EDIÇÃO 6 • ANO 3 • DEZEMBRO 2014 DISTRIBUIÇÃO GRATUITA EDIÇÃO 6 • ANO 3 • DEZEMBRO 2014 ENTREVISTA DIRCEU DE MELLO ESCRITÓRIO MACHADO, MEYER, SENDACZ E OPICE ADVOGADOS ARTIGOS AQUISIÇÃO DO SECONDARY MEANING NAS MARCAS TRIDIMENSIONAIS A IMPORTÂNCIA DA LEI N. 12.318/2010 PARA A CONVIVÊNCIA FAMILIAR Artigo AQUISIÇÃO DO SECONDARY MEANING NAS MARCAS TRIDIMENSIONAIS Jacques Labrunie é Doutor em Direito pela PUC-SP, Mestre em Direito pela Université de Droit de Paris II (Panthéon/Assas). Professor Assistente Doutor da PUC-SP nos cursos de graduação e pós-graduação. Advogado. 56 Fórum j urí di co J acques L abrunie I – Distintividade dos sinais Estabelece nossa Lei de Propriedade Industrial que os requisitos necessários para a concessão de um registro de marca perante o INPI – Instituto Nacional de Propriedade Industrial são licitude, disponibilidade e distintividade do sinal. Sem relegar a importância de qualquer um dos requisitos mencionados acima, importa aqui abordar, com maior ênfase, o requisito da distintividade. Na função adjetiva do vocábulo, distintivo é tudo aquilo “próprio para distinguir” 1. Essa simples explicação, leva-nos a aqui a abraçar o entendimento de que a função da marca não é a de, somente, indicar a origem do produto ou do serviço, mas também a de simplesmente distinguir o próprio produto ou serviços de outros concorrentes, em uma simbiose de conceitos. Os críticos da predominância da função distintiva sobre a designação de origem alegam que tal função é demasiadamente ampla, já que seria “através da marca que o consumidor é capaz de reconduzir um determinado produto ou serviços à pessoa que o fornece2”. Outra corrente trilha o entendimento de que um é sinônimo de outro e, mais recentemente, há ainda aqueles para os “quais a função distintiva se encontra ultrapassada, sendo atualmente a função principal a publicitária ou, ainda, a comunicativa”3. Diante dos diversos caminhos em relação às funções e/ou requisitos da marca, com breve reflexão, conclui-se que, sim, está a função de origem ultrapassada, se exclusivamente considerada, já que diante dos grandes conglomerados empresariais, sequer sabe o consumidor que determinada linha de produtos é de uma mesma origem. A função exclusivamente distintiva é tampouco conclusiva, 1. http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/index.php?lingua=portugues-portugues&palavra=distintivo. Acesso em 08/10/2014. 2. Idem. p. 85 3. Idem. p 86 pois há casos em que a origem é essencial para determinada marca, sobretudo para aquelas empresas cujas atividades são notórias e afamadas no mercado, independentemente da diferença de linha de produtos e serviços. O caráter publicitário e/ou comunicativo da marca tem cumprido, cada vez mais, um papel de importância, já que as marcas “aspiracionais” e aquelas que transmitem princípios estão cada vez mais em voga. Não se pode esquecer, também, da função de garantia de qualidade das marcas. O fato é que todas as funções terão, a depender do sinal e das circunstâncias momentâneas, maior ou menor prevalência sobre a outra. Por vezes, todas atuarão ao mesmo tempo. Os sinais distintivos, como signos comunicantes, são organismos que se alteram no decorrer de suas vidas. Demonstração dessa vivacidade são os fenômenos da vulgarização e do secondary meaning. A mutabilidade dos sinais distintivos é resultado de contextos sociais, históricos e da própria variação de interpretação de tais contextos. De qualquer forma, a despeito dos diversos papeis das marcas, a função distintiva é aquela juridicamente protegida e que sustenta todas as demais4. No cumprimento desta função “se deve assegurar que o sinal adotado como marca seja utilizado com exclusividade por seu titular ou por quem este autorize”. II – Distintividade da Marca Tridimensional Visto que a distintividade é função e requisito para que um sinal exerça o papel de marca, passemos ao conceito de marca tridimensional, a qual se constitui pela forma plástica do produto ou da embalagem, cuja forma tenha capacidade distintiva em si mesma e esteja dissociada de qualquer efeito técnico, além de não ser desenho industrial de terceiro, nos termos do art. 124, XXI e XXII5 4. Ibidem. p. 88 5. Art. 124. Não são registráveis como marca: da LPI. Em decorrência do art. 124, XXI, o qual proíbe registro como marca de “forma necessária, comum ou vulgar do produto ou de seu acondicionamento”, sem qualquer ressalva, a distintividade da marca tridimensional deve ser absoluta, quando considerada em si mesma. Vale dizer que a marca deve ser destacada em grau suficiente para separar-se eficazmente daquilo que está e deve permanecer no domínio comum. Além disso, que cumprir com uma distintividade relativa, ou seja, deve diferenciar-se de outros sinais adotados por terceiros. 6 Gama Cerqueira, ao tratar dos “invólucros” ensinava-nos que “(...) a forma é suficiente, sem qualquer ornamentação, para constituir a marca. O que mais interessa, portanto, é a forma do invólucro ou recipiente. Se este, pelo seu feitio original, fora do comum, se distinguir dos que vulgarmente são empregados, pode ser adotado como marca” 7. III – Formas de Aquisição de Distintividade nas Marcas Tridimensionais A distintividade marca tridimensional, portanto, deve ser vista sob duas óticas “(...) em relação à diferença das formas de uso comum, necessário ou vulgar” e “(...) capacidade ou potencialidade do sinal em exercer a função distintiva. Em outras palavras, há necessidade de avaliar se os diferenciais que a forma possui são passíveis de captação pelo público em geral e, assim, se são capacitados para a identificação distintiva de determinado produto XXI - a forma necessária, comum ou vulgar do produto ou de acondicionamento, ou, ainda, aquela que não possa ser dissociada de efeito técnico. XXII - objeto que estiver protegido por registro de desenho industrial de terceiro 6. DO PRADO, Elaine Ribeiro. Sistema de Construção de Distintividade da Marca Tridimensional em 20 anos de direito Denis Borges Barbosa Advogados. p. 90 7. CERQUEIRA, João da Gama. Tratado da Propriedade Industrial. Vol I. Rio de Janeiro: Lumen Juris Editora, 2010. p. 307 F ó r u m ju r í di co 57 Artigo ou serviço”. Desse modo, há duas espécies de distintividade na marca tridimensional, a originária ou a “adquirida pelo uso (secondary meaning)”. Para o primeiro caso,“a forma, desde sua concepção, possui características suficientes para ser reconhecida e diferenciada das que a cercam” 8. A distintividade adquirida pelo fenômeno do secondary meaning ocorre quando um sinal que, a princípio, não era considerado distintivo, passa a sê-lo pelo uso e reconhecimento pelo público consumidor como identificador de determinado produtos ou serviços. A legislação brasileira não faz qualquer menção ao secondary meaning, mas o art. 6 quinquies C.1 da CUP e art. 15 da TRIPS preveem tal instituto, ainda que vagamente9. O secondary meaning pode ocorrer tanto em marcas nominativas e mistas, quanto figurativas, tridimensionais, trade dress, designs, etc. Diferentemente da doutrina, o INPI é silente quanto à sua aplicabilidade, apesar de, como entende Maitê Cecília Fabbri Moro, alguns registros compostos por figuras tridimensionais comuns provavelmente tenham sido concedidos pelo uso e pela associação na mente do público do processo marca -produto. Exemplos: forma tridimensional da caneta BIC, do isqueiro ZIPPO e dos chocolates TOBLERONE e BATON10. De qualquer forma, como este fenômeno ocorre nas marcas tridimensionais de forma plástica necessária, comum ou vulgar? Como as empresas podem construí-lo, fazendo-as cumprir a função de indicador de origem do produto? IV – Aquisição de Distintividade da Marca Tridimensional por meio do Secondary Meaning Antes de refletirmos sobre a resposta à indaga- J acques L abrunie ção acima, é pertinente citar Lélio Denicoli Schmidt, ao dizer que “[q]ualquer elemento pode se tornar um signo capaz de estabelecer uma forma de comunicação. Quando essa comunicação assumir função marcária, o signo funcionará como marca, por mais improvável que a princípio isso possa parecer11”. Esta ideia é corroborada pela semiótica, a qual demonstra que nosso “estar-no-mundo, como indivíduos sociais que somos, é mediado por uma rede intrincada e plural de linguagem, isto é, que nos comunicamos também através da leitura e/ou reprodução de formas, volumes, interações de forças, movimentos (...)12”. Quem não reconhece uma caneta BIC por meio de seu mero formato? Ou uma garrafinha de Yakult dentre os concorrentes? Ou uma embalagem da Tiffany com sua cor verde água enlaçada com fita branca? Produtos com formatos necessários, comuns ou vulgares, os quais se tornaram verdadeiros signos comunicativos, ou seja, o “formato do produto passa a ser em si uma marca13”. O primeiro ponto a se constatar na ocorrência do fenômeno é o longo e contínuo uso da marca tridimensional como indicador de origem 14. Como exemplo eficaz, tem-se a publicidade que colabora para a construção da distintividade de um objeto como marca. Famoso caso é o da garrafa da Coca-Cola, usada desde 1915, e cuja forma foi (e ainda é) explorada por diversos meios de publicidade no decorrer de sua vida, desde a exposição da garrafa em comerciais e anúncios, até brindes e outros produtos, como vestuário, por 11. SCHMIDT, Lélio Denicoli. A distintividade das marcas. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 173 12. SANTAELLA, Lucia. O que é Semiótica. Ed. Brasilience. p. 2 8. MORO, Maitê Cecília Fabbri. Marcas Tridimensionais. Sua proteção e os aparentes conflitos com a proteção outorgada por outros institutos da propriedade intelectual. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 150-151 9. Idem. p. 162-163 10. Idem. p. 159-161 58 Fórum j urí di co 13. SCHMIDT, Lélio Denicoli. A distintividade das marcas. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 173 14. DO PRADO, Elaine Ribeiro. Sistema de Construção de Distintividade da Marca Tridimensional em 20 anos de direito Denis Borges Barbosa Advogados. p. 93-94 exemplo. Além disso, as estratégias de defesa da marca tridimensional são eficazes, sobretudo para evitar que referido formato torne-se uma “tendência de mercado”. “Demonstrar que o produto representa parte considerável da receita da empresa” e para o qual tenham sido feitos relevantes investimentos, inclusive para criar na mente do consumidor a associação daquele objeto como indicador de origem, são atos adicionais que ajudam na construção da distintividade. O acatamento dos concorrentes do reconhecimento do público do produto como indicador de origem (tal como citado no famoso caso do Polvilho Antisséptico Granado, cuja distintividade foi reconhecida pela própria Johnson & Johnson) e (...) evitar que a ênfase publicitária seja nos aspectos utilitários ou no aspecto ornamental do objeto, em detrimento da indicação de origem, são outros mecanismos eficientes na construção da distintividade pelo secondary meaning15. 15. Idem. p. 96-97 Na esteira da construção da distintividade das marcas tridimensionais, há partidários do entendimento de que o seu registro apenas pode ser concedido se a marca tiver adquirido distintividade de acordo com as etapas acima, ou seja, por meio do uso. Há que haver uma educação do público consumidor para que ele entenda que aquela forma corresponde a uma determinada origem. Esse é o entendimento estadunidense de que a forma de um produto só é protegida como marca quando demonstrada a aquisição de função marcaria no uso concreto. Ainda nos atendo apenas à doutrina nacional, Maitê Cecília Fabbri Moro sustenta, todavia, que “nada impede que uma forma seja intrinsecamente distintiva e faça jus ao registro independentemente da comprovação de secondary meaning”. Esse entendimento é também trilhado pela Europa, não havendo para proteção da marca tridimensional maiores exigências do que aquelas incidentes sobre as demais marcas16. V – Conclusão Independentemente dos diferentes entendimentos, parece-nos inconteste que o fenômeno do secondary meaning é determinante na construção da distintividade de marcas tridimensionais de forma necessária, comum ou vulgar. Aliás, ocorrendo esta mutação no sinal tridimensional, notadamente para aquelas alterações trabalhadas pelo titular, deve ser tal marca protegida pelo ordenamento jurídico, seja pelo instituto da concorrência desleal, seja pelo registro de marca concedido pelo INPI. A transformação do objeto em marca deve ser tutelada pelo sistema legal, pois que se torna uma forma de comunicação com o público consumidor, seja remetendo à sua origem, seja diferenciando-se de outros iguais ou semelhantes. 16. MORO, Maitê Cecília Fabbri apud Lélio Denicoli. A distintividade das marcas. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 182 F ó r u m ju r í di co 59 Artigo A divergência de interpretação da justiça do trabalho sobre o conceito e a extensão da “terceirização” em face dos princípios constitucionais da ordem econômica e a necessidade de decisão do Supremo Tribunal Federal sobre a matéria. Marcelo Figueiredo é Advogado. Consultor Jurídico. Professor Associado de Direito Constitucional da Faculdade de Direito da PUC-SP. Vice-Presidente da Associação Internacional de Direito Constitucional- IACL-AIDC e Presidente da Associação Brasileira dos Constitucionalistas Democratas-ABCD- seção brasileira do Instituto IberoAmericano de Direito Constitucional com sede no México. 60 Fórum j urí di co marcelo figueiredo O objetivo do presente artigo é o de chamar a atenção para a necessidade de, sem preconceitos, encarar a necessidade de estabelecer novos tipos de relações de trabalho e sua regulação no mundo contemporâneo. Embora não seja essa minha especialidade (o direito do trabalho em si mesmo considerado), por razões de cunho profissional e acadêmico fui chamado a estudar a temática sob a perspectiva constitucional, justificando assim talvez só por isso as presentes reflexões sob tal perspectiva. Diga-se preliminarmente que a justiça do trabalho em todo o Brasil, ora entende ilícita a terceirização de parte das atividades das empresas, obrigando a eliminar esta prática sem respeitar os contratos celebrados pelas partes, ora entende lícita e permitida a terceirização, proporcionando a todos os segmentos, tanto ao empresarial como aos trabalhadores envolvidos nestas relações, grande insegurança jurídica. É preciso ainda recordar que a chamada «flexibilização das relações de trabalho» é uma realidade em todo o mundo. A mundialização da economia, a alta competitividade exigida na abertura dos mercados e o advento das chamadas “novas tecnologias” são os fatores que mais têm contribuído para o aumento do desemprego que se observa atualmente em toda parte1. Desse modo, urge procurar novas e criativas formas de contratar pessoas nas inúmeras atividades econômicas, intelectuais, manuais, operativas que envolvam o engenho e arte do Homem, com dignidade, naturalmente. Não é o caso aqui de discutir a relação, relevante, sem dúvida, entre desemprego e as leis de proteção ao trabalho, tema que divide os especialistas. Importa destacar outro aspecto 1. FIGUEIREDO, Marcelo.“A duração do trabalho e temas correlatos no contexto da globalização econômica”, In,”Direito Constitucional- Estudos interdisciplinares sobre federalismo, democracia e Administração Pública”, Editora Forum, 2012. mais pragmático. O Brasil permite em determinadas condições, tanto o trabalho temporário como a terceirização. A esse respeito, recordem-se as Leis 6.019/74, e 9472/97 (v.g. art. 94, II) e a Súmula nº 331 do Tribunal Superior do Trabalho (TST), especialmente seu inciso III. A matéria assumiu relevo constitucional em razão de várias decisões da Justiça do Trabalho, sobretudo, em função da interpretação que o TST vem outorgando à Súmula nº 331. Essa interpretação, salvo melhor juízo, repercute negativamente na atividade econômica e empresarial de diversos segmentos da economia nacional, sendo em tudo aconselhável a manifestação do Supremo Tribunal Federal (STF), da jurisdição constitucional a fim de pacificar o entendimento e inteligência sobre a matéria, suprimindo a insegurança jurídica que em tudo prejudica os atores envolvidos nesta importante relação jurídica. Dentre as várias questões em discussão, ressalto os questionamentos mais importantes, a saber: a) É possível afirmar que a Súmula nº 331 do TST, segundo a interpretação que lhe tem sido conferida pela Justiça do Trabalho no tema da terceirização, viola o princípio da reserva legal?; b) A distinção entre atividade-meio e atividade-fim é prevista na legislação que regula osvários segmentos da economia empresarial e produtiva nacional?; c) Existe algum meio processual para que o STF enfrente a questão e possa destacar qual o entendimento constitucional sobre a matéria perspassando os diversos princípios e normas aplicáveis? Um bom indício que o Supremo deverá analisar a matéria já nos é oferecido pelo Ministro Luiz Fux2 que reconheceu (eventual) ofensa ao art. 5º, inciso II da Constituição Federal (CF), nos seguintes termos:“na medida em que a proibição judicial de contratação de mão de obra terceirizada não decorreu da análise de um texto legal específico, mas de uma compreensão pretoriana que almejou delimitar o princípio da legalidade no âmbito das relações trabalhistas. Assim, a análise do texto constitucional é direta, e não reflexa, a legitimar o manejo do Recurso Extraordinário”. Desde logo anotamos que a falta de uniformidade das decisões judiciais no Brasil já era sentida desde o século XIX, é dizer, muito antes da criação da própria jurisdição constitucional, que somente aparece no constitucionalismo brasileiro quando da proclamação da República. Joaquim Nabuco, que “não basta unidade de legislação, é preciso unidade de jurisprudência; sem unidade de jurisprudência não há unidade na legislação; sem unidade de legislação, não há unidade nacional3. Hoje é inegável que uma das funções principais da jurisdição constitucional é aquela consistente em dar unidade ao direito interno, de forma a não permitir que haja uma fragmentação da sua interpretação de modo a violar as normas e princípios constitucionais, a inteireza da Constituição. O efeito vinculante da jurisprudência constitucional pode ser encontrado v.g. nos ordenamentos jurídicos da Alemanha, Espanha, Itália, Costa Rica, e, com suas particularidades, também nos ordenamentos da Argentina e Colômbia dentre outros. O Brasil não é diferente. Deveras, o STF já deixou assentado que é admissível a ADPF «quando configurada lesão a preceito fundamental provocada por interpretação judicial (ADPF 33/PA, 101 e 144/DF) - como instrumento viabilizador da interpretação conforme a constituição. Contro- 2. Embargos de Declaração no Ag.Recurso Extraordinário 713.211.MG 1 Turma, julgado em 01/04/2014. 3. NABUCO, Josaquim. Um estadista do império – Nabuco de Araújo. Volume I. São Paulo: Instituto Progresso Editorial, 1.949, p. 279 e 292. F ó r u m ju r í di co 61 Artigo vérsia constitucional relevante motivada pela existência de múltiplas expressões semiológicas propiciadas pelo caráter polissêmico do ato estatal impugnado.” (ADPF 187-DF, Relator Min. Celso de Mello, julgado em 15/06/2011, Tribunal Pleno). Acredito que o tema da “terceirização” possa ser considerado, como o de uma “lesão a preceito decorrente de mera interpretação judicial, seja a existência de contrariedade à Constituição decorrente de decisão judicial sem base legal (ou fundada em falsa base legal ou constitucional), seja diante de omissão constitucional”. Em todos esses casos cabível é a ADPF.4 No mais, a existência de decisões judiciais conflitantes sobre o mesmo tema e para agentes econômicos que atuam no mesmo mercado relevante configura, inequivocamente, controvérsia constitucional, nos termos do art. 1º, I, da Lei 9.882/99. No mérito, acompanho o entendimento crítico do Ex-Ministro Almir Pazianotto Pinto, que a respeito da matéria ensina:“Ao contrário do que dizem os inimigos da terceirização, buscar maior produtividade, com redução de custos, não é imoral, antiético, pecado ou crime. Precisamente porque produtos brasileiros têm preços superiores aos padrões internacionais, nossas indústrias não exportam, encontram-se em crise e desempregam.Terceirizar não interfere nos salários, nos quais se aplicam as leis de mercado, sobretudo a relação oferta e procura5”. Ou como afirma Ophir Cavalcanti Júnior6: De outro lado, com o advento da globalização da economia ou universalização dos mercados, 4. (ADPF anteriormente citada). 5. Jornal O Estado de São Paulo, página A2, de 11 de Agosto de 2014. 6. JÚNIOR, Ophir Cavalcanti. A terceirização das relações laborais. 1996. Ed LT. São Paulo, página 74. 62 Fórum j urí di co marcelo figueiredo aliadas às novas técnicas de administração está cada vez mais difícil definir o que seja atividade acessória ou principal de uma empresa. Um exemplo é o caso das montadoras de automóveis, que hoje em dia se resumem a isto, montar, sendo que a fabricação de todos os componentes é terceirizada. Ou será que os componentes não são essenciais ao produto final?” O papel reservado ao poder público, neste particular, é o de fomentar a livre concorrência e não sufocá-la, castrá-la ou impedir o seu livre desenvolvimento para livre formação dos preços finais mais convenientes ao consumidor, sempre o beneficiado maior da competição e concorrência saudável. A livre-concorrência significa a possibilidade de os agentes econômicos poderem atuar, sem embaraços juridicamente justificáveis, em um determinado mercado, visando à produção, à circulação e ao consumo de bens e serviços. Poder atuar em um mercado aberto à participação dos agentes econômicos pressupõe a garantia de liberdade de ação desses mesmos agentes. Todo esse quadro, creio, justifica amplamente que o STF manifeste-se sobre a matéria o quanto antes, dizendo qual a sua interpretação para pacificar a relevante controvérsia que aflige amplos setores da produção nacional, causando grande insegurança a todos os atores econômicos, empresários e trabalhadores dos vários segmentos envolvidos. Seja como for, acredito que o ato de concorrer, isto é, de se pôr em pé de igualdade para atuar juntamente com os demais atores da cena econômica, exige um ambiente de liberdade compatível com essa possibilidade, que só o princípio da livre iniciativa pode ensejar. Nesse sentido, os dois conceitos se complementam porque um garante o exercício das faculdades inerentes ao outro. Ao Estado é deferida a relevante tarefa de velar pela regularidade do mercado e não à sua destruição ou ablação em detrimento das livres decisões estratégicas empresariais de gestão que impeçam de alguma maneira a administração das empresas no mercado nacional. O Estado só pode atuar diante de um ato abusivo nas hipóteses previstas no § 4º, do art. 173. Em uma economia de mercado os preços devem exprimir a relação de equilíbrio entre a oferta e a procura, o que supõe concorrência entre os agentes econômicos. Apenas em situações anormais, extremas ou abusivas deve o Estado atuar nesse campo, em defesa da sociedade. Ademais e finalmente, a interpretação da justiça do trabalho sobre o fenômeno da terceirização, ao variar em grande intensidade o entendimento entre atividade-meio e atividadefim7, acaba por afetar a competitividade de vários e importantes segmentos da economia nacional, ausente lei específica sobre vários aspectos da matéria, friccionando a noção elementar de Estado de Direito. É sabido, por fim que o Estado somente pode atuar no domínio econômico como agente normativo e regulador, na forma da lei (art. 174, caput, CF) – a chamada competência negativa do Poder Público. Deve o STF se manifestar como derradeiro intérprete da Constituição da República pondo fim à controvérsia 7. A distinção entre atividade-meio e atividade-fim na Justiça do Trabalho ao que tudo indica e até onde foi possível analisá-la, foi uma construção um tanto arbitrária ausente, ademais, qualquer lei que a autorize. Ou ainda como afirma “A diferença entre atividade-fim e atividade-meio nem sempre é clara, por isso os processos sobre esse tema são julgados a partir da análise de cada caso concreto, o que dificulta não só o julgamento das demandas, mas também a ação das empresas no tocante à consciência do que pode e do que não pode ser alvo de contratação terceirizada”. DOS PASSOS, João Pedro Ferraz. Aspectos atuais da terceirização trabalhista. Revista do Advogado Ano XXXIII, n. 121, novembro, AASP, São Paulo: 2013, p. 117 relevante e dando concreção aos valores constitucionais aplicáveis. Aguardemos a esperada decisão da jurisdição constitucional concentrada para podermos comentá-la. Referências Bibliográficas: DOS PASSOS, João Pedro Ferraz. Aspectos atuais da terceirização trabalhista. Revista do Advogado Ano XXXIII, n. 121, novembro,AASP, São Paulo: 2013. FIGUEIREDO, Marcelo. A duração do trabalho e temas correlatos no contexto da globalização econômica, In Direito Constitucional- Estudos interdisciplinares sobre federalismo, democracia e Administração Pública. Forum, 2012. Jornal O Estado de São Paulo, página A2, de 11 de Agosto de 2014. JÚNIOR, Ophir Cavalcante. A terceirização das relações laborais. São Paulo: LTR, 1996. NABUCO, Joaquim. Um estadista do império – Nabuco de Araújo. Volume I. São Paulo: Instituto Progresso Editorial, 1.949. F ó r u m ju r í di co 63