Vidas atrás de números: notas particulares sobre a segurança cidadã em Esteio Eduardo Pazinato1 Esteio descobriu a importância da gestão da informação e do conhecimento no novo campo das políticas públicas de segurança desde o poder local. Este Anuário é prova cabal disso! Esta publicação sintetiza um vigoroso processo de análise, monitoramento e avaliação, registre-se, tanto da política de segurança quanto da de mobilidade urbana, que descortina vidas atrás de números. Emprestá-lhes um sentido estratégico para consubstanciar uma atuação tático-operacional mais assertiva, pró-ativa e, não raro, preventiva do Estado nessas áreas, vitais, como é de conhecimento público, para a segurança dos direitos 2 – de fruir e viver na cidade em paz, livre dos condicionamentos das violências... Sob a liderança do seu Secretário de Mobilidade e Segurança Urbana, Arno Leonhardt, e apoio fundamental do Prefeito Municipal, Gilmar Rinaldi, e competente equipe, Esteio estruturou o primeiro, e até o presente momento, único Observatório Municipal, que agrega Mobilidade e Segurança Urbana, no Estado e eventualmente do país. O reconhecimento dessa dinâmica, técnica e institucionalmente diferenciada, de tratar dados, convertendo-os em informações, úteis para subsidiar o planejamento e a tomada de decisão dos gestores públicos municipais, estaduais e nacionais que compõem o ativo Gabinete de Gestão Integrada Municipal (GGI-M) de Esteio, por si só, já representaria um passo decisivo para controlar, prevenir e, no limite, diminuir violências e crimes na cidade, salvando vidas e superando a “gestão por espasmos”, esta tão comum nos nossos tempos de espetacularização da dor pelo influxo deletério do medo. Não bastasse isso, Esteio fez mais. Provou que é possível, a despeito dos limites federativos, de ordem político-institucional e jurídico-legal, avançar em prol do desenvolvimento de políticas e serviços públicos de mobilidade e segurança urbana. Fez isso, saliente-se, a ferro e fogo, em que pese sua condição de um ente municipal pequeno, em termos demográficos, para os padrões metropolitanos, com população estimada em 80 mil pessoas (Censo IBGE, 2010), como também em face dos obstáculos, daí decorrentes, para a captação de recursos junto à União para o fomento de políticas públicas inovadoras nas áreas da segurança e da mobilidade, como alude e denota o texto a seguir. Por óbvio, tal intento não seria possível sem um líder. E este líder se chama Arno Leonhardt. Seu empenho e dedicação constantes guindaram-no, para além de querelas partidárias, à condição de um dos homens de confiança do Prefeito na gestão municipal de Esteio. Arno soube, como ninguém, formar uma equipe de profissionais, muitos dos quais egressos dos quadros de carreira do Município, para construir uma política de segurança cidadã, sem olvidar sua face comum, por vezes negligenciada, da mobilidade urbana. Impressiona pelos resultados alcançados em um espaço curto e exíguo de tempo. 1 Consultor do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), Coordenador do Núcleo de Segurança Cidadã da Faculdade de Direito de Santa Maria, Diretor de Inovação do Instituto Fidedigna. 2 Mais em: PAZINATO, Eduardo. Do Direito à Segurança à Segurança dos Direitos. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2012. Advindo da Brigada Militar, o Secretário Arno também demonstrou, na sua experiência concreta de diálogo permanente com a sociedade civil e os movimentos sociais esteienses, que a segurança não pode ser vista ou compreendida de forma apartada da cidadania e dos direitos humanos. Enfrentou preconceitos sociais e institucionais, revisou os seus, estabeleceu pontes com instituições e setores diversos, aproximou-se das juventudes, de lideranças comunitárias e empresariais, perseverou e tornou-se igual a poucos. Projetou Esteio para além de suas fronteiras físicas e geográficas. Tornou-se Presidente de Associação Estadual de Secretários e Gestores Públicos Municipais de Segurança do Rio Grande do Sul (Asgmusp), a meu ver, o maior deles. Liderou processos, aglutinou gente e, por isso, Esteio avançou. Há muito, claro, o que fazer, seja na segurança, seja na mobilidade, em Esteio, como no aprofundamento da redução dos homicídios, sobretudo junto às juventudes (pobres e negras) e nos roubos de veículos. Mas esta gestão mostrou a que veio. Se é verdade, e muitos de nós creem nisso, que o fenômeno das violências reveste-se de grande complexidade, Esteio soube dar sua contribuição, ao tratar a mobilidade e a segurança urbana com a complexidade que encerram. Ora, um processo sociocultural, eminentemente multicausal e multifatorial, como a produção e reprodução das violências, exige abordagens também múltiplas e atores vários. E os Municípios, como comprovou a pesquisa do 1º Censo sobre Ações Municipais de Segurança Pública do Rio Grande do Sul, desenvolvida pelo Núcleo de Segurança Cidadã da Faculdade de Direito de Santa Maria, com o apoio técnico do Instituto Fidedigna 3, pode colaborar para o controle, a prevenção e a redução das violências e crimes, mormente aqueles afetos à sensação de segurança, como os furtos e roubos em geral. É por essa razão que Esteio se insere entre as experiências gaúchas contemporâneas bem-sucedidas do século XXI. A par da liderança do seu gestor público municipal de segurança, o comprometimento político-institucional da atual administração e o desenho organizacional dessa política, coordenada pelo GGI-M, com o respaldo técnico do Observatório, configuram, nesse sentido, alguns dos aspectos primordiais para o êxito da gestão integrada de políticas públicas de segurança e mobilidade urbana em Esteio. Em síntese, o Anuário da Segurança e da Mobilidade Urbana de Esteio, que ora vem a público, contempla um conjunto de análises com fontes primárias (como Pesquisa de Vitimização, Mapa das Juventudes e Consolidação do Registro Online de Violências nas Escolas – ROVE) e secundárias (estatísticas criminais e de trânsito), as quais colaboram com a qualificação e o aperfeiçoamento de estratégias, programas, projetos e ações no campo da segurança cidadã. Esse conceito pode ser resumido, como já ensaiamos em outras publicações para o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), nos seguintes eixos estruturantes: Políticas públicas de segurança com foco na prevenção social das violências e crimes (projetos para as juventudes – Protejo, para o enfrentamento das violências contra as mulheres e promoção dos direitos humanos destas – Mulheres da Paz e 3 Vide: PAZINATO, Eduardo; KERBER, Aline de Oliveira. Dossiê do 1º Censo sobre Ações Municipais de Segurança Pública. Curitiba: Multidéia, 2013a. Patrulha Maria da Penha, oportunidades de inclusão social e produtiva nas áreas do esporte e lazer, cultura, educação, entre outros, expressas nos Territórios de Paz, etc.); Políticas públicas de segurança com foco na prevenção situacional das violências e crimes e na regulação e fiscalização administrativa do espaço urbano (investimentos em sistema tecnológicos como câmeras de vídeomonitoramento, a partir de uma Central Integrada de Comando, Controle, Comunicação e Informação, com o objetivo de potencializar a pronta e qualificada resposta das forças policiais, Guarda Municipal e demais órgãos com poder de polícia administrativa – vide também, em Esteio, a Patrulha Integrada de Proteção Ambiental – PIPA, Balada Segura, entre outros); Políticas públicas com foco na garantia e na promoção dos direitos humanos (como a política municipal de prevenção às violências nas escolas fundada no ROVE e nas ações dele decorrentes); Políticas de segurança pública com foco na repressão qualificada das violências e da criminalidade (desenvolvimento sistemático e permanente de ações de fiscalização administrativa e de repressão qualificada envolvendo uma integração sistêmica entre as polícias, Ministério Público, Poder Judiciário e Prefeitura Municipal a partir de encaminhamentos interinstitucionais e agenciais pactuados no âmbito do GGI-M, bem como de Policiamento Comunitário); Políticas de gestão de riscos e respostas a desastres humanos e naturais com foco na defesa civil (recuperação de espaços públicos, qualificação de ambientes urbanos e prevenção de desastres e tragédias através da Defesa Civil). Primeiro como colega, quando Secretário Municipal Adjunto e Titular de Segurança Pública e Cidadania de Canoas (2009-2012) 4, depois como parceiro de diretoria da Asgmusp (2011-2012), na condição de Presidente, e, em seguida, como professor e pesquisador, vivi e convivi com o Arno e boa parte dos(as) seus(suas) companheiros(as) de Secretaria, GGI-M e Observatório nos últimos anos. Uma alegria e orgulho constatar o amadurecimento pessoal e profissional da principal liderança municipal de segurança cidadã gaúcha e da presente política. Ler este Anuário é um convite à reflexão em tempos de flagrantes retrocessos e refluxos da segurança dos direitos. Compartilhá-lo, uma exigência ante uma boa prática, sinal de transparência e accountability. Espero que a experiência deste Anuário inspire outros Municípios do Rio Grande do Sul e do Brasil. Façam o mesmo! 4 A saber: PAZINATO, Eduardo; KERBER, Aline. MUITAS CABEÇAS MUITAS SENTENÇAS – As Representações de Participantes e Não Participantes dos Projetos Sociais de Canoas/RS. Porto Alegre: Multidéia, 2013b.