Contribuição da APM sobre a saúde na cidade de São Paulo Tendo em vista as próximas eleições municipais, em que a saúde é apontada como a área de maior preocupação hoje do paulistano (38% dos eleitores responderam que saúde deve ser a prioridade do próximo prefeito segundo pesquisa Datafolha publicada no último dia 21 de julho), a Associação Paulista de Medicina (APM) divulga sua contribuição inicial para o aprofundamento do debate a este respeito na cidade de São Paulo. Com o objetivo de viabilizar a prática dos princípios do SUS (universalidade, equidade e integralidade), a partir do diálogo com diversos especialistas em saúde pública, a APM elenca a seguir os pontos que julga merecedores de especial atenção por parte dos candidatos e suas equipes, assim como dos eleitores e cidadãos. A Associação ressalta, ainda, que não basta um programa de saúde bem elaborado. Para se obter resultados positivos, é preciso ter uma visão global do bem-estar da população e investir em ações com ênfase nos determinantes sociais de saúde, que incluem renda, nutrição, educação, emprego, moradia, tratamento de água e esgoto, etc. Na visão da APM, o compromisso com a saúde pública em uma cidade tão desafiadora como a capital paulista – que tem o terceiro maior orçamento da saúde no país (R$ 6,9 bilhões), atrás apenas da União e do Estado de São Paulo – demanda conhecimento legítimo da área, capacidade de realização e articulação e, acima de tudo, vontade política em benefício daqueles que dependem do SUS. Maior resolubilidade na atenção básica • Aumento substancial da cobertura da Estratégia de Saúde da Família (ESF), hoje de 44,7% da população. O programa, que é uma importante inovação na saúde pública visando atendimento e acompanhamento eficaz às famílias, pode atingir 80% de resolubilidade, de forma a evitar encaminhamentos para especialistas, setor que representa um dos maiores pontos críticos do sistema; • Políticas de recursos humanos para qualificar, valorizar e fixar os profissionais da ESF. Como hoje não há política com garantias trabalhistas, ocorre alta rotatividade de profissionais e muitos dos médicos que atualmente compõem as equipes não têm formação específica em Medicina da Família, são recémformados ou oriundos de outras especialidades e recebem somente um treinamento considerado distante do ideal para atuar no programa; • Articulação com o aparelho formador e demais setores pertinentes para incentivar a residência em Medicina de Família, buscando, com isso, valorizar a especialização na área. Existe uma grande dificuldade para constituir as equipes, principalmente por conta da falta de médicos com formação adequada. • Criação de mais serviços para atendimento eletivo com especialistas (AMAs Especialidades), especialmente nas áreas onde há demanda represada, priorizando a periferia e evitando o deslocamento do paciente para o centro expandido, onde hoje está a maior oferta de serviços; • Readequação da estrutura à demanda para maior agilidade na realização de exames complementares. Com melhor gestão dos equipamentos já existentes e aquisição daqueles que estão em falta, podem ser evitadas as discrepâncias que o sistema atual apresenta, com filas de meses para a realização de exames mais simples. Os dados da Secretaria Municipal de Saúde servem como diretriz para levantar quantos e em quais lugares há maior demanda para que a população seja atendida de forma mais racional; • Ampliação do atendimento das AMAs para 24 horas por dia sete dias por semana com estrutura de pronto-atendimento. Esta configuração absorveria a demanda por atendimentos de baixa complexidade, que tendem a superlotar os hospitais, especialmente os de nível terciário, em muitos dos quais apenas 5% da demanda exige internação; • Melhoria da estrutura das UBSs, com adequação não só em termos de espaço mas contemplando os equipamentos necessários para atender a demanda e evitar que a população deixe o bairro onde mora para procurar atendimento em outras regiões ou na área central. As UBSs, por terem a proposta de ser uma porta de entrada no sistema, precisam acolher o usuário e oferecer a ele o máximo de soluções, sem que precise de encaminhamento por conta de falta de recursos humanos e materiais; • Política específica para atendimento a vítimas de violência com foco no acolhimento (assistência médica, psicológica e social integrada). O objetivo é que esses pacientes, além de serem tratados com melhor resultado, se sintam seguros para compartilhar informações, lidar com as causas da violência e iniciar ou continuar os tratamentos necessários, gerando, assim, um ciclo virtuoso em busca da redução de casos; • Política global de combate às drogas que inclua ações de prevenção e modelo de tratamento adequado para equalizar o problema. Diminuição das filas para consultas, exames, internações e cirurgias • Hoje o grande problema do sistema público é a dificuldade de acesso por parte da população. Existe fila para tudo – pronto-atendimento, consultas, exames, cirurgias, etc; a resolubilidade é baixa e a burocracia, grande, o que acarreta retornos e longas esperas que poderiam ser evitados. Por isso, é fundamental a readequação do sistema como um todo do ponto de vista das necessidades dos pacientes; • Construção de hospitais/leitos suficientes para o atendimento da demanda conforme a distribuição geográfica da população e de forma articulada com as unidades de saúde estaduais. Hoje ocorre má distribuição de leitos. Em algumas regiões da cidade, o número de leitos é zero. Nos últimos anos, o aumento do total de leitos foi insuficiente para acompanhar o crescimento da população; • O atendimento a urgências e emergências é outro ponto da maior gravidade. Há relatos de verdadeiros “cenários de guerra”. Estudo de 2008, citado em fórum das entidades médicas nacionais, mostra que o déficit de médicos no setor é caracterizado pelos baixos salários oferecidos (34%), sobrecarga de trabalho (24%), falta de condições materiais (20%) e a superlotação nas emergências (22%). É gritante a falta de profissionais, leitos, equipamentos e materiais. Portanto, a melhoria do acesso e da estrutura de atendimento é essencial. Os leitos de terapia intensiva são disputados pela urgência com o restante dos serviços hospitalares. Ainda que a administração tenha aumentado o número de leitos, com a construção de dois hospitais e a contratação de alguns leitos conveniados, o número não acompanhou o crescimento da população; • Política especial de atendimento aos acidentados, desde a urgência e emergência até o desenrolar de sua internação, tratamento e reabilitação. O número de casos é cada vez maior e, em média, cada acidente gera 20 atendimentos e 50 consultas por conta de sua gravidade. Por outro lado, ocorre demora na alta causada pela má estrutura e organização dos serviços. Os leitos ocupados por mais tempo inviabilizam a rotatividade ideal, o que diminui ainda mais o número disponível para as novas ocorrências e outras internações, além da necessidade de profissionais especializados em trauma; • Desenvolvimento de campanhas e atuação efetiva quanto ao comportamento “beber e dirigir”, diretamente ligado ao atual quadro de acidentes que preocupa a população e lota as emergências dos hospitais, culminando no cenário descrito no item anterior; • Melhor articulação da rede de atendimento entre município e estado. A cidade atende, além de seus munícipes, moradores de cidades próximas e de outros estados. Diariamente, passam por São Paulo cerca de 1,2 milhão pessoas; • Política de articulação na região metropolitana para adequação do atendimento à demanda; investimento na melhoria da informatização de rede e capacitação de material humano para melhor funcionamento de serviço de referência e contra-referência, além de melhor condição de acompanhamento de casos, por exemplo, nas UBSs, que precisam ter um histórico atualizado e completo dos pacientes, o que permite agilidade na marcação de consultas e menor tempo de espera entre elas. Valorização do trabalho médico • Plano de carreira, cargos e vencimentos para os médicos contratados pelo município, além de remuneração digna, com o objetivo de fortalecer o vínculo com o serviço público e estimular a dedicação; • Parâmetros equivalentes para a constante valorização do trabalho médico nas organizações sociais. Os profissionais contratados via OSs devem igualmente contar com remuneração digna e todas as garantias trabalhistas; • Políticas para atração e fixação de médicos em locais de difícil provimento, especialmente na periferia. Mais de 60% dos médicos estão no centro expandido. É preciso evitar que o médico queira estar na periferia apenas por um período de tempo, somente em razão de um salário convidativo, até que decida voltar para uma região que considere mais interessante por algum outro atrativo, como a segurança, por exemplo; • Política específica para preservar a integridade dos profissionais e combater os casos de violência nas unidades de saúde. A falta de segurança pode ser outro fator que desmotive o profissional em relação ao trabalho em regiões afastadas do centro. Melhorias na gestão • Os hospitais públicos têm problemas de gestão de maneira geral. O tempo médio de permanência dos pacientes é muito prolongado. Isso acarreta falta de agilidade na utilização dos leitos. Muitos são bloqueados e muitas enfermarias são fechadas em razão da infraestrutura insuficiente e déficit de profissionais. É essencial haver maior eficiência na gestão dos hospitais para melhor utilização de sua capacidade e melhor desempenho. Não havendo leitos subutilizados, o fluxo de atendimento será mais compatível com a demanda e o temporesposta mais adequado; • Aperfeiçoamento e correção de falhas recorrentes do sistema de referência e contra-referência no âmbito municipal com implantação de um sistema mais estruturado e eficiente de informação, visando agilidade no atendimento, transferências, busca por leitos e vagas; • Maior divulgação de comparativos entre os resultados da administração própria e da gestão por organizações sociais. É necessário que se ofereça ao cidadão informações sobre o funcionamento desse novo sistema de gestão, que tem as OSs como parceiras; • Mecanismos de fiscalização do dinheiro público investido em saúde mais voltados à participação popular. A transparência vai permitir maior envolvimento dos usuários e de entidades, que poderão contribuir com seu parecer sobre a relevância do direcionamento dos recursos e a indicação de caminhos para a melhoria e suprimento das necessidades, onde quer que haja; • Incentivo à participação popular no Conselho Municipal de Saúde e fortalecimento deste órgão para dar mais voz, tanto aos usuários do sistema, que vivenciam a rotina dos atendimentos e podem apontar as maiores necessidades, como aos eleitos para representar o povo de forma efetiva, com propostas e ações para aperfeiçoamento e elaboração de leis e medidas governamentais.