ANÁLISE DO COMPORTAMENTO HÍDRICO DA BACIA DO RIO CABUÇU DE CIMA –
PARQUE ESTADUAL DA CANTAREIRA , GUARULHOS (SP), PELO MÉTODO SCS
COM DADOS DO RADAR METEOROLÓGICO DE SÃO PAULO
Marco Antonio Lacava 1
Augusto José Pereira Filho 2
Antonio Manoel dos Santos Oliveira1
Felipe Vemado2
William de Queiroz1
RESUMO – Este trabalho compreende uma análise hidrológica da Bacia do Rio Cabuçu de Cima,
de suas características de infiltração e armazenamento de água no solo obtidas por meio de análise
geomorfológica e da estimativa do número de curva (CN) pelo método SCS (Ponce, 1989). A
referida bacia possui um reservatório que é utilizado para o abastecimento de água urbana no
Município de Guarulhos, SP. O Serviço de Abastecimento de Água e Esgoto (SAAE) do município
mantém medições de vazão e cota do reservatório. Utilizaram-se estes dados em conjunto com as
estimativas de chuva acumulada do radar meteorológico de São Paulo para estimar as características
de infiltração da bacia por meio da equação da conservação da água. Os resultados hidrológicos
indicam que a bacia tem baixa capacidade de infiltração com CN que variou no período de outubro
de 2005 a julho de 2006 entre 78 e 84. Estes resultados corroboram as análises geomorfológicas
realizadas e indicam a necessidade de um controle da retirada de água para abastecimento urbano
em virtude do baixo armazenamento de água no solo argiloso de baixa infiltração da bacia.
ABSTRACT – This work comprehends a hydrological analysis of Cabuçu de Cima watershed,
specifically of its infiltration and storage capacity obtained by in situ geomorphologic analysis and
by the SCS curve number (CN). A downstream reservoir is used to supply water to Guarulhos, São
Paulo. The water and sanitation company (SAAE) keeps records of the water level and flow. These
data sets were used in conjunction with the São Paulo weather radar to estimate the infiltration
through the conservation equation. The hydrological results obtained with data sets between
October 2005 and July 2006 indicates low infiltration with high CN varying between 78 and 84.
Results agree with the in situ geomorphologic analysis and suggest the need for a strict control over
the urban consumption since the basin has silt soils with very low soil infiltration and water storage
and can not recover during the dry season.
Palavras-Chave: Eventos hidrometeorológicos; Parque; Guarulhos.
1
Universidade Guarulhos. UnG. Praça Tereza Cristina, 1. Guarulhos. SP. 11- 6464 1700, [email protected] ;
[email protected] ; [email protected]
2
USP. Rua do Matão, 1226, São Paulo. SP. 11-30914735, [email protected], [email protected]
INTRODUÇÃO
A estimativa de vazões afluentes constitui uma das formas de se caracterizar o
comportamento hídrico de bacias hidrográficas no campo da hidrologia. A necessidade desta
caracterização da bacia do rio Cabuçu de Cima se revelou de suma importância tendo em vista ser
esta a bacia contribuinte do principal reservatório produtor de água do município de Guarulhos,
(SP), e porque vem sofrendo significativa depleção durante os períodos de estiagem. Este
reservatório se encontra ao norte da mancha urbana mais densa de São Paulo, na região da Serra da
Cantareira (Figura 1). Esta serra foi tombada como Parque Estadual da Cantareira (PEC) no final do
século XIX como forma de garantir o abastecimento de água da cidade de São Paulo, através de
várias represas, onde se destaca a do Cabuçu, cujo rio, o Cabuçu de Cima, é afluente do rio Tietê,
pertencendo ao Comitê de Bacia do Alto Tietê, Sub-Comitê Cabeceiras. O reservatório do Cabuçu
tem um volume de armazenamento de 1,776 . 106 m3 na cota de 763,35m do vertedor de superfície
com uma área de cerca de 20 hectares, comprimento de 1.500 m e largura máxima de 400 m. A
barragem, construída em 1904, é de concreto ciclópico, do tipo arco-gravidade, com 15 m de altura
e uma crista de 50 m. Se, de um lado, o relatório ambiental preliminar (RAP) do Sistema Produtor
Cabuçu (Hagaplan Planejamentos e Projetos) relata a inexistência de dados do potencial hídrico do
reservatório, prévios aos estudos para sua reativação; por outro lado, verifica-se a existência de obra
complementar do antigo sistema que indica a vulnerabilidade do armazenamento de água nos
períodos de estiagem. Essa obra corresponde a uma estrutura ainda hoje visível, de antiga adutora
que percorre todo o perímetro esquerdo do reservatório, desde uma barragem soleira situada 1.500
m a montante, na entrada do principal curso d’água contribuinte do reservatório. Como seu traçado,
desde aquela soleira, até a antiga tomada d’água, no corpo da barragem, encontrava-se abaixo do
nível máximo do reservatório, pode-se inferir que seu funcionamento antigo, se dava somente
quando o nível do reservatório se encontrava abaixo de sua estrutura, servindo para garantir um
mínimo de vazão para abastecimento, por gravidade. No sistema atual, o bombeamento, realizado a
partir de estrutura flutuante, acompanha o rebaixamento do nível, tendo a antiga adutora e sua
tomada d’água na barragem sido eliminadas. Este sistema foi então reativado a partir do ano 2001 e
mantida, desde então, uma produção de água com uma vazão entre 180 e 220 l s-1.
A bacia do rio Cabuçu de Cima, contribuinte do reservatório Cabuçu, apresenta uma
superfície de 23,8 km2, uma densidade de drenagem de 3,37 km km-2, um comprimento do talvegue
principal de 10.978 m, superando diferença de altitude de cerca de 250 m (cota de quase 1000 m,
até 750m sobre o nível do mar), portanto com declividade média de 2,3 %. A geologia da bacia
corresponde ao embasamento cristalino das rochas pré-cambrianas que formam a Serra da
Cantareira, formado por gnaisses, filitos, micaxistos, migmatitos, quartzitos e rochas metabásicas
(IPT; Emplasa, 1984; Oliveira, 2005). Tal composição aponta para um substrato formado na maior
parte por litologias de baixa permeabilidade, não favorecendo o armazenamento da água, a menos
das estruturas geológicas. O relevo, de morros e montanhas, favorece mais o escoamento superficial
que a infiltração, sobretudo devido às elevadas declividades presentes (Oliveira, 2005). Concorrem
no mesmo sentido deste comportamento hidrológico, a natureza dos solos que se presume, por falta
de levantamentos detalhados, serem rasos e argilosos (Andrade, 1999; Silva, 2000). Enfim, as
características do meio físico indicam um quadro mais favorável ao escoamento superficial que à
infiltração, portanto possivelmente adverso à retenção e armazenamento das águas de chuva. Em
outros termos, não haveria aqüíferos que possam favorecer um escoamento de base, que garantiriam
vazões razoáveis durante as estiagens de outono e inverno.
Figura 1: Mapa de localização da Bacia do Rio Cabuçu de Cima (verde) na Bacia do Alto Tietê
(detalhe). Rede de drenagem, limites municipais e distâncias estão indicados.
A cobertura vegetal, natural e, em parte, primitiva, é formada por floresta latifoliada tropical
úmida que passa, no alto da serra, a floresta subtropical de altitude, ambas do domínio da Mata
Atlântica (Negreiros et al, 1974). Esta densa cobertura vegetal constitui um contraponto a esse
comportamento e exerce importante papel de retenção de água, freando o escoamento superficial e,
portanto, uma menor torrencialidade dos escoamentos. Em resumo, se de um lado as condições do
meio físico – geológico, geomorfológicas e pedológicas – se revelam mais favoráveis ao
escoamento superficial que à infiltração e, em conseqüência, a um menor efeito regulador do
comportamento hídrico; ao contrário, a cobertura vegetal concorre para uma atenuação desse
comportamento e promove a retenção que favorece a infiltração, ou seja uma certa regularização
hídrica ao longo do tempo. O clima da região onde se insere a bacia é temperado podendo
configurar uma estação seca que vai de maio a agosto. A precipitação média anual é de 1.411 mm.
MATERIAIS E MÉTODOS
O monitoramento do nível do reservatório (Figura 2) revelou 3 momentos de elevações
bruscas, favoráveis à analise: período I de 24/12/2005 a 10/01/2006 (18 dias); período II de
03/02/2006 a 19/02/2006 (17 dias) e período III de 05/03/2006 a 29/03/2006 (25 dias). A análise
dos eventos acima foi fundamentada em Ponce (1989) na equação do Soil Conservation Service
(SCS):
VTE = R[CN(P/R+2)-200]2 /CN[CN(P/R-8)+800]
(1)
Onde, VTE = Volume produzido pela bacia durante o período, em m3; R = constante (2,54); P =
precipitação (cm); CN = número de curva de bacias rurais (Tabelas 11.2 e 11.3 de Tucci (2004), que
retrata as condições de cobertura e solo que varia de muito impermeável (limite inferior) até uma
cobertura completamente permeável (limite superior). Os volumes estimados (VTE), durante os
períodos escolhidos, foram calculados pela substituição dos respectivos valores de P, R e CN, na
Eq. 1, com as devidas conversões para se obter o volume em m3. A precipitação (P) acumulada
horária média (mm) sobre a bacia (Figura 1) foi estimada por meio do Radar Meteorológico de São
Paulo.
Figura 2: Evolução temporal do nível do reservatório do Cabuçu (m) entre outubro de 2005 e julho
de 2006. Estão indicados os eventos utilizados neste estudo. Cota de extravasamento de 763,35 m.
O volume medido (VT), durante os mesmos períodos, foram calculados pela soma do volume
utilizado (VU), correspondente à vazão (QC) destinada ao consumo, e o volume acrescido ao
reservatório (VR), correspondente à variação de volume do reservatório, provocado pelas chuvas. A
vazão de consumo foi fornecida pelo SAAE por meio de leituras em calha do tipo Parshall,
instalada na entrada da Estação de Tratamento de Água (ETA). A variação do volume do
reservatório foi obtida pelas medidas do níveis do mesmo, correlacionadas a volumes, por meio de
gráfico cota x volume elaborado com base em batimetria realizada pelo IPT (Oliveira, 2005). A
análise foi realizada em diversas simulações com variação de CN até que os resultados de volumes
estimados (VTE) se aproximassem dos volumes medidos (VT).
RESULTADOS
A seguir são apresentados os principais resultados obtidos neste estudo hidrometeorológico
nos três períodos analisados, com os valores mais aproximados de volumes estimados aos medidos
e obtenção de CN de modo a indicar os tipos de solos na bacia estudada, considerada a cobertura
vegetal existente.
A Tabela 1 mostra as variáveis medidas e estimadas que resultaram na estimativa de CN da
bacia para cada período. Entre os períodos I e II houve uma variação de CN para cima. Isto sugere
que a bacia passou de uma condição menos úmida para uma mais úmida de dezembro de 2005 para
fevereiro de 2006. Do período II para o período III não houve variação de CN o que sugere um
máximo no fim do período chuvoso de CN-84.
Nota-se na Figura 2 que a recuperação do reservatório depende de eventos chuvosos mais
significativos. A acumulação total dos três períodos foi de 558 mm e produziu um volume total
afluente ao reservatório de 1,7 x 106 m3. A Figura 2 também indica que a partir do fim de abril, com
o fim do período chuvoso, o decréscimo do nível do reservatório é quase linear. As chuvas de mais
baixa acumulação no período de outono e inverno são insuficientes para recuperar o reservatório.
Tabela 1: Medições e estimativas de variáveis hidrológicas da Bacia do Rio Cabuçu de Cima. Estão
indicados a chuva total (P), número de curva estimado (CN), volume total de água escoado (VTE),
vazão média (Qc), período de análise, volume utilizado (VU), data do início e fim do período e
respectivas cotas, volume acrescido ao reservatório (VR) e volume total medido (VT).
Perí
P
odo
(mm)
CN
VTE
3
(m )
QC
-1
(l s )
tempo
VU
(dias)
(m )
3
Vu + vR=
Data
Cota
Data
Cota
VR
inicial
(m)
final
(m)
(m )
VT (m )
3
3
I
213
78
675.548
187,5
18
291.600
24/12/05
757,37
10/01/06
760,42
400.000
691.600
II
123
84
400.522
202,47
17
297.387
03/02/06
759,97
19/02/06
760,87
90.000
387.387
III
222
84
637.692
240,0
25
518.400
05/03/06
760,67
29/03/06
761,76
120.000
628.400
CONCLUSÕES
Para os três períodos estudados foram identificados valores de CN para o período I, 78, para o
período II e III, 84. Identificando na tabela 11.2 (Tucci, 2004) as características de uso do solo da
bacia e sua superfície de cobertura, como sendo: Florestas e Esparsas, foram identificados tipos de
solo C e D. Solos tipo C geram escoamento superficial acima da média, possuem capacidade de
infiltração abaixo da média, contem percentagem considerável de argila e são pouco profundos.
Solos do tipo D são solos que contem argilas expansivas, pouco profundos com muito baixa
capacidade de infiltração, gerando a maior proporção de escoamento superficial.
Portanto, ambos solos apresentam como característica hidrológica comum, comportamentos
que favorecem mais o escoamento superficial e menos a infiltração. Este comportamento é
compatível com as observações geomorfológicas do meio físico da bacia.
Agradecimentos – Os autores agradecem ao SAAE de Guarulhos pelos dados fornecidos, ao
pesquisador Dr Luiz Antonio Pereira de Souza do IPT, pela batimetria realizada, e à FAPESP pelo
suporte a esta pesquisa (Processo 01/02767-0). Os autores da USP agradecem o suporte do CNPq
(PN 01/13952-2) às pesquisas realizadas pelo Laboratório de Hidrometeorologia da USP vinculadas
ao presente estudo. Finalmente, os autores agradecem à Arq. Sandra Emi Sato pela elaboração da
Figura 1.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ANDRADE, M. R. M, 1999: Cartografia de aptidão para assentamento urbano do município de
Guarulhos. 1999. 154 p. Dissertação de mestrado em Geografia Humana. FFLCH-USP.
HAGAPLAN Planejamento e Projetos S/C Ltda. Relatório Ambiental Preliminar do Sistema
Cabuçu. CDROM.
IPT e EMPLASA, 1984: Carta geológica da Região Metropolitana de São Paulo. Escala 1:50.000.
NEGREIROS, O. C. et al., 1974: Plano de manejo para o Parque Estadual da Cantareira. São
Paulo: Boletim Técnico do Instituto Florestal, n. 10.
OLIVEIRA, A. M. S., 2005: Diagnóstico ambiental para o manejo sustentável do Nucleo Cabuçu
do Parque Estadual da Cantareira e Áreas Vizinhas do Município de Guarulhos. Relatório
Final. Universidade Guarulhos. FAPESP. 2v.108 p.
PONCE, V. M., 1989: Engineering hydrology - principles and practices. New Jersey: Prentice
Hall Inc. and Paramount Communications. 1989
SILVA, D.A., 2000: Evolução e ocupação da terra no entorno dos Parques Estaduais da Cantareira
e Alberto Löfgren e impactos ambientais decorrentes do crescimento metropolitano. 184 p.
Dissertação de Mestrado em Geografia Física. FFLCH-USP.
TUCCI, C. E. M., 2004: Escoamento superficial. In Tucci, C.E.M. (org.). Hidrologia: ciência e
aplicação. Porto Alegre: Editora da UFRGS/ABRH. 4a Ed.
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