R. S. KAHLMEYER-MERTENS Verdade-Metafísica-Poesia Verdade-Metafísica-Poesia Um ensaio de filosofia a partir dos haicais de Luís Antônio Pimentel por R. S. KAHLMEYER-MERTENS 2007 Copyright © by Roberto Saraiva Kahlmeyer-Mertens Todos os direitos reservados: Nenhuma parte deste livro poderá ser reproduzida ou transmitida sob qualquer forma ou por quaisquer meios, quer mecânicos, eletrônicos, gravação, fotocópia ou outros, sem a autorização prévia por escrito do detentor dos direitos de copyright. Direção editorial: Luiz Augusto Erthal Edição: Márcia Queiroz Erthal Revisão: Cristiane de Gusmão Contatos com o autor: [email protected] Web-site: www.fgtec.com/studium CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ. K17v Kahlmeyer-Mertens, Roberto Saraiva Verdade-metafísica-poesia - Um ensaio de filosofia a partir dos haicais de Luís Antônio Pimentel / Roberto Saraiva Kahlmeyer-Mertens. Niterói, RJ: Nitpress, 2007. 80 p. Apêndice Inclui bibliografia 1. Filosofia. 2. Filosofia - Metafísica. 3. Heidegger. 4. Influências orientais. 5. Haicais. I. Kahlmeyer-Mertens, Roberto S. II. Título. 07-3010 CDD: 100 CDU: 1 Este livro foi editado e impresso nas oficinas da NitPress Rua Santa Clara, 76 — Ponta d’Areia, Niterói — RJ Cep 24040–050 - Tel.: (21) 2618–3828/2618-2972 email: http://nitpress.tripod.com - site: [email protected] CARLOS MÔNACO Em sinal de minha admiração e respeito. ... Sob instrução do mestre, começou a fazer poesia, e aprendeu lentamente aquela arte secreta, que aparentemente só fala de coisas simples e despretensiosas, mas com o fim de revolver a alma dos que a escutam como o vento no espelho da água. Descreveu a chegada do sol, como ele hesita na orla da montanha, e o silencioso deslizar dos peixes, quando fogem como sombras sob a água, ou o balanço de um salgueiro novo no vento da primavera, e quando a gente ouve aquilo, já não era apenas o sol e o jogo dos peixes e o murmúrio do salgueiro, mas parecia que por um instante, o céu e o mundo de cada vez, combinavam-se numa música perfeita, e cada um ao escutar pensava ao mesmo tempo, com alegria ou dor, naquilo que amava ou odiava: o garoto, na brincadeira; o jovem, na amada; o velho, na morte. (HERMANN HESSE, Contos.). PREFÁCIO Estava o haicai posto em sossego, ao agrado do gosto acostumado a servir-se dele qual iguaria literária, até esta revisitação. Poema lacônico, reduzido a ponto de poder ser escrito num grão de arroz e lido com auxílio das lentes de um conta-fios, o haicai desperta encanto com sua delicadeza e graça, quer pela pequenez ou por sua essência, aqui, desvendada. Fruto da lavra do extraordinário Matsuo Bashô, o haicai, primoroso retrato, rico em características poéticas, psicológicas e filosóficas, foi codificado no século XVII por seu patriarca. Esse é responsável pelo estabelecimento das normas segundo as quais: a poesia deveria mostrar a estação do ano na cena plasmada; o poeta não deveria colocar-se no haicai, ou reduzir seus versos à moldura lírica do seu eu; há a necessidade de se atentar à importância da contemplação dos ensinamentos búdicos. Terceira geração da “waca”, versos de trinta e uma sílabas, o haicai é poesia genuinamente japonesa, reverente e serena como seu povo, que testemunha seu caráter contemplativo inclusive na letra do Kimigayô, Hino Nacional Japonês: Que o Imperador viva mil, oito mil gerações, até o dia em que rochedos se tornem seixos rolados, cheios de limo. Kimi ga yô wa chi-yo ni ya-chi-yo-ni sazare-ishi iwao to narite koke no musu made. Esses elementos, referentes à eternidade, à natureza, à vida, à harmonia e a outros valores humanos, são abordados no ensaio em apreço como temas merecedores da consideração do aplicado Professor Kahlmeyer-Mertens, cuja iniciativa original de pensar o haicai, por meio da Filosofia, nos trouxe um estudo de profundidade. Verdade-metafísica-poesia é resultado eloqüente de uma investigação produzida por um respeitável esforço intelectual em prol da literatura acerca do tema. É verdade: admirado e apreciado, o haicai chegou ao Ocidente de Herodes para Pilatos por um itinerário bastante turbulento. Muitos se sentiram tentados a escrevê-lo, poetas de todas as línguas do mundo cometeram seus haicais, mas pouquíssimos se dispuseram a estudar a sua poética e a sua história milenar. No Brasil, de Guilherme de Almeida para Leminski, essa poesia ganhou composições e nova roupagem, mas nenhuma contribuição relevante quanto à elucidação de seu gênero. Lendo o trabalho meticuloso do jovem Kahlmeyer-Mertens, nos encorajamos a crer num futuro promissor à Filosofia que parte do haicai ao pensamento, e numa compreensão mais lúcida dessa poesia como expressão poética. Luís Antônio Pimentel 10 NOTA PRELIMINAR DO AUTOR O presente livro é produto de um curso de Filosofia intitulado Fundamentos filosóficos da cultura ocidental. Ministrado durante o primeiro semestre do ano de 2006, para uma turma de graduação em Letras, em que se buscava tratar do tema a partir de Qu’est-ce Que la philosophie? do filósofo alemão Martin Heidegger. O texto, cuja adoção se pautou pela necessidade de atender à ementa, justificava-se também pela conveniência de servir a uma pesquisa de doutorado. Constituindo na leitura pontual do texto e consecutivo debate com os alunos, o curso era amparado por uma apostila que trazia as idéias do filósofo sistematicamente comentadas. Contudo, como tal didática permite a intervenção dos discentes, algumas questões acerca dos argumentos heideggerianos foram colocadas, principalmente no que tange às afirmações ainda pouco pacíficas de que “o Ocidente e a Europa, e somente eles, são, na marcha mais íntima de sua história, originariamente filosóficos.”1 Muitos debatedores com formação em Letras recorreram aos 11 conhecimentos de Literatura e Lingüística, conduzindo inesperadamente a argumentação à temática de textos de Heidegger que tratam da linguagem e dos poucos — porém intensos — momentos em que o filósofo esteve em contato com o pensamento oriental. Sabe-se que Heidegger possuiu diversos alunos orientais e que por meio deles conheceu o pensamento do Oriente. Um testemunho disso é dado em seu livro Caminhos da linguagem,2 num texto intitulado: De uma conversa sobre a linguagem entre um japonês e um pensador (reprodução do diálogo de nosso autor com o Professor Tezuka da Universidade Real de Tóquio). O diálogo com o oriental poderia parecer pitoresco para aqueles que concebem Heidegger como um filósofo europeu restrito ao universo do pensamento ocidental; ignorando, em sua biografia, as afinidades com o Oriente, as quais chegaram a levá-lo a traduzir, com o auxílio de um sinólogo, trechos do Tao Te Ching de Lao Tsé e a comparar, na conferência O Princípio de identidade, o conceito grego de linguagem (lógos) com o Tao dos chineses. O ensaio em nosso livro tem por objetivo especular sobre a relação entre os pensamentos ocidental e oriental, a partir das noções de verdade, metafísica e poesia. Toma por ponto de partida a poesia haicai. Cumprindo a tarefa de uma problematização desses elementos e visando a contribuir para o preenchimento da lacuna existente entre os modos de pensar acima mencionados. Da mesma maneira, retoma o haicai como tema digno de consideração da Filosofia. Reconhecemos que nosso ensaio incorre em pequenas digressões, justificadas pela necessidade de uma contextualização dos argumentos. Espera-se, quanto a essas, a condescendência do leitor mais exigente, pois, afinal, não comprometeram o desenvolvimento das idéias aqui consignadas, tampouco a estrutura de texto. O ensaio conta com três tópicos, cada qual reservado 12 aos conceitos anunciados no título. Ao final, nos convencemos de que o haicai é terreno fértil ao pensar, para além das suas circunstâncias geográfico-culturais, entretanto, nossos resultados não se furtam a críticas ou se consideram palavra final. Em nossa pesquisa, o acaso por vezes conspirou favoravelmente, para fazer com que se tornassem disponíveis livros e periódicos que permitiam pensar a implicação de Heidegger com o Oriente, com sua poesia e linguagem. Foi também assim que a poesia haicai veio à pauta de nossas discussões, tendo como pano de fundo a questão da verdade e da metafísica. Entre todos os diálogos, o mais essencial foi o com o Poeta brasileiro Luís Antônio Pimentel. Seu conhecimento da cultura japonesa e a possibilidade de sua poesia conjugar todas as questões relativas ao encontro entre os pensamentos ocidental e o oriental, mais que testemunhar o intercâmbio entre essas, foram motivos suficientemente persuasivos para adotarmos seus haicais como ponto de partida para nossas reflexões de filosofia. Registrando aqui meu agradecimento a Pimentel, desejo expressar meu sentimento de profundo respeito àquele que, com interesse e infatigável paciência, contribuiu delineando as idéias (ainda espalhadas em protocolos tomados por ouvintes) e matéria adicional aos fichamentos de nossa pesquisa preliminar. Agradeço também às boas intuições fomentadas pelo convívio de todos com quem dialoguei nos muitos encontros do Calçadão da cultura, o que a mim só confirma esse como um espaço onde se pode estar em meio às idéias acompanhado da melhor inteligentzia. Quanto ao apêndice desse volume, trata-se de uma entrevista, semi-estruturada com perguntas abertas, concedida pelo poeta no dia 21/07/2007. Inicialmente, tinha o propósito de servir para coleta de dados adicionais à bibliografia, depois, diante da constatação de seu valor documental, espontaneidade e autonomia, 13 optou-se por publicar integralmente o conteúdo, tendo a transcrição apenas a preocupação em corrigir anacolutos, pleonasmos e demais negligências do discurso oral. 14 VERDADE-METAFÍSICA-POESIA São incomensuráveis as controvérsias relativas à interlocução entre os pensamentos oriental e ocidental. Se por um lado temos a tentativa de legitimar uma dita filosofia oriental que aparece como o esforço de alguns poucos entusiastas pelo assunto; de outro, a comunidade acadêmica, em sua maioria, não aprecia tais investidas mantendo-se irredutível quanto à filosofia ser um fenômeno ocidental. Para essa, não existiria a filosofia fora da perspectiva européia, sendo qualquer manifestação genuinamente filosófica derivada desse modo de pensar. Se essas duas posições divergem nesses pontos, parecem concordar em ser arriscado qualquer tipo de tentativa de associação do pensamento oriental ao ocidental, ou de pensar o primeiro com os recursos do outro, sob o risco de uma tradução já alterar a essência e qualquer compreensão pretendidas, por se valer de seu vocabulário e gramática. Nesse cenário, ainda existem duas formas de nos portar diante dos temas e das questões fomentados pelo Oriente: ou bem silenciar, preterindo-o como pensamento ininteligível aos ocidentais e, por 15 isso mesmo, indigno de ser chamado de filosofia; ou assumir o risco de pensar filosoficamente seus temas, apropriando-se de suas questões sem o pudor de tomá-las sob a única ótica que temos à disposição. A bem da verdade, do segundo modo, estaríamos fazendo filosofia à maneira do Ocidente (descarte-se aqui a intenção de uma filosofia oriental); apenas tomando o Oriente como ponto de partida. Cientes disso, minimizar a discrepância seria adotar o melhor ponto do Oriente para começar nosso argumento. Para nossa aproximação, perguntaríamos o que aquilo que se convencionou chamar de Oriente poderia servir de solo ao nosso exercício de pensamento. Escapando da indiferença do arbítrio, presumimos que a melhor marca daquele mundo é a língua, dimensão continente de toda sua conjuntura, seu espaço de realização, compreensões, interpretações, asserções discursivas, referências, sinais e propósitos. Na língua, esses se depositam expressando com o que lidamos e seus determinados modos. Todavia, dentre os modos de expressão de um idioma, talvez o mais privilegiado seja o discurso poético. Parece ser evidente aos antigos que a poesia e o espírito humano são fenômenos indissociáveis e que (ainda que nunca tenhamos escrito uma única letra de poesia ao longo de uma existência) relata a própria vida do espírito, entre nascimento e morte, dando-se no intervalo entre essas duas instâncias inefáveis. Destarte, a poesia é relato de um mundo e de seus significados, indicadores do homem em sua realização. Somam-se, assim, diversos motivos para tratarmos da poesia. Mas como pensar a poesia aqui? Seria o caso de apresentar notas sobre a gênese e história desse gênero? Ou quem sabe ceder à sedução de fazer crítica literária? Parece ser nosso texto fomentado pela necessidade de pensar o Ocidente aproximando-o (contrapondo-o) ao Oriente a partir de sua poesia, e pela urgência de preencher algum hiato no tocante às implicações filosóficas do 16 pensamento oriental com sua poética; quem sabe em uma modalidade típica como a poesia haicai.3 Pensar a partir da poesia haicai as implicações filosóficas seria tarefa árdua e talvez inexeqüível sem um aporte teórico que nos permitisse o acesso às experiências expressas nessas poesias. Por isso, aceitamos o convite para dialogar com a poesia de Luís Antônio Pimentel, poeta cujos haicais serão interface aos japoneses, nos permitindo pensar a poesia e a filosofia, o Oriente e o Ocidente consistindo em um ponto privilegiado à abordagem dessas instâncias, resguardando suas especificidades e promovendo associações. Diante disso, não estamos preocupados com o haicai como um gênero literário, mas sim como pensamento. O recurso a Pimentel tem o propósito de servir de ponto de partida para nosso exercício filosófico, escolha orientada pela necessidade de ilustrar, com sua linguagem — os conceitos que temos em vista: Luar na neblina. Dentro da cabana escura, Um ranger de redes.4 Após o poeta ter se apresentado a nós, por sua poesia, partimos dela ao nosso ensaio, não tendo a pretensão de reduzir a interpretação da poesia à exegese, mas — quando muito — fazendo teoria breve.5 Ao invés de dar notícias históricas, recordemos o quanto é antiga a preocupação dos homens pela palavra. Desde os gregos vê-se um desvelo especial pela poesia e sua linguagem; acerca disso, propõe-se a língua grega, ao contrário das demais européias, como não propositora de predicados na chave significado-significante, mas a própria realidade-verdade que estaria ali sendo exposta.6 Dentre as demais culturas ancestrais, lembremos daquelas também zelosas pela palavra, como os indianos com seus sutras; na 17 reverência a essa nos cultos levíticos dos hebreus; na sabedoria da China, além do haicai japonês. Enquanto a experiência arcaicooriginária da linguagem em sua determinação poética eclode para muitos na antiguidade, no Japão isso só ocorre tardiamente. É no século VIII. d.C (quando as civilizações européias, já tinham abandonado há muito o modo contemplativo dos pré-socráticos, para se lançar no projeto metafísico de assegurar um fundamento verdadeiro aos entes da totalidade) que o Japão ganhava meios para expressar-se através de um idioma próprio. Dando a conhecer — apenas nos 1700, com o haicai — uma visão de mundo ainda capaz de experimentar a verdade-realidade dos entes na sua aparição. A experiência radical da realidade pelos japoneses e o relato de sua simplicidade ficam em evidência nos versos anteriormente citados. Com o poeta japonês Bashô, a forma primitiva do haicai (reduzida a um divertimento de uma elite letrada) tornou-se autônoma ganhando, então, expressão estética refinada; sendo tomada como arte perfeita e de expressão determinante à estética nipônica. O haicai, para ser reconhecido como tal, além de sua linguagem sóbria e elegante, deveria obedecer a algumas regras,7 testemunhas da inestimável importância da apropriação japonesa do mundo natural e de seus fenômenos. Assim, vemos o oposto do que ocorre com a perspectiva vigente no pensamento ocidental. O Oriente permaneceu em seu âmbito poético, não aderindo à tendência de conduzir as experiências ao entendimento e à conceituação. Inclinação que posteriormente desaguaria no projeto metafísico de tentar determinar um fundamento inconcusso a todo saber possível. Antes, atendeu às prioridades do pensamento poético, tratando de celebrar admiradamente um instante aberto pela linguagem na imediatez de seu fenômeno; de considerar uma coisa simples com recursos minimalistas. Conheçamos essas características e seus desdobramentos a partir do exame dos poemas a seguir. 18 I Um primeiro haicai de Pimentel tomado sob nossa atenção diz: O vento levanta a névoa fina do vale, despertando a aurora. A imediata impressão do leitor nesse escrito é a de uma cena corriqueira, possível de ser tomada como dados da função informativa, notificando algo banal. Essa apreensão nos indicaria: o vento, a névoa, o vale e a aurora, coisas das quais temos uma compreensão objetiva e, mesmo, empírica. Teríamos a comunicação de que o vento é capaz de levantar a névoa ruça de um lugar, nas primeiras horas do dia... Mas ora, nos distanciando dessa primeira interpretação, mas ainda em uma abordagem lingüística, poderíamos desconfiar que a função da linguagem aqui, mesmo que não possuindo marcas evidentes, pudesse ser a expressiva: aquela típica da poesia. Essa suspeita exige que nos coloquemos de outra maneira diante do escrito. Daí, deixemos o haicai ressoar... O vento levanta a névoa fina do vale, despertando a aurora. Tomado como poesia, o haicai é capaz de nos trazer um estranhamento. Afinal, a que vem uma poesia que não emprega os artifícios da poesia? O que pretende uma poesia que não se vale da maneira literária de exprimir com processos e expedientes estranhos à função de comunicação? O haicai parece querer expressar um instante, retratar um dado fenômeno nesse. Daí, 19 vento, névoa, vale e aurora não mais se mostram como antes, mas aparecem pela verve da poesia. Mas o que significa falar de verve da poesia? Esse questionamento se referiria ao modo de ser dessa, a sua essência. Pretender falar da essência e da linguagem na poesia não é uma tarefa fácil. Significa ter de dialogar com uma tradição que toma os gregos e suas palavras como referência, termos utilizados por esses antigos para se referir a uma experiência da realidade (phýsis) desvelando-se na verdade (alétheia) dos entes, abertos pela linguagem (lógos) que por meio da imitação (mimésis) de tais entes subministra esse movimento. Isso atesta que, para um grego, a realidade não é algo estático. Os gregos entendem o mundo como um contínuo vir a ser. A realidade pensada como “physis” é o contínuo movimento de desvelamento ou desencobrimento dos entes; daí, em cada novo instante, o real dá-se ao acontecer, abre-se em sua verdade. Também a verdade não é entendida como mera adequação de um enunciado a um estado de coisas; verdade, entendida como “alétheia”, remonta a esse movimento da abertura constitutiva de tudo que verdadeiramente é. O “lógos”, por sua vez, é o que, delimitando um espaço de realização, acolhe o homem nesse movimento, dando-lhe o lugar da apreensão da realidade-verdade. Apenas de posse dessa compreensão se é capaz de enunciá-lo por meio do discurso. Dentre os diferentes modos de enunciado, o da poesia é aquele que vem como imitação daquilo que reunido na linguagem se mostra num instante da realidade-verdade. Como vemos acima, a imitação da cena indica uma dinâmica. Embora não se refira diretamente a dos gregos, afirma idéia similar quando descreve, bem como a “physis”, uma leve lufada de vento a levantar o véu de névoa trazendo o dia à face de todos. Essa poesia não é apenas um jogo de palavras em busca da estética, é recordação de uma dimensão esquecida que emerge como das brumas após ser evocada. Esquecidos dessa dinâmica, tem-se 20 cotidianamente uma apreensão enevoada dessas instâncias. Dependendo de alguns poucos que, atentos ao modo de ser da realidade-verdade, efetuam tal resgate por meio de sua produção (poesis), ao despertarem novamente à experiência acenando aos demais como essa se daria. Com efeito, o poeta é quem — ao falar — limpa o significado das palavras devolvendo viço à linguagem; noticiando (como no poema) a alvorada da realidadeverdade que acontece em cada instante. O poeta fala para que se intua a morada na qual o homem se reúne, habita e se faz, melhor mirante dessa realidade; é quem — tendo maior clareza desse ethos — relata sua localização e o que nele ocorre, fazendo da poesia relato aos esquecidos.8 Assim, poesia é relato. Nossas afirmações encontrariam, sem muita dificuldade, respaldo nas idéias da poética clássica. Elas dizem algo muito próximo a Aristóteles quando esse assevera que a arte imita a realidade-verdade,9 e continuaria a ter aderência aos gregos se fosse reformulada indicando também a poesia como uma imitação da realidade-verdade. Contudo, poderíamos pensar isso em se tratando dos nipônicos? Cabem essas afirmações no pensamento oriental representado pelo haicai?... O vento levanta a névoa fina do vale, despertando a aurora. A compreensão que esse povo possui da verdade é sensivelmente diversa da grega. O vocábulo japonês makoto, geralmente utilizado para traduzir “verdade”, mais designa “sinceridade”, “fidelidade” e “verdade de coração” do que a tal experiência de abertura. Entrementes, a simplicidade dos versos de Bashô é universal. Retratada no haicai, poderia ser dita por qualquer homem, em qualquer tempo e local. Teria sido escrita 21 por Bashô, Busson ou por qualquer outro de seus discípulos; por um poeta-pensador no turno pré-socrático ou por um brasileiro do século XXI. Universal, portanto, é também a experiência descrita a partir dos gregos como constitutiva da poesia. Essa apenas foi possível por aqueles que teriam experimentado um pensamento que se aprofundasse no fenômeno, pensando-o fundamentalmente e tomando-o como parte de seu acontecimento, ao contrário do Oriente, cujo pensamento se mantém na superfície do fenômeno como também fulguração.10 Os gregos, com a filosofia, acharam meios de descrever o que acontece nas “coxias” do real, ao passo que no Oriente, sobretudo a poesia nipônica, encenava no espaço mais iluminado, ribalta de manifestação desse; expressando de maneira translúcida o que é imanente à face do fenômeno (e apenas de maneira subliminar nos remete a algo transcendente que poderia ser tomado como objeto da filosofia). A superficialidade do expresso na poesia haicai aparece em metáforas referentes ao cristalino ou ao aquoso, seja na imagem do orvalho, da chuva, dos lagos e mares, como apreciada na seqüência: Chove: chia a chuva E, de chofre, o chão enxuto. Encharca-se e se enxágua. Na névoa e no mar, a água nos múltiplos estados do mesmo se manifesta: A onda, na bruma, côncava, redonda, estronda. Explodindo espuma 22 Constatados nos haicais de Pimentel, esses elementos são observados como marca indelével desse estilo de poesia. Quanto a isso, se enfatiza que cabe a quem tem interesse em investigar o haicai (...) permanecer atento e curioso, pois estes parecem subministrar encontros entre o mar, lagos e rios; entre a chuva, nuvens e neblinas; entre as cores e a forma da água, entre o jorro e a corrente, entre mitos e poesias, também entre o fluxo da fala e do pensamento. 11 Assim, mais que uma menção à sua forma diminuta ou a sua rítmica, a água, na metáfora que pensa o haicai como gotas de orvalho, alude a sua dinâmica e a matéria fenomenal e como essas podem nos conduzir ao discurso mítico referido no comentário. Não pode pretender legitimidade a interpretação do mito (e de sua linguagem) que o entenda como uma representação ingênua da realidade-verdade, pensando-o como registro de um período primitivo da humanidade que aguardaria ser superado por pensamento mais arguto. Definitivamente o mito não é um resíduo cultural, é maneira de reportar-se ao real também se valendo de linguagem poética e, por trás do seu discurso multicolorido, há, bem como nos outros modos de pensar, um lastro na realidadeverdade. A linguagem dos mitos, bem como a poética, traz algo de universal. Na poética dos mitos (por exemplo, na fala pública de um rapsodo grego ou de um poeta peregrino japonês, como foi Bashô) não há uma “historiografia” da realidade-verdade. Querse falar de mundos possíveis, de seus fenômenos e do que os promove. Ainda presenciando, em alguns casos, o pensamento mítico precedendo outras manifestações do pensar, o mito, bem como a poesia, não é um protótipo de algo mais elaborado por 23 vir. No mito, temos um discurso parente à fala de alguns pensadores que (antes mesmo que a filosofia e as ciências tomassem a frente na busca incessante por explicações) buscam um modo de asserção à realidade-verdade que respeite seu caráter deveniente, resguardando o jogo de claro-escuro (velamentodesvelamento) constitutivo da dinâmica de seu acontecer. Esse é o discurso presente em Tales, em Parmênides, Empédocles e Xenofonte; e também em pensadores como Platão e Aristóteles, debitários dos primeiros. Não por acaso, um desses pensadores gregos, fronteiriço da linguagem mítica, teria proposto a sentença “Tudo é água”. Comumente lida de modo aligeirado (asseverando que Tales de Mileto se referira à presença do elemento água na composição física das coisas em geral), a frase traz uma significativa inovação, ao expressar pela primeira vez uma perspectiva que enxerga a pluralidade dos entes a partir de uma unidade. No “tudo é água”, o pré-socrático nos ensina que tudo é um, ou que tudo é desde um, desde uma unidade, fomentando-se, assim, a idéia de unidade originária que ocupará a pauta da filosofia e, a partir daí, surge, então, a idéia de verdade. Parece que podemos estabelecer uma correspondência a essa a partir do termo japonês iki, que embora traduza primeiramente “fonte”, se aproxima ao sentido de essência da realidade-verdade. O iki seria o que emana da aparição e também do fenômeno artístico-poético japonês, “brilho sensível cujo enlevo e encanto transparece no supra-sensível.”12 Logo, a arte japonesa e, sobretudo o haicai, é aquilo que, no mais superficial de suas imagens, transcende ao fundamental. O que nos permite constatar que o haicaísta quando aborda a chuva ou “a onda na bruma”, como tema de sua poesia, pode estar dizendo o universal. Nesse caso, é pouco plausível a avaliação de Blyth, que propõe que as motivações para um haicai são as idéias abstratas daquilo de que ele trata, por 24 exemplo: a frieza do frio, a quentura de um dia quente, a lonjura das montanhas distantes. Mais preciso é o comentário de Gundert que afirma que: “do ponto de vista do esforço Zen, a tarefa é tornar acessível aos olhos, aos ouvidos e às mãos o que é maximamente inacessível”,13 pois o haicai não fala diretamente de uma unidade capaz de ser identificada como um universal-abstrato, o que só é viável se pensado a partir da ótica do ocidental, que enxerga nesse a essência, categoria estranha aos olhos dos orientais. A água e sua clareza e outros fenômenos estão associados à própria aparição e ao que as tornam possíveis. Em todas essas imagens ricas de plástica e sentido, a água é superficialidade-concreta, no fenômeno a ser celebrado, no modo mais manifesto da realidade-verdade. De forma que a manifestação do que o haicai expressa por meio de figuras relativas à água e à luz não aparecem apenas nos escritos de nosso autor, mas são marcas do haicai em geral. É isso que se vê mais uma vez em Pimentel — Predador perene, pula o sapo-pipa e parte o espelho do poço. — e em Bashô: No vetusto tanque, salta incisiva uma rã revolvendo águas.14 Vejamos que novamente a água (seja a do poço ou a do velho tanque, como espelho ou onda) é metáfora de um acontecimento da realidade-verdade, reaparecendo à face do fenômeno como elemento significativo do haicai em toda a superficialidade do retratado. Retrato puro e simples de um instante, sem que se ob25 serve nesse tipo de poesia o crivo do sentimento do poeta, posto que aqui ele se coloca apenas contemplativamente. No haicai, o poeta não é predicador. Seu o olhar contempla a imediatez do fenômeno na realidade-verdade, apreensão do real afim ao modo constitutivo de seu fenômeno, sem qualquer tipo de ajuizamento (produto de um eu subjetivo). Influência ou não da doutrina zenbudista, que prega o esvaziamento do ego, o fato é que por um bom tempo o haicai esteve livre de impregnações afetivas ou reflexivas (ou de qualquer outro tipo de apropriação capaz de perguntar por algo além da aparição do fenômeno), visando a uma simples apreensão da realidade-verdade. Isso perdura até que a perspectiva ocidental se infiltre no Oriente. II A introdução da cultura ocidental no Oriente foi responsável por alterações na perspectiva de seus povos. No Japão, a presença da cultura ocidental-européia é registrada desde os séculos XVI e XVII. Enquanto doutrina possuidora de uma perspectiva, o cristianismo se consolidava principalmente entre a população camponesa até sua violenta repressão e seguida proibição no auge da dinastia dos Tokugawa (1616-1868). Essa deu início a um período de isolacionismo cultural, por um lado fecundo ao campo do pensamento e das artes nativas, de modo a falar-se de um renascimento daquela cultura e da superação do modelo cultural chinês, vigente desde o século IV. d.C.. Nesse período, vemos o cultivo do haicai com autores como Busson, Kobayashi e Issa. Entre esses, o último tornou-se, em sua época, mais conhecido do que o próprio Bashô ao introduzir inovações ao haicai. Não se tem notícia de que Issa tenha tido contato com a cultura judaicocristã, mas constatam-se algumas características de seus poemas 26 que o aproximam dessa e o distanciam do modo canônico de se fazer haicai. Perspectiva recrudescida sob a Era Meiji (1868-1912), na qual se abriu a cultura à influência dos ocidentais deixando que o mundo europeu (representado nas artes pelo romantismo, simbolismo e impressionismo) infiltrasse o pensar japonês. O contato com o mundo ocidental apresentou necessidades que até então o japonês não tinha. Promoveu a urgência de desenvolver vocabulário e gramática para dizer o que era experiência completamente exótica àquele. Nesse período, vê-se nas universidades européias, sobretudo nas de Letras e de Filosofia, grande procura de acadêmicos japoneses ávidos de tomar conhecimento daquele modo de pensar que não se contenta com a imediatez da coisa e se lança ao perscrutar a realidadeverdade.15 Doravante, a distinção entre Ocidente e Oriente passaria a não ser mais uma convenção geográfica das fronteiras entre os hemisférios do globo; Ocidente passa a ser a denominação de uma visão de mundo que acomete outra e que faz com que encontremos também na segunda a preocupação em pensar o universal de todas as coisas. Essa preocupação parece refletir no Oriente quando presenciamos questionamentos formulados no interior de haicais, como Pimentel evoca: Que é um haicai? É o cintilar das estrelas num pingo de orvalho. O poema traz marcas do Ocidente não apenas por ter sido criado por um ocidental. É ocidental embora se caracterize formalmente como um haicai japonês. Na formulação o que é...? fica expresso o modo de perguntar desenvolvido pelos gregos e (embora a primeira estrofe traga uma pergunta que no contexto do poema seria retórica e a saída poética do haicai não tenha a 27 intenção de respondê-la) é essa a fórmula que Platão e Aristóteles se valeram em suas investigações. Forma que ao longo de muitos séculos encaminhou o pensamento aos rincões da metafísica; sendo corpo estranho num haicai ao denunciar uma postura que não a serena e contemplativa dos orientais. A metafísica já havia sido apontada como marca do mundo ocidental por Alexandre Herculano, antes mesmo de Nietzsche. Ele comenta que “a metafísica influirá sempre em qualquer sistema de pensamento que venhamos adotar.”16 Contudo, ninguém melhor do que o segundo compreendeu esse fenômeno, podendo analisá-lo de maneira lúcida. Esse é o motivo pelo qual o pensamento desse alemão será pano de fundo à caracterização de algumas idéias diretrizes da metafísica. Por metafísica entendemos a postura investigativa que, esquecida de uma compreensão dos entes em seu ser, toma o fenômeno desses de modo a reificá-los, reduzindo-os a uma compreensão de coisas com propriedades capazes de serem observadas, investigadas e categorizadas. A investigação do ente como mera coisa pressupõe, ainda, que haja algo para além de sua condição de ente a ser sondada. Daí, a pergunta por essa é novamente colocada em jogo, dessa vez na busca de determinação por sua essência, no asseguramento de uma verdade subjacente a ele. Tal verdade seria uma instância transcendente que o determinaria enquanto tal e que o emprestaria a condição de efetivo e durável. Essa explanação sintética — capaz de esboçar características de uma postura metafísica — acena a um começo com desdobramentos na história moderna culminando em uma filosofia do sujeito que, mesmo num quadro geral, poderíamos identificar características determinantes da metafísica. Seriam elas: a vontade de asseguramento, vontade de correção e o que Nietzsche chamou de valoração por parte de um espírito de vingança. A Vontade de asseguramento é “vontade de conhecer a verdade,” 28 de se apoderar dessa por meio da busca por sua determinação, perscrutando-a da maneira inquisitiva inaugurada pelos gregos e repetida por Pimentel: O cego pergunta: como é o luar? E a jovem beija-o na fronte. Também na cena singela, a pergunta pelo que é um haicai ou pelo luar, indica o desiderato metafísico por uma definição conceitual. O cego é quem quer compreender por meio de conceitos aquilo que não é a ele possível; quem quer tomar teoricamente o que a intuição não permite, tornando pensável por meio de conceitos o luar e tudo o mais capaz de ser submetido a esse anseio. O conceito seria o que, resguardando as muitas possibilidades de manifestação desse ente, denotaria uma significação unitária ao descartar suas circunstâncias e acidentes para tomar tal ente desde uma idéia absoluta. A mesma vontade de asseguramento é aquela que olhando para a poesia, busca nela um Cânon do haicai. Numa flor de cerejeira, a alma do Nipon. Atentemos: cânon é regra. Nesse caso, padronização da própria experiência poética encarregada de criar nessa, regularidades capazes de fazê-la assegurável, extirpando dela toda a espontaneidade, fugacidade, surpresa e o que nela há de extraordinário. Para a metafísica, a poesia deveria submeter-se a um cânon, tal preocupação é a requisição por padrões metodicamente identificáveis, como referências que 29 permitam ser pensada como tal, fazendo da poesia coisa previsível. A determinação da vontade de asseguramento parece consistir, mesmo, naquele princípio que perpassa o projeto metafísico moderno. Etapa que ao tomar para si a tarefa de tornar pensáveis os entes, já se faz desde o intento de assegurá-los como coisa certa, no sentido de ens certum; entendendo a essência de sua verdade como certitudo. O asseguramento do ente como coisa certa, por meio de um método, como o desenvolvido por Descartes, busca fixar idéias válidas, certas, por meio dos critérios de clareza e distinção. A vontade de correção é a segunda característica metafísica encontrada num outro haicai: Completa a ternura: tira os espinhos da rosa, antes de ofertá-la. Aqui, o poeta quer tirar os espinhos da rosa, retificá-la, pois, não deveria ter espinhos. Assim, diante da inaceitação do modo de ser da realidade-verdade, sugere-se a subtração daqueles que, embora ofensivos, a integram. O inconformismo quanto à maneira da flor irrevogavelmente dar-se em seu fenômeno gera o anseio por corrigi-la, o que já seria intervir no modo da própria realidadeverdade. Reforma indicativa de postura bastante diversa daquela típica do haicai, comentada em nosso tópico anterior. A vontade de correção se repete — A jovem romântica tirou todos os espinhos do balcão florido. 30 — dessa vez, ela é nomeada por algo que, muito mais que um sentimento afetuoso, desconsolado ou sonhador, indica um comportamento associado a uma escola filosófica e a seus ideais estéticos. O Romantismo aludido é tratado por Silvio Romero como o ceticismo filosófico elevado à literatura; subministra premissas bastante distintas do comportamento que aquiesce o modo de ser da realidade-verdade, distanciando-se da experiência supra-referida associada aos gregos, a qual Nietzsche chamou de trágica. A tragédia, tal como compreendida pelos gregos, não deve ser entendida no sentido cristão de desgraça, ela não é apenas uma privação da graça. O significado de tragédia é mais amplo que esse. Não se trata de uma fatalidade lastimável, mas é um comportamento diante de uma situação inalterável em toda sua gravidade. Em Édipo Rei, a tragédia não está em ele ter matado seu pai sem saber, ter desposado sua mãe por engano e depois ter se cegado. Essa sucessão de ocorrências seria só desgraça se Édipo não entendesse que a realidade-verdade, em seu modo de ser, pode dar-se desse modo submetendo àquele que inocentemente está inserido nela (sem que ele tivesse feito nada por merecer) e, no entanto, este acata tais ocorrências por saber que a realidadeverdade se dá assim, não havendo volta. A vontade metafísica como explicada por Nietzsche não seria nada trágica. Ao contrário, ela se aflige com o fenômeno ter se dado num instante como coisa irrevogável, com a impotência diante daquilo que está feito e é sem volta. De acordo com essas idéias, não seria o gesto de eliminar os traços de uma suposta imperfeição da realidade-verdade que redimiria a rosa ou o balcão florido, mas o de acatar as flores com espinhos e pôr-se tragicamente diante dessa ocorrência. Nesse ponto, podemos afirmar que a experiência contemplativa do haicai, como vemos no japonês, mais se aproxima ao trágico do que da postura 31 romântica, que se vinga do modo de ser da flor retificando-a. De maneira que a atitude mais sintônica (à realidade-verdade) de completar a ternura seria não tirar os espinhos da rosa, mas aceitála tal como é e, assim, tragicamente, ofertá-la. Pimentel assegura que o identificado como vontade de correção no poema da rosa não é traço de uma influência metafísica oriunda da perspectiva de religiões como o judaísmo ou do cristianismo. O gesto descrito no haicai se justificaria, pois, para os japoneses essa flor é tida apenas como símbolo de falsidade, vez que sua bela aparência induz à dor aguda de seus acúleos. O autor especifica essa intervenção corretiva como proveniente da doutrina budista (da qual o próprio Bashô era partidário) e sugere, à guisa de ilustração, que recorramos ao célebre episódio da biografia daquele poeta e bonzo, em que Kikaku, um de seus discípulos, teria provocativamente proposto a seguinte composição ao mestre: Privada de asas a libélula vermelha vira uma pimenta17 Bashô teria repreendido o aluno advertindo-o que um haicai não faria um ato bárbaro, propondo em réplica essa outra formulação: Agregando asas a uma pimenta vermelha temos uma libélula.18 Entretanto, também na forma do ensinamento budista a vontade de asseguramento enquanto um princípio metafísico, mostra-se presente. Associada ao zen-budismo vem como a tentativa de um asseguramento desta vez do agir que, por meio de uma doutrina 32 reguladora do comportamento, cria valores e faz uso deles como parâmetros desta prática. Na valoração são estabelecidos princípios morais chamados valores como próteses ao acontecimento da realidade-verdade. Princípios que nos permitem agir, pensar e decidir dando regularidade e previsibilidade ao que é irregular e inesperado por natureza. Essa intervenção, Nietzsche vai atribuir a um espírito de vingança, vontade que não se conformando ao modo de ser da realidade-verdade pretende colocar-se sobre ele, vingando-se de seu modo de ser. Os valores criados por essa postura são cambiáveis e estabelecem regularidade, identidade, comunidade e permeiam grupos que passam a viver em torno dessa que se fixa como doutrina. Doutrina a qual Nietzsche chamou de moral de horda, identificando-a como aquela que nasce e se dissemina historicamente em povos escravizados como, por exemplo, os hebreus e perdurando em povos de cultura adepta ao cristianismo e que cultuam fervorosa obediência a princípios valorativos, sejam eles estabelecidos por sacerdotes, legisladores ou pensadores. Nos dois casos anteriormente mencionados, a recriação da libélula proposta no poema teria um forte apelo moral. Assim, preservouse a libélula não por seu modo de ser, mas por obediência a um valor, a uma moral: aos princípios doutrinários do zen-budismo. Elementos de uma moral ainda se mostram presentes em outros poemas: Despido de mágoa, o jasmim que ela esmagou perfumou-lhe as mãos. É inevitável aqui a associação da mensagem do haicai ao ensinamento do Evangelho de Lucas (6:29), que aconselha oferecer a outra face em atitude abnegada. Esse, entre outros valores e 33 símbolos, aparece nos haicais ocidentais como marcas daquele projeto que buscava submeter à realidade-verdade ao homem, fazendo que essa não se mostrasse mais abismal, mas antes, como coisa segura, dócil e estável, da qual o homem tem garantias, por ter-lhe emprestado outro modo de ser que não o da origem. Assim, o homem põe-se no centro da natureza, ansiando que O mar, reverente, se curve e se estire, manso, e lamba-lhe os pés. Repare, o mar, em atitude humana, se submete ao homem, num animismo indicativo de quem agora se assenhorea da realidadeverdade. Esse argumento, bem como os anteriores parecem encontrar síntese nas palavras de Nietzsche quando o filósofo diagnostica: 19 Vontade de conhecer a verdade chamais vós, os mais sábios entre os sábios, àquilo que vos impele e inflama? Vontade de que todo existente possa ser pensado: assim chamo eu à vossa vontade! Quereis, primeiro, tornar todo o existente possível de ser pensado; pois, com justa desconfiança, duvidais que já o seja. Mas ele deve submeter-se e dobrar-se a vós! Assim, quer a vossa vontade. Liso, deve tornar-se, e súdito do espírito, como seu espelho e reflexo. É essa a vossa vontade, ó os mais sábios entre os sábios, como vontade de poder, e também quando falai do bem e do mal e das apreciações de valor. Quereis ainda criar o mundo diante do qual possais ajoelhar-vos: tal é vossa derradeira esperança e embriaguez. 20 Na avaliação de Nietzsche, a metafísica, enquanto perspectiva, 34 significa o risco da proliferação de uma grande doença. Para este, a metafísica é comparável a um deserto em expansão sobre o restante das perspectivas humanas. Interpretação compartilhada por Heidegger quando, ao tratar especificamente da essência da arte japonesa, avalia que também essa teria passado pela planificação da terra por uma perspectiva europeizante cuja conseqüência seria o obscurecimento de sua fonte mais essencial. Ora, mas realmente seria isso que os haicais de Pimentel propõem? Seriam esses, escritos de metafísica? Teriam eles o propósito enfático de investigar incondicionalmente a essência dos entes abordados poeticamente? São eles proposições de uma doutrina especulativa seja ela ontológica ou moral, ou quem sabe diretrizes de um projeto de intervenção e reforma? Como poeta, Pimentel responde aos questionamentos dos poemas do único modo coerente nesse caso: poeticamente. Assim, é preciso desagravar aqui, dizendo que embora essas características se encontrem nos haicais pimentelianos, elas são características da metafísica; da qual as poesias são apenas retrato. Pois nenhum haicai se pretende metafísica ou se propõe respostas, a poesia enquanto tal não quer defender teses, construir teorias ou validar hipóteses. Daí, se todo o dito soa como constatação e crítica, é preciso que fique claro que essas recairem sobre a metafísica e não sobre a poesia de Pimentel. O próximo passo busca pensar se a influência do Ocidente, na poesia haicai, seria verdadeiramente devastadora ou se haveria algo de seminal nesse encontro. III Em seu itinerário, também a metafísica, enquanto tentativa de tornar a realidade-verdade pensável por meio de conceitos, experimenta sua consumação. No transcurso de Platão a Hegel 35 presenciamos, com muitas interfaces, um processo vertical em que se tem o ganho de determinações que aprofundam os conhecimentos acerca daquela que seria a verdade objetivada durante esse processo; outro horizontal de expansão e sobreposição dessa perspectiva objetivante para outros terrenos em que ainda não grassava. Curioso é que na crítica sustentada por alguns póshegelianos, a metafísica é processo findo, tendo atingido suas máximas possibilidades com aquele idealismo absoluto, restando ao pensamento, agora, algo a mais que uma mera restauração de seu sentido ou ainda uma inversão metafísica. Seria hora de uma releitura capaz de permitir a análise de cada uma daquelas estações do pensamento, desmontando seus esquemas, identificando e explicando cada parte para recriar todo o pensamento a partir de uma compreensão capaz de restituir o sentido esquecido durante aqueles dois mil e quinhentos anos de filosofia. Teríamos assim um novo começo do pensamento ocidental — capaz de ser ilustrado como florescimento — a partir de suas ruínas, como vemos aqui: Tímida e flagrante, debruçada na ruína, desabrocha a flor. Ou aqui, Linda, perfumada, a orquídea branca floresce sobre um velho tronco. A renovação na metáfora da flor que brota, desabrocha e floresce por ter se nutrido dos lenhos, troncos e raízes metafísicas da árvore do conhecimento, agora morta e em decomposição (ou 36 desconstrução, se quisermos), é o indicativo de que esse novo momento é síntese dos outros dois. Vejamos que a poesia não traz mais o sentido da realidadeverdade como na origem, tampouco marcas da empreitada humana cujo arroubo orgulhoso de se colocar sobre a mesma se nomeou metafísica, mas uma nova premissa, produto das anteriores. Uma conciliação com a realidade-verdade, na medida em que se atenta para essa por uma via que nos permitiria acesso renovado, mas tendo agora a experiência do percurso. De fazer o caminho à essência da realidade-verdade ciente dos riscos de seu trajeto. E o que teria o haicai e mesmo a poesia em geral a ver com isso? Quando essas divagações tangem o haicai? Haveria espaço para a poesia, sobretudo ao haicai, no pós-metafísico? Parece que a poesia (e sua linguagem) pensada como tema passa a ser ponto privilegiado e de importância na tarefa de pensar após a metafísica, pois é por meio dessas que se pode pensar a realidade-verdade não mais como um objeto, não mais como coisa sujeita àquele tipo de inquirição. A realidade-verdade fala agora como poesia, i.e. poesia é verdade.21 É possível assim, que uma resposta à pergunta pela verdade seja dada de maneira poética, por meio de uma indicação não mais promovida pela sanha metafísica de determinar a realidadeverdade como sub specie aeternitatis, mas na consideração interessada no acontecimento singular dessa em cada um de seus instantes, ou seja, como sub specie instantis. Isso nos recorda àquela parábola narrada nos manuscritos do monge Yuan wu (10631135), segundo a qual membros de uma escola budista perguntaram-lhe qual o sentido da verdade. O mestre teria respondido que sobre uma tigela prateada que ali estava se acumulava neve (sic). A fala, aparentemente evasiva, subministrava o sentido da verdade em seu acontecimento, sem que a linguagem se construísse por meio de proposições objetivas. A resposta seria 37 produto de um pensamento que resguarda o modo de ser da realidade-verdade, celebrando-o. Como plasmado também aqui: Orvalho de luz da montanha perfumada – jóia da alvorada. A essa altura, achamos poder afirmar que no encontro do Oriente com o Ocidente ao invés dos prognósticos de devastação do sentido do primeiro, teríamos não a desertificação de uma fonte, mas, a fertilização de um deserto. Quem sabe a poesia da terra do sol nascente seja capaz de devolver aurora ao Ocidente. Se não a mediterrânea, a nipônica. Queremos dizer que, se por um lado, nos haicais de Pimentel a experiência poética nela em jogo sofre influência do Ocidente tornando-se outra coisa que poesia oriental, é preciso que se diga que essa síntese — se entendida como tal — nos permite a retomada do pensamento ocidental e um olhar renovado.22 De modo que a experiência de verdade aberta pela poesia haicai, na síntese com a verdade originária e com a metafísica poderia ser identificada na poesia, (quem sabe na comunhão permitida pelo haicai) e na verdade pensada pela filosofia ou a partir de Luís Antônio Pimentel como um novo começo do pensamento que, como a Lagarta, hoje verme, amanhã, em altos vôos, vai sugar as flores. 38 Notas: HEIDEGGER, 2005, p.29. Id., 2001. 3 A viabilidade da utilização dos haicais como ponto de partida se endossa no seguinte parecer de Ute Guzzoni: “Sem dúvida, a antiga sabedoria Zen e a poesia dos haicais (...) não são filosofia no sentido usual da palavra. Contudo, podemos começar algo com elas. (...) Em nenhum outro lugar como no haicai japonês a admiração do que a cada vez é e não é encontrou lugar tão digno, seguro, e ao mesmo tempo tão singelo”. (GUZZONI, 2002, p. 76). 4 (PIMENTEL, 2004). Optou-se pela utilização do segundo volume da edição das obras reunidas de Pimentel pela editora Niterói Livros, que contém o texto integral de Tankas e haicais, tal como coordenada pelo professor Nelson Eckhardt em 1953. A obra reunida, em acurada edição crítica de três volumes, organizada por Aníbal Bragança, conta também com poesias compiladas inéditas até 2004. 5 Cabe aqui o esclarecimento de que conhecemos os textos em que Heidegger aborda a poesia, e também a bibliografia que o cerca de comentários. Contudo, escolhemos deliberadamente o texto O que é isto, a filosofia? como base de nosso ensaio. 6 Heidegger diz que a língua grega é lógos e isto significaria que ela não expressa a através de signos, mas é sentido como o próprio ser. Essa premissa depois aparece estendida ao dizer poético pelo próprio autor, sendo interpretada por Lucchesi quando este, ao comentar um poema de Hölderlin diz: “O poeta da poesia aparece inteiro, como asseverou Heidegger, porque, ao meditar na essência do verso, descobre sua mais alta missão: a de nomear o quanto fosse sagrado”. (LUCCHESI, 1987, p. 67). 7 Cf. SAUERBRONN, 1998. 8 Heidegger em um ensaio sobre a elegia Pão e vinho, do poeta Friedrich Hölderlin, pergunta: E para que poetas em tempo de penúria? A resposta é dada pelo próprio Heidegger quando afirma que poetas seguem um sentido perdido, buscando nas palavras um vigor esquecido; farejando o sentido esquecido. Os poetas provocam os demais homens a recordem que um dia houve sentido e que este pode ser retomado. (HEIDEGGER, op. cit., 1958) Daí o dizer poético e o filosófico seriam dois modos de recordar, a partir da imediatez da palavra, de mundos cujo sentido bateu em retirada. Também Blanchot, em sentido aproximado, indica o poeta como quem ouviu a fala das origens, se fazendo intérprete e mediador dela. O poeta não seria um escrevinhador, um “criador”, tal como entendido de maneira 1 2 39 banal. Apenas atento ao sentido “ele pode fazer brotar a pura palavra do começo” (BLANCHOT, 1987, p. 29). 9 ARISTÓTELES, 1993. 10 O que não constitui demérito ao Oriente, cuja importância parece ser reconhecida por autoridades como E. Pound, ao tratar em seu ABC da literatura a poesia de Homero e as compiladas por Confúcio com igual valor (Cf. POUND, 1953). 11 (GUZZONI, 2006, p. 9). Concordando com a autora também quando assevera que nos estudos sobre haicai ainda não há uma compreensão sistemática do que possa ser filosoficamente relevante em relação à água, pensamos poder associar este elemento à poesia. 12 HEIDEGGER, op. cit, p. 59. 13 GUNDERT apud GUZZONI, op. cit, p.77. 14 Furu ike wa/kawazu tobikomu/ mizu no oto 15 Em contrapartida, também o Oriente na mesma época foi responsável por uma influência fascinante em toda a Europa. Na Alemanha, o budismo se tornava tema de interesse de filósofos como Schopenhauer (1788-1860). Na França (país que ao retomou relações culturais e de mercado com o Japão), introduziu-se a arte japonesa e sua poesia. Relata-se que gravuras e tecidos japoneses eram possíveis de se adquirir por preços módicos nas ruas de Paris, as damas da sociedade trocavam seus veludos e brocados por quimonos de seda. Além dos poetas e literatos, pintores como Gauguin (1848-1903) e Van Gogh (1853-1890) reproduziam gravuras orientais, encantados pela lucidez concentrada que os japoneses tinham do mundo e de seus fenômenos mais imediatos. Van Gogh, de seu gênio, teria identificado isso, como se constata em seu depoimento: “Invejo os japoneses pela extraordinária, límpida claridade que têm todos os seus trabalhos. Nunca é aborrecido e nunca parece ser feito muito à pressa. É tão simples como respirar, e desenhar uma figura com um par de traços seguros, com uma leveza, como se fora assim tão simples...”. (VAN GOGH apud WALTER, 1990, p.25) 16 HERCULANO, 1908. p. 26. 17 Akatombo/hane wo tottara/tôgarashi. 18 Tôgarashi/hane wo tsuketara/akatombo. 19 As mesmas características metafísicas retratadas por Nietzsche aqui ganham formulação na poesia de Lyad de Almeida (um haicaísta da escola de Pimentel) quando propõe: “Criei o meu mundo/e fui magnânimo: / — fiz Deus perfeito”. (ALMEIDA, 1992. p. 28). 20 NIETZSCHE, 1994. p. 26. 21 Com o haicai não seria diferente. Embora os estudos a seu respeito, de 40 22 modo geral, apontem para seus aspectos estilísticos, mesmo dos comentários da crítica, podemos nos servir para nossas próximas inferências. Os estudos nos permitem indicar algumas contribuições que o gênero haicai traz à poesia ocidental. Seriam elas: revitalizar a forma greco-latina da poesia clássica, exaurida por escolas literário-filosóficas como o Romantismo; valorizar o símbolo como elemento necessário à superação da perspectiva sedimentada da cultura ocidental, de conhecimento objetivo, analítico e segmentado (como prática poética associada ao zen-budismo e o confucionismo); reabilitar o uso da metáfora, saturada pela escola literária supra-referida; constituir um reposicionamento frente à figura do poeta romântico retificando excessos desta perspectiva. Mais que indicações de sintaxe essas fazem com que afirmemos que o haicai é aquele que permite que a linguagem venha à tona por suas frases indicando uma perspectiva na qual o poeta pode colocar-se predicativamente sem sobrepujar; que o símbolo pode ser posto, entendido como coisa além que estrutura lingüística e referenciando um mundo que é significante e conforme as compreensões do homem (ainda que isso se exprima discreta ou mesmo timidamente); que a palavra poética é sentido, muito mais que apenas suporte no qual se adere algum sentido a posteriori. (LOBO, 1993). Isso é o que se pode presenciar na linguagem poética da literatura em geral, quando literatos como “Guimarães Rosa e Clarice Lispector que apresentam uma abordagem ligada a um sentido místico oculto em seus romances e contos. Rosa realizou muitos estudos de taoísmo, e Lispector estudou Heidegger e filosofia em geral, de onde tirou a idéia de iluminação, como uma realidade do eu. Em Rosa as estórias são como koans, ou mini-ensinamentos zen-budistas — pequenas lições, sucintas como haicais, para ensinar aos alunos a arte da meditação” (Id. 1993. p. 52). Em se tratando do exemplo dos autores brasileiros, é animador pensar que em todos os lugares em que a filosofia floresceu foi precedida por forte tradição literária. Afinal, foi assim na Grécia de Homero e Hesíodo; na França de Villon e de contemporâneos de Descartes como Molière e Racine (sem falar de um Voltaire e de todos aqueles posteriormente estiveram ligados ao século da luzes); na Alemanha das epopéias como a Canção dos Nibelungos na mística medieval de Mestre Eckhardt; em HansSachs, bem como, posteriormente, Klopstock e Lessing (primeiros nomes da invejável safra dos séculos XVIII e XIX). Influências literárias aparecem na obra dos autores filósofos (nem que seja indiretamente contribuindo com refinamento lingüístico) e retro-alimentam a literatura que lhe deu berço. 41 APÊNDICE DIÁLOGO COM LUÍS ANTÔNIO PIMENTEL ROBERTO KAHLMEYER-MERTENS: No intuito de ambientar nossa conversa sobre o haicai, sugeriria que o senhor falasse um pouco do período em que morou no Japão. LUÍS ANTÔNIO PIMENTEL:1 É com prazer que falarei sobre este período. Eu iria para lá e não voltaria mais para o Brasil, pois estávamos numa época turbulenta, era o Estado novo. Getúlio Vargas amansava o terreno para a ditadura; nessa marcha, os integralistas ameaçavam tomar o poder com um golpe que estava sendo preparado e se dizia que: “ — Cabeças voariam sobre cabeças”. Uma das cabeças que estava para voar era a minha, que combatia o integralismo.2 Eu tinha amigos dentro do integralismo que me informavam: “— Você é já marcado. Gosto de você, você é amigo e é dos meus, mas não posso lhe defender se a coisa estourar, pois sabem que você é do PC e ataca de frente o integralismo”. Foi quando tive a chance de uma bolsa de estudos de dois anos no Japão. Assim, saí daqui em 1937, quando os integralistas ameaçavam 45 a famosa passeata dos cem mil; na época se passava nas praças e se ouvia em todo lado: “— Anauê!, anauê!”.3 Pois bem... cheguei ao porto de Yokohama no dia 02 de maio e no Japão fui locutor da rádio de Tokyo em língua portuguesa em ondas curtas que transmitia para o mundo inteiro. K-M: Sei. LAP: Em 27 de novembro daquele ano, Getúlio dava um golpe inibindo as pretensões dos integralistas. Daí eu pensei comigo: “— Saí de uma ditadura para cair em outra”. Assim fui ficando pelo Japão. Pois mesmo que esse não fosse uma república federativa, não fosse um país socialista, era um país civilizado e eu era persona gratissima lá. (Posso dizer que tinha mais popularidade em Tokyo do que tenho em Niterói). Eu brincava com os japoneses dizendo assim: “— Eu sou a numerosa colônia do Brasil!”, porque era um brasileiro no Japão, contra um milhão de japoneses no Brasil. Eu era um para um milhão... (risos). K-M: Poderíamos dizer que esse período de afastamento do Brasil foi um auto-exílio? LAP: Foi um exílio voluntário, motivado por um espírito de defesa. Os integralistas cresciam dia a dia, fardados pela rua em camisas verdes falavam em outra noite de São Bartolomeu. Tendo a chance, parti para o Japão. K-M: O senhor é apontado como um dos responsáveis pela recepção do gênero haicai no Brasil, ao lado de Olga Savary, Helena Kolody e, mesmo, o Guilherme de Almeida, um pouco antes. Como foi seu primeiro contato com a poesia haicai? LAP: Eu gostaria de registrar isso, pois há uma imprecisão aí. Alguns dizem que a primeira notícia que se tem do haicai no Brasil é dada no livro Miçangas de Afrânio Peixoto.4 Bom, tenho o livro e vou trazer para você ver... nem de 46 longe se fala de haicai, tampouco de poesia japonesa. A primeira vez que tive contato com haicai eu tinha 14 ou 15 anos, foi na primeira edição em língua portuguesa de O tesouro da juventude. Se você tiver chance de consultar esta edição verá haicais traduzidos por Manuel Bandeira, mas todos com “pé quebrado”5... Lá, Bandeira mostrava o haicai mas não explicava o que era, apenas apresentava e não havia um estudo sobre ele. Daí, quando fui para o Japão, com meus vinte e cinco anos (dez anos depois daquele primeiro contato) tive a sorte de conhecer um grande poeta japonês que tinha estado no Brasil com o pai, que era Chargé d’affaires.6 (Na época em que nosso país ainda não tinha representante diplomático, esse cargo seria o de um “encarregado de negócios”, como se fosse um Cônsul). Seu nome era Horiguchi Daigako (que significa “Grande escola”, “Universidade” em japonês) e, conversando, ele me mostrou e explicou o que era o haicai. Eu disse que não saberia fazer haicais, pois as palavras japonesas eram pequenas, quase monossilábicas como as do chinês. Daí, ele interessado em me ensinar, disse: “ —Pimentel, como você tem coragem de me dizer isso?! Veja só: na minha língua a palavra ‘eu’: watakushi (4 sílabas); a palavra ‘você’: wanatá (3 sílabas). É uma língua em que existe sinônimo para pronomes, e pronomes de tratamento cada um para um caso específico. Então, não me venha falar em dificuldade”. Foi com ele que eu aprendi um pouco sobre a história do haicai, suas normas... foi com ele que eu soube que havia os mestres do haicai e com ele conheci a obra de Bashô. (Eu algum dia ainda vou escrever a biografia do Bashô, com os detalhes da vida dele que foi um sujeito extraordinário).7 K-M: Havia muitos intelectuais japoneses conhecedores da cultura brasileira? 47 LAP: Sim, veja só. Certa vez um deles me perguntou: “ — Pimentel, você se lembra lá no Brasil de um poeta chamado Fonté? Que faz belas poesias...” Fiquei pensando... Fonté?... disse-lhe: “ —Não seria francês?” e ele, “— Não, não, brasileiro. Foi ele que escreveu a letra daquela canção que fala de uma ilha que fica na Baia de Guanabara.” Foi aí que eu atinei, que era Hermes Fontes,8 que escreveu a letra da música Luar de Paquetá. Uma coisa linda!... Isso é para mostrar o conhecimento que eles tinham. Muitos gostavam de poesia brasileira, alguns chegavam a traduzilas para o japonês e para o francês. K-M: Após isto tudo, podemos dizer que foi preciso o senhor ir ao Japão ter essas vivências para passar a fazer haicai não só lá, mas também aqui no Brasil. O que nos permite afirmar que mais que recepção, seu trabalho se serve da fonte japonesa do haicai. LAP: Da fonte, sim. K-M Existe uma divergência quanto ao próprio termo haicai. Lembro ter já o ter visto grafado como hokku, haiku, haikai, hai-kai e haicai, como o senhor grafa e justifica... LAP: A grafia do termo japonês vernaculizando para as línguas européias com caracteres romanos era com “K”. Em alguns lugares se escrevia hokku; em outros, haikai. Então, diante desta diversidade, o que eu fiz? Estava fazendo um curso de Jornalismo na Universidade do Brasil; era aluno de Celso Cunha, que já era o Papa da gramática da língua portuguesa. Daí eu falei com ele: “ — Celso, você que se dá muito com o Aurélio (Aurélio Buarque de Holanda, autor do dicionário mais bem feito que temos no Brasil), peça a ele para vernaculizar esta palavra para ela não se estropiar ainda mais.” Então mostrei para ele: “ku” é cacofônico; se dissermos, “haiku”, também.9 Então, como hokku, haiku e haicai possuem o mesmíssimo significado, por uma questão de eufonia, vamos abandonar 48 K-M: LAP: K-M: LAP: as duas formas cacofônicas e adotar a boa. Pois, tanto faz dizer haicai com ou sem “H” aspirado, (como o povo diz, indiferentemente, a palavra inglesa “hi-fi”), que não altera nada e nem depõe contra a poesia. Quer dizer que a escolha do termo haicai justifica-se por uma opção eufônica. Exato, exato. Aí, ele falou e ainda levou um exemplar de um livro meu para o Aurélio que vernaculizou a palavra (isso foi em 1952...). O primeiro dicionarista a vernaculizar a palavra haicai no Brasil foi Aurélio Buarque de Holanda. Agora, espia porque é acertada esta escolha: quando o japonês aprendeu que se escreviam palavras foi aproximadamente no século VIII.d.C. e eles aprenderam a escrever a partir de ideogramas chineses chamados “Kanji”. Kã é China e ji é letra, logo: letra da China. De certo modo, dizem eles, os ideogramas são uma grafia da idéia, por meio de um registro visual. É curioso observar que, mesmo em momentos históricos e em ramos diferentes, a escrita dos orientais, neste momento, parece guardar alguma semelhança com a intuição da escrita cuneiforme, que daria origem às línguas indo-européias, no Ocidente. Não. As línguas indo-européias são de uma raiz diferente e se há alguma semelhança com a escrita cuneiforme é no chinês, posto que essa é monossilábica e a japonesa é aglutinante. E o japonês na época do desenvolvimento da língua escrita, recorreu a um sacerdote budista chamado Kobodaishi10 que, naturalmente inspirado nas antigas escrituras, nas quais se identificavam traços do sânscrito, do malaio, do indu e do bengali, simplificou as letras chinesas e criou, vamos dizer, um “abecedário”, um alfabeto chamado I-ro-ha. O I-ro-ha são as três primeiras 49 K-M: LAP: K-M: LAP: K-M: LAP: K-M: sílabas de um total de quarenta e nove que chamei de fonogramas (não mais ideogramas) capazes de escrever toda e qualquer expressão japonesa. No Japão, até hoje, um vocabulário básico para ler jornal exige no mínimo três mil ideogramas, o japonês só precisa de quarenta e nove fonogramas. Então, este I-ro-ha japonês, com fonogramas capazes de escrever qualquer palavra, permite dar a flexão à palavra japonesa (já que no chinês não há); servindo para grafar também todo nome estrangeiro. Porque nomes estrangeiros, qualquer palavra em língua estrangeira, ao invés de colocar em destaque com negrito, é posto com este alfabeto. Presumo que o senhor esteja se referindo ao Katakana. E ao Hiragana, que são irmãos. O Hiragana é parecido com o Katakana, tendo o mesmo número de fonogramas, mas é mais decorativo, é mais estético. Seria uma escrita mais adequada para a literatura? Não se trata disso, ela permite melhor flexão das estruturas lingüísticas. Por exemplo, na língua chinesa, com estrutura monosilábica. Nela, nós temos: “eu quer”, “tu quer”, “ele quer” no presente, passado e no futuro... Entendo. Uma língua rígida, na qual não existiria conjugação dos verbos nem tempos verbais. Seria correto afirmar que a língua japonesa nesse aspecto lingüístico é, então, mais versátil ou refinada que o chinês? Com maiores recursos...? Não posso dizer com propriedade, pois o que conheço do chinês vem indiretamente dos contatos que tenho com japoneses. Sei que a língua japonesa tem tronco lingüístico uralo-altaico (oriunda dos montes Urais e adjacências) diferente da chinesa; sei que não são do mesmo tronco. Mas não saberia fazer a avaliação que você me pede... Então voltemos a falar do I-ro-ha.. 50 LAP: K-M: LAP: K-M: LAP: K-M: LAP: K-M: Sim, aquele sacerdote Kobodaishi, fez algo requintado. Apresentando os sinais, que chamei de fonogramas (e que são fonogramas, pois privilegiam o som, não mais a imagem como os ideogramas) a partir de um poema, um poema “filosófico” que ele compôs.11 De tal sorte que, fazendo um paralelo com o nosso português, seria como se as letras de nosso alfabeto fizessem sentido se recitadas do A ao Z. Assim é o I-ro-ha japonês. Existem aspectos curiosos, a língua japonesa a rigor não tem artigos, distinção de gênero e sexo e nem plural, não tem plural realmente. Mas faz o plural enfático, uma maneira de fazer o plural utilizando os recursos da própria língua. No caso do gênero e do sexo, basta acrescentar macho ou fêmea diante do que se quer designar. Assim, uma palavra como haicai não seria masculina nem feminina? Não, nós ocidentais é quem designaríamos isso. Como disse, eles não têm palavras masculinas e femininas. No caso de uma tradução optaríamos por masculina por analogia a “poema”. Tenho observado, Pimentel, nas leituras que venho fazendo de suas poesias e também nos poemas de Bashô e de Issa...12 Issa vem um século depois. Correto, mas podemos entender uma filiação entre ambos. Sim. Podemos, podemos... Observo principalmente em Bashô elementos diferentes de sua poesia haicai. Vejo uma poesia sem qualquer tipo de afecção subjetiva, ao contrário do que se vê em alguns de seus haicais, nos quais se presencia a figura do poeta na condição de um eu lírico. É o poeta que canta a beleza da boca da mulher; do corpo da musa; da emoção da lágrima, na metáfora do pingo de orvalho. E outro elemento que identifico freqüentemente: características 51 e figuras de linguagem que em muito lembram a estética romântica e a simbolista. Por exemplo, no segundo caso, o místico, ícones do cristianismo e a presença do branco como cor mencionada predominantemente nas poesias. Isso seria o caso de sua poesia ou traço do haicai em geral? LAP: Alguns destes símbolos estão muito ligados ao sentimento búdico, outros são transgressões mesmo. De certo modo, essas já se vêem na poesia do Issa. Ele se distancia da poesia de Bashô como também venho me rebelando. Veja só, introduzi o haicai onomástico, que Bashô não faria; o haicai erótico, que está fora do cânon de Bashô; o haicai engajado, panfletário, que Bashô não faria, pois para ele o haicai tem que se referir aos fenômenos da natureza e das suas coisas belas e suaves, nunca às coisas penosas e tristes. K-M: Sei. Mantendo a forma, o conteúdo é que se altera. LAP: Sim. Para algumas dessas inovações falta aos japoneses a ousadia de fazer. Nesta época, quando morei no Japão, nós nos reuníamos em um Café brasileiro, cuja clientela intelectuais, pintores, músicos, jornalistas japoneses que andaram pelo Brasil e que sabiam alguma coisa de português (alguns sabiam até muito de português) se reuniam lá para trocar idéias e cada qual apresentava desenhos, apresentava música, poesia... E eu um dia cheguei lá e disse aos colegas que tinha feito uma poesia sobre o Monte Fuji.13 Eles se entreolharam e disseram: “— Mas como?” Foi quando um amigo, que morava comigo (e que ao terminar o primário e o ginasial no Brasil foi para o Japão com o pai, tendo as duas culturas) traduziu a poesia lendo-a em voz alta para os japoneses, assim: 52 Na tarde sonolenta, o monte Fuji se erguia impávido como um seio virgem por entre o quimono macio das nuvens para receber os últimos beijos ardentes do sol que morria.14 K-M: LAP: K-M: LAP: Tal poema gerou o livro e, por exigência dos japoneses, o abre. Disseram que era um poema que só um brasileiro faria e que o japonês mesmo com mais dois mil e seiscentos anos de história não teria o distanciamento de fazê-lo. O Fuji é um monte sagrado, ninguém aqui pensaria em fazer uma imagem sensual, falando de seio. Daí se comprometeram a fazer o livro e começaram a fazê-lo: um fez a tradução, outro, as ilustrações... Qual é o nome do livro? Ele se chama “Namida no Kitô” ou Prece em lágrimas. Podemos dizer, então, que há influências da poesia ocidental em seus haicais. O senhor não se considera um purista, não é? Não, não, não... eu fico naquela situação de reverência, mas faço como o Issa, que respeitava o cânon estabelecido por Bashô, mas que discordava, por exemplo, do poeta não poder “estar dentro” do haicai. Issa achava que o poeta sempre deveria estar dentro do haicai; sempre conversando com os personagens. Veja só: Com serenidade no monte o monge olha através da cerca.15 K-M: Sim, mas eu vejo aqui a figura de um sujeito. Um eu subjetivo que sustenta uma ação. Impressão que vejo mais forte em 53 sua poesia como marca de uma postura ocidentalizante, e por mais que tenha ali a forma de haicai, que exista uma preocupação formal de fazer haicai... LAP: Tenho a preocupação de cumprir algumas daquelas exigências do cânon estabelecido pelo Bashô segundo o qual um haicai deve mostrar, direta ou indiretamente, em que estação ele se passa. Contudo ele exagerou, fixando tal poesia geograficamente em uma região do globo terráquio. Um exemplo disso Bashô vai exigir que o haicai aponte a época do ano (kigo). Apenas no Oriente, no Japão e mesmo na China, as estações do ano são temas obrigatórios da poesia. As estações lá são tão bem marcadas que no tempo que eu estive lá, faz cinqüenta anos passados (não sei hoje) a previsão do tempo vinha no calendário. K-M: O senhor tem um haicai sobre isso em seus Novos haicais e poesias inéditas que diz: Dez de abril. Saudade. as cerejeiras de Tóquio estão florescendo. LAP: Sim, tenho, é que as cerejeiras florescem em Tóquio no dia dez de abril. Nunca no dia 9 ou no dia 11. É marcado com um rigor formidável. Então, eu para brincar com isso, fiz mais ainda. Tem uma poesia em que marco o inverno, mas o inverno em São Paulo. Lá é assim — Manhã: Primavera. Ao sol: verão. Tarde: outono. Noite: inverno em Sampa. 54 — ou seja, as quatro estações em 24 horas em São Paulo. O que seria uma aberração no Japão. Lá são quatro estações bem definidas, bem marcadas mesmo. Quando chega o dia dez, todos saem para ver as cerejeiras em flor. K-M: Flores parecem ser temas caros à poesia haicai, ao lado de tantos outros igualmente bucólicos. Gostaria de que o senhor falasse um pouco sobre seus poemas de flores, especialmente àquele que fala sobre tirar os espinhos da rosa. LAP: Aquilo é uma brincadeira, chamo de brincadeira. No Japão eles proscreveram a rosa. Concordam que a rosa é elegante, que é perfumosa; que é bonita, linda, mas lá ela é símbolo de traição por ferir com seus espinhos. Então, o que acontece, um povo como aquele não cultiva rosas, não as desenha ou borda. Então eu escrevi: Completa a ternura: tira os espinhos da rosa, antes de ofertá-la. Já o chinês, que tem parte na civilização nipônica, aprecia a rosa. Há um provérbio chinês que eu pus na forma de haicai que diz: Quem oferta rosas sempre fica com algum perfume nas mãos. K-M Este poema da rosa talvez pudesse ser associado a um ensinamento zen-budista. O Senhor concorda que haja esta intervenção do homem, por meio de uma doutrina e por meio do haicai nitidamente influenciado pelo zenbudismo? Em sua interpretação, beneficiada pela 55 LAP: K-M: LAP: K-M: LAP: K-M: experiência adquirida lá no Japão, o senhor vê essa influência do Budismo no haicai? Em que medida ele é determinante dos conteúdos dessa poesia? Bashô era sacerdote budista. Ele era budista, de cabeça, tronco e membros. Então via tudo pelo prisma dessa doutrina e isso serviu ao seu cânon receitando as coisas da natureza, ele não queria o homem no invento do poema, não queria o homem posicionando a poesia. Agora, ao retirarmos os espinhos da rosa já não seria desrespeitar o modo com que a natureza (ou que outro nome esta realidade-verdade teria) se dá? Ou seja, incorformadamente com o fato da rosa ser bela e ter espinhos, tirar seus espinhos já não seria uma maneira de adulterar a realidade? O senhor já deve ter notado que é uma provocação que eu estou lhe fazendo (risos). Sabe, acho que o poeta haicaísta não está preocupado com a natureza em si. Parece-me mais preocupado com o que a natureza faz. Natureza é divindade suprema, é deus. E, se repararmos bem, também a natureza dá suas mancadas (risos). Isso é bom! Quase digno de um pré-socrático (risos). Eu quando disse, tire os espinhos da rosa, antes de ofertá-la já considero este espinho um acessório. Ele não está indissociavelmente ligado à haste, está justaposto ali. Ele solta facilmente, por não ter estruturas que o prendam no caule. É um apêndice! Quase um convite a ser retirado. Pensando desse modo, o poeta e sua poesia assumem o papel de fazer aquilo que a natureza faria se fosse consciente. (O que me lembra algo dito em algum lugar da Estética16 de Hegel) A poesia haicai, tal qual você apresenta, parece vir atender um anseio da natureza em 56 LAP: K-M: LAP: K-M: fazer a rosa como flor sem espinhos. O que lembra também o filósofo francês Henri Bergson quando alude ao fazer do caricaturista, que é capaz de captar insinuações de uma fisionomia às vezes imperceptíveis e torná-las visíveis aos olhos de todos mediante sua ampliação.17 O poeta, não é um caricaturista, mas escutando os anseios da natureza, faz em uma poesia o que a natureza pretendia. A propósito da mesma atitude, tem também um poema do Saadi, conhece o Saadi? Naturalmente, o poeta e místico persa do século XIII d.C. Então, ele diz algo que também lembra a experiência de restauração e harmonia da natureza, desta vez não pela via do budismo. Ele diz: “Sê como o sândalo, que perfuma o machado que o corta”. Esta poesia do Saadi lembra aquela sua poesia: “Despido de mágoa...” LAP: Despido de mágoa, o jasmim que ela esmagou perfumou-lhe as mãos. Lembra sim! K-M: Na literatura que levantei sobre o haicai fala da participação feminina nas letras nipônicas. Não no haicai, cujos mestres eram homens, mas antes, em poesias antigas ainda de influência chinesa. No tempo em que o senhor esteve no Japão, era percebida a participação feminina na literatura? LAP: Nem tanto, mas o maior Clássico da literatura japonesa foi escrito por uma mulher: Murasaki Shikibu.18 Ela foi o Camões japonês, um Camões de saias. Houve no Japão 57 uma outra boa poetisa chamada Chio Kaga. Ela tem uma linda poesia que diz assim: Bela campainha floriu na corda do poço e eu fui pedir água.19 K-M: LAP: K-M: LAP: Para não desenlaçar a trepadeira florida da corda do poço, ela referiu ir pedir ao vizinho. Pimentel, existem alguns estudos sobre haicais que dão especial atenção ao elemento água como tema dessa poesia. Observo isso num livro que tomei recentemente no intuito de me instruir e auxiliar em minha pesquisa. Trata-se do livro20 de uma professora da Universidade de Freiburg/Alemanha, cujo trabalho conheci quando ela esteve aqui no Brasil em um ciclo de palestras que aconteceu na UERJ em 2002. O que quero perguntar é se há algo de especial que o senhor queira falar sobre esse elemento água, ou do aquoso nos poemas haicai? Pois, vejo que a água aparece com certa freqüência. Percebo apenas que há uma semelhança com relação à forma em sua métrica, três versos com 5-7-5 sílabas respectivamente. O que faz com que o haicai se assemelhe a pingos, como se cada sílaba pingasse em ritmo hipnótico, monotonia que nos induz ao sono. Nessa sua resposta, fica evidente a rígida métrica desta poesia. Mas o haicai canônico, fora a exigência de mostrar as estações do ano, seria uma poesia com temática predeterminada? Sim. O que, afinal, não é algo completamente estranho para nós ocidentais. Tem uma coisa curiosa, uma forma antiga, antiga mesmo... (dando uma visão panorâmica da Literatura, ou se não quisermos ir tão longe, pelo menos na Literatura Portuguesa) você vai ver que, aqui e ali surgem formas literárias 58 que prescrevem o tema. A nênia é uma delas, nênia é um tipo de canto fúnebre, de lamentação de saudade por morte, uma canção melancólica de assuntos póstumos. Então, por exemplo, há aquele simbolista português Eugênio de Castro (1869-1944) que se esmerou nisso, que ficou famoso fazendo isso. Também há a xácara (sic), na qual se destacou o Almeida Garret (1799-1854). Então, quando o Bashô diz para tratar sobre coisas amenas, coisas da natureza, coisas suaves e nunca a guerra, nem a morte, isto é uma receita dele. Agora, não é para o sujeito fechar os olhos e aceitar aquilo, não. Pois, como já falamos, um século depois dele vem o Issa, fazendo exatamente aquilo que o Bashô condenava, que era o poeta estar dentro da poesia. Para aquele, o poeta assinala a poesia, ele subministra à natureza com o poetar, mas não mora dentro da poema. Dificilmente veremos isso em Bashô, mas mesmo assim, no final, é possível vê-lo também no interior da poesia. Há até uma poesia do Bashô com que eu abro um livro meu,21 na qual ele sentia que estava morrendo e falando assim em primeira pessoa: Viajando enfermo, meu pobre sonho percorre um campo deserto22 Ali é ele. É ele que está viajando enfermo. Nessa experiência pessoal vemos algo que ele raríssimas vezes fez. Mas, de modo geral, ele fazia poesia pura, dentro do cânon que ele próprio estabeleceu. K-M: Entendo. LAP: Sabe, acho mesmo que o Bashô era um gênio, mas no fundo, sua obra é fomentada por um espírito insular... Chamo de espírito insular o alto conceito que se faz acerca 59 K-M: LAP: K-M: LAP: de si próprio. Como assim? Muito simples! Hoje há dois países que no planeta se consideram grandes e que trazem isto no nome: é a Grã Bretanha e o Dai Nipon (Grande Japão), duas pequenas ilhas. Então, quando o Bashô determina o tema do haicai, ao tratar das belezas naturais e os demais pontos observados no seu cânon, traz o Japão como referência, ignorando o resto. Transparece aí um sentimento verdadeiramente japonês, um modo dessa figura se ligar ao sentido de sua terra. Sentido que não pode pretender o planeta todo, por ser regional. Insular... o haicai tem muito de insular. Mas quando o senhor fala dessa característica, entendo diferente. Lembrome daquela frase, que quero crer que tenha sido o Drummond ou o Pessoa que disse, segundo a qual, para se ser universal é preciso cantar nossa província, nossa rua, o riacho que corre atrás de nossa casa... pois a universalidade viria de uma radical imersão no particular; mais, no singular. Foi o Fernando Pessoa que disse. Sim, acredito que tenha sido, mas muitos outros disseram coisa parecida. Penso que seria uma idéia perfeitamente possível de se ouvir da boca de um Goethe, de um Tostoi, ou de um Nelson Rodrigues. É possível interpretar também assim, mas no caso do Bashô com o Japão há algo especialmente curioso. Sempre desconfiei muito disso que chamo de homem insular, desconfiança que se justifica por um grande apego aos princípios de sua cultura, bem como na pretensão de ser o Grande Japão ou a Grande Bretanha. Este homem (bem como os habitantes de zonas limítrofes, moradores de fronteiras), sem que haja qualquer instrução para isso, as60 K-M: LAP: K-M: LAP: sume sempre um respeito exacerbado por tais limites e às regras que os definem. Essa preocupação com a regra é algo evidente na obra de Bashô e na própria caracterização do haicai enquanto tal. Contudo, vemos transgressões não só na parte de seu conteúdo, na temática, mas em certas horas transgressões à própria métrica do haicai. É isso que se vê em Millôr Fernandes, em Paulo Leminski e principalmente em Guilherme de Almeida, talvez o primeiro transgressor desse gênero. Eu lembro que em algumas outras conversas que tivemos o senhor fez objeções a esse último poeta... Era um grande poeta, um grande poeta mesmo, mas não fazendo haicai. Quando morreu Alberto de Oliveira eu mesmo votei no Guilherme para Príncipe dos poetas brasileiros. Mas o Guilherme desfigurou o haicai. Ele agrediu frontalmente o cânon do haicai quando pôs título e rimas. Ora, a poesia escrita em língua japonesa não possui rimas, plural nem artigos. Eu venho fazendo haicais onomásticos, nos quais escrevo um perfil de pessoas, mas não desrespeito à métrica. Coloco dentro da poesia o nome metrificado e com sentido. Quanto ao conteúdo, alguns temas podem ser considerados transgressões, por exemplo. Em alguns textos nos quais o senhor comenta o haicai nós vemos seus temas dos haicais geralmente associados às harmonias da natureza, a coisas amenas. No entanto, às vezes se vê, não na sua poesia, mas, por exemplo, na de Lyad de Almeida, a presença bastante freqüente da morte. Talvez no próprio Bashô, que mesmo de modo diferente dos ocidentais,23 trata da morte como é o caso daquele haicai em que ela fala da lembrança dos pais ao canto do faisão. O Lyad vivia sob as asas da morte... (longa pausa). 61 K-M: No seu caso, a morte não é tema de sua poesia. Ela não constitui problema para o senhor? Ela não lhe incomoda? LAP. Não. (pausa) Talvez a morte de minha mãe, quando escrevi: Minha mãe desvive. Uma estrela que se apaga? Não! Um meteoro. K-M: LAP: K-M: LAP: A estrela morre, mas ainda fica brilhando milhares de anos até que seu último raio chegue aqui. Já o meteoro é rápido, dura pouco. Minha mãe durou pouco... Algo é interessante nessa poesia que o senhor acaba de recitar: é que ela aponta para a finitude mas também para uma durabilidade que parece querer se fixar sem prazo. E isso contrasta com que geralmente se vê nas explicações, nas críticas sobre haicai, inclusive em um texto seu contido no livro do Sauerbronn,24 que aponta o haicai como um instantâneo, como um “flash” da realidade-verdade. Isso seria uma fala referente à própria forma abreviada do haicai, pelo fato dele ser a menor poesia canônica que existe, ou é traço do modo de apreensão que o poeta faz da realidade e sua apropriação como tema para um haicai? É um dos conselhos do Bashô. O haicai deve ser aqui e agora. Que o texto começasse e acabasse naquele instante, sem nada dever ao seguinte. O haicai então seria o retrato da face do instante em sua imediatez. Sem que nada houvesse para ser perscrutado além desse fenômeno. Sim. Escuta só: Luar plenilune e um mineiro desce a mina 62 buscando carvão. Com aquele luar lindo o mineiro vai para um buraco, sem luz, buscar matéria preta. Que é o carvão. K-M: Isso é formidável! Fernando Pessoa tem uma frase conhecida que diz assim: “Pensar é estar doente dos olhos”.25 Pois é a mesma idéia desse seu poema. Apenas alguém que não consegue ver essa plena luz poderia buscar na profundidade combustível para uma chama não disponível. Somente alguém que tem a visão obstruída do fenômeno em sua dinâmica de realidade-verdade pode querer se lançar ao fundo de uma mina para, paradoxalmente, se assegurar da luz. Nem é preciso grifar que luz aqui é metáfora da própria verdade e do quanto a atitude do mineiro faz pensar a metafísica. LAP: Também aquele meu poema do cego pode ser lembrado aqui. O cego pergunta: Como é o luar? E a jovem Beija-o na fronte. K-M: Sim, pois não deixa de ser uma cegueira. Como naquele comentário chistoso do Voltaire (que só conheço citado pelo Guimarães Rosa)26 que diz que a metafísica é “... um cego, com os olhos vendados, num quarto escuro, procurando um gato preto... que não está lá” (risos). Isso tudo para concluir que o haicai não é uma poesia de profundidade. Ele não quer uma reflexão aprofundada. Ela quer se manter na superfície mesmo, o que não quer dizer que deixa de assinalar algo de transcendente. LAP: Sim. O que há de essencial no haicai habita a superfície. K-M: Em meio aos temas do haicai, o senhor vislumbra em 63 algum momento inspirações ou implicações filosóficas no haicai? Falo de filosofia entendida como pelos ocidentais, não a doutrina budista. LAP: Só de longe consigo vislumbrar essas características. Por exemplo: Lama sobre o espelho, cedo ela se torna em pó e o cristal em luz. Com a lama cobrindo o espelho ele deixa de espelhar. Fica obstruído, mas o espelho é um cristal, é nobre e a lama é detrito. Logo ela seca, aquela lama com o tempo desintegra, vira pó, cai e o cristal ressuscita; nasce outra vez o espelho. Mas minha preocupação não é fazer o haicai filosoficamente não, meu compromisso é com a poesia, se ele vem filosófico é por acaso. K-M: Casuais ou não, inúmeras evocações filosóficas dignas de serem pensadas aparecem aí. A relação entre o aparente e o ideal é uma delas, em uma referência imediata à filosofia de Platão. Platão chega a citar o mesmo exemplo em um de seus diálogos, o Parmênides.27 Ele contrasta a aparência particular de certos entes com uma idéia abstrata deles. Tal idéia seria perfeita, incorruptível, durável, ao contrário dos outros entes. Parece que é possível também uma associação com Aristóteles, pensando a lama como acidente e o espelho como a essência. Em verdade, o haicai traz noção de diferença ontológica, distinção entre o sensível e o pensado presente na metafísica como um todo. O poema nos permite, sim, pensar a filosofia como aquela que busca o cristalino por trás da lama, o essencial por trás do aparente; quem sabe nos permita até pensar o fazer do 64 LAP: K-M: LAP: K-M: LAP: poeta como quem, ao se utilizar das palavras, “espana a poeira” depositada sobre elas, devolvendo seu brilho, como o brilho do espelho livre de sedimentos. Há muito de filosófico aí, mas não nos enganemos em pensar que isso poderia ser visto na poesia oriental. Mesmo com forma de haicai, o poema citado pelo senhor é ocidental por excelência. Como disse, minhas pretensões não são imediatamente filosóficas. Sabemos que a poesia na Grécia era acompanhada de música e que musiké para os gregos é metáfora da própria vida. Música, bem como a vida, tem cadência, hora para cada nota soar; tem harmonia entre cada nota e acorde; melodia, enfim: existe alguma associação possível entre a experiência poética do haicai com a música japonesa? Pergunto porque sei que a música também ocupa lugar de destaque nessa cultura. No Japão, a palavra poética que tem associação com a música é algo que corresponderia ao nosso “canto-chão”, a semelhança constante é que são canções de encorajamento, canções de trabalho. Trabalha-se na lavoura balbuciando um canto que não é bem uma música, seria uma pré-música, similar ao nosso “aboio”. A palavra sofre entonações nas vozes fazendo desenhos vocais. O senhor consegue associar o gênero haicai a algum outro que seria similar no Ocidente? Pois nós temos lá entre os gregos poetas e poetisas como Safo que vão falar da realidade-verdade com clareza. O senhor consegue ver alguma associação possível? Não sou um estudioso do assunto, mas vejo na trova uma intuição ocidental similar e corresponde a do haicai. Não por seu conteúdo ou métrica, que são diferentes, mas pela 65 trova ser um poema curto e de rigor métrico. Embora ache que a obrigatoriedade da rima (que rima cruzada do primeiro com terceiro verso e segundo com quarto) dificultou sua composição. Mas repare: A igreja de São Lourenço, Que o tempo jamais destrói É um marco cheirando a incenso De onde nasceu Niterói. K-M: LAP: K-M: LAP: K-M: Esta é do Vilmar Lassance. Então o senhor acha a trova o tipo de poesia ocidental que mais se aproximaria à idéia do haicai. É isso? Acho que sim. Em mais de um dos livros de Lyad de Almeida eu encontrei haicais com associações ao volátil, como um fio de incenso que se evola, como a fumaça que faz contornos etéreos. Isso, em algum momento, me lembrou alguns aspectos da arte impressionista que, como sabemos, teve influência do Japão na cultura daquele período. Por exemplo, na música de Debussy, na Japonaiserie,28 que eram reproduções de motivos e xilogravuras japoneses por autores como Van Gogh e Monet com as técnicas do Ocidente. Enfim, o senhor identifica influência da poesia haicai na poesia francesa naquele período? Sei que algo da poesia haicai chega ao Ocidente via Paris e conheço um livro, de um autor (que agora não me lembro do nome) chamado Japonesices de outono. Mas eram poesias ocidentais... Constata-se que ainda é pouca a presença do haicai no Brasil. Temos vários haicaístas, alguns livros de importância publicados, mas não uma boa história do haicai no Brasil, 66 LAP: K-M: LAP: K-M: LAP: K-M: se restringindo essa apenas a notas. Como avalia a difusão e o interesse pelo haicai no Brasil? Avança devagar... acredito que pela dificuldade de pesquisar, pois a língua japonesa é difícil o que faz com que dependamos dos japoneses que vêm para cá, em sua maioria imigrantes (e só de vez em quando vem um literato, muitas vezes, diplomatas), que ajudam a arejar os conhecimentos. É o caso de um diplomata que conhecia bem o português e que fez um dicionário portuguêsjaponês que se chamava Rioji Noda, ele foi Cônsul do Japão no Rio de Janeiro. Tal edição tinha o prefácio do Embaixador Pedro Leão Veloso, que foi o embaixador com quem mantive contato quando morei no Japão. Fora isso, a produção que temos ainda é tímida. Gostaria de fazer algumas perguntas mais, contudo, imagino que seria indelicado fazê-las se fossem lhe cansar, já que estamos aqui há horas. Podemos prosseguir. Não me canso. Dizem que falar é fôlego e isso eu tenho de sobra (risos). Recentemente, Claude Lévi-Strauss, (o conhecido pensador belga que, inclusive, regula de idade contigo, tendo hoje seus 98 anos) deu um depoimento muito lúcido, mas igualmente melancólico, no qual afirmava que o Brasil se confundia com um considerável período de sua vida e obra, mas que esse, bem como o mundo no qual viveu, não existe mais, “era um outro mundo”.29 O senhor sente algo parecido com relação ao Japão e aquele mundo que o senhor habitou? Não sei se posso fazer essa avaliação, pois não tenho idéia de como é o Japão de hoje. Permita-me, então, reformular a pergunta: o mundo em que o Pimentel viveu, os significados e referências daquele 67 LAP: K-M: LAP: K-M: LAP: K-M: LAP: K-M: LAP: K-M: LAP: modo de existir são vigentes ainda hoje? A longevidade da qual o senhor goza em algum momento o apartou de um modo de existir como aquele em que o senhor experimentou quando esteve no Japão, aprendendo o haicai? Pode parecer trivial o que vou dizer, mas... essas coisas todas... a própria vida é e tem de ser dinâmica. Não há vida onde há estagnação... a vida e o mundo do homem avançam, avançam, avançam e avançam sempre e nós temos que acompanhar... Isso parece ser praticado pelo senhor, principalmente quando vemos suas relações e afinidades eletivas nos meios literário e jornalístico. Falemos um pouco disso. Com prazer. O senhor em sua vida de jornalista trabalhou em vários jornais, entre eles A Noite... Não. Nesse eu nunca trabalhei, não. Quem trabalhava em A Noite era um rapaz amigo, o Nestor Moreira, assassinado na época. Hoje existe a avenida Jornalista Nestor Moreira no Bairro de Botafogo/RJ. Entre os jornalistas-literato o senhor conheceu Sérgio Cid. Conheci, foi meu amigo. Prefaciei o livro dele, você viu? Sim. Retalhos de minha infância. Eu li o livro na escola na mesma época em que conheci o autor, em 1983, salvo engano. Era muito bom repórter, grande caráter e muito talentoso, muito talentoso... E o José Candido de Carvalho? Que tipo de relação o senhor manteve com ele? O José Candido vinha todo dia aqui à Livraria Ideal; 30 participava desses nossos encontros e também era amigo do Mônaco. Uma figura extraordinária! Tenho do José Candido uma lembrança muito feliz... Você o conheceu? 68 K-M: Só de vista e em condições incríveis. Eu fazia acho que era o ensino médio em um curso ali, no centro, lá por 1988. Num dia, durante uma aula de literatura que tratava do Modernismo, e exatamente sobre o conto Porque Lulu Bergantin não atravessou o Rubicon, o professor (numa dessas coincidências que só acontecem uma vez na vida) passou perto da janela e viu o José Candido passando na praça do Rink.31 A turma toda correu à janela para vê-lo andando calmamente de paletó cinza e com o guarda-chuva pendurado no braço. LAP: José Cândido... Mas venho de antes dele, eu sou do tempo de Coelho Neto. Esse era um sujeito aberto e um criador de vocábulos, mas eruditos. Ele era um intelectual com grande conhecimento do vernáculo e queria enriquecer a língua, e, com todo talento, começou a inventar palavras. Uma das palavras que ele funebremente inventou (e que a polícia Filinto Müller32 em vinte e poucos conjugou isso na realidade) foi: “defenestrar”, jogar pela janela. Outro que se tornou notório com a invenção de palavras foi o mineiro que você falou... K-M: João Guimarães Rosa. LAP: Guimarães Rosa. Eu não condeno o Guimarães Rosa, mas eu noto (e você notará muito melhor que eu, já que conhece a língua alemã) que ele forma palavras como no alemão. K-M: Normalmente usando a justaposição. LAP: Exatamente. E, às vezes, cometendo barbarismos como o título daquele livro dele: Sagarana. O que é sagarana? “Saga” é um tipo de narrativa, “-rana” é um sufixo do tupi que designa “parecido com”; daí, algo que parece uma saga. K-M: Conheço uma outra versão para o sentido desta palavra. Uma que o próprio autor teria insinuado. Nesta, “Saga” seria uma tentativa de se apropriar da palavra alemã 69 LAP: K-M: LAP: K-M: LAP: “Sage” que é “fala”, “dizer”, e “-rana”, vocábulo da linguagem regional nordestina que passaria a idéia de “rude”, “ríspida”, “severa” ou “áspera”; daí teríamos um “dito áspero”, uma “discurso agreste”, o que é mais a cara do autor. É uma versão que vem em defesa do autor. Pois -rana indica mesmo similitude, como por exemplo em “muçurana”, cobra que parece muçum;33 “canarana”, que parece cana. E por assim vai... Sim, mas o Guimarães Rosa, ele mesmo sabia que o uso do neologismo deveria ser algo com propósito. Ele fala algo assim: imaginem só se cada um de nós começasse a soltar neologismos como se empina pipas, a língua se deterioraria. Teríamos uma Babel.34 Ele tinha ciência deste risco. Estou certo de que sim... Sabendo de suas controvertidas opiniões sobre alguns dos autores que já são lugar comum no meio acadêmico, gostaria que o senhor falasse um pouco da discordância, por exemplo, da avaliação que se faz de Machado de Assis como o maior escritor em língua portuguesa ao lado de Eça de Queiroz. O senhor poderia dissertar um pouco sobre isso? Naturalmente. Discordo dessa avaliação após muito ruminar. Penso que o Machado de Assis, como a maioria dos que vivem sob um domínio cultural, no caso o europeu, acabava sendo mais europeu que os ingleses e franceses. De forma que ele parece não querer, nem de longe, ligação com o popular brasileiro. Então, vivendo no Brasil e sendo um cultor da língua, um escritor erudito, ele jamais se ocupou em falar do Rio de Janeiro que via por sua janela. (Dá a impressão que em sua casa não tinha janelas). Machado não viu uma planta de nossa flora, ele não viu o 70 K-M: LAP: K-M: LAP: carnaval, ele não viu o futebol, não viu a revolta da vacina, a rebelião da chibata, não viu nada! Ele não viu nada do Brasil! O sujeito interessado em conhecer algo do Brasil ao ler o Machado de Assis, como escritor brasileiro, fica em jejum. Não é possível que um autor fique tão alheio assim! Nesse ponto, prefiro o Lima Barreto. E não estou só neste parecer, também o “Velho Graça”, meu amigo Graciliano Ramos, pensava assim. Vou contar uma história, veja você: Certa vez, encontrei na rua um colega que era secretário do Diário de Notícias e ele me disse: “— Pimentel! Você por aqui!... Não quer dar um pulinho ali na livraria para abraçar o Velho Graça!?” (Graciliano fazia ponto numa pequena livraria ali no centro do Rio). Daí, fomos lá e conversávamos com o Graça, quando chegou o Machado, aquele que é autor de A morte da porta-estandarte... Aníbal Machado. Isso! Aníbal Machado, que era um gozador, pícaro, um provocador e disse: “— Ô Graça! Você já soube que está sendo considerado o novo Machado de Assis? Como você se sente?” Em resposta: “— Me sinto muito mal. Pois o Machado de Assis não sabe fazer diálogos, coisa que até o José Lins sabe.” Quer dizer, ainda sobrou uma farpa para o José Lins do Rêgo, (risos) presenciei isso. Se me permite, acho que aqui, tanto para o Guimarães Rosa quanto para o Machado de Assis, vale aquela frase do Platão: “Tudo que é grande se expõe à tempestade”.35 É... Mas, retomando aquela conversa sobre o José Cândido... Eu o comparo ao Charles Chaplin. O Chaplin colecionava “gagues”, aquelas passagens risíveis, e depois as costurava nos enredos de seus filmes, que eram sucessos fabulosos. O José Cândido quando estava na casa dele, lá pelo interior, ele conversava com aqueles tabaréus e anotava aquelas 71 K-M: LAP: K-M: LAP: K-M: LAP: palavras pitorescas para fazer os trabalhos dele. Foi assim em O Coronel e o lobisomem. Como também o Guimarães Rosa, com suas famosas cadernetas de viagem. Mas o José Cândido não inventava palavras. Utilizava-se daquilo que ouvia da boca dos tabaréus. Ele se aproveitava de um vocabulário típico já existente para criar uma linguagem própria. Daí os reunia em seus trabalhos. Essas revelações dão pistas de como seu colega compunha. Gostaria que falasse um pouco sobre seu processo de criação dos haicais, há alguma rotina, algum ritual? O senhor trabalha disciplinadamente? Não há nada de especial. A poesia vem, vejo se ela cabe no metrón e boto no papel. O haicai é tão exíguo, tão pequeno que não se presta para muita burilação. O haicai não é obra de lapidário, é obra para quem tem atenção de colher o instante. Creio que talvez fosse até desnecessário fazer a próxima pergunta depois de termos conversado durante tanto tempo sobre o haicai, mas insisto nela por um interesse pessoal. Peço, portanto, que me perdoe a redundância: o senhor pensa o haicai tendo em vista preocupações estéticas, crítico-literárias ou mesmo filosóficas? Não me preocupo com isso. Eu deixo o haicai vir, venha da forma que vier, como já falei, depois faço alguns ajustes tendo a preocupação com a métrica, pois com novos conteúdos o gênero pode avançar. A propósito disso já falamos de meus haicais panfletários, onomásticos, geográficos... Veja esse que eu compus esta semana e estou melhorando: 72 Cultive-a sem terra, Deus fez tudo para todos nada é de ninguém. K-M: Este também é haicai? LAP: Sim. Um haicai engajado. Depois eu o melhorei, veja você: Cultive-a sem terra, a gleba é sua também Deus a fez para todos. K-M: A segunda é uma variação sobre o mesmo tema, que deixa transparecer um pouco de sua maneira de compor. Estes são novos? São poemas inéditos? LAP: Esses são inéditos. K-M: Nossa última pergunta: o Bashô deixou uma série de conselhos aos interessados em escrever haicais. Haveria algum conselho que o senhor como literato poderia dar àqueles jovens que ingressam nas letras, especialmente como haicaístas? LAP: Tenho a recomendar que obedeçam à métrica do haicai. Pois sabemos que o haicai tem apenas 17 sílabas poéticas, sendo a menor poesia canônica da Literatura Universal (poesia com nome e com cânon, só o haicai, não há nada menor), o que não dá chance de que se abandone a métrica. A língua japonesa é uma língua com poucos recursos, o Bashô já limpou o haicai todo, tirou título, rima, tirou tudo. Se fossemos nos abster também da metrificação... Ela foi a última coisa que restou nessa poesia para caracterizá-la enquanto tal. 73 Notas: Luís Antônio Pimentel (1912 - ): Poeta, professor e memorialista nascido em Miracema/RJ. Tendo sido aluno bolsista em intercâmbio no Japão, residiu lá entre os anos de 1937-42, familiarizando-se com o haicai ao ter contato com autoridades como Hagiwara Sakutarô e Takamura Kôtarô. Pimentel é um dos precursores do haicai no Brasil, responsável pela divulgação desse estilo de poesia ao lado de Olga Savary e Helena Kolody. O autor reconhece ter se permitido inovar o haicai ao tratar de temas tropicais, criando também o haicai erótico, o engajado politicamente e o étnico. Contudo, essas pequenas transgressões não corrompem o cânon estético inaugurado por Matsuo Bashô, como a rigorosa métrica e a exigência da indicação da estação do ano (Kisetsu) e dos fenômenos da natureza. Sua vasta obra literária, conta com livros como: Contos do velho Nipon (1940), Tankas e haicais (1953), Cem haicais eróticos e um soneto de amor nipônico (2004). 2 Corrente política tradicionalista de vulto no início do século XX inspirada nos princípios Deus, pátria e família, tendo Plínio Salgado (1895 -1975) como principal articulador no Brasil. 3 Saudação dos integralistas em língua tupi que significa “Você é meu irmão”. 4 Cf:. PEIXOTO, Miçangas , 1977. 5 Chama-se pé quebrado composições que não respeitam a rigorosa métrica do haicai. 6 Citado em francês por Luís Antônio Pimentel. 7 Jinskikiro Matsuo Munefusa (1644-1694). Nascido em uma família de samurais, Bashô (como era chamado) foi poeta e bonzo budista. É apresentado como o primeiro grande mestre do haicai, tendo estabelecido seu cânon tradicionalmente japonês. Peregrinou pelo Japão divulgando essa arte associada ao budismo, mas seus poemas só foram compilados postumamente por dois de seus contemporâneos, Hattori Doho (16571730) e Mukai Kyorai (1651-1704). 8 Hermes Fontes (1888-1938) poeta e letrista sergipano de estética simbolista. Foi colaborador de diversos jornais fluminenses e autor de obras como Miragem no deserto (1917) e Microcosmo (1919) . 9 Quanto a isso, Millôr Fernandes se permite ser mais explícito com espiritualidade: “O motivo do não-uso da grafia Haiku é a homofonia da segunda sílaba com outra palavra da língua portuguesa designativa de certa parte do corpo de múltipla importância fisiológica. Essa palavra os filólogos só usam a medo. Quando a colocam no dicionário fazem sempre questão de acrescentar (chulo). 1 74 Assim, entre parênteses” (FERNANDES, Hai-kais, 2005. p. 3). Também encontrado como Kobo Daishi (774 – 835.d.C). Calígrafo considerado um dos gênios da cultura japonesa, é criador da escrita Hiragana, do silabário I-ro-ha e fundador da seita budista Shingon. Sua figura já é parte do imaginário japonês que reza que seu espírito, séculos depois, teria acompanhado o lingüista Yukinari na restauração das tábuas que continham o silabário. 11 O dito poema apenas de modo lato pode ser considerado filosófico, ele traz elementos doutrinários do budismo como se pode ver em sua versão original no japonês: I ro ha ni ho he to shi ri nu ru wo wa ka yo ta re so tsu ne na ra mu u i no o ku ya ma ke fu ko e te a sa ki yu me mi shi e he mo se su. Ou, em sua tradução para o português, feita a partir do alemão: “Flores, apesar de cheirosas, logo vão murchar./ Quem nesse mundo permanece imortal?/ Se, hoje, cruzarmos a montanha interior./As ilusões não serão mais vazias/ e os sonhos não mais embriaguês” (Trad. do autor). 12 Yataro Kobayashi (1763-1827), dito Issa. Poeta, filhos de camponeses, que e ao se dedicar ao haicai teria introduzido inovações técnicas no haicai, superado o próprio Bashô tanto em inspiração quanto em popularidade. 13 Chamado de Fuji-san em japonês, é uma montanha situada na Ilha de Honshu, a Oeste de Tokyo, no Japão. É um dos símbolos mais importantes do país. 14 O poema, citado de cor pelo poeta guarda algumas variações frente ao publicado em suas Obras Reunidas (Cf. PIMENTEL, 2004, p. 228). 15 Nodokasa ya/ kakima wo nozoku/ yama no sô. 16 Cf:. HEGEL,Vorlesengen über die Ästhetik I ,1986. 17 BERGSON, Le Pire, 1940. 18 Murasaki Shikibu (973-1014) pseudônimo de uma poetisa, novelista e serva da corte japonesa na Era Heian, cujo nome verdadeiro é desconhecido. Escreveu no período em que a linguagem oficial ainda era a chinesa; seus diários relatam que por vontade de sua mãe, recebeu uma educação como a dos homens, o que era contrário aos costumes da corte. Murasaki é autora dos Contos de Genji, e de uma compilação que traz 128 de seus versos, publicados postumamente. 19 Asagao ni/ tsurube torarete/morai mizu. 20 Cf:. GUZZONI, Weisse Tautropfen, 2006. 21 Cf:. PIMENTEL, Tankas e haicais, 2004. p. 239. 22 Tabi ni yamite/ yume wa areno wo/ kakemeguru. 23 Cf:. KAHLMEYER-MERTENS, A morte de Akira Kosusawa., 1998. 24 Cf:. PIMENTEL, Poesia, budismo, haicai, 1998. p. 58. 25 Cf:. PESSOA, Obra poética, 1995. p. 208. 26 Cf: ROSA, Ficção completa, 1995. p. 522. 10 75 Cf: PLATÃO, Parmenides., 1991. pp. 1-55. Citado em francês por Roberto Kahlmeyer-Mertens. 29 LÉVI-STRAUSS, Paixão pelo Brasil, 2007. pp. 40-43. 30 Tradicional livraria fundada há mais de 70 anos em Niterói situada no assim chamado Calçadão da Cultura, que é ponto de encontro de literatos, artistas e intelectuais das diversas Academias de Letras e do Grupo Mônaco de Cultura. Carlos Silvestre Mônaco é livreiro, proprietário da Livraria Ideal e promotor cultural; tendo sido premiado como intelectual do ano em 2006 por indicação das diversas Academias de Letras do Rio de Janeiro. Veja-se mais a esse respeito no livro de Wanderlino T. Leite Netto (2003), em nossa bibliografia. 31 Pequeno largo localizado no centro da cidade de Niterói/RJ. 32 Filinto Strubing Müller (1900 - 1973). Militar e político brasileiro, foi chefe de polícia do governo de Getúlio Vargas e ficou conhecido por seus métodos truculentos. Teve contato com o chefe da Gestapo Heinerich Himmler em 1937 e é apontado por alguns historiadores como o patrono dos torturadores brasileiros. 33 Espécie de enguia. 34 A formulação exata no texto do autor, contida no prefácio de seu Tutaméia é a seguinte: “... saia todo-o-mundo a empinar vocábulos seus, e aonde é que se vai dar com a língua tida e herdada? Assenta-nos bem à modéstia achar que o novo não valerá o velho; ajusta-se à prudência relegar o progresso no passado.” (op. cit, p. 583.). Outras considerações sobre a utilização e formação de neologismos na obra de Guimarães Rosa pode ser vista na vasta correspondência que o autor manteve com seu tradutor para o alemão (ROSA, Correspondência com seu tradutor alemão Curt MeyerClason, 2003). 35 PLATÃO, República, 1993. p.327. 27 28 76 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS FONTES PRIMÁRIAS AOYAMA, Miyuki; LOWITZ, Leza; TOMIOKA, Akemi. A long rainy seasons: Haiku and tanka. Berkeley/Califórnia: Stone Bridge Press, 2002. ARISTÓTELES. Poética. 2.ed. Tradução Eudoro de Souza. Edição bilíngüe grego-português. São Paulo: Ars Poética, 1993. BLANCHOT, Maurice. O espaço literário. Tradução Álvaro Cabral. Rio de Janeiro: Rocco, 1987. BLYTH, R. H. A history of haiku. Tokyo: The Hokusedo Press, 1963. BRÉTON, Guillaume. Essai sur la poésie philosophique en Grèce. Paris: Libraire Hachette et Cie, 1882. 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