Territorialidades do pequi: Montes Claros e o norte de Minas gerais em questão, pp. 1-16. 1 TERRITORIALIDADES DO PEQUI: MONTES CLAROS E O NORTE DE MINAS GERAIS EM QUESTÃO TERRITORIALITIES OF THE PEQUI: MONTES CLAROS AND THE NORTE DE MINAS GERAIS IN QUESTION Marcos Nicolau Santos da Silva Instituto Superior de Educação Ibituruna – ISEIB/Unimontes [email protected] Resumo: O objetivo deste trabalho é analisar as dinâmicas territoriais, econômicas, sociais, culturais e ambientais engendradas pelo pequi na cidade de Montes Claros e sua importância no cenário norte-mineiro. Foram entrevistados 50 vendedores de pequi que trabalham entre as áreas do hipercentro da cidade de Montes Claros, do Calçadão Popular e do mercado central, respondendo a 11 perguntas. A pesquisa permitiu apreender que há um forte vínculo entre homem e natureza no Norte de Minas, além de uma forte relação identitária com o território local. Constatou-se que o pequi proporciona uma das principais fontes alternativas de renda no Norte de Minas durante a sua safra, mas, na cidade de Montes Claros, há algumas dificuldades enfrentadas pelos vendedores de pequi, tais como: falta de espaço apropriado para a comercialização, a fiscalização urbana, a intervenção de atravessadores monopolizando os preços, entre outros problemas. Palavras-chave: Território – Territorialidades – Pequi – Pequizeiro – Natureza. Abstract: The objective this work is to analyse dinamics territorials, economics, socials, culturals and environmentals cause by pequi in city of Montes Claros and it importance in scenery norte-mineiro. It was interview 50 pequi sellers that work among the areas of hypercentre of the city of Montes Claros, in Calçadão Popular and in market central, answering 11 questions. The research permited to understand that’s there one strong link between man and nature in Norte de Minas, beyond one strong relationship identity with the territory local. Notice yet that the pequi is one between the mains source alternative of income in Norte de Minas during it crop, but, in city of Montes Claros, there are some difficulties face by pequi sellers, such as: for lack of space appropriate to sell the product, urban inspection, the middlemen's intervention monopolizing the prices, between other problems. 2 XIX ENGA, São Paulo, 2009 SILVA, M. N. S. Key words: Territory – Territorialities – Pequi – Pequizeiro – Nature. Introdução O Pequizeiro é reconhecido como árvore símbolo do Cerrado Brasileiro, e seu fruto, o pequi, apresenta sazonalidade que varia entre os meses de setembro a março. Durante este período, o pequi representa uma espécie de base econômica extrativista que alimenta diversas famílias e serve como alternativa de renda tanto para o meio rural quanto para o meio urbano. A nossa intenção não se justifica apenas pela importância econômica gerada através da atividade extrativista do pequi, mas por um conjunto muito maior de relações estabelecidas a partir do que denominamos de “territorialidades”. O objetivo deste trabalho é analisar as dinâmicas territoriais, econômicas, sociais, culturais e ambientais engendradas pelo pequi na cidade de Montes Claros e sua importância no cenário norte-mineiro. A metodologia utilizada é composta de entrevista com 50 vendedores de pequi das áreas centrais da cidade de Montes Claros, do Calçadão Popular e do Mercado Central. O trabalho está estruturado a partir inicialmente de uma análise teórica do conceito de território. Posteriormente, apresenta uma relação entre território e as territorialidades do pequi, baseado em múltiplas perspectivas. Em seguida, expõe os resultados da pesquisa e uma breve implicação com a questão ambiental. Do território como concepção de análise O recorte conceitual que delimitamos primeiramente na nossa análise é o território, para depois chegarmos a um entendimento maior do que vem a ser as territorialidades. As territorialidades, aqui, não partem de um esforço de qualificá-las com o adjetivo “novo”, nem tampouco, falaremos de “velhas” territorialidades. As territorialidades do pequi são formações constituídas ao longo do tempo, da relação íntima entre a sociedade e a natureza e das dinâmicas engendradas: sociais, econômicas, culturais, ambientais e territoriais. Na atualidade, o território assume importância central na geografia e nas demais ciências sociais, como também tem sido largamente utilizado no domínio das políticas públicas, sobretudo, no âmbito do planejamento. Se por um lado, temos uma ampla abertura dos debates sobre o conceito, por outro, a dimensão conceitual do território é Territorialidades do pequi: Montes Claros e o norte de Minas gerais em questão, pp. 1-16. 3 banalizada e reduzida a simples delimitações de espaço, sem fazer jus à sua perspectiva histórica e científica. Nessa perspectiva, também a dimensão espacial ganha relevância nos estudos contemporâneos, especialmente a partir do final do século passado. A crescente expansão das redes, de uma suposta aceleração do tempo imposta pelas transformações nos campos da ciência, da informática, das comunicações, da robótica, tentam apresentar concepções dicotômicas de separação entre o tempo e o espaço, entre a história e a geografia, em que a aceleração do tempo no período recente anularia o espaço. Assim sendo, Santos (1999, p. 161) afirma que “a idéia de que o tempo suprime o espaço provém de uma interpretação delirante do encurtamento das distâncias, com os atuais progressos no uso da velocidade pelas pessoas, coisas e informações”. A reação às incômodas intromissões pós-modernas não escapa aos “fiéis do tempo” e nem à própria história. Esta, passa a ser a última das ciências sociais à incorporar a noção de espaço como categoria analítica e teórica do cerne de suas questões sociais. Talvez, o que Milton Santos (2006) afirma ser o início do século XXI a era de ouro da Geografia, pela incorporação da historicidade ao discurso geográfico, diríamos aqui, que também a história vivencia neste período sua era aura com a leitura do espaço no desdobramento histórico da realidade. Assim, entrelaçam-se contextos históricos e geográficos, modernos e pós-modernos, passado e presente, na reafirmação do espaço e do tempo. A era atual talvez seja, acima de tudo, a era do espaço. Estamos na era do perto e do longe, do lado a lado, do disperso. Estamos num momento, creio eu, em que nossa experiência do mundo é menos a de uma vida longa, que se desenvolve através do tempo, do que a de uma rede que liga pontos e faz intersecções com sua própria trama. Poderse-ia dizer, talvez, que alguns conflitos ideológicos que animam a polêmica atual opõem os fiéis descendentes do tempo aos decididos habitantes do espaço (FOUCAULT, 1986, p. 22 apud SOJA, 1993, p. 17). O que se reafirma com o fim do século XX é a importância interpretativa do espaço. A chamada era pós-moderna é o período, sobretudo, de análise do espaço, não apenas do espaço pelo espaço, mas tomado na indissociabilidade – sem a separação do tempo. O território é, pois, um recorte do espaço. O que o distingue do espaço é o seu uso, ou mesmo, os seus vários usos. Santos (2002, p. 15) afirma que “é o uso do território, e não o território em si mesmo, que faz dele objeto da análise social”. Por 4 XIX ENGA, São Paulo, 2009 SILVA, M. N. S. isso, o autor defende que é importante o entendimento do território para afastar o risco de alienação, da perda do sentido da existência individual e coletiva e, portanto, afastar o risco de renúncia ao futuro. O território é um híbrido, de múltiplas relações, o que ele tem de permanente é ser o nosso quadro de vida. O que trata Milton Santos em suas análises é o território usado, em que o autor estabelece uma periodização, para se compreender as metamorfoses do território ao longo da história (SANTOS, 1999, 2002, 2006; SANTOS e SILVEIRA, 2005). Santos (2006) afirma ainda que o território usado é o chão mais a identidade, sendo, portanto, o fundamento do trabalho, o lugar da residência, das trocas materiais e espirituais e do exercício da vida. Numa concepção mais poética, este autor destaca que “o território é o lugar em que desembocam todas as ações, todas as paixões, todos os poderes, todas as forças, todas as fraquezas, isto é, onde a história do homem plenamente se realiza a partir das manifestações da sua existência” (SANTOS, 2006, p. 13). Comumente, há uma confusão em distinguir o espaço e o território. Ora alguns autores afirmam que o território é o espaço, ora afirmam ser justamente o contrário. Assim sendo, utilizaremos dois autores que oferecem, de forma mais simples e sistemática, uma separação conceitual entre as duas categorias. Raffestin (1993, p. 143) estabelece de início o rumo do debate em que afirma: “é essencial compreender bem que o espaço é anterior ao território”. Para o autor, “o território se forma a partir do espaço, é o resultado de uma ação conduzida por um ator sintagmático (ator que realiza um programa) em qualquer nível. Ao se apropriar de um espaço, concreta ou abstramente [...], o ator territorializa o espaço”. O território trás em si a representação do poder, que remonta a sua própria existência na perspectiva Clássica da Geografia Política. A reprodução do território se dá a partir do trabalho. Quando o autor defende que o território é uma ação realizada por um ator, ele quer dizer, que o território é uma produção, podendo ser realizada por qualquer indivíduo, pelo Estado, por empresas, ou mesmo, por uma instituição. Numa outra concepção, o território é formado por recortes do espaço. O espaço é, portanto, uma totalidade dialética, em que só faz sentido se for tomada a partir das relações do todo com as partes. As partes ou os recortes espaciais são os territórios. Os recortes espaciais vão de uma lógica dialética do recorte para o todo, que, segundo Moreira (2006), forma uma relação triádica, em que vai-se do recorte (o singular) para o espaço (geral) e depois retorna para o recorte, formando o real-concreto. Assim, o Territorialidades do pequi: Montes Claros e o norte de Minas gerais em questão, pp. 1-16. 5 recorte espacial é o princípio conceitual do território, pois o território passa a ser o recorte espacial qualificado pelo seu sujeito – o homem. O território se forma primeiro nas relações de poder: família, escola, igreja, empresa, município, estado, país, continente, mundo; isso congrega as múltiplas instituições envolvidas, tanto numa ordem crescente quanto decrescente do poder. Essas relações são vividas, sentidas, percebidas e compreendidas diferentemente. O território é revelador das tramas sociais, das convergências e divergências, dos conflitos, da vida, em seu amplo sentido. Por isso, o território e suas territorialidades devem ser considerados na análise social, porque eles não são estanques, nem fechados, são abertos e se movimentam ou interagem com a diversidade das identidades, das religiões, das línguas, das culturas, dos saberes e práticas, enfim, com a natureza e toda a dimensão do vivido. Território: territorialidades do Pequi A abordagem territorial não deve estar apenas centrada nas grandes questões do poder, das macropolíticas e das macroeconomias ou em questões fronteiriças, mas deve estar nas micropolíticas e microeconomias, nas identidades regionais e no dia-adia das pessoas. O território, segundo Haesbaert (2006a, p. 158), “não seria um simples instrumento de domínio político-econômico e/ou espaço público de exercício de uma (pretensa) cidadania, mas efetivamente um espaço de identificação e (re)criação do/com o mundo, a ‘natureza’”. A territorialidade surge na identificação de um determinado grupo com uma porção de espaço. Ao se apropriar desse espaço, esse grupo territorializa-o, ao mesmo tempo, constrói um vínculo territorial, de interdependência, produção, reprodução e sentimento. A territorialidade, assim, não é apenas concreta, mas abstrata. O mesmo acontece com a territorialidade dos animais, estudada inicialmente pela Etologia, cujo território é visto como fonte de recursos materiais e naturais necessários à sobrevivência. O território pode ser abordado sob várias perspectivas: material (natureza e economia), cultural, histórica, integradora e relacional. Se tomarmos o entendimento das territorialidades do pequi, na perspectiva material, da natureza como fonte de recursos, estaríamos limitando a análise e desprezando o significado mais importante, que é a relação entre a sociedade e a natureza. Assim, Haesbaert (2006b) defende que seria absurdo considerarmos a existência de territórios “naturais” não definidos por relações sociais. 6 XIX ENGA, São Paulo, 2009 SILVA, M. N. S. Por outra perspectiva, as territorialidades do pequi se desdobram a partir do enraizamento cultural e da sua manifestação local como produto de uma cultura construída historicamente e geograficamente no território. A territorialidade do pequi a partir da cultura define a identidade local, compreendida para além do sentido de pertencimento ao território, que segundo Saquet (2007), parafraseando Dematteis e Governa (2005), deriva do agir coletivo dos sujeitos, como portadores de práticas e de conhecimento, construtores do território e de novas lógicas identitárias aos lugares. Algumas interpretações que relacionam a expansão do pequi pelo cerrado brasileiro chegam a mencionar que a disseminação se deu pela migração de sementes levadas pelos índios no passado. Historicamente, o pequi já se consolidava como recurso natural e ainda hoje, ele é responsável pela sobrevivência de diversas pessoas, no meio rural ou urbano, como produto de troca, trabalho, cultura e integra todas as dimensões do vivido. Algumas características do pequi e do pequizeiro O pequi é encontrado em toda região Centro-oeste, Leste de Rondônia, Norte e Oeste de Minas Gerais, Sudoeste do Pará, Tocantins, extremo Sul do Piauí, Oeste da Bahia, Sul do Ceará e outras regiões. Habita os cerrados, cerradões e matas secas ao longo de todo o bioma do Cerrado. O pequizeiro é encontrado nos solos de cerrado, geralmente ácidos, pobres em cálcio, magnésio e matéria orgânica, profundos e porosos, com épocas chuvosa e seca bem definidas. O pequizeiro floresce durante os meses de agosto a novembro, com frutos maturando a partir de setembro até o início de fevereiro. É uma árvore de muitos valores: ecológico, cultural, gastronômico, medicinal e econômico. Estudos medicinais apontam a utilização do pequi como afrodisíaco, no tratamento de problemas respiratórios e suas folhas são adstringentes, além de estimularem o funcionamento do fígado. A utilização terapêutica do pequi não está restrita à medicina popular. Nas últimas décadas, cresce o número de estudos e pesquisas acadêmicas e de Medicina Tropical. Atualmente há uma discussão no campo da História Ambiental apontando que a região norte-mineira foi ocupada, no passado, por índios nômades, sendo que eles apreciavam muito o pequi. Os constantes deslocamentos desses índios favoreceram a migração de sementes por quase todo o Cerrado, chegando até a Amazônia. Por isso, ainda hoje é possível encontrar resquícios de pequizeiros por várias partes do Brasil; Territorialidades do pequi: Montes Claros e o norte de Minas gerais em questão, pp. 1-16. 7 cada lugar o fruto pode apresentar uma especificidade, por exemplo, maior ou menor quantidade de polpa, tamanho, variação de cor, sabor, etc. No Norte de Minas Gerais, diversas são as localidades onde o pequi é encontrado, bem como variadas são também as características do fruto e o tempo de maturação/ sazonalidade. O pequizeiro é uma espécie nativa típica do Cerrado Brasileiro, da família “Caryocar Brasiliensis”. O pequi expressa uma forte relação entre o homem e a natureza no Norte de Minas Gerais. Esta relação evidencia o vínculo territorial existente entre o homem norte-mineiro que se apropria (ou territorializa) do espaço natural como forma de garantir a sustentabilidade, criando uma identidade territorial e simbólica. Aspectos metodológicos e resultados A metodologia utilizada nesta pesquisa compõe de uma entrevista estruturada com perguntas abertas e fechadas. Esta última, com o objetivo de levantar alguns dados quantitativos. Foram realizadas 50 entrevistas com vendedores de pequi das áreas do hipercentro da cidade de Montes Claros, do Calçadão Popular e do Mercado Central, em que cada entrevistado respondeu a 11 perguntas. Além disso, completa-se a metodologia com observação empírica e sistemática. A primeira abordagem da pesquisa permite visualizar o local de residência dos entrevistados. Mais de 90% dos vendedores de pequi residem na cidade de Montes Claros. Os demais moram em municípios ou localidades próximas. 100,0% 90,1% 80,0% 60,0% 40,0% 20,0% 3,3% 3,3% 3,3% Mirabela Santa Bárbara Nova Esperança 0,0% Montes Claros Gráfico 01: Lugar de residência dos entrevistados. Fonte: Pesquisa de campo, 2008. 8 XIX ENGA, São Paulo, 2009 SILVA, M. N. S. Uma das propostas dessa pesquisa foi identificar as principais localidades de origem do pequi que abastece a cidade de Montes Claros. Inicialmente foi constatado que quase todo o pequi comercializado na cidade de Montes Claros não é coletado diretamente pelos vendedores no meio rural. Na maioria das vezes, os vendedores finais compram o fruto já ensacado no mercado central, que é coletado e vendido por um habitante do meio rural. O pequi consumido na cidade de Montes Claros não vem apenas de uma localidade, mas de diversas regiões produtoras do Norte de Minas. Isso se justifica pelo fato da maturação do fruto. Em cada localidade o processo de maturação do pequi é diferenciado, variando do mês de setembro a fevereiro, além disso, há diferentes características quanto a cor, tamanho, sabor, maior ou menor quantidade de polpa. A pesquisa permitiu identificar que a maioria dos entrevistados compra ou recebe o pequi de outras pessoas que trazem as caminhonetes ou caminhões carregados do meio rural. Portanto, a maior parte são revendedores e estão sujeitos aos preços impostos por estes catadores e pelos atravessadores que impõem preços mais altos, comprometendo a lucratividade e aumentando o preço final do produto. O gráfico 02 apresenta os principais municípios ou áreas produtoras de pequi que foram comercializados em Montes Claros durante o período dessa pesquisa. Entre eles, destaca-se o município de Campo Azul, cuja comercialização predominava no período mencionado. Acrescenta-se ainda a importância do município de Coração de Jesus, Brasília de Minas e Japonvar, os quais possuem significativa produção e apreço no cenário regional, mas a maturação ocorre do início para o meio da safra. Por outro lado, a produção do município de Montes Claros, sobretudo nas áreas de Nova Esperança e Lagoinha, também é bastante significativa, apesar de ter sido pouco mencionada pelos entrevistados. Um ponto relevante é que a produção de pequi no município de Japonvar, tão conhecida no cenário nacional e de alcance até o mercado internacional, é quase toda comercializada no próprio município, pelo expressivo desenvolvimento do sistema de cooperativa. Territorialidades do pequi: Montes Claros e o norte de Minas gerais em questão, pp. 1-16. 80,0% 70,0% 60,0% 50,0% 40,0% 30,0% 20,0% 10,0% 0,0% 9 66,7% 20,1% Campo Azul Coração de Jesus 3,3% 6,6% 3,3% Nova Esperança Japonvar Brasília de Minas Gráfico 02: Localidade de coleta do Pequi. Fonte: Pesquisa de campo, 2008. É importante lembrar que o pequi é um fruto sazonal, conforme já mencionamos o período de sua safra anteriormente. Portanto, ele alimenta uma rede de trabalho informal em Montes Claros e no Norte de Minas. Assim sendo, todos os vendedores de pequi entrevistados não possuem emprego formal, com carteira assinada, sendo necessário se ocuparem de outras atividades fora da época do fruto: vendedores ambulantes de frutas (pinha, panã, siriguela, jabuticaba, manga, morango, uva), de alho e cebola, de temperos e condimentos, de doces, de remédios naturais, de camarão, de acarajé, além de serviços de cozinheira, faxineira e pedreiro. Alguns vendedores complementam as vendas com produtos derivados do pequi: óleo, conservas, doces e polpa, conforme o gráfico 03. 33,30% Somente pequi Pequi e derivados 76,70% Gráfico 03: Tipos de comercialização. Fonte: Pesquisa de campo, 2008. 10 XIX ENGA, São Paulo, 2009 SILVA, M. N. S. Foi perguntado aos vendedores de pequi quais as dificuldades encontradas durante a comercialização. A maior reclamação é quanto a falta de espaço para comercializar os produtos, devido à fiscalização de posturas do centro da cidade que impede a venda nos pontos de maior movimento de pessoas. Quanto aos vendedores do Calçadão Popular é unânime a reclamação, que afirmam terem sido prejudicados após serem mudados das ruas do antigo mercado (rua Coronel Joaquim Costa com a rua Belo Horizonte) para o Calçadão Popular. Eles argumentam que o fluxo de pessoas no Calçadão é muito pequeno. Já os vendedores do Mercado Central afirmam não encontrar dificuldades, pois a maioria comercializa o pequi no atacado e a fiscalização só impede a venda no interior do mercado, onde somente quem tem banca fixa pode fazer a comercialização. Outro ponto destacado na pesquisa é a variação do preço do pequi, gráfico 04. O fruto sofre variação de preço no início, no meio e no fim da safra, chegando, inclusive, a sofrer variação de preço diária e entre vendedores. Quando o pequi começa a chegar no mercado, o preço da dúzia atinge até R$5,00 (cinco Reais). Já quando aumenta a oferta do produto, o preço médio da dúzia varia entre R$1,00 e R$2,00, podendo chegar ao final do dia sendo vendido até a R$0,50 (cinqüenta centavos). No fim da safra, o pequi sofre aumento, voltando a ser vendido pelo preço de início de safra. Além disso, no final da safra, muitos vendedores deixam de comercializar o pequi devido a baixa oferta do produto associado à dificuldade de vender, em função do alto preço. 6 5 5 5 R$ 4 3 2 2 1 0 Início da safra Meio da safra Gráfico 04: Preço médio da dúzia de pequi. Fonte: Pesquisa de campo, 2008. Fim da safra Territorialidades do pequi: Montes Claros e o norte de Minas gerais em questão, pp. 1-16. 11 A renda média semanal obtida pelos vendedores de pequi varia de acordo com o local em que é vendido. A renda semanal dos vendedores do Mercado Central concentra-se entre R$300,00 a R$350,00, para aqueles que cortam e vendem o fruto fracionado (em forma de dúzia). De acordo com os entrevistados, essa renda corresponde ao corte de 5 a 6 sacos de pequi por dia. Já alguns vendedores que trabalham apenas no atacado, a venda diária é de 50 a 70 sacos. Já os vendedores que comercializam nas ruas do Hipercentro da cidade obtém uma renda de R$250,00 a R$300,00 por semana, em média 4 a 5 sacos por dia. Cabe salientar que os vendedores que possuem loja no Calçadão Popular vendem em média 2 sacos de pequi por dia e a renda deles é de cerca de R$150,00 semanal. Foi perguntado aos vendedores de pequi se eles acreditam ser importante a criação, em Montes Claros, de uma cooperativa de trabalho com o pequi, a exemplo daquela implantada na cidade de Japonvar – COOPERJAP. A maior parte dos entrevistados se manifestaram a favor, afirmando ser importante estratégia para evitar atravessadores, estabilizar preços, gerar postos de trabalho, inclusive, fora do período de safra, e para beneficiamento do produto, entre outros. Já 13% dos entrevistados responderam contra a criação de uma cooperativa, pois justificaram que teriam que pagar taxas à prefeitura, ocorreria o aumento de preço, haveria concentração da produção e disputas por mercado. De acordo com informações da Rede Cerrado (2008), em Japonvar, a coleta do pequi emprega cerca de cinco mil pessoas e movimenta uma economia de quase um milhão de reais. Isso é significativo para a economia de um município de pouco menos de nove mil habitantes, em uma das regiões com menor IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) do país. Além disso, o pequi do Norte de Minas está sendo vendido em centros cosmopolitas, como Nova Iorque, nos EUA. 12 XIX ENGA, São Paulo, 2009 SILVA, M. N. S. 13% Sim Não 87% Gráfico 05: Acha importante a criação de uma cooperativa de pequi em Montes Claros? Fonte: Pesquisa de campo, 2008. Por fim, os entrevistados foram indagados se eles consideram o pequi como símbolo da cultura do Norte de Minas Gerais. “Todos” os entrevistados responderam positivo. A firmeza dos vendedores ao responderem esta pergunta, permite inferir que há o estabelecimento de uma identidade regional, expressa por um sistema territorial local, engendrado sob a forma de múltiplas territorialidades. Evidenciado, ainda, pelo sentimento de pertencimento ao território, pelo lugar e pelo modo de vida, como fundamento do trabalho e, simbolicamente representado pela relação, intrínseca, entre o homem e a natureza. Daí, o pequi tem muitos significados para aqueles que vivem dele, conforme narrado por alguns vendedores: “Todo mundo pode ganhar um dinheirinho...”. “Todo mundo ganha dinheiro, tanto quem mora na roça quanto quem mora na cidade”. “Pequi gosta de farra, de lambança, de muita gente!” “Muita gente sobrevive do pequi”. O Pequi e a questão ambiental No ano de 2001, em concurso realizado pelo Instituto Estadual de Florestas de Minas Gerais – IEF-MG – o pequizeiro foi eleito “árvore símbolo do Estado de Minas Gerais”. Ele simboliza também o Cerrado Brasileiro. O crescente avanço do agronegócio nas áreas de cerrado culminando com a expansão das monoculturas de eucalipto para produção de carvão e o próprio uso do Territorialidades do pequi: Montes Claros e o norte de Minas gerais em questão, pp. 1-16. 13 pequizeiro como matéria-prima da indústria do carvoejamento, tem acentuado a degradação dos pequizeiros nas últimas décadas. Tal fato tem impulsionado uma constante preocupação quanto a preservação dos cerrados brasileiros e o futuro daqueles que dependem do cerrado e do pequizeiro para a sobrevivência, sobretudo através da atividade extrativista. Nesse sentido, a criação de leis tem sido o principal instrumento de auxílio à preservação do pequizeiro, associadas às pressões dos movimentos socioambientais. Há no Brasil uma Lei Federal de proteção dos pequizeiros, mas ela se restringe ao Parque Nacional dos Pequizeiros, Planaltina, no Distrito Federal. No entanto, alguns estados têm criado suas próprias leis. No caso do estado de Minas Gerais, por exemplo, existe a Lei 13.965, de 27 de julho de 2001, que cria o Programa Mineiro de Incentivo ao Cultivo, à Extração, ao Consumo, à Comercialização e à Transformação do Pequi e demais Frutos e Produtos Nativos do Cerrado – PRÓ-PEQUI. O Artigo 2° dispõe que o Pró-pequi será composto por um Conselho Diretor, composto por: I - um representante da Secretaria de Estado de Agricultura, Pecuária e Abastecimento; II - um representante da Secretaria de Estado de Indústria e Comércio; III - um representante da Secretaria de Estado de Ciência e Tecnologia; IV - um representante da Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável; V - um representante da Universidade Estadual de Montes Claros UNIMONTES; VI - dois representantes da Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado de Minas Gerais - FETAEMG; VII - um representante do Instituto de Terras de Minas Gerais-ITER; VIII - um representante da Cooperativa dos Pequenos Produtores Rurais de Japonvar; IX - dois representantes do Centro de Agricultura Alternativa do Norte de Minas; X - um representante da Rede de Intercâmbios de Tecnologias Alternativas; XI - um representante do Núcleo de Ciências Agrárias da Universidade Federal de Minas Gerais; XII - um representante do Centro de Agricultura Alternativa Vicente Nica - Vale do Jequitinhonha. Além disso, há uma lei que dispõe sobre o abate do pequizeiro: 14 XIX ENGA, São Paulo, 2009 SILVA, M. N. S. A Lei nº 10.883, de 1992, declara de preservação permanente, de interesse comum e imune de corte o pequizeiro, com base no disposto nos arts. 3º, 4º e 7º da Lei Federal nº 4.771, de 1965 - Código Florestal. No art. 2º, admite o abate do pequizeiro mediante prévia autorização do IEF, quando necessário à execução de obras, planos, atividades ou projetos de utilidade pública ou de relevante interesse social. As discussões sobre sustentabilidade e questão ambiental ganham relevo neste início de século. O século anterior, considerado, por muitos, como o século da cidade, da consolidação da cidade nos países desenvolvidos e da explosão delas no mundo subdesenvolvido, cede espaço ao meio ambiente, com o alarme de várias catástrofes e da própria degradação do ambiente humano. O pequi e o pequizeiro, nesta concepção, são revalorizados justamente pela gama de valores atribuídos a eles: econômico, social, cultural e ambiental. Esses valores, assim como Dematteis afirma (2007, p. 10), “não entendemos somente os valores de mercado, mas também e sobretudo, os recursos ecológicos, humanos, cognitivos, simbólicos, culturais que cada território pode oferecer como valores de uso, bens comuns, patrimônio da humanidade”. A preservação do pequizeiro é condição fundamental para a garantia da dignidade de muitas pessoas as quais dele dependem, para o seu sustento e o de suas famílias. Além disso, acrescenta-se a necessidade de desenvolver mais pesquisas e estudos com o objetivo de incentivar a preservação da espécie, voltados também para a educação ambiental, além de promover iniciativas que julguem a importância do pequi como um patrimônio regional, a exemplo da Festa Nacional do Pequi que ocorre na cidade de Montes Claros. A preservação do pequizeiro depende da tomada de decisão conjunta da população regional, das instituições de pesquisa e do poder público. Considerações finais O vínculo entre homem e natureza no Norte de Minas Gerais a partir das relações entre ambas categorias assegura a existência de uma coesão – social, econômica cultural e ambiental – em que não é possível definir um desses elementos, sem considerar o outro. A relação aqui entre o homem e o seu espaço é “indissociável”, termo concebido por Milton Santos. A rede local é definida sob a lógica da sustentabilidade do território. Nesta pesquisa, evidencia-se a forte ligação identitária com o território local, bem como o Territorialidades do pequi: Montes Claros e o norte de Minas gerais em questão, pp. 1-16. 15 sentimento de pertencimento ao lugar. Apesar da mesorregião do Norte de Minas ter vários problemas quanto a baixa geração de postos de trabalho formal, por outro lado, a variedade de alternativas de renda é bem expressiva o ano todo. Portanto, o pequi é uma das principais fontes de renda que sustenta diversas famílias durante sua safra. A questão da falta de espaço para comprar e vender o pequi é um ponto que merece maior atenção do poder público municipal, no sentido de promover um reordenamento da atividade e, até mesmo, a viabilização de uma cooperativa na cidade de Montes Claros, combatendo, inclusive, a ação de atravessadores. Destaca-se também a identificação do pequi com o povo norte-mineiro, em que é considerado um símbolo da cultura regional. Referências DEMATTEIS, Giuseppe. Apresentação – O território: uma oportunidade para repensar a Geografia. In: SAQUET, Marcos Aurélio. Abordagens e concepções de território. São Paulo: Expressão Popular, 2007. p. 7-11. HAESBAERT, Rogério. Territórios Alternativos. 2. Ed. 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