UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI
BRUNO EDUARDO PIRES DE SOUZA
A MÚSICA NA CULTURA DA
CONVERGÊNCIA
As novas mídias transformando o mercado
fonográfico
SÃO PAULO
2011
2
BRUNO EDUARDO PIRES DE SOUZA
A MÚSICA NA CULTURA DA
CONVERGÊNCIA
As novas mídias transformando o mercado
fonográfico
Dissertação de Mestrado apresentada à Banca
Examinadora, como exigência parcial para a
obtenção do título de Mestre do Programa de
Mestrado em Comunicação, área de
concentração em Comunicação Contemporânea
da Universidade Anhembi Morumbi, sob a
orientação do Prof. Dr. Vicente Gosciola.
SÃO PAULO
2011
3
S713m
Souza, Bruno Eduardo Pires de
A música na cultura da convergência : as novas mídias
transformando o mercado fonográfico / Bruno Eduardo Pires
de Souza. – 2011.
85f.: il.; 30 cm.
Orientador: Vicente Gosciola.
Dissertação (Mestrado em Comunicação) - Universidade
Anhembi Morumbi, São Paulo, 2011.
Bibliografia: f.83-85.
1. Comunicação. 2. Indústria fonográfica. 3. Convergência
de mídias. 4. Produção musical. 5. Remidiatização. I. Título.
CDD 302.2
4
BRUNO EDUARDO PIRES DE SOUZA
A MÚSICA NA CULTURA DA
CONVERGÊNCIA
As novas mídias transformando o mercado
fonográfico
Dissertação de Mestrado apresentada à Banca
Examinadora, como exigência parcial para a
obtenção do título de Mestre do Programa de
Mestrado em Comunicação, área de
concentração em Comunicação Contemporânea
da Universidade Anhembi Morumbi, sob a
orientação do Prof. Dr. Vicente Gosciola.
Aprovado em ----/-----/-----
Vicente Gosciola
Suzana Reck Miranda
Maria Ignês Carlos Magno
5
RESUMO
Esta pesquisa objetiva a exploração das transformações da indústria fonográfica
mundial nos anos 2000 que ocorreram devido à crise financeira surgida no final da
década de 90 que atingiu este mercado. Dois fatores catalisaram este cenário de crise:
a pirataria de CD´s e difusão do arquivo mp3 pela internet. A pesquisa busca analisar
as causas desta crise e como a indústria está se reconstruindo e saindo dela. Para
tanto, este estudo é apoiado na cultura da convergência de mídias defendida pelo
teórico da comunicação Henry Jenkins. Esta dissertação busca abordar de que maneira
a indústria fonográfica começou a operar de acordo com um novo modo de produção
baseado na perspectiva da cultura da convergência em contraposição ao modo de
produção que regeu esta indústria durante quase toda a sua existência e que era
baseado na cultura do disco. Por isto, a pesquisa começa retomando o início da
indústria fonográfica, trabalha os conceitos de obra fonográfica e os traz para os dias de
hoje mostrando o que mudou em termos da obra. Os objetivos deste estudo giram em
torno da reestruturação da indústria perante o fim da cultura do disco: a remidiatização
do suporte físico (disco) para o virtual (arquivo digital) e a indústria dentro da cultura da
convergência de mídias – a música dentro da cultura participativa, inteligência coletiva e
narrativa transmidiática. A dissertação busca também analisar o novo meio de produção
do artista que está imperando neste novo cenário: a relação de interdependência entre
a indústria e o artista, as mudanças ocorridas através do barateamento da tecnologia
de produção de conteúdo musical e audiovisual, os home studios, as ferramentas de
promoção online, sites de relacionamento e de venda de música e a pirataria. Para
tanto, a dissertação procura abordar e refletir sobre os aspectos gerais deste cenário e
citar exemplos apoiando-se em pesquisadores e teóricos da indústria fonográfica e da
comunicação.
Palavras-chave: Indústria fonográfica. Convergência de mídias. Produção musical.
Remidiatização.
6
ABSTRACT
This research aims at exploring the transformation of the recording industry worldwide in
the 2000s that occurred due to the financial crisis that emerged in the late 90's that hit
the market. Two factors were the result of this crisis scenario: the spread of piracy of
CDs and MP3 file over the internet. The research explores the causes that led to this
crisis and how and how industry is rebuilding itself and leaving it. Therefore, this study is
supported in the media convergence culture forward by media theorist Henry
Jenkins. This dissertation seeks to address how the recording industry began to operate
according to a new mode of production based on the perspective of the convergence
culture as opposed to the mode of production that ruled this industry for nearly its entire
existence was based on the disc culture. Therefore, the search begins returning to the
start of the recording industry, working concepts of the phonographic work and brings it
to the present day, showing what has changed in terms of the work. The objectives of
this study seek to examine the restructuring of the industry before the end of the disc
culture : the remediation from the hardware (disc) for the virtual (digital file) and how the
industry is inside the media convergence culture - the music inside participative culture,
collective intelligence and transmedia
storytelling. The dissertation also examine the new production environment of the artist
who is reigning in this new era: the interdependence relationship between industry and
the artist, changes through the cheapening of production technology behind musical and
audiovisual content, home studios, the online promotion tools, social networking sites
and music sales and piracy. To this end, the dissertation aims to analyze the general
aspects of this scenario and cite examples relying on researchers and theorists of the
music industry and communications.
Keywords: Music industry. Media convergence. Musical production. Remediation.
7
LISTA DE GRÁFICOS
Números do mercado 1 .................................................................................................................. 34
Números do mercado 2 .................................................................................................................. 35
8
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ABPD – Associação Brasileira de Produtores de Discos
PRS – Performance Rights Society
RIAA – Recording Industry Association of America
9
Às duas grandes mulheres da minha vida:
Patricia Marx e Sílvia de Souza.
10
AGRADECIMENTOS
Universidade Anhembi Morumbi
Vicente Gosciola, Suzana Reck Miranda, Rogério Ferraraz, Maria Ignês
Carlos Magno, Sheila Schvarzman, Bernardette Lyra, Gelson Santana,
Marcos Brandão, Alessandra Gislaine, Leonardo Vergueiro, Valdir Baptista,
Cláudio Yutaka, Daniel Gambaro, Thaís Saraiva, Mario Cassettari, Ricardo
Matsuzawa, Alexandre Marino, Maurício Espósito, Leonardo Aldrovandi,
André Salata, Eric Marke, Gisele Sayeg, Eduardo Vicente, Vladimir Safatle,
José Souza e Arthur Souza.
11
SUMÁRIO
RESUMO ...................................................................................................................... 5
ABSTRACT................................................................................................................... 6
LISTA DE GRÁFICOS .................................................................................................. 7
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ........................................................................ 8
INTRODUÇÃO............................................................................................................ 12
CAPÍTULO UM – OBRA MUSICAL E OBRA FONOGRÁFICA .................................. 15
A cultura do LP. ...................................................................................................................................20
O CD e a nova era digital ....................................................................................................................22
O novo álbum da indústria. ..................................................................................................................24
CAPÍTULO 2 – DA CULTURA DO DISCO À CONVERGÊNCIA. ............................... 29
O fim da cultura do disco. ....................................................................................................................31
Cultura participativa e inteligência coletiva no mercado fonográfico. .................................................36
Narrativa transmidiática .......................................................................................................................43
CAPÍTULO 3 – MAJORS, INDIES E ARTISTAS NA CONVERGÊNCIA. ................... 55
Produção audiovisual e fonográfica - o controle estético das majors sobre a obra. ...........................56
Portabilidade e o artista independente. ...............................................................................................61
CAPÍTULO 4 – O PROCESSO DE REMIDIATIZAÇÃO DA INDÚSTRIA. .................. 68
O início da remidiatização. ..................................................................................................................68
Imidiação e hipermidiação do disco. ...................................................................................................70
Redes sociais, comércio digital e telefonia celular ..............................................................................77
CONCLUSÃO.............................................................................................................. 81
REFERÊNCIAS ........................................................................................................... 82
12
INTRODUÇÃO
O cenário da produção musical mudou. Presenciamos a indústria fonográfica
agonizar financeiramente com a morte lenta do CD e com a pirataria musical nos
mundos físico e virtual no final da década de 90. A indústria passou por vários períodos
de crise desde a sua formação e consolidação. No entanto, nunca viveu uma crise tão
profunda como esta das décadas 2000 e 2010. Esta crise resultou num complexo
processo de transformação na maneira de se produzir e consumir música que está em
andamento. Um fato importante resultante deste processo de transformação é que a
indústria não depende da venda de discos para sobreviver como antigamente. Ela
finalmente está conseguindo se refazer desta crise ao sair de uma cultura do disco para
uma cultura de convergência de mídias. Nos dias de hoje, não dá mais para pensar a
indústria fonográfica de maneira dissociada da indústria de entretenimento como um
todo. Não dá mais para pensar somente no suporte musical isolado de qualquer suporte
multimídia. Isto, basicamente, porque todos os suportes existentes voltados ao
consumo musical são ou estão convergindo para suportes multimídias. E a
convergência do mercado fonográfico vai além dos suportes. Segundo Henry Jenkins
(JENKINS, 2008, p.27), ―a convergência representa uma transformação cultural, à
medida que consumidores são incentivados a procurar novas informações e fazer
conexões em meio a conteúdos midiáticos dispersos.‖ Na cultura da convergência, o
consumidor participa ativamente no processo de produção da informação.
E no
mercado fonográfico atual, este consumidor também participa do processo de produção
da música.
O estudo desta dissertação analisa de que forma a música foi produzida no
passado, como está sendo produzida nos anos 2000 e por quais transformações o
processo de produção fonográfica está passando diante deste novo cenário. Para tanto,
a pesquisa tem como objetivo refletir sobre o papel do consumidor, do artista, da
indústria e a relação de interdependência entre estes três elementos dentro da
perspectiva da cultura da convergência defendida por Jenkins. A pesquisa está inserida
na linha Mediação, Tecnologia e Processos Sociais. A sua relevância e originalidade
13
justificam-se porque entender este cenário atual da produção musical é fundamental
para dimensionar o seu impacto na cultura moderna. O cenário muda a lógica da
criação e a recepção da música, ou seja, a relação dos meios culturais com a
sociedade. Do ponto de vista sociológico isto é bem mapeado, mas do ponto de vista
dos meios de comunicação os estudos ainda não estão tão abrangentes.
Para iniciar a reflexão, no primeiro capítulo, os conceitos de obra musical e obra
fonográfica são apresentados e discutidos usando o teórico Walter Benjamin e os
pesquisadores Othon Jambeiro, Márcia Tosta Dias, Michel Nicolau Netto e outros. Estes
conceitos retomam o começo da indústria fonográfica e são trabalhados ao longo da
história - da cultura do disco à cultura da convergência. Este capítulo tem como objetivo
trabalhar o conceito de obra fonográfica dentro destas duas culturas.
O segundo capítulo aborda mais precisamente o processo de transição do modo
de produção do mercado fonográfico da cultura do disco à cultura da convergência e
como a indústria hoje opera dentro dos conceitos que regem a convergência de mídias
segundo Henry Jenkins. Conceitos estes que são: a cultura participativa, inteligência
coletiva e narrativa transmidiática. A cultura participativa trata do papel participativo do
consumidor na produção da informação no mundo contemporâneo – como ele deixou
de ser apenas um receptor da informação produzida pela mídia e passou a ser um
produtor e o que muda na relação de poder entre mídia e consumidor. Inteligência
coletiva mostra um aspecto do universo midiático que é a falta de controle da mídia em
geral sobre o conteúdo que produz. Através de exemplos, mostra como redes de
internautas se articulam para obter informações sobre capítulos de séries de TV que
ainda não foram transmitidos e conseguem obtê-las, publicam conteúdos não
autorizados por seus produtores, etc. A narrativa transmidiática aborda como a mídia
está trabalhando de acordo com uma narrativa produzida em vários canais sendo que
cada canal conta uma parte da história. Nesta relação, todos os canais são importantes.
A história é concebida para ser contada através de múltiplos suportes sendo que eles
não são meros replicadores de conteúdo e por isto assumem papéis distintos dentro de
sua narrativa. O objetivo deste capítulo é trazer estes três conceitos para o mercado
fonográfico.
14
O terceiro capítulo trata da relação de interdependência entre o artista, a
indústria da produção fonográfica e a audiovisual – de como era no passado e como
está acontecendo nos dias de hoje. Ele também aborda como a digitalização e o
barateamento da tecnologia dos equipamentos de produção musical e audiovisual
mudaram esta relação.
O quarto capítulo discute o processo de remidiatização do mercado fonográfico –
do disco de vinil ao produto sem suporte físico. Este capítulo busca refletir o que mudou
no processo de escuta com a desmaterialização do suporte de áudio apoiado no
conceito de remediation ou remidiatização criado pelos teóricos Bolter e Grusin.
15
CAPÍTULO UM – OBRA MUSICAL E OBRA FONOGRÁFICA
A indústria fonográfica começa no momento em que surge a necessidade de se
produzir conteúdo musical para o gramofone e o fonógrafo - ambos os aparelhos
tinham como objetivo entreter através da reprodução de registros sonoros.
Isto aconteceu entre o final do século 19 e início do século 20 e este período é
conhecido como a fase mecânica da indústria fonográfica. A graça deste tipo de
entretenimento, até então, estava mais no hardware e menos no conteúdo que estava
sendo reproduzido por ele. ―O que significa que a principal atração é a possibilidade de
gravar e reproduzir sons reais, sejam eles músicas, falas ou ruídos‖ (GAMBARO, 2009,
p.1). Ou seja, nesta fase a música é apenas um acessório na venda de aparelhos de
reprodução de áudio. Logo em seguida, pensou-se em investir em repertório musical
como motivação para a compra destas ―máquinas de entretenimento‖ como eram
conhecidas por parte do público. A partir daí, surge a indústria fonográfica. E o primeiro
tipo de repertório musical era o erudito. Isto, porque somente a classe alta poderia
comprar estes aparelhos e a música que dava status, a música da elite era a erudita.
Antes do registro fonográfico, o que existia em termos do registro musical era a
partitura – a partitura era a obra musical materializada. Com a gravação musical, o
conceito de obra muda porque nem tudo o que era gravado estava necessariamente
escrito numa partitura e o que era gravado era, então, o novo objeto musical em si
materializado. Como exemplo, temos a gravação da música folclórica norte-americana,
do blues e muito da produção do jazz, que se constituíam não só da composição como
também do improviso e dos arranjos criados ―na hora‖. Além disto, a partitura não tem
som. Cada vez que uma partitura é executada, a música soa de um jeito
completamente diferente. Já a música gravada tornava-se um objeto único que passava
sempre as mesmas sensações. No entanto, este objeto musical gravado (numa fita ou
disco) envelhecia e o som mudava, assim como uma pintura envelhece e suas cores
mudam.
16
Contudo, esta obra gravada não poderia ser comparada à pintura. Segundo
Walter Benjamin no texto A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica:
O aqui e agora do original constitui o conteúdo da sua autenticidade, e
nela se enraíza uma tradição que identifica esse objeto, até os nossos
dias, como sendo aquele objeto, sempre igual e idêntico a si mesmo.
(BENJAMIN, 1993, p.167).
Dentro desta perspectiva, diferente da pintura pelo fato da obra musical gravada
ser produzida tecnicamente e possível de ser também tecnicamente reproduzida, o seu
―aqui e agora‖ inexistia para Benjamin. A obra musical executada ao vivo, com ou sem
partitura, possuía características únicas pertinentes ao momento que era executada e
trazia características de autenticidade próximas a da pintura mas, quando gravada, o
processo técnico eliminava estas características e a transformava num outro objeto.
Com a evolução do áudio e das técnicas de gravação em torno de 1920 e 1940,
os estúdios buscam o registro não de uma performance real e sim de uma performance
ideal. Vale ressaltar que não existia ainda a manipulação técnica do som já gravado.
Ela só irá existir bem mais tarde com o advento da fita magnética em 1935. No entanto,
este recurso só irá ser utilizado profissionalmente somente por volta de 1950. Neste
período, o suporte de gravação musical em estúdio ou ao vivo evoluiu do disco de
acetato para a fita magnética.
O aqui e agora desta gravação era registrado de maneira única numa fita
conhecida como ―máster‖. No entanto, será que esta máster carregava a autenticidade
do que era gravado? Seria ela o original da gravação? Mesmo depois com a
manipulação técnica na fita magnética, onde podia-se gravar por cima do que já foi
gravado, gravar instrumentos de maneira separada ou cortar com uma lâmina esta fita
no intuito de diminuir ou alongar a gravação de uma música, só existia um original que
era a máster. Qualquer cópia criada a partir do processo analógico existente na época
nunca era igual ao seu original – o som era outro. No entanto, para Benjamin isto pouco
importava porque esta mesma máster permitia fazer as cópias.
Alguns estudiosos do mercado fonográfico brasileiro apontam uma diferença
entre obra musical e obra fonográfica. Othon Jambeiro, no seu livro Canção de massa:
as condições de produção, diz que a obra fonográfica existe porque sofre interferência
17
do produtor fonográfico. Este estudo, feito nos anos 70, continua a ter grande valor nos
dias atuais servindo de referência para pesquisadores contemporâneos da indústria
como a escritora Márcia Tosta Dias. Segundo Jambeiro, a obra fonográfica é diferente
da obra musical que é o resultado do trabalho artístico realizado pelo compositor ou
intérprete sem esta interferência do produtor fonográfico. O produtor fonográfico era a
gravadora e a equipe de executivos que a integravam. O autor aponta que o produtor
fonográfico surge na segunda fase da indústria fonográfica conhecida como fase
elétrica (por volta de 1925). Nesta fase, o produtor fonográfico é diferente do fabricante
dos discos da primeira fase da indústria que apenas captava sons para abastecer as
―máquinas de entretenimento‖, citadas anteriormente, de conteúdo. Ao contrário do
fabricante que não manipulava esteticamente a obra musical, o produtor fonográfico
interferia no processo criativo do artista e na obra musical:
Se antes o disco era o resultado da gravação da execução de uma obra
preexistente tal qual era, hoje não se pode negar a intervenção do
produtor de fonogramas na fixação das execuções por ele orientadas,
que frequentemente poderiam caracterizá-lo como um adaptador da
obra preexistente. Teríamos, assim, ―obras fonográficas‖, isto é, obras
originais adaptadas, transformadas e reproduzidas em disco, as quais
estariam protegidas com independência dos direitos de autor
correspondentes à obra original. (JAMBEIRO, 197, p.50).
Dentro desta perspectiva, a obra musical sofreu uma mutação identitária ao se
tornar obra fonográfica. Através de uma análise sobre a visão de Benjamim e Jambeiro,
podemos supor que esta mutação identitária da obra musical se deu através do
processo técnico e da produção industrial.
Benjamim aponta que a obra de arte sempre foi passível de ser reproduzida
tecnicamente:
Em sua essência, a obra de arte sempre foi reprodutível. O que os
homens faziam sempre podia ser imitado por outros homens. Essa
imitação era praticada por discípulos, em seus exercícios, pelos mestres,
para a difusão das obras, e finalmente por terceiros, meramente
interessados no lucro. (BENJAMIN, 1993, p.166).
18
Para ele, como foi visto anteriormente, o que se perdia no processo de
reprodutibilidade técnica de uma obra de arte era a sua autenticidade:
Mesmo na reprodução mais perfeita, um elemento está ausente: o aqui
e agora da obra de arte, sua existência única, no lugar em que ela se
encontra. É nessa existência única, e somente nela, que se desdobra a
história da obra. Essa história compreende não apenas as
transformações que ela sofreu, com a passagem do tempo, em sua
estrutura física, como as relações de propriedade em que ela ingressou.
(BENJAMIN, 1993, p.167).
Com relação ao som, Benjamim dizia:
A reprodução técnica do som iniciou-se no fim do século passado. Com
ela, a reprodução técnica atingiu tal padrão de qualidade que ela não
somente podia transformar em seus objetos a totalidade das obras de
arte tradicionais, submetendo-as a transformações profundas, como
conquistar para si um lugar próprio entre os procedimentos artísticos.
(BENJAMIN, 1993, p.167).
Quanto ao processo industrial, Eduardo Vicente diferencia a importância deste
processo para a música popular em relação à música erudita de acordo com a visão de
Max Weber:
Se a música erudita encontrou, como aponta Max Weber (1995), as
condições para sua autonomização e racionalização na escrita musical,
entendo que para a música popular, vinculada à tradição oral, essas
condições surgiram com o processo de industrialização. Foi ele que
permitiu às obras saírem do âmbito do domínio público: assumindo
autoria, preservando sua forma original, e desterritorializando-se através
de sua circulação para um público grandemente ampliado. (VICENTE,
2008, p.5).
Ainda na mesma linha de raciocínio, Vicente distingue o processo de criação da
música popular com o das artes plásticas e literatura e o aproxima com o do cinema –
visão defendida por Benjamim:
Assim, ao contrário da literatura e das artes plásticas tradicionais, por
exemplo, entendo que a música popular como a conhecemos não pode
ser criada integralmente por um único indivíduo isolado e destituído de
19
um arsenal mais complexo de recursos materiais. Sob esse aspecto, ela
se aproximou do cinema, no sentido de ter se tornado uma forma de
expressão artística que depende das condições de industrialização para
sua plena realização. (VICENTE, 2008, p.6)
O processo técnico e a produção industrial são amplamente discutidos por
Márcia Tosta Dias no livro ―Os Donos da Voz – Indústria Fonográfica Brasileira e A
Mundialização da Cultura‖. Analisando a estrutura das grandes gravadoras, ela apoiase no conceito de Jambeiro que determina as atividades da indústria dispostas em
quatro áreas que são ―a artística, a técnica, a comercial e a industrial‖. (JAMBEIRO,
1975, p.45). Estas quatro atividades englobariam todo o processo de produção do disco
e
respectivamente
seriam:
sua
concepção
artística,
gravação,
comercialização/marketing e processo de fabricação. Contudo, ela aponta uma alta
complexidade do processo produtivo que resulta no produto final. Esta complexidade se
dá por sustentar-se em duas dimensões essencialmente diversas mas que
frequentemente se sobrepõem na grande indústria: ―a produção material e a produção
artístico-musical‖. (DIAS, 2008, p.69). Do lado da produção artístico-musical, estaria
uma administração central que englobaria o departamento de direção artística
responsável pela concepção estética do produto junto ao artista e seu repertório (o
chamado departamento de A&R) e o departamento de marketing responsável pelas
estratégias de divulgação. Do lado da produção material estaria ―a execução do que foi
planejado, incluído o trabalho do artista no estúdio e todo o processo de gravação
técnico a ele dispensado‖. (DIAS, 2008, p.69). Segundo a autora, a esfera da produção
material não se restringe à fabricação – não é um mero processo de produção de
mercadorias. Com a evolução tecnológica dos aparatos de gravação e dos estúdios, a
produção material vai conquistando certa autonomia com relação ao todo:
O trabalho de estúdio, uma vez autonomizado, confunde-se com a
esfera da produção artística. Mas, a meu ver, essa é uma autonomia de
gerenciamento do produto e não de criação artística. Se existe um
imbricamento entre as esferas técnica e artística, é a primeira que
conquista o privilégio de comandar o processo. (DIAS, 2008, p.72).
20
Esta visão corrobora mais uma vez o conceito de Benjamin da obra de arte
transformada em outro objeto através da produção técnica e do conceito de Jambeiro
sobre a obra fonográfica ser resultado do trabalho de uma equipe.
Dias também cita um autor que trata o trabalho na indústria fonográfica como um
trabalho cada vez mais de criação coletiva:
A. Hennion, autor de um dos raros estudos sociológicos sobre o
processo de produção na indústria fonográfica, ao analisar o universo da
música de variedades (que, neste trabalho, tenho chamado de música
popular ou canção popular de massa), afirma que o processo é realizado
por um criador coletivo (por mais que, posteriormente, a autoria do
produto final seja conferida a um criador único), ou seja, por uma equipe
de profissionais que, simultaneamente, incumbe-se dos vários aspectos
da produção social de uma canção e, na sequência, do conjunto de
canções organizadas em disco. (DIAS, 2008, p.72).
Sob a perspectiva deste autor, aponta que uma equipe de trabalho deve
conhecer os processos de criação musicais e artísticos tanto quanto o mercado, público
e os aparatos técnicos de produção. Além disto, para Hennion, ―a canção e o disco de
variedades são socialmente produzidos, pois traduzem e expressam os desejos do
público que, na verdade, é o nome que dá as referências culturais de seu consumidor
potencial‖ – o sucesso da música popular estaria ligado a uma mistura entre os seus
elementos musicais e os desejos do público. (DIAS, 2008, p.73).
Nos dias atuais, presenciamos o artista se tornando produtor fonográfico no
momento em que concebe, produz, grava e distribui da sua própria casa via internet. O
barateamento da tecnologia tornou isto possível. A produção material funde-se à
produção artístico-musical. O artista acumula funções de diretor artístico, de marketing,
técnico de gravação e gerente de vendas. No próximo capítulo, veremos como a
convergência tem condições de explicar a situação do processo de produção atual e da
participação do público neste processo. Por enquanto, faz-se necessário entender um
pouco mais como a indústria foi se transformando ao longo do século passado até o
presente momento.
A cultura do LP
21
Outro ponto de discussão a partir do surgimento da obra fonográfica se dá por
volta das décadas de 1920 e 1930. Ele gira em torno não somente da questão da
produção técnica e industrial como da obra fonográfica em si.
Naquela época, o jazz era a música popular dos Estados Unidos - país de onde
surgiu a indústria fonográfica. As grandes gravadoras norte-americanas (as chamadas
majors) eram a Columbia, RCA e Capitol. O jazz era popular porque era a música
tocada nos bailes, uma música alegre e feita para se dançar. Artistas de jazz foram se
tornando famosos e populares como Duke Ellington e Louis Armstrong. Os aparelhos
de reprodução dos discos foram ficando mais baratos e se popularizando. No entanto, a
mídia de reprodução musical em questão, que era o disco de 78 RPM, permitia o
registro de uma música de no máximo 3 minutos de duração. Com este tempo, o aqui e
agora de uma música tocada ao vivo que podia durar uns 20 minutos ou bem mais não
poderia ser registrado em disco. Os solos tinham que ser reduzidos ou mesmo cortados
e a estrutura narrativa de uma música baseada no improviso tinha que ser moldada de
acordo com as limitações daquela mídia. Outro ponto importante é o fato de que com
este tempo de duração o que se era vendido na época eram discos de uma música ou
duas músicas.
Em 1948, surge o disco de Long Play ou LP 33 RPM. Através deste suporte era
possível gravar mais ou menos 18 minutos de cada lado com qualidade. Pela primeira
vez, o repertório de um show inteiro ou mesmo um concerto erudito podia ser gravado
na sua íntegra numa mídia. A partir deste ponto, surge toda uma dinâmica de produção
fonográfica apoiada neste pensamento sobre obra fonográfica apoiada no LP. Esta
dinâmica de produção foi regida pelo mercado até o final da década de 90. O
pesquisador Leonardo Demarchi propõe o surgimento de uma estética chamada
―estética do álbum‖ (DE MARCHI, 2005, p.13) apoiada nesta dinâmica de produção do
mercado em torno do LP. Segundo ele, a estética do álbum surgiu a partir do momento
que várias músicas eram colocadas num só suporte através de uma relação de
coerência entre elas e de uma nova lógica de consumo que surgia a partir deste
suporte.
22
Com a desmaterialização do suporte musical, esta dinâmica cai por terra e
talvez seja um dos pontos relevantes do despertar tardio da indústria fonográfica com
relação ao que a levou a esta última crise financeira e a este processo de
transformação que ainda está ocorrendo hoje. Este ponto será abordado mais pra
frente. Por agora, é importante analisar por quais maneiras o LP e o conceito que ele
carrega de obra fonográfica foram fundamentais para o crescimento e consolidação da
indústria durante estes vários anos.
A grande questão é que o LP possibilita uma experiência mais profunda da obra
do artista em comparação aos singles ou compactos. Nesse sentido, ele representa
uma mudança na forma de consumo musical: ―o valor de consumo se desloca da
música, vendida de forma unitária, para o artista. Mais do que isso, o disco se torna um
objeto de consumo menos passageiro que um single (compacto)‖ (SOUZA e
GAMBARO, 2009, p.2). Com ele, surge o conceito de álbum. O álbum LP possibilitou
pela primeira vez ao consumidor levar para casa uma experiência narrativa musical
mais profunda da obra do artista – experiência semelhante apenas era obtida nas
apresentações musicais ao vivo.
Por fim, nos anos 60, a indústria alcança números recordes de vendagem de
LPs. Foi o período de ascensão do rock e da queda do jazz como música popular. O
livro ―A História Social do Jazz‖ de Eric J. Hobsbawn mostra minuciosamente este
processo. As grandes gravadoras não conseguem dar conta de toda produção musical
daquele período. Ele também é marcado pelo crescimento do mercado de nicho das
independentes que correm por fora e abocanham esta demanda de produção não
trabalhada pelas grandes gravadoras (as chamadas majors). Neste momento,
gravadoras independentes (as chamadas indies) como a Motown, Chess, Atlantic e
outras se consolidam no mercado. Outro fato importante segundo GAMBARO (2009,
p.5), ―é que nesta fase o disco se consolida como bem material de consumo cultural. A
figura do artista, principalmente depois de ações na esteira da beatlemania, se torna
instrumento de venda de álbuns‖.
O CD e a nova era digital
23
O mercado vive uma situação de crescimento e prosperidade financeira até mais
ou menos no final dos anos 70. O público de rock que era o grande público consumidor
estava envelhecendo e a indústria precisava investir numa produção que atendesse a
este novo público jovem que surgia. Uma das apostas era a disco music – um tipo de
música dançante originada da soul music e funk que tinha alto apelo comercial. O fato é
que a indústria entra nos anos 80 mergulhada numa nova crise financeira. Naquele
momento, a gravação do áudio tinha evoluído bastante – a gravação digital começa a
substituir a analógica. Em 1982, surge o CD e com ele uma solução rápida para a crise
que reinava no mercado. O CD possibilitou o relançamento de todo catálogo musical
lançado em LP.
Num primeiro momento, o CD adquire o valor cultural de álbum do LP. Havia
certo encantamento por parte desta nova mídia porque pela primeira vez era possível
escutar um som puro e sem chiados. Esta era a promessa deste formato digital. Anos
mais tarde, no final da década de 90, o CD perde o valor cultural de álbum do LP. Isto,
porque a tecnologia transforma o CD numa mídia qualquer de armazenamento de
dados como um disquete ou um disco rígido. Basicamente, quase todo mundo já tinha
um gravador de CD instalado em seu computador. A mídia gravável de CD foi
barateando e se tornou extremamente acessível custando cerca de um dólar a unidade
de CD-R (CD gravável). Desta forma, a pirataria poderia ser praticada por qualquer um
que tivesse um computador razoável. E a pirataria de CD´s realmente balançou a
indústria naquele momento. O pior viria com a pirataria no mundo virtual. No entanto, o
maior estrago que a pirataria de CD´s causou à indústria foi no valor cultural que a
apoiava durante quase toda a sua existência – o valor de álbum do LP. Todo valor de
consumo explicado anteriormente com relação ―ao culto ao disco‖ estava morrendo
naquele período. O plástico do CD era uma commodity e, por isto, a relação afetiva do
consumidor com relação ao álbum em CD já não era a mesma de antes. O golpe
certeiro na indústria viria logo em seguida com o começo da difusão do arquivo MP3 na
Internet.
A desmaterialização do suporte de áudio derruba toda a lógica de crescimento
da indústria em torno do álbum como obra fonográfica. Isto, porque acima de uma crise
financeira que estava em andamento de maneira rápida e cruel, havia uma crise de
24
valores muito grande. E a indústria não estava entendendo quais valores estavam
sumindo e quais permaneciam. Talvez porque ela estivesse mergulhada de maneira
profunda o suficiente no problema e não soubesse quais rumos tomar para se refazer
mais uma vez como no passado. A difusão da música de maneira unitária, desta vez
com a internet, voltara a acontecer e quebrava o processo de produção apoiado no
álbum pela indústria. Alice Carvalho e Riverson Rios chamam de ―estética do single‖
(CARVALHO; RIOS, 2009, p.81) o trabalho da indústria em torno da comercialização de
uma música (ou algumas versões desta mesma música) num suporte em contraposição
ao trabalho de muitas músicas distintas num mesmo suporte, ou seja, em contraposição
à estética do álbum. O single (que era o nosso disco compacto no Brasil) sempre
coexistiu com o álbum e é trabalhado em muitos países como os EUA, Japão e países
europeus como um suporte de marketing e venda para alavancar os álbuns. Já a
estética do single defendida por Carvalho e Rios mostrava a preferência do consumo
unitário de música em contraposição à lógica de consumo do álbum. Talvez o maior
erro da indústria fosse ter demorado a entender esta mudança de perfil no consumo
que estava acontecendo. Os executivos não enxergavam desta maneira, tanto que a
reação das gravadoras majors, no começo, era a de combater o MP3 a qualquer custo.
Isto mudou nos dias de hoje e a venda virtual está tornando o principal meio de
comércio de música. No entanto, uma questão surge: O álbum acabou?
O novo álbum da indústria
Henry Jenkins analisa o momento em que vivemos afirmando que ―a circulação
de conteúdos – por meio de diferentes sistemas midiáticos, sistemas administrativos de
mídias concorrentes e fronteiras nacionais – depende fortemente da participação ativa
dos consumidores‖ (JENKINS, 2008, p.27).
Podemos considerar esta situação muito pertinente com relação à participação
do consumidor de música atualmente:
Para Carvalho e Rios, a grande vantagem do fim da ideia de álbum é a
possibilidade outra de compilação por parte do próprio consumidor. O
25
MP3 possuiria então uma ―reflexividade estética‖ com o ouvinte, que
ganha oportunidade de reorganizar a lista de canções conforme o seu
próprio desejo. (SOUZA e GAMBARO, 2009, p.5)
Na visão de Alice Carvalho e Riverson Rios, esta situação representaria o fim da
ideia de ―álbum comercial‖ mas não o da ideia de álbum: ―enquanto estamos prestes a
testemunhar a morte do compact disc, o mesmo não pode ser dito quanto à ideia de
álbum. Afinal, não seriam as playlists álbuns pessoais?‖ (CARVALHO; RIOS, 2009,
p.89).
Podemos supor que esta reflexividade estética do MP3 com relação ao ouvinte
seja o desejo dele participar da construção da obra e não somente consumi-la como um
pacote fechado. E esta ideia de álbuns como playlists pessoais ilustra a criação
conceitual ou pelo menos a participação criativa do público na obra fonográfica.
As compilações pessoais não são uma novidade - existem desde o surgimento
da fita K7 em meados da década de 1960. No entanto, uma compilação em fita K7 feita
a partir de LP´s por uma determinada pessoa não substituía o valor cultural do LP ou
dos LP´s usados para esta compilação. Isto, porque existia um suporte físico anterior a
esta compilação que era o LP.
Com a desmaterialização do suporte, um artista pode produzir um álbum e lançálo apenas no mundo virtual sem a necessidade de lançá-lo num suporte físico. Desta
forma, o valor cultural está impregnado nas músicas em si. Contudo, uma compilação
pessoal de objetos não materializados não rouba o valor deles e sim confere a eles
novos valores.
Com a internet, uma pessoa pode montar uma compilação sua dos álbuns do
seu artista preferido e colocá-la à disposição para o mundo inteiro. Desta forma, a sua
compilação pessoal se torna um objeto coletivo. A grande questão a partir desse ponto
é: Isto não é pirataria? Sem dúvida. No entanto, a pirataria faz parte do mercado hoje e
pelo menos até agora é impossível detê-la. Temos presenciado a situação de que
quando se fecha um site ilegal de troca de arquivos outros tantos surgem. A pirataria é
um fenômeno que existe e deve ser considerado de maneira relevante nesta discussão
entre a relação de consumidor e indústria fonográfica. O mercado hoje está se
adaptando ao fenômeno da troca de arquivos e já está lucrando com isto. Segundo
26
relato do pesquisador Michel Nicolau Netto no texto ―Quanto custa o gratuito?‖, a
empresa norte-americana Qtrax pagou cerca de 1 milhão de dólares em 2008 para se
promover na maior feira mundial do mercado fonográfico que acontece todo o ano em
Cannes – o Midem. No material de divulgação da empresa na feira, ela se colocava
oferecendo o primeiro serviço gratuito e legal de troca de arquivos voltados à música
peer-to-peer (P2P) do mundo. O P2P tornou-se bastante popular mundialmente através
do Napster em 1999. Este portal permitiu a troca de música sem custo para o internauta
mas não remunerava as gravadoras e os artistas, ou seja, promovia a pirataria. Em
pouco tempo, o portal seria processado por várias gravadoras e o site fechado por
decisão da justiça americana. Em 2002, foi comprado pela empresa Roxio e hoje opera,
mas o serviço é pago. No caso do Qtrax, os custos dos direitos dos artistas e
gravadoras quando os downloads são feitos pelos usuários são pagos através de
anunciantes no site.
A Trama foi a primeira gravadora e talvez a única a adotar o modelo de
download subsidiado por patrocínio de empresas de outros setores no Brasil. Lançou os
álbuns virtuais de artistas como Ed Motta e outros com patrocínio de empresas como a
Volkswagem possibilitando o download integral das músicas por parte do público sem
custo algum. No 3º Encontro ESPM de Comunicação e Marketing que aconteceu no dia
6 de Maio de 2009 em São Paulo, João Marcello Bôscoli, presidente da Trama, disse
que algumas gravadoras têm aprendido com a pirataria. Ele relatou que alguns artistas
que estavam sumidos da mídia há muito tempo estavam sendo relançados por estas
gravadoras através do aumento pela procura e download ilegal de suas músicas por
parte do público. A pirataria, dentro desta perspectiva, funciona como uma resposta do
público ao mercado dizendo a ele o que fazer e o que produzir.
Neto analisa os novos modelos capitalistas que surgem na indústria da música
com o advento da internet e com a entrada das empresas de tecnologia no negócio.
Ainda sobre o modelo de negócios da Qtrax, diz:
Aqui está nosso problema: no momento em que a indústria da música
desonera o consumidor, ela se insere em um novo cenário de grandes
investimentos, essencialmente capitalista, de busca por lucros e
vantagens comerciais, no qual novos e velhos atores atuam em disputa.
Contudo, ao proceder tal desoneração, o aspecto capitalista do processo
27
é mascarado em prol de uma imagem de acesso livre e diverso (mesmo
infinito) à oferta cultural. A pergunta que nos colocamos é: quais as
consequências disso sobre o acesso à cultura? Para refletirmos,
precisamos primeiro tentar propor um modo de pensar teoricamente a
estrutura atual da indústria da música. (NETTO, 2008, p.144).
Neste estudo, apresenta as novas configurações do mercado que são baseadas
na relação de dependência e interdependência da indústria fonográfica com as
empresas de tecnologia.
A transferência do faturamento da indústria fonográfica do meio
tradicional para as vendas digitais leva também a um deslocamento de
forças nesse setor industrial. A tecnologia, que servia apenas de meio
para o negócio da música, alcança outras etapas do processo desse
negócio e passa a não ser apenas uma parte subsidiária à indústria
fonográfica, e, sim, também uma alternativa e, assim, uma concorrente a
esta. (NETTO, 2008, p.145).
Com o crescimento de vendas do arquivo de música e a decadência e
estagnação do CD, temos um mercado extremamente dependente das empresas de
tecnologia em termos logísticos. Pela primeira vez, estas empresas começam a tomar
decisões sobre o negócio fonográfico. Como exemplo a iTunes Store, loja virtual de
música da Apple, detém por volta de 70% do faturamento dos arquivos digitais no
mundo. É ela que impõe o preço unitário final do arquivo digital para o consumidor final.
Com esta quebra da subsidiariedade na relação entre o setor fonográfico e as
empresas de tecnologia surgem conflitos de interesses:
O que ocorre hoje é a quebra dessa subsidiariedade. Ao se tornarem um
modo de negócio em si, o qual apresenta a maior tendência de
rentabilidade nos negócios de música, as empresas de tecnologia se
transformam em forças autônomas e passam a disputar a determinação
das características do campo musical com a própria indústria fonográfica.
Isso porque os interesses que ambas as forças apresentam não são
idênticos. Enquanto o setor fonográfico (referimo-nos a gravadoras,
distribuidoras e editoras) se ocupa em vender o produto musical —
discos e fonogramas —, o outro segmento tem por meta a venda de
tecnologia, sendo o produto musical a condição para tanto. Portanto, o
valor do negócio para essas empresas está em locais diferentes.
(NETTO, 2008, p.145).
28
Uma das questões levantadas por Netto que está ligada a estes conflitos de
interesses gira em torno dos players de música atuais. A Apple, por exemplo, além de
dona do maior portal de vendas de música on-line fabrica o iPod que representa 78%
da fatia de venda de tocadores de MP3 e que para ser abastecido de música
necessariamente deve ser conectado ao software iTunes onde a compra é feita. Para a
Apple, o interesse está na venda dos seus players – não interessa se uma pessoa
compre uma determinada música apenas uma vez e utilize-a em vários players ao
mesmo tempo ou mesmo dê este arquivo para os amigos. Para o mercado fonográfico,
é importante que cada download pago por uma música fique ―preso‖ a um determinado
player – se o consumidor quiser ouvi-la em outro lugar que pague pelo download
novamente. Segundo Netto:
E nesse conflito, as partes têm seus trunfos. Do lado da indústria
tecnológica, o grande trunfo é o desejo óbvio do público em não pagar
— ou pagar o mínimo e ter liberdade de uso — pelo consumo da música,
o que lhes é oferecido. Do lado da indústria fonográfica, há a legalidade.
(NETTO, 2008, p.146).
Neto conclui seu texto dizendo que apesar dos conflitos há uma zona solidária de
interesses entre estes dois atores do atual negócio da música:
Dessa maneira, os movimentos da indústria tecnológica em apresentar
propostas legais de negócios e os da indústria fonográfica em (vamos
usar uma palavra da moda) flexibilizar sua oferta se encontram no que
vamos aqui chamar de zonas solidárias, nas quais ambas atuam em
conjunto. Essa nova solidariedade, contudo, não se confunde com a
anterior, pautada na subsidiariedade. A tecnologia não serve agora de
suporte para o desenvolvimento da gravação, mas sim se porta como
agente (gerador de fisionomias e discursos) em um campo de forças.
(NETTO, 2008, p.149).
Dentro deste campo de forças, estão os interesses do público - um terceiro ator
também responsável pelas mudanças nas maneiras não só de consumir como também
da produção da música atualmente. Para tanto, no próximo capítulo iremos estudar o
participação do público tendo como base o processo da convergência de mídias no
mercado.
29
CAPÍTULO 2 – DA CULTURA DO DISCO À CONVERGÊNCIA.
A convergência de mídias trouxe para o contemporâneo, novas relações de
poder entre a indústria, artista e o público em torno da produção da arte e da
informação. Alguns valores da convergência de mídias vieram da modernidade e outros
da pós-modernidade. Da modernidade, período histórico da virada dos séculos XIX e
XX, veio o hiperestímulo. Segundo SINGER (2004, p.115):
A modernidade implicou um mundo fenomenal – especificamente
urbano – que era marcadamente mais rápido, caótico, fragmentado e
desorientador do que as fases anteriores da cultura humana. Em meio à
turbulência sem precedentes do tráfego, barulho, painéis, sinais de
trânsito, multidões que se acotovelam, vitrines e anúncios da cidade
grande, o indivíduo defrontou-se com uma nova intensidade de
estimulação sensorial.
Temos presenciado, neste ambiente de convergência, um alto estímulo
sensorial da sociedade com relação à recepção, interação e criação da informação. A
cena mais comum nos dias de hoje é a do jovem fazendo tarefa enquanto recebe
estímulo sensorial de vários canais de informação ao mesmo tempo - como sites de
relacionamento, chats, televisão e outros.
Da pós-modernidade, a convergência herdou outros valores. Com a participação
da sociedade na produção da informação, o jogo de poder sempre ganho pelas grandes
empresas de comunicação se transformou. Hoje uma grande empresa ou mesmo um
conglomerado de comunicação tem que tomar muito cuidado com relação ao público –
não pode simplesmente tratá-lo como um mero receptor porque o controle da
informação não é propriedade apenas destes grupos. Até para nações onde a liberdade
de expressão é limitada, como o Irã ou a China, é impossível ―segurar a informação‖ –
vide as revoltas do povo do Irã que foram iniciadas no Twitter com relação à reeleição
do presidente Mahmoud Ahmadinejad em 2009 e as manifestações pró-Tibete nas
Olimpíadas de Pequim que também foram articuladas através da internet.
30
A convergência de mídias é um processo complexo de transformação cultural da
sociedade contemporânea baseada no pensamento pós-moderno de progresso não
linear. Segundo Henry Jenkins:
A convergência não envolve apenas materiais e serviços produzidos
comercialmente, circulando por circuitos regulados e previsíveis. Não
envolve apenas as reuniões entre empresas de telefonia celular e
produtoras de cinema para decidirem quando e onde vamos assistir à
estreia de um filme. A convergência também ocorre quando as pessoas
assumem o controle das mídias. Entretenimento não é a única coisa que
flui pelos múltiplos suportes midiáticos. Nossas vidas, relacionamentos,
memórias, fantasias e desejos também fluem pelos canais de mídia. Ser
amante, mãe ou professor ocorre em suportes múltiplos. (JENKINS,
2007, p.43).
O pensamento moderno é baseado pela ideia da emancipação da humanidade.
Segundo LYOTARD (1987, p.101):
Esta ideia elabora-se no final do século XVIII na filosofia das Luzes e na
Revolução Francesa. O progresso das ciências, das técnicas, das artes
e das liberdades políticas emancipará a humanidade inteira da
ignorância, da pobreza, da incultura, do despotismo, e não fará apenas
homens felizes, mas, nomeadamente graças à Escola, cidadãos
esclarecidos, senhores do seu próprio destino.
Segundo o autor, esta emancipação não veio. O progresso e o desenvolvimento
tecnocientífico trouxeram problemas sociais como as guerras, os totalitarismos, etc.
O autor David Harvey no livro Condição Pós-Moderna, cita os editores da revista
de arquitetura PRECIS 6 (1987, 7-24) que ―veem o pós-modernismo como legítima
reação à ‗monotonia‘ da visão de mundo do modernismo universal‖ :
Geralmente percebido como positivista, tecnocêntrico e racionalista, o
modernismo universal tem sido identificado com a crença no progresso
linear, nas verdades absolutas, no planejamento racional de ordens
sociais ideais, e com a padronização do conhecimento e da produção.
(HARVEY, 1993, p.19).
31
Ainda, segundo o autor, ―a fragmentação, a indeterminação e a intensa
desconfiança de todos os discursos universais ou (para usar um termo favorito)
‗totalizantes‘ são o marco do pensamento pós-moderno‖. (HARVEY, 1993, p.19).
Uma das características do mundo da convergência está no fato de que
ninguém hoje consegue dar conta de todo conhecimento. Esta é uma característica da
pós-modernidade. Hoje, a indústria do disco começa a se adaptar a esta realidade e o
artista também – estes dois personagens se abriram para a participação do público
neste jogo de mercado. Estudando a participação do público na produção da
informação, três conceitos dão base à cultura da convergência – a cultura participativa,
a inteligência coletiva e a narrativa transmidiática. Tendo como base estes três
conceitos, iremos estudar de que forma a indústria está operando atualmente de acordo
com a lógica desta cultura.
O fim da cultura do disco
Henry Jenkins, autor de Cultura da Convergência, define a convergência de
mídias da seguinte forma:
―Por convergência refiro-me ao fluxo de conteúdos através de múltiplos
suportes midiáticos, à cooperação entre múltiplos mercados midiáticos e
ao comportamento migratório dos públicos dos meios de comunicação,
que vão a quase qualquer parte em busca das experiências de
entretenimento que desejam‖. (JENKINS, 2008, p.27).
O conceito mais importante da convergência de mídias é o da cultura
participativa. Ele gira em torno do fato de que o papel do consumidor no processo de
produção da informação é de agente – não é um mero receptor do que é produzido. A
cultura participativa no mercado fonográfico se manifestou com o surgimento de sites
de relacionamento voltados à música como o MySpace, Last fm. e depois com outros
sites de conteúdos diversos como o YouTube e de comunidades virtuais onde a música
não é o principal foco como o Facebook, Orkut e Twitter. No Brasil, a gravadora Trama,
desde 2001, estava estruturando uma rede social voltada à música e lança o portal
32
Trama Virtual em 2004 - tornando-se também uma das gravadoras pioneiras no mundo
a trabalhar com a convergência. O público participa na criação do conteúdo musical
através destas redes sociais porque pode, por exemplo, propor mudanças numa música
de um determinado artista ou na programação musical de determinado portal da
internet. Os impactos desta mudança não se restringem ao mundo virtual. Estas redes
sociais permitiram um canal de comunicação direto entre o público, artista e indústria
inédito na história da música e, consequentemente, possibilitaram a sua participação
neste processo de produção industrial.
A inteligência coletiva aborda a forma pela qual os consumidores se organizam
em comunidades de conhecimento para produzir e receber informação. O que acontece
no Last.fm é um exemplo disto. Last.fm é mais do que uma rádio virtual – é um portal de
música onde pessoas criam e modificam playlists em torno de determinados artistas e
gêneros musicais. É o público o responsável pelo repertório deste portal. Comunidades
de conhecimento de um determinado gênero ou artista sugerem e acabam por decidir
se tal música deve ser mantida ou retirada no intuito de melhor representar tal gênero
ou artista. A narrativa transmidiática ou transmedia é uma narrativa, ou seja, uma
maneira de se contar uma história baseada em múltiplos suportes. Contudo, cada um
destes suportes carrega uma parte da informação e têm o intuito de contar parte da
história e não replicar conteúdos entre eles. A totalidade da história seria obtida ao se
juntar todas as peças espalhadas pelas mídias onde ela estaria sendo distribuída. Em
geral, a narrativa transmidiática é concebida por agências de publicidade para grandes
conglomerados de comunicação. A narrativa transmidiática tem sido bastante utilizada
pela indústria do cinema e a televisão. Parte da história de certos filmes e seriados é
contada através de outros suportes como websites, games, etc. Dentro da narrativa
transmidiática, a participação do público é fundamental. Comunidades de conhecimento
também se articulam para juntar as peças e partes da história que são espalhadas em
suportes distintos. Na indústria da música isto está acontecendo também através de
lançamentos de álbuns em múltiplas plataformas que carregam conjuntamente o
conceito destas obras. Os conceitos da cultura participativa, inteligência coletiva e
narrativa transmidiática serão analisados em breve. No entanto, primeiramente,
precisamos entender por quais transformações a indústria passou até a chegada do
33
momento atual. Para isto, vamos retomar o período da mudança – quando o mercado
começa a operar através de uma nova forma em contraposição ao seu modo tradicional
de produção baseado no disco.
A indústria fonográfica está se reconstruindo da crise financeira iniciada em 1998
pelo aumento excessivo da pirataria de CD´s. Foi a entrada no mundo virtual que
definitivamente determinou o início deste novo modo de produção. A internet
possibilitou que os conteúdos musicais pudessem fluir através de múltiplos suportes.
Isto só foi possível com o fim da cultura do disco – uma cultura que regeu o modus
operandi da indústria durante quase toda a sua existência. O mercado sofreu bastante
por não entender esta mudança de situação – que o modo de produção baseado na
cultura do disco já tinha ido para o espaço todos sabiam porque as vendas caíram
assustadoramente, várias gravadoras quebraram, executivos e artistas eram mandados
embora. No entanto, ninguém sabia que novo modo de produção era este que estava
nascendo. A primeira reação da indústria frente à crise iniciada em 1998 e o início da
difusão da música nos meios virtuais foi de se fechar para estes meios. A indústria
fonográfica era contra o mp3 assim como a indústria do cinema foi contra o VHS no
começo. Hoje em dia, a venda online está em ascensão enquanto a venda CD´s
continua a despencar. A venda online está se estabelecendo como a principal fonte de
receita da indústria.
Do final da década de 40 ao início dos anos 90, muita coisa acontece no
mercado fonográfico - crises financeiras surgem por diversos motivos como o
envelhecimento do público consumidor, falta de novidades em termos de criação
artística e crises econômicas globais. No entanto, esta cultura do disco ainda
permanece. O CD torna-se uma solução para esta crise do setor no início da década de
80. Como foi abordado anteriormente, a indústria lança este formato com a promessa
de um ―som‖ puro e sem chiados e com o objetivo de se refazer com o relançamento de
todo seu catálogo até então lançado em LP. O CD consegue dar uma sobrevida a
indústria até o final da década de 90 quando mais uma crise começa a aparecer com a
intensificação da pirataria deste formato.
Os três últimos anos da década de 90 foram intensos para a indústria
fonográfica. Segundo dados da Associação Brasileira de Produtores de Discos (ABPD),
34
1997 foi o grande ano da indústria no Brasil. O mercado faturou US$ 1,2 bilhão com a
venda de CD´s, K7 e LP´s. O ano de 1998, em que a pirataria cresceu cinco vezes no
país conforme gráfico 1, o faturamento é de US$ 1,055 bilhão. No entanto, é em 1999
que o mercado definitivamente despenca tendo um faturamento de US$ 429 milhões.
Daí pra frente, a situação só piora. De 1997 a 2002, dois mil pontos de venda de discos
são fechados, o número de empregos perdidos no setor brasileiro é de 56.000 e as
vendas continuam a cair conforme gráfico 2. É o fim da cultura do disco.
Números do mercado 1
Fonte: ABPD, 2003
35
Números do mercado 2
Fonte: Revista Exame, 2009.
A entrada nos anos 2000 foi bastante dura para a indústria. Ela perde o chão
com a pirataria e a troca de arquivos acontecendo no mundo virtual. Mudanças no
consumo estavam acontecendo e ninguém sabia ao certo quais eram. A convergência
estava acontecendo em diversos mercados – não só no fonográfico. Jenkins relata a
busca de respostas sobre a convergência que aconteceu na conferência New Orleans
Media Experience em 2003 por parte de executivos de vários setores como o cinema,
games, publicidade, música, rádio e televisão. Ele aponta inclusive o desespero da
indústria da música na época tentando ―fechar as porteiras da troca de arquivos depois
que as vacas já haviam debandado do estábulo‖ (JENKINS, 2008, p.32). Ele refere-se
ao Napster e à outros programas de troca de arquivos que roubavam grande parte do
faturamento musical. No final deste mesmo ano, uma novidade na internet muda as
relações entre os artistas, o público consumidor e o mercado – surge o MySpace. Ele é
o começo da cultura da convergência na indústria fonográfica porque aponta uma nova
direção na maneira de se produzir, promover e comercializar música. Isto acontece
principalmente pelo fato de que este portal permitia um canal de comunicação entre
artista e público inédito na história. Todos os elementos relacionados à convergência de
mídias como a cultura participativa, inteligência coletiva e narrativa transmidiática estão
36
presentes no MySpace, no Trama Virtual e em alguns outros canais. Isto será tratado a
seguir.
Cultura participativa e inteligência coletiva no mercado fonográfico
Segundo Jenkins:
―A expressão cultura participativa contrasta com noções mais antigas
sobre a passividade dos espectadores dos meios de comunicação. Em
vez de falar sobre produtores e consumidores de mídia como ocupantes
de papéis separados, podemos agora considerá-los como participantes
interagindo de acordo com um novo conjunto de regras, que nenhum de
nós entende por completo.‖ (JENKINS, 2007, p.43).
O MySpace possibilitou ao artista criar um lugar ou espaço na internet para se
divulgar e divulgar a sua música. Possuía, desde o início, uma arquitetura de
construção fácil de ser operada por uma pessoa comum que não tivesse o domínio de
protocolos de construção de sites. Qualquer um conseguia, em poucos comandos já
pré-determinados, fazer o upload de sua música para ser disponibilizada em streaming
ou download. Era possível também colocar fotos e biografia. O grande diferencial para
um site comum era que o serviço era gratuito - qualquer um podia operar e o mais
importante era a presença de um público composto por outras pessoas; artistas e não
artistas.
O fato de o artista poder colocar uma música sua para ser ouvida no player do
MySpace de maneira gratuita dava a ele uma ferramenta de promoção inédita na
história da música. Era como se todo artista pudesse ter a sua emissora de rádio
pessoal para lançar o seu próprio trabalho no mundo virtual. Mais pra frente, o
MySpace
permite aos usuários colocarem conteúdo de vídeo com a ferramenta
MySpace Video – à partir daí, os artistas tinham o seu próprio canal de TV também.
37
Colocar uma música no ar pelo MySpace provocava uma reação no público - ele
podia dar uma nota pra esta música e postar comentários sobre ela ou sobre o trabalho
do artista como num blog. A comunicação entre o artista e o seu público ocorria de
maneira dinâmica. Uma das preocupações do artista era atualizar a sua página com
novos conteúdos para que as pessoas continuassem a visitá-la e reagir de acordo com
as novas mudanças. Com o MySpace, novas relações de poder surgem entre o artista,
mercado e o público. O poder absoluto da indústria como detentora dos canais de
comunicação entre o artista e o seu público deixa de existir. Qualquer um podia compor
uma música e em poucos minutos colocá-la a disposição do público - que iria reagir e
participar. Não era necessário ter uma gravadora para divulgar um trabalho. Esta
possibilidade de contato direto com o público, mexeu no imaginário do artista e
consequentemente na criação da sua obra. Ele poderia usar o público como um
termômetro de criação na medida em que observava a reação do público - podendo
modificar ou não a sua obra de acordo com o retorno obtido.
O artista passa a ter um controle maior sobre o seu trabalho ao mesmo tempo
em que a aumenta a sua responsabilidade por conta deste novo poder. No ambiente de
uma gravadora, as decisões sobre o trabalho de um artista são tomadas por uma
equipe. As decisões quanto ao futuro da obra do artista passam pelos departamentos
artístico, de promoção & marketing e de vendas. Com esta nova situação, o futuro da
carreira de um artista lançado no MySpace estava em suas próprias mãos.
O novo ambiente de convergência mudava as relações de poder entre mercado,
produtor e consumidor em vários setores da comunicação na época do surgimento
deste portal. A agonia financeira em que vivia o mercado fonográfico na época deixou
as gravadoras com um foco exagerado nos problemas e pouco nas soluções. A meta
era sobreviver a qualquer custo. Nesta situação, a primeira coisa feita por uma empresa
era enxugar o casting e cortar despesas. De 1998 a 2003, as gravadoras mandam
embora 50 % dos seus artistas (ABPD, 2003). O artista ―desempregado‖ começa a
buscar refúgio no MySpace e consequentemente submerge no novo ambiente da
convergência enquanto a indústria está afundando no velho ambiente do disco.
Indo na direção contrária à do mercado, a Trama lança um portal na internet
com uma estrutura parecida ao do MySpace – o Trama Virtual. Nenhuma gravadora no
38
mundo até então tinha feito algo semelhante. O portal começou a ser desenvolvido em
2001. A gravadora optou em testar a funcionalidade e a resposta do público antes de
lançá-lo em 2004. O Trama Virtual teve um ótima recepção quando finalmente abriu as
suas portas – entrou em atividade com um catálogo de 1500 artistas e 5700 músicas.
Segundo dados publicados em 2008 pelo Grupo VR, dono da Trama, o portal conta
com 904 mil usuários cadastrados e mais de 54 mil artistas e bandas. O grande
diferencial do Trama Virtual com relação ao MySpace gira em torno do download
gratuito. Desde o seu lançamento oficial até 2008, 133 mil músicas estavam disponíveis
gratuitamente e foram feitos 13 milhões de downloads. O cenário da música
independente mudou no Brasil – o Trama Virtual se tornou a base de lançamentos dos
artistas novos e sem gravadora. Alguns saíram do anonimato e conseguiram alcançar
um sucesso internacional como a banda Cansei de Ser Sexy que foi lançado pela
própria Trama também em CD - quando o artista começava a se destacar no mundo
virtual ganhava uma proposta de contratação por parte da gravadora.
Em 2007, o Trama Virtual converge para a televisão virando um programa
musical exibido pelo canal fechado Multishow. Os negócios da gravadora Trama hoje
estão voltados ao mundo virtual e ao ambiente de convergência de mídias. Primeiro ela
lança o portal, depois o álbum disponibilizado gratuitamente de seus artistas para o
público através do download patrocinado por empresas do setor privado e o programa
de televisão. Atualmente, a Trama está trabalhando numa TV online – a TV Trama com
programação 24 horas voltada à música.
Outro exemplo ligado à indústria que envolve a cultura participativa é YouTube.
O consumo de música hoje no mundo virtual não está se dando apenas através dos
downloads. O streaming, ou seja, o processo de acessar o arquivo online sem a
necessidade de baixá-lo para o HD do computador também é uma das maneiras mais
utilizadas de se ouvir música. Nestas situações, quem paga a conta pelo serviço pode
ser um anunciante (no caso do YouTube) ou o próprio usuário (no caso da Last.fm).
Sobre o YouTube, mesmo sendo uma ferramenta criada para o acesso de vídeos, é um
dos grandes veículos para se ouvir música via streaming. Basicamente, acha-se para
ouvir quase tudo neste site. Acima de tudo o YouTube é uma rede social. No livro,
YouTube e a revolução digital, Jean Burgess e Joshua Green dizem que o YouTube
39
não é um site de relacionamentos convencional como o Facebook onde o objetivo
principal é o de fazer amigos (BURGESS e GREEN, 2009, p.86). O negócio do
YouTube não se restringe ao conteúdo de vídeos. Segundo os autores, ―é um
plataforma e um agregador de conteúdo, embora não seja uma produtora do conteúdo
em si‖ (BURGESS e GREEN, 2009, p.21). Eles citam o David Weinberger relatando a
sua definição do negócio do YouTube como ―metanegócio‖ que seria uma ―nova
categoria de negócio que aumenta o valor da informação desenvolvida em outro lugar e
posteriormente beneficia os criadores originais desta informação‖ e o coloca no mesmo
tipo de negócio do iTunes que lucra com a venda de músicas mas não as ―produz‖;
entretanto, tornaria as informações ligadas à música mais ―fáceis de procurar, de achar
e de usar‖ (WEINBERGER apud BURGESS e GREEN, 2009, p.21). O livro trata, acima
de tudo, da importância deste portal como veículo da cultura participativa no mundo
contemporâneo. Pessoas e comunidades criam perfis e canais para postar os seus
vídeos preferidos, produzidos ou que tenham uma determinada proposta estética
relacionada com estes canais por ela criados. Dentro do YouTube, existem dois tipos
de usuários – os que criam canais e postam conteúdos (os chamados YouTubers) e os
que apenas assistem aos conteúdos postados.
Michel Nicolau Netto defende dois modos de organização de usuários em grupos
de consumidores. No primeiro estariam as organizações passivas:
O primeiro é o que podemos chamar de organização passiva. Esse
método se dá pela proposta de definir (ou permitir a definição de)
palavras-chaves que se relacionam a determinados arquivos de sons
e/ou imagem. O usuário, ao iniciar sua busca por arquivo(s), digita uma
palavra-chave de interesse no sistema de procura e o site lhe apresenta
um grupo de arquivos a ela relacionados. Como o usuário geralmente
faz um cadastro no qual especifica alguns de seus dados pessoais e
costumes, é possível associar tais informações às palavras-chaves e
assim definir grupos de consumidores com perfis definidos. (NETTO,
2008, p.148).
Quanto às organizações ativas:
O outro modo é a organização ativa, na qual é o próprio usuário que se
organiza em grupos chamados de ―comunidades‖ (não nos interessa
40
aqui analisar a atualização do termo do sociólogo alemão Ferdinand
Tönnies, mas vale a analogia para a reflexão). Os usuários criam
―comunidades‖ de interesse e outros passam a fazer parte delas (e de
tantas outras quantas desejarem) por suas próprias afinidades. Ao
agirem dessa maneira em um ambiente de mercado, eles repetem o
modo de organização de grupos de consumidores. (NETTO, 2008,
p.148).
Estas ―comunidades‖ de interesse são as comunidades de conhecimento citadas
por Jenkins. Na visão de Burgess e Green, são os chamados ―usuários líderes‖ ―usuários que gastam seu tempo no site contribuindo com conteúdo, criando referências,
construindo e criticando vídeos reciprocamente‖. (BURGESS e GREEN, 2009, p.86). E
fariam isto como colaborariam e discutiriam uns com os outros na construção do
―núcleo social‖ do YouTube. (PAOLILLO apud BURGESS e GREEN, 2009, p.86). Além
dos videoclipes dos artistas, os usuários descobriram uma forma de disponibilizar
música nesta ferramenta essencialmente criada para executar vídeo. Como o YouTube
ainda não permite carregar arquivos somente de áudio, alguém teve a iniciativa de
colocar uma foto ou algumas fotos em movimento sobre uma música e utilizou
provavelmente um software de edição de vídeo para gerar o arquivo a ser carregado
para este portal. À partir daí, o YouTube tornou-se talvez o primeiro lugar a ser
procurado quando se quer escutar uma música – antes mesmo de buscá-la no iTunes
Store ou nos sites voltados à música. Isto, porque se tornou uma ferramenta de
procurar, achar e usar mais fácil que o iTunes. Enquanto no iTunes pode-se ouvir
pequenos trechos das músicas disponibilizados apenas como degustação para compra
delas, no YouTube as músicas são ouvidas na íntegra. O que pesa para o YouTube é a
questão da legalidade levantada por Michel Nicolau Netto e tratada no capítulo anterior
– as músicas disponibilizadas pelos usuários não pagam os direitos para os artistas e
gravadoras. No entanto, está realidade está mudando. Em termos dos videoclipes, já há
acordos entre o YouTube, algumas gravadoras como a EMI e associações de
recolhimento de direitos autorais como a britânica PRS (Performance Rights Society).
Se um usuário, por exemplo, vai assistir a um vídeo da cantora que é artista da EMI, ele
irá perceber no canto direito superior da página o logo da gravadora. Isto significa que
cada vez que um vídeo clipe dela é exibido, a gravadora e ela receberão os direitos de
execução ou performance. Os vídeos da Lilly Allen postados por usuários são
41
removidos pelo YouTube e somente os oficiais da gravadora são exibidos. Os vídeos
oficiais carregam uma codificação digital especial que possibilita a quantificação das
exibições e consequentemente o pagamento dos direitos. Para codificá-los, as
sucursais da EMI no mundo inteiro enviam os vídeos de seus artistas para o famoso
estúdio dos Beatles no Reino Unido – o Abbey Road que é de sua propriedade.
Sobre o conceito de inteligência coletiva:
Comunidades de conhecimento formam-se em torno de interesses
intelectuais mútuos; seus membros trabalham juntos para forjar novos
conhecimentos, muitas vezes em domínios em que não há especialistas
tradicionais; a busca e a avaliação de conhecimento são relações ao
mesmo tempo solidárias e antagônicas. Investigar como essas
comunidades
de conhecimento funcionam pode nos ajudar a
compreender melhor a natureza social do consumo contemporâneo.
(JENKINS, 2008, p.46)
Temos visto hoje este processo da inteligência coletiva acontecendo
principalmente com relação aos programas de televisão. Hoje, basicamente é possível
baixar os capítulos de Heroes, Lost ou de qualquer outra série da televisão americana
poucas horas depois deles serem exibidos nos Estados Unidos. Além disto, é possível
achar os capítulos anteriores e mesmo todas as temporadas de uma série. Isto é
possível graças à participação de comunidades de consumidores que após gravarem
os episódios, disponibilizam-nos na internet para que o mundo possa assistir também.
Depois que os episódios estão disponíveis para download, outros grupos de
pessoas entram em ação para legendá-los no idioma local de seu país. Isto acontece
mais ou menos num prazo de 12 horas após a exibição ocorrer nas emissoras
americanas. Esta situação criou um descompasso de tempo entre os episódios
disponíveis na internet e os exibidos pelos canais pagos no Brasil. Neste sentido, os
canais pagos como o Universal Channel sempre perdem a concorrência para estas
comunidades na internet. Quando o Universal começou a exibir a quarta temporada de
Heroes, a rede NBC exibia o final desta mesma. Quem acompanhava no Brasil a série
pela internet estava quase em sincronia com o público americano enquanto o público
do canal brasileiro estava sempre atrasado. É impressionante como um dos maiores
grupos de mídia do mundo como o Vivendi que é dono da NBC e do canal Universal
42
Channel não consegue mais ter controle de exibição sobre o conteúdo disponível entre
seus canais. É praticamente impossível deter este processo na internet. Existem
empresas especializadas em retirar os episódios ilegais de sites de armazenamento de
dados como o Megaupload e o Rapidshare. No entanto, cada vez que um episódio é
retirado, o mesmo é colocado poucos minutos depois por outras pessoas:
―Se os antigos consumidores eram indivíduos isolados, os novos
consumidores são mais conectados socialmente. Se o trabalho de
consumidores de mídia já foi silencioso e invisível, os novos
consumidores são agora barulhentos e públicos‖. (JENKINS, 2008, p.45).
Com relação à televisão, a inteligência coletiva vai ainda mais longe com a ação
dos spoilers. Eles são pessoas cujo objetivo é revelar o que irá acontecer no próximo
episódio de um determinado programa antes mesmo dele ser exibido. Spoiler é um
―estraga-prazer‖, o que estraga surpresas (JENKINS, 2008, p.46). O livro Cultura da
Convergência traz vários exemplos de como estes spoilers agem desvendando os
segredos das séries e programas de TV como o Survivor (No Brasil, ele se chama No
Limite e é exibido pela Rede Globo) e como as empresas estão se preparando através
de departamentos de contra inteligência que são responsáveis por frustrar as suas
informações.
Estudar o processo da inteligência coletiva é estudar a ação destas comunidades
ou fãs. No mundo da música, são os fãs dos artistas que promovem a inteligência
coletiva. Suas ações buscam revelar várias coisas como detalhes da produção do novo
álbum de um determinado artista, promover faixas inéditas, publicar conteúdos não
autorizados, além de outras formas.
No final de 2009, houve uma reunião entre os integrantes do grupo infantil Trem
da Alegria da década de 80 no Programa da Xuxa na TV Globo. Este reencontro foi
bastante esperado pelos fãs do grupo, todos adultos hoje, assim como os integrantes
do Trem, e tido como um evento extraordinário por eles. Semanas antes do encontro,
as comunidades de fãs do Trem da Alegria e de seus integrantes como a cantora
Patricia Marx, Luciano, Juninho Bill e dos outros comentavam a respeito deste
acontecimento no Orkut, Facebook, MySpace e Twitter. Além da troca de informações
com relação ao que poderia acontecer no programa, os fãs já se articulavam para
43
participar da gravação do mesmo nos estúdios da Rede Globo no Rio de Janeiro – o
programa seria gravado e exibido 15 dias depois. O fato é que poucas horas depois da
sua gravação, o programa já estava disponível no YouTube. Foi filmado por câmeras de
celular e disponibilizado por várias pessoas em ângulos distintos nos estúdios da
emissora. O mais curioso é que o conteúdo disponível no YouTube era maior do que o
exibido pela Globo. Partes das entrevistas com os integrantes que foram excluídas pela
emissora foram disponibilizadas na internet.
Os fãs podem revelar as composições inéditas de um artista e mesmo criar suas
versões antes mesmo do álbum ser lançado. No começo de 2009, a cantora Patricia
Marx apresenta uma prévia do seu novo álbum que será lançado em 2010 no
Congresso Vegetariano que aconteceu no prédio da Bienal em São Paulo para um
pequeno público de 100 pessoas. Alguns fãs presentes neste evento filmaram a
apresentação e colocaram, em primeira mão, estas músicas no YouTube - mesmo
antes da artista apresentá-las oficialmente no seu MySpace. Meses antes do
lançamento comercial, um de seus fãs faz uma versão de uma destas músicas
chamada ―Carnaval de Ilusão‖ e a apresenta num programa de televisão de uma
emissora do interior do Ceará que também vai parar no YouTube.
Narrativa transmidiática
Num artigo publicado em seu blog em março de 2007, Henry Jenkins coloca a
narrativa transmidiática da seguinte forma:
―A narrativa transmidiática representa um processo onde elementos de
integração de uma ficção são dispersos sistematicamente em múltiplos
canais com o propósito de criar uma experiência de entretenimento
unificada e coordenada.‖ (JENKINS, 2007, p.1).
A maioria dos estudos sobre narrativa transmidiática é voltada às peças de
ficção da televisão e do cinema. O filme Matrix foi um dos primeiros filmes a operar de
acordo com a lógica desta narrativa. A história não é contada apenas no filme –
fragmentos dela estão presentes em outras mídias como nos games, nos quadrinhos
44
que foram lançados na web, no anime, etc. Os seriados Lost e Heroes também têm
operado com esta lógica. No Heroes, existe uma empresa chamada Primatech Paper.
Esta é uma empresa de fachada por trás de uma organização secreta que perseguia
pessoas com poderes sobrenaturais. A rede de televisão norte-americana NBC que
transmite o Heroes criou um website desta empresa simulando a sua existência no
mundo real. Em Janeiro de 2007, A NBC coloca no episódio ―Godsend‖ contatos desta
empresa (um número de telefone e o seu endereço virtual) que levariam a audiência a
se cadastrar para uma vaga de emprego nela através de um cadastro online. Os
usuários cadastrados iriam obter segredos da vida dos personagens. Este tipo de ação
de marketing é conhecido como ARG (Alternate Reality Game). Além deste ARG, várias
outras ferramentas foram criadas para contar a história do Heroes juntamente com a
série apresentada na TV. Eles criaram perfis no MySpace para alguns personagens,
uma história paralela do Heroes em forma de gibi no site da NBC que contava o
―passado‖ de alguns personagens, um jogo virtual que contava com participação do
público, perfis da série no Twitter e no Facebook, além de outras ferramentas.
Uma das características que definem a narrativa transmidiática é que não há
replicação de conteúdo entre as diversas mídias que a integram. Estas extensões, ou
seja, estas ferramentas de extensão do conteúdo como são chamadas, são criadas e
recriadas sistematicamente. A narrativa transmidiática está acontecendo no mercado
fonográfico. Em 2007, foi lançado o álbum Year Zero (Ano Zero) da banda NIN (Nine
Inch Nails) do músico Trent Reznor. Para o lançamento deste álbum, Reznor, Rob
Sheridan e a empresa 42 Entertainment criaram um ARG também chamado Year Zero.
O ARG era baseado numa série de 29 websites, números de telefone, e-mails,
vídeos, Mp3s, pen drives, e outras mídias que se expandiram sobre a narrativa do
álbum. Várias comunidades na wikipedia também surgiram para estudar este ARG.
Segundo a wiki Year Zero (album) (WIKI, 2010), este jogo é uma história que se passa
nos Estados Unidos no ano de 2022, considerado o ―Ano Zero‖ pelo governo norteamericano - o ano em que o país renascera. Após uma série de ataques terroristas, um
governo absolutista assume o controle do país, instaurando um regime baseado no
fundamentalismo teocrático cristão. Duas instituições foram criadas com o objetivo de
controlar a população – o United States Bureau of Morality (Agência Norte-Americana
45
da Moralidade) e a First Evangelical Church of Plano (Primeira Igreja Evangélica do
Plano). O controle também acontecia através da droga Parepin que era distribuída
através do sistema de abastecimento de água. Quem tomava esta água ficava sedado,
apático e subserviente ao governo. Esta droga também causava estados de alucinação,
pavor e perda total de memória. Num dos estados de alucinação, as pessoas
enxergariam uma mão que surgiria no céu apontando para o solo. Esta mão seria
conhecida como ―A Presença‖ (figura 1).
Figura 1
Fonte: http://www.ninwiki.com/Image:Presence2.PNG Acesso: 19/07/2010 às 15:42
Uma resistência a este regime foi criada principalmente por grupos de rebeldes
que atuavam principalmente através da internet. Os mais conhecidos eram: Art is
Resistance (Arte é Resistência) e Solutions Backwards Initiative (Iniciativa Soluções de
Retorno). Estes grupos rebeldes eram formados por grupos de estudantes, professores
e experts em computação que através da física quântica iriam mandar mensagens,
através da internet, à população dos EUA do ano de 2007 alertando sobre o que iria
ocorrer em 2022 e sobre o eventual apocalipse em que iriam viver. Os websites fariam
parte dos pacotes de informação enviados para esta população. Para isto, foram
criadas para o ARG, várias peças de mídia que chegariam aos sites ou em números de
46
telefone, sendo que cada peça de mídia descoberta dava uma pista para se chegar à
próxima peça de mídia.
A campanha do ARG começou na turnê do NIN em 2007. No dia 10 de fevereiro
de 2007, um fã descobriu que algumas letras em destaque das várias palavras
estampadas na camiseta do tour 2007 (figura 2) formariam o endereço do website
iamtryingtobelieve.com (figura 3). Segundo ROSE (2007, p.1) :
Em 10 de fevereiro de 2007, na primeira noite da turnê europeia do Nine
Inch Nails, camisetas foram colocadas à venda numa sala de concerto
do século 19, em Lisboa, com o que parecia ser um erro de impressão:
letras aleatórias no calendário da turnê na parte de trás pareciam
ligeiramente em negrito. Então, um fotógrafo de 27 anos de idade
chamado Nuno Foros percebeu que, encadeadas, as letras em negrito
escreviam "iamtryingtobelieve.com." Foros postou uma foto da sua
camiseta no Spiral, o fórum de fãs do Nine Inch Nails. As pessoas
começaram
a
escrever
"iamtryingtobelieve.com"
em
seus
navegadores. Isso levou a um site que denunciava algo chamado
Parepin, uma droga aparentemente introduzida no abastecimento de
água dos E.U. Aparentemente, Parepin era um antídoto para agentes
bioterroristas, mas na realidade, a página, era parte de uma conspiração
do governo para confundir e sedar os cidadãos. E-mail enviado para o
link de contato do site gerava uma auto resposta enigmática: "Eu estou
bebendo a água. Então, você também deveria." Online, os fãs de todo o
mundo debateram o que isso tinha a ver com o Nine Inch Nails. A
instalação para o próximo álbum? Algum tipo de jogo interativo? Ou o
quê?
47
Figura 2
Fonte:
http://www.wired.com/imageviewer/?imagePath=/images/article/magazine/1601/ff_arg_tshirt_14.
jpg&imageCaption=&imageCredit= Acesso: 19/07/2010 às 21h53min
48
Figura 3
Fonte: http://iamtryingtobelieve.com/default.htm Acesso: 19/07/2010 às 15:40
Dois dias depois, no banheiro desta sala de concerto em Lisboa, no terceiro dia
de show da banda, um pen drive foi achado com a música My Violent Heart. Os últimos
segundos da versão encontrada desta música tinham um ruído que, quando analisado
por um aparelho chamado espectrógrafo, gerava um espectrograma de uma imagem da
―A Presença‖ (figura 4). Durante esta mesma turnê, vários outros pen drives foram
espalhados pela Europa. Segundo ROSE (2007, p.1), ―a cada concerto da banda, as
pessoas corriam ansiosamente para os banheiros à procura de pen drives.‖ Foi que aí
que alguém achou um novo pen drive no show de Barcelona no dia 18 de Fevereiro de
2007. Ele continha a música ―Me, I´m Not‖ e outro arquivo MP3 chamado 2432.mp3.
49
Este último reproduzia sons de grilos que, quando analisados por um espectrógrafo,
revelavam a imagem do número de telefone 1-216-333-1810 em Cleveland (figura 5).
Figura 4
Fonte: http://en.wikipedia.org/wiki/File:Spectrogram_-_Nine_Inch_Nails__My_Violent_Heart.png Acesso: 19/07/2010 às 16:47
50
Figura 5
Fonte: http://en.wikipedia.org/wiki/File:1-216-333-1810.jpg Acesso: 20/07/2010 às 13:02
Segundo Frank Rose da revista Wired:
As pessoas que discavam esse número (e cerca de 1,7 milhões o
fizeram) ouviam uma gravação horrível de uma organização misteriosa
chamada E.U. Wiretap: uma mulher jovem em seu telefone celular em
uma boate underground, com gritos e tiros ao fundo, gritando
histericamente que alguém tinha vindo para o clube e matou seu amigo
e que os policiais haviam bloqueado todos dentro e ela ia morrer. Uma
visita ao uswiretap.com ("A corporação parceira da Agência da
Moralidade") revelou que os agentes federais tinham fechado a porta
para o clube, um "conhecido" ponto de encontro da resistência,
enquanto 112 pessoas passaram dois dias dentro rasgando um ao
outro em pedaços num frenesi louco.(ROSE, 2007, p.1)
O número de telefone 1-310-295-1040 também foi decodificado nos números do
calendário de outra camiseta do tour. Ligando para estes números, os fãs ouviam uma
gravação dizendo: Declaração do presidente – A América nasceu de novo. Depois, a
música Survivalism, até então inédita, começava a tocar de maneira bem distorcida.
Alguns websites começaram a difundir estas músicas pela Internet e receberam
advertência da RIAA (Recording Industry Association of América), a Associação da
Indústria de Discos dos Estados Unidos, para retirá-las do mundo virtual – mesmo que
51
a gravadora Interscope do NIN tenha feito de propósito esta campanha viral de
lançamento de faixas inéditas na frente do lançamento do álbum. Segundo Carlos
Merigo, Trent Reznor acabou comprando uma briga com a RIAA:
No meio de tudo, Trent Reznor ainda comprou briga com a RIAA
(Recording Industry Association of America), que o acusou de estar
incentivando a pirataria por distribuir música por ―meios alternativos‖.
Reznor respondeu: “Os drives USB são simplesmente um mecanismo
de carregar música e dados para onde nós quisermos. A mídia CD ficou
antiquada e irrelevante. Realmente é dolorosamente óbvio o desejo das
pessoas: músicas livres de DRM (Digital Rights Management) com a
qual elas podem fazer o que quiserem. Se a gananciosa indústria da
música abraçasse essa idéia, eu acredito verdadeiramente que as
pessoas pagariam e consumiriam mais música.” MERIGO, Carlos. Nine
Inch Nails – Year Zero. URL: http://www.brainstorm9.com.br/trends/argalternate-reality-game/nine-inch-nails-year-zero/ Acesso: 19/07/2010 às
19:00
Outro número de telefone também foi utilizado no ARG. Na contra caixa do CD
Year Zero, aparece uma mensagem do United States Bureau of Morality que diz:
AVISO do USBM : Consumir ou espalhar o material pode ser
considerado subversivo pela Agência da Moralidade dos Estados
Unidos. Se você, ou alguém que você conhece, tenha participado em
atos ou pensamentos subversivos, ligue para: 1-866-445-6580. Seja um
patriota - seja um informante! (figura 6).
Ligando para este número, ouvia-se a seguinte mensagem gravada:
―Esta é uma mensagem da Agência da Moralidade dos Estados Unidos, nos
termos do estatuto 24.12.2, a divulgação de Fiscalização.Cidadão, chamando esse
número você e sua família estão implicitamente declarando-se culpados do consumo de
mídia antiamericana e tem sido marcados como militantes em potencial. A Agência da
Moralidade do Estados Unidos ativou o sistema de rastreamento incorporado em seus
meios pessoais e iniciou a vigilância do cidadão. A Lei de Fiscalização dos Estados
Unidos dá-nos o direito de busca e apreensão de informações relativas às atividades
subversivas de sua pessoa, veículo, local de trabalho ou em casa.
Qualquer tentativa
de dificultar ou impedir a nossa investigação será reprimida com toda a força necessária.
52
Você é agora parte do problema. Sua reeducação está prestes a começar. Deus
abençoe a América‖.
Figura 6
Fonte: http://www.ninwiki.com/Image:Year_zero_insert_panel.jpg Acesso: 20/07/2010 às 19:59
Outra peça de mídia que se destaca no projeto do CD é o rótulo termo cromático
da bolacha (figura 7). O rótulo do CD foi pintado na cor preta, mas quando o CD é
executado num player qualquer, a mídia esquenta e o rótulo apresenta a cor branca e
uma sequência de caracteres binários (figura 8). Esta sequência quando convertida
para caracteres ASCII resultava no endereço exterminal.net. Este website girava em
torno do Extrajudiciary Federal Detainment Camp in Guam (Campo de Detenção do
Extrajudiciário Federal em Guam). De acordo com a comunidade NINWIKI
(www.ninwiki.com/exterminal), o conteúdo deste site tinha sido ―hackeado‖ pelo
53
conteúdo de outro site apresentando provas contra os detentos (os ―terroristas
subversivos‖) deste campo de detenção. Uma das provas seria a música exhibitA.wav
que é a música 7, a Capital G, do CD do NIN.
Figura 7
Fonte: http://en.wikipedia.org/wiki/File:Nine_inch_nails_year_zero_cd_face.jpg Acesso:
21/07/2010 às 17:03
Figura 8
Fonte: http://www.ninwiki.com/Exterminal Acesso: 21/07/2010 às 17:03
Várias outras ações foram feitas dentro deste ARG. No dia 13 de Abril, um
encontro da Art is Resistance foi promovido pelo site Open Source Resistance em Los
54
Angeles. Nele, kits foram dados aos participantes - continham pôsteres, bandanas,
outras peças de promoção e celulares pré-pagos fornecidos para que os participantes
pudessem receber mensagens e entrassem no game. No dia 27 de Abril, uma
mensagem gravada foi enviada para estes celulares e marcou o fim do ARG. A
mensagem dizia: "we’ve got to go dark for a while, but that is ok - you don’t need us
anymore" (Nós temos que sumir por um tempo, mas tudo bem, você não precisa mais
de nós).
Vimos neste capítulo as formas pelas quais os três pilares da cultura da
convergência que são a cultura participativa, inteligência coletiva e narrativa
transmidiática podem ser utilizados para entender as mudanças do mercado fonográfico.
As práticas de mercado relacionadas à cultura do disco voltadas à fabricação,
promoção e venda de discos ainda existem. Na verdade, o ambiente de convergência
não elimina as práticas tradicionais de produção da informação – ele as incorpora. Esta
é uma característica da convergência de mídias – nada é negado na produção da
informação; as práticas tradicionais coexistem com os novos modelos. E estes novos
modelos de produzir informação e cultura dependem de uma forte participação do
público.
55
CAPÍTULO 3 – MAJORS, INDIES E ARTISTAS NA
CONVERGÊNCIA.
O modo de produção do conteúdo de entretenimento multimídia mudou com a
digitalização do áudio e do vídeo. A digitalização, ou melhor, a transformação da
produção deste conteúdo em dados e a sua difusão pela internet mudou a relação de
interdependência da indústria e o artista.
Nos dias de hoje, o artista pode produzir, finalizar e lançar um álbum de música
sem sair de casa com uma qualidade de áudio digna de um estúdio de áudio de grande
porte. A produção audiovisual está seguindo o mesmo caminho em termos da
qualidade final do produto. É muito importante analisar as mudanças pelas quais a
indústria fonográfica passou e está passando na perspectiva da convergência
juntamente com a do contexto da produção audiovisual. Isto, porque não dá para
dissociar a produção musical da audiovisual nos dias de hoje. Como foi visto
anteriormente, canais de conteúdo voltados inicialmente ao vídeo tornaram-se
importantes veículos de distribuição do mercado fonográfico como o YouTube. Algumas
plataformas voltadas à música como o MySpace começaram a oferecer o upload de
vídeo assim como o YouTube e as demais redes de relacionamento como o Facebook
servem a ambos mercados.
O fato é que o artista hoje pode ser o dono da sua obra e por isto ter o controle
estético sobre ela. Isto foi possível graças ao barateamento das plataformas de
produção de conteúdo multimídia. O computador pessoal é uma estação de trabalho
completa. Pode-se gravar e editar áudio, vídeo e tornou-se um ponto de convergência
entre a produção musical e a audiovisual. Quanto aos meios de publicação, difusão e
comercialização, o artista dispõe de várias opções no meio virtual para lançar sua obra
no mundo. Diante deste novo modo de produção onde está a indústria de
entretenimento? Ela está perdendo o controle sobre a produção de conteúdo?
Este capítulo busca refletir sobre as formas pelas quais este novo modo de
produção do artista está imperando no mercado e como a indústria está agindo neste
cenário. O objetivo aqui é aproximar brevemente a história da produção audiovisual,
56
mais especificamente a história da indústria do cinema, com a história da indústria da
música. Para tanto, serão citados pontualmente alguns exemplos de comparação entre
elas. Muitos destes exemplos são bastante complexos e mereciam uma maior
discussão. No entanto, aqui eles irão ser passados brevemente apenas para o
entendimento dos outros conceitos deste trabalho.
Produção audiovisual e fonográfica - o controle estético das majors
sobre a obra
Arlindo Machado, no livro ―Pré-cinemas & pós-cinemas‖, fala que a ligação da
música com a imagem é do pré-cinema. Segundo ele, já no cinema silencioso tinham
números musicais filmados e quando estes tipos de filmes eram exibidos dava-se um
jeito de colocar um acompanhamento musical igual:
Falamos em cinema sonoro a propósito de todas essas experiências e
tentativas, mas o termo é indevido. O cinema já era sonoro durante esse
tempo todo, aliás, nunca deixou de sê-lo desde sua invenção ou mesmo
na sua pré-história. A diferença era que o som, em vez de ser gravado
para posterior reprodução, era produzido ao vivo por pianistas,
organistas, cantores e até mesmo orquestras completas. Sabemos que
o cinema dito ―mudo‖ acumulou, nos seus 30 anos de história, toda uma
sabedoria particular sobre o tratamento da matéria sonora no filme, em
que se incluem partituras musicais que acompanhavam os rolos dos
filmes, dispositivos de sonoplastia montados dentro da sala de exibição,
auditórios com acústica e dotados de órgãos de tubos ou fotoplayers
(pianos especialmente desenhados para salas de cinema e capazes de
reproduzir não apenas música, mas também ruídos e efeitos sonoros
diversos), dublagem das vozes dos atores por locutores que ficavam
atrás das telas, a incrível tradição do benshi (ator que acompanhava ao
vivo a exibição do filme e imitava as vozes dos personagens) no cinema
japonês e até mesmo uma razoável produção editorial de coletâneas de
partituras com trechos de músicas especialmente compostas para
acompanhar quaisquer situações ou atmosferas cinematográficas.
(MACHADO, 2002, p.158)
No livro, o autor contesta a opinião de muitos autores que colocam a música
como um recurso inexpressivo e dispensável no cinema. Narra também sobre a
importância como o fonógrafo, aparelho inventado por Thomas Edison, o ajudou em
57
sua aventura em direção a todos os aparatos também inventados por ele que foram
vitais para o surgimento do cinema:
Atentemos ao fato muito significativo de que a aventura de Edison na
direção da cinematografia se dá como consequência lógica da invenção
do fonógrafo e da resolução do problema do registro do som. A imagem
em movimento é vista, desde o início, como um complemento
necessário do som. Muito sintomaticamente, o primeiro dispositivo de
registro audiovisual imaginado por Edison (mais exatamente por seu
especialista em fotografia, William Dickson) consistia numa adaptação
de seu próprio fonógrafo: uma emulsão fotográfica era aplicada à
superfície do mesmo cilindro rotativo que Edison usava para registrar o
som, de modo a permitir imprimir alguns milhares de clichês fotográficos
microscópicos e sucessivos, que circulavam o cilindro em espiral e
paralelamente aos sulcos de som. (MACHADO, 2002, p.154).
As décadas de 20 e 30, como foram vistas no capítulo 1, são a época em que o
jazz se torna o grande fenômeno da música popular norte-americana e impulsiona a
indústria fonográfica. O jazz também é importante para o cinema porque o
―amadurecimento de processos profissionais de associação de imagem e som no
cinema coincide com um momento de maturidade do jazz e de aceitação dessa forma
musical nos meios culturais brancos dos Estados Unidos‖. (MACHADO, 2002, p.165).
Em 1927, é lançado o filme ―The Jazz Singer‖ que é o primeiro longa-metragem a
utilizar a tecnologia Vitaphone que sincroniza a projeção do filme ao áudio reproduzido
por toca-discos ao invés do disco de cilindros como é o caso do fonógrafo. Ainda
tirando o proveito da explosão do Jazz promovida pelas big bands de maestros como
Count Basie e Duke Ellington e vários outros, toda a indústria de cinema de Hollywood
irá produzir o que seria hoje o gênero audiovisual mais próximo do videoclipe – o
chamado jazz short. Machado conta a história dos jazz shorts:
Alguns milhares desses filmes foram produzidos no período, a maioria
dos quais repetindo uma estrutura básica: dez minutos em média de
duração, uma só big band focalizada em cada curta e três a quatro
músicas amarradas entre si por um tênue fio narrativo (quando havia).
Esses curtas, como tantos outros gêneros que lhe foram
contemporâneos (desenhos animados, documentários, cinejornais),
destinavam-se basicamente à exibição como ―complementos‖, antes do
filme de longa-metragem, mas não era raro que as salas exibidoras
programassem também sessões exclusivas, com seleções de jazz
58
shorts. (MACHADO, 2002, p.165).
A década de 20 é o período onde se consolidam as grandes empresas da
indústria de entretenimento e comunicação. No cinema, os estúdios norte-americanos
20th Century Fox, Universal, Warner Bros., RKO, Paramount, Columbia Pictures, MGM
praticamente dominam a produção neste momento. A indústria de Hollywood se fixa
como a principal produtora do cinema mundial. Além disto, as salas de cinema eram de
propriedade destes estúdios.
Na indústria fonográfica, a situação não é diferente. O mercado fonográfico está
concentrado nas mãos de quatro gravadoras que são Columbia Records, RCA, Capitol
e Decca (britânica).
No rádio, duas redes surgem nos Estados Unidos que são a NBC e a CBS. A
NBC é formada por RCA (50%), GE (30%) e Westinghouse (20%). A CBS (Columbia
Broadcasting System) adquire a gravadora Columbia Records em 1938. Vale ressaltar
que não há relação entre a CBS e a Columbia Pictures e a NBS, CBS juntamente com
a ABC irão dominar a televisão nos Estados Unidos.
Tanto as empresas de Hollywood como as grandes gravadoras eram
conhecidas como majors. Até a década de 40, as majors de Hollywood dominavam
cerca de 60% da produção e a receita de 95% do cinema no mundo enquanto as
majors da música dominavam 75% do mercado. Esta época de ouro destas duas
indústrias foi resultado de uma política de controle estético sobre as obras. A produção
de Hollywood estava baseada em dois sistemas de produção que eram o studio system
e o star system:
―O studio system era fundamentado na subordinação de todas as
etapas de produção `a figura produtor : uma pessoa que decide e
influencia roteiros, estilo de direção, marketing de distribuição, etc.
Como o diretor está subordinado ao produtor, sua autonomia e liberdade
são limitadas: 80% dos diretores rodavam cenas pré-combinadas, e 90%
não escolhiam temas ou montagem.‖ (GAMBARO, 2009, p.6).
Já o star system é apoiado na transformação dos atores de Hollywood em ídolos.
Além disto, o studio system era apoiado em regras claras que determinavam como o
filme deveria ser feito – a chamada narrativa clássica. Segundo XAVIER (2005, p.27),
59
para os estúdios de Hollywood: ―O espectador de cinema não era um leitor de romance:
suas referências visuais devem se apresentar de modo que o espaço e o tempo da
narrativa fílmica permaneçam claras, homogêneas e se encadeiam com lógica.‖
Portanto, as técnicas cinematográficas na narrativa clássica deveriam seguir
estes valores. O espectador deveria mergulhar na história do filme e os recursos de
filmagem não poderiam quebrar o ilusionismo deste espectador com relação a esta
experiência narrativa, ou seja, nada poderia quebrar esta experiência de imersão do
espectador na história que estava sendo contada pelo filme. Por exemplo, os atores
nunca poderiam olhar diretamente para câmera porque isto seria considerado quebrar o
ilusionismo.
Alguns diretores conseguiam colocar este sistema para trabalhar pra eles. Eles
conseguiam filmar criando em cima das regras mas sem quebrar o ilusionismo. Este é o
caso de diretores como Alfred Hitchcock, John Ford e mais pra frente Orson Welles. No
filme ―Psicose‖ de Hitchcock, por exemplo, há uma cena em que o policial aborda a
personagem principal no carro dela, pede seus documentos e ele olha diretamente para
a câmera. Este olhar, no caso, é o dela olhando pra ele. Com todo este controle sobre a
obra por parte dos estúdios, questionava-se até que ponto o diretor era um autor ou
mero empregado da indústria como o cenógrafo ou o montador. No livro, O Gênio do
Sistema, Thomas Schatz discute a intervenção dos executivos de Hollywood nas obras
cinematográficas e defende o papel autoral dos diretores num contraponto sobre à
―teoria do autor‖ defendido pela críticos franceses e cineastas da revista Cahiers du
cinema, como François Truffaut, Jean Luc Godard e André Bazin. Esta teoria será
abordada mais pra frente. (SCHATZ, 1991).
No caso da indústria fonográfica, o controle estético existiu de forma similar.
Como foi visto anteriormente segundo JAMBEIRO (1975, p.27), a obra fonográfica só
existe porque é resultado do trabalho de uma equipe. Ela é formada por várias pessoas
incluindo o responsável pelo resultado final estético que é a figura do produtor musical.
É ele quem acompanha o artista nas gravações e determina como a produção irá seguir.
Outra figura importante nesse processo também citada é a do diretor artístico,
funcionário da gravadora. Ele é o responsável pelo direcionamento artístico do artista e
do seu álbum.
60
O fim da segunda guerra foi importante tanto para o cinema como para a
música porque começa a consolidação de uma estrutura independente de produção. O
cineastas do neorrealismo italiano produziram com condições precárias de recursos
financeiros em meados das década de 40. Eles vão às ruas filmar e usam as cidades
destruídas como cenários. Usam também atores amadores e pessoas comuns junto
com os atores profissionais.
Na música, uma indústria fonográfica independente começa a se firmar nos
Estados Unidos. Isto acontece, porque grande parte dos artistas de jazz começa a
trilhar um caminho conceitual voltado à experimentação, o que faz o jazz se tornar uma
música menos popular. O seu público começa a envelhecer. Faltam opções musicais
para o novo público jovem.
As gravadoras majors assim como as majors do cinema gastavam muito
dinheiro para a realização de um produto. Segundo GAMBARO (2009, p.5): ―nesse
momento a organização da indústria é uma escala vertical de produção, ou seja, a
grande gravadora era responsável pela descoberta do artista, seu marketing inicial, a
gravação do disco, publicidade do álbum, etc., o que encarecia o processo de
lançamento.‖ Por gastar muito para lançar e investir na carreira de uma artista, as
majors temiam apostar em novos artistas. Desta forma, abriu-se espaço para que as
indies (como eram chamadas as gravadoras independentes) pudessem crescer.
Quando um artista de uma indie se tornava bastante famoso, as majors buscavam
comprar o seu passe. Funciona assim até nos dias de hoje. Outro fato importante com
relação ao modo de produção da gravadora independente está ligado à manipulação da
obra. A essência de uma gravadora independente está relacionada à seguinte situação:
como a estrutura é menor, ou seja, a equipe é menor, o controle sobre a obra do artista
é menor, ou seja, menos dinheiro = mais liberdade ou menor controle. Tá certo que
muitas indies lucraram milhões de dólares e cresceram de forma absurda como é o
caso da Motown, Atlantic Records e alguns dos donos das gravadoras independentes
às vezes agiam como verdadeiros donos dos seus artistas.
O ponto é que o artista provou, com o surgimento do mercado independente, um
gostinho de maior liberdade criativa até então inédito. Ele começa a ter uma noção da
relação entre pouco dinheiro, realizar a sua arte e o custo da sua liberdade criativa
61
neste processo.
Depois de experenciar esta maior liberdade, o próximo passo do
artista seria rumo ao controle total sobre a realização da sua obra. Para isto, ele deveria
ser dono dela e isto era impossível naquela época. A partir de meados da década de 40
muita coisa mudou para o artista e ainda iria mudar.
Portabilidade e o artista independente
O mundo do cinema passou por grandes transformações na década de 60. A
Nouvelle Vague francesa promove novos valores fundamentados no diretor-autor. Este
cineasta buscava a construção de seus filmes tendo como base os seus parâmetros
pessoais em contrapartida aos parâmetros comerciais. O que não se podia fazer na
narrativa clássica hollywoodiana em termos da quebra da homogeneidade na filmagem
e montagem era feito pelos cineastas da Nouvelle Vague. Erros de montagem eram
usados de propósito como recurso estético – como no caso do filme Acossado de Jean
Luc Godard. Esta escola produzia filmes baratos, com roteiros flexíveis que davam
ampla liberdade de alteração nos sets de filmagem. Também aproveitavam as ruas
como cenários – herança que vinha do neorrealismo italiano. Contudo, os cineastas
franceses dispunham de recursos tecnológicos pelos quais os italianos jamais
sonhariam em possuir – as câmeras dimuíram consideravelmente de tamanho e peso e
o áudio poderia ser captado diretamente durante o processo de filmagem. David Neves,
num artigo publicado na Internet para a revista Contra Campo1, acredita que o filme
Crônica de um Verão de Jean Rouch e Edgar Morin tenha sido o primeiro filme a ser
mostrado no Brasil que representa esta forma de cinema-direto. Ele foi exibido por volta
do início de 1962 numa semana oficial do cinema francês promovida pela Unifrance
Film. Nele, Rouch & Morin saem às ruas carregando uma câmera e o gravador de áudio
portátil Nagra para entrevistar as pessoas com a pergunta : ―Você é feliz ?‖. A Nouvelle
Vague iria influenciar bastante o nosso Cinema Novo. No início dos anos 60, momento
de mudança no cenário político brasileiro, no Cinema Novo, a voz do intelectual
militante sobrepõe à do profissional do cinema. Segundo XAVIER (1993, p.57):
1
Disponível em: www.contracampo.com.br/39/cinemadiretobrasil.htm. Acesso em 08/08/2009 às 14:00
hs.
62
Assumindo uma forte tônica de recusa do cinema industrial – terreno
do colonizador, espaço de censura ideológica e estética – , o Cinema
Novo foi a versão brasileira de uma política de autor que procurou
destruir o mito da técnica e da burocracia da produção, em nome da vida,
da atualidade e da criação. Criação era buscar uma linguagem
adequada às condições precárias e capaz de exprimir uma visão
desalienadora, crítica, da experiência social.
A câmera na mão é o símbolo herdado da Nouvelle Vague que vai traçar o estilo
do cinema de autor produzido na década de 60 no Brasil liderado por Glauber Rocha.
Ela representa uma ruptura mais ideológica do que estética para o cinema
independente. No entanto, esta ruptura só irá acontecer graças aos avanços
tecnológicos que surgirão e que irão diminuir o volume e peso dos equipamentos.
Outros aparatos tecnológicos surgem na década de 60 que também serão
usados na produção audiovisual profissional. Em 1965, a Kodak lança a câmera Super
8 que é a evolução da câmera de película 8 mm lançada em 1932 para o uso doméstico.
Em 1967, surge o Portapak – primeiro aparelho de gravação de vídeo portátil produzido
pela Sony. Dois pontos são importantes relevantes com o advento destes dois
aparelhos. A Super 8 foi criada para uso caseiro. O cineasta aproveitou este formato e
produziu com ele. Quanto ao Portapak , ele é um aparelho de vídeo e não de cinema.
No entanto, ele será utilizado para a produção de videodocumentários e videoarte. É
importante perceber que mais pra frente, cada vez mais, surgirão formatos caseiros de
vídeo que serão usados para produzir filmes.
No cenário musical, os anos 60 são marcados pela consolidação do rock e a
explosão das gravadoras independentes. Nos Estados Unidos, surge o sistema aberto
que é um acordo entra as indies e as majors: ―Nesse sistema, enquanto a pequena
gravadora (ou selo) fica responsável pelo agenciamento e lançamento do artista, a
grande gravadora faz a sua distribuição em larga escala quando ele apresenta forte
potencial de lucro.‖ (GAMBARO, 2009, p.5). O Brasil exporta a bossa-nova para o
mundo e em termos do mercado independente surge a gravadora Elenco de Aloysio de
Oliveira. Ele era um dos principais executivos do mercado e já tinha trabalhado nas
gravadoras Odeon e Philips. Alguns artistas que fizeram parte da história da Elenco
foram : Nara Leão, Nana Caymmi, Edu Lobo e Vinícius de Morais. No final da década
63
de 60, surge o movimento cultural Tropicália que abrange música e cinema. O Brasil
vivia o regime militar. Muitos artistas fogem para o exterior para não serem torturados.
O mundo viveu sob profundos conflitos sócio-políticos e a música viveu um dos
períodos mais criativos da história. Um dos álbuns mais criativos era lançado – o Sgt.
Pepper’s Lonely Hearts Club Band dos Beatles. Em termos de registro do áudio, os
aparatos que irão permitir ao artista esta liberdade de criação como aconteceu no
cinema surgirão bem mais pra frente. Naquela época, os artistas eram extremamente
dependentes do estúdio de áudio e das gravadoras majors e indies.
A década de 70 é marcada por grandes mudanças no modo de produção de
Hollywood. Filmes de baixo orçamento começam a ser trabalhados – os chamados
Filmes B. Os estúdios adotam uma política de alinhamento entre diretores como
Scorsese, Spielberg, Coppola e produtores com divisão de funções e de peso de
decisão. Começa a procura por espaços cotidianos e a renúncia aos estúdios. No Brasil,
remanescentes do Cinema Novo ou cineastas estreantes buscam estilos de maior
comunicação popular. São produzidos filmes como: Dona Flor e seus dois maridos, de
Bruno Barreto e Pixote, de Hector Babenco. Surge o gênero pornochanchada nas mãos
da ―Boca do Lixo‖ paulista com o objetivo de produzir um cinema mais popular. A
televisão já era bastante popular nos Estados Unidos e estava se popularizando cada
dia mais no Brasil. Em termos de inovação tecnológica, surge o videocassete VHS em
1976. Ele foi criado pela JVC como formato de gravação de vídeo caseiro superando o
Betamax criado pela Sony com esta mesma finalidade. No cenário musical, surge o
movimento punk na Inglaterra. O discurso deles é marcado por uma rebeldia contra os
valores da sociedade britânica e uma crítica direta à coroa britânica. Em termos de
avanços tecnológicos no áudio, surge a gravação digital PCM em 1971. A gravação
analógica multipista já existia e era utilizada pelos estúdios. Neste sistema, podia se
gravar instrumentos de forma independente, ou seja, sem que todos tocassem ao
mesmo tempo e em canais separados. No entanto, em 1979 vai surgir um aparelho
muito importante para o começo da liberdade dos músicos em termos da gravação – o
Portastudio da Tascam. Ele era um aparelho portátil de gravação multipista de 4 canais.
Como a mídia de gravação era a fita K7, não era possível ainda gravar uma música em
64
casa com a qualidade de um estúdio. No entanto, podia se produzir fitas demo, ou seja,
de demonstração, e ter noção de como funcionava a gravação profissional.
No começo dos anos 80, as pessoas começam a assistir cada vez mais filmes
em casa através dos vídeos caseiros. Os estúdios de cinema tentam banir a
propriedade destes vídeos caseiros através de ações legais alegando violação dos
direitos autorais e acabam perdendo. Por consequência, começam a investir no formato
VHS como forma alternativa de renda através das vendas e locações das fitas. A
parceria Lucas-Spielberg iria dominar Hollywood com os chamados filmes ―blockbuster‖
feitos para toda a família como Star Wars, Tubarão e Indiana Jones. No Brasil, temas
antes proibidos como o regime militar, eram abordados nos filmes com a abertura
política como em Eles não usam black-tie, de Leon Hirszman, e Pra frente, Brasil, de
Roberto Farias, que é o primeiro a discutir a questão da tortura. O mercado fonográfico
brasileiro vivia um período de crise financeira. Vivíamos sob uma forte recessão. Os
artistas estavam envelhecendo e o mercado precisou investir em novos artistas. Surge
o rock brasileiro conhecido como BRock e a indústria investe neste gênero. Surge
também o CD e com ele o relançamento de todo o catálogo, até então lançado em vinil,
em formato digital. A década de 80 também é marcada por inúmeros avanços
tecnológicos tanto para a produção de áudio como a de vídeo. Surgem: os primeiros
computadores pessoais que são o Apple Macintosh e o IBM PC (com o sistema
operacional Windows), a gravação digital multipista de áudio, o gravador de vídeo
digital
e as plataformas de edição de áudio e vídeo não-lineares. Todas estas
inovações trariam imensos benefícios para a produção de conteúdo de áudio e vídeo
em torno de dois fatores que são a digitalização e a manipulação destes conteúdos. A
digitalização iria reduzir imensamente os ruídos de gravação tanto no áudio como no
vídeo e por consequência aumentar a qualidade das produções destes conteúdos. A
edições dentro do computador pessoal conhecidas como não lineares iriam mudar a
maneira de manipular os conteúdos audiovisuais. Os trabalhos nestas estações
poderiam ser feitos de maneira muito mais precisa e as perdas de qualidade do material
bruto que ocorriam no processo analógico de edição não iriam mais existir. No entanto,
o acesso a estas tecnologias estaria restrito aos estúdios e produtoras por causa do
altíssimo custo dos equipamentos.
65
A década de 90 traz uma mudança no modo de produção do artista. Pela
primeira vez, ele poderia dispor de todos os recursos para produzir a sua obra. Isto foi
possível graças à digitalização do áudio e vídeo e o surgimento de equipamentos de
produção de baixo custo. Na esfera da produção de vídeo, surge o protocolo de
gravação DV (Digital Vídeo) lançado em 1995 pelo consórcio Sony, JVC e Panasonic.
Dois formatos surgiram a partir dele – o MiniDV como formato caseiro e o DVCAM
como formato profissional. Ambos utilizavam a mesma bitola de fita magnética e eram
compatíveis entre si. No final da década de 90, outros dois recursos tecnológicos estão
disponíveis para o artista. A Apple desenvolve a interface Firewire que permite a
conexão direta da filmadora DV ao computador e o software de edição Final Cut que
passa a ser a alternativa ao caríssimo sistema AVID que era a principal plataforma
profissional que existia. Com uma filmadora MiniDV, um computador com conexão
Firewire e o Final Cut, o artista tinha em mãos uma estrutura de produção e uma ilha de
edição. Existia também uma alternativa em termos de software para a plataforma
Windows que é o Adobe Premiere. A questão é que com esta estrutura o artista poderia
produzir a sua própria obra. A produção que marca o início desta ―nova era‖ foi o
Projeto A Bruxa de Blair filmado com câmera digital. Ele se tratava de um documentário
fictício sobre a uma criatura que era a bruxa de Blair. Ele foi produzido, realizado e
interpretado por três estudantes da Flórida. Eles simulam os seus próprios
desaparecimentos durante a filmagem deste filme e criam um suspense em torno disto.
Estes três jovens gastam 35 mil dólares para a sua realização e o vendem por 1,1
milhão de dólares para a produtora Artisan que investe 24 milhões de dólares de
marketing no mesmo. O filme é um sucesso de bilheteria no mundo inteiro chegando a
atingir, na terceira semana de exibição, um faturamento de 107 milhões de dólares. No
campo do vídeo, outra inovação digital que irá acontecer por volta de 1998 é o DVD. O
disco de DVD iria possibilitar uma qualidade de imagem jamais vista nos aparelhos de
reprodução domésticos e marcaria o fim da era VHS.
Com relação ao áudio, no começo da década de 90, a revolução acontece
através do surgimento do gravador digital multipista Adat da Alesis. Antes dele, a
gravação multipista digital era possível através de máquinas caríssimas que usavam
fitas magnéticas de 2 polegadas. O Adat utilizava fita Super VHS e possuía oito canais
66
de gravação. Se o artista quisesse gravar mais canais, ele poderia trabalhar com mais
Adats ligados em série de maneira sincronizada. Depois de gravar o trabalho, este era
mixado numa mesa de som e a o áudio final ia para outro aparelho de gravação digital
estéreo que era o DAT (Digital Audio Tape). Com um ou mais Adats, uma mesa, alguns
microfones e um DAT, o artista já poderia ter o seu estúdio em casa – aí surge o home
studio. Com o seu estúdio, o artista era o dono da sua obra. No final desta década, ter
um home studio era algo cada vez mais comum. Isto, porque a gravação digital do
áudio em fita foi sendo substituída pela gravação no computador. O Adat e o Dat
ficaram obsoletos e foram substituídos por softwares e placas de capturas. Estes
softwares foram permitindo cada vez mais a gravação de mais canais, com mais
qualidade e os computadores foram se tornando cada vez mais populares. Além disto,
softwares de teclados sintetizadores e geradores de som virtuais foram substituindo os
equipamentos equivalentes ―reais‖ – ao invés do artista pagar por uma gravação de
bateria ele tinha como alternativa programar uma sequência de bateria através dos
softwares instalados no seu computador. Este modo de produção baseado na criação
através de softwares mudou a música.
Artistas da música eletrônica eram idolatrados
como estrelas do rock no mundo inteiro como o Fat Boy Slim, The Prodigy e Chemical
Brothers. A produção eletrônica e a gravação digital começaram a ser utilizados na
música popular como um todo (incluindo a MPB) e até na música erudita.
Depois de possuir as ferramentas para produzir o seu próprio conteúdo, outro
fator fundamental iria mudar a relação artista/indústria – a desmaterialização dos
suportes de áudio e vídeo. Até então, o consumo destes conteúdos era realizado
através de suportes físicos que eram principalmente o CD e o DVD. Com a
popularização da banda larga no mundo, a Internet deixou de ser apenas uma rede de
comunicação para se tornar uma plataforma de troca de arquivos. Cada vez mais, os
processos de download e upload de arquivos iriam ficando mais rápidos. Logo,
conteúdos de áudio e vídeo seriam distribuídos no mundo virtual. Não havia
necessidade de ―queimar um CD‖ com determinado conteúdo para mandar pra alguém
pois isto seria possível via internet. Os conteúdos estavam se desmaterializando dos
suportes. O que ajudou na troca de conteúdos digitais multimídia pela Internet foram os
formatos de compressão de arquivos. No áudio, o formato de arquivo que surgiu e foi
67
amplamente difundido pela Internet foi o MP3. Ele era uma tecnologia que comprimia
um arquivo de música a um décimo de seu tamanho sem destruir a sua qualidade
sonora original. Para muitos especialistas, o áudio poderia ser considerado ruim mas
ele foi aceito pelo público em geral. Em pouco tempo o hábito de escutar música em
MP3 iria substituir o hábito de escuta através dos aparelhos de CD.
Em 1998, assim como aconteceu com o VHS, a indústria fonográfica americana
abre um processo contra a empresa Diamond Multimedia que produziu um dos
primeiros MP3 players – o Rio PMP300. A indústria acabou perdendo esta batalha
tendo que pagar meio milhão de dólares como indenização à Diamond. No mundo
virtual, como apresentado no capítulo 1, surge o Napster em 1999 que era um software
de compartilhamento de arquivos através da internet. Pessoas do mundo inteiro
trocavam arquivos de MP3 através desta plataforma sem pagar por eles. Como já foi
dito, assim como aconteceu com o VHS que foi combatido pela indústria do cinema no
começo e depois se tornou sua fonte de renda, hoje, o comércio do MP3 está se
tornando uma das maiores fontes de renda para a indústria fonográfica. Esta mesma
situação está ocorrendo com o vídeo. O processo está em andamento só que mais
devagar. Isto, porque o arquivo de video é bem mais pesado do que o de áudio
tornando os processos de download e upload muito mais demorados. No entanto, como
a internet está ficando cada vez mais rápida e acessível, a tendência é a situação da
difusão e comercialização do vídeo se equiparar com a do áudio nos dias de hoje. Isto,
porque a indústria do audiovisual pode aprender com o que aconteceu com a indústria
da música. Os executivos da indústria fonográfica não tiveram a lucidez de perceber o
que estava acontecendo naquele momento e por conta disto demoraram a encontrar
uma solução, sendo que a primeira idéia para uma saída da crise veio através do MP3
e foi combatida. Além do arquivo digital, a indústria do cinema tem em mãos toda uma
nova lógica e logística de produção que foi duramente aprendida e construída pela
indústria fonográfica como modelo baseada numa nova relação com o público e com o
artista.
68
CAPÍTULO 4 – O PROCESSO DE REMIDIATIZAÇÃO DA
INDÚSTRIA.
A indústria fonográfica foi remidiatizada várias vezes desde os seus primórdios
no final do século XIX. Com a desmaterialização do áudio e o processo de
convergência de mídias pelo qual a indústria vem passando, mudanças significativas
ocorreram na forma de escutar música.
Segundo Bolter e Grusin, no livro Remediation, a remidiatização acontece
quando uma mídia é incorporada em outra. Os estudos sobre remidiatização tiveram
como base os pensamentos do teórico Marshall McLuhan que dizia: ―O ‗conteúdo‘ de
qualquer mídia é sempre outra mídia. O conteúdo da escrita é a fala, assim como a
palavra escrita é o conteúdo do impresso, e o impresso é o conteúdo do telégrafo‖
(MCLUHAN apud BOLTER e GRUSIN, 2000, p.45). Eles citam, como exemplo, o
surgimento da enciclopédia digital que contém, além de textos e figuras, sons e vídeo.
Segundo eles, a enciclopédia digital foi remidiatizada a partir da enciclopédia publicada
em papel – é uma nova mídia que foi incorporada por uma mídia antiga.
No caso da indústria fonográfica, a remidiatização aconteceu várias vezes – do
vinil ao CD, do CD ao áudio desconectado de um só suporte como no caso dos
arquivos MP3, WAV e outros. Com o comércio digital online e a entrada das redes
sociais no negócio, o antigo hábito de colocar um disco para tocar foi transformado
através de uma nova lógica de consumo. O objetivo deste capítulo é analisar de que
forma estas mudanças ocorreram, estão ocorrendo e como a cultura disco está sendo
remidiatizada pela cultura dos novos players digitais.
O início da remidiatização
A remidiatização do mercado fonográfico contemporâneo começou com a
digitalização do áudio. Em 1971, surge a gravação PCM que vai transformar o áudio
analógico em linguagem binária. Naquele momento, no entanto, esta tecnologia trazia
69
uma novidade na maneira de produzir e acessar música apenas na esfera profissional.
O resultado das pesquisas com áudio digital irá produzir um suporte direcionado ao
público consumidor somente nos anos 80 com o advento do CD.
Como foi abordado no capítulo 1, além da promessa do áudio sem chiados, o
CD foi criado como uma ferramenta de socorro para o mercado fonográfico que estava
sofrendo uma crise financeira muito grande devido a vários fatores como o
envelhecimento do público, crises financeiras globais, falta de novidades, etc. O CD iria
permitir ao mercado uma saída para esta crise através do relançamento do catálogo em
vinil e K7 neste formato de áudio digital. O disco de vinil foi remidiatizado por este disco
compacto e com ele uma nova mudança de acessar música iria mudar pra sempre a
forma de escuta. Esta mudança ocorre já de início com o manuseio do CD em relação
ao vinil. No vinil, a relação de aproximação física do suporte com o consumidor era
muito maior do que no CD – as mãos poderiam agir e interferir na execução da música
enquanto ela era executada através do contato direto com a mídia. Podia-se acelerar
ou desacelerar o disco com a mão, desligar o toca-discos e executá-lo manualmente,
tocar e limpar a agulha, tocar o disco de trás pra frente, produzir efeitos como o scratch2
– além de outras possibilidades. Com relação ao CD, nada disto era possível quando
ele foi lançado. O disco era colocado num aparelho com funções mais parecidas aos de
um videocassete do que as dos toca-discos e, quando ele estava dentro deste CD
player, não se podia interagir de maneira tão orgânica como no vinil. Somente mais
tarde, em meados da década de 90, a manipulação do CD iria se aproximar à do vinil
com os aparelhos toca-cd´s para dj´s. Mesmo assim, nenhum aparelho destes iria
permitir o toque direto no CD – a manipulação seria feita através de rodas giratórios de
plástico movidas ou não a um motor que simulavam a rotação do vinil. A relação de
afeto do público em torno do CD mudou com relação ao vinil por causa deste
distanciamento físico na execução das músicas. Outra coisa que mudou a forma de
escuta do CD com relação ao vinil é a forma randômica de acesso à música através da
função shuffle ou random do aparelho de CD – o aparelho iria selecionar e tocar faixas
numa ordem não definida pelo usuário.
2
Efeito produzido que simulava o ato de arranhar o disco através de movimemtos rápidos de avanço e
retrocesso do disco no prato giratório dos toca-discos pelos dj´s. Muito popular na música hip hop das décadas de 80
e 90.
70
No texto O CD Morreu? Viva o vinil!, a pesquisadora Simone Pereira de Sá
aponta esta relação especial da humanidade com o vinil. Ela cita uma pesquisa feita
pelos autores Yochim e Biddinger que entrevistam colecionadores de vinil que ―são
unânimes em dizer que o vinil tem ‗algo especial‘ – um tipo de qualidade abstrata e
intangível relacionada à humanidade – que garante um lugar ‗no coração‘ dos mesmos‖
(SÁ, 2009, p.62). Este estudo, segundo ela, mostra as razões da preferência destes
colecionadores do vinil em relação ao CD:
Primeiro, alguns colecionadores discutem seus discos em termos de
conexão com o passado, isto é, eles sugerem que tanto ouvir quanto
segurar os discos nas mãos deixam-nos ligados a pessoas, lugares e
tempos do passado (...). Em segundo, eles proclamam que o som do
vinil é mais ―vivo‖ do que aquele do CD (...). Especificamente, eles
afirmam ser mais caloroso, mais palpável, mais fiel às intenções
originais do formato (SÁ, 2009, p.62).
Outra coisa que é remidiatizada junto com o CD é o projeto gráfico do vinil, ou
seja, a sua capa. Na época do lançamento deste disco compacto digital, grande parte
das críticas com relação a ele estava ligada ao fato de que a redução do projeto gráfico
do vinil para o tamanho do CD matava a arte original. O disco de vinil compacto de
duas músicas (geralmente, uma no lado A e a outra no lado B) existia e na maioria das
vezes possuía uma capa. A diferença para a capa do CD era que o projeto gráfico do
vinil compacto era criado para ele, enquanto a do CD era uma adaptação do álbum LP
ou long play que continha várias músicas.
Outra grande mudança na remidiatização do vinil para o CD se deu por conta
da não mais existência de dois lados no disco digital. Para a indústria e o artista, os
lados A e B tinham significados distintos. O lado A representava o apelo ―mais
comercial‖ da obra enquanto o lado B era ligado ao ―experimentalismo‖. Para o
consumidor, esta mudança transformou a experiência de escuta com a chegada do CD,
uma vez que a interrupção desta experiência para a troca de lado não existiria mais
neste novo formato.
Imidiação e hipermidiação do disco
71
Segundo Bolter e Grusin, a remidiatização é fundamentada nas práticas de
imidiação e hipermidiação. Eles não afirmam que estas três práticas são ―verdades
estéticas universais‖ e consideram-nas como ―práticas de específicos grupos em
específicos períodos de tempo‖ (BOLTER e GRUSIN, 2000: P.21). O estudo deles
sobre remidiatização começa no entendimento da prática de imidiação. Eles retomam o
período do Renascimento para explicá-la. Imidiação está relacionada ao conceito de
transparência. O período renascentista é marcado pela busca à perfeição – a arte como
manifestação do real. Os pintores renascentistas buscavam a reprodução fiel da visão
humana tridimensional em suportes bidimensionais como a tela. Para isto, foi criado o
conceito da perspectiva. O intuito era que o público pudesse imergir nesta
representação de mundo e inclusive se esquecesse da tela – do suporte. Neste sentido,
o objetivo era tornar a tela transparente. Os autores colocam a técnica de
automatização da perspectiva como uma estratégia para atingir a transparência. ―Esta
qualidade de automatização tem sido atribuída à tecnologia da câmera escura e
subsequentemente à fotografia, cinema e televisão‖. A fotografia herdou a técnica da
transparência da perspectiva, mas produziu um resultado de imidiação impossível para
a pintura. Eles recorrem aos teóricos Stanley Cavell e André Bazin, apontando que, por
ser resultado de um processo de automatização técnico de reprodução, o nível de
transparência da fotografia era tão grande que era capaz de remover o artista como um
―agente de criação entre o público e a realidade da imagem‖. (BOLTER e GRUSIN,
2000, p.25 e 26).
A representação do real é a base para a criação dos primeiros aparelhos de
registro e reprodução sonoros no final do século XIX – antes mesmo do surgimento da
indústria fonográfica. Como foram apresentados no capítulo 1, os primeiros aparelhos
de reprodução sonora eram vendidos como ―máquinas de entretenimento‖ para
reproduzir qualquer tipo de som como ruídos, falas e também música. As gravações
eram precárias e a manipulação técnica não era possível. Com os avanços técnicos de
gravação, surge uma indústria voltada à música. Há uma diferença fundamental no
conceito de imidiação entre o mundo da imagem e o do som na esfera da arte. A
fotografia, o cinema e a televisão herdaram a transparência da pintura que foi o primeiro
72
suporte de representação da arte gráfica. Já os suportes de registro sonoro foram
criados a partir de um processo tecnológico de automatização e reprodutibilidade
técnica não tendo um suporte predecessor.
Como foi visto anteriormente, antes da gravação sonora, a partitura era o
registro da música.
No entanto, alguns tipos de música não eram registrados em
partitura - como no caso das músicas folclóricas que eram transmitidas geração após
geração de maneira oral. Contudo, a partitura era diferente da pintura - enquanto a
pintura era a representação do mundo pelo artista, a partitura era a música em si,
podendo ser executada apenas por músicos. O suporte sonoro surge para representar
não somente a música como qualquer tipo de manifestação sonora. No mundo do áudio
analógico, o conceito de transparência está ligado ao conceito de alta fidelidade do
áudio de maneira aplicada à arte ou não. O termo hi-fi ou alta fidelidade foi cunhado
pelo engenheiro de áudio H.A Hartley em 1927. No seu livro Audio Design Handbook
publicado em 1958, ele diz:
O engenheiro de áudio está preocupado em desenvolver equipamentos
para produzir imitações de fala e música. Se a imitação tem uma estreita
semelhança com o som original podemos dizer que isto é "alta
fidelidade". Esta é uma definição puramente subjetiva, pois o que é alta
fidelidade para uma pessoa é um ruído irritante para outra. Em qualquer
evento, o meio de percepção é o ouvido humano e as orelhas, em
resposta de frequência e sensibilidade dentro de limites muito amplos.
(HARTLEY, 1958, p.7).
Ele também ressalta a percepção subjetiva do áudio. De fato, toda a ciência
em torno da engenharia do áudio tem como base considerar a qualidade do áudio
levando em consideração a audição de muitas pessoas. Vale ressaltar que, mais tarde,
com a digitalização do áudio, o conceito de transparência estará ligado à fidelidade da
conversão do áudio analógico para digital. Quanto melhor a codificação da onda sonora
em bits puder manter a característica de audição da fonte sonora original, mais
transparente será o sistema de conversão.
Outro fator importante relacionado à imidiação do registro sonoro está ligado à
duração da gravação do suporte. Os primeiros discos de 78 RPM comportavam mais ou
menos 3 minutos por lado – o que resultava no registro de no máximo duas músicas.
73
Com o advento do LP 33 RPM, na década de 40, era possível registrar até 30 minutos
de cada lado. Finalmente, podia-se levar para casa a experiência de um concerto inteiro
numa só mídia, ou seja, o vinil podia representar de maneira mais próxima a
experiência real de uma performance ao vivo – o mundo da música muda com este tipo
de transparência promovida pelo disco de vinil LP em relação à do seu antecessor de
78 rotações por minuto.
A indústria fonográfica apoia-se nesta transparência do vinil até o começo dos
anos 80 quando o CD é lançado para substituí-lo. A promessa em torno do CD era que
finalmente poderíamos escutar um som puro, sem chiados ou ruídos, e que não
sofresse desgaste com o passar do tempo. E isto realmente aconteceu. Deixando de
lado as críticas de alguns especialistas, dj´s e consumidores que diziam que o CD não
reproduzia as frequências graves com a mesma qualidade do vinil, quando o disco
digital surge, a percepção do áudio muda completamente. Muda por dois motivos: pela
ausência dos chiados e ruídos causados pelos toca-discos e pela experiência de escuta
sem interrupção por conta da troca de lado do vinil. Estes dois fatores tornaram o CD
uma mídia muito mais transparente que o vinil.
Com a chegada do MP3, a digitalização do áudio avança numa nova direção.
Este arquivo liberta o áudio de um suporte físico podendo ser executado em várias
plataformas. Entra a hipermidiação. Assim como o conceito de imidiação está ligado ao
da transparência, o conceito de hipermidiação está ligado ao do acesso randômico.
Enquanto na imidiação, a transparência apaga a mídia, levando o público ao contato
direto ou imediato3 com o objeto representado, na hipermediação, o acesso randômico
traz o público para a mídia.
Bolter e Grusin explicam a hipermidiação à partir da interface gráfica do
computador. A linguagem dos primeiros PC´s era baseada na escrita de comandos. A
Xerox desenvolve um sistema de navegação baseado na linguagem gráfica. Com este
sistema, ao invés do usuário ter que digitar uma lista de comandos para criar
determinada operação, ele usava o mouse e clicava em ícones gráficos que o levariam
a executar determinada tarefa. A interface gráfica do computador foi desenhada para
que o usuário não tivesse contato com a linguagem de programação. ―Por introduzir
3
Daí, surge a relação com imidiação ou immediacy.
74
objetos gráficos no esquema de representação, os desenvolvedores acreditaram que
eles estavam criando interfaces ‗transparentes‘ e por consequência mais ‗naturais‘ ‖
(BOLTER, GRUSIN, 2000: p.32). Os softwares eram criados graficamente simulando
ambientes e objetos reais. As ferramentas de um software de pintura eram desenhadas
em ícones que simbolizavam as ferramentas reais de um pintor como um pincel, spray,
etc. Eles citam o teórico da comunicação Simon Penny. Ele dizia que: ―Se um software
de aquarela é ‗intuitivo‘, ele somente é intuitivo porque a aquarela é um objeto
culturalmente familiar‖ (PENNY apud BOLTER, GRUSIN, 2000, p.32). Além da interface
gráfica baseada em janelas criada pela Xerox, aperfeiçoada pela Apple e copiada pela
Microsoft trazer para o usuário um ambiente transparente de navegação, trazia também
uma nova possibilidade de interação com o computador baseada na hipermidiação. No
caso da interface gráfica baseada em janelas, as possibilidades de navegação são
tantas por parte do usuário que ela traz o mesmo para a realidade da máquina:
Onde a imidiação sugere um espaço de unificação visual, a
hipermidiação contemporânea oferece um espaço heterogêneo, no qual
a representação é concebida não como janela para o mundo, mas sim
como "janelas" em si - com janelas que se abrem para outras
representações ou outra mídia (BOLTER, GRUSIN, 2000, p.34).
Hipermediação está ligada ao conceito de acesso randômico que é o inverso da
experiência que acontece com o conceito de transparência. Na hipermidiação, o usuário
toma consciência da presença da mídia por trás do objeto representado. Isto, porque
ele pode ter acesso às informações de maneira randômica - sem uma linha de
continuidade como um começo, meio e fim. É uma maneira inversa à da imidiação onde
a informação é acessada de maneira contínua e unificada. O conceito de transparência
aqui apresentado não está diretamente ligado ao conceito apresentado pelo teórico e
pesquisador da área do cinema Ismail Xavier. Existem algumas semelhanças dentro da
transparência aqui apresentada com a do autor. No entanto, dentro da perspectiva de
Xavier, o conceito de transparência e o da opacidade (como o inverso da transparência)
estariam ligados a posicionamentos estéticos com determinados propósitos ideológicos,
políticos e para outros fins que não caberiam no conceito apresentado neste texto. A
transparência aqui é abordada no sentido da tecnologia. No livro Computers as Theatre
75
(Computadores Como Teatro), a autora Brenda Laurel cita o conceito de transparência
dentro do exemplo da concepção da interface gráfica abordada anteriormente.
A hipermediação caminha junto com a imidiação. No começo dos anos 2000, a
fabricante Stanton de equipamentos para dj lança uma plataforma de mixagem
chamada Final Scratch (figura 9). Esta plataforma era baseada numa interface de áudio
ligada simultaneamente ao um computador, mixer (mesa de som de dj) e à um par de
toca-discos de vinil. Com este sistema, o dj não precisava mais levar um caixa de
discos para trabalhar; ele precisava levar apenas dois discos – um para cada tocadiscos. Estes discos não tinham som algum – quando o dj soltava um dos dois, o tocadiscos mandava uma informação para a interface que codificava o sinal, mandando-o
para o computador que disparava um arquivo de áudio MP3 ou outro como WAV, etc.
Ao invés de informação sonora gravada, os discos de vinil continham informação
binária, ou seja, um mecanismo antigo que é o disco de vinil com uma informação
digital gravada – um suporte totalmente remidiatizado. A sensação era a de discotecar
com discos de vinil de ―verdade‖ uma vez que todas as funções do toca-discos eram
operadas mecanicamente. Neste sentido, o sistema era transparente com relação à
manipulação do vinil. No entanto, todo o procedimento de seleção e troca de músicas
era feito através de um software no computador de maneira randômica, ou seja, não
transparente.
76
Figura 9
Fonte: http://www.harmony-central.com/Newp/2002/Final-Scratch-large.jpg
Com a desmaterialização do suporte, o áudio começa a ser executado pelo
computador e por players portáteis digitais como o Rio da Diamond Multimedia e o iPod
da Apple. As interfaces de execução de música tanto do computador como dos players
portáteis foram baseadas na operação do CD player e da jukebox4. O computador, no
final da década de 90, já era capaz de reproduzir CD´s de áudio e o mesmo software de
execução de CD´s foi adaptado para a execução de arquivos de MP3. Além das
operações comuns como o play, pause, rewind e fast forward, o usuário conseguiria
importar e codificar faixas de CD´s para arquivos de áudio, programar sequências de
4
Jukebox era um aparelho capaz de tocar uma seleção variada de músicas. O usuário colocava uma moeda
nesta máquina e escolhia uma determinada música. Depois, mecanicamente, o disco de goma-laca ou vinil era
selecionado e colocado em execução. As primeiras jukebox eram capazes de operar com até 8 discos e surgiram no
final da década de 1920.
77
músicas MP3´s de álbuns distintos e criar suas próprias compilações ou álbuns
customizados. Esta capacidade de selecionar um amplo repertório e, com isto, criar
sequências distintas de música foi herdada da jukebox. Junto com este processo de
imidiação herdado do CD e da jukebox, alguns mecanismos de hipermidiação
acompanharam o surgimento do MP3. Informações de hipertexto são agregadas ao
arquivo de áudio no processo de conversão do MP3 – as chamadas tags5. Quando um
arquivo MP3 é criado, podem-se gravar nele informações de texto como: título da
música, nome do compositor, intérprete, ano da composição, gênero da música e outras.
Com estas informações agregadas ao arquivo de áudio, o usuário poderia criar
sequências de músicas de forma randômica através do acesso destes hipertextos. Com
o passar do tempo, a tecnologia das tags evolui e pode-se também aplicar imagens
como a capa do álbum no arquivo de áudio para serem acessadas nos displays dos
players dos computadores e dos aparelhos multifuncionais portáteis como os celulares,
iPods, Blackberries e outros.
Redes sociais, comércio digital e telefonia celular
Uma terceira onda na execução de música digital aconteceu com o acesso
online de fonogramas. Novos players surgem através das redes sociais, do comércio
digital e do celular. Dentre as principais mudanças que surgem nestes novos players, a
maior delas está relacionada à participação do público na criação da informação – a
chamada sociedade informacional. Com o acesso online de música, os players passam
a estar conectados não somente a um usuário como a uma rede de usuários. O acesso
randômico à música, resultante do processo de hipermidiação, passa a ser
compartilhado e agora também modificado por uma rede de pessoas. Os novos players
estão baseados numa nova economia - a economia da informação. Segundo
CASTELLS (2000, p. 87):
Uma nova economia surgiu em escala global nas duas últimas décadas.
Chamo-a de informacional e global para identificar suas características
5
Tag em inglês significa etiqueta.
78
fundamentais e diferenciadas e enfatizar sua interligação. É
informacional porque a produtividade e a competitividade de unidades e
agentes nessa economia (sejam empresas, regiões ou nações)
dependem basicamente de sua capacidade de gerar, processar e aplicar
de forma eficiente a informação baseada em conhecimentos. É global
porque as principais atividades produtivas, o consumo e a circulação,
assim como seus componentes (capital, trabalho, matéria-prima,
administração, informação, tecnologia e mercados) estão organizados
em escala global, diretamente ou mediante uma rede de conexões entre
agentes econômicos.
A Last.fm é um grande exemplo desta nova geração de players de música. Este
website foi criado em 2002 e adquirido em 2007 pelo grupo de comunicação norteamericano CBS. É um serviço de execução de música online que tem a participação
dos ouvintes na criação dos playlists. Funciona da seguinte maneira: se uma pessoa
quer, por exemplo, ouvir o artista de jazz Chet Baker. Primeiramente, ela vai procurar
por este artista no mecanismo de busca do site. Depois, vão aparecer ―emissoras de
rádio‖ relacionadas ao Chet Baker, incluindo a própria rádio deste artista. Quando o
usuário clicar na rádio dele, irá escutar uma seleção de músicas que irá incluir músicas
do mesmo e de artistas com trabalhos conceitualmente parecidos ao dele. Às vezes,
pode ser executada uma música que não tem nada a ver o com o cool jazz do Chet
Baker - como, por exemplo, uma música folk norte-americana. Quando isto acontece, o
usuário deste serviço pode interagir - apontando esta falha e retirando a música desta
―rádio‖. Na verdade, a Last.fm é um serviço de execução de playlists criado à partir de
uma rede social de usuários ao invés de uma emissora de rádio online. Isto, porque se
duas pessoas clicarem ao mesmo tempo numa rádio de um determinado artista irão
escutar músicas numa ordem diferente – não existe sincronismo na transmissão das
playlists. No entanto, o conceito de rádio foi remidiatizado a partir do rádio FM e a
criação de playlists foi herdada da desmaterialização do suporte de áudio. E a criação
de playlists de forma coletiva veio de uma economia informacional e global.
A criação de playlists foi um dos temas principais da campanha da Nokia ao
lançar o celular 5800 Comes With Music – o produto desenvolvido pela empresa para
colocá-la no comércio de fonogramas. A campanha era chamada ―We Are Playlist
People‖ (figura 10). O vídeo desenvolvido por esta campanha ressalta o papel dos
usuários na criação das playlists, ressaltando a criação da playlist como um fenômeno
79
coletivo. Frases como we chop, we change, we re-arrange, make playlists, we put Kylie
next to The Grateful Dead, we play, we send (nós cortamos, nós mudamos, nós rearranjamos, fazemos playlists, colocamos Kylie depois do The Grateful Dead, nós
executamos) e as palavras edit, delete, copy (editamos, apagamos, copiamos) retratam
esta realidade.
O vídeo também é construído por imagens de pessoas, aparelhos de gravação e
instrumentos de maneira completamente randômica. Ele reflete como a hipermidiação é
presente de forma coletiva nos players atuais.
Segundo BOLTER e GRUSIN (2009, p.47) :
Finalmente, a nova mídia pode remidiatizar por tentar absorver a velha
mídia completamente, então a falta de relação entre as duas é
minimizada. O próprio ato de remidiatização, entretanto, garante que a
velha mídia não pode ser apagada completamente; a nova mídia
continua dependente da antiga em termos de semelhança ou não
semelhança.
Figura 10
Fonte: YouTube
80
Temos presenciado uma profunda remidiatização em vários meios da
comunicação desde que os avanços da tecnologia da informação permitiram a
sociedade participar e colaborar da criação de conteúdo através do mundo virtual.
Talvez por entrar de maneira tardia no processo de convergência de mídias, a indústria
fonográfica obteve muitos prejuízos financeiros decorrentes do processo de
desmaterialização do áudio. Ela sofreu por não entender o que estava acontecendo em
termos de remidiatização. Enquanto a troca de arquivos MP3 acontecia na Internet no
começo dos anos 2000, a indústria se preocupava na remidiatização do CD por outras
mídias físicas com maior fidelidade de áudio como o DVD Audio e o SuperAudio CD.
Parece que ela não entendeu que a portabilidade estava sendo mais importante para a
sociedade do que uma maior fidelidade. A imidiação, a transparência, a maneira de
representar o áudio para as pessoas estava na portabilidade ao invés da fidelidade. A
hipermidiação, a maneira de acessar música de forma randômica, aconteceu também
de uma forma inédita e surpreendente com o surgimento das redes de relacionamento.
81
CONCLUSÃO
Como foi abordado nesta dissertação, a obra musical sofreu mutações desde
que se tornou obra fonográfica. A obra fonográfica está sofrendo mutações desde que o
público começou a participar do processo de sua produção. Até o conceito de máster
que tinha relação com ―o original da obra fonográfica‖ explicado no começo deste texto
mudou. A máster era a fita gravada. Hoje a música é gravada no computador. A máster
é um arquivo digital e qualquer cópia dela é o seu clone perfeito. A desmaterialização
ocorre desde o princípio do processo de produção e criação da obra até a sua
reprodutibilidade técnica e difusão comercial. Em contrapartida, alguns suportes
materiais estão voltando como o LP. Já se tornou uma estratégia de promoção para os
artistas, por exemplo: para lançar seus álbuns no programa do David Letterman, levam
a versão em LP. João Marcello Bôscoli no Encontro da ESPM disse que ―as pessoas
estão querendo tocar no objeto físico de novo – estão querendo ver o disco girar.‖
Uma coisa parece certa: não dá para pensar o contexto atual do mercado
fonográfico apenas do ponto de vista dos suportes de consumo, sejam eles materiais
ou imateriais, porque o que está mudando são as relações do produtor fonográfico e o
público consumidor. Para a indústria fonográfica sobreviver é necessário que ela se
reconstrua a partir deste contexto da cultura participativa de convergência de mídias
proposto por Henry Jenkins. E isto não parece ser uma tarefa fácil. Segundo o autor, ―a
expressão cultura participativa contrasta com noções mais antigas sobre a passividade
dos espectadores dos meios de comunicação. Em vez de falar sobre produtores e
consumidores de mídia como ocupantes de papéis separados, podemos agora
considerá-los como participantes interagindo de acordo com um novo conjunto de
regras, que nenhum de nós entende por completo‖ (JENKINS, 2008, p.28).
O objetivo deste texto não é propor que o artista de hoje não precisa mais da
indústria porque não é isto o que está acontecendo. Por trás dos grandes portais de
conteúdo da Internet, estão os grandes conglomerados de mídia. E novos
conglomerados de mídia estão surgindo como é o caso do Google/YouTube. Os artistas
82
dependem dos canais que são propriedades destes conglomerados para difundirem as
suas obras. Ou seja, o domínio existe por parte da grande indústria. Coexistem também
artistas que são extremamente dependentes da indústria como nos velhos tempos sejam das empresas majors ou das independentes. No entanto, a relação de poder da
indústria sobre o artista mudou. Esta dissertação procurou abordar como esta relação
de poder foi mudando ao longo do tempo. Talvez a questão hoje não seja o controle da
indústria sobre o artista e sua obra como foi no período clássico do cinema e sim como
a indústria está participando na produção da obra junto com o artista - como no caso da
Bruxa de Blair. E isto também está acontecendo com a música.
Quanto à remidiatização, parece que muitos novos players de música serão
remidiatizados. Novas formas de escuta surgem aliadas a outras mídias como os
games. Hoje é possível entrar na realidade virtual de um game apenas para escutar as
músicas de suas playlists. Como foi dito, ao mesmo tempo em que todas estas
remidiatizações estão acontecendo, o disco de vinil está voltando com força total. Este
fato corrobora a teoria de McLuhan de que uma nova mídia jamais elimina uma antiga.
83
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A música na cultura da convergência