Pró-Reitoria de Graduação Curso de Direito Trabalho de Conclusão de Curso O APROVEITAMENTO HIDRELÉTRICO BELO MONTE À LUZ DO DIREITO AMBIENTAL Autora: Graziella Moura Santos Orientadora: Prof.ª Dr.ª Ana Maria Benavides Kotlinski GRAZIELLA MOURA SANTOS Taguatinga - DF 2010 GRAZIELLA MOURA SANTOS O APROVEITAMENTO HIDRELÉTRICO BELO MONTE À LUZ DO DIREITO AMBIENTAL Monografia apresentada ao curso de graduação em Direito da Universidade Católica de Brasília, como requisito parcial para obtenção do Título de Bacharel em Direito. Orientadora: Prof.ª Benavides Kotlinski Taguatinga 2010 Dr.ª Ana Maria Monografia de autoria de Graziella Moura Santos, intitulada “O Aproveitamento Hidrelétrico Belo Monte à Luz do Direito Ambiental”, apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito da Universidade Católica de Brasília, em ___ de ______________ de 2010, defendida e aprovada pela banca examinadora abaixo assinada: ___________________________________________________ Presidente: Prof.ª Dr.ª Ana Maria Benavides Kotlinski Orientadora Direito - UCB ___________________________________________________ Prof. Direito - UCB ___________________________________________________ Prof. Direito - UCB Taguatinga 2010 À minha mãe, Socorro, que moldou o meu caráter, conduziu-me pelo melhor caminho e abriu mão de seus sonhos para que eu chegasse até aqui. “O amor de uma mãe não contempla o impossível.” Paddock AGRADECIMENTOS O caminho para a conclusão de uma monografia é árduo, porém prazeroso, edificante e indiscutivelmente gratificante. Diante disso, não poderia deixar de agradecer a todos aqueles que de alguma forma me auxiliaram no decorrer desse projeto, seja por meio de uma palavra amiga, de um artigo que leu no jornal ou na internet, de um livro emprestado, do debate sobre o tema ou por simplesmente existir na minha vida e fazer parte dela em todos os momentos, inclusive no decorrer desses cinco anos de graduação. De início, agradeço a Deus, porque dele, por Ele e para Ele são todas as coisas. Esse Ser Supremo, com seu magnífico e imenso amor, já sabia de todos os planos da minha vida antes mesmo que eu existisse. Renovo, aqui, a minha gratidão por mais essa vitória alcançada e por todas as bênçãos que tem derramado sobre a minha vida. Agradeço à minha madrinha Ana e ao meu padrinho Pedro (in memorian), por tudo o que contribuíram para que eu chegasse até aqui. Agradeço, também, à Paulinha e ao Léo, irmãos de coração! Agradeço aos meus irmãos, Renderson, Anderson, Thaís e Gustavo. Quatro pessoas extremamente diferentes e igualmente amadas por mim. Às minhas primas Amanda, Gizelda e Ysla Kelly, por estarem presentes em todos os momentos. Não poderia deixar de agradecer aos professores da Universidade Católica de Brasília, diretos contribuintes da troca de conhecimentos e do meu crescimento durante o curso de Direito, em especial: à professora Karla Faiad, a quem respeito e admiro por sua vasta sabedoria; ao professor Praxedes, com quem presenciei grande compromisso com a educação; ao professor Fabrício Dias, que, apesar de não fazer mais parte do quadro da universidade, em muito contribuiu para o meu aprendizado; ao professor Paulo Bosco, por me fazer pensar além do Direito como ciência; ao professor Daniel Scott, pelos seus conhecimentos, responsabilidade e bom senso; ao professor Prudente, pela boa vontade e disposição, pois mesmo nunca tendo sido meu professor, me forneceu material basilar para a construção da presente pesquisa; ao professor Flores, pelo carinho e larga experiência; aos professores do Núcleo de Prática Jurídica, dentre os quais destaco o professor Arimatéia, imensamente querido e compromissado em tudo o que faz; os professores Alexandre, Gleyce e Álcio, pelo exemplo de dedicação e cuidado; e, aos funcionários das secretarias do Curso e Direito e do NPJ/UCB, Gedida e Lucas, pela atenção dispensada. Ainda sobre os professores, quero elevar minha sincera gratidão àquela que escolhi para ser minha orientadora: Ana Maria Benavides Kotlinski, exemplo de dedicação, inteligência e compromisso, a qual me aceitou como sua orientanda com um lindo sorriso no rosto, do qual nunca esquecerei. Cada encontro aos sábados pela manhã me foi fundamental no decorrer da realização desse processo. Quero agradecer, de igual forma, aos meus amigos de infância e integrantes do “quarteto fantástico”: Cristina, Edlene e Betinho, presenças constantes em minha vida. Por vocês sinto amor fraternal. Obrigada pela amizade sincera e por alegrarem a minha vida! Agradeço, ainda, às amigas Luciana, Rejane, Kalilah, Graciella e Marília pelas demonstrações de carinho e preocupação no decorrer desse projeto. Ao meu chefe, Edson, minha eterna gratidão. Obrigada por me permitir conciliar o horário de trabalho com a faculdade. Devo, também, um agradecimento especial aos meus colegas de sala. Muitos deles se tornaram amigos durante essa caminhada. São eles: Aline Barros (arquétipo de serenidade); Cris (exemplo de discrição e determinação); Daiane (sapiente para além de sua faixa etária); Darcy (sempre sorridente); Dayana (parceira de NPJ, demasiadamente inteligente); Deborah (exemplo de garra); Domingos (querido! Uma pena não termos estudado juntos neste último semestre); Eli (modelo de responsabilidade); Gabriel (sempre destemido); Gisele (a eterna “cabelinho”); Jediael (a doçura e a prestatividade em pessoa); Leide (amiga confidente); Rayak (companheira das horas boas e ruins. Obrigada por todo o apoio, principalmente neste último semestre); Sheila (parceira em admiração pelo Direito Ambiental) e Valéria (baiana do meu coração!). Ama-se mais o que se conquista com esforço. Benjamin Disraeli RESUMO SANTOS, Graziella Moura. O Aproveitamento Hidrelétrico Belo Monte à luz do Direito Ambiental. 2010. 115f. Trabalho de conclusão de curso (Graduação). Faculdade de Direito, Universidade Católica de Brasília, Taguatinga, 2010. A presente pesquisa trata do Aproveitamento Hidrelétrico Belo Monte à luz do Direito Ambiental. Trata-se do projeto de construção de uma usina hidrelétrica no bioma amazônico, mais especificamente na Volta Grande do Xingu, há aproximadamente quarenta quilômetros da cidade de Altamira, no estado do Pará. Parte-se da perspectiva histórica do Direito Ambiental, bem como de seus princípios norteadores, em especial, o princípio da precaução, perpassando-se, ainda, pelo processo de licenciamento ambiental. O estudo consiste na análise das posições divergentes acerca da questão, compreendendo o exame dos documentos representativos do versado contra-senso, a saber: Relatório de Impacto Ambiental, representando a posição favorável ao projeto; e Painel de Especialistas e Parecer do Ministério Público Federal, representando a posição contrária. Para tanto, enfatizamse artigos da CF/88; da Lei nº 6.938/81, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente; Resoluções do Conselho Nacional do Meio Ambiente, além de decisões judiciais relevantes. Palavras-chave: Usina Hidrelétrica. Bioma Amazônico. Licenciamento Ambiental. Rima. Princípio da Precaução. Terras Indígenas. ABSTRACT SANTOS, Graziella Moura. The Belo Monte Hydroelectric Development in the light of environmental law. 2010. 115f. Completion of course work (undergraduate) Faculty of Law, Catholic University of Brasilia, Wansbeck, 2010. This research deals with the Belo Monte Hydroelectric Development in the light of environmental law. This is the project of building a hydroelectric dam in Amazon, specifically the Big Bend of the Xingu, there are about forty miles from the town of Altamira in the state of Para is part of the historical perspective of environmental law as well as its guiding principles, in particular, the precautionary principle, passing up even for the licensing process. The study analyzed the different positions on the issue, including the examination of documents representing the learned nonsense, namely: Environmental Impact Report, representing the position in favor of the project; and the Panel of Experts and opinion of the Federal Public Ministry, representing the contrary position. To this end, emphasis is placed articles CF/88; of Law No. 6.938/81, which deals with the National Environmental Policy, Resolutions of the National Council on the Environment, and relevant judicial decisions. Keywords: Hydroelectric Plant. Amazon Biome. Indigenous Lands. Environmental Licensing. Rima. the Precautionary Principle. SUMÁRIO INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 12 CAPÍTULO 1 - O DIREITO AMBIENTAL BRASILEIRO........................................... 16 1.1 HISTÓRICO DO DIREITO AMBIENTAL ............................................................. 16 1.1.1 O Direito Ambiental na fase colonial ............................................................ 16 1.1.2 O Direito Ambiental na fase imperial ............................................................ 20 1.1.3 O Direito Ambiental na fase republicana...................................................... 23 CAPÍTULO 2 - OS PRINCÍPIOS NORTEADORES DO DIREITO AMBIENTAL ...... 32 2.1 CONCEITUAÇÃO DE DIREITO AMBIENTAL, DEFINIÇÃO LEGAL DE MEIO AMBIENTE E NOÇÕES PRELIMINARES................................................................. 32 2.1.1 Princípio do desenvolvimento sustentável .................................................. 34 2.1.2 Princípio da informação................................................................................. 35 2.1.3 Princípio da obrigatoriedade da intervenção do poder público ................. 37 2.1.4 Princípio da participação ............................................................................... 37 2.1.5 Princípio da precaução .................................................................................. 38 2.1.6 Princípio da prevenção .................................................................................. 40 2.1.7 Princípio do usuário-pagador e poluidor-pagador ...................................... 43 CAPÍTULO 3 - LICENCIAMENTO AMBIENTAL E ESTUDO PRÉVIO DE IMPACTO AMBIENTAL ............................................................................................................. 46 3.1 LICENCIAMENTO AMBIENTAL E LICENÇA ADMINISTRATIVA ....................... 46 3.1.1 Etapas do licenciamento ambiental .............................................................. 49 3.1.1.1 Demais considerações .................................................................................. 51 3.2 ESTUDO PRÉVIO DE IMPACTO AMBIENTAL .................................................. 53 3.2.1 Impacto ambiental .......................................................................................... 53 3.2.2 Origem, conceito e objetivo do Estudo Prévio de Impacto Ambiental ...... 54 3.2.3 A estrutura legal do Estudo de Impacto Ambiental no Brasil. ................... 55 3.2.4 Relatório de Impacto Ambiental (RIMA) ....................................................... 61 3.2.5 Audiência Pública........................................................................................... 62 CAPÍTULO 4 - O APROVEITAMENTO HIDRELÉTRICO BELO MONTE ................ 65 4.1 A MATRIZ ENERGÉTICA BRASILEIRA ............................................................. 65 4.2 O APROVEITAMENTO HIDRELÉTRICO BELO MONTE E SUA CRONOLOGIA .................................................................................................................................. 68 4.3 POSIÇÕES DIVERGENTES ACERCA DO AHE BELO MONTE ........................ 72 4.3.1 Posicionamento favorável ao AHE Belo Monte ........................................... 74 4.3.1.1 Rima – Aproveitamento Hidrelétrico Belo Monte ........................................... 76 4.3.2 Posicionamento contrário ao AHE Belo Monte. .......................................... 82 CAPÍTULO 5 - DOCUMENTOS ENSEJADORES DA POSIÇÃO CONTRÁRIA AO AHE BELO MONTE .................................................................................................. 85 5.1 PAINEL DE ESPECIALISTAS ............................................................................. 85 5.2 PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL – A QUESTÃO ENERGÉTICA DO PAÍS E BELO MONTE ........................................................................................ 93 5.3 DECISÕES JUDICIAIS RELEVANTES ............................................................... 99 CONCLUSÃO ......................................................................................................... 104 REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 108 12 INTRODUÇÃO O Meio Ambiente constitui tema cada vez mais discutido e enfatizado devido a sua importância para a preservação da fauna e da flora e para a manutenção da vida na Terra. No decorrer da história, desde as primeiras civilizações, observa-se a prática de atividades nocivas ao meio ambiente. Nesse prisma, a sociedade deve ter conhecimento dos eventos depredatórios e exploratórios dos recursos ambientais. E é nesse contexto que se insere uma discussão que perdura há mais de trinta anos: o Projeto do Aproveitamento Hidrelétrico Belo Monte, uma obra de grande porte que, se concretizada, constituirá a terceira maior usina do mundo em capacidade instalada. Saliente-se que a motivação para o incremento do presente tema originou-se da intensa discussão sobre o direito a um meio ambiente em constante equilíbrio e conservado para as gerações futuras, além do respeito aos princípios que norteiam o Direito Ambiental. Por certo, o aumento do potencial energético brasileiro faz-se necessário para a produção e distribuição de energia e conseqüente desenvolvimento do país. Porém, resta a seguinte análise: A construção de uma usina hidrelétrica no bioma Amazônico seria a solução mais adequada para essa demanda? Ressalte-se que a Amazônia é considerada o “pulmão” do mundo, além de ser dotada da maior biodiversidade do planeta. Em decorrência disso, qualquer alteração em sua atividade normal, principalmente em face de uma obra da amplitude do referido projeto, tem o condão de ocasionar modificações ambientais a nível mundial. De fato, o legislador dispôs como preceito fundamental, no Art. 225 da CF, o direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, como bem de uso comum povo e essencial à qualidade de vida, cabendo ao Poder Público e à coletividade sua defesa e preservação. Entretanto, a construção da Usina de Belo Monte constitui um projeto carreador de grande impacto ambiental, social, econômico e cultural, consistindo em um tema amplamente discutido. Isso porque, há uma grande controvérsia de opiniões sobre a questão. O tema é veementemente criticado pelos representantes de movimentos sociais, ambientalistas, ribeirinhos, indígenas e pesquisadores, ao passo em que é vastamente defendido pelo governo, 13 caracterizando-se como a segunda maior obra do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Face tais esclarecimentos, o objeto de pesquisa ora proposto adveio da necessidade de se analisar a viabilidade ambiental do AHE Belo Monte. Para tanto, busca-se elucidar o contra-senso das duas posições atinentes ao projeto em questão, no que diz respeito ao impacto ambiental/social que pode ser ocasionado com a sua efetivação; Descrever todo o processo de criação do projeto de construção da usina, desde o ano de 1975, quando foram iniciados os Estudos de Inventário Hidrelétrico da Bacia Hidrográfica do Rio Xingu, até os dias atuais; Explanar o posicionamento favorável, que prima pelo aumento do potencial energético brasileiro em prol do desenvolvimento; Verificar o posicionamento contrário, que pauta-se nos impactos sócio-ambientais em torno do versado projeto; Analisar os documentos materializadores dos respectivos posicionamentos, a saber: Relatório de Impacto Ambiental, Painel de Especialistas e Parecer do Ministério Público Federal; e, ainda, avaliar os entendimentos jurisprudenciais acerca do referido aproveitamento hidrelétrico. Quanto à organização do trabalho monográfico, há a estruturação do tema em cinco capítulos. O primeiro deles aborda a história do Direito Ambiental brasileiro desde a fase do Brasil Colônia, permeando a fase imperial até chegar à atual fase republicana. Já o segundo capítulo, ao seu turno, trata dos princípios norteadores do Direito Ambiental, a saber: princípio do desenvolvimento sustentável, da informação, da obrigatoriedade da intervenção do Poder Público, da participação, da precaução, da prevenção, do usuário-pagador e do poluidor-pagador, englobando, primeiramente, suas noções preliminares. O terceiro capítulo, por sua vez, abarca o processo de licenciamento ambiental, enfatizando as suas etapas, bem como o Estudo Prévio de Impacto Ambiental desde a sua origem, conceito, objetivos e estrutura legal, além de inserir o conceito de Relatório de Impacto Ambiental em termos gerais. Ressalta, ainda, a importância da Audiência Pública no aludido processo. No que tange ao quarto capítulo, tem-se o início da junção de todos os conceitos esboçados nos capítulos anteriores ao tema propriamente dito. Tal percepção advém da idéia de que, nesse momento, introduz-se o Aproveitamento Hidrelétrico Belo Monte, realçando a matriz energética brasileira; o histórico do 14 referido projeto e seu respectivo Relatório de Impacto Ambiental, bem como as posições divergentes em torno da questão, merecendo relevo, inclusive, a opinião sobre o assunto oriunda dos três presidenciáveis concorrentes da última eleição: Dilma Rousseff, a então presidente eleita; José Serra, vencido no segundo turno e Marina Silva, derrotada no primeiro turno. O quinto e último capítulo, por fim, remete continuidade à amarração dos conceitos até então expostos, destacando os documentos caracterizadores do posicionamento contrário ao projeto, quais sejam: Painel de Especialistas e Parecer do Ministério Público Federal, propiciando destaque, ainda, para algumas decisões judiciais relevantes relacionadas à matéria em estudo. Em respeito às hipóteses da presente averiguação, foram direcionadas por pesquisas bibliográficas advindas de obras dos mais céleres autores da seara do Direito Ambiental. Ao passo em que também foram apreciados para o enriquecimento da pesquisa, e com igual importância, artigos, reportagens, relatórios, pareceres e estudos acessíveis por intermédio de revistas, a exemplo da revista Veja, como por meio de sites eletrônicos. Destaca-se, ainda, a utilização de notas taquigráficas do Tribunal Regional Federal da Primeira Região. No que concerne à importância da pesquisa, assevere-se que, uma vez concluída, proporcionará maior elucidação dos pontos em estudo, ao mesmo tempo em que, inevitavelmente, incitará novas indagações. Isso porque, é patente que a discussão de problemas ambientais alcançou maior enfoque nos últimos anos. Nessa correlação, insta salientar a relevância da utilização das Leis relativas ao Direito Ambiental, já que os dispositivos legais constituem elementos embasadores da conexão das idéias organizadoras do trabalho. E mais, justamente da Lei advém a variedade de interpretações, considerações e entendimentos concernentes ao tema, dentre as quais destacam-se a Lei Maior, Constituição da República Federativa do Brasil do ano de 1988; e a legislação infraconstitucional, representada, dentre outras, pela Lei nº. 6.938/81, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente. Cumpre salientar, ainda, as Resoluções do CONAMA (Conselho Nacional do Meio Ambiente) como norteadoras da presente análise, além de outras leis e decretos relativos à biodiversidade e às florestas brasileiras. Diante do exposto, ressalte-se que a metodologia aplicada pauta-se no positivismo, vez que a Lei constitui fator determinante para a organização das observações da presente pesquisa. 15 Posto isso, convém notar que o método utilizado, predominantemente, corresponde ao método analítico, que examina os componentes de uma forma geral para conhecer as causas e a natureza do problema, partindo-se do todo para, posteriormente, o decompor em porções menores; com a ressalva de que no primeiro capítulo e na seção 4.2 do quarto capítulo há o emprego do método específico histórico. 16 CAPÍTULO 1 - O DIREITO AMBIENTAL BRASILEIRO 1.1 HISTÓRICO DO DIREITO AMBIENTAL 1.1.1 O Direito Ambiental na fase colonial A legislação protecionista ambiental existe, no Brasil, desde o século XVI, como fruto da pioneira legislação portuguesa, consideravelmente avançada para a época (século XIV)1. Dessa maneira faz-se necessária a análise da história e das normas jurídicas portuguesas para, a partir da estrutura colonial brasileira, chegar-se a compreensão do Direito Ambiental brasileiro, uma vez que o País esteve subordinado a Portugal, quase que ininterruptamente, nos campos jurídico, político e econômico até meados do século XIX2. No entender de Sirvinskas3, a proteção jurídica do meio ambiente no Brasil divide-se em três períodos, sendo que o primeiro deles tem início com o descobrimento do Brasil, no ano de 1500, e perdura até a vinda da Família Real, em 1808. Naquela ocasião, existiam normas avulsas de proteção aplicáveis aos recursos naturais que poderiam se esvair, a exemplo do ouro e do pau Brasil. Conforme assevera Silva4, as Ordenações Afonsinas constituíam a legislação portuguesa vigente na primeira década do descobrimento do Brasil, e formavam o primeiro Código legal europeu, concluído em 1446, como uma homenagem ao rei D. Afonso V, que ocupava, à época, o trono português. O Direito Romano e o Direito Canônico eram suas fontes basilares, além das “leis promulgadas desde D. Afonso II e determinações e resoluções das Cortes celebradas a partir de D. Afonso IV, _____________ 1 SILVA, Eglée dos Santos Corrêa da. HISTÓRIA DO DIREITO AMBIENTAL BRASILEIRO. Disponível em: <http://www.moraesjunior.edu.br/pesquisa/cade5/historia_direito.doc>. Acesso em: 03 ago. 2010. 2 WAINER, Ann Helen. Legislação Ambiental Brasileira: Subsídios para a História do Direito Ambiental. 2 ed. Rio de Janeiro: Revista Forense, 1999, p.03. 3 SIRVINSKAS, Luís Paulo. Manual de Direito Ambiental. 8 ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 85. 4 SILVA, 2010, op. cit., p. 01. 17 reunindo, também, as concordatas dos reis antecessores”5, a saber: D. Diniz, D. Pedro e D. João. Ademais, a preocupação Real quanto à proteção das riquezas florestais advinha da necessidade do emprego madeireiro na impulsão da cobiçada expansão ultramarina portuguesa. Ao lado disso, pode-se assegurar que a legislação ambiental portuguesa era amplamente desenvolvida. Isso porque, o corte resoluto “das árvores frutíferas – considerado como ato de crime de injúria ao rei, tamanha a preocupação ambiental - foi proibido pela Ordenação do rei D. Afonso IV, em 12/03/1393”6. Outrossim, a preocupação com animais e aves era ainda mais antiga, uma vez que o rei D. Diniz, no ano de 1326, equiparou o furto de aves, para efeitos criminais, a qualquer outra espécie de furto. Cumpre salientar a importância dessa norma legal no que diz respeito à responsabilidade civil, já que havia a previsão do pagamento de um quantum, por parte do infrator, ao proprietário do animal perdido, com a finalidade de reparação do dano sofrido7. Por outro lado, no entender de Magalhães8, essa preocupação se dava mais por motivações econômicas que ambientais: ...os problemas ecológicos pertenciam a “Economia da Natureza”, ciência que estudava tais assuntos. Por esse motivo, vamos verificar que todos os casos de depredação ambiental em nosso País estavam ligados à economia. Mesmo assim, tivemos eminentes cidadãos que demonstraram sensibilidade para aquelas atividades que agrediam a natureza. Esses pensadores não silenciaram frente a essa situação. Levantaram suas vozes, denunciaram, cobraram, exigiram providências. A extensão territorial do Brasil e sua longa costa marítima favoreciam a ação agressora dos que buscavam riquezas. Indubitavelmente, a história brasileira está direta e intimamente relacionada aos abundantes recursos naturais encontrados no país. Em continuidade à análise histórica, importante observar, também, as Ordenações Manuelinas, compiladas em 1521. No que tange à legislação ambiental, “houve uma previsão protecionista mais detalhada”9, provavelmente pela problemática relativa ao déficit no abastecimento de alimentos em Portugal. Dentre os diversos dispositivos legais, destacam-se a alteração do caráter de repovoamento _____________ 5 WAINER, 1999, p. 04. SILVA, 2010, p. 01. 7 WAINER, op. cit., p. 06. 8 MAGALHÃES, Juraci Perez. A Evolução do Direito Ambiental no Brasil. 2. ed. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2002, p. 14. 9 WAINER, op. cit., p. 08. 6 18 em detrimento do caráter de agricultura; a proibição da caça de perdizes, lebres e coelhos com qualquer meio que causasse dor ou sofrimento aos citados animais, além da manutenção da anterior tipificação que considerava o corte de árvores frutíferas como crime. Tais dispositivos vigoraram em Portugal e no Brasil - Colônia até meados do século XVII. Registre-se, também, que em 1548, o rei D. João III implantou um sistema que objetivava centralizar o poder em nome da Coroa Portuguesa, de forma a evitar os descaminhos do pau-brasil, bem como criar mecanismos para contenção dos constantes ataques dos ingleses na Amazônia e dos franceses no Maranhão. Para essa nova fase administrativa, surgiu uma legislação especial denominada regimentos do Governo Federal. Enfatize-se, ainda, que a partir de 1580 o Brasil, sob o comando de Filipe II, passa a ter domínio espanhol. Paralelamente, surgem alguns manuscritos referentes às terras brasileiras e suas riquezas, na intenção de convencer o rei a fazer povoar esta última, dentre eles, os escritos de Pero de Magalhães Gândavo10 e Gabriel Soares de Sousa11. Ao lado disso, a crescente destruição das florestas portuguesas, fruto do corte desmedido de árvores para utilização da madeira na construção de navios, motivou Dom Filipe a expedir uma carta de regimento que estipulava um zoneamento ambiental delimitador das áreas das matas que deveriam ser preservadas. De fato, pode-se afirmar quão evoluída apresentava-se, para época, a legislação ambiental portuguesa. As Ordenações Filipinas, por sua vez, expedidas em 11 de janeiro de 1603, utilizaram as ordenações anteriores como fonte e inseriram alterações. Sobre a matéria ambiental, insta enfatizar a atribuição dada aos Corregedores das Comarcas e aos vereadores, de poderes para autorizar construções de obras públicas, bem como a determinação expressa do incentivo ao plantio de árvores em áreas baldias12. É de se ver, ainda, a importância dessas Ordenações para a teoria da responsabilidade subjetiva (alvará de 2 de outubro de 1607), vez que o dano causado, maliciosamente, por animais e pomares vizinhos, deveria ser reparado. Em sentido contrário, a lei de 24 de maio de 1608, proclamava a teoria da _____________ 10 UNIVERSIDADE FEDERAL DE CAMPINA GRANDE. Disponível em: <http://www.dec.ufcg.edu.br/biografias/PeroMGan.html>. Acesso em: 05 nov. 2010. 11 SOUSA, Gabriel Soares de. Tratado Descritivo do Brasil em 1587. Disponível em: <http://www.consciencia.org/tratado-descritivo-do-brasil-em-1587-gabriel-soares-de-sousa>. Acesso em: 05 nov. 2010. 12 WAINER, 1999, p.16. 19 responsabilidade objetiva em relação aos danos causados pelo gado nos olivais adjacentes, mesmo que não houvesse culpa do dono ou de seu empregado. Nesse toar, convém destacar a primeira lei florestal brasileira, o Regimento sobre o Pau-Brasil, mediante clara explanação de Wainer13: O “Regimento sobre o Pao-Brazil” trazia as mais minuciosas normas acerca do corte e exploração da madeira, tipificando as espécies de crimes a ser cometidos e suas respectivas penas. De notar que os legisladores portugueses sempre lançaram mão de regimentos para proteger as madeiras, tal qual fizeram com o “Regimento novo das madeiras para a Ilha da Madeira”, de agosto de 1562. Vale observar o caráter precursor dessa norma, ao justificar a necessidade de sua edição no preâmbulo, alegando para a defesa da madeira o fato de serem “be comu” dos moradores da ilha, tal qual exposto atualmente no artigo 225 da Constituição Federal brasileira, que considera o meio ambiente como “bem de uso comum do povo” e essencial à sadia qualidade de vida. Sem embargo, vislumbra-se a valiosa contribuição do pioneirismo português para a legislação ambiental brasileira. Veja-se, ademais, que os holandeses, ao perceber quão vulneráveis estavam as colônias brasileiras alojadas no Brasil, resolvem invadir a região Nordeste no início do século XVII. Tal colonização perdurou até 165414. Na área ambiental, os holandeses contribuíram à medida que editaram, em terras brasileiras, uma das legislações ambientais mais ricas da ocasião, comparável às legislações portuguesas; visto que instituíram a proibição do abate da árvore do cajueiro e impuseram o cuidado com a poluição das águas, além do que, permitiam a caça e a pesca desde que espécies não fossem extintas. Destarte, faz-se perceptível a importância das lições extraídas do passado para edição das leis atuais e instrução das gerações presentes e futuras. Ao mesmo tempo em que a fase colonial foi generosa em matéria de legislação ambiental, o regime latifundiário das sesmarias inseriu o sistema das grandes concessões de terras, um dos maiores responsáveis pela degradação das florestas brasileiras, alocando em seu lugar a monocultura da cana-de-açúcar. Com efeito, danos irreparáveis foram ocasionados ao meio ambiente em decorrência dessa forma de exploração das terras, além de afastar o homem do convívio com as florestas, visto que lhe era imposta uma cultura estranha às forças da natureza. _____________ 13 WAINER, 1999, p.24. CATARIN, Cristiano. Um Governo Holandês no Brasil Colônia. Disponível em: <http://www.historianet.com.br/conteudo/default.aspx?codigo=591>. Acesso em: 05 ago. 2010. 14 20 1.1.2 O Direito Ambiental na fase imperial Retomando a divisão elencada por Sirvinskas15 no que concerne à proteção jurídica do meio ambiente, o segundo período tem início com a chegada da Família Real ao Brasil, no ano de 1808 e persiste até o ano de 1981, com a criação da Lei da Política Nacional do Meio Ambiente. Nesse período, evidencia-se a exploração desregrada do meio ambiente, cujas questões eram decididas pelo Código Civil. Nesse ínterim, “o então príncipe regente, João, acompanhado de sua mãe, D. Maria I e cerca de 15 mil pessoas, protegidas por barcos ingleses, chegam primeiro à Bahia, instalando-se, em 7 de março de 1808, no Rio de Janeiro”16. Em decorrência, D. João VI decretou a inauguração do Jardim Botânico do Rio de Janeiro, objetivando adaptar plantas tropicais ao clima brasileiro e cultivar especiarias vindas da Índia. Paralelamente, várias plantas foram inseridas e disseminadas pelo país, dentre elas, o abacateiro, o chá, o cravo e a palmeira imperial. O jardim foi denominado, primeiramente, Aclimatação, após, Real Horto, Jardim Real Botânico e, atualmente, Jardim Botânico, tombado, em 1938, pelo SPHAN (Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional)17, atual IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional). A Coroa Portuguesa demonstrava preocupação com o permanente desmatamento de suas florestas. Por isso, em Lisboa foi editado, no ano de 1802, o alvará de “Regimento para as minas e estabelecimentos metálicos do reino”18, que tratava da administração das Matas e Bosques, transferindo a citada administração ao Intendente Geral das Minas e Metais. Acreditava-se que, com essa medida, haveria um combate mais enérgico ao corte ilegal e ao descaso com as medidas jurídicas na colônia brasileira, pois que notava-se o desmazelo dos funcionários da Coroa em fazer obedecer os dispositivos legais que proibiam o corte desenfreado de madeira. Por conseguinte, restava ausente um sentimento primordial para a preservação de qualquer patrimônio nacional, qual seja: amor à coisa pública. _____________ 15 SIRVINSKAS, 2010, p. 86. WAINER, 1999, p.41. 17 WIKIPÉDIA. Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Instituto_do_Patrim%C3%B4nio_Hist%C3%B3rico_e_Art%C3%ADstico_ Nacional#O_Servi.C3.A7o_do_Patrim.C3.B4nio_Hist.C3.B3rico_e_Art.C3.ADstico_Nacional_.28SPH AN.29>. Acesso em: 05 ago. 2010. 18 WAINER, op. cit., p.44. 16 21 E é nesse exato sentido que Wainer esclarece: Na verdade pouco valiam as leis que visavam à conservação das florestas, se não existia uma conscientização coletiva, no sentido de respeitá-las, fazendo com que fossem cumpridas. O problema era bilateral, pois está tanto na falta de civismo do corpo administrativo, quanto na falta de 19 civilidade por parte da população . Tal assertiva bem representa os dias atuais, ao passo que uma das grandes preocupações do Direito Ambiental é desenvolver uma consciência ecológica por meio da educação ambiental, para efetiva aplicação do princípio do desenvolvimento sustentável, de modo que os recursos naturais, aliados ao desenvolvimento, sejam preservados para as futuras gerações. De outro modo, José Bonifácio pode ser considerado um dos maiores silvicultores do século XIX, tamanha a sua preocupação com a natureza e pelo trabalho pioneiro de estudo do direito comparado ao colacionar legislações ambientais de vários reinos e países, a saber, Portugal, França e Prússia. Entretanto, sua contribuição foi além, já que teve relevante participação no processo de independência do Brasil do reino de Portugal. Dentro dessa perspectiva, por meio do Decreto de 3 de agosto de 1817, ocorreu a proibição do corte de árvores, madeiras, lenha e matas, em todo terreno que se localizasse nos arredores de nascentes de água do rio Carioca. A punição para os infratores era prevista nas Ordenações. E, com isso, mais uma vez atenta-se para o reconhecimento da história do Direito Ambiental para os dias atuais, uma vez que, as “nascentes e as faixas marginais de proteção de águas superficiais são hoje consideradas áreas de preservação permanente”20. Durante a vigência da Constituição Imperial do Brasil de 1824, cumpre realçar os avanços no que diz respeito aos direitos humanos. Aquela assegurava que a lei era igual para todos, tanto para castigar, quanto para proteger. Assim sendo, ao menos no papel, foram suprimidos os castigos cruéis. Na legislação extravagante, progride a teoria da reparação do dano ecológico, no teor do Decreto nº 363, de 20 de junho de 1844, que previa multa e apreensão de qualquer embarcação que contrabandeasse pau-brasil, desde que se provasse materialmente o contrabando. Ou seja, tal punição deveria ser aplicada somente com a prova material (madeira) e não mais com meras denúncias. _____________ 19 20 WAINER, 1999, p.47. Ibid., p.46. 22 Dentre os melhoramentos urbanísticos ocorridos nesse período, frise-se a inauguração da estrada de ferro D. Pedro II, um avanço no setor de transportes do Império, vez que importava na ligação ente as cidades e o campo. Saliente-se, de igual forma, que mesmo anteriormente à Constituição Federal de 1988, já se falava no princípio da publicidade de obras públicas; porquanto as Cartas sobre uma estrada de ferro na Província de Parayba do Norte, segundo Wainer, fazia menções a respeito de construções por meio da reunião de opiniões, sem amparo científico, porém com propriedade, alegando que “os poderes públicos são delegação da nação, nada devendo ocultar a este que os delega21”. Transportando para os dias atuais, insta destacar que tanto o estudo de uma obra de grande porte (Estudo Prévio de Impacto Ambiental) quanto a publicidade são determinados pelo artigo 225, parágrafo 1º, inciso IV, da Carta Maior: Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações. § 1º - Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público: presentes e futuras gerações. IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade. Retornando ao Império, releve-se que o ano de 1850 é salutar para o Direito. Isso ocorre porque nesse ano foi promulgado o Código Comercial, a fim de regular as transações comercias e, ainda, a Lei nº 601, denominada Lei das Terras, que aboliu definitivamente o regime das sesmarias e, conseqüentemente, o sistema de concessão de terras aplicado por tal regime. Por meio da citada Lei, todas as terras ocupadas deveriam ser registradas e a aquisição de terras devolutas somente poderia ser feita por compra. Seu segundo artigo previa punição na ocorrência de dano provocado por queimadas e derrubada de matas, além de responsabilizar cível e penalmente o infrator, que deveria pagar multa no importe de “cem mil réis” (atualmente R$ 36,37 (trinta e seis reais e trinta e sete centavos) 22) e prisão de dois a seis meses. Importante chamar a atenção, ainda, para o fato de que o Rio de Janeiro era porto de escoamento para exportação do café e constituía uma das zonas _____________ 21 WAINER, 1999, p.50. ANGELA, Maria. Quanto vale 100 mil réis nos dias de hoje? Disponível em: <http://br.answers.yahoo.com/question/index?qid=20090827072432AAUeLGD>. Acesso em: 08 ago. 2010. 22 23 produtoras mais importantes do referido produto. Justamente por isso, e, também, pela derrubada de árvores utilizadas na produção de lenha, houve uma grande devastação de terra na área da Floresta da Tijuca, surgindo a necessidade de sua rearborização, que ocorreu a partir de 1862, sob a visão empreendedora do Imperador D. Pedro II, tornando-a um dos maiores símbolos da ecologia e da preocupação ambiental. 1.1.3 O Direito Ambiental na fase republicana Segundo a concepção de Magalhães23, o Direito Ambiental apresenta três períodos fortemente delimitados, quais sejam: a) Período de evolução do Direito Ambiental, de 1889 a 1981 (Ressalte-se que, na visão de Sirvinskas24, até 1981 ocorre o segundo período de evolução do Direito Ambiental); b) Período de consolidação do Direito Ambiental, de 1981 a 1988; e c) Período de Aperfeiçoamento do Direito Ambiental, a partir de 1988. Em relação ao primeiro período, após a Independência do Brasil e a Proclamação da República, paulatinamente, o sentimento de valorização do bem público se acentuou. A legislação que defendia a riqueza nacional e suas florestas por seu suntuoso valor econômico, passou a defendê-las por seu aspecto ecológico. A Constituição Republicana Brasileira de 1891 representou o fim do Poder Moderador, consagrando mudanças políticas consideráveis. Dentre elas, o federalismo, o presidencialismo, o sistema representativo e a concepção dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, “independentes e harmônicos entre si, cabendo ao Supremo Tribunal Federal, além de outras missões, interpretar e fazer cumprir a Constituição”25. Note-se que a sede do Governo Federal foi instalada no antigo Município neutro, localizado na cidade do Rio de Janeiro, situação que persiste até a inauguração de Brasília, em 21 de abril de 1960. _____________ 23 MAGALHÃES, 2002, p.39. SIRVINSKAS, 2010, p. 85. 25 WAINER, 1999, p.55. 24 24 No que se atina às questões ambientais, tal ordenamento somente comina competência à União para legislar sobre as minas e terras brasileiras. Em 1922, durante a Semana de Arte Moderna, nasce a poesia “pau-brasil”, preconizada por Oswald de Andrade, que exalta os valores nacionais, a História do Brasil e suas personagens (desfilam pela poesia do escritor as figuras de Pero Vaz de Caminha, Pero de Magalhães Gândavo, Fernão Dias), as riquezas naturais e os locais de notável beleza (as florestas, o Pão 26 de Açúcar e as vegetações) . No decorrer desse período, surgem normas jurídicas impostas em virtude das aceleradas inovações que impulsionavam a industrialização e o urbanismo brasileiro. Dentre elas, o Decreto nº 16.300, de 31 de dezembro de 1923, que dispunha sobre saúde e saneamento. Tal Decreto em muito contribuiu para o controle da poluição, vez que obstava instalações de indústrias perniciosas à saúde de residências vizinhas, bem como, por meio de seu artigo 108, promovia noções de higiene pessoal e pública. Já na década de 30, com a promulgação da Constituição de 1934, foram incluídos alguns dispositivos de caráter ambientalista. E é nesse contexto que adverte Wainer: O artigo 10 estabelecia a competência concorrente da União e dos Estados para proteger as belezas naturais e os monumentos de valor histórico, além de poder impedir a evasão de obras de arte. Entretanto, foi grave a omissão constitucional em relação aos Municípios que ficaram sem previsão expressa do poder de polícia para proteção de suas riquezas naturais, ao contrário da competência atribuída pela atual Constituição Federal de 1988. Em relação à eficácia do artigo 10, Pontes de Miranda já denunciava o não cumprimento desse dispositivo constitucional, criticando o desrespeito 27 habitual às lei no Brasil . Importante salientar, também, que órgãos de defesa ambiental foram criados, além do surgimento dos primeiros códigos de proteção dos recursos naturais, a saber: código florestal, de mineração, de águas, de pesca, de proteção à fauna, dentre outros. A propósito, o Código Florestal (Decreto-Lei nº 23.793, de 23 de janeiro de 1934, revogado pela Lei nº 4.771, de 15 de setembro de 1965), introduziu significativo avanço ao ampliar os conceitos de Áreas de Preservação Permanente (“classificadas em florestas ao longo de rios ou de qualquer outro curso de água; florestas de proteção física do solo e das reservas naturais; florestas de proteção da _____________ 26 27 WAINER, 1999, p.58. Ibid., p.59. 25 fauna e flora”28, dentre outras classificações) e Reserva Legal. Sobre esse processo de alterações no Código Florestal brasileiro merecem destaque as considerações de Costa e Araujo: No ano de 1996, a Medida Provisória 1.511 procedeu alterações no Código Florestal, contudo, o Congresso Nacional não se reuniu para a devida votação, levando a sucessivas reedições. Em 1999, o Deputado Moacir Micheleto apresentou ao Congresso o Projeto de Lei de Conversão da MP 1.736, então na sua 39ª edição, introduzindo modificações que alteravam fortemente os objetivos do Código Florestal, gerando grande polêmica nos meios jurídicos e uma grande mobilização da sociedade civil, levando o governo a solicitar ao CONAMA (Conselho Nacional do Meio Ambiente) a elaboração de um projeto alternativo. A proposta do CONAMA, intensamente debatida, sugere uma ampla reforma do Código Florestal com diversas alterações positivas, como a apresentação de definições legais de APPs e de RL, introduzindo mecanismos inovadores como a possibilidade de compensação de RL em outro imóvel rural, desde que na mesma bacia hidrográfica. Atualmente o Código Florestal de 1965 continua em vigor, apesar de terem sido alterados alguns artigos por meio das medidas 29 provisórias citadas . Dentre os artigos alterados, a Medida Provisória nº 2.166-67, de 2001, ampliou ainda mais os conceitos de Área de Preservação Permanente e o de Reserva Legal contidos nos incisos II e III, parágrafo 2º, art. 1º da Lei nº. 4.771 de 1965, a seguir: Art. 1° As florestas existentes no território nacional e as demais formas de vegetação, reconhecidas de utilidade às terras que revestem, são bens de interesse comum a todos os habitantes do País, exercendo-se os direitos de propriedade, com as limitações que a legislação em geral e especialmente esta Lei estabelecem. o § 2 Para os efeitos deste Código, entende-se por: [...]II - área de preservação permanente: área protegida nos termos dos arts. o o 2 e 3 desta Lei, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas; III - Reserva Legal: área localizada no interior de uma propriedade ou posse rural, excetuada a de preservação permanente, necessária ao uso sustentável dos recursos naturais, à conservação e reabilitação dos processos ecológicos, à conservação da biodiversidade e ao abrigo e 30 proteção de fauna e flora nativas ; Atualmente, está em discussão a reforma do Código Florestal Brasileiro, cujo texto base elaborado pelo Deputado Aldo Rebelo, foi aprovado pela Comissão Especial da Câmara dos Deputados no dia 06 de julho do corrente ano, por 13 votos _____________ 28 WAINER, 1999, p.63. COSTA, Ricardo D. Gomes da; ARAÚJO, Marcelo. Planejando o Uso da Propriedade Rural: A reserva legal e as áreas de preservação permanente. Disponível em: <http://www.iesb.org.br/biblioteca/A%20Reserva%20Legal%20e%20as%20APPs.pdf>. Acesso em: 08 ago. 2010. 30 BRASIL. Casa Civil. Lei n. 4471, de 15 de setembro de 1965. Institui o novo Código Florestal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L4771.htm>, acesso em 08 ago.2010. 29 26 a 5. Tal discussão divide opiniões de ambientalistas e ruralistas. Aqueles consideram a reforma um retrocesso enquanto estes últimos consideram como um avanço. Tal projeto estabelece limites para as Áreas de Preservação Permanente e de Reserva Legal; tendo como uma das principais alterações o fato dos Estados não poderem mais arbitrar “sobre tamanho da vegetação das APPs (Áreas de Preservação Permanente) às margens dos rios de cursos d’água que possuam de cinco a dez metros - as chamadas matas ciliares”31. Retomando os anos 30, o Código de Águas (Decreto nº 24.634, de 10 de julho de 1934), por sua vez, proíbe construções suscetíveis à poluição de águas de poços ou de nascentes, e apregoa caráter ilícito à desregrada contaminação da água. Junto a isso, evoluem conceitos referentes aos danos contra o meio ambiente por meio de leis reguladoras atinentes à questão. No que tange a fauna brasileira, o Decreto nº 24.645, de 10 de julho de 1942, previa, em seu artigo 2º, pena privativa de liberdade em cumulação ao pagamento de multa para qualquer pessoa que cometesse maus tratos contra animais, independentemente de ser ou não o proprietário do referido animal. Nesse mesmo Decreto, grande avanço é dado em relação à teoria da reparação civil e criminal para danos ocasionados ao meio ambiente, determinando responsabilidade solidária aos prepostos e aos proprietários na ocorrência de atos nocivos praticados contra animais. Com a promulgação da Constituição Federal de 1946, há o fim do Estado Novo e a recondução ao regime democrático. No campo ambiental, a Carta introduziu a desapropriação por interesse social, por meio do Art. 141, parágrafo 16. Dispositivo este, que foi regulamentado pela Lei nº 4.132, de 1962 e considerava “como de interesse social a proteção do solo e a preservação de cursos e mananciais de água e de reservas florestais”32. Chegada a década de 60, observa-se a evolução da consciência de conservação ambiental e sua influência sobre a legislação. Em 1967, foi instituído o Decreto-Lei nº 248, de 28 de fevereiro de 1967, denominado Política Nacional de Saneamento Básico, que modulava diretrizes sobre abastecimento de água e saneamento básico. No mesmo ano, a Lei nº 5.197, de 03 de janeiro, posicionava-se _____________ 31 CAMPANERUT, Camila. Comissão da Câmara aprova mudanças no Código Florestal. Disponível em: <http://noticias.uol.com.br/politica/2010/07/06/comissao-da-camara-aprova-texto-baseda-reforma-do-codigo-florestal.jhtm>. Acesso em: 08 ago. 2010. 32 MAGALHÃES, 2002, p.45. 27 quanto a proteção à fauna. E mais, foi criado o Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF), vinculado ao Ministério da Agricultura, por meio do Decreto-Lei nº 289, de 28 de fevereiro, para colocar em prática o cumprimento das versadas legislações. Sua extinção se daria posteriormente, em 1989, com o advento da Lei nº 7.772, de 14 de fevereiro, que transferiu seu patrimônio, competência, quadro de pessoal e recursos financeiros para a Secretaria Especial do Meio Ambiente e; posteriormente, ainda no mesmo mês, para o atual Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA, (criado pela Lei nº 7735, de 22.2.1989), já que a SEMA, apesar de criada em 1973, fora extinta em 1989. Continuamente, a Constituição Federal de 1967 não trouxe grandes mudanças referentes à legislação ambiental, como bem enfatiza Wainer: O artigo 8º, inciso XVII, letras h e i, especifica a competência da União para legislar sobre jazidas, minas e outros recursos minerais, além de legislar sobre metalurgia, florestas, caça e pesca, água, energia elétrica e telecomunicações. O artigo 180, parágrafo único, manteve a prerrogativa do Poder Público para legislar sobre a proteção dos documentos, obras, locais de valor histórico ou artístico, monumentos e paisagens naturais notáveis, 33 bem como sobre as jazidas arqueológicas . Do mesmo modo, a Emenda Constitucional nº 1, de 1969, manteve as citadas consignações. Em verdade, a década de 70 teve fundamental relevância para o Direito Ambiental. A Conferência de Estocolmo, realizada na capital da Suécia, no ano de 1972, desencadeou o despertar da consciência ecológica brasileira, pois que constituiu a primeira atitude de caráter mundial respeitante a organização das relações entre o homem e o meio ambiente. Por outro lado, a elaboração do I PND (Plano Nacional de Desenvolvimento – Lei nº 5.727, de 4 de novembro de 1971 – para execução de 1972 a 1974) importou em um retrocesso, porquanto seus programas, a saber, PIN (Programa de Interação Nacional) e PROTERRA (Programa de Redistribuição de Terras e de Estímulos à Agropecuária do Norte e do Nordeste), ocasionaram a maior devastação já vista na região amazônica. Tal devastação se deu, na visão de Magalhães34, por que: O incentivo à pecuária e as facilidades para a aquisição de terras levaram um grande contingente de predadores ávidos de fortuna fácil. As conseqüências dessa política foram as piores possíveis e a destruição em massa dos recursos naturais deixaram marcas indeléveis. _____________ 33 34 WAINER, 1999, p.75. MAGALHÃES, 2002, p.46. 28 Em contrapartida, mesmo com as conseqüências negativas do I PND, restou de positivo a mobilização da opinião popular, que passou a pressionar o Governo no intuito de interromper a agressão ambiental na Amazônia. Efetivamente, a pressão pública surtiu efeito, tanto que o II Plano Nacional de Desenvolvimento (Lei nº 6.151, de 04 de dezembro de 1974), criado para ser executado entre 1975 e 1979, alterou a estratégia do desenvolvimento a qualquer custo e inseriu medidas de caráter ambiental em seu bojo; tais como, evitar o uso indiscriminado do fogo, utilizar práticas de rotação de culturas e a inserção de uma política ambiental a ser aplicada nas áreas urbanas, na preservação dos recursos naturais brasileiros e na defesa e proteção da saúde humana. Todavia, o III Plano Nacional de Desenvolvimento (Resolução nº 1, de 05 de dezembro de 1979), na abrangência de Magalhães35, assinalou de forma decisiva o período de consolidação do Direito Ambiental, pelo que estabeleceu nacionalmente uma política de preservação do meio ambiente e constituiu o liame entre o primeiro e o segundo períodos republicanos. No decorrer desse período, foram fundados alguns órgãos garantidores da proteção ambiental, dentre os quais destacam-se o Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) e o Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA). Considerando a concepção de Sirvinskas36, a Política Nacional do Meio Ambiente (Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981) marca o início do terceiro período da proteção jurídica do meio ambiente, a chamada fase holística; na qual a proteção ao meio ambiente era feita de maneira integral, utilizando-se de um “sistema ecológico integrado”37. A citada Lei implantou, ainda, em seu artigo 9º, instrumentos de política ambiental, tais como “o estabelecimento de padrões de qualidade ambiental, o zoneamento ambiental, a avaliação de impactos ambientais e o licenciamento e a revisão de atividades efetiva ou potencialmente poluidoras”38. Instrumentos estes, fiscalizadores dos grandiosos projetos econômicos que, na maioria das vezes, na busca desmedida pelo lucro, ocasionam prejuízos irreparáveis ao meio ambiente. Frise-se, nesse contexto, outro avanço: a adoção da responsabilidade objetiva para o poluidor, prevista no Art. 14, parágrafo 1º, da versada Lei. Em _____________ 35 MAGALHÃES, 2002, p.49. SIRVINSKAS, 2010, p. 86. 37 Ibid., p. 86. 38 MAGALHÃES, op. cit., p.52. 36 29 decorrência da referida responsabilidade, este último obriga-se, independentemente de culpa e das responsabilidades previstas nas áreas administrativa e penal, a reparar o dano causado ao meio ambiente. E mais, esse mesmo dispositivo legitima o Ministério Público à propositura de ações de responsabilidade civil e criminal em desfavor dos causadores de dano ambiental. A esse respeito, merece destaque a promulgação da Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985, que criou a Ação Civil Pública, específica para a defesa do meio ambiente e prevenção do dano ambiental. Esta Lei outorga legitimidade para a propositura da ação em voga ao “Ministério Público, à União, aos Estados, aos Municípios, às autarquias, fundações, sociedades de economia mista ou associações que estejam vinculadas à proteção do meio ambiente”39. Já consolidado, o Direito Ambiental passa a revestir de influência o contexto nacional. E, com isso, após a Constituição Federal de 1988, adentra-se à fase de aperfeiçoamento do aludido ramo do Direito. Com efeito, a Carta Magna, diferentemente das constituições anteriores, trata de forma individualizada a questão ambiental, remontando ao capítulo VI somente matérias relacionadas ao meio ambiente, além de contemplá-las em vários outros dispositivos. Aqui se ingressa, efetivamente, no âmbito de profundas alterações políticas, sociais, econômicas e, certamente, ecológicas. Considerando tal quadro, é interessante salientar que o enfoque constitucional tornou, por meio de seu artigo 225, o direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, um direito de todos, sendo obrigatória a sua preservação por parte do Poder Público e da coletividade. Para isso, [...]“importantes instrumentos foram concedidos para assegurar a efetividade desse direito. Além disso, ecossistemas representativos foram considerados patrimônio nacional, o que assegura a sua necessária preservação”40. Estes últimos estão elencados no Artigo 225, parágrafo 4º, da Carta Maior, a saber: § 4º - A Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira são patrimônio nacional, e sua utilização far-se-á, na forma da lei, dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos 41 naturais . _____________ 39 MAGALHÃES, 2002, p. 54. MAGALHÃES, op. cit., p.56. 41 BRASIL. Casa Civil. Constituição Federal da Republica Federativa do Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em: 15 ago.2010. 40 30 Outro detalhe que se deve considerar é que, em 1989, nessa fase de aperfeiçoamento, todos os órgãos relacionados à atividade ambiental foram unificados em um só, o IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis). De igual forma, em 1990, merece realce a criação da Secretaria do Meio Ambiente, órgão vinculado à Presidência da República, tendo o IBAMA como órgão gerenciador. Dois anos após, em 16 de outubro de 1992, o IBAMA passa ao status de subordinado em decorrência da criação do Ministério do Meio Ambiente, órgão de hierarquia superior, cujo objetivo consistia em estruturar a política ambiental brasileira. Bem assim, cabe notar a importância da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento (ECO 92), cujo “objetivo principal era buscar meios de conciliar o desenvolvimento sócio-econômico com a conservação e proteção dos ecossistemas da Terra”42. Essa Conferência, ocorrida no Rio de Janeiro, consolidou o conceito de desenvolvimento econômico sustentável e cooperou para a ampliação da consciência de que os danos causados ao meio ambiente advinham, na maioria dos casos, de atos causados por países desenvolvidos. Ao passo em que, na perspectiva desse Encontro, era preciso que os países em desenvolvimento aceitassem apoio financeiro e tecnológico para prosseguir rumo ao versado desenvolvimento. Ademais, após a Rio 92, continuou a ocorrência de atos legislativos favoráveis à Política Nacional do Meio Ambiente, dentre os quais, destaca-se a criação da Lei dos Crimes Ambientais (Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998) e do Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (Lei nº 9.985, de 18 de julho de 2000), que agrupou as Unidades de Conservação em duas categorias: “Unidades de Proteção Integral e Unidades de Uso Sustentável”, no intuito de uniformizar a nomenclatura das Unidades de Conservação brasileiras. Nesse aspecto, foi criada a Taxa de Controle e Fiscalização Ambiental (TCFA), por meio da Lei nº 10.165, de 27 de dezembro de 2000; cujo fato gerador consistia no exercício regular do poder de polícia cominado ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis, para controlar e fiscalizar as atividades lesivas ao Meio Ambiente. _____________ 42 WIKIPÉDIA. ECO-92. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/ECO-92>. Acesso em: 10 ago.2010. 31 Por fim, importante evidenciar que, com o advento da Lei nº 11.516 de 28 de agosto de 2007, houve a criação do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), também vinculado ao Ministério do Meio Ambiente, o qual retirou do IBAMA e tomou para si a atribuição legal de gerir as unidades de conservação nacionais. 32 CAPÍTULO 2 - OS PRINCÍPIOS NORTEADORES DO DIREITO AMBIENTAL 2.1 CONCEITUAÇÃO DE DIREITO AMBIENTAL, DEFINIÇÃO LEGAL DE MEIO AMBIENTE E NOÇÕES PRELIMINARES No que se atina à conceituação do Direito Ambiental, Antunes43 enfatiza que, primeiramente, o campo do direito em questão fora chamado de Direito Ecológico. Isso porque, Sérgio Ferraz e Diogo de Figueiredo Moreira Neto, primeiros jusambientalistas nacionais, assim o denominaram em seus trabalhos. Porém, no decorrer dos estudos sobre a cadeira, a grande maioria dos autores teve a percepção de que a matéria ultrapassava os limites da ecologia e adentrava, também, aos domínios do meio ambiente cultural, vez que a Ecologia, apesar de ciência ampla, limitava-se, tendenciosamente, aos meios naturais. O citado autor esclarece: [...] o Direito Ambiental pode ser definido como um direito que tem por finalidade regular a apropriação econômica dos bens ambientais, de forma que ela se faça levando em consideração a sustentabilidade dos recursos, o desenvolvimento econômico e social, assegurando aos interessados a participação nas diretrizes a serem adotadas, bem como padrões adequados de saúde e renda. Ele se desdobra em três vertentes fundamentais, que são constituídas pelo: (i) direito ao meio ambiente, (ii) direito sobre o meio ambiente e (iii) direito do meio ambiente. Tais vertentes existem, na medida em que o direito ao meio ambiente é um direito humano fundamental que cumpre a função de integrar os direitos à saudável qualidade de vida, ao desenvolvimento econômico e à proteção dos recursos naturais. Mais do que um ramo autônomo do Direito, o DA é uma concepção de aplicação de ordem jurídica que penetra, transversalmente, em todos os ramos do Direito. O DA tem uma dimensão humana, uma dimensão ecológica e uma dimensão econômica que devem ser compreendidas harmonicamente. Evidentemente que, a cada nova intervenção humana sobre o Meio Ambiente, o aplicador do DA deve ter a capacidade de captar os diferentes pontos de tensão entre as três dimensões e verificar, no caso concreto, qual delas é a que se destaca e 44 que está mais precisada de tutela em um dado momento . Machado, por sua vez, reitera a noção de que o Direito Ambiental apresenta maior amplitude que o Direito Ecológico e apregoa que: O Direito Ambiental é um Direito sistematizador, que faz a articulação da legislação, da doutrina e da jurisprudência concernentes aos elementos que integram o ambiente. Procura evitar o isolamento dos temas ambientais e _____________ 43 ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. 12. ed. ampl. reform. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p.10. 44 Ibid., p.11. 33 sua abordagem antagônica. Não se trata mais de construir um Direito das águas, um Direito da fauna ou um Direito da biodiversidade. O Direito Ambiental não ignora o que cada matéria tem de específico, mas busca interligar estes termas com a argamassa da identidade dos instrumentos jurídicos de prevenção e de reparação, de informação, de monitoramento e 45 de participação . Seguindo essa linha de pensamento, observa-se que o Direito Ambiental apresenta-se como o emaranhado de normas jurídicas que objetivam a proteção do meio ambiente. Classifica-se como um direito fundamental de terceira geração, vez que se preocupa com a qualidade de vida da atual sociedade, bem como das gerações futuras, desenvolvendo um caráter de solidariedade ao tratar de direitos difusos. Estes últimos surgiram com o advento da Constituição Federal de 1988 e consolidaram-se com a Política Nacional do Meio Ambiente (recepcionada pela CF/88); com a Lei de Ação Civil Pública e com o Código de Defesa do Consumidor, que, no inciso I de seu artigo 81, define interesses ou direitos difusos como “transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato”46. Entretanto, somente após o advento da Lei de Política Nacional do Meio Ambiente, é que houve uma conceituação legal do termo meio ambiente, a saber: o “conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas”, e “patrimônio púbico a ser necessariamente assegurado e protegido, tendo em vista o uso coletivo” 47. Nesse sentido, Fiorillo48, Machado49 e Antunes50 são unânimes em afirmar o caráter amplo da definição de meio ambiente. O primeiro chama a atenção para o fato do legislador optar por um conceito jurídico indeterminado, no intuito de abrir caminhos para um espaço positivo de incidência da norma, classificando o meio ambiente como natural (atmosfera, biosfera, águas, solo, subsolo, fauna e flora), _____________ 45 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 18. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Malheiros, 2010, p.54. 46 BRASIL. Casa Civil. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providencias. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8078.htm>. Acesso em: 05 nov.2010. 47 BRASIL. Casa Civil. Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981. Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente. Art. 3º, inciso I, e Art. 2, inciso I,Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L6938.htm>. Acesso em 12 ago.2010. 48 FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. 11. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2010, p.55. 49 MACHADO, op. cit., p.55. 50 ANTUNES, 2010, p.10. 34 artificial (espaço urbano construído), cultural (patrimônio material e imaterial referentes à identidade, à ação e à memória dos diferentes grupos da sociedade brasileira) e do trabalho (local de desempenho de atividades laborais). O segundo apregoa que tal definição atinge tudo o que está relacionado à vida (tudo o que a permite, a abriga e a rege). E o terceiro, por fim, alega que o conceito em discussão engloba as diversas realidades inseridas na legislação ambiental e que, por isso, a denominação da disciplina como Direito Ecológico restou insuficiente, tamanha a amplitude da matéria tratada. Partindo-se da conjetura de que os princípios atuam como fundamento para a análise das questões jurídicas, servindo de base tanto aos legisladores quanto aos magistrados e demais operadores do Direito, faz-se extremamente importante considerá-los quando se tem como alvo o estudo do Direito Ambiental. Nessa acepção, dentre os diversos elementos diretores dessa ciência, serão explanados os seguintes: princípio do desenvolvimento sustentável; princípio da informação; princípio da obrigatoriedade da intervenção do Poder Público; princípio da participação; princípio da precaução; princípio da prevenção e princípio do usuáriopagador e poluidor-pagador. 2.1.1 Princípio do desenvolvimento sustentável A expressão desenvolvimento sustentável teve origem na Conferência de Estocolmo (Conferência Mundial de Meio Ambiente), realizada em 1972, e ganhou maior evidência em 1980, com o Relatório de Brundtland (documento da ONU), publicado em 1988. Sobretudo, foi na ECO-92 que a aludida expressão recebeu a forma de princípio, tendo por base legal os artigos 170, inciso VI e 225, caput, da Constituição Federal de 198851, quais sejam: Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: _____________ 51 BRASIL. Casa Civil. Constituição Federal da Republica Federativa do Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em: 12 ago.2010. 35 [...] VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. O princípio em questão objetiva o equilíbrio da proteção ao meio ambiente com o desenvolvimento econômico, de forma a aprimorar a qualidade de vida do homem (atual e futuramente), por meio do uso racional dos recursos naturais não renováveis. Em outras palavras, elucida Fiorillo52: [...]os recursos ambientais não são inesgotáveis, tornando-se inadmissível que as atividades econômicas desenvolvam-se alheias a esse fato. Buscase com isso a coexistência harmônica entre economia e meio ambiente. Permite-se o desenvolvimento, mas de forma sustentável, planejada, para que os recursos hoje existentes não se esgotem ou tornem-se inócuos. Nesse diapasão, verifica-se que o princípio do desenvolvimento sustentável prevê, fundamentalmente, o desenvolvimento das atividades econômicas empregando-se os instrumentos que causem a menor degradação possível, de forma que as necessidades do presente não impeçam as gerações futuras de usufruir os mesmo recursos naturais dispostos atualmente. 2.1.2 Princípio da informação A Carta Magna brasileira53, em seu artigo 225, parágrafo 1º, inciso VI, prescreve a incumbência do Poder Público de “promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente”. Ao lado disso, o artigo 220 do mesmo diploma legal aduz que a “manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição”. Assim, nenhuma dúvida paira sobre o respaldo legal do _____________ 52 FIORILLO, 2010, p.78. BRASIL. Casa Civil. Constituição Federal da Republica Federativa do Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em: 12 ago.2010. 53 36 princípio da informação, que permeia tanto o direito da informação quanto o direito de ser informado. Dessa maneira, pode-se afirmar que o fundamento da informação ambiental existe em decorrência do direito de viver em um meio ambiente ecologicamente equilibrado. Nesse sentido, a Declaração do Rio de Janeiro sobre meio ambiente e desenvolvimento (1992), evidencia, em seu princípio 1054, que: O melhor modo de tratar as questões ambientais é com a participação de todos os cidadãos interessados, em vários níveis. No plano nacional, toda pessoa deverá ter acesso adequado à informação sobre o ambiente de que dispõem as autoridades públicas, incluída a informação sobre os materiais e as atividades que oferecem perigo a suas comunidades, assim como a oportunidade de participar dos processos de adoção de decisões. Os Estados deverão facilitar e fomentar a sensibilização e a participação do público, colocando a informação à disposição de todos. Deverá ser proporcionado acesso efetivo aos procedimentos judiciais e administrativos, entre os quais o ressarcimento de danos e recursos pertinentes. Ao levar-se esse entendimento adiante, vale lembrar o posicionamento de Machado, o qual afirma que há um elo indiscutível entre o meio ambiente e o direito à informação, bem como a garantia desse princípio auxilia no processo de “educação de cada pessoa e da comunidade. Mas a informação visa, também, a dar chance à pessoa informada de tomar posição ou pronunciar-se sobre a matéria informada” 55. Em fato, os dados ambientais carecem de ser publicados, pois a publicidade é intrínseca à informação. Todavia, isso não significa dizer que o único fim da informação ambiental seja a formação de opinião pública. Vai além, pois intenta cultivar a consciência ambiental, de forma que o destinatário da informação possa revelar sua opinião pelas vias administrativas e judiciais. Nesse escopo, as informações ambientais precisam ser veiculadas de modo que o informado tenha tempo satisfatório para análise da matéria e provável manifestação. _____________ 54 RIO DE JANEIRO. Declaração do Rio de Janeiro sobre meio ambiente e desenvolvimento, junho de 1992. Disponível em: <http://www.ufpa.br/npadc/gpeea/DocsEA/DeclaraRioMA.pdf>. Acesso em 12 ago.2010. 55 MACHADO, 2010, p.98. 37 2.1.3 Princípio da obrigatoriedade da intervenção do poder público Este princípio rege que os Estados têm função gestora, uma vez que o meio ambiente é constitucionalmente definido como um bem de uso comum do povo. Nesse curso, Fiorillo56 assevera: Ao estabelecer a existência de um bem que tem duas características específicas, a saber, ser essencial à sadia qualidade de vida e de uso comum do povo, a Constituição de 1988 formulou inovação verdadeiramente revolucionária, no sentido de criar um terceiro gênero de bem que, em face de sua natureza jurídica, não se confunde com os bens públicos e muito menos com os bens privados. Destarte, o dever de proteger e preservar o meio ambiente cabe, além da sociedade, ao Poder Público, que figura, não mais como detentor dos bens ambientais, mas como um gerente, que conduz bens que não lhe pertencem, tendo o dever de prestar contas de todos os seus atos gestores. A esse respeito, o anseio das gerações presentes consiste em entrever um Estado efetivamente comprometido com a proteção ambiental, que intervenha em desfavor de qualquer afronta ao meio ambiente. Estado este, que defenda os direitos ambientais da atual geração e de uma geração futura que, logicamente, ainda não pode manifestar-se. 2.1.4 Princípio da participação O artigo 225, caput, da CF/88 impõe à coletividade e ao Poder Público o dever de proteger e preservar o meio ambiente. Extrai-se desse dispositivo a idéia de “atuação conjunta entre organizações ambientalistas, sindicatos, indústrias, comércio, agricultura e tantos outros organismos sociais comprometidos nessa defesa e preservação”57. Assim, a participação não é uma faculdade, mas um dever. Em havendo omissão, há prejuízos de âmbito coletivo, visto que o direito ao meio ambiente apresenta natureza difusa. _____________ 56 57 FIORILLO, 2010, p.141. Ibid., p.118. 38 Dando continuidade a essa linha de pensamento, Fiorillo58 Corrobora que: O princípio da participação constitui ainda um dos elementos do Estado Social de Direito (que também poderia ser denominado Estado Ambiental de Direito), porquanto todos os direitos sociais são a estrutura essencial de uma saudável qualidade de vida, que, como sabermos, é um dos pontos cardeais da tutela ambiental. Nessa perspectiva, denotam-se presentes dois elementos fundamentais para a efetivação dessa ação em conjunto: a informação e a educação ambiental, mecanismos de atuação, numa relação de complementaridade. Sem dúvida, a influência da sociedade no arcabouço da gestão ambiental, quer seja na esfera pública ou na esfera privada, ocasiona alterações vultosas, ao passo em que interfere nos resultados dos projetos apresentados. Bem assim, a administração pública não mais detém a tutela ambiental, pois, debatendo-se questões de direito difuso, faz-se imperiosa a participação da comunidade em todas as instâncias decisivas. 2.1.5 Princípio da precaução O princípio da precaução originou-se no Direito Alemão, durante a década de 70, diante da necessidade de se avaliar previamente as conseqüências ambientais frente aos variados projetos em andamento ou prestes a ser implantados. Pauta-se no fato de que, em alguns casos, a ciência pode não proporcionar ao Direito a certeza necessária quanto à conseqüência lesiva que pode vir a ser ocasionada ao meio ambiente em decorrência da aplicação de uma determinada medida. Ao pairar a incerteza científica, o razoável é que se tenha mais cautela ou prudência na atividade a ser desenvolvida. Conforme entendimento de Antunes59, o conteúdo concreto do supradito princípio não apresenta um consenso entre a doutrina, sendo objeto de polêmicas e discussões. Tanto é verdade, que Fiorillo60 o considera como um princípio contido no princípio constitucional da prevenção. Segundo este último, dentro do plano constitucional brasileiro, seria irrelevante pretender diferenciar prevenção e _____________ 58 FIORILLO, 2010, p.119. ANTUNES, 2010, p.29. 60 FIORILLO, op. cit., p.118. 59 39 precaução. Entretanto, não compactuam da mesma opinião aquele primeiro e Machado61, que tratam dos aludidos princípios separadamente. O versado preceito consta no Princípio nº 15 da Declaração do Rio de Janeiro sobre meio ambiente e desenvolvimento62, qual seja: Com a finalidade de proteger o meio ambiente, os Estados deverão aplicar amplamente o critério de precaução conforme suas capacidades. Quando houver perigo de dano grave ou irreversível, a falta de certeza científica absoluta não deverá ser utilizada como razão para que seja adiada a adoção de medidas eficazes em função dos custos para impedir a degradação ambiental. Em termos mais precisos, Antunes complementa a idéia anterior, esmiuçando o referido conceito: O critério da precaução [...] é um princípio que se materializa na ordem interna de cada Estado, na exata medida das capacidades dos diferentes Estados. Ou seja, a aplicação de tal princípio deve levar em conta o conjunto de recursos disponíveis, em cada um dos Estados, para a proteção ambiental, considerando as peculiaridades locais. [...] A dúvida, para fins de que se impeça uma determinada ação, é fundada em análises técnicas e científicas, realizadas com base em protocolos aceitos pela comunidade internacional. O que tem ocorrido é que, muitas vezes, uma opinião isolada e sem a necessária base científica tem servido de pretexto para que se interrompam projetos e experiências importantes. [...]O princípio não determina a paralisação da atividade, mas que ela seja realizada com os cuidados necessários, até mesmo para que o 63 conhecimento científico possa avançar e a dúvida ser esclarecida . Posto isso, o princípio da precaução aplica-se aos impactos ambientais ainda não conhecidos sob o plano científico. Impactos estes, que não trazem consigo uma história de estudo e informação. Nesse intento, a precaução apresenta como principal peculiaridade a ação antecipada ante o risco ou o perigo de prejuízo ambiental grave ou irreversível, de modo a evitar, minimizar ou prevenir os danos ao meio ambiente. Essa ação antecipada resulta em uma visão mais cuidadosa da Administração Pública na liberação das licenças ambientais. Todavia, não necessariamente haverá a paralisação da atividade, mas sim um maior cuidado (cautela ou prudência) com essa atividade, ocasionando um EIA/Rima mais consistente, visto que a “aplicação do princípio da precaução relaciona-se intensamente com a avaliação prévia das atividades humanas”64. _____________ 61 MACHADO, 2010, p.71. RIO DE JANEIRO. Declaração do Rio sobre meio ambiente e desenvolvimento. Junho, 1992. Disponível em: <http://www.ufpa.br/npadc/gpeea/DocsEA/DeclaraRioMA.pdf>. Acesso em: 14 ago.2010. 63 ANTUNES, 2010, p.35. 64 MACHADO, op. cit., p.90. 62 40 Nesse teor, prossegue Machado ressaltando que esse princípio constitucional apresenta cinco características, a saber: a) o dano decorrente de uma ação ou inação é incerto diante do estado dos conhecimentos científicos atuais; b) há probabilidade de efeitos graves e irreversíveis ao meio ambiente; c) o princípio comanda diretamente autoridades públicas. Portanto, o Poder Público irá aplicá-lo a si mesmo, às empresas e aos cidadãos; d) há duas fases na aplicação do princípio da precaução: na primeira fase há a obrigação de procedimentos de avaliação de risco, e na segunda fase adotam-se medidas com a finalidade de evitar a ocorrência do dano; e) a adoção das medidas públicas é submetida a uma metodologia especial com duas vertentes: temporalidade e proporcionalidade. Temporalidade porque a medida deve durar enquanto houver incerteza, cessando sua validade quando se chegar à certeza. Proporcionalidade, não se devendo exigir mais do que indica a adequação 65 entre o meio utilizado e o fim desejado . Assim, vale destacar que, em caso de certeza do dano ambiental, o princípio a ser aplicado é o da prevenção. Porém, nos casos de incerteza, a ação também deve ser preventiva. E justamente essa ponderação é considerada pelo mesmo autor66 como a grande inovação do princípio da precaução. Segundo ele, “A dúvida científica, expressa com argumentos razoáveis, não dispensa a prevenção”. 2.1.6 Princípio da prevenção Aqui se ingressa, com efeito, em um dos princípios mais relevantes, senão o mais relevante do Direito Ambiental. Ressalte-se que os danos ambientais, grande parte das vezes, restam irreversíveis e, com isso, a prevenção torna-se comando fundamental. Nesse sentido, convém aludir ao artigo 225 da Constituição Federal de 1988: Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e 67 preservá-lo para as presentes e futuras gerações . Vê-se, portanto, nesse dispositivo, a tradução manifesta do princípio da prevenção por meio da incumbência conferida ao Poder Público e à coletividade de _____________ 65 MACHADO, 2010, p.79. Ibid., p.81. 67 BRASIL. Casa Civil. Constituição Federal da Republica Federativa do Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em: 17 ago.2010. 66 41 proteção e preservação do meio ambiente para as gerações atuais e futuras. Em face disso, uma política de educação ambiental faz-se imprescindível no desenvolvimento de uma consciência ecológica, vez que esta última é forte aliada na prevenção do dano ambiental. No entanto, ao fazer-se uma alusão ao pensamento de Fiorillo68, percebe-se que a realidade brasileira ainda não alcançou a referida consciência, sendo necessária, nesse sentido, a utilização de ferramentas para o respeito ao referido princípio. A exemplo disso, destaca-se o Estudo Prévio de Impacto Ambiental (EIA/Rima), a ser explicitado no próximo capítulo, que tem como elemento norteador, dentre outros, o princípio constitucional da prevenção. Nesse enfoque, Machado69 considera que não há prevenção sem pesquisa e informação organizada, e, em decorrência disso, divide a aplicação do princípio em referência em cinco itens: 1º) identificação e inventário das espécies animais e vegetais de um território, quanto à conservação da natureza e identificação das fontes contaminantes das águas e do mar, quanto ao controle da poluição; 2º) identificação e inventário dos ecossistemas, com a elaboração de um mapa ecológico; 3º) planejamento ambiental e econômico integrados; 4º) ordenamento territorial ambiental para a valorização das áreas de acordo com a sua aptidão; e 5º) Estudo de Impacto Ambiental. Em continuidade ao referenciado raciocínio, cumpre dar ênfase a dois princípios contidos no artigo 2º, incisos IV e IX, da Política Nacional do Meio Ambiente70 (Lei nº 6.938/81): Art 2º - A Política Nacional do Meio Ambiente tem por objetivo a preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida, visando assegurar, no País, condições ao desenvolvimento sócioeconômico, aos interesses da segurança nacional e à proteção da dignidade da vida humana, atendidos os seguintes princípios: [...]IV - proteção dos ecossistemas, com a preservação de áreas representativas; [...]IX - proteção de áreas ameaçadas de degradação; Desses dispositivos, depreende-se, segundo a visão doutrinária de Machado71, a aplicação inicial do princípio da prevenção, antes mesmo da Constituição Federal de 1988, visto que o autor considera impossível o instituto da proteção sem a aplicação de medidas preventivas. Em outras palavras, não há como proteger sem utilizar medidas de prevenção. Assim sendo, os meios utilizados na _____________ 68 FIORILLO, 2010, p.112. MACHADO, 2010, p.94. 70 BRASIL. Casa Civil. Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981. Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente. Art. 3º, inciso I, e Art. 2, inciso I,Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L6938.htm>. Acesso em 18 ago.2010. 71 MACHADO, op. cit., p.94 69 42 prevenção são variáveis “conforme o desenvolvimento de um país ou das opções tecnológicas”. Importante consignar, nesse curso de idéias, que o princípio da prevenção, embora próximo do princípio da precaução, não se confunde com este. Nesse passo, Antunes explicita: O princípio da prevenção aplica-se a impactos ambientais já conhecidos e dos quais se possa, com segurança, estabelecer um conjunto de nexos de causalidade que seja suficiente para a identificação dos impactos futuros mais prováveis. Com base no princípio da prevenção, o licenciamento ambiental, e até mesmo, os estudos de impacto ambiental podem ser realizados e são solicitados pelas autoridades públicas. Pois tanto o licenciamento quanto os estudos prévios de impacto ambiental são realizados com base em conhecimentos acumulados sobre o meio ambiente. O licenciamento ambiental, na qualidade de principal instrumento apto a prevenir danos ambientais, age de forma a evitar e, especialmente, minimizar e mitigar os danos que uma determinada atividade causaria ao 72 meio ambiente, caso não fosse submetida ao licenciamento ambiental . Por outro lado, o princípio da precaução, conforme explanação em linhas anteriores, diz respeito aos impactos ambientais desconhecidos e carentes de estudo científico. Contudo, o mesmo autor afirma que “a própria doutrina nacional ainda não se estabilizou no sentido de reconhecer a diferença entre ambos os princípios” 73 e considera tal fato justificável em virtude da novidade da matéria; ao mesmo tempo em que alerta quanto aos “efeitos negativos que tal troca de denominação possa vir a causar para uma adequada aplicação do Direito”. Sob esse prisma, Antunes esclarece, ainda, que “a prevenção de danos, tal como presente no princípio ora examinado, não significa – em absoluto – a eliminação de danos” 74, pois ao passo em que se avalia os danos que poderão ser ocasionados por um empreendimento específico, avalia-se, também, os benefícios que poderão advir do mesmo empreendimento, o que resulta na ponderação do administrador quanto ao deferimento ou indeferimento de determinado licenciamento ambiental. De certo, a relevância do princípio em questão encontra-se proporcionalmente relacionada à consumação ou ao risco do dano ambiental. Pois, uma vez ocorrido o dano, dificilmente poderá ser reconstituído ou reparado, já que, em regra, a degradação ambiental é irreversível. E, mesmo que haja a possibilidade de _____________ 72 ANTUNES, 2010, p.45. Ibid., p.46. 74 Ibid., p.45. 73 43 reparação, esta restará demasiadamente onerosa, bem como pouco provavelmente esse ecossistema retomará as características originais. Desse modo, prima-se por prevenir, vez que a prevenção apresenta-se como a solução mais recomendável no que diz respeito à preservação ambiental, pressupondo dinamismo à medida que requer a composição de informações atualizadas e reavaliadas; exercendo, assim, influência na “formulação das novas políticas ambientais, das ações dos empreendedores e das atividades da Administração Pública, dos legisladores e do Judiciário”75. Constata-se, ademais, que o princípio em estudo relaciona-se “ao conhecimento antecipado dos sérios danos que podem ser causados ao bem ambiental em determinada situação e a realização de providências para evitá-los”76. Ou seja, no conceito em discussão, há um nexo causal demonstrado pela ciência entre uma determinada ação e suas conseqüências ao meio ambiente. 2.1.7 Princípio do usuário-pagador e poluidor-pagador A utilização, pelo homem, dos inúmeros recursos naturais pode ser gratuita ou onerosa. Se onerosa, a cobrança pode depender, dentre outras coisas, da escassez do recurso, da necessidade da prevenção de danos ambientais ou do uso poluidor. Eis então que, sob o ponto de vista legal, a Política Nacional do Meio Ambiente, instituída pela Lei nº 6.938/81, anuncia o princípio em tela: Art 4º - A Política Nacional do Meio Ambiente visará: VII - à imposição, ao poluidor e ao predador, da obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados e, ao usuário, da contribuição pela utilização 77 de recursos ambientais com fins econômicos . Diante desse panorama, tal preceito noticia que somente o usuário deve arcar com os custos destinados a possibilitar o uso do recurso natural, bem como com os custos ocasionados por essa utilização. Ou seja, somente aquele que se beneficiou _____________ 75 MACHADO, 2010, p.95. BITTENCOURT, Marcus Vinicius Corrêa. O princípio da prevenção no Direito Ambiental. Disponível em: <http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/2564/O-principio-da-prevencao-no-DireitoAmbiental>. Acesso em: 19 ago. 2010. 77 BRASIL. Casa Civil. Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981. Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente. Art. 3º, inciso I, e Art. 2, inciso I,Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L6938.htm>. Acesso em 19 ago.2010. 76 44 do recurso natural deve suportar os custos, não cabendo ao Poder Público, tampouco a terceiros esse suporte. Ressalte-se, nesse teor, que a cobrança imposta ao utilizador do recurso não deve importar em taxas abusivas. E mais, o referido preceito não constitui caráter punitivo, pois pode ser cobrado mesmo que o comportamento do pagador seja lícito. Em relação ao princípio poluidor-pagador, cumpre enfatizar o posicionamento de Machado: O princípio usuário-pagador contém também o princípio poluidor-pagador, isto é, aquele que obriga o poluidor a pagar a poluição que pode ser causada ou que já foi causada. O uso gratuito dos recursos naturais tem representado um enriquecimento ilegítimo do usuário, pois a comunidade que não usa do recurso ou que o utiliza em menor escala fica onerada. O poluidor que usa gratuitamente o meio ambiente para nele lançar os poluentes invade a propriedade pessoal de todos os outros que não poluem, confiscando o direito de propriedade 78 alheia . Para endossar essa idéia, com muita acuidade Fiorillo79 assimila que pode-se identificar, nesse princípio, duas visões de alcance, quais sejam: o caráter preventivo, diante da necessidade de evitar que danos ambientais aconteçam e o caráter repressivo, diante da necessidade de reparação na ocorrência do dano. Na mesma postura, Machado ressalva: Temos que diferenciar dois momentos da aplicação do princípio “poluidorpagador” ou “predador-pagador”: um momento é o da fixação das tarifas ou preços e/ou da exigência de investimento na prevenção do recurso natural, e outro momento é o da responsabilização residual ou integral do poluidor. [...] O pagamento efetuado pelo poluidor ou pelo predador não lhes confere 80 qualquer direito a poluir . A esse respeito, infere-se da leitura de Antunes81, que o preceito em estudo não tem a pretensão de recuperar bens ambientais lesados, e sim formular um mecanismo econômico que detenha o desperdício desenfreado dos recursos naturais. Em termos de arremate final, cabe notar, ainda, que os princípios do Direito Ambiental estão imbuídos de extrema importância, pois têm como objetivo maior a proteção ambiental e, conseqüentemente, a melhoria da qualidade de vida da coletividade, constituindo elementos norteadores desse campo do Direito. Outrossim, embora o Direito Ambiental seja dotado de autonomia, tais preceitos não _____________ 78 MACHADO, 2010, p.67. FIORILLO, 2010, p.88. 80 MACHADO, op. cit., p.68. 81 ANTUNES, 2010, p.50. 79 45 são autônomos, uma vez que se encontram vinculados à Ordem Constitucional e, por isso mesmo, devem ser interpretados em conformidade com os demais princípios regentes da Constituição Federal Brasileira. 46 CAPÍTULO 3 - LICENCIAMENTO AMBIENTAL E ESTUDO PRÉVIO DE IMPACTO AMBIENTAL 3.1 LICENCIAMENTO AMBIENTAL E LICENÇA ADMINISTRATIVA O licenciamento ambiental constitui um dos instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente e tem previsão legal no Art. 9º, inciso IV da Lei nº 6.938/81. Ao lado disso, os dois primeiros incisos do Art. 1º, da Resolução nº 237/9782 do Conselho Nacional do Meio Ambiente, esclarecem as definições de licenciamento ambiental e de licença ambiental, que perfazem conceitos diferenciados, a saber: I - Licenciamento Ambiental: procedimento administrativo pelo qual o órgão ambiental competente licencia a localização, instalação, ampliação e a operação de empreendimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais, consideradas efetiva ou potencialmente poluidoras ou daquelas que, sob qualquer forma, possam causar degradação ambiental, considerando as disposições legais e regulamentares e as normas técnicas aplicáveis ao caso. II - Licença Ambiental: ato administrativo pelo qual o órgão ambiental competente, estabelece as condições, restrições e medidas de controle ambiental que deverão ser obedecidas pelo empreendedor, pessoa física ou jurídica, para localizar, instalar, ampliar e operar empreendimentos ou atividades utilizadoras dos recursos ambientais consideradas efetiva ou potencialmente poluidoras ou aquelas que, sob qualquer forma, possam causar degradação ambiental. Diante de tais asserções, tem-se que o licenciamento ambiental é caracterizado pelo conjunto de fases que integra o procedimento administrativo, no intuito final de fazer conceder a licença ambiental. Enquanto esta última, ao seu turno, representa uma espécie de ato administrativo de cunho declaratório e vinculado83, na qual a “Administração faculta àquele que preencha os requisitos legais o exercício de uma atividade”84. Posto isso, verifica-se que a licença ambiental constitui uma das etapas do procedimento de licenciamento ambiental. Sirvinskas85, por sua vez, denota licenciamento ambiental como um “procedimento administrativo que tramita perante um órgão público ambiental. É, em _____________ 82 CONAMA. Resolução nº 237, de 19 de dezembro de 1997. Disponível em: <http://www.mma.gov.br/port/conama/res/res97/res23797.html>. Acesso em: 19 ago. 2010. 83 FIORILLO, 2010, p.205. 84 Ibid., p.205. 85 SIRVINSKAS, 2010, p. 225. 47 outras palavras, uma sucessão de atos concatenados com o objetivo de alcançar uma decisão final externada pela licença ambiental”. Ainda sobre essa definição, em outros termos define Antunes: “O licenciamento ambiental é, juntamente com a fiscalização, a principal manifestação do poder de polícia exercido pelo Estado sobre as atividades utilizadoras de recursos ambientais”86, materializando-se com as licenças ambientais. Já em relação à conceituação de licença ambiental, Sirvinskas87 preceitua o seguinte: A licença ambiental é a outorga concedida pelo Poder Público a quem pretende exercer uma atividade potencialmente nociva ao meio ambiente. Assim, todo aquele que pretender construir, instalar, ampliar e colocar em funcionamento estabelecimentos e atividades utilizadores de recursos ambientais, considerados efetiva ou potencialmente poluidores, deverá requerer perante o órgão público competente a licença ambiental. Indo mais adiante, o doutrinador Antunes prossegue fazendo uma observação sobre a condição jurídica do mesmo instituto: A licença ambiental não pode ser reduzida à condição jurídica de simples autorização, pois os investimentos econômicos que se fazem necessários para a implantação de uma atividade utilizadora de recursos ambientais, em geral, são elevados. Por outro lado, a concessão de licenças com prazos fixos e determinados demonstra que o sentido de tais documentos é o de impedir a perenização de padrões que, sempre, são ultrapassados tecnologicamente. A situação, portanto, deve ser posta nos seguintes termos: enquanto uma licença for vigente, a eventual modificação de padrões ambientais não pode ser obrigatória para aquele que esteja regularmente licenciado segundo os padrões vigentes à época da concessão da licença. [...]Uma vez encerrado o prazo de validade de uma licença ambiental, os novos padrões são 88 imediatamente exigíveis . Satisfeitas as considerações doutrinárias, insta salientar que qualquer procedimento de licenciamento ambiental deve ser formalizado em concordância com os princípios do devido processo legal, abordado por Milaré e Benjamim como due process ambiental. Tais autores enfocam que, para que haja pleno respeito a esse processo, faz-se preciso considerar dez aspectos: a) um órgão neutro; b) notificação adequada da ação proposta e de sua base; c) oportunidade para apresentação de objeções ao licenciamento; d) o direito de produzir e apresentar provas, aí se incluindo o direito de indicar testemunhas; e) o direito de conhecer a prova contrária; f) o direito de contraditar testemunhas; g) uma decisão baseada somente nos elementos constantes da prova produzida; h) o direito de se fazer representar; i) o direito à elaboração de autos escritos para o procedimento; j) o direito de _____________ 86 ANTUNES, 2010, p.146. SIRVINSKAS, 2010, p. 227. 88 ANTUNES, op. cit., p.153. 87 48 receber do Estado auxílio técnico e financeiro; l) e, finalmente, o direito a 89 uma decisão escrita motivada . Nessa perspectiva, considera-se a coletividade e não somente o indivíduo ou empresa autora do projeto, vislumbrando-se uma atuação administrativa democrática por meio da atuação dos interessados no percurso do procedimento e em sua decisão final. Ao tempo em que, reclama, ainda, uma atuação neutra da administração e imparcialidade quanto ao resultado do referido procedimento. Diante disso, importante asseverar a visão do professor Fiorillo, de que o “licenciamento ambiental será regido pelos princípios da moralidade ambiental, legalidade ambiental, publicidade, finalidade ambiental, supremacia do interesse difuso sobre o privado, indisponibilidade do interesse público” 90 , dentre outros. Isso porque, “o licenciamento ambiental que não observe em sua tramitação os princípios fundamentais da Administração Pública é licenciamento ambiental ilegal”91. Em face de tais esclarecimentos, surge a necessidade de um relacionamento harmônico entre os princípios do Direito Ambiental e os Princípios de Direito Administrativo, de modo que estes restem compatíveis. Quanto à competência sobre o licenciamento ambiental, impende registrar o constante no artigo 10 da Lei nº 6.938/81: Art. 10 - A construção, instalação, ampliação e funcionamento de estabelecimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais, considerados efetiva e potencialmente poluidores, bem como os capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental, dependerão de prévio licenciamento de órgão estadual competente, integrante do Sistema Nacional do Meio Ambiente - SISNAMA, e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis - IBAMA, em caráter supletivo, sem prejuízo de outras licenças exigíveis. [...] § 4º Compete ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis - IBAMA o licenciamento previsto no caput deste artigo, no caso de atividades e obras com significativo impacto ambiental, de âmbito 92 nacional ou regional . Partindo-se desse preceito, nota-se que o processo de licenciamento ambiental e respectiva concessão de licenças compete ao atinente órgão estadual, no caso de atividades degradantes no âmbito dos Estados; e ao IBAMA, no caso de atividades geradoras de impacto ambiental em âmbito nacional. Além do mais, _____________ 89 MILARÉ, Edis; BENJAMIM, Antonio Herman V. Estudo Prévio de Impacto Ambiental: teoria, prática e legislação. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993, p.91. 90 FIORILLO, 2010, p.208. 91 ANTUNES, 2010, p.152. 92 BRASIL. Casa Civil. Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981. Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente. Art. 3º, inciso I, e Art. 2, inciso I. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L6938.htm>. Acesso em 03 nov.2010. (Grifo nosso). 49 ressalte-se que o Decreto 99.274/90, ao regulamentar a Lei 6.938/81, fez a previsão de três tipos de licenças em seu artigo 19, a saber: Licença Prévia (LP), Licença de Operação (LO) e Licença de Instalação (LI), também tratadas como etapas do licenciamento ambiental, pelo artigo 8º, da Resolução CONAMA 237/97. 3.1.1 Etapas do licenciamento ambiental O procedimento do licenciamento ambiental abarca três etapas diversas e essencialmente relacionadas. São elas: Licença Prévia (LP), Licença de Instalação (LI) e Licença de Operação (LO). A licença prévia consta no artigo 8º, inciso I, da Resolução CONAMA nº 237/97: Art. 8º - O Poder Público, no exercício de sua competência de controle, expedirá as seguintes licenças: I - Licença Prévia (LP) - concedida na fase preliminar do planejamento do empreendimento ou atividade aprovando sua localização e concepção, atestando a viabilidade ambiental e estabelecendo os requisitos básicos e condicionantes a serem atendidos nas próximas fases de sua 93 implementação ; Mediante a leitura do inciso em comento, observa-se que a licença prévia deve ser requerida durante a fase de planejamento da implantação da atividade ou empreendimento, podendo, também, ser solicitada quando se planeja a alteração ou ampliação desses últimos. A ela compete atestar a viabilidade ambiental e estabelecer as condições determinantes das próximas fases de implementação do projeto (instalação e operação). Nos termos do artigo 18, inciso I, da mesma Resolução, seu prazo de validade não pode ultrapassar 5 (cinco) anos. A licença de instalação, por sua vez, está prevista no segundo inciso do artigo 8º, da Resolução CONAMA 237/97: Art. 8º - O Poder Público, no exercício de sua competência de controle, expedirá as seguintes licenças: [...]II - Licença de Instalação (LI) - autoriza a instalação do empreendimento ou atividade de acordo com as especificações constantes dos planos, programas e projetos aprovados, incluindo as medidas de controle ambiental e demais condicionantes, da qual constituem motivo 94 determinante ; _____________ 93 CONAMA. Resolução nº 237, de 19 de dezembro de 1997. Disponível em: <http://www.mma.gov.br/port/conama/res/res97/res23797.html>. Acesso em: 24 ago. 2010. 94 Ibid. Acesso em: 24 ago. 2010. 50 Com efeito, a licença em reflexão alude às medidas de controle ambiental e demais condicionantes determinadas, anteriormente, pela licença prévia. Pois, uma vez atendidas, possibilitam a autorização da instalação da atividade ou empreendimento, desde que em conformidade com as especificações inclusas nesses planos e projetos aprovados. Em outras palavras, por meio da licença de instalação ocorre a autorização para o início da implantação da atividade ou empreendimento. No entanto, só é concedida após atendimento das condições impostas pela licença prévia, devendo ser necessariamente precedida por esta última. Ressalte-se, por oportuno, que o prazo de validade da licença de instalação não pode ser superior a 6 (seis) anos, conforme preceitua o artigo 18, inciso II da Resolução em estudo. A licença de operação, sob essa argumentação, apresenta cunho sucessor da licença de instalação e pode ser denominada, também, como licença de funcionamento. Sua previsão está inserta no Artigo 8º, inciso III, da Resolução 237/97-CONAMA: Art. 8º - O Poder Público, no exercício de sua competência de controle, expedirá as seguintes licenças: [...]III - Licença de Operação (LO) - autoriza a operação da atividade ou empreendimento, após a verificação do efetivo cumprimento do que consta das licenças anteriores, com as medidas de controle ambiental e 95 condicionantes determinados para a operação . Nesse contexto, depois de obedecidas as determinações previstas nas licenças anteriores; subsiste, por meio da licença de operação, a autorização para o início do funcionamento da atividade ou empreendimento. Cumpre salientar, nesse teor, o preceituado no artigo 18, inciso III, da referida Resolução, que prevê o prazo mínimo de 4 (quatro) anos e máximo de 10 (dez) anos, para validade da licença de operação. Diante de tais considerações e a fim de ilustração, insta destacar, a seguir, o fluxo lógico96 das etapas do Licenciamento Ambiental: _____________ 95 CONAMA. Resolução nº 237 , de 19 de dezembro de 1997. Disponível em: <http://www.mma.gov.br/port/conama/res/res97/res23797.html>. Acesso em: 24 ago. 2010. 96 MORAES, Luís Carlos Silva de. Curso de Direito Ambiental. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2006, p. 100. 51 Figura 1 - Fluxo Lógico Fonte: Moraes (2006) 3.1.1.1 Demais considerações Como visto, a licença de operação está intrinsecamente relacionada às duas fases anteriores, quais sejam: licença prévia e licença de instalação, haja vista que aquela primeira dependerá do efetivo cumprimento de tudo o que fora examinado e deferido nas fases anteriores. Assim, em alusão ao Decreto 99.274/90, “os Estados poderão aumentar as modalidades de licenciamento, adicionar exigência para cada fase, não podendo, contudo, exigir menos” 97. Dentro desse propósito, no que tange a licença prévia apregoada no inciso I do artigo 8º, Resolução 27/97-CONAMA, importa assinalar Machado: _____________ 97 MACHADO, 2010, p.296. 52 [...]só é possível “atestar a viabilidade ambiental” do projeto se houver a devida e legal avaliação prévia do próprio objeto. Assim, se o projeto tiver a potencialidade de causar dano significativo ao meio ambiente, deverá ser realizado o Estudo Prévio de Impacto Ambiental, antes da outorga da 98 “Licença Prévia” . [...]A fase chamada de “Licença Prévia” pode coincidir com o EPIA, mas 99 normalmente o estudo deverá anteceder a Licença Prévia . Em assim sendo, observa-se ser prática administrativa corriqueira exigir-se, do empreendedor, antes mesmo da licença prévia, o Estudo Prévio de Impacto Ambiental. Tal fato gera dúvida quanto ao momento de exigência do EIA em face do licenciamento ambiental. Em decorrência dessa imprecisão, de modo diverso comenta Antunes100: A norma constitucional é clara e não admite outra interpretação: os estudos de impacto ambiental devem ser exigidos antes da instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação ambiental. A Constituição não exige, e nem é o seu papel, que o EIA seja apresentado logo no início do processo de licenciamento ambiental, ou seja, antes mesmo da concessão de Licença Prévia (LP) [...] o que implica investimentos significativos antes da existência de um planejamento mais consistente da atividade. A Constituição Federal, em seu artigo 225, § 1º, IV, estabelece que incumbe ao Poder Público exigir, na forma da lei, “para a instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade.” De maneira contundente, o segundo autor defende a posição de que a Licença Prévia equivale à etapa preliminar, ocasião na qual não existem, ainda, elementos suficientes para a execução do EIA. Corrobora, de igual forma, que o artigo 10 da Resolução CONAMA 237/97 estabelece, somente, “que o processo de licenciamento ambiental deverá contemplar determinadas etapas que deverão ser condizentes com o planejamento do projeto a ser implantado” 101; concluindo que o EIA deve ocorrer anteriormente à implantação do projeto ou atividade, não existindo exigência alguma de que deva anteceder a Licença Prévia. Colocados os posicionamentos dos dois doutrinadores quanto ao momento de realização do EIA, importa destacar a importância desse instrumento no que diz respeito à proteção ambiental, pois que apresenta natureza evidentemente preventiva, consubstanciando, por conseguinte, o princípio constitucional da prevenção. _____________ 98 MACHADO, 2010, p.296. Ibid., p.276. 100 ANTUNES, 2010, p.158. 101 Ibid., p.159. 99 53 3.2 ESTUDO PRÉVIO DE IMPACTO AMBIENTAL 3.2.1 Impacto ambiental Antes de adentrar na seara do Estudo de Impacto Ambiental, insta esclarecer o que vem a ser impacto ambiental. Nesse sentido, pode-se sintetizar que o instituto em comento caracteriza-se como “uma modificação brusca causada no meio ambiente”102. Habitualmente, considera-se o impacto ambiental como algo negativo. Entretanto, a depender do caso, tal impacto pode ser positivo ou negativo. O conceito legal de impacto ambiental evidencia-se na Resolução n° 1/86, do CONAMA103, em seu artigo 1º: Artigo 1º - Para efeito desta Resolução, considera-se impacto ambiental qualquer alteração das propriedades físicas, químicas e biológicas do meio ambiente, causada por qualquer forma de matéria ou energia resultante das atividades humanas que, direta ou indiretamente, afetam: I - a saúde, a segurança e o bem-estar da população; II - as atividades sociais e econômicas; III - a biota; IV - as condições estéticas e sanitárias do meio ambiente; V - a qualidade dos recursos ambientais. E, também, no artigo 1°, IV, da Resolução CONAMA n° 237/97104, que define impacto regional: Art. 1º - Para efeito desta Resolução são adotadas as seguintes definições: IV – Impacto Ambiental Regional: é todo e qualquer impacto ambiental que afete diretamente (área de influência direta do projeto), no todo ou em parte, o território de dois ou mais Estados. Já na concepção doutrinária, Antunes divulga o seguinte: O impacto ambiental é, portanto, o resultado da intervenção humana sobre o meio ambiente. Pode ser positivo ou negativo, dependendo da qualidade da intervenção desenvolvida. A ciência e a tecnologia podem, se utilizadas adequadamente, contribuir enormemente para que o impacto da atividade humana sobre natureza seja positivo e não negativo. É bem verdade que os impactos ambientais positivos têm merecido uma atenção menor por parte dos estudiosos do tema. A atitude justifica-se, pois as questões ambientais têm se apresentado ao debate em razão dos “problemas” e não pelos sucessos alcançados na relação com o meio ambiente [...] _____________ 102 ANTUNES, 2010, p.268. CONAMA. Resolução nº 1, de 23 de janeiro de 1986. Disponível em: <http://www.mma.gov.br/port/conama/legiabre.cfm?codlegi=23>. Acesso em: 30 ago. 2010. 104 CONAMA. Resolução nº 237, de 19 de dezembro de 1997. Disponível em: <http://www.mma.gov.br/port/conama/legiabre.cfm?codlegi=237>. Acesso em: 30 ago. 2010. 103 54 [...] Impacto ambiental, portanto, é um abalo, uma impressão muito forte, muito profunda, causada por motivos diversos sobre o meio ambiente, isto é, sobre aquilo que cerca ou envolve os seres vivos. Se forem positivos, 105 devem ser estimulados; se forem negativos, devem ser evitados . Vê-se, à luz de tais considerações, que o conceito jurídico de impacto ambiental é amplo e, a bem da verdade, complexo, uma vez que várias podem ser as conseqüências ambientais ocasionadas pela atividade humana diante da sua interferência no mundo natural. Segundo Antunes106, essa complexidade é técnica (pelo conjunto de disciplinas envolvidas na realização do estudo), jurídica (em razão da função legal exercida pelo EIA) e política (em decorrência da participação popular nos métodos licenciamento). Em fato, o homem necessita dos recursos naturais para sua sobrevivência, mas isso não significa a utilização deles de forma predatória. Nesse ínterim, faz-se preciso dosar a relação homem/natureza, a fim de que a intervenção humana seja a mais positiva possível. 3.2.2 Origem, conceito e objetivo do Estudo Prévio de Impacto Ambiental Feitas as ponderações anteriores, sabe-se que projetos desenvolvimentistas constituem uma necessidade para o crescimento do país, ao passo em que, indiscutivelmente, interferem no meio ambiente. Nesse contexto, faz-se importante atribuir enfoque aos instrumentos que possibilitem a diminuição dos impactos ambientais negativos. Dentre eles, merece relevo o Estudo Prévio de Impacto Ambiental, oriundo do “National Environmental Policy Act (NEPA) [Lei da Política Nacional do Meio Ambiente], de 1969, no ordenamento jurídico107“ dos Estados Unidos. A partir, daí, disseminou-se pelo mundo, sendo utilizado por mais de oitenta países, dentre eles: Alemanha, França e, evidentemente, Brasil108. Em face do assunto, o autor Beltrão preleciona: O EIA [...] consiste basicamente em uma exigência procedimental na qual deve haver: um exame das alternativas para o projeto proposto; um plano de mitigação para os impactos significativos que tal projeto possa acarretar; e oportunidade para que o público afetado, compreendendo cidadãos e _____________ 105 ANTUNES, 2010, p.272. ANTUNES, op. cit, p.297. 107 BELTRÃO, Antonio F. G. Aspectos Jurídicos do Estudo de Impacto Ambiental. São Paulo: MP Ed., 2008, p.13. 108 FIORILLO, 2010, p.211. 106 55 associações, possa participar efetivamente do processo. Logo, o EIA consiste em um poderoso instrumento que aprimora o procedimento decisório e impõe transparência aos governos, fortalecendo a democracia. [...]O EIA nada mais é do que um planejamento. Consiste em um procedimento que pretende gerar e colher informações do proponente do projeto, dos consultores e do público em geral sobre um dado projeto para servir como base para a decisão a ser tomada pelo ente governamental 109 competente . Nesse teor, sinteticamente, o EIA incide em um “procedimento pragmático que objetiva tornar acessível ao agente decisório todas as informações relevantes sobre os potenciais impactos que o projeto proposto poderá ocasionar”110; propiciando embasamento à Administração Pública na tomada de decisões atinentes à questão ambiental, sendo, portanto, um procedimento público, preventivo, transparente e carecedor de decisões motivadas111. Ademais, o EIA, além de ser instrumento da Política Nacional do Meio Ambiente previsto no artigo 9º da Lei n° 6.938/81, perfaz natureza jurídica de instituto constitucional112, de modo a auxiliar, por meio das informações técnicas, o efetivo cumprimento dos objetivos inseridos no artigo 2° dessa mesma lei, dentre eles: “a preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida”113. 3.2.3 A estrutura legal do Estudo de Impacto Ambiental no Brasil. O Estudo de Impacto Ambiental foi introduzido no ordenamento jurídico brasileiro por meio da Lei n° 6.803/80; que aborda as “diretrizes básicas para o zoneamento industrial nas áreas críticas de Poluição” 114 e prevê, em seu artigo 10, §3°, que a aprovação das zonas industriais, além dos outros estudos previstos, “será precedida de estudos especiais de alternativas e de avaliações de impacto; que _____________ 109 BELTRÃO, 2008, p.13 e 15. Ibid., p.16. 111 MILARÉ; BENJAMIM, 1993, p.14. 112 ANTUNES, 2010, p.297. 113 BRASIL. Casa Civil. Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981. Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente.Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L6938.htm>. Acesso em 27 ago.2010. 114 BRASIL. Casa Civil. Lei nº 6.803, de 02 de julho de 1980. Dispõe sobre as diretrizes básicas para o zoneamento industrial nas áreas críticas de poluição, e dá outras providências. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6803.htm>. Acesso em 02 set. 2010. 110 56 permitam estabelecer a confiabilidade da solução a ser adotada”. Como se vê, a Lei em comento fez insurgir a necessidade de se avaliar o impacto ambiental dos empreendimentos industriais, sendo dotada de grande importância. Mais adiante, com o advento da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei n° 6.938/81), citada por diversas vezes no presente trabalho, tamanha sua relevância; foi criado o Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA), cuja estrutura delineia como órgão consultivo e deliberativo o Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), atribuindo a este último, em seu artigo 8º, inciso I, competência para “estabelecer, mediante proposta do IBAMA, normas e critérios para o licenciamento de atividades efetiva ou potencialmente poluidoras”115. Acerca desse tema, a Resolução CONAMA n° 1/86116, instituiu a obrigatoriedade do Estudo de Impacto Ambiental, bem como do seu respectivo relatório (RIMA) para a concessão de licenciamento ambiental nas hipóteses constantes em seu artigo 2°. Assim, a realização do EIA passou a ser considerada como a concretização da Avaliação de Impacto Ambiental prevista no inciso III do artigo 9º da Lei 6.938/81. Outrossim, sob a égide da Resolução mencionada inicialmente, assinala Fiorillo: A [...] aludida Resolução Conama n. 1/86 tratou também de contemplar as alternativas tecnológicas e de localização do projeto; confrontando-as com as hipóteses de não execução deste; de identificar e avaliar sistematicamente os impactos ambientais gerados nas fases de implantação e operação da atividade; de definir os limites da área geográfica a ser direta ou indiretamente afetada pelos impactos (área de influência do projeto), considerando, ainda, a bacia hidrográfica na qual se localiza e os planos e programas governamentais propostos e em implantação na área de 117 influência do projeto e sua compatibilidade . No que se atina ao conteúdo do EIA, a versada Resolução preocupa-se, em seu artigo 6º, em diagnosticar a situação ambiental encontrada na atualidade antes de implantar o projeto, o que torna possível comparar o presente com as alterações futuras, caso ocorra o deferimento daquele primeiro. Nessa análise, há que se considerar o meio físico (subsolo, águas, ar, clima, recursos minerais, topografia, correntes marinhas e atmosféricas), o meio biológico e os ecossistemas naturais _____________ 115 BRASIL. Casa Civil. Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981. Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L6938.htm>. Acesso em 02 Set. 2010. 116 CONAMA. Resolução nº 1, de 23 de janeiro de 1986. Disponível em: <http://www.mma.gov.br/port/conama/legiabre.cfm?codlegi=23>. Acesso em: 02 Set. 2010. 117 FIORILLO, 2010, p.212. 57 (fauna e flora) e o meio sócio econômico118. Importante, ainda, analisar os impactos ambientais positivos e negativos, de forma a verificar danos potenciais e o seu grau de reversibilidade, bem como elaborar um programa de monitoramento e acompanhamento destes, além de definir medidas que possam mitigar os impactos negativos. Ainda em termos de evolução da legislação disciplinadora do EIA, foram editadas as Resoluções CONAMA n° 6/87 e n° 9/87 que tratam, respectivamente, do licenciamento ambiental de obras relacionadas à geração de energia elétrica e das audiências públicas. E, mais à frente, com a chegada da Constituição Federal de 1988, restou consolidada a função do EIA como instrumento da Política Nacional do Meio Ambiente. É o que preleciona o Art. 225, inciso IV, in verbis: Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações. § 1º - Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público: [..]IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, 119 estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade ; Segundo se infere da leitura do mencionado dispositivo legal, em primeiro lugar, observa-se a necessidade do EIA ser anterior ao projeto. Em um segundo momento, a denotação do conceito de degradação ambiental: “o EIA não deve ser exigido para todos os impactos ambientais, mas apenas para aqueles que forem significativos, ou seja, relevantes, substanciais, consideráveis”120, devendo haver critérios para o seu requerimento. E, no terceiro momento, ocorre a previsão da publicidade do referido Estudo. Nesse sentido, ao remeter-se ao caput do artigo em glosa, que prevê a participação do Poder Público e da coletividade na defesa do Meio Ambiente, entende-se que a população “deve ter oportunidade para participar efetivamente no procedimento do EIA”.121 Posto isso, arremata-se que os princípios da prevenção, precaução, desenvolvimento sustentável e participação pública são próprios do Estudo de Impacto Ambiental. _____________ 118 CONAMA. Resolução nº 1, de 23 de janeiro de 1986. Artigo 6°. Disponível em: <http://www.mma.gov.br/port/conama/legiabre.cfm?codlegi=23>. Acesso em: 03 Set. 2010. 119 BRASIL. Casa Civil. Constituição Federal da Republica Federativa do Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em: 03 set.2010. 120 BELTRÃO, 2008, p.33. 121 Ibid., p.33. 58 Pelo encadeamento dessas idéias, faz-se cogente enfatizar que a norma constitucional, no que tange à sua adequada compreensão, provoca dúvidas e divergências. É justamente esse o entendimento de Antunes: A constitucionalização dos Estudos de Impacto Ambiental não foi acompanhada de uma legislação ordinária apta a concretizar a determinação constitucional no plano da prática diária e administrativa. Fato é que a norma constitucional é aberta e necessita que o Poder Executivo defina critérios capazes de estabelecer, com segurança, qual é o conceito de atividade que efetiva ou potencialmente possa ser causadora de significativa degradação ambiental. Infelizmente, a matéria permanece, em âmbito federal, regulada por ato administrativo de escala subalterna, que são as resoluções do CONAMA. Diante da inexistência de conceitos normativos claros, nada impede que, por via legislativa, sejam criados mecanismos para a dispensa da realização de Estudos de Impacto 122 Ambiental . De fato, na acepção de Fiorillo123, a norma constitucional não definiu o que vem a ser uma atividade de degradação significativa, ocasionando uma indefinição a esse respeito e uma conseqüente dificuldade de operacionalização da norma. Advirta-se, no mesmo curso, que o termo obra, de igual forma, não foi definido, o que sugere que qualquer obra pode se sujeitar à execução do EIA/Rima. Com efeito, a exigência do aludido Estudo importa vínculo com o “efeito e a impactação que possa causar e não propriamente com a natureza do empreendimento (obra, atividade, construção, etc.)”124. Esse mesmo autor abona a idéia de que: [...]algumas vozes doutrinárias têm sustentado que a exigência do EIA/RIMA é inconstitucional, uma vez que o art. 225, § 1°, IV, prescreve a necessidade de que lei o exija, e, como sabemos, a imposição do EIA/RIMA foi trazida por intermédio de resoluções: primeiramente, através da Resolução Conama n. 1/86 e, posteriormente, da Resolução Conama n. 237/97. Apesar da aparente inconstitucionalidade, a exigência trazida pelo art. 225, § 1°, IV, é cumprida. Isso porque a lei a que se refere o Texto Constitucional é a de n. 6.938/81 (Lei da Política Nacional do Meio Ambiente). Esta, por sua vez, menciona a criação do Conselho Nacional do Meio Ambiente – Conama – e, no art 8º, II, determina ser competência deste, quando julgar necessário, a realização de estudos das alternativas e das possíveis conseqüências ambientais de projetos públicos ou privados, requisitando aos órgãos federais, estaduais e municipais, bem assim a entidades privadas, as informações indispensáveis para a apreciação de estudos de impacto ambiental, e respectivos relatórios, no caso de obras ou atividades de significativa degradação ambiental, especialmente nas áreas 125 consideradas patrimônio nacional . À luz desse entendimento, as Resoluções do CONAMA, no que dizem respeito ao EIA/RIMA, apresentam conformidade com a Constituição Federal, uma vez que a Lei n° 6.938/81 atribuiu àquele órgão competência para exigência do _____________ 122 ANTUNES, 2010, p.289. FIORILLO, 2010, p.214. 124 Ibid., p.214. 125 Ibid., p.214. 123 59 referido Estudo, estabelecendo seu modo e forma de execução. Entretanto, Antunes acredita que seja tempo de cominar tratamento diferenciado ao tema. Segundo ele, a expressão ‘na forma da lei’ contida no Art. 225, § 1°, IV; remete à submissão do EIA aos princípios gerais da Administração Pública, mais especificamente ao princípio da legalidade, e pondera que a regulamentação da exigência do EIA deve ser feita por meio de Lei e não por “meras resoluções administrativas”126, mesmo que na prática administrativa e judiciária isso seja admitido. Em relação à competência administrativa para exigência do EIA/RIMA, esta cabe ao órgão público estadual (artigos 10 da Lei n. 6.938/81 e 17 e seguintes do Decreto n. 99274/90) ou ao órgão público do Distrito Federal (Art. 6° da Resolução do CONAMA 237/97); podendo, supletivamente, ser exigida pelo órgão público federal, IBAMA. Ou, ainda, poderão os Municípios exigir o EIA, nos termos do Artigo 6° da Resolução 237/97, do CONAMA: Art. 6°. Compete ao órgão ambiental municipal, ouvidos os órgãos competentes da União, dos Estados e do Distrito Federal, quando couber, o licenciamento ambiental de empreendimentos e atividades de impacto ambiental local e daquelas que lhe forem delegadas pelo Estado por 127 instrumento legal ou por instrumento legal ou convênio . Relevante salientar, nesse momento, que a Resolução em reflexão revisiona e complementa os procedimentos e critérios utilizados para o licenciamento ambiental. Ao passo em que altera a Resolução CONAMA n° 1/86, ao revogar seus artigos 3° e 7°, bem como ao ampliar o rol das atividades modificadoras do meio ambiente sujeitas a licenciamento ambiental previstas no artigo 2° desta última, elencando-as em seu anexo I. Nesses moldes, vale esclarecer o posicionamento de Sirvinskas: Instaurado o procedimento administrativo do licenciamento, o órgão ambiental fará uma análise preliminar da atividade a ser licenciada, verificando se está arrolada no art. 2° da Resolução n. 1/86 ou no Anexo I da Resolução n. 237/97. Trata-se de rol exemplificativo e não taxativo. Se eventualmente surgir alguma atividade não arrolada no artigo 2° ou no Anexo I, mas potencialmente degradadora do meio ambiente, o órgão ambiental poderá exigir o EPIA. Por essa razão é que se faz necessária 128 uma análise preliminar por parte do órgão ambiental competente . Em fato, a Resolução CONAMA 237/97 “continua a sujeitar todas as atividades especificadas na Lei 6.803/80 e nas Resoluções 1/86, 11/86 e 5/87 à _____________ 126 ANTUNES, 2010, p.298. CONAMA. Resolução nº 237, de 19 de dezembro de 1997. Disponível em: <http://www.mma.gov.br/port/conama/legiabre.cfm?codlegi=237>. Acesso em: 30 ago. 2010. 128 SIRVINSKAS, 2010, p. 220. 127 60 elaboração do Estudo Prévio de Impacto Ambiental”129. Diante dessas considerações, cabe, aqui, observar as alterações inseridas pelo documento em estudo, quais sejam: O artigo 7° da Resolução CONAMA 1/86, já revogado, previa a realização do EIA/RIMA por meio de equipe multidisciplinar habilitada, que não se sujeitava direta ou indiretamente ao proponente do projeto, sendo que este último seria responsabilizado tecnicamente pelos resultados delineados. Dessa maneira, à equipe era adjudicada total independência. O artigo 8°, ainda vigente, por sua vez, atribui os custos e despesas da elaboração do Estudo ao proponente do projeto. Todavia, o artigo 11 da Resolução 237/97, ao revogar o artigo 7º da Resolução 1/86, aboliu a necessidade da execução do Estudo por uma equipe multidisciplinar, passando a exigir uma equipe técnica e conservou o vínculo das despesas ao proponente do projeto, ao elucidar que “os estudos necessários ao processo de licenciamento deverão ser realizados por profissionais legalmente habilitados, às expensas do empreendedor”130. Com isso, a responsabilidade pelas informações apresentadas passou a ser tanto do empreendedor quanto dos profissionais, sujeitando-os, por conseguinte, às sanções administrativas, civis e penais. Sobre este novo dispositivo, cumpre assinalar a visão de Fiorillo: Com a nova disciplina não se impõe mais que a equipe técnica seja independente do proponente do projeto, mas também não autoriza, de maneira clara, que seja dependente. Deve ser ressaltado que a sistemática da responsabilidade objetiva, como norteadora para averiguação do dever de reparar os danos ambientais, exige de todos os envolvidos, em especial da equipe multidisciplinar, um trabalho imparcial, o que talvez fosse capaz 131 de suprir a falha do legislador . À guisa de esclarecer, em continuidade, a materialização do Estudo de Impacto Ambiental, insta realçar, a seguir, o Relatório de Impacto Ambiental. _____________ 129 MACHADO, 2010, p.239. CONAMA. Resolução nº 237, de 19 de dezembro de 1997. Disponível em: <http://www.mma.gov.br/port/conama/legiabre.cfm?codlegi=237>. Acesso em: 04 set. 2010. 131 FIORILLO, 2010, p.215. 130 61 3.2.4 Relatório de Impacto Ambiental (RIMA) A previsão do Relatório de Impacto Ambiental (RIMA) encontra-se no artigo 9º da Resolução CONAMA n° 1/86, que dispõe o seguinte em seu caput: “O relatório de impacto ambiental – RIMA refletirá as conclusões do estudo de impacto ambiental”132. Diante desse dispositivo, tem-se que o Relatório em estudo é o instrumento que materializa o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e com este não deve ser confundido. O EIA representa o “conjunto de pesquisas que se fazem necessárias para avaliar o impacto ambiental de um determinado empreendimento”133, tendo maior abrangência que o relatório. O RIMA, por seu turno, integra o EIA e objetiva fazer com que a população tenha acesso e compreenda os conceitos técnicos e científicos apresentados naquele primeiro de uma maneira mais simplificada. Em termos mais precisos, importa asseverar considerações de Fiorillo134: A existência de um relatório de impacto ambiental tem por finalidade tornar compreensível para o público o conteúdo do EIA, porquanto este é elaborado segundo critérios técnicos. Assim, em respeito ao princípio da informação ambiental, o RIMA deve ser claro e acessível, retratando fielmente o conteúdo do estudo, de modo compreensível e menos técnico. Nesse mesmo conjunto de idéias, Antunes considera o RIMA como um EIA resumido, que deve ser amplamente divulgado, admitindo-se, somente, “o sigilo de natureza industrial” 135, quando solicitado. Em sentido igual, Machado complementa que matéria tratativa de “sigilo industrial ou comercial, devidamente invocado, provado e deferido pelo órgão licenciador, não constará nem do Estudo de Impacto, nem do relatório mencionado”136, o que caracteriza, neste caso específico, uma exceção ao princípio ambiental da informação. Em torno disso, cumpre destacar, desde logo, o pensamento de Moraes, pois tal autor considera que a autoridade ambiental, ao receber o EIA e o RIMA, disporá dos “elementos necessários a decidir pelas exigências que o empreendimento deve- _____________ 132 CONAMA. Resolução nº 1, de 23 de janeiro de 1986. Disponível em: <http://www.mma.gov.br/port/conama/legiabre.cfm?codlegi=23>. Acesso em: 09 set. 2010. 133 ANTUNES, 2010, p.316. 134 FIORILLO, 2010, p.213. 135 ANTUNES, op. cit., p.317. 136 MACHADO, 2010, p.269. 62 se submeter”137; ao mesmo tempo em que o proponente do projeto poderá utilizar-se desses documentos caso queira contestar as exigências que ultrapassem as estabelecidas. Posto isso, importa salientar que as informações do RIMA podem ser levadas ao conhecimento da população por meio da Audiência Pública, a ser tratada no próximo tópico. 3.2.5 Audiência Pública A Audiência Pública propicia a discussão dos pontos sopesados pela equipe técnica multidisciplinar, bem como oportuniza, no momento final, críticas e sugestões por parte dos interessados acerca do projeto em análise. Seu objetivo, nesse teor, consiste em garantir a efetividade dos princípios ambientais da informação e da participação, encontrando respaldo jurídico na Resolução n° 9/87 do CONAMA, que dispõe sobre o tema em apreciação e nos artigos 3° e 10, inciso V, da Resolução 237/97. Cabe destacar, em termos de esclarecimento, que a Audiência Pública teve sua primeira previsão no artigo 11, § 2°, da Resolução 1/86 e, posteriormente, na Resolução 9/87. A esse respeito Machado138 pondera: A Audiência Pública era prevista na segunda parte do art. 11, § 2°, da Resolução 1/86-CONAMA. A Resolução 9-CONAMA, de 3.12.1987, publicada no DOU de 5.7.1990, veio disciplinar a matéria. A fase de comentários prevista no art, 11, § 2°, da Resolução 1/86-CONAMA fica mantida. [...] Parece-nos que a Resolução 9/87-CONAMA merece ser completada – ou pelo próprio Conselho Nacional do Meio Ambiente, ou pelos Estados, para que seja normatizado o acesso do público ao EPIA/RIMA. É de se clarificar, ainda, que o status da Resolução 9/87 no site do CONAMA encontra-se como “vigente (em processo de revisão)”139, não havendo, até o momento, nenhuma alteração nesse sentido. Seguindo-se adiante, depreende-se da leitura do art. 225, § 1º, IV, da CF, já comentado anteriormente, o caráter de publicidade dado ao Estudo de Impacto _____________ 137 MORAES, 2006, p. 103. MACHADO, 2010, p.268 e 270. 139 CONAMA. Resolução nº 9, de 3 de dezembro de 1987. Disponível em: <http://www.mma.gov.br/port/conama/legiabre.cfm?codlegi=60>. Acesso em: 10 set. 2010. 138 63 Ambiental. “Assim, a Resolução nº 9, votada em 1987 e só publicada em 1990, tem que ser entendida à luz da Constituição Federal vigente. Portanto, não só o RIMA, mas o próprio EPIA deve ser analisado na Audiência Pública”140. No que tange ao objetivo legal do referido instituto tem-se que: A finalidade legal das audiências públicas é a de assegurar o cumprimento dos princípios democráticos que informam o Direito Ambiental. A audiência fará com que os cidadãos tomem conhecimento do conteúdo do EIA e do RIMA. Para a Administração, ela tem a função de ser um momento no qual poderá ser feita a aferição das repercussões junto à sociedade, do empreendimento proposto. Sugestões e críticas podem, e devem, ser feitas, assegurando que os administradores possam saber exatamente qual é a 141 opinião popular sobre o projeto . [...] Art. 1º A Audiência Pública referida na Resolução CONAMA nº 1/86, tem por finalidade expor aos interessados o conteúdo do produto em análise e do seu referido RIMA, dirimindo dúvidas e recolhendo dos presentes as 142 críticas e sugestões a respeito . Isso advém da percepção de que o cidadão deve participar ativamente dos processos decisivos em matéria ambiental. Porém, tal participação não significa que a Audiência Pública tenha caráter decisório. “É uma atividade de natureza consultiva. Ela é, entretanto, um ato oficial e que, nesta condição, deve ter os seus resultados levados em consideração”143. Pode ser marcada, nos termos do artigo 2° da Resolução 9/87 – CONAMA, por quatro vias: 1)de ofício; 2) por meio de solicitação de entidade civil; 3) a requerimento do Ministério Público e 4) mediante solicitação de 50 (cinqüenta) ou mais cidadãos144. Antunes considera que a convocação de ofício não é obrigatória em virtude da expressão “sempre que julgar necessário” 145, contida no referenciado artigo, ao passo em que Machado146 atribui caráter obrigatório às três últimas modalidades de realização da Audiência Pública, com fulcro na Resolução em debate. Quanto ao prazo de sua solicitação, este será de, no mínimo, 45 (quarenta e cinco) dias, contados a partir do recebimento do RIMA pelo órgão ambiental. E mais, caso haja solicitação de audiência pública e o Órgão Estadual não a realize, a licença concedida será inválida. Cumpre asseverar, ainda, que o local de ocorrência da Audiência Pública deve ser acessível ao público interessado, bem como pode _____________ 140 MACHADO, 2010, p.269. ANTUNES, 2010, p.317. 142 CONAMA. Resolução nº 9, de 3 de dezembro de 1987. Disponível em: <http://www.mma.gov.br/port/conama/legiabre.cfm?codlegi=60>. Acesso em: 10 set. 2010. 143 MACHADO, op. cit., p.318. 144 CONAMA, op. cit., Art. 2º. 145 ANTUNES, op. cit., p.318. 146 MACHADO, op. cit., p.269. 141 64 haver mais de uma audiência sobre o mesmo projeto e respectivo RIMA, a depender da complexidade do assunto e da localização geográfica dos requerentes. Tudo isso com base nos parágrafos contidos no artigo 2º da estudada Resolução. Nesse contexto, a Audiência Pública será conduzida pelo “representante do Órgão licenciador que, após a exposição objetiva do projeto e do seu respectivo RIMA, abrirá as discussões com os interessados presentes”147. Ao lado disso, os artigos 4º e 5º da Resolução em destaque preceituam que deverá ser redigida, ao final de cada audiência, uma ata sucinta, bem como anexados a esta última todos os documentos relacionados ao caso em exame que, simultaneamente ao RIMA, basearão o parecer final do IBAMA no que tange a aprovação ou desaprovação do projeto. Diante desse panorama, cumpre especificar o projeto abordado na pesquisa em questão - o AHE Belo Monte, a ser explanado no capítulo que segue. _____________ 147 CONAMA. Resolução nº 9, de 3 de dezembro de 1987. Art. 3º. Disponível em: <http://www.mma.gov.br/port/conama/legiabre.cfm?codlegi=60>. Acesso em: 10 set. 2010. 65 CAPÍTULO 4 - O APROVEITAMENTO HIDRELÉTRICO BELO MONTE 4.1 A MATRIZ ENERGÉTICA BRASILEIRA Segundo a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), as fontes de energia mais utilizadas no Brasil são hidro, gás, biomassa, petróleo, nuclear, carvão mineral e eólica, conforme tabela abaixo, que trata da matriz energética brasileira148: Empreendimentos em Operação Capacidade Total Instalada Tipo % % N.° de N.° de (kW) (kW) Usinas Usinas Hidro 868 79.802.040 67,19 868 79.802.040 67,19 Natural 93 11.050.530 9,30 Gás 128 12.341.813 10,39 Processo 35 1.291.283 1,09 Óleo 823 3.984.398 3,35 Diesel Petróleo 852 6.508.201 5,48 Óleo 29 2.523.803 2,12 Residual Bagaço 311 5.870.246 4,94 de Cana Licor 14 1.240.798 1,04 Negro Biomassa 381 7.518.801 6,33 Madeira 40 327.827 0,28 Biogás 9 48.522 0,04 Casca de 7 31.408 0,03 Arroz Nuclear 2 2.007.000 1,69 2 2.007.000 1,69 Carvão Carvão 9 1.594.054 1,34 9 1.594.054 1,34 Mineral Mineral Eólica 46 835.336 0,70 46 835.336 0,70 Paraguai 5.650.000 5,46 Argentina 2.250.000 2,17 Importação 8.170.000 6,88 Venezuela 200.000 0,19 Uruguai 70.000 0,07 Total 2.286 118.777.245 100 2.286 118.777.245 100 Fonte: ANEEL (2010) Por meio dessas fontes são gerados combustíveis e eletricidade, extremamente importantes para as atividades humanas, dentre as quais pode-se destacar, dentre outras, iluminação, transportes e alimentação. Nesse ínterim, _____________ 148 ANEEL. (Agência Nacional de Energia Elétrica). Matriz Energética Brasileira. Disponível em: <http://www.aneel.gov.br/aplicacoes/capacidadebrasil/OperacaoCapacidadeBrasil.asp>. Acesso em: 09 out. 2010. 66 convém destacar trecho de um artigo exposto no site Mundo Educação, que descreve a utilidade de algumas dessas fontes: • Petróleo: a partir desse minério fóssil são processados vários subprodutos utilizados como fonte de energia como a gasolina, óleo diesel, querosene, além de gerar eletricidade nas usinas termoelétricas. • Energia hidrelétrica: produz energia elétrica em usinas hidrelétricas, gerada a partir da movimentação de turbinas impulsionadas por água de rios acumulados em barragens. • Carvão Mineral: esse minério oferece calor para os grandes fornos contidos nas indústrias siderúrgicas e contribui para geração de eletricidade nas usinas termelétricas. • Biocombustíveis: correspondem, por exemplo, ao álcool e o biodiesel, sendo o primeiro um dos principais, seu uso é bastante difundido no Brasil como combustível em veículos automotores, utilização iniciada na década de 70. Outras não citadas fazem parte de fontes de energia: o gás natural, energia 149 nuclear, xisto betuminoso, lenha, carvão vegetal e energia solar . Esmiuçando ainda mais, cabe, aqui, salientar conceito de usina hidrelétrica divulgado pelo Rima-AHE Belo Monte: Usina hidrelétrica é uma construção feita em um trecho do rio. A água é represada por um grande muro, chamado barragem. Essa água represada passa por um duto (tipo de tubulação), girando uma ou mais turbinas, que, por sua vez, movem o gerador que produz a energia elétrica. Essa energia elétrica gerada segue para a subestação que fica ao lado da usina. Depois 150 é transportada pelos linhões para todo país . Em face de tais considerações, merece destaque na presente pesquisa a energia hidrelétrica, pois, no que tange à geração de energia, o Brasil apresenta um quadro de estreita ligação com os recursos hídricos, uma vez que 67,15%151 daquela primeira originam-se de usinas hidrelétricas. Tratando-se da região Nordeste, essa relação faz-se ainda mais evidenciada, pois “quase 100% tem origem hídrica, sendo sua maior parte originária do rio São Francisco”152. Diante disso, Filho apregoa que o rio em questão encontra-se sobremaneira agredido ambientalmente e sua vazão esgotada, face ao uso exacerbado de seus recursos, _____________ 149 MUNDO EDUCAÇÃO. Fontes de Energia. Disponível em: <http://www.mundoeducacao.com.br/geografia/fontes-energia-1.htm>. Acesso em 04 out.2010. 150 CENTRAIS ELÉTRICAS BRASILEIRAS S/A (Eletrobras). Ministério de Minas e Energia. Relatório de Impacto Ambiental: Aproveitamento Hidrelétrico Belo Monte. Brasil, 2009, p. 08. Disponível em: <http://www.eletrobras.com/elb/main.asp?View={46763BB8-3B05-432F-A206-C8F93CC3BA90}>, acesso em 26.Out.2010. 151 ANEEL. (Agência Nacional de Energia Elétrica). Matriz Energética Brasileira. Disponível em: <http://www.aneel.gov.br/aplicacoes/capacidadebrasil/OperacaoCapacidadeBrasil.asp>. Acesso em: 11 out. 2010. 152 FILHO, João Alves. Matriz Energética Brasileira: Da Crise à Grande Esperança. Rio de Janeiro: Mauad, 2003, p.17. 67 sendo necessário recorrer a outros rios que estão situados em hidrelétricas de igual modo primordiais à matriz energética nacional. Em referência a essa constatação, este mesmo autor pondera que a solução para a crise energética brasileira merece abordagem nacional: [...] A crise energética envolve grande parte do Brasil, não se podendo furtar, portanto, à necessidade de se aprofundar na abordagem das razões e soluções dessa grave questão brasileira e, conseqüentemente, inserida num contexto mais abrangente, para abordar sua solução nos limites 153 estritos do nosso semi-árido . É possível compreender, sobremaneira, que o Brasil precisa aumentar o seu potencial energético para superação da referida crise. E mais, é notório que as usinas hidrelétricas perfazem as fontes de energia de menor custo financeiro se comparadas às demais154. De fato, estas últimas “são uma fonte renovável de energia, mas isso não significa que sejam ambientalmente corretas e nem que se apresentem menos nocivas que outras fontes unanimemente nocivas”155, o que pode ser considerado como, à guisa de um ditado popular, o “barato que custa caro”. Ao lado disso, a aludida preferência pelas hidrelétricas está diretamente relacionada à fartura de recursos hídricos encontrados no território brasileiro, totalizando mais de 12 mil rios156. Com relação a esse fato, merece relevância informações da Agência Nacional de Águas (ANA): “A bacia hidrográfica do rio Amazonas é constituída pela mais extensa rede hidrográfica do globo terrestre, ocupando uma área total da ordem de 6.110.000 km², desde suas nascentes nos Andes Peruanos até sua foz no oceano Atlântico (na região norte do Brasil). Esta bacia continental se estende sobre vários países da América do Sul: Brasil (63%), Peru (17%), Bolívia (11%), Colômbia (5,8%), Equador (2,2%), Venezuela (0,7%) e Guiana (0,2%). Em termos de recursos hídricos, a contribuição média da bacia hidrográfica do rio Amazonas, em território brasileiro, é da ordem de 133.000 m³/s (73% 157 do total do País) .” Partindo-se de uma análise mais apropriada da referida citação, impende salientar que o rio Xingu, onde se pretende construir a Usina de Belo Monte, está _____________ 153 FILHO, 2003, p.17. MEDEIROS, Júlia de; VARGAS, André; BETTI, Renata. Como fazer e como não fazer. Revista Veja. São Paulo: Abril, 2010, p. 89. 155 INFOESCOLA. Usina Hidrelétrica. Disponível em: <http://www.infoescola.com/energia/usinahidreletrica/>. Acesso em 11 out.2010. 156 RUIC, Gabriela. Portal Exame. Entenda por que hidrelétricas dominam matriz energética brasileira. Disponível em: <http://portalexame.abril.com.br/meio-ambiente-e-energia/noticias/entendahidreletricas-dominam-matriz-energetica-brasileira-553035.html?page=1>, acesso em 02 out.2010. 157 AGÊNCIA NACIONAL DE ÁGUAS (ANA). Ministério do Meio Ambiente. Região Hidrográfica Amazônica. Disponível em: <http://www2.ana.gov.br/Paginas/portais/bacias/amazonica.aspx>. Acesso em 07 out.2010. 154 68 localizado na Bacia Amazônica. Dessa maneira, mesmo em havendo a necessidade de expansão do potencial energético brasileiro, não se pode deixar de considerar o impacto ambiental que tal medida pode vir a ocasionar. Impacto este, que pode impedir o uso dos recursos naturais pelas gerações futuras, pois envolve, dentre outros fatores, reservas indígenas e ameaças à manutenção da biodiversidade, carecendo de uma análise mais aprofundada no que tange às suas conseqüências ambientais e sociais158. 4.2 O APROVEITAMENTO HIDRELÉTRICO BELO MONTE E SUA CRONOLOGIA Sabe-se que para produção de bens de consumo, energia, alimentação, cidades, etc, o homem recorre à natureza, transformando seus recursos naturais em utilidades. Sob esse enforque, no âmbito da produção de energia, o governo brasileiro pretende construir uma das maiores hidrelétricas do mundo no Rio Xingu, localizada há aproximadamente 40 quilômetros da cidade de Altamira, no Estado do Pará159. Trata-se da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, que, ao ser construída, será a terceira maior do mundo em capacidade instalada, menor apenas que as usinas de Três Gargantas, na China; e Itaipu, localizada na fronteira do Brasil com o Paraguai160. De acordo com informações da Revista Veja, a usina terá a capacidade total instalada de 11.233,1 megawatts, porém, com uma garantia assegurada da geração de 4.571 megawatts, aproximadamente, em virtude da vazão do rio Xingu, que, na cheia, alcança 4.000 m³/s e na seca, 700 m³/s. Nos moldes do projeto, há a previsão de uma casa de força principal e uma complementar. A casa de força principal será construída no Sítio Belo Monte, com uma potência instalada de 11000 MW, enquanto a complementar, a ser construída acoplada à barragem do Sítio Pimental, _____________ 158 BERMANN, Célio. O Brasil não precisa de Belo Monte. 10/04/2001. Disponível em: <http://www.amazonia.org.br/opiniao/artigo_detail.cfm?id=14820>. Acesso em: 11 out. 1010. 159 WIKIPÉDIA. Usina Hidrelétrica de Belo Monte. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Usina_Hidrel%C3%A9trica_de_Belo_Monte>. Acesso em: 09 out. 1010. 160 GLOBO, O. Entenda a polêmica envolvendo a usina de Belo Monte. 20/04/2010. Disponível em: <http://oglobo.globo.com/pais/mat/2010/04/20/entenda-polemica-envolvendo-usina-de-belomonte-916397071.asp>. Acesso em: 09 out. 1010. 69 terá 233,1 MW de potência instalada161. Saliente-se, por oportuno, que a usina operará a fio d’água, uma vez que gerará energia com o fluxo de água do rio, sofrendo variações no decorrer do ano. As obras serão realizadas em diferentes trechos do rio Xingu e arredores: Sítios Pimental, localizado nos municípios de Vitória do Xingu e Altamira; e Bela Vista, Belo Monte e região dos Canais e Diques, localizados no município de Vitória do Xingu. O trecho de vazão reduzida, localizado entre a barragem do Sítio Pimental e o Sítio Belo Monte, sofrerá diminuição da quantidade de água em virtude do desvio das águas para a formação do Reservatório de Canais, totalizando 100 quilômetros ao longo do rio. E mais, de toda a área a ser inundada pelos reservatórios, 48% localiza-se no município de Vitória do Xingu e 51,9%, no município de Altamira. Apenas 0,1% encontra-se no município de Brasil Novo162. O custo total da obra, conforme avaliação do governo brasileiro, gira em torno de 19 bilhões de reais. Entretanto, a iniciativa privada a avalia em cerca de 30 bilhões de reais. Isso faz dela o segundo projeto mais caro do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), perdendo apenas para o projeto do trem-bala, que fará a ligação entre São Paulo e Rio de Janeiro; avaliado em 33 bilhões de reais163. A mesma revista destaca, ainda, previsões concernentes ao projeto Belo Monte no sentido de que o início das obras dar-se-ia em outubro do corrente ano (o que não ocorreu, uma vez que ainda não foram cumpridas as condicionantes da LP) e a ativação da primeira turbina, em fevereiro de 2015. No entanto, as obras devem ser finalizadas em 2019. No intuito de auxiliar a compreensão do assunto, cabe esmiuçar a cronologia do projeto em questão, extraída do site O Globo: HISTÓRIA DA USINA: 1975 - A recém-criada Eletronorte, subsidiária da Eletrobras na Amazônia Legal, inicia os Estudos de Inventário Hidrelétrico da Bacia Hidrográfica do Rio Xingu. A Camargo Corrêa fica responsável pelo mapeamento de rios e seus afluentes e escolha dos pontos para barragens; 1980 - Finalizado relatório sobre potencial energético da bacia hidrográfica do Xingu, totalizando 19 mil megawatts, com alagamento de 18 mil quilômetros e atingindo 12 terras indígenas. A Eletronorte inicia os estudos de viabilidade técnica e econômica do chamado Complexo Hidrelétrico de _____________ 161 MEDEIROS; VARGAS; BETTI, p.90. CENTRAIS ELÉTRICAS BRASILEIRAS S/A (Eletrobras). Ministério de Minas e Energia. Relatório de Impacto Ambiental: Aproveitamento Hidrelétrico Belo Monte. Brasil, 2009, p. 23. Disponível em: <http://www.eletrobras.com/elb/main.asp?View={46763BB8-3B05-432F-A206-C8F93CC3BA90}>, acesso em 26.Out.2010. 163 FREITAS JUNIOR, Gerson. Velocidade é prioridade? Carta Capital. 29/07/2010. Disponível em: <http://www.cartacapital.com.br/economia/velocidade-e-prioridade>. Acesso em 11.Out.2010. 162 70 Altamira, que reunia as Usinas de Babaquara (6,6 mil MW) e Kararaô (atual Belo Monte, de 11 mil MW); 1986 - Concluído o Plano 2010 - Plano Nacional de Energia Elétrica 1987/2010. Propõe a construção de 165 usinas hidrelétricas até 2010, 40 delas na Amazônia Legal, com o aumento da potência instalada de 43 mil MW para 160 mil MW. 1989 - Realizado 1º Encontro dos Povos Indígenas do Xingu, em fevereiro, em Altamira (PA), com a presença do cantor inglês Sting. Durante a exposição do presidente da Eletronorte, José Antonio Muniz, atual presidente da Eletrobras, sobre a construção da usina Kararaô (atual Belo Monte), a índia Tuíra levanta-se da platéia e encosta a lâmina de seu facão no rosto do diretor da estatal, num gesto de advertência, expressando sua indignação. A cena é reproduzida em jornais de diversos países e torna-se histórica. O governo decide mudar o nome da usina para Belo Monte, para não ofender os povos indígenas. 1994 - O novo projeto, remodelado para se mostrar mais palatável aos ambientalistas e investidores estrangeiros, é apresentado ao DNAEE (já extinto) e à Eletrobrás. O reservatório da usina, por exemplo, é reduzido de 1.225 km2 para 400 km2, evitando a inundação da Área Indígena Paquiçamba. Atualmente, a área do lago da usina é de 516 km2, segundo a Aneel. O Plano Pl2000-2003, instrumento de planejamento de médio prazo das ações apresentado ao Congresso e chamado de Avança Brasil, contempla Belo Monte. 2001 - Em maio foi divulgado um plano de emergência de 30 bilhões de dólares para aumentar a oferta de energia no país. Inclui a construção de 15 usinas hidrelétricas, entre as quais o Complexo Hidrelétrico de Belo Monte. A Justiça Federal concede, em setembro, liminar à ação civil pública que pede a suspensão dos Estudos de Impacto Ambiental (EIA) de Belo Monte 2002 - Em janeiro, a Eletrobras aprova a contratação de uma consultoria para definir a modelagem de venda do projeto de Belo Monte. O presidente Fernando Henrique Cardoso afirma que a oposição de ambientalistas atrapalha o país, referindo-se às críticas contra a construção de usinas hidrelétricas. O então candidato à presidência, Luiz Inácio Lula da Silva lança em setembro, "O Lugar da Amazônia no Desenvolvimento do Brasil". Além de citar Belo Monte como um dos projetos de intensos debates na região, o documento também afirma que "a matriz energética brasileira, que se apóia basicamente na hidroeletricidade, com mega-obras de represamento de rios, tem afetado a Bacia Amazônica". O presidente do (STF), ministro Marco Aurélio Mello, nega, em novembro, pedido da União e mantém suspensos os Estudos de Impacto Ambiental de Belo Monte. 2003 - O físico Luiz Pinguelli Rosa assume a presidência da Eletrobras e declara à imprensa que Belo Monte será discutida, bem como opções de desenvolvimento econômico e social para o entorno da barragem estarão na pauta, assim como a possibilidade de reduzir a potência instalada. 2006 - O processo hidrelétrica de Belo Monte é suspenso em 28 de março. A decisão impede que os estudos sobre os impactos ambientais da hidrelétrica prossigam antes que os povos indígenas que seriam afetados pelo empreendimento sejam ouvidos pelo Congresso Nacional. 2007 - Um ano após a Justiça Federal de Altamira paralisar liminarmente o licenciamento ambiental da usina, ela mesma volta atrás e julga improcedente o pedido do Ministério Público Federal (MPF) de anular o licenciamento ambiental feito pelo Ibama. Encontro Xingu para Sempre. Durante o encontro, índios entram em confronto com responsável pelos estudos ambientais da hidrelétrica de Belo Monte e, no meio da confusão, o funcionário da Eletrobras e coordenador do estudo de inventário da usina, Paulo Fernando Rezende, fica ferido, com um corte no braço. 71 Após o evento, o movimento divulga a "Carta Xingu Vivo para Sempre", documento final que avalia as ameaças ao Rio Xingu e apresenta à sociedade brasileira um projeto de desenvolvimento para a região e exige das autoridades públicas sua implementação. O Tribunal Regional Federal da 1ª Região, de Brasília, suspende uma liminar da Justiça Federal de Altamira e autoriza a participação das empreiteiras Camargo Corrêa, Norberto Odebrecht e Andrade Gutierrez nos estudos de impacto ambiental da hidrelétrica de Belo Monte. 2009 - Justiça Federal suspende licenciamento e determina novas audiências para Belo Monte, acatando pedido do Ministério Público para que as comunidades atingidas sejam ouvidas. Cai a liminar que suspendeu o licenciamento de Belo Monte e o Ibama volta a analisar o projeto. Sem a licença prévia do Ibama, o governo não pode realizar o leilão de concessão do projeto da hidrelétrica, previsto para 21 de dezembro. Executivo do Ministério de Minas e Energia, Márcio Zimmerman, levanta a possibilidade de que o leilão para a concessão da hidrelétrica, previsto para 21 de dezembro, seja adiado para janeiro de 2010. 2010 - A licença prévia é publicada em 1º de fevereiro. Governo marca leilão para 20 de abril. Protestos ocorrem em Brasília contra a usina, com a presença do cineasta 164 James Cameron e da americana Sigourney Weaver . Cumpre, ainda, destacar, que a Licença Prévia nº 342/2010, concedida pelo IBAMA à Eletrobras tem validade de dois anos e estabelece quarenta condicionantes de cunho mitigador dos impactos ambientais e sociais ocasionados com a obra; a serem cumpridas pelo empreendedor para que haja a autorização, por meio da Licença de Instalação, do início da construção. Dentre essas condicionantes, insta realçar, dentre outras: [...]2.3 Propor e implantar Programa de apoio às ações de comando e controle visando a proteção e recuperação de áreas ambientalmente degradadas na bacia dos rios Xingu – Iriri, adotando medidas de recuperação que venham a ser indicadas no Programa como necessárias para a garantia de qualidade e quantidade de água. [...]2.6 Apresentar o PBA (Projeto Básico Ambiental), contendo o detalhamento dos planos, programas e projetos socioambientais previstos no EIA e suas complementações, considerando as recomendações do IBAMA exaradas por meio dos Pareceres n° 105/2009, n° 106/2009, n° 114/2009 e n° 06/2010 – COHID/CGENE/DILIC/IBAMA. O PBA deverá ser entregue em versões impressa e digital, apresentando instituições envolvidas, responsáveis técnicos e cronograma físico de implantação. [...]2.8 Propor e efetivar convênios, para ações de fortalecimento, com as entidades responsáveis pela fiscalização de crimes ambientais, como o tráfico de animais silvestres e a exploração madeireira na região (IBAMA, OEMA do Pará, Polícia Ambiental, entre outros). [...] 2.33 Garantir a manutenção das praias situadas na bacia do Xingu e a 165 reprodução dos quelônios . _____________ 164 LUNA, Denise. Facões, artistas e contradições cercam Belo Monte. 19/04/2010. Disponível em: <http://oglobo.globo.com/pais/mat/2010/04/19/facoes-artistas-contradicoes-cercam-belo-monte916385264.asp>. Acesso em 19.Mai.2010. 165 IBAMA. Ministério do Meio Ambiente. Licença Prévia nº 342 /2010. Brasília, 2010. Disponível em: <http://www.ibama.gov.br/wp-content/files/LP342-2010-Belo-Monte.pdf>. Acesso em 20.Out.2010. 72 Ademais, no decorrer desses mais de trinta anos, o Ministério Público ajuizou nove Ações Civis Públicas em desfavor da ocorrência do projeto em estudo e houve uma batalha judicial que suspendeu, por duas vezes, o leilão que decidiria qual consórcio seria responsável pela construção da usina. Porém, no dia 20 de abril do corrente ano, o leilão foi realizado, conforme enfatizado no histórico acima. A vitória coube ao Consórcio Norte Energia, composto por nove empresas, a saber: Companhia Hidroelétrica do São Francisco (Chesf) (49,98%), Construtora Queiroz Galvão (10,02%), Gaia Energia e Participações (10,02%), J. Malucelli Construtora de Obras S/A (9,98%), Cetenco Engenharia S/A (5%), Galvão Engenharia S/A (3,75%), Mendes Junior Trading Engenharia S/A (3,75%), Serveng-Civilsan S/A (3,75%) e Contern Construções e Comércio 166 Ltda (3,75%) . Nesse panorama, no dia 26 de agosto de 2010, o presidente Lula assinou Decreto outorgando à empresa Norte Energia S.A. “concessão de uso de bem público para exploração do potencial de energia hidráulica, denominado Usina Hidrelétrica Belo Monte, em trecho do Rio Xingu, no Estado do Pará” 167 , além de outras providências. Diante do exposto, cumpre asseverar que o AHE Belo Monte importa em grande complexidade e implica divergências quanto à sua viabilidade, conforme se expõe a seguir. 4.3 POSIÇÕES DIVERGENTES ACERCA DO AHE BELO MONTE O Aproveitamento Hidrelétrico Belo Monte trata-se, sem dúvida, de um tema eivado de polêmica. É criticado pelos representantes de movimentos sociais, ambientalistas, ribeirinhos, indígenas, Ministério Público e amplamente defendido pelo governo. A par disso, será abordada na pesquisa em questão a divergência de posicionamentos quanto ao projeto, onde a posição favorável faz-se representada, documentalmente, pelo EIA/Rima e conseqüente concessão da LP e a posição _____________ 166 COIMBRA, Leila. Consórcio liderado por Chesf e Queiroz Galvão vence leilão de Belo Monte. Folha online. 20/04/2010. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/dinheiro/ult91u723488.shtml>. Acesso em: 11 out. 2010. 167 MINISTÉRIO DE MINAS E ENERGIA. Consultoria Jurídica. Decreto Presidencial de 26 de agosto de 2010. Disponível em: http://www.mme.gov.br/mme/galerias/arquivos/legislacao/decreto/2010/Decreto_de_26-8-2010.pdf> Acesso em 11 out. 2010. 73 contrária, por sua vez, representa-se pelo Painel de Especialistas e Parecer do Ministério Público Federal. Em virtude do presente ano ser eleitoral, insta destacar, nesse momento, a opinião acerca do referido projeto, dos três candidatos à Presidência da República mais votados no primeiro turno, quais sejam: Dilma Rousseff (PT), José Serra (PSDB) e Marina Silva (PV). Por óbvio, já que é aliada de Lula, a candidata e presidente eleita, Dilma Rousseff, manifestou-se favorável à construção da usina. Isso porque, durante o tempo em que foi ministra-chefe da Casa Civil, comandou o PAC, programa este, do qual Belo Monte faz parte. A presidenciável afirma que o AHE Belo Monte “é um projeto que tem um aspecto ambiental importante para o governo, que é provar que é possível fazer um projeto de energia elétrica respeitando o meio ambiente168”, além de gerar, segundo ela, recursos financeiros para saúde, educação e segurança. José Serra, ao seu turno, questiona a falta de transparência e enfatiza que não é necessariamente contra, porém são muitas as complicações dos pontos de vista ambiental, financeiro e societário169 em torno do assunto. Nesse sentido, o candidato criticou o modelo utilizado no licenciamento do AHE Belo Monte, considerando-o “discutível do ponto de vista econômico e obscuro do ponto de vista ambiental”170, concluindo que trata-se de um projeto “atropelado”. Apoiou, na ocasião, a alternativa de exploração das energias eólica e solar. Marina Silva, por sua vez, é contrária à obra, uma vez que levanta indagações sobre a eficiência energética da usina, sua viabilidade e impactos socioambientais. Sobre isso, assevera: A indisposição em discutir a sustentabilidade das obras de infraestrutura na Amazônia, somada à percepção de que o governo não faz o suficiente para melhorar a eficiência do sistema como um todo e investir em energias alternativas, acaba por produzir conflitos agudos e processos equivocados, 171 que poderiam ser evitados . _____________ 168 JUNGMANN, Mariana. Dilma destaca importância do projeto da Usina de Belo Monte durante balanço do PAC. 04/02/2010. Disponível em: <http://noticias.uol.com.br/especiais/pac/ultnot/2010/02/04/dilma-destaca-importancia-do-projeto-dausina-de-belo-monte-durante-balanco-do-pac.jhtm>. Acesso em: 28 out. 10. 169 ELEIÇÕES, Uol. Construção de Belo Monte divide os presidenciáveis. 20/04/2010. Disponível em: <http://eleicoes.uol.com.br/2010/ultimas-noticias/2010/04/20/construcao-de-belo-monte-divide-ospresidenciaveis.jhtm>. Acesso em: 28 out. 10. 170 Ibid. 171 Ibid. 74 Para a candidata derrotada no primeiro turno, restam evidentes a afoiteza, os perigos, a complexidade e a insegurança jurídica do projeto, ao passo em que o descreve como “estrategicamente ruim, caro e de altíssimo risco socioambiental”172. 4.3.1 Posicionamento favorável ao AHE Belo Monte O Governo brasileiro vislumbra o AHE Belo Monte como o segundo maior projeto do Programa de Aceleração do Crescimento, sendo, portanto, uma necessidade para o desenvolvimento do país e o plano prioritário, no setor de energia, do governo Lula173. Este último considera a energia hidrelétrica mais barata e menos poluente, de modo que a usina em estudo terá como objetivo primordial suprir a demanda de energia de aproximadamente 26 milhões de brasileiros beneficiados pelo SIN (Sistema Interligado Nacional). Em entrevista ao Diário do Pará, o presidente defende o projeto ao alegar que há mais de 30 anos existem debates e discussões dos mais variados campos da sociedade acerca do tema; o que resultou em intensas alterações do projeto original, como, por exemplo, a redução da área alagada pelo reservatório, de 1.225 km² para 516 km²174. Ressalta, ainda, que a usina gerará cerca de 18.600 empregos diretos e “recursos anuais de R$ 121 milhões de ISS (durante a construção da usina) e de R$ 203 milhões de ICMS, após a implantação de todas as máquinas”175 e durante a fase de operação da usina. No que tange à compensação financeira, pondera que os municípios afetados pelo reservatório receberão R$ 88 milhões por ano, sendo que o Estado do Pará perceberá, anualmente, a mesma quantia. E mais: [...] O consórcio vencedor vai investir na área nada menos que R$ 3,3 bilhões em obras de compensação ambiental e social e em ações de fomento ao desenvolvimento regional. Isso representa mais de 17% do valor total do empreendimento. Por todos os cuidados que estamos tendo, não existe a política de enfiar o projeto goela abaixo de ninguém. Foram realizadas, no _____________ 172 SILVA, Marina. Represa de Erros. Disponível em: <http://www.silvaporto.com.br/blog/?tag=usinade-belo-monte>. Acesso em: 28 out. 10. 173 QUERO, Caio. Entenda a polêmica envolvendo a usina de Belo Monte. 20/04/2010. Disponível em: <http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2010/04/100419_belomonte_qandanovo_cq.shtml>. Acesso em: 28 out. 174 PARÁ, Diário do. Lula: “Belo Monte não nasceu da noite para o dia”. 06/05/2010. Disponível em: <http://diariodopara.diarioonline.com.br/N-88994LULA+++BELO+MONTE+NAO+NASCEU+DA+NOITE+PARA+O+DIA.html>. Acesso em: 29 out. 10. 175 Ibid. 75 período de 2007 a 2009, 12 consultas públicas e 10 oficinas com comunidades, 15 fóruns técnicos, sendo 4 em Belém, e reunião com gestores públicos da região do Xingu. Em complementação ao trabalho de comunicação, agentes de interação fizeram visitas a 5.328 famílias, 61 reuniões com 2.100 pessoas presentes e realizaram 10 palestras em escolas do ensino fundamental e médio, para cerca de 530 alunos. Finalmente, destaco as audiências públicas em 4 municípios. Em Altamira, nada menos que 6 mil participantes debateram o projeto, antes da emissão da Licença Prévia pelo Ibama176. Nesse contexto, Lula pondera que ao mesmo tempo em que se busca o progresso brasileiro, há uma grande preocupação do governo com as populações atingidas e respectiva questão social177. Portanto, não há, segundo ele, qualquer imposição de Belo Monte à sociedade, mas um planejamento energético onde a questão central não se pauta em optar por erguer hidrelétricas ou aumentar a eficiência energética; e sim em considerar as duas opções, pois ambas estão inseridas no “plano de expansão de energia nacional, que prevê a obtenção de cerca de 60 mil MW nos próximos dez anos”178. Diante da opinião do presidente do Brasil, cabe aqui, notar, que a Fundação Nacional do Índio (FUNAI), entidade governamental dotada de capacidade administrativa; emitiu o Parecer Técnico nº 21, em 30/09/2009, atestando pela viabilidade do empreendimento, mesmo diante da constatação da repulsa manifesta dos indígenas, da “falta de estudos e informações complementares que permitam a completa avaliação dos impactos sobre os povos indígenas [...] e da necessidade de consulta adequada aos povos afetados”179. Ao lado disso, estabeleceu algumas condicionantes: 1) que se defina uma vazão mínima (“hidrograma ecológico”) a ser liberada no trecho do rio Xingu situado entre a barragem e a casa de máquinas que garanta a sobrevivência dos peixes e quelônios e a navegabilidade das embarcações dos povos indígenas que ali vivem; 2) que sejam apresentados estudos sobre os impactos previstos no Rio Bacajá, na beira do qual vive o povo Xikrin, que possivelmente sofrerá graves alterações mas que não foi estudado no EIA; 3) que haja "a garantia de que os impactos decorrentes da pressão antrópica sobre as terras indígenas serão devidamente controlados". _____________ 176 PARÁ, Diário do. Lula: “Belo Monte não nasceu da noite para o dia”. 06/05/2010. Disponível em: <http://diariodopara.diarioonline.com.br/N-88994LULA+++BELO+MONTE+NAO+NASCEU+DA+NOITE+PARA+O+DIA.html>. Acesso em: 29 out. 10. 177 BRAZILIENSE, Correio. Lula assina contrato de concessão de Belo Monte. 26/08/2010. Disponível em: <http://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia182/2010/08/26/brasil,i=209951/LULA+ASSINA+CO NTRATO+DE+CONCESSAO+DE+BELO+MONTE.shtml>. Acesso em: 29 out. 10. 178 PARÁ, op. cit., acesso em 29/Out.2010. 179 FUNAI. Parecer Técnico nº 21: Análise do Componente Indígena. 30/09/2009. Disponível em: <http://www.socioambiental.org/banco_imagens/pdfs/BeloMonteFUNAI.pdf>. Acesso em: 21 out. 10. 76 Em continuidade, o IBAMA, também ao refletir o desejo do governo, uma vez que é subordinado a este último, emitiu a LP desconsiderando todas as lacunas e irregularidades apontadas pelo Painel de Especialistas e das várias Ações Civis Públicas interpostas pelo MPF, a serem explanadas posteriormente. A par de tais considerações, essas atitudes demonstram a urgência do governo em implementar o projeto em questão. Analisando-se a posição favorável acerca do AHE Belo Monte, insta explicitar seu respectivo Rima, instrumento materializador do EIA. 4.3.1.1 Rima – Aproveitamento Hidrelétrico Belo Monte Considerando-se o disposto no Artigo 225, § 1º, IV, da CF, bem como os artigos 9º e 3º das Resoluções do CONAMA nº 1/86 e nº 237/97, respectivamente, referentes ao Estudo Prévio de Impacto Ambiental e conseqüente Relatório acerca do AHE Belo Monte, cabe destacar que a conclusão de seus Estudos de Viabilidade deu-se ano de 2002. No entanto, constatou-se a necessidade de elaboração de um novo Relatório de modo a diminuir os impactos negativos que poderiam ser causados ao Meio Ambiente e às pessoas em virtude da construção da Usina Hidrelétrica em questão. Para tanto, o “Congresso Nacional autorizou, em 2005, a Eletrobras – Centrais Elétricas Brasileiras S/A – a completar e atualizar esses estudos”180. Nesse sentido, a empresa Leme Engenharia teve a incumbência de dar prosseguimento à análise, apresentando ao IBAMA o novo Estudo de Impacto Ambiental e respectivo Rima sobre o projeto em maio de 2009. O referido documento faz-se composto por cento e noventa e sete páginas, contendo os seguintes tópicos: “Falando do AHE Belo Monte; Breve Histórico do AHE Belo Monte; Conhecendo a Realidade da Região; Impactos Ambientais; Planos, Programas e Projetos Ambientais; e o Futuro da Região”181. _____________ 180 CENTRAIS ELÉTRICAS BRASILEIRAS S/A (Eletrobras). Ministério de Minas e Energia. Relatório de Impacto Ambiental: Aproveitamento Hidrelétrico Belo Monte. Brasil, 2009, p. 06. Disponível em: <http://www.eletrobras.com/elb/main.asp?View={46763BB8-3B05-432F-A206-C8F93CC3BA90}>, acesso em 26.Out.2010. 181 Ibid., p. 05. 77 Em continuidade a presente apreciação, insta ressaltar colocações inseridas no Relatório em destaque: A construção de uma usina hidrelétrica causa efeitos negativos e positivos. E para saber se o AHE Belo Monte poderá ser construído foi preciso estudar o meio físico (clima, qualidade da água, recursos minerais e geologia, entre outros), o meio biótico (plantas e animais), o meio socioeconômico (atividades econômicas, condições de vida, patrimônio histórico e cultural, saúde, educação, entre outros) e as comunidades indígenas[...] [...] Etapas para uma usina entrar em funcionamento: 1- Pesquisa dos locais mais adequados para a construção de usinas no rio; 2- Estudos técnicos, sociais e ambientais e elaboração do Estudo de Impacto Ambiental; 3- Realização de leilão após a concessão de Licença Prévia (LP) pelo Ibama; 4- Detalhamento do projeto da usina, incluindo os planos para compensar os possíveis problemas que a usina possa causar para o meio ambiente e as comunidades; 5- Início da construção após a obtenção da Licença de Instalação (LI). Inicia-se a implantação dos planos e programas ambientais previstos no EIA; 6- Usina começa a funcionar após 182 obter a Licença de Operação (LO) do Ibama . Versa, além disso, o referido Relatório, que o reservatório do AHE Belo Monte integrará o SIN (Sistema Interligado Nacional), que realiza a distribuição de energia elétrica para todas as regiões do Brasil e, ainda, recebe grande parte da energia gerada no país. No caso específico do projeto em comento, serão supridos os mercados das regiões Norte, Nordeste e Sudeste. Nesse passo, em relação à diminuição dos efeitos negativos no campo ambiental, o EIA determinou algumas alterações no Projeto de Engenharia de Belo Monte, dentre elas: a mudança das 2.500 casas destinadas aos operários da obra para a cidade de Vitória do Xingu, já que antes seriam construídas próximas à casa de força principal da Usina, bem como a transferência para a cidade de Altamira, das 500 casas destinadas, também, aos funcionários, que seriam construídas em uma vila fechada; a construção, ao lado da barragem principal, de um canal para a passagem de peixes, ao invés de uma escada; a construção de um mecanismo que possibilite o tráfego de barcos pelo Rio Xingu nas proximidades da barragem principal; e, por fim, a definição de um “hidrograma ecológico para o trecho do rio Xingu entre a barragem principal e a casa de força, garantindo a navegação e a sobrevivência de espécies de peixes e plantas”183. O próprio Rima reconhece que “mais da metade da área da bacia do rio Xingu é formada por terras indígenas e unidades de conservação”184, o que contraria o artigo 231 de nossa Carta Magna e seus parágrafos, uma vez que o aproveitamento _____________ 182 CENTRAIS ELÉTRICAS BRASILEIRAS S/A (Eletrobras), 2009, p. 11. Ibid., p. 14. 184 Ibid., p. 28. 183 78 de recursos hídricos em terras indígenas, inclusive no que tange ao potencial energético, somente pode ser efetivado com autorização do Congresso Nacional. Ao lado disso, a Área de Influência Indireta (AII) do AHE Belo Monte tem início desde a foz do rio Xingu, no rio Amazonas e vai até o encontro daquele primeiro com o rio Iriri, seu afluente principal. Nessa área há uma ampla diversidade de espécies animais, a saber: 440 espécies de aves, inclusive as ameaçadas de extinção, como as araras azuis e vermelhas, 259 espécies de mamíferos e 174 espécies de répteis e anfíbios185. Ressalte-se, em tempo, que nessa região localizam-se as principais praias onde a tartaruga da Amazônia realiza suas desovas. No que diz respeito à economia, conforme informações do relatório em análise, esta se relaciona à agropecuária e ao extrativismo vegetal, sendo a agricultura familiar a sua base. O comércio e a prestação de serviços, ao seu turno, compõem-se de pequenas empresas geridas pelos familiares. Ademais, aproximadamente 350 famílias residem nas Reservas Extrativistas localizadas às margens dos rios Xingu, Iriri e Curuá, tendo um modo de vida totalmente dependente do rio, dele extraindo seu sustento. No que se atina à infraestrutura da AII do AHE Belo Monte, o Rima elenca que, de uma maneira geral, impera a precariedade, sendo notória a carência de serviços de educação e saúde públicas, bem como o difícil acesso à região, pois até mesmo a Transamazônica não é dotada de asfalto. Em decorrência disso, há graves dificuldades de locomoção e acessibilidade no período de chuvas. Daí a importância do rio Xingu e dos seus afluentes para essa população, uma vez que a navegação apresenta-se como a melhor alternativa de transporte, sendo a mais utilizada, com inclusão do transporte de cargas. Em meio a essa problemática, somente Altamira conta com uma maior diversidade de serviços, tais como: faculdades, hospitais, bancos, INSS, Promotoria Pública, etc186. Nos estudos do AHE Belo Monte, em relação às Terras Indígenas, a FUNAI as dividiu em dois grupos: o Grupo 1 é formado pelas terras localizadas na Área de Influência Direta, que merece um estudo mais aprofundado, a saber: Terra Indígena Paquiçamba, Terra Indígena Arara da Volta Grande do Xingu e Área Indígena Juruna do km 17. O Grupo 2, por sua vez, compreende as sete terras localizadas na _____________ 185 186 CENTRAIS ELÉTRICAS BRASILEIRAS S/A (Eletrobras), 2009, p. 35. Ibid., p. 42. 79 Área de Influência Indireta, quais sejam: Terras Indígenas Trincheira Bacajá, Arara, Cachoreira Seca, Kararaô, Koatinemo, Araweté/Igarapé Ipixuna e Apyterewa187. Considerando tal quadro, insta destacar os conceitos aqui abordados: Os estudos realizados para a construção do AHE Belo Monte consideram três áreas diferentes para a avaliação dos impactos: A Área de Influência Indireta (AII) compreende as áreas mais distantes, que podem sofrer modificações indiretas a partir das alterações que acontecerão nas áreas vizinhas ao empreendimento e naquelas onde vão estar as obras do AHE Belo Monte. A Área de Influência Direta (AID) é formada pelos locais onde será construída a barragem, os vertedouros, as casas de força e o futuro reservatório, além dos canteiros, estradas, alojamentos, botafora e aqueles lugares vizinhos às obras que sofrerão efeitos diretos do empreendimento, sejam esses efeitos negativos ou positivos. Já a Área Diretamente Afetada (ADA) é formada somente pelos locais das obras principais (casas de força, barragem, vertedouros) e da infraestrutura de apoio (botafora, empréstimos, travessões), bem como pelos locais de inundação, Áreas de Preservação 188 Permanente e Trecho de Vazão Reduzida. . Na seara do Direito Ambiental, cabe frisar que o AHE Belo monte provocará intensas mudanças, uma vez que importará em impactos ambientais em toda a região da Volta Grande do Xingu, bem como em alterações na vida daqueles que ali residem. Haverá mudanças “na paisagem, no comportamento das águas do rio Xingu e dos igarapés, na fauna e na vegetação. Novas pessoas vão chegar à região procurando trabalho nas obras e vão precisar de atendimento médico, escolas” 189, saneamento básico e segurança. Além disso, serão atingidos vários imóveis rurais e urbanos da cidade de Altamira, fazendo com que muitos moradores da área tenham que se deslocar para residir e obter sustento em outras localidades. O Rima enfatiza que a implantação da usina prevê quatro etapas: Estudos e Projetos, Construção, Enchimento e Operação190. Na etapa de Estudo e Projetos, o versado relatório ressalta que, no decorrer desses 30 anos, o cenário local sofreu alterações em face da geração de expectativas da população local e da população indígena, pois a movimentação de técnicos pelo local e visitas aos moradores, bem como toda a especulação sobre a construção da usina, gerou uma certa inquietação daqueles primeiros quanto ao futuro e impactos negativos que poderiam ser causados. _____________ 187 CENTRAIS ELÉTRICAS BRASILEIRAS S/A (Eletrobras). Ministério de Minas e Energia. Relatório de Impacto Ambiental: Aproveitamento Hidrelétrico Belo Monte. Brasil, 2009, p. 46. Disponível em: <http://www.eletrobras.com/elb/main.asp?View={46763BB8-3B05-432F-A206-C8F93CC3BA90}>, acesso em 26.Out.2010. 188 Ibid., p. 58. 189 Ibid., p. 80. 190 Ibid., p. 80 a 133. 80 Já na etapa da construção, o Relatório enumera os impactos que poderão ocorrer mediante cada ação tomada. Em assim sendo, vale realçar que diante do ato da mobilização e contratação de mão de obra, ocorrerão os seguintes impactos: aumento da população e da ocupação desordenada do solo, aumento da pressão sobre Terras e Áreas Indígenas, aumento das necessidades por mercadorias e serviços da oferta de trabalho e maior movimentação da economia. Já em relação à aquisição dos imóveis da população local para liberar a área para a construção da usina, serão ocasionadas a perda de imóveis e benfeitorias com transferência da população nas áreas rural e urbana, além da perda de atividades produtivas. Diante da construção de estradas, canteiros e estruturas principais, haverá a melhoria dos acessos, mas, por outro lado, importará em mudanças na paisagem; perda de vegetação e de ambientes naturais, com alterações na fauna; aumento do barulho e da poeira com incômodo da população e da fauna; mudanças no escoamento e na qualidade da água nos igarapés do Trecho dos Reservatórios dos Canais, com alterações nos peixes; mudanças nas condições de acesso, pelo rio Xingu, das comunidades indígenas à Altamira; alteração da qualidade da água do rio Xingu próximo ao Sítio Pimental e perda de fonte de renda e de sustento para as populações indígenas, além de danos ao patrimônio arqueológico191. A etapa de enchimento, por sua vez, requer a inundação das áreas para formação do reservatório, o que resulta mudanças na paisagem e perda de praias e áreas de lazer; inundação permanente dos Abrigos da Gravura e Assurini e danos ao patrimônio arqueológico; perda de jazidas de argila devido à formação do Reservatório do Xingu; mudanças nas espécies de peixes e no tipo de pesca; interrupção de acessos viários pela formação do Reservatório de Canais; interrupção de acessos na cidade de Altamira e mudanças nas condições de navegação192. Por fim, na etapa de operação, ante a geração e transmissão de energia, o Rima prevê os seguintes impactos positivos: aumento da quantidade de energia a ser disponibilizada para o Sistema Interligado Nacional – SIN e dinamização da economia regional. No que tange a liberação do Hidrograma de Vazões Mínimas, estão previstos os seguintes impactos negativos: interrupção da navegação no rio nos períodos de seca; perda de ambientes para reprodução, alimentação e abrigo de peixes e outros animais; formação de poças; mudanças na qualidade das águas _____________ 191 192 CENTRAIS ELÉTRICAS BRASILEIRAS S/A (Eletrobras), 2009, p. 84-111. Ibid., p. 111-123. 81 e criação de ambientes para mosquitos transmissores de doenças; prejuízos para a pesca e para outras fontes de renda e sustento; aumento da atividade garimpeira e dos conflitos com as populações indígenas193. Em contrapartida, o relatório em estudo salienta que novos empregos serão criados, tanto para prover as obras do AHE Belo Monte, quanto para o atendimento das necessidades dos que chegarão à região. Note-se, para arrematar, que em razão dos impactos ambientais que podem ser causados em cada uma das etapas expostas acima, o EIA realizou uma análise e sugeriu medidas de prevenção, diminuição ou compensação dos efeitos “dos impactos negativos e aumento dos benefícios dos impactos positivos. Essas medidas foram organizadas em dezoito Planos, desdobrados em Programas e Projetos Ambientais”194, contidos no Plano de Gestão ambiental, a saber: Plano Ambiental de Construção, Plano de Gerenciamento Integrado da Volta Grande do rio Xingu, Plano de Gestão de Recursos Hídricos, Plano de Conservação dos Ecossistemas Terrestres, Plano de Requalificação Urbana, Plano de Conservação dos Ecossistemas Aquáticos, Plano Ambiental de Conservação e Uso do Entorno dos Reservatórios Artificiais (PACUERA), Plano de Atendimento à População Atingida, Plano de Saúde Pública, Plano de Acompanhamento Geológico-Geotécnico e de Recursos Minerais, Plano de Relacionamento com a População, Plano de Articulação Institucional, Plano de Sustentabilidade Econômica da População Indígena, Plano de Melhoria das Habitações Indígenas, Plano de Saneamento Básico para as Comunidades Indígenas, Plano de Readequação do Serviço de Educação para a População Indígena, Plano de Fortalecimento Institucional e Direitos Indígenas, e Plano de Valorização de Patrimônio195. No que tange as ações propostas para as comunidades indígenas, salientese, dentre outras, “a garantia de condições de transporte; a sustentabilidade econômica das populações indígenas; a prevenção de doenças e o desenvolvimento da saúde; [...] a defesa e a promoção das culturas indígenas”196. À guisa de conclusão sobre o referido Rima, cabe asseverar que este pondera o futuro da bacia do rio Xingu sem o AHE Belo Monte como fadado ao desmatamento e à pesca incontrolada, provocando desequilíbrios no ecossistema; e _____________ 193 CENTRAIS ELÉTRICAS BRASILEIRAS S/A (Eletrobras), 2009, p. 124-132. Ibid., p. 81. 195 Ibid., p. 139-175. 196 Ibid., p. 138. 194 82 ao impedimento de desenvolvimento dos municípios. Já o futuro da bacia do rio Xingu com o AHE Belo Monte desencadeia na promoção do desenvolvimento sustentável da região e em oportunidade de desenvolvimento. No entanto: [...] o diagnóstico feito para o EIA mostra que a região não conseguirá alcançar um desenvolvimento econômico sustentável se, em primeiro lugar, os municípios localizados mais ao norte da bacia do rio Xingu não passarem por um amplo processo de fortalecimento institucional que inclui, entre outros pontos: capacidade de se juntar com outras instituições governamentais para atrair investimentos para a região; atender às necessidades por equipamentos e serviços públicos nos núcleos urbanos e nas áreas rurais; formar equipes de gestores públicos para bem administrar os serviços públicos; resolver graves problemas de habitação e saneamento existentes hoje, na região; desenvolver atividades produtivas baseadas nas 197 potencialidades da região . Posto isso, a equipe técnica responsável pelo EIA/Rima do AHE Belo Monte, concluiu pela sua viabilidade, ressaltando que os impactos negativos ocasionados pelo empreendimento serão muitos, sendo preciso colocar em prática os Planos, Programas e Projetos propostos pelo Rima, bem como preparar a área para receber a diversidade de pessoas que serão atraídas pela oportunidade de emprego e renda. Aconselha que tal preparo deve ser feito pelo empreendedor, juntamente com os Governos Estadual e Federal. A equipe enfatiza, ainda, que uma vez realizadas as alterações propostas, o AHE Belo Monte será um projeto de considerável desenvolvimento para o país, tendo em vista que aumentará significativamente a energia gerada para o Sistema Interligado Nacional (SIN); contribuindo para a confiabilidade que o referido sistema irá proporcionar para as regiões Norte, Nordeste, Sul e Sudeste. Porém, pondera que o projeto em questão seja de desenvolvimento, de igual forma, para a região da Volta Grande do Xingu198. 4.3.2 Posicionamento contrário ao AHE Belo Monte. Ambientalistas, movimentos sociais, membros da igreja católica, indígenas, ribeirinhos, Ministério Público, pesquisadores, dentre outros, fazem parte do grupo contrário à concretização de Belo Monte por considerar que “os impactos _____________ 197 198 CENTRAIS ELÉTRICAS BRASILEIRAS S/A (Eletrobras), 2009, p. 181. Ibid., p. 182 83 socioambientais não estão suficientemente dimensionados”199. A exemplo disso, Dion Monteiro, “economista e membro do comitê metropolitano do Movimento Xingu Vivo para Sempre”200, afirma que a decisão do presidente do TRF de cassar a liminar de suspensão do leilão do AHE Belo Monte de modo que este último tenha sido realizado, envolve, sobretudo, interesses políticos, pois não considerou, no transcurso do processo, as perspectivas técnicas levantadas pelo MPF e pelo juiz federal de Altamira, o que, segundo ele, demonstra subordinação e conivência entre os poderes executivo e judiciário. Nessa mesma linha de pensamento, Guilherme Zagallo, “vice-presidente da seccional maranhense da Ordem dos Advogados do Brasil”201; salienta que no projeto em análise faz-se presente a violação aos direitos humanos das comunidades indígenas, principalmente no que concerne à ausência de oitivas, que são garantidas pela Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário: Artigo 6° 1. Ao aplicar as disposições da presente Convenção, os governos deverão: a) consultar os povos interessados, mediante procedimentos apropriados e, particularmente, através de suas instituições representativas, cada vez que sejam previstas medidas legislativas ou administrativas suscetíveis de afetálos diretamente; b) estabelecer os meios através dos quais os povos interessados possam participar livremente, pelo menos na mesma medida que outros setores da população e em todos os níveis, na adoção de decisões em instituições efetivas ou organismos administrativos e de outra natureza responsáveis pelas políticas e programas que lhes sejam concernentes; c) estabelecer os meios para o pleno desenvolvimento das instituições e iniciativas dos povos e, nos casos apropriados, fornecer os recursos necessários para esse fim. 2. As consultas realizadas na aplicação desta Convenção deverão ser efetuadas com boa fé e de maneira apropriada às circunstâncias, com o objetivo de se chegar a um acordo e conseguir o consentimento acerca das 202 medidas propostas . Cabe, aqui, destacar que a FUNAI alega, no processo de licenciamento, que as respectivas oitivas foram realizadas. No entanto, o citado advogado pondera que _____________ 199 SOCIOAMBIENTAL, Instituto. A polêmica da Usina de Belo Monte. Disponível em: <http://www.socioambiental.org/esp/bm/index.asp>. Acesso em: 30 out. 10. 200 UNISINOS, Instituto Humanitas. BELO MONTE: ‘PRECISAMOS DE OUTRO MODELO DE DESENVOLVIMENTO’. ENTREVISTA COM DION MONTEIRO. Disponível em: <http://www.cefep.org.br/news/entevista_dion_monteiro>. Acesso em: 30 out. 10. 201 ÉTICO, Mercado. Belo Monte: um projeto que deve ser cancelado. 13/04/2010. Disponível em: <http://mercadoetico.terra.com.br/arquivo/belo-monte-um-projeto-que-deve-ser-cancelado/>. Acesso em: 30 out. 10. 202 TRABALHO, Organização Internacional do. Convenção n° 169 da OIT sobre Povos Indígenas e Tribais. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/consea/Static/documentos/Eventos/IIIConferencia/conv_169.pdf>. Acesso em: 30 out. 10. 84 houve a realização de algumas reuniões preliminares quando o projeto ainda não estava concluído, o que apartou os índios do efetivo conhecimento acerca das questões pertinentes ao AHE Belo Monte, denotando desrespeito aos princípios ambientais da participação e da informação. Portanto, o que foi juntado ao processo de licenciamento ambiental, segundo ele, trata-se de ato das reuniões preliminares e não de oitivas indígenas determinadas pela referida convenção203. De forma a explanar mais detalhadamente a contrariedade à construção da usina de Belo Monte, cumpre salientar, no capítulo seguinte, o Painel de Especialistas e o Parecer do Ministério Público Federal, bem como algumas decisões judiciais relevantes. _____________ 203 ÉTICO, Mercado. Belo Monte: um projeto que deve ser cancelado. 13/04/2010. Disponível em: <http://mercadoetico.terra.com.br/arquivo/belo-monte-um-projeto-que-deve-ser-cancelado/>. Acesso em: 30 out. 10. 85 CAPÍTULO 5 - DOCUMENTOS ENSEJADORES DA POSIÇÃO CONTRÁRIA AO AHE BELO MONTE 5.1 PAINEL DE ESPECIALISTAS O EIA/Rima Belo Monte foi recebido com diversas críticas por peritos das mais variadas áreas. Em decorrência disso, em setembro de 2009 foi elaborada uma análise crítica de duzentos e trinta páginas sobre o estudo, destinada ao IBAMA, por um painel de especialistas oriundos de diversas Instituições de Ensino e Pesquisa onde, cada um, conforme sua especialidade, identificou e examinou problemas e lacunas de grande relevância naquele primeiro documento. A versada análise204 foi elaborada por quarenta (40) pesquisadores, dentre eles, vinte e seis (26) autores e quatorze (14) colaboradores, sendo composta de sete partes, a saber: Omissão e falhas na análise de situações e dados sociais econômicos e culturais; Povos indígenas: desastre anunciado, prenúncios de direitos violados; Saúde, Educação e Segurança: Riscos Excessivos; Graves Problemas: Hidrograma da Volta Grande do Xingu e Aumento dos níveis de água em Altamira; Viabilidade Técnica e Econômica não demonstrada; Fauna aquática: riscos e omissões e, por fim, Ameaças à Biodiversidade. A Análise Crítica em questão advém, segundo seus criadores, da necessidade de se manter a população informada sobre as evidentes falhas e omissões que cercam o EIA/Rima Belo Monte; uma vez que tais ponderações partem de acadêmicos conceituados por seus trabalhos na região Amazônica e na própria Volta Grande do Xingu, sendo, portanto, conhecedores do assunto. A par disso, o painel de especialistas chegou a alguns consensos no que tange aos estudos e aos impactos ambientais relacionados no EIA/Rima criticado: _____________ 204 SANTOS, Sônia Maria Simões Barbosa Magalhães et al. Painel de Especialistas: Análise Crítica do Estudo de Impacto Ambiental do Aproveitamento Hidrelétrico de Belo Monte. Belém: Painel de Especialistas, 2009. 230 p. Disponível em: <http://www.socioambiental.org/banco_imagens/pdfs/Belo_Monte_Painel_especialistas_EIA.pdf>. Acesso em 20 Out.2010. 86 Sobre os estudos: Inconsistência metodológica; Ausência de referencial bibliográfico adequado e consistente; Ausência e falhas nos dados; Coleta e classificação assistemáticas de espécies, com riscos para o conhecimento e a preservação da biodiversidade local; Correlações que induzem ao erro e/ou a interpretações duvidosas; Utilização de retórica para ocultamento de impactos. Sobre os impactos: Subdimensionamento da área diretamente afetada; Subdimensionamento da população atingida; Subdimensionamento da perda de biodiversidade; Subdimensionamento do deslocamento compulsório da população rural e urbana; Negação de impactos à jusante da barragem principal e da casa de força; Negligência na avaliação dos riscos à saúde; Negligência na avaliação dos riscos à segurança hídrica; Superdimensionamento da geração de energia e Subdimensionamento do 205 custo social, ambiental e econômico da obra . Nesse mesmo sentido, os pesquisadores afirmam que a oratória aplicada ao EIA/Rima no que diz respeito aos impactos na Volta Grande, em especial ao Trecho de Vazão Reduzida, não revela, dentre outras coisas, que as Terras Indígenas Paquiçamba e Arara da Volta Grande constituem Áreas Diretamente Afetadas (ADA) e não Áreas de Influência Direta, como preceituado no Rima. Surge, ainda, a indagação sobre o fato do processo de licenciamento ter prosseguido sem a apresentação, pela Eletrobras, dos documentos, tantos para o aceite, como para a análise do mérito, exigidos pelo Órgão Licenciador, nos termos do Parecer nº 29/2009-IBAMA. Ademais, as falhas e omissões apontadas pelo Painel de Especialistas acerca do AHE Belo Monte ensejam crime ambiental previsto nos artigos 68 e 69-A da Lei nº 9.605/98206: Art. 68. Deixar, aquele que tiver o dever legal ou contratual de fazê-lo, de cumprir obrigação de relevante interesse ambiental: Pena - detenção, de um a três anos, e multa. Parágrafo único. Se o crime é culposo, a pena é de três meses a um ano, sem prejuízo da multa. Art. 69-A. Elaborar ou apresentar, no licenciamento, concessão florestal ou qualquer outro procedimento administrativo, estudo, laudo ou relatório ambiental total ou parcialmente falso ou enganoso, inclusive por omissão: Pena - reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa. o § 1 Se o crime é culposo: Pena - detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos. o § 2 A pena é aumentada de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços), se há dano significativo ao meio ambiente, em decorrência do uso da informação falsa, incompleta ou enganosa. Retomando a explanação da Análise Crítica do EIA/Rima Belo Monte, cabe considerar, brevemente, os pontos elencados em cada tópico do apontamento. A primeira parte enfatiza, dentre outros assuntos, a ausência de respeito à bibliografia _____________ 205 SANTOS et al., 2009, p. 11. BRASIL. Casa Civil. Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998. Dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9605.htm>. Acesso em: 18.Out.2010. 206 87 nacional e internacional sobre a região, o que merece relevância, pois a região em comento tem sido elemento de vastos estudos: primeiro pelo fato de ser objeto “de grande parte da produção relativa ao Programa de Colonização oficial e ao avanço da fronteira amazônica”207; segundo, pela razão de “ter sido Altamira palco de um importante projeto de cooperação técnico-científica”208 entre o Brasil e a França; terceiro, por ser instrumento defensivo, na Universidade Federal do Pará, de variadas dissertações e teses de mestrado e doutorado. Nesse sentido, os doutos especialistas afirmam que a versada ausência de bibliografia de referência e a conseqüente falta de embasamento refletem nas inadequações verificadas no EIA/Rima Belo Monte; “incoerentes com as práticas correntes de diagnóstico e análise nas ciências sociais”209, além de não refletir as práticas atuais de interpretação da diversidade social nas ciências sociais. A título de exemplificação, cabe destacar que a agricultura familiar na Região Transamazônica pauta-se na variedade de sistemas produtivos e formas de exploração agropecuária; caracterizando-se, ainda, pela coleta de castanha, seringa, andiroba, açaí, urucum, dentre outras espécies vegetais, sendo primordial para a subsistência das pequenas unidades familiares, servindo, ao mesmo tempo, de complemento da base alimentar. No entanto, o EIA/Rima desconsidera os dados apresentados a respeito (42,85%210 das famílias desenvolvem atividade extrativista), e prossegue o estudo. E pior, nenhuma menção é feita acerca da importância da preservação da floresta e do seu uso sustentável pelas populações locais, o que representa a gravidade da situação, uma vez que não são contabilizadas as perdas irreversíveis, tanto nos campos social quanto econômico, dos recursos florestais da região. Igual desconsideração foi dada aos pescadores locais que perfazem, segundo dados do próprio Rima, 72,9% da população local. Estes utilizam a pesca para alimentação ou comércio. Segundo os especialistas, tal fato merece estudos específicos e efetivamente direcionados aos pescadores e não somente à ictiofauna e à pesca, apesar destes últimos subsidiarem o primeiro. Diante do exposto até o momento, importa salientar conclusão do Painel de Especialistas: [...] Pode-se concluir que o EIA RIMA: _____________ 207 SANTOS et al., 2009, p. 25. Ibid., p. 25. 209 Ibid., p. 26. 210 Ibid., p. 27. 208 88 1 – Não apresenta e nem expões os procedimentos metodológicos utilizados para abordar as realidades sociais localizadas; 2 – Não elabora, não sistematiza, não colide e nem organiza informações sobre os grupos sociais e as intervenções que alterarão seus modos de vida; 3 – Não constrói os dados a partir de referências de estudos e pesquisas já realizados, nem utiliza bibliografia de referência reconhecidamente relevante no campo das ciências sociais; Assim, de forma critica, observa-se que o EIA RIMA: a) por não refletir as práticas correntes nas ciências sociais de levantamento e análise de materiais e informações para interpretar a diversidade social; b) por ignorar a bibliografia nacional – e internacional – sobre a região e por utilizar as bases de dados oficiais de modo incompleto e inconsistente, impede que os dados apresentados possam ser validados e produz ou 211 induz ao ocultamento deliberado de situações sociais e históricas . Cumpre, então, observar, que conforme o painel de pesquisadores, o Eia/Rima Belo Monte subdimensiona a população atingida e os impactos aos quais está sujeita, restando ausentes estudos referentes à manutenção da vida das populações atingidas e das conseqüências do desmatamento na região do Xingu, ao passo em que não detalha programas e projetos de mitigação, apenas listando-os e ponderando suas intenções, sem, contudo, especificar ou detalhar custos, impedindo uma melhor avaliação quanto à sua adequabilidade. Na segunda parte, Magalhães assevera que não há pesquisas assecuratórias quanto à reprodução, saúde e cultura dos Povos Indígenas nas áreas atingidas, sendo lastimável que estudos não incorram em argumentações concernentes às perdas sociais e culturais que o empreendimento AHE Belo Monte ocasionará. Segundo ele, constitui uma falácia acreditar que a população atingida será somente a que sofrer os efeitos da inundação, pois a Volta Grande do Xingu caracteriza-se por ser uma área indígena por excelência, onde os “povos indígenas que ali vivem, aldeados ou não, utilizam toda essa extensão do Xingu e as suas ilhas como fonte de alimentação e geração de renda” 212. A parte três, ao seu turno, enfoca o excesso de riscos oferecidos pela obra à educação, saúde e segurança. Nesse passo, Gorayeb213 enfatiza que o AHE Belo Monte ocasionará drásticas alterações ambientais com conseqüências muito maiores do que as elencadas em seu respectivo Rima, alterando toda a Volta do Xingu durante e após o processo de engenharia da hidrelétrica. Pondera, igualmente, que uma vez destruído um habitat natural, toda forma de vida da Área _____________ 211 SANTOS et al, 2009, p 31. Ibid., p 65. 213 Ibid., p 76. 212 89 de Influência Direta será comprometida, desde as formas microscópicas aos grandes animais e florestas. No que tange à saúde, os diversos mananciais de água formados pela obra (água parada, água com drenagem lenta ou mais forte) resultarão em sérias alterações nos ambientes aquáticos, sendo meio propício para reprodução e proliferação de mosquitos das mais variadas espécies, o que trará, indubitavelmente, prejuízos à saúde humana por meio da transmissão de doenças como a malária, síndrome hemorrágica e oncocercose, por exemplo. Diante disso, o citado autor chama a atenção para o fato de que o Rima tece comentários a respeito da problemática dos insetos transmissores de doenças como “se fosse simplesmente uma obrigação citá-los. Os estudos encomendados e apoiados destas instituições foram pesquisas rápidas e com limitações de recurso”214, o que demonstra a gravidade da questão em comento, pois deveria haver, previamente, um monitoramento e controle dessas populações, bem como de criadouros e doentes por um vasto período de tempo. Na visão de Couto e Silva, o EIA/Rima Belo Monte “não incluiu em seu escopo um diagnóstico situacional da população de referência para o empreendimento” 215, e não avaliou adequadamente os impactos sociais resultantes da construção de uma hidrelétrica, inclusive seus efeitos à saúde da população, uma vez que refere-se a dados secundários e desprovidos de realidade e preocupação com as questões de saúde, restando ausente o respeito aos artigos 2º e 3º da Lei n. 8.080/90: Art. 2º A saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício. § 1º O dever do Estado de garantir a saúde consiste na formulação e execução de políticas econômicas e sociais que visem à redução de riscos de doenças e de outros agravos e no estabelecimento de condições que assegurem acesso universal e igualitário às ações e aos serviços para a sua promoção, proteção e recuperação. § 2º O dever do Estado não exclui o das pessoas, da família, das empresas e da sociedade. Art. 3º A saúde tem como fatores determinantes e condicionantes, entre outros, a alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho, a renda, a educação, o transporte, o lazer e o acesso aos bens e serviços essenciais; os níveis de saúde da população expressam a organização social e econômica do País. Parágrafo único. Dizem respeito também à saúde as ações que, por força do disposto no artigo anterior, se destinam a garantir às pessoas e à 216 coletividade condições de bem-estar físico, mental e social . _____________ 214 SANTOS et al, 2009, p 80. Ibid., p 76. 216 BRASIL. Casa Civil. Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990. Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços 215 90 Dessa maneira, observa-se que o empreendedor remete ao Poder Público e à sociedade, a responsabilidade pelos impactos negativos causados às comunidades da Volta Grande do Xingu. No que tange à educação, Gomes apregoa que mesmo diante dos vários projetos mencionados no EIA, cumpre questionar a “capacidade de atendimento desses programas, visto que não foi considerada a demanda espontânea e nem a demanda populacional após os primeiros 5 anos de implantação da Hidrelétrica” 217. E no tocante à segurança pública, a mesma autora realça a evidência de que, com a construção da Usina, a contratação de mão-de-obra e conseqüente fluxo migratório importarão no aumento da violência e ocorrências policiais, situação que exige melhorias na referida estrutura, bem como ações voltadas para o atendimento dessa necessidade. A Parte IV do Painel versa sobre o Hidrograma da Volta Grande do Xingu tratado no EIA/Rima e pontua suas incoerências e insuficiências: a) O EIA não inclui uma análise da diminuição dos níveis de água do rio Xingu e de sua flutuação estacional, como conseqüência da redução da vazão. b) O estudo do remanso (níveis de água e perfis hidráulicos) não inclui o subtrecho do Xingu a jusante da foz do rio Bacajá. Isso pela complexidade do trecho, as dificuldades de obter secções topobatimétricas e o fato de que não é navegável, segundo os autores do EIA. c) O Hidrograma Ecológico proposto está baseado em critérios econômicos (geração de energia) e hidrológicos (respeitar a forma do hidrograma), mas pouco ou nada nas necessidades do ecossistema dependente no rio. d) O EIA não sustenta adequadamente a escolha da vazão mínima de 700 218 m3/s para a navegação do trecho Pimental-Foz do rio Bacajá . Diante de tais ponderações, Molina219 verifica que sem um estudo aprofundado não há como construir argumentos sobre a magnitude dos impactos no Trecho de Vazão Reduzida ou, ainda, declarar que o Hidrograma Ecológico seja realmente elemento mitigador desses impactos. A Parte V, por sua vez, destaca que a viabilidade técnica e econômica do projeto não foi demonstrada. A exemplo disso, insta sublinhar que usinas hidrelétricas emitem GEE (gases de efeito estufa) 25 vezes mais impactantes sobre “o aquecimento global por tonelada de gás do que o gás carbônico, de acordo com correspondentes e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L6938.htm>. Acesso em 20 out.2010. 217 SANTOS et al, 2009, p 93. 218 Ibid., p 95. 219 Ibid., p 98. 91 as atuais conversões do Painel Intergovernamental de Mudanças do Clima (IPCC)”220, o que torna inverídica a afirmação, no EIA, de que hidrelétricas, no geral, emitem menos GEE do que as termelétricas com a mesma potência. Outrossim, as emissões de gases não ocorrem somente na superfície do lago, como ressaltado no EIA, mas, também, pela água que passa pelas turbinas e vertedouros, o que aumenta a amplitude do problema. E mais, Fearnside221 aponta como verdadeiro motivo da implantação do AHE Belo Monte, o suprimento de energia para a indústria de exportação de alumínio, e não o uso pela população brasileira integrante das regiões beneficiadas pelo Sistema Interligado Nacional (SIN). Ainda nesse contexto, Sevá Filho222 analisa a questão Belo Monte sob um ponto de vista ético e lógico. Considera que todos os prejudicados com a construção da Usina sejam vistos como população atingida e, dentro desse enfoque, o número oficial de aproximadamente 19 mil pessoas não estaria condizente com a realidade. Além disso, apregoa que as pessoas prejudicadas, que deverão deixar suas casas, sítios e fazendas merecem, no mínimo, uma qualidade de vida melhor que a atual no que toca à sobrevivência, alimentação, saúde e educação, conforme garante o Art. 6º da CF: Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta 223 Constituição . A esse respeito, o renomado estudioso pondera: A lógica exige que os atingidos pela “secura” do rio e das águas subterrâneas sejam considerados atingidos tanto quanto os atingidos pela inundação de suas terras e benfeitorias. Se isso não se verificar, a História desse país e desse povo terá dado um salto para trás, uma regressão dos direitos elementares: o Estado, através de sua agência - o IBAMA - e de uma de suas poderosas empresas - a Eletrobras - estaria sacrificando mais de vinte mil pessoas, talvez trinta mil pessoas, empobrecendo-as, tripudiando sobre sua expressão social e comunitária, desqualificando-as como cidadãos em pleno século XXI, um século e décadas após a abolição da escravatura, mais de vinte anos após 224 a outorga da Constituição Federal de 1988 ! Ao dar prosseguimento à pesquisa, importa salientar que a Parte VI do Painel em análise aborda os riscos e omissões referentes à fauna aquática, dotada de inúmeras espécies relevantes na pesca como fonte de alimento ou no trato da pesca _____________ 220 SANTOS et al., 2009, p 110. Ibid., p 113. 222 Ibid., p 131. 223 BRASIL. Casa Civil. Constituição Federal da Republica Federativa do Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em 20 out.2010. 224 SANTOS et al., op. cit., p 132. 221 92 ornamental, que podem ser extintas definitivamente pelo desequilíbrio ecológico causado diante da redução da diversidade. Santos225 alerta para o fato de que a instalação da usina causará impactos que não atingirão somente a Área Diretamente afetada ou as Áreas de Influência Direta e Indireta, e sim a Bacia Hidrográfica do Rio Xingu como um todo. Apregoa, ainda, que com a redução da vazão do rio Xingu, serão extintos os principais ambientes de alimentação dos mamíferos aquáticos, bem como serão modificados os sítios de desova dos quelônios aquáticos (ex.: tartarugas e cágados). Por fim, a Parte VII do Painel de Especialistas refere-se às ameaças à biodiversidade mediante a constatação de nove problemas encontrados, quais sejam: 1) Quebra de barreira geográfica e introdução de espécies; 2) Perda de ambientes resultantes da variação anual do nível do rio (praias, pedrais, floresta inundável, ilhas) na área do reservatório. O que resultaria em perdas de biodiversidade, assim como problemas de auto-suficiência para indígenas e populações tradicionais; 3) Desvinculação do projeto de um dos seus principais impactos ambientais: o aumento das pressões para destruição de ecossistemas naturais e do patrimônio cultural por barramento adicionais no Rio Xingu; 4) Estudos apenas preliminares apresentados para análise da fauna das cavernas; 5) Partes do projeto para as quais não existe qualquer análise do impacto ambiental; 6) Omissões quanto aos impactos a jusante, particularmente no arquipélago do Tabuleiro do Embaubal (Senador José Porfírio – PA); 7) Não inclusão da área da Volta Grande na área de influência direta; 8) Falta de divulgação das características do empreendimento para que a população possa conhecê-lo e opinar sobre ele; 9) Apresentação de planos de monitoramento sem apresentação de planos de ação frente aos possíveis problemas que podem 226 vir a ser detectados . Posto isso, a conclusão do Painel de Especialistas dá-se mediante uma abordagem reflexiva ao considerar que um projeto hidrelétrico como esse, de grande porte, em plena riqueza de biodiversidade amazônica; bem como de sua cultura indígena, pode ocasionar perdas irreversíveis não só para esse trecho da Amazônia, mas para todo o planeta. Nesse toar, Medeiros227 arremata primando pela insuficiência dos estudos apresentados no EIA, alegando que este último não é capaz de prever tampouco quantificar os custos e os benefícios do projeto AHE Belo Monte, não satisfazendo desenvolvimento sustentável. _____________ 225 SANTOS et al, 2009, p 146. Ibid., p. 168-176. 227 Ibid., p. 176. 226 os princípios ambientais da precaução e do 93 5.2 PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL – A QUESTÃO ENERGÉTICA DO PAÍS E BELO MONTE Em maio do corrente ano, o Ministério Público Federal (MPF), por meio de seus procuradores Bruno Gutschow e Cláudio Amaral, elaborou parecer intitulado “A questão energética do país e Belo Monte”228. Nos termos do referenciado documento, há alternativas de transmissão e distribuição de energia elétrica mais baratas e menos degradantes do que a construção de uma grande usina, como é o caso de Belo Monte. Mediante apontamentos de dados oriundos do estudo denominado “Agenda Elétrica Sustentável 2020”229, desenvolvido pela Organização Não Governamental WWF, o MPF enfatiza a necessidade de investimentos em sustentabilidade e eficiência energética, onde, ao invés da construção de novas usinas, dever-se-ia ocorrer a repotenciação das já existentes, face a “adequação, modernização e correção de turbinas e geradores” 230, sendo possível acrescentar, em 2020, 15 GW à capacidade instalada. E mais: [...]Existe a possibilidade da utilização de novos conceitos para realização da operação do sistema elétrico interligado. Novos critérios de despachos para a produção de usinas poderiam aproveitar melhor o sistema de reservatórios de bacias hidrográficas em coordenação com a operação de termelétricas (Marques et al., 2005). O cenário Elétrico Sustentável assume que essas melhorias poderiam acrescentar 3% do total de energia a ser 231 gerada com a mesma capacidade instalada de geração hidrelétrica . Além disso, o órgão público refere-se à contradição sobre a capacidade de geração de energia da Usina de Belo Monte, alegando que o EIA/Rima prevê a capacidade média instalada de 4.772,7 MW; enquanto uma tese de doutorado defendida por Marcelo Augusto Cicogna, da Universidade Estadual de Campinas, _____________ 228 PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO PARÁ. Ministério Público Federal. A questão energética do país e Belo Monte. Pará, 2010. 72 p. Disponível em: <http://www.cimi.org.br/pub/publicacoes/1284470047_A_questao_energetica_do_pais_e_Belo_Monte .pdf>, acesso em 27.Out.2010. 229 WWF-BRASIL (Distrito Federal). Organização Não Governamental. Agenda Elétrica Sustentável 2020: Estudo de cenários para um setor elétrico brasileiro eficiente, seguro e competitivo. Brasília, 2006. 84 p. (Técnica, Volume XII). Disponível em: <http://assets.wwf.org.br/downloads/wwf_energia_ebook.pdf>. Acesso em 27 out. 2010. 230 Ibid., p. 31. 231 Ibid., p. 31. 94 concluiu como real potencial médio o valor de 1.172 MW232, o que evidencia uma das falhas dos estudos de viabilidade. Conforme expresso em linhas anteriores, o Ministério Público - na posição de fiscal da lei e defensor do Meio Ambiente, com poderes conferidos pelos artigos 127 e 129 da CF - ajuizou nove Ações Civis Públicas em desfavor do AHE Belo Monte. Na primeira delas (ACP nº 2001.39.00.005867-6), em 2001, tratou-se das seguintes irregularidades: concessão de licenciamento estadual para o rio Xingu, que é federal; constatação de projeto a ser implementado em terras indígenas e, ainda, empreendimento ausente de autorização pelo Congresso Nacional, violando os termos do Art. 231, § 3º, CF233, cuja liminar fora deferida. Diante disso, a Centrais Elétricas do Norte do Brasil S/A (ELETRONORTE) impetrou o Agravo de Instrumento nº 2001.01.00.030607-5 sobre a decisão, conforme ementa a seguir: CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DECISÃO CONCESSIVA DE PROVIMENTO LIMINAR. AGRAVO DE INSTRUMENTO: REEXAME DOS PRESSUPOSTOS DA LIMINAR. AGRAVO REGIMENTAL: NÃO-CABIMENTO. CONSTRUÇÃO DE USINA HIDRELÉTRICA EM RIO DE DOMÍNIO DA UNIÃO E QUE ATRAVESSA ÁREAS DE TERRAS INDÍGENAS. ESTUDO DE IMPACTO AMBIENTAL E RELATÓRIO DE IMPACTO AMBIENTAL. LICENCIAMENTO AMBIENTAL: COMPETÊNCIA DO IBAMA. DISPENSA DE LICITAÇÃO: REQUISITOS (ART. 24 DA LEI Nº 8.666/93). APROVEITAMENTO DE RECURSOS HÍDRICOS EM TERRAS INDÍGENAS: NECESSIDADE DE PRÉVIA 234 AUTORIZAÇÃO DO CONGRESSO NACIONAL . Nesse sentido, a sexta turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, por unanimidade, não conheceu do referido agravo regimental e negou provimento ao agravo de instrumento; sob a alegação de que não caberia o primeiro recurso para decisões que aferissem ou denegassem efeito suspensivo àquele segundo, nos termos do artigo 293, § 3º, de seu Regimento Interno. Ao lado disso, ressaltou-se que o objeto do AI faz-se adstrito ao reexame dos pressupostos concessivos da liminar, quais sejam: fumus boni juris e periculum in mora; e ponderou-se, ainda, ser indispensável a interferência do IBAMA em processos de licenciamentos e estudos prévios concernentes a empreendimentos e atividades com expressivo impacto ambiental, “de âmbito nacional ou regional, que afetem terras indígenas ou bens de domínio da União (artigo. 10, caput e § 4º, da Lei nº 6.938/81 c/c artigo 4º, I, da _____________ 232 PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO PARÁ, 2010, p. 8. Ibid., p. 9. 234 TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 1ª REGIÃO. Agravo de Instrumento nº 2001.01.00.030607-5, Sexta Turma, 17/09/2001. Disponível em: <http://br.vlex.com/vid/44369244>. Acesso em 24 out. 2010. 233 95 Resolução nº 237/97 CONAMA”235. Por fim, asseverou-se que o proveito de recursos hídricos em terras indígenas depende de permissão prévia do Congresso Nacional, nos termos do artigo 231, § 3º, da CF. A segunda ACP (nº 2006.39.03.000711-8), por sua vez, objetivava anular o Decreto Legislativo 788/2005, que autorizou a realização do EIA sem o cumprimento da oitiva prévia dos índios afetados, violando, novamente, o preceituado no Art. 231, § 3º, CF. Na terceira ACP (nº 2007.39.03.000283-9), o foco consistia em impedir a Eletrobrás de realizar os Estudos de Impacto Ambiental diante da ausência do Termo de Referência obrigatório. Em continuidade, a quarta ACP (nº 2008.39.03.000071-9), visava impedir o convênio da Eletrobras com empreiteiras para realização dos Estudos, a saber: Norberto Odebrecht, Andrade Gutierrez e Camargo Correa, sob a alegação de que estas últimas foram beneficiadas por aquela primeira “com informações privilegiadas sobre o empreendimento”236; bem como proibir a cláusula de confidencialidade prevista no versado convênio. Esse acordo foi considerado irregular e os Estudos foram suspensos àquela época. Já a quinta ACP (nº 2009.39.03.000326-2) apontava para a anulação do aceite, pelo IBAMA, do EIA/Rima incompleto. Tal fato contrariou o Parecer nº 29/2009, da própria equipe técnica do citado órgão, que concluiu pela reapresentação do Rima em virtude da carência de Estudo Espeleológico e parte biótica, nos moldes do TR, dentre outras irregularidades237. A sexta ACP (nº 2009.39.03.000363-2), ao seu turno, versava sobre improbidade em desfavor do servidor do IBAMA, Adriano Rafael Arrepia de Queiroz, que assinou o aceite do EIA/Rima, estando este incompleto238. Sobre isso, o MPF alega, em seu parecer, que a pressa no andamento do Projeto AHE Belo Monte, “além de sacrificar a Constituição e as leis, sacrifica a necessidade da população de ser esclarecida sobre os impactos”239. Dando prosseguimento, somente quatro audiências públicas240 foram realizadas diante de um universo de onze municípios diretamente atingidos, o que caracteriza manifesto desrespeito às Resoluções do CONAMA nº 9/87 e nº 237/97 (Art. 3º e 10, V), já explanadas no segundo capítulo da presente pesquisa. Em _____________ 235 TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 1ª REGIÃO. Agravo de Instrumento nº 2001.01.00.030607-5, Sexta Turma, 17/09/2001. Disponível em: <http://br.vlex.com/vid/44369244>. Acesso em 24 out. 2010. 236 PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO PARÁ, 2010, p. 15. 237 Ibid., p. 17. 238 Ibid., p. 18. 239 Ibid., p. 19. 240 Ibid., p. 21. 96 virtude disso, a sétima ACP (nº 2009.39.03.000575-6), primava pela obrigatoriedade da realização de audiências em todas as comunidades envolvidas, além de questionar a razão do IBAMA não ouvir as comunidades atingidas e não disseminar informações a elas em seus próprios locais de moradia, ao invés de forçar essas pessoas, “hipossuficientes em sua maioria”241, à viagens cansativas. Ainda nesse ínterim, vale ressaltar que a BR 230, denominada transamazônica, que liga as cidades da região, apresenta condições precárias e sequer é asfaltada, o que dificulta o acesso dos interessados às audiências, uma vez que as distâncias a serem percorridas “entre as sedes das audiências públicas e os municípios que elas pretendiam abranger”242 eram de, no mínimo, 37,6 Km e, no máximo, 255 km nos trechos de Medicilândia a Brasil Novo e de Pacajá à Vitória do Xingu, respectivamente. Face tais ponderações, cabe considerar que o MPF questionou a Eletrobrás quanto à “prestação de serviços de transporte, alimentação e estadia” às comunidades diretamente atingidas para as “audiências públicas realizadas nos Municípios de Brasil Novo, Vitória do Xingu e Altamira”243. Muito embora a empresa tenha respondido à indagação por meio de um ofício que encaminharia, em anexo, comprovantes dos referidos serviços, nenhum documento anexo ao ofício em questão chegou ao MPF. Por duas vezes o pedido foi reiterado e, segundo o Parecer do MPF, sem resposta até o momento de conclusão deste último. Cabe salientar, ainda, que a oitava ACP (nº 41157.2010.4.01.3903), pleiteava a suspensão da LP e do leilão até que o artigo 176, §1º, da CF fosse respeitado, por meio da regulamentação do aproveitamento de recursos hídricos em terras indígenas. Nesse sentido, impende transcrever o versado artigo e trecho contido no parecer do MPF retirado da presente ACP: Art. 176. As jazidas, em lavra ou não, e demais recursos minerais e os potenciais de energia hidráulica constituem propriedade distinta da do solo, para efeito de exploração ou aproveitamento, e pertencem à União, garantida ao concessionário a propriedade do produto da lavra. § 1º A pesquisa e a lavra de recursos minerais e o aproveitamento dos potenciais a que se refere o "caput" deste artigo somente poderão ser efetuados mediante autorização ou concessão da União, no interesse nacional, por brasileiros ou empresa constituída sob as leis brasileiras e que tenha sua sede e administração no País, na forma da lei, que estabelecerá as condições específicas quando essas atividades se desenvolverem em 244 faixa de fronteira ou terras indígenas. [...] _____________ 241 PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO PARÁ, 2010, p. 27. Ibid., p. 22. 243 Ibid., p. 24. 244 BRASIL. Casa Civil. Constituição Federal da Republica Federativa do Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em: 26 out.2010. 242 97 [...]Em tentativa de contornar as limitações da ausência de legislação, as empresas que realizaram os estudos vêm apresentando interpretação restritiva ao dispositivo constitucional, afirmando que o empreendimento não alagará qualquer porção de terra indígena, nem haverá barragem ou casas de força em terra indígena, e portanto não estará a desenvolver a 245 atividade de aproveitamento do potencial hidroelétrico em terra indígena . Entretanto, segundo o MPF, o referido discurso não condiz com a realidade, uma vez que, indiscutivelmente, o AHE Belo Monte comprometerá TIs. Tanto que o Rima assim reconhece e, da mesma forma, em 2005, parecer do próprio Ibama concluiu esse fato e “propôs ao Congresso projeto de Decreto Legislativo para autorizar o empreendimento”246. Por fim, a nona ACP (nº 41072.2010.4.01.3903) tratou da correção de sérias irregularidades no licenciamento ambiental. Nesse contexto, o MPF alegou que as análises apresentadas durante as audiências públicas não foram consideradas, uma vez que o órgão licenciador admitiu que não finalizou os exames de forma satisfatória em virtude do curto prazo estipulado pela Presidência da República. Com isso, deixou de apreciar adequadamente “as questões indígenas e as contribuições das audiências públicas. Além disso, a discussão interdisciplinar entre os componentes da equipe restou prejudicada” 247, o que desencadeou em limitações no Parecer Técnico nº 114/2009-IBAMA. Importante salientar, nesse teor, a violação aos artigos 4º e 5º da Resolução nº 09/1987CONAMA, já mencionados no segundo capítulo desta pesquisa, que tratam da obrigatoriedade da lavra de ata sucinta ao final de cada audiência pública como documento basilar do parecer final do licenciador: Art. 4º - Ao final de cada audiência pública será lavrada uma ata sucinta. Parágrafo Único – Serão anexadas à ata, todos os documentos escritos e assinados que forem entregues ao presidente dos trabalhos durante a seção. Art. 5º - A ata da(s) audiência(s) pública(s) e seus anexos, servirão de base, juntamente com o RIMA, para a análise e parecer final do licenciador quanto 248 à aprovação ou desaprovação do projeto . Dentre as várias irregularidades pontuadas pelo Parecer em destaque, insta salientar a ausência de programas de mitigação de impactos exigidos pelo CONAMA, evidenciada pelas condicionantes da LP nº 342/2010-IBAMA; infringência à Política Nacional do Meio Ambiente, uma vez que o EIA não desenvolveu a _____________ 245 PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO PARÁ, 2010, p. 35. Ibid., p. 38. 247 SOCIOAMBIENTAL, Instituto. MMA libera Belo Monte sem conhecer os impactos da obra. 02/02/2010. Disponível em: <http://www.socioambiental.org/nsa/detalhe?id=3029>. Acesso em: 30 out. 10. 248 CONAMA. Resolução nº 9, de 3 de dezembro de 1987. Disponível em: <http://www.mma.gov.br/port/conama/legiabre.cfm?codlegi=60>. Acesso em: 26 out. 2010. 246 98 contento as atividades técnicas mínimas exigíveis pelos incisos II e III do artigo 6º da Resolução nº 01/86-CONAMA; violação ao artigo 4º da Resolução CONAMA nº 06/87, já que a licitação ocorreu destituída da Licença de Instalação: Art. 4º - Na hipótese dos empreendimentos de aproveitamento hidroelétrico, respeitadas as peculiaridades de cada caso, a Licença Prévia (LP) deverá ser requerida no início do estudo de viabilidade da Usina; a Licença de Instalação (LI) deverá ser obtida antes da realização da Licitação para construção do empreendimento e a Licença de Operação (LO) deverá ser 249 obtida antes do fechamento da barragem . Frise-se, ademais, a insuficiência de dados científicos acerca da manutenção da vida na volta grande do Xingu, bem como sobre a vazão do rio; pois a LP em tela enfatiza que durante o período de 6 anos após a instalação da usina, haverá testes do respectivo Hidrograma de Consenso, fato este que evidencia o descaso com a sobrevivência do rio Xingu; podendo resultar, muito provavelmente, na “extinção de espécies, fim da navegabilidade, proliferação de doenças e insegurança alimentar”250, dentre outros graves danos já ponderados pelo Painel de Especialistas. Ao lado disso, o próprio órgão licenciador reveste-se de incertezas no que tange ao prognóstico da qualidade da água e sobre o aludido hidrograma de consenso: O estudo sobre o hidrograma de consenso não apresenta informações que concluam acerca da manutenção da biodiversidade, da navegabilidade e das condições de vida das populações do TVR. A incerteza sobre o nível de estresse causado pela alternância de vazões não permite inferir a manutenção das espécies, principalmente as de importância socioeconômica, a médio e longo prazos. Para a vazão de cheia de 4.000 m³/s a reprodução de alguns grupos é apresentada no estudo como 251 inviável . Além disso, no Parecer Técnico nº 6/2010, o IBAMA discorreu não ter um posicionamento seguro em relação à viabilidade de um empreendimento com tamanha complexidade252. Impende registrar, ainda, que o MPF alega, em seu parecer, que houve uma grande pressão por parte da Casa Civil para adiantar o processo de concessão da licença prévia, havendo, inclusive, estipulação de prazos para esta última; reação contrária dos técnicos do órgão ambiental, que alegavam falta de tempo hábil para conclusão das análises; bem como demissões em série _____________ 249 CONAMA. Resolução nº 6, de 16 de setembro de 1987. Disponível em: <http://www.mma.gov.br/port/conama/legiabre.cfm?codlegi=57>. Acesso em: 26 out. 2010. 250 PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO PARÁ, 2010, p. 52. 251 SOCIOAMBIENTAL, Instituto. MMA libera Belo Monte sem conhecer os impactos da obra. 02/02/2010. Disponível em: <http://www.socioambiental.org/nsa/detalhe?id=3029>. Acesso em: 26 out. 10. 252 2010 apud PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO PARÁ, 2010, p. 58. 99 dos referidos técnicos no ano de 2009. Em razão de tais ponderações, constata-se que a concessão da LP para o AHE Belo Monte, com tantas incongruências, evidencia a pressa do governo quanto ao andamento do projeto e a ofensa ao princípio constitucional da precaução253; uma vez que Belo Monte “é a primeira usina hidrelétrica projetada que aproveita recursos hídricos de áreas indígenas”254. Princípio este, abordado no primeiro capítulo da presente pesquisa como elemento norteador do Direito Ambiental. Posto isso, impende enfatizar algumas decisões judiciais relevantes sobre a versada questão. 5.3 DECISÕES JUDICIAIS RELEVANTES No intuito de maior elucidação acerca do tema, insta salientar, no quadro judiciário brasileiro, que a ACP nº 41072.2010.4.01.3903, mencionada em linhas anteriores, teve liminar deferida em 19 de abril do corrente ano. Entretanto, foi suspensa por decisão monocrática no dia seguinte, 20/04/2010, oportunidade em que o MPF interpôs o Agravo Regimental nº 0022487-47.2010.4.01.0000/PA. Face esse contexto, importante ressaltar o aditamento ao voto vogal do Desembargador Federal Souza Prudente, constante em Nota Taquigráfica do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, no qual dá provimento ao referido agravo regimental “para cassar a decisão que suspendeu a segurança outorgada pelo nobre juiz federal de Altamira, em 1ª instância”255; à medida que ressalta a necessidade de manutenção da ordem pública e eleva a importância da supremacia do interesse público em obras do porte de Belo Monte, “[...] cenário de um bioma que é responsável pelo equilíbrio ecológico do planeta”256. A esse respeito, pondera, no campo da ética, que há impedimento legal, preceituado no “art. 73, I, da Lei _____________ 253 PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO PARÁ, 2010, p. 59. PARÁ, Ministério Público Federal do. MPF/PA ajuíza dois pedidos de anulação da licença de Belo Monte. 08/04/2010. Disponível em: <http://noticias.pgr.mpf.gov.br/noticias/noticias-dosite/copy_of_meio-ambiente-e-patrimonio-cultural/mpf-pa-ajuiza-dois-pedidos-de-anulacao-da-licencade-belo-monte/?searchterm=mpf/pa ajuíza dois pedidos de anulação da licença de belo monte>. Acesso em: 30 out. 10. 255 PRUDENTE, Souza. Tribunal Regional Federal da 1ª Região. Nota Taquigráfica: Voto Vogal – Aditamento ao voto. Brasília, 2010. (AgRSLAT 22487-47.2010.4.01.0000/PA). p. 02. 256 Ibid., p. 01. 254 100 9.504/97, e no art. 50, I, da Resolução -TSE 23.191, de 16 de dezembro de 2009”257, para o uso de bens públicos na vigência de ano eleitoral. Portanto, afirma que o EIA do AHE Belo Monte não poderia ter liberado uma LP em pleno ano político. Todavia, o referido voto foi vencido, uma vez que a Corte Especial, por maioria de votos, negou provimento ao versado agravo regimental em 17/06/2010: Ementa: AGRAVO REGIMENTAL. SUSPENSÃO DE SEGURANÇA. LIMINAR EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PROJETO AHE BELO MONTE. SUSPENSÃO DOS EFEITOS DA LICENÇA PRÉVIA AMBIENTAL PARA IMPLANTAÇÃO DE EMPREENDIMENTO HIDRELÉTRICO. GRAVE 258 LESÃO À ORDEM E À ECONOMIA PÚBLICAS. NÃO PROVIMENTO . O órgão colegiado assevera, neste caso, que para haver a suspensão de execução de liminar, conforme o artigo 4º da Lei 8.437/92 e o art. 15 da Lei 12.016/2009, o requerente deve demonstrar que a decisão impugnada acarreta “grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas”259; pois ocasionais erros de mérito, supostamente ofensivos à ordem jurídica, merecem discussão e resguardo, conforme o caso, nas vias de recurso ordinárias, uma vez que a presidência do tribunal limita-se a examinar os pressupostos peculiares da contracautela. Nesse sentido, a análise do mérito somente é admitida “[...] em nível mínimo de delibação ou de descrição do cenário maior do caso, se necessária para se demonstrar a razoabilidade do deferimento ou do indeferimento do pedido”260. Posto isso, a Corte Especial, ao sopesar os estudos técnicos e a documentação acostada nos autos sobre o projeto do AHE Belo Monte, considerou os fundamentos utilizados pelo recorrente como insuficientes para desconstituir a decisão que suspendeu a execução da liminar; bem como ponderou que se mantida esta última, conforme decisão de primeiro grau outorgada pelo juiz federal de Altamira, haveria “grave lesão à ordem e à economia públicas”261. Ademais, ressaltou que a intervenção judicial em atribuições privativas da Administração, no caso, a correção de irregularidades no respectivo licenciamento ambiental, deve ser criteriosa e pautada em dados objetivos e técnicos que justifiquem tal interferência. _____________ 257 PRUDENTE, Souza. Tribunal Regional Federal da 1ª Região. Nota Taquigráfica: Voto Vogal – Aditamento ao voto. Brasília, 2010. (AgRSLAT 22487-47.2010.4.01.0000/PA). p. 01. 258 TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 1ª REGIÃO. Corte Especial. AGRSLT 002248747.2010.4.1.0000/PA. Data da Decisão: 17/06/2010. Disponível em: <http://www.trf1.gov.br/Processos/JurisprudenciaOracle/JurisprudenciaImprime.php?idxit>. Acesso em 17 jul. 2010. 259 BRASIL. Casa Civil. Lei nº 8.437, de 30 de junho de 1992. Art. 4º. Dispõe sobre a concessão de medidas cautelares contra atos do Poder Público e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil/Leis/8437.htm>. Acesso em 27 ago.2010. 260 TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 1ª REGIÃO, op. cit. 261 Ibid. 101 No que tange a ACP nº 41157.2010.4.01.3903, igualmente explanada anteriormente, cumpre salientar que sua liminar foi deferida em 14 de abril do corrente ano, porém, suspensa, dois dias depois, por decisão monocrática proferida pelo Desembargador Federal Jirair Aram Meguerian, presidente, à época: [...]Por fim, não verifico a presença de periculum in mora para a comunidade indígena, uma vez que a emissão de licença prévia e a realização do leilão não implicam na construção imediata da UHE Belo Monte, sendo que serão necessárias várias outras etapas a partir de então até a efetiva conclusão do empreendimento. Por outro lado, é patente o periculum in mora inverso, pois a não realização do leilão na data prevista trará graves prejuízos para a economia pública, pois é notória a deficiência na produção de energia elétrica por que passa o País e qualquer atraso na conclusão do empreendimento fará com que o governo federal tenha de lançar mão de outras fontes de energia, tais como a termelétrica, notoriamente mais caras e poluentes. Pelo exposto, DEFIRO o pedido e suspendo os efeitos da medida liminar proferida na Ação Civil Pública 411-57.2010.4.01.3903/PA, em trâmite perante o Juízo Federal da Subseção Judiciária de Altamira/PA, até trânsito 262 em julgado da decisão de mérito na ação principal . Nessa ocasião, o MPF interpôs respectivo Agravo Regimental sob o número 21954-88.2010.4.01.0000263, que, levado a julgamento pela colenda Corte Especial do TRF1, em 17 de junho do corrente ano, carreou consigo notável voto do Desembargador Federal Souza Prudente. No sufrágio em comento, a douta autoridade asseverou, nos termos do Art. 176, § 1º, da CF, que o fato do AHE Belo Monte envolver TIs enseja edição de lei que fixe requisitos específicos para o desenvolvimento desse tipo de atividade sendo, portanto, norma constitucional de eficácia limitada. A esse respeito, ressalta a ilicitude “do deferimento de licença prévia, execução de leilão ou qualquer ato administrativo que permita a construção do empreendimento”264 antes que a norma constitucional mencionada seja regulamentada, pois, do contrário, vislumbra-se caso de nulidade absoluta. Realça, também, que a construção da usina em referência ocasionará impactos físicos, ambientais, culturais e de cunho moral aos indígenas e ribeirinhos do rio Xingu, violando os princípios ambientais do desenvolvimento sustentável e da precaução. Quanto àquele primeiro, enfatiza a necessidade do equilíbrio entre as demandas _____________ 262 TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 1ª REGIÃO. Suspensão de Liminar ou Antecipação de Tutela 21954-88.2010.4.01.0000/PA. Disponível em: <http://www.observatorioeco.com.br/wpcontent/uploads/up/2010/04/trf1-decisao-belo-monte2.pdf>. Acesso em: 01 nov. 10. 263 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. Agravo Interno SLAT Nº 0021954-88.2010.4.01.0000. Disponível em: <http://www.prr1.mpf.gov.br/noticias/SLAT.Agravo%20regimental.%20AHE%20Belo%20Monte.pdf>. Acesso em: 01 nov. 10. 264 PRUDENTE, Souza. Tribunal Regional Federal da 1ª Região. Nota Taquigráfica: Voto Vogal Vencido. Brasília, 2010. (AgRSLAT 21954-88.2010.4.01.0000/PA). p. 02. 102 econômicas e o meio ambiente, de forma a preservá-lo para as futuras gerações e; quanto ao segundo, assevera que uma vez existindo prenúncio de redução ou perda da diversidade biológica, “a falta de plena certeza científica não deve ser usada como razão para postergar medidas para evitar ou minimizar essas ameaças”265, nos termos do preâmbulo da Convenção da Biodiversidade Biológica. Destaca, ademais, que o processo de licenciamento do AHE Belo Monte não deveria ser abordado com tamanha pressa, pois uma obra deveras impactante e dessa amplitude deveria ser pautada no princípio da precaução. Tal percepção, por sua vez, advém do fato de que, “[...] a Hidrelétrica de Belo Monte, na dimensão em que fora descrita no estudo prévio de impacto ambiental inconcluso é uma ameaça à preservação do maior bioma do planeta, o bioma amazônico”266, abarcando interesse difuso de todos os habitantes do planeta terra. De outra parte, assevera que, ao contrário do que afirmou a então ministra e agora Presidente do Brasil, Dilma Rousseff, na manifestação brasileira em Copenhagen; há progresso aliado à preservação do meio ambiente, bastando, para tanto, a observância do artigo 170 e incisos da CF, bem como da legislação ambiental infraconstitucional, em especial a Lei 6.938/81 (Política Nacional do Meio Ambiente)267, já abordada no primeiro capítulo da presente pesquisa. Dessa maneira, deu provimento ao recurso em questão, cassando a suspensão de segurança que, segundo ele, resultará em uma “tragédia ambiental no planeta”268. Todavia, o referido agravo regimental foi improvido, por maioria de votos do órgão colegiado, e, conforme explicitado em linhas anteriores, o leilão foi realizado. À guisa de esclarecimento, importa realçar que os documentos caracterizadores das divergências de opiniões sobre o AHE Belo Monte, a saber: Rima269, Licença Prévia270, Parecer do MPF271 e Painel de Especialistas272 não estão _____________ 265 PRUDENTE, Souza. Tribunal Regional Federal da 1ª Região. Nota Taquigráfica: Voto Vogal – Aditamento ao voto. Brasília, 2010. (AgRSLAT 21954-88.2010.4.01.0000/PA). p. 06. 266 Ibid., p. 06. 267 Ibid., p. 07. 268 Ibid., p. 10. 269 CENTRAIS ELÉTRICAS BRASILEIRAS S/A (Eletrobras). Ministério de Minas e Energia. Relatório de Impacto Ambiental: Aproveitamento Hidrelétrico Belo Monte. Brasil, 2009, p. 08. Disponível em: <http://www.eletrobras.com/elb/main.asp?View={46763BB8-3B05-432F-A206-C8F93CC3BA90}>, acesso em 26.Out.2010. 270 IBAMA. Ministério do Meio Ambiente. Licença Prévia nº 342 /2010. Brasília, 2010. Disponível em: <http://www.ibama.gov.br/wp-content/files/LP342-2010-Belo-Monte.pdf>. Acesso em 20.Out.2010. 271 PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO PARÁ. Ministério Público Federal. A questão energética do país e Belo Monte. Pará, 2010. 72 p. Disponível em: 103 anexos ao presente trabalho monográfico em virtude do grande volume de páginas que constituem. No entanto, podem ser encontrados nos sites eletrônicos apregoados nas respectivas notas de referência. <http://www.cimi.org.br/pub/publicacoes/1284470047_A_questao_energetica_do_pais_e_Belo_Monte .pdf>, acesso em 27.Out.2010. 272 SANTOS, Sônia Maria Simões Barbosa Magalhães et al. Painel de Especialistas: Análise Crítica do Estudo de Impacto Ambiental do Aproveitamento Hidrelétrico de Belo Monte. Belém: Painel de Especialistas, 2009. 230 p. Disponível em: <http://www.socioambiental.org/banco_imagens/pdfs/Belo_Monte_Painel_especialistas_EIA.pdf>. Acesso em 20 Out.2010. 104 CONCLUSÃO Mediante o arrazoado de idéias reveladas no decorrer do trabalho, observa-se que a Lei nº 6.938/81 sobreveio da necessidade de um diploma legal instituidor de diretrizes para a Política Nacional do Meio Ambiente, nos termos dos incisos VI e VII do artigo 23 e do artigo 225 da Constituição Federal de 1988; conforme nova redação dada pela Lei nº 8.028/90. Nesse sentido, foi criado o Sistema Nacional do Meio Ambiente, cujos órgãos e entidades foram responsabilizados pela proteção e manutenção ambiental. Dentre eles, destacam-se o CONAMA que, por meio de suas resoluções, rege padrões de compatibilidade a um meio ambiente ecologicamente equilibrado e à sadia qualidade de vida; e o IBAMA, órgão executor responsável, na esfera federal, pelo processo de licenciamento ambiental. Nesse contexto, destaca-se que o licenciamento ambiental constitui ferramenta primordial para a prevenção da degradação ambiental, tanto que perfaz instrumento da Política Nacional do Meio Ambiente, com previsão em seu artigo 9º, inciso IV, bem como está preceituado no inciso I da Resolução 237/97-CONAMA. O aludido processo carrega consigo a responsabilidade de minimizar e mitigar os prejuízos que uma determinada atividade, no caso específico, a construção de uma usina hidrelétrica, ocasione ao meio ambiente para, somente então, decidir pela concessão da licença ambiental, que, dentro desse processo, constitui três fases: prévia, instalação e operação. Feitas essas ponderações, verificou-se, ao final da presente pesquisa, que não há, ainda, concordância acerca da viabilidade ambiental do AHE Belo Monte, tampouco quanto à gravidade de seus respectivos impactos ambientais e sociais. Portanto, restam manifestas a complexidade da questão e a divergência de opiniões ao seu respeito, traduzidas por um posicionamento favorável e um posicionamento contrário à obra. Em face disso, observou-se que o posicionamento favorável está conexo ao Governo brasileiro, defensor da concretização do projeto sob a alegação de aumento do potencial energético e conseqüente desenvolvimento. Ao passo em que o posicionamento contrário fez-se realçado pelos ambientalistas, ribeirinhos, indígenas, Ministério Público e movimentos sociais (como o Greenpeace e Xingu 105 Vivo Para Sempre), que trouxeram à baila o impedimento da referida implementação ao defender a ampliação do potencial energético do Brasil por meio da repotenciação das usinas já existentes, bem como por meio de usinas eólicas e solares e não pela construção de uma nova usina hidrelétrica. Na análise do Rima, documento caracterizador do posicionamento favorável, verificou-se que mais da metade da bacia do rio Xingu é formada por Terras Indígenas; que os ribeirinhos dependem deste rio para o seu sustento, uma vez que 42,85% dessas famílias desenvolvem atividade extrativistas e 72,9% dessa população compõe-se de pescadores; e que é vasta a biodiversidade naquela área, dentre outros pontos. Entretanto, a equipe técnica responsável pelo relatório concluiu pela sua viabilidade, com a ressalva de que devem ser colocados em prática os Planos, Programas e Projetos propostos pelo EIA, bem como deve haver um preparo da área para receber as pessoas que lá chegarão em busca de emprego, de forma a mitigar os impactos de caráter negativo. Feitas essas recomendações, a mencionada equipe considera que o projeto será de grande desenvolvimento para o Brasil, visto que aumentará de forma significativa a energia gerada para o Sistema Interligado Nacional. Já na análise do Painel de Especialistas, averiguou-se o ataque aos pontos enfatizados no EIA/Rima, por meio do exame de problemas e lacunas apresentados neste último. No documento, os pesquisadores alegaram, quanto aos estudos, referencial bibliográfico inadequado e inconsistente, bem como utilização de retórica para ocultar os reais impactos. Ressaltaram, ainda, que houve negligência na avaliação de riscos à saúde e que a Área Diretamente Afetada, a população atingida, a perda da biodiversidade e o custo social, ambiental e econômico da obra foram subdimensionados, enquanto a capacidade de geração de energia foi superdimensionada. Em relação à população ribeirinha, o painel ponderou que o Rima apontou o percentual de famílias dependentes do extrativismo para sua sobrevivência, porém desconsiderou estes dados e prosseguiu o estudo, ao passo em que também pontuou o percentil de pescadores, mas não os estudou, considerando somente o estudo da ictiofauna e da pesca, apesar destes últimos subsidiarem o estudo daqueles primeiros. Ademais, realçou a ausência de estudos referentes à manutenção da vida das populações atingidas e das conseqüências do desmatamento na região, uma vez que os planos mitigadores constantes no EIA/Rima não foram detalhados, somente listados, sendo veiculadas as suas 106 intenções sem o delineamento dos custos; fator que impediu uma melhor avaliação no que tange à adequabilidade desses programas. Outro ponto que merece destaque diz respeito aos indígenas, uma vez que estes últimos serão diretamente afetados com a consolidação de Belo Monte. Nesse passo, a CF/88 os confere proteção, nos ditames de seu artigo 231 e, com efeito, tal amparo se estende, além dos direitos sobre suas terras, à sua organização social, crenças, costumes e tradições, sendo visível o motivo pelo qual estes não se solidarizam com a proposta da hidrelétrica: têm uma relação cultural com suas terras. Acerca disso, o Painel de Especialistas ressaltou não haver estudos precisos sobre a reprodução, saúde e cultura desses povos, concluindo que a população indígena atingida será a de toda a extensão do Xingu e de suas ilhas; e não somente a população da área inundada, vez que toda a redondeza é utilizada como fonte de alimentação e de renda. Observou-se, ainda, por meio da análise do Parecer do MPF, que a área delimitada para o projeto compreende terras indígenas, portanto, da União, tendo como respectivo órgão licenciador, o IBAMA. Todavia, este último alegou, nos termos do parecer técnico nº 114/2009, não ter finalizado, a contento, os exames necessários para analisar a questão indígena e as audiências públicas, em virtude do curto prazo estipulado pela Casa Civil. Ao lado disso, não apresentou certeza quanto à viabilidade do projeto, conforme parecer técnico nº 6/2010; e, mesmo assim, emitiu atinente licença prévia, contrariando os defensores da não concretização do versado aproveitamento hidrelétrico e o princípio constitucional da precaução. Apurou-se, também, que mesmo diante das nove Ações Civis Públicas interpostas pelo MPF e da incerteza jurídica corroborada pelo desrespeito às Resoluções do CONAMA, aos artigos da CF e das leis infraconstitucionais abordados no presente trabalho; as decisões judiciais ocorreram, até o momento, no sentido da concretização do projeto. Nesse passo, constatou-se a emissão da Licença Prévia; a ocorrência do leilão realizado pela ANEEL e a conseqüente autorização de exploração do AHE Belo Monte, conferida à empresa Norte Energia S.A, por meio da outorga de concessão de uso de bem público, nos termos do Decreto Presidencial de 26 de agosto do corrente ano. De certo, deve-se esclarecer que a construção de uma usina hidrelétrica no bioma amazônico perfaz motivo de grande controvérsia em virtude do vultoso 107 impacto ambiental, social e cultural que enseja não somente para a Amazônia, mas para o mundo. Ao lado disso, merece destaque a observância ao princípio ambiental da precaução, uma vez que os estudos apresentados até o momento não propiciaram ao Direito a certeza necessária quanto às lesões ambientais que podem ser ocasionadas com a referida obra. Tal preceito discorre que, diante da incerteza científica, é preciso ter mais cautela na atividade a ser desenvolvida. Por todo o exposto, compreende-se a razão da versada celeuma ter uma duração de mais de trinta anos, bem como resta evidenciada a relevância e a grandiosidade da discussão materializada por todos os documentos analisados na presente pesquisa. 108 REFERÊNCIAS 1 SILVA, Eglée dos Santos Corrêa da. HISTÓRIA DO DIREITO AMBIENTAL BRASILEIRO. Disponível em: <http://www.moraesjunior.edu.br/pesquisa/cade5/historia_direito.doc>. Acesso em: 03 ago. 2010. 2 WAINER, Ann Helen. Legislação Ambiental Brasileira: Subsídios para a História do Direito Ambiental. 2 ed. Rio de Janeiro: Revista Forense, 1999, p.03. 3 SIRVINSKAS, Luís Paulo. Manual de Direito Ambiental. 8 ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 85. 8 MAGALHÃES, Juraci Perez. A Evolução do Direito Ambiental no Brasil. 2. ed. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2002, p. 14. 10 UNIVERSIDADE FEDERAL DE CAMPINA GRANDE. Pero de Magalhães Gândavo. Disponível em: <http://www.dec.ufcg.edu.br/biografias/PeroMGan.html>. 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