APREN DER A DIZER SUA PALAVRA E O DIREITO DE SER MAIS: HISTÓRIAS DE VIDA EM DIÁLOGO COM PAULO FREIRE Ângela Cristina Alves Albino RESUMO Pensar em direitos humanos e inclusão no campo educacional é convocar o pensamento freireano. Nessa direção, o presente estudo abordará algumas categorias analisadas por Freire que, neste particular, evidenciam os grandes dilemas identitários que envolvem o homemmundo na perspectiva de luta e resistência política frente às limitações do cotidiano social. O texto base de análise será Pedagogia do Oprimido por sua atualidade frente às sucintas formas de exclusão social e, por sua vez, às limitações no campo do direito e da participação cidadã. Assim, o objetivo da análise centra-se em dialogar com Freire a partir dos sentidos atribuídos aos direitos humanos, ou direito de “ser mais”. Par isso, foram feitos recortes de registros autobiográficos de docentes do II Ciclo de Estudos Paulo Freire, evento realizado em 2008. Será referendada no campo metodológico de análise, a importância da história de vida como modo de uma ferramenta valiosa quando se trata de analisar a intersecção entre a vida individual e o contexto social, como também de se constituir uma possibilidade didática para prática de educação inclusiva. Palavras chave: Direitos humanos – Opressão – Oprimido – História de vida RÉSUMÉ Réflexion sur les droits de l'homme et de l'inclusion dans le domaine de l'éducation est la pensée de Freire appel.En ce sens, cette étude permettra de répondre à certaines catégories analysées par Freire, en particulier, mettre en évidence les principaux dilemmes de l'identité de l'homme du monde du point de vue de la résistance politique et de la lutte contre les limites de la société de tous les jours. Le texte est une analyse basée sur la pédagogie des opprimés, sur sa face avant aujourd'hui pour informer les formes d'exclusion sociale et, en retour, des limitations dans le domaine du droit et de la participation des citoyens. L'objectif de l'analyse se concentre sur le dialogue avec Freire de la signification attribuée aux droits de l'homme, ou le droit d'être "plus". Pair cela, ont été coupés à partir de documents autobiographiques des enseignants du deuxième cycle des études de Paulo Freire, un événement qui s'est tenu en 2008. Seront référencés dans la méthodologie de l'analyse, l'importance de l'histoire de vie comme un moyen d'un outil précieux quand il s'agit de l'examen de l'intersection entre la vie individuelle et le contexte social, mais aussi de l'occasion pour la pratique de l'enseignement de l'éducation inclusive. Muscles: Droits de l'homme - Oppression - Oppressed - Histoire de la vie APREN DER A DIZER SUA PALAVRA E O DIREITO DE SER MAIS: HISTÓRIAS DE VIDA EM DIÁLOGO COM PAULO FREIRE “A desumanização mesmo que um fato concreto na história não é, porém, destino dado, mas resultado de uma “ordem” injusta que gera violência dos opressores e esta, o ser menos”. Paulo Freire(2005, p.32). A atuação política cidadã de Paulo Freire constitui referência importante no debate contemporâneo em que se discute a diferença a partir do direito humano do outro. Sujeitos e instituições engendram o debate em torno dos direitos humanos buscando ressignificar o sentido para além dos interesses econômicos e de desenvolvimento global. Assim, as reflexões a serem pontuadas estarão ancoradas na epistemologia dialética de Paulo Freire que oferece bases para a interpretação do desenvolvimento da consciência humana e sua relação com a realidade. O humano foi o eixo condutor da proposta freireana. Foi em nome do direito a ser mais, que Paulo Freire ancora sua discussão a partir de pressupostos filosóficos e políticos centrando-se na relação dialógica e cultural dos sujeitos. Para alguns no Brasil o sentido dos direitos humanos remete aos “direitos dos bandidos”. Falar em direitos humanos parece ser falar do direito daquele que transgride a lei e precisa ser amparado de alguma forma. Muitos autores discutem o sentido/ conceito de direitos humanos entre eles: Hannah Arendt(1979), que o faz destacando os direitos humanos não como um dado, mas um construído, uma invenção humana, em constante processo de construção e reconstrução. Refletem um construído axiológico, a partir de um espaço simbólico de luta e ação social. Para Flores(1991), os direitos humanos compõem uma racionalidade de resistência, na medida em que traduzem processos que abrem e consolidam espaços de luta pela dignidade humana. Clamam, neste sentido, uma plataforma emancipatória voltada à proteção da dignidade humana. Em Santos(2006) os direitos humanos aparecem como linguagem política progressista dos últimos anos e ficou sob suspeita quando foi colocado como “guião emancipatório”. Para ele, falar em direitos humanos é ressignificar a linguagem da emancipação, embora esta e a regulação, constituíram a tensão dialética e demarcaram os direitos humanos. Os autores citados contêm Freire e na mediação intercultural Freire contém um pouco de todos na abordagem que faz do sujeito. A partir das abordagens desenvolvidas por Freire, percebe-se que, o sujeito para entender e agir no mundo, em exercício pleno de humanidade e cidadania, deverá estar assegurado da consciência ética, político-social que envolve a sua ação. O pensamento freireano na atualidade remete-nos a compreender os direitos humanos mais que um movimento progressista ou manipulado politicamente ao longo da história, mas uma afirmativa incontestável dos homens em busca de reconhecimento e significado de estar no mundo, indubitavelmente mediado pela cultura. As discussões correntes acerca dos direitos humanos remete a afirmação de Freire(2005, p.31) ao fazer a exposição de abertura da obra Pedagogia do oprimido: “ Mais uma vez os homens desafiados pela dramaticidade da hora atual, se propõem a si mesmos como problema.(...) O problema de sua humanização, apesar de sempre haver sido, de um ponto de vista axiológico, o seu problema central assume hoje, caráter de preocupação iniludível. Para freire não se pode admitir que a desumanização é “vocação histórica dos homens”, pois se assim fosse não teria sentido haver luta por ideais de liberdade e de afirmação dos sujeitos como seres para si. Na verdade, não teríamos mais nada a fazer. A dialética da categoria inclusão encontra-se imbricada na significação do que se considera Direitos humanos. O discurso político e ideológico que envolve a inclusão faz parte do cenário e, concepções e posições imediatistas são assumidas, sob a égide de um pragmatismo corrente nas práticas pedagógicas. Aqui, ancorada ao pensamento freireano do direito de “ser mais”, considera-se pertinente o entendimento básico de inclusão ou sociedade inclusiva na compreensão de RATSKA(2001): Sociedade inclusiva é uma sociedade para todos, independente de sexo, idade, religião, origem étnica, raça, orientação sexual ou deficiência; uma sociedade não apenas aberta e acessível a todos os grupos, mas que estimula a participação; uma sociedade que acolhe e aprecia a diversidade da experiência humana; uma sociedade cuja meta principal é oferecer oportunidades iguais para todos realizarem seu potencial humano. Se há um clamor em torno dos direitos humanos, significa reconhecer a desumanização apontada por Freire como “realidade histórica” e não apenas como “viabilidade ontológica”. Para ele “humanização e desumanização dentro da história, num contexto real, concreto, objetivo, são possibilidades dos homens como seres inconclusos e conscientes de sua inconclusão”. Foi com essa perspectiva de debater a contemporaneidade e, os modos de opressão para a humanização do homem, que o II Ciclo de Estudos Freireanos em Campina Grande optou por fazê-lo de maneira que, os sujeitos participantes, a partir do pressuposto da dialogicidade pudessem dizer a sua palavra. O evento é um dos pontos culminantes dos estudos desenvolvidos no GESPAUF- Grupo de Estudos Paulo freire. Realiza-se a cada dois anos e, em 2008, teve por objetivo refletir sobre o livro Pedagogia do Oprimido na atualidade e repensar a identidade do oprimido/opressor no cotidiano educativo. Entrelaçamento discursivo: histórias de vida e a ressignificação do conceito de oprimido e opressor A metodologia desenvolvida nos círculos de cultura no II Ciclo de Estudos Paulo freire em Campina Grande assumiu formas variadas, mas a questão que permeava a organização era: Como promover didaticamente uma reflexão da obra freireana sem ser unidirecional? Após discussão verificou-se que, começar pelo o outro, seria uma maneira interessante de transitar discursivamente com o tema Pedagogia do oprimido, decidindo-se dessa maneira pelo registro autobiográfico. A escolha do registro autobiográfico justifica-se pelos pressupostos metodológicos que, considera a história de vida como uma ferramenta valiosa quando se trata de analisar a intersecção entre a vida individual e o contexto social. Portelli (1997, p.10), ao discutir importância da história oral, recursos de muitas pesquisas qualitativas, afirma que: “é a subjetividade do expositor que fornece às fontes orais o elemento precioso que nenhuma outra fonte possui em medida igual”. A história oral, “mais do que sobre eventos, fala sobre significados; nela, a aderência ao fato cede passagem à imaginação, ao simbolismo.” Ainda reafirmando a importância dos registros autobiográficos como meios significativos de trânsito entre o eu e o outro QUEIROZ (1988) coloca a história de vida no quadro amplo da história oral. Considera que toda história de vida encerra um conjunto de depoimentos e, embora tenha sido o pesquisador a escolher o tema, a formular as questões ou a esboçar um roteiro temático, é o narrador que decide o que narrar. A autora vê na história de vida uma ferramenta valiosa exatamente por se colocar justamente no ponto no qual se cruzam vida individual e contexto social. BECKER (1994) acrescenta que nela são os narradores que dão forma e conteúdo às narrativas à medida que interpretam suas próprias experiências e o mundo no qual são elas vividas. Esta forma de trabalho tinha como objetivo, fazer o entrelaçamento dos registros com duas categorias centrais da obra Pedagogia do Oprimido que incitam as questões: Quem é opressor? Quem é oprimido? Tais questões foram norteadoras para o registro autobiográfico. Os participantes do evento ao serem convidados a pensar a metodologia para discussão da obra concordaram em escrever e, depois oralmente, colocar um pouco suas histórias de vida referendando as categorias oprimido e opressor. O objetivo era mostrar a dialética entre estas categorias e perceber que os indivíduos em qualquer classe ou nível social podem transitar nas duas situações. Com bem lembra Freire(2005, p.55) “Há por outro lado, em certo momento da experiência existencial dos oprimidos, uma irresistível atração pelo opressor.(...) Participar desses padrões constitui uma incontida aspiração. Na sua alienação querem a todo custo, parecer com o opressor”. Havia também, o propósito de desconstruir um pouco a própria imagem que atualmente caracteriza a obra de Paulo Freire que é um menino trabalhador, mas ampliar para outras formas muito mais sutis de opressão em nosso contexto social. O fato de haver um discurso de superação da obra freireana, principalmente no que diz respeito ao desejo de suplantação de um modelo social por outro, era objetivo também do grupo refletir sobre a superação total, a partir do próprio convite de Freire em seus escritos quando pede para que os leitores caminhem além, a fim de superá-lo. Talvez a metáfora do parto usada para tratar da libertação tenha levado a interpretações radicais por parte de alguns. Freire(2005, p.38) afirma que a libertação é um parto doloroso. “O homem que nasce desse parto é um homem novo que só é viável na e pela superação da contradição opressores-oprimidos que é a libertação de todos.” Mas confere a idéia de trânsito, dinâmica e permanência de luta humana quando remete a um homem não mais opressor e não mais oprimido, “mas um homem libertando-se”. Com isso lembra que: Esta superação não pode dar-se, porém, em termos puramente idealistas. Se se faz indispensável aos oprimidos para a luta por libertação, que a realidade concreta de opressão já não seja para eles uma espécie de ‘mundo fechado’(em que gera o medo da liberdade) do qual não pudessem sair, mas uma situação que apenas os limita e que eles podem transformar, é fundamental então, que, ao reconheceram o limite que a realidade opressora lhes impõe, tenham, neste reconhecimento, o motor de sua ação libertadora.(IDEM, p.39) As histórias são construídas e, importante se faz, destacar que as reflexões sobre os relatos dos sujeitos como toda análise humana é parcial, limitada ante a crítica de Freire(Idem, p.41) às formas de análise que “se alonga em posições solipsistas” que nega a realidade objetiva. Por isso o cuidado de não cair num “simplismo ingênuo” que descaracteriza a subjetividade em função de “subjetivismo” e “psicologismo”. A identificação dos sujeitos das histórias escritas e orais será feita por letras. Das seis histórias que foram entregues aos coordenadores, porque foi colocado como opção entregá-la ou não, destacaram certa dificuldade em rememorar algumas situações vividas na infância. Falar de minha história de vida não é muito fácil porque dentro dela tem fatos que me marcaram profundamente e que não acho bom rememorar. Entretanto vou destacar o que serviu de pano de fundo para ser essa pessoa preocupada com as questões do mundo em que vivemos(B). São marcas que conjugam violências e carências afetivas e materiais. E que de nenhuma maneira foram exigidas dos participantes A autora (A) inicia sua história reverenciando a figura materna e sua luta pela sobrevivência. Evidencia que os seus estudos até então acontecem em instituição pública destacando a necessidade desses espaços para superação de “misérias do mundo”. Seu depoimento é revelador quando revela: Nunca fui indiferente às injustiças, e, mesmo tímida sempre procurei alguma forma de contestar e denunciar o que não condiz com a humanização. Desde pequena nunca mais me posicionei como mais uma no mundo, mas alguém que estabelece e faz micro-revoluções no campo em que atua. Tenho consciência da minha intervenção no mundo.(A) O diálogo com Freire(Idem, p. 44) é pertinente diante do depoimento quando lembra: “quanto mais as massas populares desvelam a realidade objetiva e desafiadora sobre a qual elas devem incidir sua ação transformadora, tanto mais se inserem nela criticamente” e continua afirmando que “dessa forma, estarão ativando ‘consciemment le développement ultérieur’ de suas experiências”. A história de vida de (A) prossegue com afirmações circuncritas, mesmo que inconscientemente no pensamento freireano de “ser mais”. Ao me descobrir professora e seguir a profissão até os dias atuais, entendo que o meu espaço é privilegiado, mas recheado de muitas situações de opressão. Discute-se sobre evolução tecnológica, mediação nas relações de aprendizagem, mas se avaliarrmos em alguns campos sociais, o processo de humanização do homem, veremos que em alguns aspectos estamos involuindo. O professor a meu ver tem sido esse sujeito oprimido, como também opressor. Mas não acredito que o seu tom opressor seja algo herdado e natural, mas socialmente construído. Nenhum professor a meu ver tem a consciência da dimensão que a sua opressão alcança.(A) Os docentes, inseridos nesta no discurso de valorização política e filosófica do trabalho educativo, aparecem como os que podem oferecer respostas mais concretas aos problemas do cotidiano institucional, bem como, auxiliar na construção de uma proposta identitária e coletiva para a escola. Mas, diante da desprofissionalização docente a que se vem assistindo nos últimos anos é possível afirmar que ele é um dos sujeitos que sofrem uma exclusão sofisticada. São alvo e discursos que centram o seu poder e sua importância e acabam por excluí-lo duplamente quando não oferecem condições para entender as próprias políticas de inclusão. A ausência de uma política clara sistemática para estudar e repensar os padrões de comportamento docente frente aos ditames da “inclusão”, muitas vezes tem aparecido como categoria vaga e abstrata no discurso docente. Para Arroyo(2000, p. 24): As políticas de formação e de currículo e, sobretudo, a imagem de professor (a) em que se justificam perderam essa referência ao passado, à memória, à história, como se o professor (a) fosse um cata-vento que gira à mercê da última vontade política e da última demanda tecnológica. Cada nova ideologia, nova moda econômica ou política, pedagógica e acadêmica, cada governante, gestor ou tecnocrata até de agências de financiamento se julgam no direito de nos dizer o que não somos e o que devemos ser, de definir nosso perfil, de redefinir nosso papel social, nossos saberes e competências, redefinir o currículo que nos formarão através de simples decreto. A autora (A) em consonância com o pensamento acima revela: (...)Chavões, discursos prontos no campo educacional são muito comuns, mas não sentimos ainda a concreticidade de uma educação com vistas à liberdade e emancipação do sujeito. A escola é infelizmente(ainda) desconectada do saber do outro.(A) A concreticidade referida, ansiada pela educadora e a preocupação com o saber do “outro” a aproxima de uma consciência crítica e remete a afirmação freireana(2005, p.50) sobre o sentimento do opressor em relação ao oprimido: “é que para eles, pessoa humana são apenas eles. Os outros, estes são ‘coisas’. Para eles há um só direito, o direito de viverem em paz, ante o direito de sobreviverem, que talvez nem sequer reconheçam, mas somente admitam aos oprimidos”. A humanização reduz-se a uma “coisa” que o opressor passa a ter como direito exclusivo ou “atributo herdado”. O “ter mais” nesse entendimento não é “privilégio desumanizante e inautêntico”, mas é concebido como um direito ou resultado de esforço e coragem, capacidades que os outros não têm. É na justificativa de que os outros são ‘mal agradecidos e invejosos’ que os oprimidos transformam-se em inimigos potenciais aos quais se deve sempre vigiar. Para compreender a situação concreta de opressão e dos oprimidos há que se conviver com eles, “sabendo-se também um deles” em um nível diferente de compreensão da realidade que poderá se compreender a cultura dos oprimidos e sua estrutura de dominação. É importante verificar a dualidade existencial dos oprimidos que é lembrada por Freire(idem, p.54) que, “hospedando o opressor, cuja ‘sombra’ eles ‘introjetam’, são eles e ao mesmo tempo são o outro. Nesse sentido, reside o perigo de assumir atitudes fatalista frente à realidade, o que é para o autor, fruto de uma situação histórica e social e não um traço cultural essencial do povo. Em outros depoimentos percebe-se a negação do estar/ ser autoritário como revela o de (C), como também, situações de desvelamento à opressão do ambiente educativo formal em (D): Não sei se foi o trabalho...comecei a trabalhar aos cinco anos de idade e talvez isso atrapalhe hoje a minha convivência com o outro. Aparentemente posso parecer autotitário, fechado, pouco comunicativo. Não gosto que me vejam dessa forma. (C) Graças ao meu trabalho consigo abstrair pontos positivos e negativos, como algo tivesse se desvelando e eu entendesse a realidade a partir daquele espaço e entendesse através dos relacioamentos situações de opressão, quer seja realacionadas às questões administrativas, quer nos relacionamentos aluno-aluno, aluno-professor.( D ) Embora tenha se tentado trabalhar na perspectiva dialética do entendimento de opressão e oprimido, o entendimento que fica registrado nas diversas histórias de vida que o opressor é sempre o outro, que por sua vez não sou eu. Não fica claro o entendimento que posso contemplar o opressor. O sujeito ao ser convidado a refletir sobre as situações de opressão não se compreende na dualidade se coloca antagonicamente na condição de oprimido. Freire ressalta a “insegurança vital” dos oprimidos como fragilidade constituída pelos opressores exemplificando de forma direta o que ocorre cotidiano. Inseguros na sua dualidade de seres ‘hospedeiros’ do opressor, de um lado rechaçando-o; de outro, atraídos por ele, em certo momento de confrontação entre ambos, é fácil àquele poder obter resultados positivos de sua ação divisória. Mesmo porque os oprimidos sabem, por experiência, o quanto lhes custa aceitarem o ‘convite’ que recebem para evitar que se unam entre si. A perda do emprego e o seu nome numa ‘lista negra’, que significam portas que se fecham a eles para novos empregos, são mínimo que lhes pode suceder. (idem, p.164) A obra Pedagogia do oprimido, apesar de trazer diálogos contextualizados de um dado momento histórico, em que enfatiza algumas “viradas necessárias” de tomada do poder tanto em Lênin quanto em Marx, revela-se contemporânea especialmente por retratar a ação cultural como “uma forma sistematizada e deliberada de ação que incide sobre a estrutura social, ora no sentido de mantê-la(...),ora no de transformá-la.” E Freire(idem, p.207) ainda reforça que “ a ação cultural, ou está a serviço da dominação – consciente ou inconscientemente por parte de seus agentes – ou está a serviço da libertação dos homens. A teoria da ação cultural em Freire, entendida na perspectiva de luta e conformação está diretamente ancorada à idéia de Santos(1995) quando afirma que “temos o direito de ser iguais, quando a diferença nos tornar inferiores; contudo, temos também o direito de sermos diferentes quando a igualdade nos descaracteriza.”. Nesse entendimento há possibilidades de se pensar em direitos humanos dialeticamente na dinâmica de luta e superação de desigualdades sociais de forma ampla. Assim, Freire(idem, p.210) convida a pensar as condições de “ser menos” a partir da teoria da ação dialógica e antidiálogica e propõe a síntese cultural como forma de organiza-se a fim de requer o que é humanamente humano. Para ele “na síntese cultural, não há invasores, não há modelos impostos, os atores, fazendo da realidade objeto de sua análise crítica, jamais dicotomizada, se vão inserindo no processo histórico, como sujeitos”. É nessa recursiva e, aparente obviedade política da ação cultural, que se buscou dialogar a partir das histórias de vida no Ciclo de Estudos Freireanos de 2008. Mesmo em curto tempo, percebeu-se que foi possível problematizar o agir no mundo e os modos contemporâneos de “estar” oprimido e opressor. O diálogo se efetivou não na “permissão” de fala, mas no convite aos sujeitos a entenderem-se dialeticamente no contexto da Pedagogia do oprimido a partir da sua própria história de vida. Essa condição pressupõe uma forma pertinente do que se considera inclusão. Referências: ARENDT, H. As origens do totalitarismo. São Paulo: Companhia das Letras, 1997 BECKER, H. Métodos de Pesquisa em Ciências Sociais. 2ª ed. São Paulo: Hucitec, 1994. FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 28 ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 2005. FLORES, Joaquín Herrera. Los derechos humanos como productos culturales. Crítica del humanismo abstracto. Madrid, Catarata, 2005. QUEIROZ, M.I. Relatos orais: do “indizível” ao “dizível” . In: VON SIMSON (org.) Experimentos com Histórias de Vida: Itália-Brasil. São Paulo: Vértice, 1988. PORTELLI, A. O que faz a história oral diferente. In: Cultura e Representação. São Paulo: Projeto História, no. 14. Educ, 1997. RATZKA, A. D. A história da sociedade inclusiva na Europa, in Sociedade Inclusiva, PUC Minas, Seminário Internacional. Anais, Belo Horizonte, PUC Minas, 2001, p. 21. SANTOS, Boaventura de Souza. S. Direitos Humanos em debate. Entrevista. Disponível em: http:/ / www.dhnet.org.br/ direitos/ militantes/ boaventura/ boaventura_e.html. Acesso em: dezembro de 2008. _________________. Pela mão de Alice: o social e o político na pós-Modernidade. São Paulo: Cortez, 1995. Anexo Um pouco da História do GEPAUF – Grupo de Estudos Paulo Freire O Grupo de Estudos Paulo Freire – GESPAUF constitui-se de profissionais de diversas áreas, comprometidos com o estudo da obra freireana e o estabelecimento de relações com as suas práticas, refletindo no processo educativo. O Grupo surgiu em maio de 2005, na perspectiva e no desejo de despertar para o trabalho social voltado para a melhoria da compreensão da pedagogia libertadora através das relações entre educadores e educandos e para possibilitar o desvelamento da realidade para a transformação da sociedade, além de favorecer o criar e o recriar da prática educativa. A atuação de seus membros ocorre tanto no âmbito das escolas públicas nos distintos níveis de ensino, como junto às equipes de gestão administrativa, além de ser composto por educadores/as envolvidos em diversas causas sociais. O encontro com as idéias de Paulo Freire tem marcado a todos/ as, fundamentalmente pelo reconhecimento de seu valor pedagógico e filosófico, mas também pelo caráter humanitário e transformador, sendo que sua obra extrapola o campo educacional e se estende por vários níveis do conhecimento humano. Uma das razões que estimula os membros do GESPAUF é o crédito que todos dão à educação como forma de intervenção no mundo; assim como, pela intervenção política centrada na transformação da sociedade e pela amplitude de possibilidades de compreensão das dimensões humanas. Por outro lado, o estabelecimento de relações com a FURNE-Fundação Universidade do Nordeste, tem gerado um espaço para ampla atuação com o desenvolvimento de múltiplas ações educativas e reflexivas, propiciando o crescimento pessoal, profissional e de atuação comunitária que favorece o envolvimento dos educadores/ as e profissionais em distintos projetos e demais atividades. No tocante ao conjunto das ações desenvolvidas pelo GESPAUF, constata-se que além das leituras e discussões sobre as obras de Paulo Freire, ocorrem participações em encontros, seminários, simpósios, exposições, bem como, discussões sobre questões do cotidiano relacionadas às práticas educativas e o estabelecimento de relações mais humanas e de amizade que são sadias para o desenvolvimento do companheirismo. Pode-se afirmar que, o papel do grupo no processo educativo, implica na organicidade, na participação e na solidariedade, como agentes de mudanças, que desenvolvem senso de responsabilidade sócio-profissional. This document was created with Win2PDF available at http://www.win2pdf.com. The unregistered version of Win2PDF is for evaluation or non-commercial use only. This page will not be added after purchasing Win2PDF.