Tecnologia No limiar da segurança e da visibilidade É preciso aumentar a fiscalização e reconsiderar os valores mínimos de transmitância para o vidro traseiro e janelas laterais traseiras; disso depende a redução e as consequências dos Lino Belli Junior* acidentes de trânsito Para fins de estudo e pesquisa, a segurança veicular é classificada em segurança veicular ativa e passiva. Na segurança veicular ativa são estudados todos os dispositivos que auxiliem o condutor a evitar acidentes. Já na segurança veicular passiva são estudados os sistemas que minimizam as consequências de um acidente veicular. Os vidros do veículo são importantes tanto no campo de segurança ativa quanto na segurança passiva. Nesta última, os vidros são estudados em sua capacidade de absorver energia de impacto de pessoas e não só de ocupantes do veículo, minimizando os ferimentos locais em seus corpos. Os vidros veiculares são desenvolvidos para servir de barreira do habitáculo para o fluxo de ar e intempéries, ainda assim permitindo a visibilidade do 40 exterior. Com isso, viabiliza-se o aperfeiçoamento das características aerodinâmicas do veículo, garantindo a otimização energética com redução do consumo de combustível. O estudo dos vidros no âmbito de segurança ativa consiste em aperfeiçoar a visibilidade do exterior por parte do condutor do veículo, pois a visão é a principal forma do condutor monitorar o meio externo, permitindo o controle do veículo através dos obstáculos do percurso. O objetivo, então, é que o vidro permita passar a radiação luminosa – luz visível – emitida por reflexão nos corpos no entorno do veículo, com o mínimo de absorção/reflexão e a menor distorção de imagem possível. No entanto, há conflitos de objetivos já que, para se atingir o mínimo de coeficiente aerodinâmico, os parabrisas devem ser bastante inclinados e curvos, por exemplo, o que pode prejudicar o objetivo anterior. Outro objetivo conflitante é a minimização direta da luz solar pelos seus aspectos deletérios – raios infravermelhos aquecem o habitáculo, forçando os sistemas de condicionamento do ar do habitáculo, e raios ultravioleta danificam tanto a pele dos ocupantes quanto os componentes plásticos do habitáculo. A luz solar direta, inclusive, pode prejudicar a visibilidade por meio do ofuscamento do condutor. Conclui-se que, apesar do objetivo de transparência sem distorções de imagem ser essencial no projeto dos vidros, são necessários sistemas de controle da entrada de radiação para minimizar os seus aspectos negativos. Com esse objetivo de controlar a entrada de radiação, foram desenvolvidas películas principalmente para filtrar radiações infravermelhas e ultravioleta que são indesejadas pelos 28 % motivos expostos acima. Essas películas são também utilizadas para minimizar a visibilidade do interior do habitáculo por parte de observadores externos, o que vem fazendo com que as películas sejam relacionadas a mais um dispositivo no veículo para minimizar roubos e assaltos, apesar de especialistas as relacionarem também ao uso do veículo para fins criminosos, dificultando a atividade dos órgãos policiais, de fiscalização de trânsito e de serviços de segurança/portaria de condomínios. A filtragem de luz visível por essas películas é obviamente prejudicial para a segurança da condução do veículo, mas é desejada por parte significativa dos usuários. O prejuízo da obstrução de parte dessa luz pelos vidros automobilísticos é prejudicial inclusive para os condutores dos demais veículos que, ao trafegar em fila, controlam a movimentação não somente do veículo imediatamente à sua frente, mas também dos subsequentes através dos vidros destes. Com a introdução das películas com redução de transmitância no espectro da luz visível, verificou- 28 % 70 % Limites mínimos de transmitância luminosa: 75% para para-brisas incolores e 70% para para-brisas coloridos e demais vidros indispensáveis a dirigibilidade; 28% mínimo para os demais vidros 75% 41 Tecnologia se um prejuízo acentuado nesse controle, aumentando o risco de colisões traseiras com consequências até de engavetamentos. No mundo em geral, e no Brasil em particular, encontram-se muitas normas e regulamentações visando atingir de maneira balanceada os objetivos conflitantes no desenvolvimento dos vidros de segurança veiculares e películas para os mesmos. No aspecto de segurança ativa, encontra-se a seguir um detalhamento dessas normas e regulamentos mostrando que no Brasil o equilíbrio desses objetivos ainda não foi atingido. a Em 1990, o Conselho Nacional de Trânsito (Contran) emitiu a Resolução 747/90 proibindo a aposição de películas nas áreas envidraçadas dos veículos. a Em 1994, o Contran, por intermédio da Resolução 784/94, regulamentou o uso e estabeleceu requisitos para os vidros veiculares que permitem uma transmitância mínima de 75% para o para-brisa e vidros indispensáveis à condução, permitindo 70% para vidros coloridos e 50% de transmitância mínima para os demais vidros. a Em 1998, o Contran, por meio da Resolução 73/98, permitiu o uso de películas com transmitância mantendo os valores da resolução de 1994. a Em 2007, o Contran emitiu duas importantes resoluções a respeito de vidros e películas: a Resolução 253/07 sobre sistema de medição de transmitância luminosa e a 254/07, sobre os limites mínimos de transmitância luminosa limitando-a a 75% para para-brisas incolores e 70% para parabrisas coloridos e demais vidros indispensáveis à dirigibilidade; 28% mínimo para os demais vidros. a Na ABNT estão sendo desenvolvidas normas para película que tratam da filtragem de raios infravermelhos e ultravioleta e das características mecânicas dessas películas. Tabela 1 Na Tabela 1, é apresentada a situação normativa atual nas principais regiões do mundo Transmitância mínima aceita/exigida País Norma Para-brisa e janelas laterais dianteiras Vidro traseiro Janelas laterais traseiras Kuwait Exceção à GSO 42 70% 50% 70% Países do Golfo GSO 42 70% 10% Brasil Contran 254/07 75% (não pigmentado) 70% (pigmentado) 28% EUA FMVSS205 70% 70% Europa ECE R43 África do Sul Rússia Austrália Bahrain Oman Arábia Saudita Japão Argentina 42 70% para veículos com retrovisor externo em apenas um dos lados Segue ECE R43 70% Exceção à GSO 42 70% Permite menor que 70% para veículos com retrovisores externos em ambos os lados Aceita ECE R43 e/ou FMVSS205 70% Analisando a Tabela 1, constata-se que o limite mínimo no Brasil para o vidro traseiro e janelas laterais traseiras é 28% quando em muitos países esse limite mínimo é 70%. Além disso, é verificado que mesmo essa legislação não é cumprida em muitos veículos com a instalação de películas muito “escuras”. O índice de transmitância é definido por: Tsaída n= Tentrada sendo: Tentrada: quantidade de luz incidente na face externa do vidro Tsaída: quantidade de luz emergente da face interna do vidro A adição de película protetora altera o índice de transmitância segundo a equação: Tsaída = nv np nr = Tentrada na qual: nv: índice de transmitância do vidro np: índice de transmitância da película nr : índice de transmitância resultante Assim, o índice de transmitância resultante é dado pelo produto do índice do vidro e do índice da película. Com isso, é possível calcular o índice de transmitância resultante da composição do vidro mais a película protetora. Assumindo-se o índice do vidro original do carro como 70%, fica-se com: Vidro traseiro e janelas laterais traseiras Para-brisa e janelas laterais dianteiras Tabela 2 Índice Original do Vidro nv Índice Película np Índice Resultante nr 70% 100% 75% 50% 25% 5% 70% 53% 35% 18% 4% 70% 100% 75% 50% 40% 35% 25% 20% 5% 70% 53% 35% 28% 25% 18% 14% 4% Equipamento de fiscalização existe, mas ainda é pouco usado A empresa paranaense Ricci Eletrônica produz o medidor de transmitância luminosa Translux II, que já está, inclusive, homologado pelo Inmetro. Todavia, os órgãos fiscalizadores ainda estão, incompreensivelmente, por adquirir o equipamento nos volumes necessários para iniciar uma fiscalização eficaz. Enquanto isso, cresce, sem parar, o número de motoristas dirigindo sem visibilidade de segurança. Bob Sharp Situação de acordo com o requerido pelo Contran 254/07 REGULAR IRREGULAR REGULAR IRREGULAR A partir dos resultados da Tabela 2, é possível concluir, com base no Contran 254/07, que: a A instalação de películas no para-brisa e janelas laterais dianteiras com índices de transmitância inferiores a 100% torna o veículo irregular. a A instalação de películas no vidro traseiro e janelas laterais traseiras com índices de transmitância inferiores a 40% torna o veículo irregular. Conclui-se que devemos alertar por um aumento da fiscalização e na reconsideração dos valores mínimos de transmitância para o vidro traseiro e janelas laterais traseiras, aproveitando o empenho da sociedade em reduzir as consequências dos acidentes de trânsito. n *Lino Belli Junior é da Comissão Técnica SAE BRASIL de segurança veicular 43