APREN DER A DIZER SUA PALAVRA E O DIREITO DE SER MAIS: HISTÓRIAS
DE VIDA EM DIÁLOGO COM PAULO FREIRE
Ângela Cristina Alves Albino
RESUMO
Pensar em direitos humanos e inclusão no campo educacional é convocar o pensamento
freireano. Nessa direção, o presente estudo abordará algumas categorias analisadas por Freire
que, neste particular, evidenciam os grandes dilemas identitários que envolvem o homemmundo na perspectiva de luta e resistência política frente às limitações do cotidiano social. O
texto base de análise será Pedagogia do Oprimido por sua atualidade frente às sucintas formas
de exclusão social e, por sua vez, às limitações no campo do direito e da participação cidadã.
Assim, o objetivo da análise centra-se em dialogar com Freire a partir dos sentidos atribuídos
aos direitos humanos, ou direito de “ser mais”. Par isso, foram feitos recortes de registros
autobiográficos de docentes do II Ciclo de Estudos Paulo Freire, evento realizado em 2008.
Será referendada no campo metodológico de análise, a importância da história de vida como
modo de uma ferramenta valiosa quando se trata de analisar a intersecção entre a vida
individual e o contexto social, como também de se constituir uma possibilidade didática para
prática de educação inclusiva.
Palavras chave: Direitos humanos – Opressão – Oprimido – História de vida
RÉSUMÉ
Réflexion sur les droits de l'homme et de l'inclusion dans le domaine de l'éducation est la
pensée de Freire appel.En ce sens, cette étude permettra de répondre à certaines catégories
analysées par Freire, en particulier, mettre en évidence les principaux dilemmes de l'identité de
l'homme du monde du point de vue de la résistance politique et de la lutte contre les limites de
la société de tous les jours. Le texte est une analyse basée sur la pédagogie des opprimés, sur sa
face avant aujourd'hui pour informer les formes d'exclusion sociale et, en retour, des limitations
dans le domaine du droit et de la participation des citoyens. L'objectif de l'analyse se concentre
sur le dialogue avec Freire de la signification attribuée aux droits de l'homme, ou le droit d'être
"plus". Pair cela, ont été coupés à partir de documents autobiographiques des enseignants du
deuxième cycle des études de Paulo Freire, un événement qui s'est tenu en 2008. Seront
référencés dans la méthodologie de l'analyse, l'importance de l'histoire de vie comme un moyen
d'un outil précieux quand il s'agit de l'examen de l'intersection entre la vie individuelle et le
contexte social, mais aussi de l'occasion pour la pratique de l'enseignement de l'éducation
inclusive.
Muscles: Droits de l'homme - Oppression - Oppressed - Histoire de la vie
APREN DER A DIZER SUA PALAVRA E O DIREITO DE SER MAIS: HISTÓRIAS
DE VIDA EM DIÁLOGO COM PAULO FREIRE
“A desumanização mesmo que um fato concreto
na história não é, porém, destino dado, mas
resultado de uma “ordem” injusta que gera
violência dos opressores e esta, o ser menos”.
Paulo Freire(2005, p.32).
A atuação política cidadã de Paulo Freire constitui referência importante no debate
contemporâneo em que se discute a diferença a partir do direito humano do outro. Sujeitos e
instituições engendram o debate em torno dos direitos humanos buscando ressignificar o
sentido para além dos interesses econômicos e de desenvolvimento global. Assim, as reflexões
a serem pontuadas estarão ancoradas na epistemologia dialética de Paulo Freire que oferece
bases para a interpretação do desenvolvimento da consciência humana e sua relação com a
realidade.
O humano foi o eixo condutor da proposta freireana. Foi em nome do direito a ser
mais, que Paulo Freire ancora sua discussão a partir de pressupostos filosóficos e políticos
centrando-se na relação dialógica e cultural dos sujeitos.
Para alguns no Brasil o sentido dos direitos humanos remete aos “direitos dos
bandidos”. Falar em direitos humanos parece ser falar do direito daquele que transgride a lei e
precisa ser amparado de alguma forma.
Muitos autores discutem o sentido/ conceito de direitos humanos entre eles: Hannah
Arendt(1979), que o faz destacando os direitos humanos não como um dado, mas um
construído, uma invenção humana, em constante processo de construção e reconstrução.
Refletem um construído axiológico, a partir de um espaço simbólico de luta e ação social.
Para Flores(1991), os direitos humanos compõem uma racionalidade de resistência, na
medida em que traduzem processos que abrem e consolidam espaços de luta pela dignidade
humana. Clamam, neste sentido, uma plataforma emancipatória voltada à proteção da
dignidade humana.
Em Santos(2006) os direitos humanos aparecem como linguagem política progressista
dos últimos anos e ficou sob suspeita quando foi colocado como “guião emancipatório”. Para
ele, falar em direitos humanos é ressignificar a linguagem da emancipação, embora esta e a
regulação, constituíram a tensão dialética e demarcaram os direitos humanos.
Os autores citados contêm Freire e na mediação intercultural Freire contém um pouco
de todos na abordagem que faz do sujeito.
A partir das abordagens desenvolvidas por Freire, percebe-se que, o sujeito para
entender e agir no mundo, em exercício pleno de humanidade e cidadania, deverá estar
assegurado da consciência ética, político-social que envolve a sua ação. O pensamento
freireano na atualidade remete-nos a compreender os direitos humanos mais que um
movimento progressista ou manipulado politicamente ao longo da história, mas uma afirmativa
incontestável dos homens em busca de reconhecimento e significado de estar no mundo,
indubitavelmente mediado pela cultura.
As discussões correntes acerca dos direitos humanos remete a afirmação de
Freire(2005, p.31) ao fazer a exposição de abertura da obra Pedagogia do oprimido: “
Mais uma vez os homens desafiados pela dramaticidade da hora atual, se propõem a si mesmos
como problema.(...) O problema de sua humanização, apesar de sempre haver sido, de um
ponto de vista axiológico, o seu problema central assume hoje, caráter de preocupação
iniludível.
Para freire não se pode admitir que a desumanização é “vocação histórica dos
homens”, pois se assim fosse não teria sentido haver luta por ideais de liberdade e de afirmação
dos sujeitos como seres para si. Na verdade, não teríamos mais nada a fazer.
A dialética da categoria inclusão encontra-se imbricada na significação do que se
considera Direitos humanos. O discurso político e ideológico que envolve a inclusão faz parte
do cenário e, concepções e posições imediatistas são assumidas, sob a égide de um
pragmatismo corrente nas práticas pedagógicas. Aqui, ancorada ao pensamento freireano do
direito de “ser mais”, considera-se pertinente o entendimento básico de inclusão ou sociedade
inclusiva na compreensão de RATSKA(2001):
Sociedade inclusiva é uma sociedade para todos, independente de sexo, idade, religião, origem
étnica, raça, orientação sexual ou deficiência; uma sociedade não apenas aberta e acessível a
todos os grupos, mas que estimula a participação; uma sociedade que acolhe e aprecia a
diversidade da experiência humana; uma sociedade cuja meta principal é oferecer
oportunidades iguais para todos realizarem seu potencial humano.
Se há um clamor em torno dos direitos humanos, significa reconhecer a desumanização
apontada por Freire como “realidade histórica” e não apenas como “viabilidade ontológica”.
Para ele “humanização e desumanização dentro da história, num contexto real, concreto,
objetivo, são possibilidades dos homens como seres inconclusos e conscientes de sua
inconclusão”. Foi com essa perspectiva de debater a contemporaneidade e, os modos de
opressão para a humanização do homem, que o II Ciclo de Estudos Freireanos em Campina
Grande optou por fazê-lo de maneira que, os sujeitos participantes, a partir do pressuposto da
dialogicidade pudessem dizer a sua palavra. O evento é um dos pontos culminantes dos
estudos desenvolvidos no GESPAUF- Grupo de Estudos Paulo freire. Realiza-se a cada dois
anos e, em 2008, teve por objetivo refletir sobre o livro Pedagogia do Oprimido na atualidade
e repensar a identidade do oprimido/opressor no cotidiano educativo.
Entrelaçamento discursivo: histórias de vida e a ressignificação do conceito de
oprimido e opressor
A metodologia desenvolvida nos círculos de cultura no II Ciclo de Estudos Paulo freire
em Campina Grande assumiu formas variadas, mas a questão que permeava a organização era:
Como promover didaticamente uma reflexão da obra freireana sem ser unidirecional? Após
discussão verificou-se que, começar pelo o outro, seria uma maneira interessante de transitar
discursivamente com o tema Pedagogia do oprimido, decidindo-se dessa maneira pelo registro
autobiográfico.
A escolha do registro autobiográfico justifica-se pelos pressupostos metodológicos que,
considera a história de vida como uma ferramenta valiosa quando se trata de analisar a
intersecção entre a vida individual e o contexto social. Portelli (1997, p.10), ao discutir
importância da história oral, recursos de muitas pesquisas qualitativas, afirma que: “é a
subjetividade do expositor que fornece às fontes orais o elemento precioso que nenhuma outra
fonte possui em medida igual”. A história oral, “mais do que sobre eventos, fala sobre
significados; nela, a aderência ao fato cede passagem à imaginação, ao simbolismo.”
Ainda reafirmando a importância dos registros autobiográficos como meios
significativos de trânsito entre o eu e o outro QUEIROZ (1988) coloca a história de vida no
quadro amplo da história oral. Considera que toda história de vida encerra um conjunto de
depoimentos e, embora tenha sido o pesquisador a escolher o tema, a formular as questões ou
a esboçar um roteiro temático, é o narrador que decide o que narrar. A autora vê na história de
vida uma ferramenta valiosa exatamente por se colocar justamente no ponto no qual se cruzam
vida individual e contexto social. BECKER (1994) acrescenta que nela são os narradores que
dão forma e conteúdo às narrativas à medida que interpretam suas próprias experiências e o
mundo no qual são elas vividas.
Esta forma de trabalho tinha como objetivo, fazer o entrelaçamento dos registros
com duas categorias centrais da obra Pedagogia do Oprimido que incitam as questões: Quem é
opressor? Quem é oprimido? Tais questões foram norteadoras para o registro autobiográfico.
Os participantes do evento ao serem convidados a pensar a metodologia para discussão
da obra concordaram em escrever e, depois oralmente, colocar um pouco suas histórias de vida
referendando as categorias oprimido e opressor. O objetivo era mostrar a dialética entre estas
categorias e perceber que os indivíduos em qualquer classe ou nível social podem transitar nas
duas situações. Com bem lembra Freire(2005, p.55) “Há por outro lado, em certo momento da
experiência existencial dos oprimidos, uma irresistível atração pelo opressor.(...) Participar
desses padrões constitui uma incontida aspiração. Na sua alienação querem a todo custo,
parecer com o opressor”. Havia também, o propósito de desconstruir um pouco a própria
imagem que atualmente caracteriza a obra de Paulo Freire que é um menino trabalhador, mas
ampliar para outras formas muito mais sutis de opressão em nosso contexto social.
O fato de haver um discurso de superação da obra freireana, principalmente no que diz
respeito ao desejo de suplantação de um modelo social por outro, era objetivo também do
grupo refletir sobre a superação total, a partir do próprio convite de Freire em seus escritos
quando pede para que os leitores caminhem além, a fim de superá-lo.
Talvez a metáfora do parto usada para tratar da libertação tenha levado a
interpretações radicais por parte de alguns. Freire(2005, p.38) afirma que a libertação é um
parto doloroso. “O homem que nasce desse parto é um homem novo que só é viável na e pela
superação da contradição opressores-oprimidos que é a libertação de todos.” Mas confere a
idéia de trânsito, dinâmica e permanência de luta humana quando remete a um homem não
mais opressor e não mais oprimido, “mas um homem libertando-se”. Com isso lembra que:
Esta superação não pode dar-se, porém, em termos puramente
idealistas. Se se faz indispensável aos oprimidos para a luta por
libertação, que a realidade concreta de opressão já não seja para eles
uma espécie de ‘mundo fechado’(em que gera o medo da liberdade)
do qual não pudessem sair, mas uma situação que apenas os limita e
que eles podem transformar, é fundamental então, que, ao
reconheceram o limite que a realidade opressora lhes impõe, tenham,
neste reconhecimento, o motor de sua ação libertadora.(IDEM, p.39)
As histórias são construídas e, importante se faz, destacar que as reflexões sobre os
relatos dos sujeitos como toda análise humana é parcial, limitada ante a crítica de Freire(Idem,
p.41) às formas de análise que “se alonga em posições solipsistas” que nega a realidade objetiva.
Por isso o cuidado de não cair num “simplismo ingênuo” que descaracteriza a subjetividade em
função de “subjetivismo” e “psicologismo”.
A identificação dos sujeitos das histórias escritas e orais será feita por letras. Das seis
histórias que foram entregues aos coordenadores, porque foi colocado como opção entregá-la
ou não, destacaram certa dificuldade em rememorar algumas situações vividas na infância.
Falar de minha história de vida não é muito fácil porque dentro dela
tem fatos que me marcaram profundamente e que não acho bom
rememorar. Entretanto vou destacar o que serviu de pano de fundo
para ser essa pessoa preocupada com as questões do mundo em que
vivemos(B).
São marcas que conjugam violências e carências afetivas e materiais. E que de nenhuma
maneira foram exigidas dos participantes
A autora (A) inicia sua história reverenciando a figura materna e sua luta pela
sobrevivência. Evidencia que os seus estudos até então acontecem em instituição pública
destacando a necessidade desses espaços para superação de “misérias do mundo”. Seu
depoimento é revelador quando revela:
Nunca fui indiferente às injustiças, e, mesmo tímida sempre procurei
alguma forma de contestar e denunciar o que não condiz com a
humanização. Desde pequena nunca mais me posicionei como mais
uma no mundo, mas alguém que estabelece e faz micro-revoluções no
campo em que atua. Tenho consciência da minha intervenção no
mundo.(A)
O diálogo com Freire(Idem, p. 44) é pertinente diante do depoimento quando lembra:
“quanto mais as massas populares desvelam a realidade objetiva e desafiadora sobre a qual elas
devem incidir sua ação transformadora, tanto mais se inserem nela criticamente” e continua
afirmando que “dessa forma, estarão ativando ‘consciemment le développement ultérieur’ de
suas experiências”.
A história de vida de (A) prossegue com afirmações circuncritas, mesmo que
inconscientemente no pensamento freireano de “ser mais”.
Ao me descobrir professora e seguir a profissão até os dias atuais,
entendo que o meu espaço é privilegiado, mas recheado de muitas
situações de opressão. Discute-se sobre evolução tecnológica,
mediação nas relações de aprendizagem, mas se avaliarrmos em
alguns campos sociais, o processo de humanização do homem,
veremos que em alguns aspectos estamos involuindo. O professor a
meu ver tem sido esse sujeito oprimido, como também opressor. Mas
não acredito que o seu tom opressor seja algo herdado e natural, mas
socialmente construído. Nenhum professor a meu ver tem a
consciência da dimensão que a sua opressão alcança.(A)
Os docentes, inseridos nesta no discurso de valorização política e filosófica do trabalho
educativo, aparecem como os que podem oferecer respostas mais concretas aos problemas do
cotidiano institucional, bem como, auxiliar na construção de uma proposta identitária e coletiva
para a escola. Mas, diante da desprofissionalização docente a que se vem assistindo nos últimos
anos é possível afirmar que ele é um dos sujeitos que sofrem uma exclusão sofisticada. São alvo
e discursos que centram o seu poder e sua importância e acabam por excluí-lo duplamente
quando não oferecem condições para entender as próprias políticas de inclusão.
A ausência de uma política clara sistemática para estudar e repensar os padrões de
comportamento docente frente aos ditames da “inclusão”, muitas vezes tem aparecido como
categoria vaga e abstrata no discurso docente. Para Arroyo(2000, p. 24):
As políticas de formação e de currículo e, sobretudo, a imagem de professor (a) em que se
justificam perderam essa referência ao passado, à memória, à história, como se o professor (a)
fosse um cata-vento que gira à mercê da última vontade política e da última demanda
tecnológica. Cada nova ideologia, nova moda econômica ou política, pedagógica e acadêmica,
cada governante, gestor ou tecnocrata até de agências de financiamento se julgam no direito de
nos dizer o que não somos e o que devemos ser, de definir nosso perfil, de redefinir nosso
papel social, nossos saberes e competências, redefinir o currículo que nos formarão através de
simples decreto.
A autora (A) em consonância com o pensamento acima revela:
(...)Chavões, discursos prontos no campo educacional são muito comuns, mas não sentimos
ainda a concreticidade de uma educação com vistas à liberdade e emancipação do sujeito. A
escola é infelizmente(ainda) desconectada do saber do outro.(A)
A concreticidade referida, ansiada pela educadora e a preocupação com o saber do
“outro” a aproxima de uma consciência crítica e remete a afirmação freireana(2005, p.50) sobre
o sentimento do opressor em relação ao oprimido: “é que para eles, pessoa humana são apenas
eles. Os outros, estes são ‘coisas’. Para eles há um só direito, o direito de viverem em paz, ante
o direito de sobreviverem, que talvez nem sequer reconheçam, mas somente admitam aos
oprimidos”.
A humanização reduz-se a uma “coisa” que o opressor passa a ter como direito
exclusivo ou “atributo herdado”. O “ter mais” nesse entendimento não é “privilégio
desumanizante e inautêntico”, mas é concebido como um direito ou resultado de esforço e
coragem, capacidades que os outros não têm. É na justificativa de que os outros são ‘mal
agradecidos e invejosos’ que os oprimidos transformam-se em inimigos potenciais aos quais se
deve sempre vigiar.
Para compreender a situação concreta de opressão e dos oprimidos há que se conviver
com eles, “sabendo-se também um deles” em um nível diferente de compreensão da realidade
que poderá se compreender a cultura dos oprimidos e sua estrutura de dominação. É
importante verificar a dualidade existencial dos oprimidos que é lembrada por Freire(idem,
p.54) que, “hospedando o opressor, cuja ‘sombra’ eles ‘introjetam’, são eles e ao mesmo tempo
são o outro. Nesse sentido, reside o perigo de assumir atitudes fatalista frente à realidade, o que
é para o autor, fruto de uma situação histórica e social e não um traço cultural essencial do
povo.
Em outros depoimentos percebe-se a negação do estar/ ser autoritário como revela o
de (C), como também, situações de desvelamento à opressão do ambiente educativo formal em
(D):
Não sei se foi o trabalho...comecei a trabalhar aos cinco anos de idade
e talvez isso atrapalhe hoje a minha convivência com o outro.
Aparentemente posso parecer autotitário, fechado, pouco
comunicativo. Não gosto que me vejam dessa forma. (C)
Graças ao meu trabalho consigo abstrair pontos positivos e negativos,
como algo tivesse se desvelando e eu entendesse a realidade a partir
daquele espaço e entendesse através dos relacioamentos situações de
opressão, quer seja realacionadas às questões administrativas, quer
nos relacionamentos aluno-aluno, aluno-professor.( D )
Embora tenha se tentado trabalhar na perspectiva dialética do entendimento de
opressão e oprimido, o entendimento que fica registrado nas diversas histórias de vida que o
opressor é sempre o outro, que por sua vez não sou eu. Não fica claro o entendimento que
posso contemplar o opressor. O sujeito ao ser convidado a refletir sobre as situações de
opressão não se compreende na dualidade se coloca antagonicamente na condição de oprimido.
Freire ressalta a “insegurança vital” dos oprimidos como fragilidade constituída pelos
opressores exemplificando de forma direta o que ocorre cotidiano.
Inseguros na sua dualidade de seres ‘hospedeiros’ do opressor, de um
lado rechaçando-o; de outro, atraídos por ele, em certo momento de
confrontação entre ambos, é fácil àquele poder obter resultados
positivos de sua ação divisória. Mesmo porque os oprimidos sabem,
por experiência, o quanto lhes custa aceitarem o ‘convite’ que
recebem para evitar que se unam entre si. A perda do emprego e o
seu nome numa ‘lista negra’, que significam portas que se fecham a
eles para novos empregos, são mínimo que lhes pode suceder. (idem,
p.164)
A obra Pedagogia do oprimido, apesar de trazer diálogos contextualizados de um dado
momento histórico, em que enfatiza algumas “viradas necessárias” de tomada do poder tanto
em Lênin quanto em Marx, revela-se contemporânea especialmente por retratar a ação cultural
como “uma forma sistematizada e deliberada de ação que incide sobre a estrutura social, ora no
sentido de mantê-la(...),ora no de transformá-la.” E Freire(idem, p.207) ainda reforça que “ a
ação cultural, ou está a serviço da dominação – consciente ou inconscientemente por parte de
seus agentes – ou está a serviço da libertação dos homens.
A teoria da ação cultural em Freire, entendida na perspectiva de luta e conformação
está diretamente ancorada à idéia de Santos(1995) quando afirma que “temos o direito de ser
iguais, quando a diferença nos tornar inferiores; contudo, temos também o direito de sermos
diferentes quando a igualdade nos descaracteriza.”. Nesse entendimento há possibilidades de se
pensar em direitos humanos dialeticamente na dinâmica de luta e superação de desigualdades
sociais de forma ampla.
Assim, Freire(idem, p.210) convida a pensar as condições de “ser menos” a partir da
teoria da ação dialógica e antidiálogica e propõe a síntese cultural como forma de organiza-se a
fim de requer o que é humanamente humano. Para ele “na síntese cultural, não há invasores,
não há modelos impostos, os atores, fazendo da realidade objeto de sua análise crítica, jamais
dicotomizada, se vão inserindo no processo histórico, como sujeitos”.
É nessa recursiva e, aparente obviedade política da ação cultural, que se buscou
dialogar a partir das histórias de vida no Ciclo de Estudos Freireanos de 2008. Mesmo em curto
tempo, percebeu-se que foi possível problematizar o agir no mundo e os modos
contemporâneos de “estar” oprimido e opressor. O diálogo se efetivou não na “permissão” de
fala, mas no convite aos sujeitos a entenderem-se dialeticamente no contexto da Pedagogia do
oprimido a partir da sua própria história de vida. Essa condição pressupõe uma forma
pertinente do que se considera inclusão.
Referências:
ARENDT, H. As origens do totalitarismo. São Paulo: Companhia das Letras, 1997
BECKER, H. Métodos de Pesquisa em Ciências Sociais. 2ª ed. São Paulo: Hucitec, 1994.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 28 ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 2005.
FLORES, Joaquín Herrera. Los derechos humanos como productos culturales. Crítica del
humanismo abstracto. Madrid, Catarata, 2005.
QUEIROZ, M.I. Relatos orais: do “indizível” ao “dizível” . In: VON SIMSON (org.)
Experimentos com Histórias de Vida: Itália-Brasil. São Paulo: Vértice, 1988.
PORTELLI, A. O que faz a história oral diferente. In: Cultura e Representação. São Paulo:
Projeto História, no. 14. Educ, 1997.
RATZKA, A. D. A história da sociedade inclusiva na Europa, in Sociedade Inclusiva, PUC
Minas, Seminário Internacional. Anais, Belo Horizonte, PUC Minas, 2001, p. 21.
SANTOS, Boaventura de Souza. S. Direitos Humanos em debate. Entrevista. Disponível em:
http:/ / www.dhnet.org.br/ direitos/ militantes/ boaventura/ boaventura_e.html. Acesso em:
dezembro de 2008.
_________________. Pela mão de Alice: o social e o político na pós-Modernidade. São
Paulo: Cortez, 1995.
Anexo
Um pouco da História do GEPAUF – Grupo de Estudos Paulo Freire
O Grupo de Estudos Paulo Freire – GESPAUF constitui-se de profissionais de
diversas áreas, comprometidos com o estudo da obra freireana e o estabelecimento de relações
com as suas práticas, refletindo no processo educativo.
O Grupo surgiu em maio de 2005, na perspectiva e no desejo de despertar para o
trabalho social voltado para a melhoria da compreensão da pedagogia libertadora através das
relações entre educadores e educandos e para possibilitar o desvelamento da realidade para a
transformação da sociedade, além de favorecer o criar e o recriar da prática educativa.
A atuação de seus membros ocorre tanto no âmbito das escolas públicas nos distintos
níveis de ensino, como junto às equipes de gestão administrativa, além de ser composto por
educadores/as envolvidos em diversas causas sociais.
O encontro com as idéias de Paulo Freire tem marcado a todos/ as, fundamentalmente
pelo reconhecimento de seu valor pedagógico e filosófico, mas também pelo caráter
humanitário e transformador, sendo que sua obra extrapola o campo educacional e se estende
por vários níveis do conhecimento humano.
Uma das razões que estimula os membros do GESPAUF é o crédito que todos dão à
educação como forma de intervenção no mundo; assim como, pela intervenção política
centrada na transformação da sociedade e pela amplitude de possibilidades de compreensão das
dimensões humanas.
Por outro lado, o estabelecimento de relações com a FURNE-Fundação Universidade
do Nordeste, tem gerado um espaço para ampla atuação com o desenvolvimento de múltiplas
ações educativas e reflexivas, propiciando o crescimento pessoal, profissional e de atuação
comunitária que favorece o envolvimento dos educadores/ as e profissionais em distintos
projetos e demais atividades.
No tocante ao conjunto das ações desenvolvidas pelo GESPAUF, constata-se que além
das leituras e discussões sobre as obras de Paulo Freire, ocorrem participações em encontros,
seminários, simpósios, exposições, bem como, discussões sobre questões do cotidiano
relacionadas às práticas educativas e o estabelecimento de relações mais humanas e de amizade
que são sadias para o desenvolvimento do companheirismo.
Pode-se afirmar que, o papel do grupo no processo educativo, implica na organicidade,
na participação e na solidariedade, como agentes de mudanças, que desenvolvem senso de
responsabilidade sócio-profissional.
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