EDIÇÃO 6 • ANO 3 • DEZEMBRO 2014
DISTRIBUIÇÃO GRATUITA EDIÇÃO 6 • ANO 3 • DEZEMBRO 2014
ENTREVISTA DIRCEU DE MELLO
ESCRITÓRIO MACHADO, MEYER, SENDACZ E OPICE ADVOGADOS
ARTIGOS AQUISIÇÃO DO SECONDARY MEANING NAS MARCAS TRIDIMENSIONAIS
A IMPORTÂNCIA DA LEI N. 12.318/2010 PARA A CONVIVÊNCIA FAMILIAR
Artigo
AQUISIÇÃO DO SECONDARY
MEANING NAS MARCAS
TRIDIMENSIONAIS
Jacques Labrunie é Doutor em Direito pela PUC-SP,
Mestre em Direito pela Université de Droit de Paris II
(Panthéon/Assas). Professor Assistente Doutor da PUC-SP
nos cursos de graduação e pós-graduação. Advogado.
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J acques L abrunie
I – Distintividade dos sinais
Estabelece nossa Lei de Propriedade Industrial
que os requisitos necessários para a concessão de
um registro de marca perante o INPI – Instituto
Nacional de Propriedade Industrial são licitude,
disponibilidade e distintividade do sinal. Sem relegar a importância de qualquer um dos requisitos
mencionados acima, importa aqui abordar, com
maior ênfase, o requisito da distintividade. Na
função adjetiva do vocábulo, distintivo é tudo
aquilo “próprio para distinguir” 1.
Essa simples explicação, leva-nos a aqui a abraçar o entendimento de que a função da marca não
é a de, somente, indicar a origem do produto ou
do serviço, mas também a de simplesmente distinguir o próprio produto ou serviços de outros
concorrentes, em uma simbiose de conceitos.
Os críticos da predominância da função distintiva sobre a designação de origem alegam que tal
função é demasiadamente ampla, já que seria
“através da marca que o consumidor é capaz de
reconduzir um determinado produto ou serviços
à pessoa que o fornece2”. Outra corrente trilha o
entendimento de que um é sinônimo de outro e,
mais recentemente, há ainda aqueles para os “quais
a função distintiva se encontra ultrapassada, sendo
atualmente a função principal a publicitária ou,
ainda, a comunicativa”3.
Diante dos diversos caminhos em relação às
funções e/ou requisitos da marca, com breve reflexão, conclui-se que, sim, está a função de origem
ultrapassada, se exclusivamente considerada, já que
diante dos grandes conglomerados empresariais,
sequer sabe o consumidor que determinada linha
de produtos é de uma mesma origem. A função
exclusivamente distintiva é tampouco conclusiva,
1. http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/index.php?lingua=portugues-portugues&palavra=distintivo.
Acesso em 08/10/2014.
2. Idem. p. 85
3. Idem. p 86
pois há casos em que a origem é essencial para
determinada marca, sobretudo para aquelas empresas cujas atividades são notórias e afamadas no
mercado, independentemente da diferença de linha
de produtos e serviços.
O caráter publicitário e/ou comunicativo da
marca tem cumprido, cada vez mais, um papel de
importância, já que as marcas “aspiracionais” e
aquelas que transmitem princípios estão cada vez
mais em voga. Não se pode esquecer, também, da
função de garantia de qualidade das marcas.
O fato é que todas as funções terão, a depender
do sinal e das circunstâncias momentâneas, maior
ou menor prevalência sobre a outra. Por vezes,
todas atuarão ao mesmo tempo.
Os sinais distintivos, como signos comunicantes, são organismos que se alteram no decorrer de
suas vidas. Demonstração dessa vivacidade são os
fenômenos da vulgarização e do secondary meaning.
A mutabilidade dos sinais distintivos é resultado
de contextos sociais, históricos e da própria variação de interpretação de tais contextos.
De qualquer forma, a despeito dos diversos
papeis das marcas, a função distintiva é aquela
juridicamente protegida e que sustenta todas as
demais4. No cumprimento desta função “se deve
assegurar que o sinal adotado como marca seja
utilizado com exclusividade por seu titular ou por
quem este autorize”.
II – Distintividade da Marca Tridimensional
Visto que a distintividade é função e requisito
para que um sinal exerça o papel de marca, passemos ao conceito de marca tridimensional, a qual
se constitui pela forma plástica do produto ou da
embalagem, cuja forma tenha capacidade distintiva em si mesma e esteja dissociada de qualquer
efeito técnico, além de não ser desenho industrial
de terceiro, nos termos do art. 124, XXI e XXII5
4. Ibidem. p. 88
5. Art. 124. Não são registráveis como marca:
da LPI.
Em decorrência do art. 124, XXI, o qual proíbe registro como marca de “forma necessária, comum
ou vulgar do produto ou de seu acondicionamento”, sem
qualquer ressalva, a distintividade da marca tridimensional deve ser absoluta, quando considerada
em si mesma. Vale dizer que a marca deve ser
destacada em grau suficiente para separar-se eficazmente daquilo que está e deve permanecer no
domínio comum. Além disso, que cumprir com
uma distintividade relativa, ou seja, deve diferenciar-se de outros sinais adotados por terceiros. 6
Gama Cerqueira, ao tratar dos “invólucros”
ensinava-nos que “(...) a forma é suficiente, sem
qualquer ornamentação, para constituir a marca.
O que mais interessa, portanto, é a forma do invólucro ou recipiente. Se este, pelo seu feitio
original, fora do comum, se distinguir dos que
vulgarmente são empregados, pode ser adotado
como marca” 7.
III – Formas de Aquisição de Distintividade nas Marcas
Tridimensionais
A distintividade marca tridimensional, portanto, deve ser vista sob duas óticas “(...) em relação
à diferença das formas de uso comum, necessário
ou vulgar” e “(...) capacidade ou potencialidade
do sinal em exercer a função distintiva. Em outras
palavras, há necessidade de avaliar se os diferenciais
que a forma possui são passíveis de captação pelo
público em geral e, assim, se são capacitados para
a identificação distintiva de determinado produto
XXI - a forma necessária, comum ou vulgar do produto ou de acondicionamento, ou, ainda, aquela que não possa ser dissociada de efeito
técnico.
XXII - objeto que estiver protegido por registro de desenho industrial de
terceiro
6. DO PRADO, Elaine Ribeiro. Sistema de Construção de Distintividade da
Marca Tridimensional em 20 anos de direito Denis Borges Barbosa Advogados. p. 90
7. CERQUEIRA, João da Gama. Tratado da Propriedade Industrial. Vol I.
Rio de Janeiro: Lumen Juris Editora, 2010. p. 307
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Artigo
ou serviço”. Desse modo, há duas espécies de
distintividade na marca tridimensional, a originária ou a “adquirida pelo uso (secondary meaning)”.
Para o primeiro caso,“a forma, desde sua concepção, possui características suficientes para ser reconhecida e diferenciada das que a cercam” 8.
A distintividade adquirida pelo fenômeno do
secondary meaning ocorre quando um sinal que, a
princípio, não era considerado distintivo, passa a
sê-lo pelo uso e reconhecimento pelo público
consumidor como identificador de determinado
produtos ou serviços. A legislação brasileira não
faz qualquer menção ao secondary meaning, mas o
art. 6 quinquies C.1 da CUP e art. 15 da TRIPS
preveem tal instituto, ainda que vagamente9.
O secondary meaning pode ocorrer tanto em
marcas nominativas e mistas, quanto figurativas,
tridimensionais, trade dress, designs, etc. Diferentemente da doutrina, o INPI é silente quanto à sua
aplicabilidade, apesar de, como entende Maitê
Cecília Fabbri Moro, alguns registros compostos
por figuras tridimensionais comuns provavelmente tenham sido concedidos pelo uso e pela associação na mente do público do processo marca
-produto. Exemplos: forma tridimensional da
caneta BIC, do isqueiro ZIPPO e dos chocolates
TOBLERONE e BATON10.
De qualquer forma, como este fenômeno
ocorre nas marcas tridimensionais de forma plástica necessária, comum ou vulgar? Como as empresas podem construí-lo, fazendo-as cumprir a
função de indicador de origem do produto?
IV – Aquisição de Distintividade da Marca Tridimensional
por meio do Secondary Meaning
Antes de refletirmos sobre a resposta à indaga-
J acques L abrunie
ção acima, é pertinente citar Lélio Denicoli Schmidt, ao dizer que “[q]ualquer elemento pode se
tornar um signo capaz de estabelecer uma forma
de comunicação. Quando essa comunicação assumir função marcária, o signo funcionará como
marca, por mais improvável que a princípio isso
possa parecer11”.
Esta ideia é corroborada pela semiótica, a qual
demonstra que nosso “estar-no-mundo, como
indivíduos sociais que somos, é mediado por uma
rede intrincada e plural de linguagem, isto é, que
nos comunicamos também através da leitura e/ou
reprodução de formas, volumes, interações de
forças, movimentos (...)12”.
Quem não reconhece uma caneta BIC por
meio de seu mero formato? Ou uma garrafinha
de Yakult dentre os concorrentes? Ou uma embalagem da Tiffany com sua cor verde água enlaçada com fita branca? Produtos com formatos
necessários, comuns ou vulgares, os quais se tornaram verdadeiros signos comunicativos, ou seja,
o “formato do produto passa a ser em si uma
marca13”.
O primeiro ponto a se constatar na ocorrência
do fenômeno é o longo e contínuo uso da marca
tridimensional como indicador de origem 14.
Como exemplo eficaz, tem-se a publicidade que
colabora para a construção da distintividade de
um objeto como marca. Famoso caso é o da garrafa da Coca-Cola, usada desde 1915, e cuja forma
foi (e ainda é) explorada por diversos meios de
publicidade no decorrer de sua vida, desde a exposição da garrafa em comerciais e anúncios, até
brindes e outros produtos, como vestuário, por
11. SCHMIDT, Lélio Denicoli. A distintividade das marcas. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 173
12. SANTAELLA, Lucia. O que é Semiótica. Ed. Brasilience. p. 2
8. MORO, Maitê Cecília Fabbri. Marcas Tridimensionais. Sua proteção e
os aparentes conflitos com a proteção outorgada por outros institutos da
propriedade intelectual. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 150-151
9. Idem. p. 162-163
10. Idem. p. 159-161
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13. SCHMIDT, Lélio Denicoli. A distintividade das marcas. São Paulo:
Saraiva, 2013. p. 173
14. DO PRADO, Elaine Ribeiro. Sistema de Construção de Distintividade da
Marca Tridimensional em 20 anos de direito Denis Borges Barbosa Advogados. p. 93-94
exemplo. Além disso, as estratégias de defesa da
marca tridimensional são eficazes, sobretudo para
evitar que referido formato torne-se uma “tendência de mercado”.
“Demonstrar que o produto representa parte
considerável da receita da empresa” e para o qual
tenham sido feitos relevantes investimentos, inclusive para criar na mente do consumidor a associação daquele objeto como indicador de origem,
são atos adicionais que ajudam na construção da
distintividade. O acatamento dos concorrentes do
reconhecimento do público do produto como
indicador de origem (tal como citado no famoso
caso do Polvilho Antisséptico Granado, cuja distintividade foi reconhecida pela própria Johnson
& Johnson) e (...) evitar que a ênfase publicitária
seja nos aspectos utilitários ou no aspecto ornamental do objeto, em detrimento da indicação de
origem, são outros mecanismos eficientes na
construção da distintividade pelo secondary meaning15.
15. Idem. p. 96-97
Na esteira da construção da distintividade das
marcas tridimensionais, há partidários do entendimento de que o seu registro apenas pode ser
concedido se a marca tiver adquirido distintividade de acordo com as etapas acima, ou seja, por
meio do uso. Há que haver uma educação do
público consumidor para que ele entenda que
aquela forma corresponde a uma determinada
origem. Esse é o entendimento estadunidense de
que a forma de um produto só é protegida como
marca quando demonstrada a aquisição de função
marcaria no uso concreto.
Ainda nos atendo apenas à doutrina nacional,
Maitê Cecília Fabbri Moro sustenta, todavia, que
“nada impede que uma forma seja intrinsecamente distintiva e faça jus ao registro independentemente da comprovação de secondary meaning”. Esse
entendimento é também trilhado pela Europa, não
havendo para proteção da marca tridimensional
maiores exigências do que aquelas incidentes
sobre as demais marcas16.
V – Conclusão
Independentemente dos diferentes entendimentos, parece-nos inconteste que o fenômeno
do secondary meaning é determinante na construção
da distintividade de marcas tridimensionais de
forma necessária, comum ou vulgar.
Aliás, ocorrendo esta mutação no sinal tridimensional, notadamente para aquelas alterações
trabalhadas pelo titular, deve ser tal marca protegida pelo ordenamento jurídico, seja pelo instituto da concorrência desleal, seja pelo registro de
marca concedido pelo INPI. A transformação do
objeto em marca deve ser tutelada pelo sistema
legal, pois que se torna uma forma de comunicação com o público consumidor, seja remetendo à
sua origem, seja diferenciando-se de outros iguais
ou semelhantes.
16. MORO, Maitê Cecília Fabbri apud Lélio Denicoli. A distintividade
das marcas. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 182
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Artigo
A divergência de
interpretação da justiça
do trabalho sobre o
conceito e a extensão
da “terceirização” em
face dos princípios
constitucionais da ordem
econômica e a necessidade
de decisão do Supremo
Tribunal Federal sobre a
matéria.
Marcelo Figueiredo é Advogado. Consultor Jurídico.
Professor Associado de Direito Constitucional da Faculdade
de Direito da PUC-SP. Vice-Presidente da Associação
Internacional de Direito Constitucional- IACL-AIDC e
Presidente da Associação Brasileira dos Constitucionalistas
Democratas-ABCD- seção brasileira do Instituto
IberoAmericano de Direito Constitucional com sede no
México.
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Fórum j urí di co
marcelo figueiredo
O objetivo do presente artigo é o de chamar
a atenção para a necessidade de, sem preconceitos, encarar a necessidade de estabelecer novos
tipos de relações de trabalho e sua regulação no
mundo contemporâneo. Embora não seja essa
minha especialidade (o direito do trabalho em
si mesmo considerado), por razões de cunho
profissional e acadêmico fui chamado a estudar
a temática sob a perspectiva constitucional, justificando assim talvez só por isso as presentes
reflexões sob tal perspectiva.
Diga-se preliminarmente que a justiça do
trabalho em todo o Brasil, ora entende ilícita a
terceirização de parte das atividades das empresas, obrigando a eliminar esta prática sem respeitar os contratos celebrados pelas partes, ora
entende lícita e permitida a terceirização, proporcionando a todos os segmentos, tanto ao
empresarial como aos trabalhadores envolvidos
nestas relações, grande insegurança jurídica.
É preciso ainda recordar que a chamada
«flexibilização das relações de trabalho» é uma
realidade em todo o mundo. A mundialização
da economia, a alta competitividade exigida na
abertura dos mercados e o advento das chamadas “novas tecnologias” são os fatores que mais
têm contribuído para o aumento do desemprego que se observa atualmente em toda parte1.
Desse modo, urge procurar novas e criativas
formas de contratar pessoas nas inúmeras atividades econômicas, intelectuais, manuais, operativas que envolvam o engenho e arte do Homem, com dignidade, naturalmente.
Não é o caso aqui de discutir a relação, relevante, sem dúvida, entre desemprego e as leis
de proteção ao trabalho, tema que divide os
especialistas. Importa destacar outro aspecto
1. FIGUEIREDO, Marcelo.“A duração do trabalho e temas correlatos no
contexto da globalização econômica”, In,”Direito Constitucional- Estudos
interdisciplinares sobre federalismo, democracia e Administração Pública”,
Editora Forum, 2012.
mais pragmático.
O Brasil permite em determinadas condições,
tanto o trabalho temporário como a terceirização. A esse respeito, recordem-se as Leis
6.019/74, e 9472/97 (v.g. art. 94, II) e a Súmula nº 331 do Tribunal Superior do Trabalho
(TST), especialmente seu inciso III.
A matéria assumiu relevo constitucional em
razão de várias decisões da Justiça do Trabalho,
sobretudo, em função da interpretação que o
TST vem outorgando à Súmula nº 331. Essa
interpretação, salvo melhor juízo, repercute
negativamente na atividade econômica e empresarial de diversos segmentos da economia
nacional, sendo em tudo aconselhável a manifestação do Supremo Tribunal Federal (STF),
da jurisdição constitucional a fim de pacificar
o entendimento e inteligência sobre a matéria,
suprimindo a insegurança jurídica que em tudo
prejudica os atores envolvidos nesta importante relação jurídica.
Dentre as várias questões em discussão, ressalto os questionamentos mais importantes, a
saber: a) É possível afirmar que a Súmula nº 331
do TST, segundo a interpretação que lhe tem
sido conferida pela Justiça do Trabalho no tema
da terceirização, viola o princípio da reserva
legal?; b) A distinção entre atividade-meio e
atividade-fim é prevista na legislação que regula osvários segmentos da economia empresarial
e produtiva nacional?; c) Existe algum meio
processual para que o STF enfrente a questão e
possa destacar qual o entendimento constitucional sobre a matéria perspassando os diversos
princípios e normas aplicáveis?
Um bom indício que o Supremo deverá
analisar a matéria já nos é oferecido pelo Ministro Luiz Fux2 que reconheceu (eventual)
ofensa ao art. 5º, inciso II da Constituição
Federal (CF), nos seguintes termos:“na medida
em que a proibição judicial de contratação de
mão de obra terceirizada não decorreu da análise de um texto legal específico, mas de uma
compreensão pretoriana que almejou delimitar
o princípio da legalidade no âmbito das relações
trabalhistas. Assim, a análise do texto constitucional é direta, e não reflexa, a legitimar o
manejo do Recurso Extraordinário”.
Desde logo anotamos que a falta de uniformidade das decisões judiciais no Brasil já era
sentida desde o século XIX, é dizer, muito
antes da criação da própria jurisdição constitucional, que somente aparece no constitucionalismo brasileiro quando da proclamação da
República. Joaquim Nabuco, que “não basta
unidade de legislação, é preciso unidade de
jurisprudência; sem unidade de jurisprudência
não há unidade na legislação; sem unidade de
legislação, não há unidade nacional3.
Hoje é inegável que uma das funções principais da jurisdição constitucional é aquela
consistente em dar unidade ao direito interno,
de forma a não permitir que haja uma fragmentação da sua interpretação de modo a violar as
normas e princípios constitucionais, a inteireza
da Constituição.
O efeito vinculante da jurisprudência constitucional pode ser encontrado v.g. nos ordenamentos jurídicos da Alemanha, Espanha, Itália,
Costa Rica, e, com suas particularidades, também nos ordenamentos da Argentina e Colômbia dentre outros. O Brasil não é diferente.
Deveras, o STF já deixou assentado que é
admissível a ADPF «quando configurada lesão
a preceito fundamental provocada por
interpretação judicial (ADPF 33/PA, 101 e
144/DF) - como instrumento viabilizador da
interpretação conforme a constituição. Contro-
2. Embargos de Declaração no Ag.Recurso Extraordinário 713.211.MG
1 Turma, julgado em 01/04/2014.
3. NABUCO, Josaquim. Um estadista do império – Nabuco de Araújo.
Volume I. São Paulo: Instituto Progresso Editorial, 1.949, p. 279 e 292.
F ó r u m ju r í di co
61
Artigo
vérsia constitucional relevante motivada pela
existência de múltiplas expressões semiológicas
propiciadas pelo caráter polissêmico do ato
estatal impugnado.” (ADPF 187-DF, Relator
Min. Celso de Mello, julgado em 15/06/2011,
Tribunal Pleno).
Acredito que o tema da “terceirização” possa ser considerado, como o de uma “lesão a
preceito decorrente de mera interpretação judicial, seja a existência de contrariedade à
Constituição decorrente de decisão judicial sem
base legal (ou fundada em falsa base legal ou
constitucional), seja diante de omissão constitucional”. Em todos esses casos cabível é a
ADPF.4
No mais, a existência de decisões judiciais
conflitantes sobre o mesmo tema e para agentes
econômicos que atuam no mesmo mercado
relevante configura, inequivocamente, controvérsia constitucional, nos termos do art. 1º, I,
da Lei 9.882/99.
No mérito, acompanho o entendimento
crítico do Ex-Ministro Almir Pazianotto Pinto,
que a respeito da matéria ensina:“Ao contrário
do que dizem os inimigos da terceirização,
buscar maior produtividade, com redução de
custos, não é imoral, antiético, pecado ou crime.
Precisamente porque produtos brasileiros têm
preços superiores aos padrões internacionais,
nossas indústrias não exportam, encontram-se
em crise e desempregam.Terceirizar não interfere nos salários, nos quais se aplicam as leis de
mercado, sobretudo a relação oferta e procura5”.
Ou como afirma Ophir Cavalcanti Júnior6:
De outro lado, com o advento da globalização
da economia ou universalização dos mercados,
4. (ADPF anteriormente citada).
5. Jornal O Estado de São Paulo, página A2, de 11 de Agosto de 2014.
6. JÚNIOR, Ophir Cavalcanti. A terceirização das relações laborais. 1996.
Ed LT. São Paulo, página 74.
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Fórum j urí di co
marcelo figueiredo
aliadas às novas técnicas de administração está
cada vez mais difícil definir o que seja atividade
acessória ou principal de uma empresa. Um
exemplo é o caso das montadoras de automóveis,
que hoje em dia se resumem a isto, montar,
sendo que a fabricação de todos os componentes é terceirizada. Ou será que os componentes
não são essenciais ao produto final?”
O papel reservado ao poder público, neste
particular, é o de fomentar a livre concorrência
e não sufocá-la, castrá-la ou impedir o seu livre
desenvolvimento para livre formação dos preços
finais mais convenientes ao consumidor, sempre
o beneficiado maior da competição e concorrência saudável.
A livre-concorrência significa a possibilidade
de os agentes econômicos poderem atuar, sem
embaraços juridicamente justificáveis, em um
determinado mercado, visando à produção, à
circulação e ao consumo de bens e serviços.
Poder atuar em um mercado aberto à participação dos agentes econômicos pressupõe a
garantia de liberdade de ação desses mesmos
agentes.
Todo esse quadro, creio, justifica amplamente que o STF manifeste-se sobre a matéria o
quanto antes, dizendo qual a sua interpretação
para pacificar a relevante controvérsia que aflige amplos setores da produção nacional, causando grande insegurança a todos os atores
econômicos, empresários e trabalhadores dos
vários segmentos envolvidos.
Seja como for, acredito que o ato de concorrer, isto é, de se pôr em pé de igualdade para
atuar juntamente com os demais atores da cena
econômica, exige um ambiente de liberdade
compatível com essa possibilidade, que só o
princípio da livre iniciativa pode ensejar. Nesse
sentido, os dois conceitos se complementam
porque um garante o exercício das faculdades
inerentes ao outro.
Ao Estado é deferida a relevante tarefa de
velar pela regularidade do mercado e não à sua
destruição ou ablação em detrimento das livres
decisões estratégicas empresariais de gestão que
impeçam de alguma maneira a administração
das empresas no mercado nacional.
O Estado só pode atuar diante de um ato
abusivo nas hipóteses previstas no § 4º, do art.
173. Em uma economia de mercado os preços
devem exprimir a relação de equilíbrio entre a
oferta e a procura, o que supõe concorrência
entre os agentes econômicos. Apenas em situações anormais, extremas ou abusivas deve o
Estado atuar nesse campo, em defesa da sociedade.
Ademais e finalmente, a interpretação da
justiça do trabalho sobre o fenômeno da terceirização, ao variar em grande intensidade o
entendimento entre atividade-meio e atividadefim7, acaba por afetar a competitividade de
vários e importantes segmentos da economia
nacional, ausente lei específica sobre vários
aspectos da matéria, friccionando a noção elementar de Estado de Direito.
É sabido, por fim que o Estado somente pode
atuar no domínio econômico como agente
normativo e regulador, na forma da lei (art.
174, caput, CF) – a chamada competência negativa do Poder Público. Deve o STF se manifestar como derradeiro intérprete da Constituição da República pondo fim à controvérsia
7. A distinção entre atividade-meio e atividade-fim na Justiça do Trabalho
ao que tudo indica e até onde foi possível analisá-la, foi uma construção
um tanto arbitrária ausente, ademais, qualquer lei que a autorize. Ou
ainda como afirma “A diferença entre atividade-fim e atividade-meio nem
sempre é clara, por isso os processos sobre esse tema são julgados a partir
da análise de cada caso concreto, o que dificulta não só o julgamento das
demandas, mas também a ação das empresas no tocante à consciência do
que pode e do que não pode ser alvo de contratação terceirizada”. DOS
PASSOS, João Pedro Ferraz. Aspectos atuais da terceirização trabalhista.
Revista do Advogado Ano XXXIII, n. 121, novembro, AASP, São Paulo:
2013, p. 117
relevante e dando concreção aos valores constitucionais aplicáveis. Aguardemos a esperada
decisão da jurisdição constitucional concentrada para podermos comentá-la.
Referências Bibliográficas:
DOS PASSOS, João Pedro Ferraz. Aspectos atuais da terceirização
trabalhista. Revista do Advogado Ano XXXIII, n. 121, novembro,AASP,
São Paulo: 2013.
FIGUEIREDO, Marcelo. A duração do trabalho e temas correlatos no
contexto da globalização econômica, In Direito Constitucional- Estudos interdisciplinares sobre federalismo, democracia e Administração
Pública. Forum, 2012.
Jornal O Estado de São Paulo, página A2, de 11 de Agosto de 2014.
JÚNIOR, Ophir Cavalcante. A terceirização das relações laborais. São
Paulo: LTR, 1996.
NABUCO, Joaquim. Um estadista do império – Nabuco de Araújo.
Volume I. São Paulo: Instituto Progresso Editorial, 1.949.
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