOS
4,69%
NUM EROTOP ÔNIM OS
SOCIOTOP ÔNIM OS
1,79%
SOM A TOTOP ÔNIM OS
5,13%
58,71%
ZOOTOP ÔNIM OS
0,89%
5.3 Análise do gráfico II
O objetivo em demonstrarmos os dados a partir de um gráfico foi o de considerarmos que a
visualização dos percentuais das taxes toponímicas poderia facilitar o entendimento de quem vier a ler este
estudo. A partir da classificação do gráfico II, de acordo com o modelo de classificação de topônimos
sugerido por Dick (1992), analisamos as cinco taxes mais produtivas, ou seja, as que mais se destacaram
dentre as vinte e sete taxes propostas pela autora.
Dentre as vinte e sete taxes do modelo classificatório adotado neste estudo, as cinco mais recorrentes
no processo onomástico dos logradouros da cidade de Três Lagoas (MS) foram os antropotopônimos, os
axiotopônimos, os corotopônimos, os hagiotopônimos e os numerotopônimos.
Os antropotopônimos referem-se aos designativos de lugares que homenageiam pessoas em geral e
principalmente da localidade. Esclarecemos que esta taxe corresponde aos topônimos relativos aos nomes
próprios individuais e é bastante usada na toponímia brasileira. Tal relevância se dá ao fato de que na maioria
dos trabalhos desenvolvidos nesta disciplina, principalmente nos da toponímia urbana, os antropotopônimos
predominam. Neste trabalho, tiveram ocorrência significativa, pois dos 448 topônimos analisados 263 deles
pertencem a esta taxe que abrangeu um percentual de 58,71%.
Segundo Dargel (2003: p. 156), “às vezes, os antropotopônimos são designativos espontâneos; em
outras, são impostas por autoridades políticas, por atos voluntários e até por oportunismo”.
Os axiotopônimos, com 23 ocorrências, correspondem a 5,13% do total dos logradouros da cidade de
Três Lagos (MS), são os topônimos que homenageiam personalidades e vêm antecedidos por títulos, por
patentes ou por profissões.
Ao se nomear um lugar, algum aspecto da realidade física ou social intervem nessa escolha. O nome
dado, portanto, possui um motivo para ter sido resgatado ou criado. Nesse sentido, podemos constatar que a
taxe dos axiotopônimos não foi tão produtiva como a anterior, a dos antropotopônimos. Porém, convêm
lembrar que ambas homenageiam pessoas que tiveram relevância no local ou na história em geral, como é o
caso da Praça Getúlio Vargas. Esse topônimo, como se vê, presta homenagem a um ex-presidente da
república. Pelo exposto, notamos que tal incidência resgata muito da história não apenas de uma cidade, mas
também de um estado ou de um país.
2600
Os corotopônimos - topônimos relativos aos nomes de cidades, países, estados, regiões e continentes tiveram uma ocorrência de 21 topos, ou seja, 4,69% do percentual total dos logradouros de Três Lagoas
entraram no processo onomástico da cidade como um meio de resgatar a importância exercida por algumas
localidades sobre esta região sul-mato-grossense.
A exemplo de topônimos motivados como corotopônimos, em Três Lagoas (MS), temos Rua Mato
Grosso, Rua Paranaíba: que faz referência tanto a uma cidade do estado de Mato Grosso do Sul como a um
rio6.
Dick, em sua obra Toponímia e Antroponímia no Brasil - parte de uma Coletânea de estudos
toponímicos e antroponímicos, ressalta como as influências externas ou subjetivas transparecem no
mecanismo de nomeação, ou melhor dizendo, nos topônimos, vindos, portanto, das mais diversas origens e
procedências.
Os hagiotopônimos, com 24 topos (5,36%), correspondem aos nomes relativos a santos e santas do
hagiológio romano que faz parte da décima taxe de natureza Antropo-cultural, os hierotopônimos podem,
ainda, apresentar duas subdivisões: os hagiotopônimos e os mitotopônimos.
O fato de se nomear um logradouro com um hagiotopônimo ocorre por vários motivos. A exemplo
disso: um bairro pode ser nomeado por “Bairro Santa Luzia” simplesmente porque naquela localidade há
uma igreja ou capela com o mesmo topônimo. Portanto, a origem de um signo toponímico pode vir das mais
diversas possibilidades do processo onomástico. Em Três Lagoas, temos um exemplo fiel dessa hipótese. O
logradouro Praça Santo Antônio recebeu este nome porque há uma igreja no mesmo local e com o mesmo
nome. Ainda pode haver a ocorrência de hagiotopônimos em virtude da crença do designador, que escolhe
seu santo protetor e o homenageia por intermédio do processo designativo. Essa tendência toponímica é
universal, pois primeiramente se homenageava o Criador e os santos, depois os integrantes da coroa - como
reis, príncipes, princesas, duques – e, por último, os aspectos físicos circundantes do espaço a ser nomeado.
Os numerotopônimos correspondem aos nomes relativos aos adjetivos numerais de maneira geral.
Houve uma ocorrência significativa nesta taxe que obteve o percentual de 8,48% do total de topônimos
analisados, ou seja, 38 logradouros, mais especificamente ruas e alamedas, foram nomeadas por números.
Como, por exemplo, rua 6, rua 13 e alamedas 5, 9, 3.
Sabemos que a Toponímia não aceita alterações dos topônimos. Por isso, notamos que, em alguns
casos, o uso da taxe é errôneo, pois as pessoas nomeiam uma rua com um número e depois mudam seu nome
na primeira oportunidade, pois se morrer alguém considerado importante na localidade, para homenagear
essa pessoa, o nome do logradouro é trocado-temos a impressão que os numerotopônimos são topônimos ‘de
reserva’ na toponímia urbana. Os numerotopônimos funcionam como nomes em um momento em que não se
tinham outros, geralmente motivados pela rápida expansão de uma localidade, e que, posteriormente, são
modificados por outro topônimo.
Ressaltamos que os toponimistas são contrários não apenas a mudanças de um ou outro topônimo, mas
sim, dos topônimos de maneira geral.
Tínhamos como propósito analisar as taxionomias de maior produtividade da toponímia
urbana de Três Lagoas (MS). Dessa forma, analisamos cinco das vinte e sete taxes sugeridas por
Dick (1992, p.31-34), não por que as outras possuem menor importância, e sim, por não ser nosso
objetivo neste trabalho. Ressaltamos que todas as taxes são significativas, pois revelam muitos
aspectos históricos, sociais, culturais, ou seja, de uma gama considerável de aspectos da vida
urbana.
6. Considerações Finais
Tendo em vista os dados colhidos e analisados nesta pesquisa, apontamos tendências da toponímia
urbana de Três Lagoas (MS), percebidas por intermédio desta pesquisa. No entanto, consideramos este
trabalho um estudo inicial pois, como já foi ressaltado no decorrer deste estudo, não há conclusões
definitivas sobre este assunto. Isso ocorre por haver um amplo campo de investigação na Toponímia. Dick
(1992, p.48) ressalta que “não será pretensioso de sua parte objetivar o encontro de vinculações entre o nome
de lugar e as características que subordinam o denominador à sua época”.
Propusemos nesta pesquisa inventariar, classificar e analisar os topônimos dos logradouros da
toponímia urbana de Três Lagoas, cidade que faz parte do Bolsão sul-mato-grossense. De acordo com o
6
- Ambos localizados na região do Bolsão sul-mato-grossense. O Rio Paranaíba se junta ao Rio Grande para formarem o Rio Paraná,
marco divisor do estado de Mato Grosso do Sul com o estado de São Paulo.
2601
modelo taxionômico adotado, considerado pelos toponimistas como o mais eficaz e, além disso, é voltado
para a realidade brasileira, classificamos 448 signos lingüísticos dentro das 27 taxionomias sugeridas por
Dick (1992) e depois analisamos as cinco mais recorrentes na toponímia dos logradouros de Três Lagoas,
com o intuito de verificar condicionantes sócio-culturais que influenciaram o designador/enunciador no ato
do batismo dos logradouros.
Após ter encerrado esta pesquisa inicial, acreditamos ter cumprido nossos objetivos propostos e
aguçado, mais ainda, o interesse em desvendar certas ocorrências no processo onomástico de Três Lagoas
(MS), ou seja, a motivação de cada topônimo seria o ideal para que assim pudéssemos recuperar mais dados
e colaborar com a população da cidade em que conhecessem mais aspectos da sua história sócio-lingüísticocultural.
Em relação ao que destacamos nesta pesquisa, constatamos, a partir da análise do gráfico I, a
predominância das taxionomias de natureza antropo-cultural, com o percentual de 90,18% do total de
topônimos inventariados e classificados. Em relação às taxionomias de natureza física, encontramos 9,38%
de ocorrência entre todos os topônimos estudados. Acreditamos que tal constatação se deva ao fato desta
pesquisa ter como objeto de investigação a toponímia urbana. Ao se nomear um topo, sabemos que a escolha
normalmente é feita a partir de palavras já existentes na língua e, principalmente, no que está mais próximo
do homem designador. Ou seja, a partir da realidade que o circunda.
Consideramos que, se estivéssemos trabalhando com a toponímia física, possivelmente teríamos
resultados diferentes, uma vez que o ambiente, ao redor do espaço a ser nomeado, seriam aspectos físicos da
flora, da fauna e da geografia da localidade.
Dentre as duas classes, de natureza toponímica, estudadas, as cinco taxes mais produtivas pertencem a
taxionomias de natureza antropo-cultural. No segundo gráfico, há o percentual de cada taxe, a partir do que
pudemos observar que os antropotopônimos (58,71%), os numerotopônimos (8,48%), os axiotopônimos
(5,13%), os hagiotopônimos (5,36%) e os corotopônimos (4,69%) tiveram maior produtividade em relação
as 27 taxes toponímicas.
Vimos que as taxes que predominaram denotam a importância atribuída pelo denominador à
valorização do ser humano, às crenças, pois no processo de nomeação,
(...) o denominador retoma lexias de uso comum e as eterniza por meio da Toponímia, à
medida que opta por determinados tipos de nomes para representar a realidade que o
circunda, ou seja, Acolhe entre todas as possibilidades disponíveis no sistema lingüístico
nomes animais, de planas, de acidentes hidrográficos, nomes de pessoas e estados de
espírito, de santas e santos, de cores, de dimensões (SCHNEIDER: 2002, p.154).
Cremos que sobre a toponímia de Três Lagoas ainda há muito a ser explorado porque consideramos
esta nossa pesquisa como preliminar a respeito do assunto. Porém, acreditamos que conseguimos atingir
nossos objetivos, pois tudo que foi proposto por nós, no início deste trabalho, foi realizado. Contudo,
sabemos que qualquer estudo científico é algo de fundamental importância e que de alguma maneira
contribui com outras pesquisas. Ao final deste início de estudo, chegamos à conclusão que ele nos serviu
para aguçar ainda mais nosso espírito de investigador para que, num futuro bem próximo, possamos resolver
questões toponímicas pendentes do universo investigado, ou seja, da toponímia urbana da cidade de Três
Lagoas (MS).
7. Referências bibliográficas
DARGEL, Ana Paula Tribesse Patrício. Entre buritis e veredas: o desvendar da toponímia do Bolsão sulmato-grossense. (Dissertação de Mestrado) Três Lagoas: UFMS, 2003.
DICK, Maria Vicentina de Paula do Amaral. A motivação toponímica e a realidade brasileira. São Paulo:
Edições Arquivo do Estado, 1990.
_______. Toponímia e Antroponímia no Brasil. Coletânea de Estudos. São Paulo: Serviço de Artes
Gráficas/FFLCH/USP, 1992.
FRANCISQUINI, Ignez de Abreu. O nome e o lugar: uma proposta de estudos toponímicos da microrregião
de Paranavaí. (Dissertação de Mestrado). Londrina: UEL, 1998.
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SCHNEIDER, Marlene. Um olhar sobre a toponímia do Pantanal sul-mato-grossense. (Dissertação de
Mestrado) Três Lagoas: UFMS, 2002.
HISTÓRICO DO MUNICÍPIO DE TRÊS LAGOAS. Documento fornecido pela Prefeitura Municipal. Três
Lagoas: 2002.
MAPA DA CIDADE DE TRÊS LAGOAS. Escala: 1:100.000
www.centroeste.com.br/matogrossodosul
www.ibge.gov.br
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TOPONÍMIA URBANA DE TRÊS LAGOAS – MS: RELAÇÃO ENTRE