ENTRE(VISTA)
DA LITERATURA & AFINS
[Questões: Helena Sousa Freitas (Jornalista da Agência Lusa e do Sem Mais Jornal, escritora).
Respostas: Ângelo Rodrigues
Entrevista publicada no Sem Mais Jornal em 25 de Fevereiro de 1999]
1.
Helena Sousa Freitas – O público português é muitas vezes referido como não tendo
hábitos de leitura e diz-se que os novos autores escrevem para a gaveta. Concorda?
Ângelo Rodrigues - O público português lê muito pouco. Há uma grande resistência à
leitura e esta é substituída pelo multimédia, sobretudo a Televisão e o vídeo... Os fracos
hábitos de leitura têm várias causas e provavelmente a Escola não é a principal. Creio
que - em parte - o “embrutecimento literário e cultural” do nosso povo se deve
sobretudo à Comunicação Social que temos, em particular a Televisão. Repare-se: só se
vê futebol e política e pouco mais. É quase por favor que se fala de um autor, de um
livro, e de um qualquer evento à volta de um livro ou de um autor.
Quanto aos autores que escrevem para a gaveta, tal procedimento faz parte do princípio
destas coisas, isto é, publicar, partilhar com os outros, é sempre um acto de coragem, de
ousadia mas também de espera. Costumamos dizer que o tempo é o melhor amigo em
questões de Literatura. É necessário que os trabalhos amadureçam. Quantos vezes nos
precipitamos e no dia a seguir quase que não nos reconhecemos nas “coisas” que
fazemos. Escrever para a gaveta é o primeiro passo – é sagrado. Se os trabalhos forem
realmente interessantes, mais cedo ou mais tarde irão ver a luz do dia.
2.
HSF – A que pensa que se deve essa falta de interesse pela Literatura?
AR - O gosto pela Literatura educa-se. Tem a ver com a Escola, com a tradição familiar
e com a formação em geral do indivíduo. Aqueles para quem a Literatura ainda não é
interessante é porque ainda não descobriram - o que se lamenta profundamente - que,
como dizia Pessoa, «a Literatura, como toda a Arte, é uma confissão de que a vida não
basta». Ora, constatamos dia-a-dia, infelizmente, que para muita gente a Vida basta e
esta reduz-se a um quotidiano maquinal, estupidificante, de pura sobrevivência, não
sobrando muitas das vezes tempo para exercer a dignidade e a autenticidade que a
humanidade exige. Vive-se a escravatura do trabalho, o consumismo, o materialismo, “o
que está a dar”: ter carro, casa, bibelôs de toda a espécie... Temos tudo e acabamos por
nada ter. Vivemos o Ter e não o Ser. É esta a máxima da nossa sociedade.
3.
HSF – Ainda assim continua, através do Departamento de Novos Autores da Editorial
Minerva, a incentivar a publicação de obras de novos autores. Quando começou e o
que o motiva ou apaixona a prosseguir esta tarefa?
AR - Sempre gostei de tudo o que é marginal. “Idiossincrasiamente”, marginal é quase
o sinónimo de alternativo. Em sentido radical, não há novos nem velhos autores, não há
nem consagrados nem desconhecidos pois o importante mesmo é que haja pura e
simplesmente autores. Em Portugal sempre se deu pouca ou nenhuma importância aos
autores que começam a manifestar o seu talento e quantos são aqueles que por essa e
outras razões desmotivam e ficamos sem saber da importância e relevância de muitos
que acabam por desistir com o nefasto sentimento de não valer a pena. É evidente que
leio os chamados “consagrados” ou mais conhecidos (muitos dos quais produtos de
máquinas publicitárias de todo o tipo), contudo, devo dizer-lhe que me dá imenso gozo
ler pela primeira vez um determinado autor cujos restantes e únicos leitores - para além
de mim - terão sido a vizinha, a família, um ou outro amigo e pouco mais. E mais
aumenta esse gozo quando constato que muitos superam em qualidade, em
espontaneidade e em autenticidade, muitos nomes de que toda a gente fala julgando que
são esses os “bons” e os “verdadeiros” escritores e poetas. HÁ MUITA CONFUSÃO
SOBRE O QUE É A LITERATURA! Esta não é nem se reduz à produção de meia
dúzia de nomes da prosa e da poesia. A Literatura também pode ser “feita” pela vizinha
Maria que é doméstica, pelo Manuel António que é padeiro e pelo João Malaquias que
por acaso é professor universitário. E nunca a “qualidade” é proporcional à formação
académica ou outra. Em Literatura o academismo conta muito pouco. Quantas vezes
não é mais do que empecilho, um obstáculo.
A Editorial Minerva - através do DNA - tem realmente uma vocação de descoberta e
incentivo aos novos valores. Temos consciência de que uma boa parte dos autores que
publicamos não o serão efectivamente, mas... é necessário dar uma oportunidade a
todos; quantos são aqueles que realmente evoluem e isso traduz-se numa grande
satisfação. Podemos dizer que perpassa no nosso trabalho uma dimensão iniciática,
didáctica, pedagógica e em alguns casos uma espécie de “psicoterapia pela Literatura”.
4.
HSF – Como é ser editor em Portugal?
AR - Eu não sou propriamente editor, colaboro sim com uma editora que me dá alguma
liberdade de acção para desenvolver projectos no âmbito da descoberta e
acompanhamento de novos autores e tal trabalho dá-me alguma satisfação na medida
em que acredito que em cada cinquenta autores que ajudo a revelar, pelo menos um
haverá de valer a pena. Contudo, ser editor em Portugal é uma forma de vida nem
sempre compensadora a muitas dimensões. Estou ligado à edição e aos livros por pura
paixão e por achar que podia fazer desta actividade uma espécie de serviço público. Em
termos gerais, é uma actividade algo penosa, economicamente arriscada, desgastante e
quantas vezes mal compreendida por alguns autores e pares.
5.
HSF - Como surgiu o DNA da Editorial Minerva? Quantos novos autores já lançou?
Quais os casos de maior sucesso? Existem nomes de referência no actual panorama
literário que tenham passado pelo DNA?
AR - O DNA surgiu de um convite feito pelo gerente da Editorial Minerva há cerca de
cinco anos. Não sei precisar bem quantos autores já revelamos porque a forma como o
fazemos varia: editamos antologias, colectâneas até doze autores, discos e edições
singulares, contudo, e considerando todas estas formas de edição e revelação,
poderemos dizer que já editamos para cima de quinhentos autores. Quando me
pergunta quais os casos de maior sucesso, tenho muitas dificuldades em responder na
medida em que não é o sucesso que me move; nem sequer sei o que é isso de sucesso
embora ensine este conceito nas aulas de Psicologia... O nosso sucesso é conseguirmos
trazer do obscurantismo, do desconhecido, do total anonimato, alguns autores que,
mesmo estando no meio de outros de menor ou nenhuma importância, puderam ver a
luz do dia e, como acreditamos que há alguma justiça no mundo - nem que isso demore
séculos - tais autores irão ter a importância, o reconhecimento e o papel que merecem.
Não há - no meu ponto de vista - um “actual panorama literário português” no sentido
em que meia dúzia de escritores e poetas o integram e o resto serão escrevinhadores ou
meros trabalhadores da palavra e afins. Basta eu receber na editora três poemas de um
qualquer jovem natural de Alguidares de Cima, de quem nunca ninguém ouviu falar,
para que se altere de imediato o “actual panorama literário português”. É tudo treta!
Contudo, poderia citar dez a vinte nomes - sobretudo poetas - que decerto irão ficar na
Literatura portuguesa como referências incontornáveis.
6.
HSF – Editar em Portugal é dispendioso? Em quanto fica, em média, uma edição de
autor para um livro de 250 páginas?
AR - Por exemplo, para um professor de qualquer grau de ensino - que aufere
mensalmente a vergonha de um ordenado - que pouco mais dá do que para sobreviver, é
evidente que é dispendioso fazer edições de autor em Portugal. Mais vergonhoso se
torna quando esse mesmo professor, sendo honesto e interessado, consome imensos
livros e não tem nenhuma ajuda ministerial para esse efeito.
Mas, puxando a brasa à nossa sardinha, devo dizer-lhe que a Editorial Minerva - pelo
facto de ter uma gráfica própria e serviços afins - pratica talvez o melhor preço do
mercado português em matéria de edição e acompanhamento de obra dignificando os
autores e as obras com a sua reconhecida chancela. A Editorial Minerva existe desde
1927 e publicou o primeiro livro de José Saramago. Vem de longe a tradição de apoiar
“novos” autores!
Em relação ao exemplo que dá, é muito difícil dizer em quanto fica a edição de um livro
pois depende não apenas da paginação como da tiragem, dos materiais e do tipo de
acompanhamento que é realizado. Se alguém estiver interessado, deve dirigir-se à
Editorial Minerva que será sempre bem recebido. Se, minimamente, nos agradar o que
escreve, tudo faremos para a realização desse seu sonho.
7.
HSF – O nosso país tem – para além do Ministério da Cultura – O Instituto Português
do Livro e da Leitura, a Associação Portuguesa de Escritores e diversas entidades
congéneres, que concedem subsídios, bolsas e prémios-revelação para novos autores.
Mesmo assim, muitos escritores têm de pagar do seu bolso a edição dos seus livros.
Parece que há aqui qualquer elo que falha, qualquer desencontro. Será falta de
informação... ou a justificação é outra?
AR - Não entendi muito bem o objectivo da questão, contudo, aproveito para lhe dizer
que está na hora de as pessoas compreenderem que editar um livro é quase como
comprar um quadro ou outra qualquer obra de Arte. Não é um investimento puramente
materialista mas sim um investimento espiritual. É uma questão de mentalidade. Não se
compra um móvel que custa trezentos contos e utiliza-se essa verba para fazer o tal livro
que se queria editar e que se andou sempre à espera que a proposta de um editor caísse
do céu; ora, tal procedimento é uma ingenuidade total no “actual panorama literário
português”.
8.
HSF – Na sua opinião, a ficção portuguesa está ou não em crise em termos de venda?
AR - Se partimos do princípio que não se lê em Portugal, então é toda a Literatura que
“está em crise”. Curiosamente, e apesar de tudo, creio haver muitos eventos
relacionados com a Poesia e os poetas e, contudo, tais manifestações não significam
mais vendas. As pessoas - parece-me - gostam mais da parra do que da uva. Ainda
assim, lê-se mais ficção do que Poesia.
9.
HSF – Essa crise será só de âmbito nacional?
AR - A crise é internacional mas é assustador o que se passa neste país. Nós, os que
temos a missão de espiritualizar o Mundo! (a velha ideia do V Império...).
10.
HSF - Mas se é tão difícil um novo autor lançar-se em Portugal, como podem explicarse casos de sucesso como o de Pedro Paixão, o autor de “A Noiva Judia” ou “Viver
Todos os Dias Cansa”?
AR - Sinceramente, não gosto muito de Pedro Paixão e não me parece que o sucesso de
um autor se traduza única e exclusivamente em vendas de uma ou outra obra sua. Muito
antes de este autor se revelar, quantos outros autores que provavelmente nunca ninguém
irá ouvir falar me passaram pelas mãos com produções que eu considero mais. Este
autor não inovou, tudo aquilo já foi tentado, escrito e ultrapassado. É tudo uma questão
de marketing, contactos, trocas, insistência e certos conhecimentos.
11.
HSF – Em Portugal, que camada procura mais o livro – adolescentes, adultos, idosos,
outros – e porquê?
AR - Não sei responder.
12.
HSF – Parece-lhe que os portugueses lêem mais autores nacionais ou estrangeiros?
AR - Felizmente está-se a ler cada vez mais autores portugueses.
13.
Na sua opinião, em Portugal compra-se um livro pela obra ou pelo nome e sucesso do
autor? [O exemplo de Saramago é flagrante: depois do Nobel esgotou edições em
poucos dias, quando a sua obra já existia antes e com a mesma qualidade].
AR - Infelizmente e estupidamente, compra-se mais livros em função do nome e do
“sucesso” do autor. Vivemos a “cultura de rebanho”. Efectivamente o nosso prémio
Nobel é - como refere - um bom exemplo desta atitude.
14.
HSF - No seu caso, o que pode dizer-me da recepção da sua obra pelo público? [Já
agora, quais os títulos (faltam-me alguns) e data de publicação? Foi sempre editado
pela Minerva?]
AR - Eu não sei se sou escritor e muito menos se tenho uma “obra” - tal coisa não me
preocupa absolutamente nada. Quanto à recepção da minha “obra” pelo público, posso
dizer que é óptima se tal coisa se traduzir em vendas. Nunca fiz nenhuma edição
superior a mil exemplares e todas elas se esgotaram. Confesso que sempre me estive
lixando para o público e nunca me preocupei muito com a recepção das minhas
“coisinhas” pois também nunca lhes dei a importância que devia. Parto desta máxima
para mim próprio: “se as coisas que faço - em termos literários - têm alguma
importância e interesse para a humanidade, então mais cedo ou mais tarde (saiba-se:
alguns séculos ou milénios), o mundo irá notar que existi”. É evidente que poderei
contemplar e avaliar tal profecia pois estarei decerto em outra superior reencarnação a
tentar ser verdadeiramente um escritor. É uma arrogância intitularmo-nos escritores.
Creio que não é possível qualquer acto criativo sem uma grande dose de humildade.
Perante o Mistério da Vida e da Morte, tudo é insignificante! [Livros publicados: Eu, O
Ser E A Dúvida, Edições Orpheu, 1989 (esgotado); Compra-me Um Deus, Edições
Orpheu, 1992 (esgotado); Bosque Flutuante - o vírus na rede dos camaleões (colectânea
de 12 autores), Editorial Minerva, 1996; Da Ressurreição do Espanto, Editorial
Minerva, 1998].
15.
HSF – Que género literário é mais procurado pelos portugueses?
AR - O género literário mais procurado pelos portugueses parece-me ser a literatura cor
de rosa, a literatura erótica e os jornais desportivos. Encontrar um verdadeiro leitor de
Poesia é como encontrar num Domingo à tarde, uma nota de dez mil escudos no chão.
16.
HSF – De acordo com dados da APEL, em Portugal publicam-se cerca de oito livros
por dia, mas a sua tiragem tem vindo a diminuir. O presidente da APEL, Francisco
Espadinha, diz que a redução das tiragens é uma estratégia dos editores para estimular
a procura. Como editor, concorda com esta justificação?
AR - Creio que os dados da APEL não estão correctos; creio que se publica mais do que
oito livros por dia - não podemos menosprezar, subestimar e secundarizar as chamadas
edições de autor. Não concordo nem discordo com Francisco Espadinha na medida em
que tais análises não me interessam muito. Quando se decide uma determinada tiragem
para um novo autor da Minerva, tal procedimento implica sempre uma deliberação e
uma decisão consciente e coerente com as leis do mercado e as hipóteses de vendas e de
ofertas pois uma boa parte das edições têm como destino serem ofertadas. A Minerva
tem uma forma de trabalhar que não se liga muito a cânones e a mobiles economicistas.
A razão mais importante para a edição de um livro, é o prazer de partilhar o próprio
livro bem como contribuir, desinteressadamente, para a satisfação, afirmação e
dignificação do autor e da obra.
17.
HSF – Países como o Reino Unido têm autores de culto, cuja escrita serve de porta-voz
aos dilemas da geração-urbana. Em Portugal existirão casos destes? Quais são os
escritores?
AR - Claro que há em Portugal - tal como no Reino Unido - autores de culto (e autores
para “minorias”). Se me permite, apresento-me humildemente como tal - eu e o meu
amigo Abílio Sampaio (que partilhou do meu último livro com um magnífico conjunto
de poemas a que deu o nome de «Um Outeiro do Ninguém») e mais cerca de vinte ou
trinta autores publicados pela Minerva. Culto significa aquele que se cultiva. Como
sabe, em Portugal há alguns autores que são mais cultivados do que cultos.
18.
HSF – Consegue comparar-me a situação do livro em Portugal com a que ele vive nos
outros países da União Europeia?
AR - Apesar de viajar um pouco, não possuo muitos dados que me permitam aventurar
em tal comparação, contudo, tenho a sensação de que na União Europeia, o produto
livro goza de melhor saúde, de mais procura e de melhor acessibilidade económica.
19.
HSF – Apesar do pouco sucesso da literatura no nosso país, falar de livros e da escrita
ainda enche auditórios. Tal é o caso do “Jornal Falado da Actividade Literária”, dos
debates “Cem livros do Século”, no CCB e do “Com os Livros em Volta”, na
Culturgest. Para além das sessões de divulgação de poesia que ocorrem um pouco por
todo o país, sempre com casa cheia. Consegue explicar-me este paradoxo?
AR - Efectivamente, parece haver uma situação paradoxal quando constatamos que
eventos relacionados com a divulgação do livro estão repletos de gente, e, na volta, as
vendas de livros relacionadas com tais eventos, não correspondem a tal aparato. A
minha experiência na produção e organização de lançamentos de livros corrobora o que
disse pois constato cada vez mais (é claro que há excepções), que nem sempre “muita
gente” num evento literário é sinónimo de vendas. As pessoas muitas vezes vão a um
evento de natureza literária apenas para serem vistas, “meterem” conversa com uma
figura mais-ou-menos-pública, levar um vestido novo... quantas vezes para casar a filha
com um modelo feito à pressa, um actor de telenovela que também aparece ou um
intelectual de meia-tijela. Ele há gente para tudo!
É claro que não consigo nem quero explicar o paradoxo que me coloca: ir ao CCB é
fino. Dizer a um amigo que estivemos na Culturgest dá a sensação de que se é culto...
20.
HSF – Considera que programas como “Acontece” e “No Sofá Vermelho” influenciam
o consumo do livro em Portugal? A que nível?
AR - O programa «Acontece» é efectivamente uma referência no designado jornalismo
cultural mas não é um mar de rosas; e importante e interessante mas tem que deixar de
ser uma capelinha. Está a tornar-se um programa apenas com uma perspectiva cultural
(demasiado intelectualista e arrogante), isto é, falar de cultura, caros amigos do
«Acontece», não é falar apenas de meia dúzia de escritores e de artistas. Falar de cultura
implica falar daquele que editou - por exemplo - o seu livro número trinta mas também
daquele que está agora a editar o seu primeiro livro. Quem vê o «Acontece» com
regularidade, julgará erradamente ser apenas aquilo que se passa no país em termos
culturais e literários. Ora, tal atitude por parte da produção do programa é uma
arrogância, uma prepotência, uma mentira... Jornalismo cultural não é bem o que se faz
no «Acontece». Repare no seguinte: a Minerva realiza uma média de três a quatro
eventos literários por mês, é uma sorte quando o «Acontece» noticia um. É claro, estão
sempre em primeiro, em segundo e em terceiro lugar os membros da capelinha!
21.
HSF – Apesar do panorama ser desanimador para os novos autores, os cursos de
escrita criativa para formar novos escritores florescem de Norte a Sul do país e existem
já casos notórios de sucesso ao nível da procura, como é o caso da “Aula do Risco”,
com o escritor Rui Zink. Este investimento fará sentido em Portugal?
AR - É evidente que ninguém nasce escritor. Um escritor - isto é, alguém com
sensibilidade para a Literatura e que produz escrita com regularidade, sem ser por
encomenda ou por motivações económicas - é sempre fruto de uma determinada e
cuidada educação, de uma cultura, de determinadas e peculiares vivências: “originais”,
literárias, estéticas, místicas, filosóficas, etc.. É claro que ninguém é escritor porque
decide ser escritor, é necessário talento, trabalho, leitura, investigação, técnica,
capacidade de inovação e ousadia pela diferença. Um escritor é um provocador de
impossíveis, deve «espicaçar as consciências adormecidas no sono fácil das ideias
feitas». Se é este tipo de coisas que se ouve e aprende num curso de escrita criativa,
então acho que tem algum sentido existirem; se, por outro lado, um curso desta natureza
consistir em ensinar alguém a escrever um poema ou um conto à maneira do Rui Zink,
então não vale a pena pois já cá temos o Rui que, de longe, prefiro a escrever do que a
falar - e muito menos na Televisão.
22.
HSF – Na sua opinião, nasce-se escritor ou o talento também pode aprender-se ou ser
aperfeiçoado em aula?
AR - Como já referi, ninguém nasce escritor; este acontece condicionado por imensas
razões e circunstâncias. O talento e amadurecimento criativo-literário pode ser ajudado
e aperfeiçoado; em parte, uma boa aula (e um bom professor) pode contribuir muito
para isso.
23.
HSF – Cada dia que passa existem mais pessoas a ligar-se à Internet e a optar por
pesquisar no ciberespaço, em detrimento das bibliotecas. Que possibilidades existem
do livro perder o seu lugar na sociedade?
AR - Creio que, quanto mais suportes de informação existem, mais o livro está de pedra
e cal. O livro é a grande referência da humanidade. Pode crer - e isto é uma profecia - o
livro impresso em papel jamais deixará de existir mesmo que me instalem no cérebro
um chip contendo o melhor da Literatura portuguesa.
24.
HSF – Que futuro preconiza para o livro, em Portugal e no mundo?
AR - Que viva o livro sempre! Que possamos viver com livros, dos livros e para os
outros através dos livros!
Questionário específico ou “regional”
25.
HSF – O distrito de Setúbal é produtivo em termos de novos autores? Quantos é que já
passaram pelo DNA?
AR - Podemos afirmar que há autores com obras muito interessantes no distrito de
Setúbal. Não posso precisar quantos passaram pelo DNA pois não me preocupo muito
com estatísticas dessa natureza mas, seguramente que uns trinta ou quarenta autores que
incluímos nas antologias e outros projectos são do distrito de Setúbal.
26.
HSF – Existirá um movimento literário na região de Setúbal? Forte ou fraco?
AR - Se não existir nenhum movimento literário em Setúbal é pena. Caso não exista,
lanço desde já o repto: contactem o DNA da Editorial Minerva e vamos formar um
movimento literário, nem que isso sirva apenas para contar anedotas e trocar
experiências...
27.
HSF – Face à zona da Grande Lisboa ou do Grande Porto, o distrito de Setúbal sai a
perder em termos de número de leitores e de acontecimentos literários. Concorda?
Como pode justificar-se esta situação?
AR - É evidente que por ser capital, Lisboa aglutina e hegemoniza muitos eventos
literário-culturais, contudo, em termos culturais, não concordo com a velha ideia de que
Lisboa é Portugal e o resto é paisagem. Pelo o que me é dado ver, tanto Setúbal como
Almada, “mexem culturalmente” e têm - como os políticos gostam de dizer - vida
cultural própria preconizando assim uma identidade e uma demarcação em relação a
Lisboa.
28.
HSF – Apesar do aparente desinteresse literário dos residentes no distrito, existem
boas bibliotecas no Barreiro, em Setúbal, em Almada... o que devia ser meio caminho
andando para um maior sucesso da literatura. No entanto, parece que isso não sucede.
Podia comentar?
AR - O sucesso da Literatura - como diz - não passa só e apenas pela existência de
bibliotecas e de livrarias, tem mais a ver com a Educação e a Cultura transmitida às
crianças e aos jovens. Leiam todos os dias histórias às crianças, ofereçam-lhes mais
livros e menos vídeos e horas de televisão e verão - outra profecia; tenho uma tendência
para a bruxaria - um caótico estado de coisas a se inverter.
29.
HSF – Na sua opinião enquanto professor no distrito, qual o papel que a escola
desempenha na criação de hábitos de leitura? Qual a reacção dos estudantes face à
escrita e à leitura intra e extra curriculares?
AR - Infelizmente a Escola está a perder terreno. Creio que as novas pedagogias
“lixaram” tudo. O ensino tem que ser reformulado completamente. Neste caos que é o
ensino, com professores tratados “a baixo de cão”, o livro, apesar de tudo, tem um papel
fundamental; ora, um compêndio não é mais do que a condensação e a síntese de um
vasto conjunto de livros, contudo, creio que os programas deveriam contemplar mais a
leitura integral de obras de autores contemporâneos.
A leitura e a escrita intra e extra curriculares pura e simplesmente não existe. Creio que
deveria de existir ao nível do activismo das escolas uma regular e obrigatória tertúlia
onde fosse possível incentivar o gosto pela leitura e pela escrita. Sei que tem havido
louváveis tentativas desta natureza.
30.
HSF – Considera que temos boas livrarias no distrito, que motivem os consumidores à
compra e à leitura? Podia apontar-me alguns exemplos?
AR - Sim, não nos podemos queixar da falta de livrarias, podemos sim - e eu tenho
algumas razões para isso - queixarmo-nos de alguns livreiros pois de livreiros só tem o
nome. Há pessoas a vender livros como se vendessem latas de feijão ou coca-colas. Há
livreiros que julgam que uma boa livreira não é mais do que ter o Saramago e meia
dúzia de “consagrados”. Uma boa livraria deve ter tudo: novos, velhos, desconhecidos,
“consagrados”, livros cozidos, livros colados, capas de papel ordinário, cartonados,
_____________________________ (...) Deixo este espaço para que alguém continue a
lista.
31.
HSF - O distrito terá autores que representam a geração pós-25 de Abril? Podia darme alguns exemplos?
AR - Claro que sim. Todo o autor que não escreva por encomenda e que livremente vá
dizendo o que lhe “dá na real gana”, esse autor representa não apenas a geração do 25
de Abril mas também aquilo que de melhor há na consciência humana: a autonomia.
________________________
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