O surgimento do ser humano é, antes de mais nada, um tema polêmico, porque mexe com tradições religiosas e, sobretudo, porque até as mais prováveis hipóteses podem ser derrubadas por novos achados arqueológicos ou mesmo pela divulgação do resultado de estudos feitos sobre material já encontrado. As idéias formuladas pelo inglês Charles Darwin (1809-1882) em seu livro A origem das espécies, publicado no século XIX, inauguram uma nova forma de encarar essa discussão. Segundo Darwin, os seres humanos pertencem à ordem dos primatas e têm a mesma origem dos grandes macacos atuais, como gorilas e chimpanzés, por exemplo. Em algum momento, entretanto, por razões desconhecidas, parte de nossos antepassados se distanciou dos outros primatas na cadeia evolutiva e deu origem aos hominídeos. Dentre esses surgiram os gêneros Australopithecus e, posteriormente, Homo, do qual a nossa espécie, Homo sapiens moderno, faz parte. Usando essas idéias como ponto de partida e com base em novas pesquisas, grande parte dos estudiosos de hoje aceita a hipótese de que os primeiros ancestrais dos seres humanos se originaram na África, por volta de 7 milhões de anos atrás. Mas ainda é um grande desafio para os pesquisadores que se dedicam ao tema saber com precisão como ocorreu essa história. 1. ETAPAS DO PROCESSO HISTÓRICO Para facilitar o estudo da história da humanidade, os historiadores costumam dividi-la em períodos. Muitos podem ser os critérios estabelecidos para efetuar essa divisão. Os mais conhecidos, porém, foram elaborados no século XIX por estudiosos europeus, com base no passado de sua própria sociedade. Segundo os critérios desses estudiosos, os grandes períodos da história são: Pré-História: que se estende da origem da humanidade até o desenvolvimento da escrita, por volta de 3500 a.C. Idade Antiga: do desenvolvimento da escrita até a desagregação do Império Romano do Ocidente, em 476. Idade Média: da desagregação do Império Romano do Ocidente até a tomada de Constantinopla pelos turcos, em 1453. Idade Moderna: da tomada de Constantinopla pelos turcos até a Revolução Francesa, em 1789. Idade Contemporânea: da Revolução Francesa até os dias de hoje. Atualmente, alguns historiadores contestam essa divisão. Concebida há mais de cem anos, ela carrega a idéia de que a história se desenvolve por etapas evolutivas, que vão desde o surgimento dos seres humanos até a moderna sociedade industrial. De acordo com essa divisão, a última etapa corresponderia ao estágio em que se encontra a sociedade européia nos dias de hoje. Todas as demais sociedades que não apresentam as mesmas características estariam em estágios inferiores. Por isso é que você muitas vezes deve ter ouvido falar que algumas sociedades contemporâneas são "medievais" ou "primitivas". Hoje, sabemos que não se podem acomodar os acontecimentos da história em simples etapas. O passado de cada sociedade apresenta aspectos específicos que resultaram num presente diferente. Por isso, não há razão para considerar qualquer sociedade inferior ou superior a outra. Por muito tempo, essa organização da história serviu para justificar a dominação imposta pelos europeus aos povos de outros continentes (África e Ásia, por exemplo). Com o argumento de levar a "civilização" e o "progresso" a esses povos, os europeus escravizavam populações, exploravam suas riquezas, impunham, enfim, seus próprios hábitos culturais, seus próprios costumes. Apesar de todos os problemas, esse tipo de divisão da história pode ser ainda considerado uma forma didática de organizar o estudo do passado da humanidade. Todavia, temos de estar alertas para não fazer interpretações preconceituosas. Antes da escrita Segundo essa divisão da história, a origem da humanidade e as primeiras formas de organização dos grupos humanos constituem o período mais longo de nosso passado. Para facilitar seu estudo, esse período foi também dividido. O critério para efetuar a subdivisão apoiou-se nos diferentes artefatos de pedra e de metal encontrados e nas possíveis técnicas usadas para sua fabricação. O período foi então dividido em três grandes momentos: Idade da Pedra Lascada ou Paleolítico: vai desde a origem da humanidade até cerca de 10 mil a.C. Idade da Pedra Polida ou Neolítico: estende-se de 10 mil a.C. até cerca de 6 mil a.C. Idade dos Metais: abrange os dois últimos milênios que antecedem o aparecimento da escrita, por volta de 3500 a.C. Nessa fase, alguns grupos humanos substituíram a pedra por metais, como o cobre e o bronze. Quando começou a História? No século XIX, considerava-se que a história só poderia ser estudada por meio de documentos escritos. Segundo os estudiosos europeus, somente tais documentos seriam fontes confiáveis para reconstituir o passado da humanidade. Assim, a história de uma determinada sociedade, por exemplo, só teria início a partir do momento em que ela dominasse a escrita. Tudo o que ocorreu antes seria considerado anterior à História ou Pré-História. Muitos historiadores já não pensam mais assim. Para eles, a história pode ser estudada a partir das mais variadas fontes, como imagens, objetos de cerâmica, fósseis, construções etc. Com isso, a divisão entre História e PréHistória perderia o sentido e tudo o que os seres humanos e seus ancestrais fizeram passaria a ser considerado história. 2. PALEOLÍTICO Como vimos, nossos primeiros antepassados viveram na África há milhões de anos. Sua origem é a mesma dos grandes macacos que conhecemos hoje. Em outras palavras, seres humanos, gorilas, orangotangos e chimpanzés têm antepassados em comum. Esses primatas apresentam inúmeras características semelhantes; entre as principais podemos citar a capacidade de ficar em pé sobre os membros inferiores, dedos em número de cinco e polegares em oposição aos outros dedos, possibilitando a manipulação de objetos. Em algum momento, contudo, houve um gênero de primatas que apresentou um cérebro significativamente maior. Esses primatas deram origem ao ser humano. Tais mudanças ocorreram ao longo de milhões de anos. A combinação entre elas fez com que os seres humanos começassem a usar pedras e madeira como ferramentas, diferentemente dos outros primatas. Posteriormente, eles passaram a produzir seus próprios instrumentos, feitos de pedra lascada. Aos poucos também foram se iniciando o convívio em grupo e as primeiras tentativas de comunicação com o desenvolvimento da capacidade de falar. O ser humano moderno Estima-se que o Homo sapiens moderno (também chamado de Homo sapiens sapiens) tenha aparecido entre 100 e 200 mil anos atrás. Assim como seus ancestrais, ele é originário da África, de onde partiu para os outros continentes. Por volta de 30 mil anos atrás, encontrava-se espalhado por toda a Terra. Nessa altura, era a única espécie do gênero a sobreviver. Árvore genealógica da Humanidade Sahelanthropus tchadensis. Mais antigo ancestral da humanidade até agora conhecido, viveu na África há cerca de 7 milhões de anos. Australopithecus. Os indivíduos desse grupo viveram na África entre 4,2 milhões e 1,4 milhão de anos. Existiram diversas espécies diferentes de Australopithecus, como o anamensis, o afarensis, o africanus, o garhi e o boisei. De uma dessas espécies, provavelmente o africanus, teria se desenvolvido o gênero Homo. Australopithecus garhi. Surgiu na África por volta de 2,5 milhões de anos atrás. Foi o primeiro a fazer uso de instrumentos, com os quais modificou os hábitos alimentares, fazendo maior uso de carne em sua dieta. Pesquisadores acreditam que essa espécie, e não a do africanus, tenha sido a antecessora direta do gênero Homo. Homo rudolfensis. Viveu na África há cerca de 2,4 milhões de anos. Estudiosos o consideram uma variedade do gênero Homo. Homo erectus. Foi o primeiro grupo do gênero humano a sair do continente africano e a povoar a Europa e a Ásia. Os indivíduos desse grupo utilizavam instrumentos de pedra e eram hábeis caçadores. Foram os primeiros a utilizar o fogo. Homo sapiens moderno. Surgido há 100 mil anos, é o grupo ao qual pertencemos. Pouco depois de sua aparição, todas as outras espécies de Homo estavam extintas. Foram grupos do Homo sapiens moderno que ocuparam todos os continentes, chegando à América e à Oceania. Contribuiu para isso sua capacidade de utilizar as conquistas anteriores, como o uso do fogo e a fabricação de instrumentos. Lentamente, o ser humano aprimorou cada vez mais seus instrumentos. Além da pedra lascada, empregava ossos e chifres para fabricar ferramentas, como arpão farpado e anzóis, chegando a construir o arco, primeiro mecanismo composto concebido pelo cérebro humano. Em algumas regiões, a organização dos grupos começou a assumir características diferentes, com o desenvolvimento de pequenas comunidades unidas por laços de parentesco e interesses comuns. Nessas comunidades, era pequena a diferenciação hierárquica entre os membros do grupo. Embora praticamente todos participassem da produção de alimentos, já existia uma divisão do trabalho, baseada no sexo e na idade. Em geral, as mulheres se dedicavam à coleta de frutos e raízes, enquanto os homens se encarregavam da caça. Essa diversificação foi acompanhada do desenvolvimento das crenças e das idéias abstratas. Por uma série de vestígios encontrados, sabe-se que por essa época começou a haver maior preocupação com a morte, denotada pelos cuidados especiais que passaram a receber os sepultamentos. As pinturas rupestres, encontradas nas paredes internas das cavernas, e as esculturas são marcas da necessidade humana de registrar, de se expressar, seja por que razão for. 3. A REVOLUÇÃO NEOLÍTICA Por volta de 10 mil anos a.C., a Terra passou por uma grande mudança no clima, que ocasionou uma série de modificações na vegetação e nos hábitos dos animais. Como conseqüência, os seres humanos tiveram de se ajustar a um novo ambiente. O cultivo de plantas e a domesticação de animais foram duas importantes atividades que começaram então a ser exercidas. A invenção da agricultura Nos três mil anos seguintes às alterações climáticas, a população humana aumentaria de maneira espantosa. A explicação para esse crescimento relaciona-se à agricultura. O aprendizado do cultivo de plantas provocou mudanças tão importantes na vida dos seres humanos que o fato foi denominado por muitos estudiosos de revolução agrícola. O plantio sistemático de alguns vegetais, como o trigo e a cevada no Oriente Médio, pôde garantir a sobrevivência de um grande número de pessoas. Ao dispor de uma fonte segura de alimento, diversos grupos humanos puderam abandonar os hábitos nômades, estabelecendo-se em aldeias, passando, portanto, a ser sedentários. Após aprender a plantar, o ser humano conseguiu domesticar animais. Com a domesticação de carneiros, cabras, bois, cavalos e porcos, ele pôde obter não só alimentos, mas uma infinidade de recursos, como meios de transporte, força motriz e lã. A agricultura e a domesticação de animais acentuaram a divisão do trabalho já existente. As mulheres, que até então se ocupavam da coleta, passaram a dedicar-se também ao cultivo e à colheita de vegetais. Os homens, por sua vez, construíam as casas, cuidavam do gado, caçavam e fabricavam as ferramentas e armas necessárias. Nesse período, as áreas de cultivo e de pastoreio eram coletivas: quase todas as pessoas se ocupavam diretamente da produção de alimentos. E provável que as possíveis exceções estejam entre aqueles que cuidavam dos rituais sagrados, que se tornavam cada vez mais complexos. Vilas e cidades Por volta de 6 mil a.C., alguns grupos humanos descobriram a técnica de produção de artefatos de argila cozida (cerâmica). Na mesma época, aprenderam a converter fibras naturais (linho, lã) em fios e estes em tecido. Aos poucos começaram a trabalhar com metais para produzir instrumentos. O primeiro foi o cobre. Cerca de 5 mil anos atrás, graças à experiência com o uso do calor para assar o pão ou para aquecer a argila, foi possível o desenvolvimento da técnica da fusão dos metais. Assim, chegou-se ao bronze, resultante da fusão do cobre com o estanho. Tratava-se de um metal resistente o bastante para ser usado na fabricação de utensílios, armas e ferramentas. A necessidade de aprender técnicas para trabalhar com cerâmica, tecelagem ou metalurgia acabou gerando a especialização. Os indivíduos que dominavam tais técnicas tornavam-se artesãos. Eram esses os primeiros sinais de uma nova organização social e do trabalho. A diversidade na produção, a especialização do trabalho e as novas funções na sociedade contribuíram para que algumas comunidades de agricultores se transformassem em vilas e cidades, constituindo o fenômeno que alguns historiadores chamam de revolução urbana. O aumento da produção criou excedentes e, a partir daí, podem ter se intensificado as relações de troca entre as vilas e mesmo as expedições de saque e conquista. De qualquer modo, as trocas de excedentes são os primeiros passos para a atividade comercial. O aumento das populações e a intensificação das relações sociais ocasionaram o desenvolvimento de sociedades complexas. Aos poucos, foram se organizando estruturas administrativas permanentes, responsáveis pela coordenação das atividades produtivas, sociais, culturais, de defesa do território etc. Esses acontecimentos pertencem à Idade dos Metais e referem-se, em grande parte, aos povos que ocupavam a região conhecida como Crescente Fértil, que engloba o vale do rio Nilo, uma faixa de terras junto ao mar Mediterrâneo e à Mesopotâmia, no atual Oriente Médio. Nessa região, por volta de 4000 a.C., desenvolveram-se importantes sociedades, como a dos egípcios e a dos sumérios. Pouco depois, surgiram aí os primeiros rudimentos da escrita. Quando surgiu a escrita Pesquisadores da China e dos Estados Unidos descobriram o que pode ser a evidência mais antiga de escrita do mundo: inscrições chinesas que datam de 9 mil anos atrás. A descoberta recua em pelo menos 3 mil anos o aparecimento dos primeiros rudimentos da escrita, descobertos no Egito e na Mesopotâmia (atual Iraque), que datam do quarto milênio antes de Cristo. Também desafia a noção de que a escrita progrediu no mundo antigo porque tinha utilidade econômica — os caracteres descobertos parecem estar ligados a uma prática religiosa. Os pesquisadores, contudo, são cautelosos: "Nós não interpretamos esses caracteres como sendo propriamente uma escrita — afirma um deles —, mas como parte integrante de um grande período de uso de sinais que acabou levando a um sistema escrito completo. Então, apesar de não questionarmos a primazia da Mesopotâmia na alfabetização da humanidade, sugerimos que a China, com um registro arqueológico de milênios, dá uma oportunidade única de observar os primeiros estágios evolutivos da escrita".