ENTRE O SILENCIAMENTO E A ACLAMAÇÃO: DISCURSOS SOBRE PAULO COELHO Priscila Finger do Prado Professora-colaboradora UNICENTRO [email protected] Resumo: Para que uma obra faça parte do cânone literário, existem alguns critérios (complexos, relativos, contestados, excludentes) que costumam ser seguidos. E esses critérios de escolha são menos do público leitor, em geral, do que de um número reduzido de leitores autorizados (a crítica), tanto que muitas das obras classificadas como “best sellers” (ou as mais lidas) são duramente criticadas por esses leitores e não chegam a constituir o cânone nacional. No cenário brasileiro, identificamos a presença de Paulo Coelho como um lugar de contradição discursiva, pois, apesar de muitos dizerem que sua obra beira a ‘literatura de auto-ajuda” (o que a mandaria para longe do território do cânone), o autor é um dos membros da Academia Brasileira de Letras, entidade máxima no que diz respeito à presença acadêmica e literária no Brasil. Esses limites nos levam a indagações quanto ao seu lugar discursivo: o lugar acadêmico do autor é resultado do fato de ser ele o autor brasileiro mais lido de todos os tempos fora do Brasil 1, e um dos três mais lidos no país2? Se tanto se critica sua obra, porque é tão difícil encontrar textos de crítica de lugares autorizados (academia, Academia)? O objetivo deste trabalho é, pois, analisar o discurso sobre Paulo Coelho, partindo-se da dedução de que há uma oposição de sentidos que se entrecruzam na formação desse discurso, e que essa constituição não se dá de maneira gratuita, uma vez que os discursos que se opõem denunciam formações discursivas diferentes dos sujeitos enunciadores. Para a análise, utilizaremos os pressupostos da Análise de Discurso de linha francesa, em especial os conceitos de discurso, formação discursiva e interdiscurso de Michel Pêcheux. Palavras-chave: Paulo Coelho; Discurso sobre; formações discursivas. Introdução Muito se fala sobre a crítica ferrenha que é dedicada a destituir Paulo Coelho do lugar literário, mas, em verdade, não se encontram tantos textos de crítica a sua obra como o esperado. Ao pesquisar seu nome junto às grandes histórias da literatura brasileira que abarcam o período contemporâneo, verificamos um absoluto silêncio. Das obras que buscam compilar estudos sobre diferentes momentos da literatura brasileira, 1 De acordo com pesquisa Forbes. Disponível em: http://forbesbrasil.br.msn.com/listas/39-celebridadesmais-influentes-do-brasil?page=3 2 De acordo com a pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, do Instituto Nacional do Livro. Disponível em: http://www.prolivro.org.br/ipl/publier4.0/texto.asp?id=48 IV Fórum das Licenciaturas/VI Encontro do PIBID/II Encontro PRODOCÊNCIA – Diálogos entre licenciaturas: demandas da contemporaneidade – UNICENTRO – 2015 – ISSN 2237-1400 dando-lhes uma noção de conjunto, e que chegam até a produção contemporânea, podemos destacar a Historia concisa da Literatura Brasileira (2006), de Alfredo Bosi, e a Literatura Brasileira através dos textos (2004), de Massaud Moisés. Nestas, o nome Paulo Coelho sequer é mencionado, embora a posse do autor na Academia Brasileira de Letras tenha ocorrido em 2002, ou seja, haveria tempo para os estudiosos, se julgassem necessário, mencionar algum ponto sobre a obra de Coelho e sua aclamação pelos leitores. Interessante é a apresentação da literatura brasileira contemporânea que faz a professora Monica Rector em seu livro Dictionary of Literary Biography. Brazilian Writers. A professora, que trabalha na Universidade da Carolina do Norte, no Departamento de Línguas Românicas, propõe um apanhado do que tem sido a literatura brasileira a partir dos anos 80 e cita as mais diversas tendências. Ela destaca a noção de aculturação como importante para uma maior discussão dos movimentos literários. Para ela, “antes se discutia muito mais a “natureza” da literatura, como estrutura e movimento literário, agora se discutem as “condições” de sua existência”. Nesse novo panorama, tornam-se importantes o advento das novas tecnologias, a aproximação com a linguagem cinematográfica, bem como com a televisiva e a computadorizada, além da produção cultural em massa e a lógica do mercado. Rector divide sua apresentação dos autores e obras numa perspectiva dos estudos culturais, destaca a produção mulheres e, em especial, o espaço para escritoras afro-brasileiras, também aponta a produção de inúmeros romancistas que seguem tendências variadas, cita ainda os produtores de crônicas e a produção de literatura infanto-juvenil. Contudo, o aspecto relevante para nosso estudo é o destaque que dá para a produção de Paulo Coelho: A literatura brasileira também apresenta fenômenos como o caso de Paulo Coelho, um mago esotérico, com andanças sobrenaturais, intercaldas de provérbios e sentenças, e que se tornam livros de auto-ajuda para uma sociedade carente, desejosa em remediar suas lacunas diárias. Os acadêmicos constestam que não se trata de uma linguagem literária, mas de fácil acesso e digerível pelo grande público. Mesmo com estas críticas, Coelho ganhou uma cadeira na Academia Brasileira de Letras. IV Fórum das Licenciaturas/VI Encontro do PIBID/II Encontro PRODOCÊNCIA – Diálogos entre licenciaturas: demandas da contemporaneidade – UNICENTRO – 2015 – ISSN 2237-1400 Para a autora, ainda que se trate de obras lidas como auto-ajuda, por seu esoterismo e linguagem simples, digerível, o escritor tem espaço na literatura brasileira, porque há leitores interessados, e este fenômeno merece destaque. Ainda em busca de um lugar acadêmico para Paulo Coelho, buscamos monografias, dissertações e teses que oferecessem algum lugar de estudo para sua obra, a partir da academia. O que encontramos foi um número reduzido: duas teses, quatro dissertações e uma monografia. A primeira tese é de Sayonara Amaral de Oliveira, do Programa de Pós-graduação em Letras e Linguística da Universidade Federal da Bahia, cujo título é “Na transversal das cotações: um estudo da recepção de Paulo Coelho nos blogs do escritor” (2010). A tese de Oliveira, como a autora menciona no resumo, busca articular “as contribuições da crítica literária e da crítica cultural contemporâneas, considerando os estudos de sociologia da cultura, de comunicação e de estética da recepção” (2010, p.7). A segunda tese é de Maria Ivoneti Busnardo Ramandan, intitulada “Narração e panaceia: o poder educativo do mito – uma análise da obra de Paulo Coelho” (2003). Seu campo de estudos é o da Educação, pertencendo ao Programa de Pós graduação em Educação da Universidade de São Paulo. O texto não se encontra disponível na internet. A primeira dissertação é de Cláudia Assumpção Gonzaga, do Programa de Pósgraduação em Letras da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, com o título “Paulo Coelho em cena: a construção do escritor pop star”, de 2007. Gonzaga parte de uma perspectiva literária , para depois falar sobre literatura de massa, chegando ao seu propósito ao descrever a imagem do autor como resultado da soma de publicidade a carisma. Ela vê quatro momentos-chave na construção dessa imagem: [1] a infância e juventude, [2] o mundo da música, [3] o autor como “mago”, e [4] o autor como escritor. Um estudo breve, mas muito interessante. A segunda dissertação também visa a uma aproximação entre os conceitos de literatura e sociedade de consumo para analisar a obra O Zahir, do autor: “A literatura e o intelectual na sociedade de consumo: uma leitura de O Zahir, de Paulo Coelho”. A dissertação é de 2009, de autoria de Vânia Correia Cafeo, da Universidade Federal de IV Fórum das Licenciaturas/VI Encontro do PIBID/II Encontro PRODOCÊNCIA – Diálogos entre licenciaturas: demandas da contemporaneidade – UNICENTRO – 2015 – ISSN 2237-1400 Mato Grosso do Sul, mas o texto não se encontra mais disponível na internet. A terceira dissertação se intitula “A auto-ajuda como interdiscursividade em “O alquimista”, de Paulo Coelho” (2009), e é da autoria de Ivi Furloni Ribeiro. O texto pertence ao Programa de Pós-graduação em Estudos Linguísticos da Universidade Federal de Uberlândia e se desenvolve na linha de estudos da Linguística, mais especificamente da análise de discurso bakhtiniana. Tal como aponta o título, busca-se na noção de interdiscurso a ponte entre a literatura e a auto-ajuda nos livros de Paulo Coelho. E a quarta dissertação, “Apropriações de Paulo Coelho por usuários de uma Biblioteca Pública: leitura popular, leitura popularizada”, é do Programa de Pós-graduação em Comunicação Social da Universidade de São Paulo, sob a autoria de Richard Romancini. A pesquisa de Romancini busca uma contextualização de Paulo Coelho dentro do mercado editorial e das práticas de leitura no Brasil, “mostrando como a trajetória do escritor relaciona-se a um processo de profissionalização dos agentes do livro e ao maior acesso da população a este produto”. Com isso, o autor chegou à conclusão de que a grande procura pelos livros de Paulo Coelho teriam a ver com a formação de uma nova classe de leitores, atraídos por um texto “com forte legibilidade e capaz de propiciar “prazer” e “conhecimento” aos leitores” Já a monografia, intitulada “O discurso da auto-ajuda na Academia Brasileira de Letras: um estudo sobre Paulo Coelho”, constitui-se na proposta de três autoras Cristiane Mattos Lopes, Karla Guidoni Felizardo e Tacyla Garcia Ranhel -, ao final do curso de Letras do Centro Universitário de Franca (2008), de analisar o discurso de auto-ajuda em meio aos enredos de quatro obras do autor, também sob a perspectiva da análise de discurso bakhtiniana. Da leitura dos textos acadêmicos, percebemos um cuidado ao trabalhar a obra de Paulo Coelho. Embora se tenha notado que há a necessidade de comentar o fenômeno, que dissemina internacionalmente a imagem do autor e, consequentemente, a do Brasil, os estudos buscam analisar a sua obra ou da perspectiva da recepção, ou da literatura e IV Fórum das Licenciaturas/VI Encontro do PIBID/II Encontro PRODOCÊNCIA – Diálogos entre licenciaturas: demandas da contemporaneidade – UNICENTRO – 2015 – ISSN 2237-1400 cultura de massa (num viés de mercado), ou então dos limites entre ficção e auto-ajuda. Não se lê Paulo Coelho como literatura. O que novamente nos faz indagar, que lugar Paulo Coelho ocupa no cenário da produção literária nacional, se o reconhecimento da ABL não avaliza o reconhecimento da academia (universidade) e da crítica? Referências bibliográficas BIOGRAFIA DE PAULO COELHO. Disponível em: http://www.academia.org.br/abl/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=322&sid=233 . 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