VII Seminário de Iniciação Científica SóLetras – Estudos Linguísticos e Literários – ISSN 18089216
A LITERATURA INFANTO-JUVENIL: ARAÚJO & OPHÉLIA VERSUS CHEGA
DE SAUDADE DE RICARDO AZEVEDO
Ana Paula de Souza Borges
(G – CLCA - UENP/CJ)
Henrique de Melo Carvalho
(G – CLCA - UENP/CJ)
Penha Lucilda de Souza Silvestre
(Orientadora – CLCA - UENP/CJ)
“ O livro é um lugar de papel e dentro dele existe sempre uma paisagem. O
leitor abre o livro, vai lendo, lendo e, quando vê, já está mergulhado na paisagem.
Pensando bem, ler é como viajar para outro universo sem sair de casa(...)”
Ricardo Azevedo
Ao pensarmos em literatura infanto-juvenil, logo vêm em nossa mente histórias
fabulosas e encantadoras como Narizinho Arrebitado, primeira obra infantil de Monteiro
Lobato, na qual mais adiante acaba por compor O Sitio do Pica-pau amarelo; contos de
fadas como por exemplo Cinderela e Branca de Neve dos Irmãos Grimm, entre outros.
Todavia a Literatura infanto-juvenil, não é composta apenas desses grandes contos das
décadas passadas, pois a cada dia este gênero nos presenteia com um autor e com uma
história nova, e com isso críticos literários procuram cada vez mais histórias infantis e
juvenis para serem trabalhadas em suas teses e dissertações de mestrado e doutorado,
autores como Lygia Bojunga Nunes, Ana Maria Machado, Marina Colassanti, Sylvia
Orthof, dentre outros, como aponta Turchi (2006) em Espaço da crítica da literatura
infantil e juvenil.
A crítica literária serve para promover a valorização da literatura infantil e juvenil
como instituição literária, tornando-se objeto de investigação científica. A Crítica tem
possibilitado a construção de uma história da literatura infantil brasileira, visto que quanto
mais se estuda a obra mais se confirma a qualidade desta. Tanto para Peter Hunt (1990)
como para Candido (1972), a literatura de modo geral, necessita de diversas abordagens,
como também as artes visuais, cinema, teatro, uma vez que as manifestações artísticas
podem promover no leitor o equilíbrio emocional e psíquico. Sendo assim, a:
[...] literatura infantil não pode abrir mão de uma boa história, mesmo que apontada
através de imagens visuais. As narrativas universais continuam a atrair ouvintes e
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leitores justamente pela força do imaginário ali contido, capaz de colocar em
movimento um dinamismo de imagens com as quais os sujeitos interagem
profundamente, modificando o próprio cotidiano (TURCHI, 2004, p.40)
Nesse sentido, Ricardo Azevedo é um grande exemplo da produção literária de
qualidade apontada por Turchi, visto que o texto verbal e visual dialoga-se, pois se
complementam e permitem uma leitura significativa. Desse modo, o título Araújo &
Ophélia (1981) exemplifica nossas considerações. , onde vamos estudar mais adiante.
Assim como Silvestre aponta em sua dissertação de mestrado:
[...] a ilustração é um dos elementos importantes na organização da narrativa, parte
integrante dela e sua função não é meramente descritiva, porque dialoga e
complementa o texto verbal. A imagem visual pode revelar funções diversas na
dinamicidade e organização do texto, por apresentar, sugerir, criar, antecipar e
problematizar os episódios da narrativa, especialmente, na literatura infantil e juvenil.
Dessa maneira, o papel do ilustrador é fundamental, principalmente nos livros infantis
(SILVESTRE, 2006, p.82)
Ricardo Azevedo também é ilustrador, por isso demonstra em suas obras um
estreitamento muito grande entre produção verbal e ilustração, atinge em seus trabalhos
um padrão estético muito elevado. Suas obras constroem um diálogo perfeito entre
ilustração e texto verbal. Isso faz com que o leitor possa construir em seu imaginário uma
leitura plural decorrente da organização do texto verbal e imagem.
Em suas ilustrações Azevedo nos faz um convite à imaginação, pois propõe ao
leitor que conheça a fundo seus personagens, além de traçar um perfil psicológico ele nos
expõe a fisionomia idealizada deles. Registra o perfil dos mesmos, ilustra-os e faz que o
fictício tome forma no imaginário do leito. Isso faz com que se construa o estético dentro
de suas obras, porque consegue alcançar “o máximo de imaginário no mínimo de
discurso”.(CASTRO, 1994, p.152), consegue, assim, ultrapassar o grande dilema da
Literatura Infanto-juvenil, ou seja, não se trata de produção moralizante, mas pauta-se
numa concepção artística, uma vez que literatura tem o papel de humanizar o leitor, abre
portas da imaginação e introduz aos temas humanos concretos.
A originalidade é uma questão marcante encontrada na obra de Azevedo, pois ele
não se prende apenas a um recurso de imagens, visto que usa de diversas técnicas em seu
trabalho, pois a obra de arte permite ao autor se manifestar em várias direções. Então: “O
experimentalismo e a quebra da discursividade, a perspectiva infantil e a tematização do
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universo cotidiano e a reutilização e obras folclóricas.” (TURCHI, 2006, p. ?). Tais
questões tornam Ricardo Azevedo um dos marcos dentro da Literatura Infanto-juvenil.
Além disso, Ricardo Azevedo faz palestras, é pesquisador na área da cultura popular,
preocupa-se com a formação do leitor jovem. Eis o que assinala;
é preciso fazer a criança perceber que todo o ser humano é eminentemente social, tem
determinadas potencialidades e limites, é expressivo, emotivo, criativo e efêmero, é
capaz de construir linguagens e símbolos e também de transformar a natureza e a
sociedade. Daí a importância de transmitir às crianças a noção de responsabilidade.
Crianças serão as construtoras do futuro. Trata-se do seu compromisso de lutar para
transformar o mundo num lugar melhor e não pior para todos (Ricardo Azevedo,
2010, s/p)
Ricardo Azevedo tem mais de cem obras infantis publicadas, dentre elas
selecionamos para nossa leitura Araújo & Ophélia (1981), a ilustração é significativa,
destinada, a princípio, ao público infantil e Chega de Saudades (1984) com uma
linguagem mais elaborada destinada ao público jovem, todavia ambas falam dos mesmos
personagens Araújo e Ophélia e de um mesmo espaço.
Em Araújo e Ophélia (1981) nos traz uma narrativa cheia de sabor. Conta a
história de Araújo, um senhor que tocava flauta na orquestra da cidade, quando descobre
através do jornal, que derrubariam uma árvore para a construção de um prédio. Então,
entra em contato com sua velha amiga, a Ophélia. Juntos, os dois tentam impedir a
derrubada da árvore e arrumam imensas confusões. Trata-se de história que ao mesmo
tempo tem um cunho moral e ecologicamente correto, também é composto de muita ironia
através das figuras contidas no livro. Várias pessoas que por ali passavam aderiram à
manifestação dos velhos amigos e conseguem transformar o espaço em um parque
público.
Araújo e Ophélia, apesar de ser destinada ao público infantil, aborda uma
diversidade temática que extrapola questões ligadas a faixa etária, pois mostra o
capitalismo explícito, a preservação da natureza e o espaço urbano, manifestações
populares, expressões artísticas como a música, a amizade verdadeira e o amor mesmo na
velhice. Todas essas manifestações podem ser vistas por leitores críticos, que são capazes
de “mergulhar na questão não para satisfazer-se com as respostas, mas para se surpreender
com novas questões”. (TURCHI, 2006, p.25)
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O padrão estético é tão elevado em Araújo & Ophélia que podemos sentir os
anseios, as angústias e inquietações dos personagens nos colocando verdadeiramente na
história. Desse modo, percebemos conexões entre o autor/adulto e o leitor/criança. Isso é
facilmente alcançado na obra de Azevedo, ele cria um perfeito diálogo entre imagem
visual, que é a manifestação do estético, e texto verbal alcança assim todas as
expectativas dentro do cenário da Literatura Infantil.
Já na obra Chega de saudade (1984) Ricardo de Azevedo, coloca como narrador
um pássaro, mas precisamente um João de Barro, que comenta sobre os moradores que
passaram por uma casa do Sumaré. O primeiro dono da casa era Rufino Barata, um
engenheiro civil que vendia cadeados e correntes. O segundo morador era um português,
Joaquim Alfaia Godinho, era um homem educado, mas reservado e conhecedor das
ciências ocultas. Já o terceiro morador foi um casal, José Bento Fagundes e sua mulher
Maria Ophélia, eles viveram mais tempo na casa, tiveram dois filhos e três netos. Bento
morreu deixando o jardim florido e cheio de árvores.
Logo após a morte de seu marido, Ophélia, professora aposentada, reencontra seu
velho amigo Araújo, ele tocava flauta e saxofone no Teatro Municipal, esse reencontro
muda a vida dos dois. Assim como o texto Araujo & Ophélia, o casal apaixonado luta pela
não destruição da natureza. Em Chega de Saudades, Araujo e sua amada, tentam impedir a
construção de um Shopping, na praça do bairro de Sumaré, todos os moradores juntaramse a eles fazendo com que a prefeitura suspendesse a obra por tempo indeterminado.
Assim que ganharam a guerra, o velho casal apaixonado decide viajar pelo Brasil,
concretizando os sonhos de Araújo, mas nem tudo eram flores para o casal, o filho de
Ophélia é contra esse novo amor da mãe, todavia isso não foi motivo para eles desistirem
de seus sonhos. Em uma de suas voltas pelo Brasil, acabam de casando, em uma
cidadezinha chamada Monte Alegre, entre Goiás e Pará. Dias antes de morrer, Ophélia
envia para sua neta, o registro das viagens que fizera com Araújo. Araújo morre em uma
manhã de sol, e meses depois Ophélia o acompanha. O narrador-passarinho revela que os
pássaros estão em todos os lugares e é comum um homem trabalhador não perceber que a
seu lado, sempre tem um passarinho.
Nas duas narrativas, Ricardo desmistifica um tema muito especulado pela
sociedade atual. Ambas aborda de uma forma suave e bem humorada a velhice, não como
um fardo, mas como a melhor idade, porque mostra o quanto um velho pode viver e não
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apenas esperando a morte chegar, pensando que já viveu, mas saboreando o valor da idade
e tudo que ela pode lhe proporcionar. Azevedo não idealiza o velho como um ser frágil e
incapaz de cuidar de si mesmo, mas como um indivíduo forte e que pode mostrar a
sociedade seu valor, pois carrega consigo uma bagagem cultural.
Dessa maneira, o autor nos apresenta Araújo um personagem que já viveu muito e
por isso carrega em si a vontade de viver e mostrar a sociedade contemporânea à cultura
absorvida por ele durante sua vida. Araújo é músico e já viajou por muitos lugares,
conhecendo hábitos diversos, povos carregando e admirando este modo de viver. Por isso
ele é um profundo conhecedor das artes culturais brasileiras e mostra que o viver cultural é
do ponto de vista dele um fazer bem a saúde mental e corporal. Ao contrário do ritmo
frenético em que os indivíduos das grandes cidades acabam se esquecendo de viver,
apenas para servir ao consumismo e a tecnologia. Ele mostra como o viver da cidade
grande faz com que o indivíduo esqueça-se de sua própria cultura e absorve apenas a um
sistema voltado ao capitalismo e ao consumismo.
Nosso país realmente vai ser outro quando sua população for formada por leitores,
gente que saiba diferenciar uma obra literária de um texto informativo; gente que leia
jornais, mas também leia poesia; gente, enfim, que saiba utilizar textos em benefício
próprio, seja para receber informações, seja por motivação estética, seja como
instrumento para ampliar sua visão de mundo, seja por puro e simples entretenimento
(AZEVEDO, 2000, p.1)
Por fim, percebemos que vivemos um desequilíbrio social, e paralelo a esse fato,
devemos nos preocupar em formar leitores, evidentemente é um imenso desafio. A
maioria de nossas crianças são filhos de pais analfabetos ou semi-analfabetos, ou seja, ao
voltar para casa elas não têm com quem discutir suas lições. E nem mesmo espaço, uma
vez que suas casas, muitas vezes, formada por um único cômodo, não possibilita
condições necessárias para o ato de ler. Por outro lado, boa parte de nossas crianças,
àquelas que têm chance de ir à escola, mas não têm dinheiro para comprar livros e só têm
acesso a livros e textos didáticos e informativos fornecidos gratuitamente pelas escolas
públicas, nem sempre tem um contato diferenciado com textos literários.
Ricardo
Azevedo diz que textos didáticos são essenciais para a formação das pessoas, mas não
formam leitores. É preciso que concomitantemente haja acesso à leitura de ficção, ao
discurso poético, à leitura prazerosa e emotiva. Então, cabem a nós graduandos e
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professores apropriarmos de textos significativos como Araújo e Ophélia e Chega de
saudade levá-los a sala de aula com o intuito de discutirmos e ampliar os horizontes de
leitura de nossos alunos.
Referências
AZEVEDO, Ricardo. Mesa redonda sobre Literatura Infantil. Revista Releitura. Belo
Horizonte. 15 de agosto de 2000.
______. Literatura deve tratar temas da vida para matéria: Até o lobo mau ficou certinho.
Jornal da Tarde. São Paulo, 15 de março de 2010. Entrevista Concedida a Mônica Pestana.
CANDIDO, Antonio. Vários escritos. 3ª ed. São Paulo: Livraria duas cidades, 1995.
CASTRO, Manuel Antônio. Tempos de metamorfose. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro,
1994.
SILVESTRE, Penha Lucilda de Souza. Entre traços e letras: um estudo introdutório sobre a
produção literária de Ricardo Azevedo. 2005. 316f. Dissertação de Mestrado (Estudos
literários). Universidade Estadual de Maringá. UEM. Maringá, 2005. TURCHI, Maria Zaira.
Espaços da crítica da literatura infantil e juvenil. In: Leitor formado, leitor em formação a
leitura literária em questão. São Paulo: Cultura Acadêmica, 2006.
______. O Estético e o ético na literatura infantil. In: CECCANTINI, João Luís C.T. Leitura e
Literatura infanto-juvenil memória de Gramado. São Paulo: Cultura Acadêmica, Assis, 2004.
Para citar este artigo:
BORGES, Ana Paula de Souza; CARVALHO, Henrique de Melo. A literatura infantojuvenil: Araújo & Ophélia versus Chega de Saudade de Ricardo Azevedo In: VII
SEMINÁRIO DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA SÓLETRAS - Estudos Linguísticos e
Literários. 2010. Anais... UENP – Universidade Estadual do Norte do Paraná – Centro de
Letras, Comunicação e Artes. Jacarezinho, 2010. ISSN – 18089216. p. 609 – 614.
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ana Paula de Souza