OS QUE SE FORAM José Mário Rodrigues Na época em que Amilcar Dória Matos publicava contos nos Suplementos Literários, lançava romances, inclusive um com o título de “A Morte do Papa,” eu só me interessava por poesia. Quando, às vezes, tinha vontade de entrar no rio da prosa, navegava nos contos e romances de Machado de Assis e de José Lins do Rego, por serem completamente distintos no assunto e na forma. Por isso mesmo, não conheço bem a obra de Amilcar, apesar de ter sido seu colega na Sudene, juntamente com Abdias Moura, Maria do Carmo Barreto Campelo, Janice Japiassu, Lúcia Chiapetta, Cyl Galindo e outros. É sempre assim: quando estamos mais perto do escritor, geralmente, ficamos mais longe de sua produção artística. Agora vejo que tudo passou muito rápido. A Sudene foi extinta e depois recriada e em tão pouco espaço de tempo perdemos expressivas presenças na literatura e na música. Só para lembrar os mais recentes: Alberto da Cunha Melo, Maria do Carmo, Valdimir Maia Leite, Ronildo Maia Leite, Cussy de Almeida, e agora Amilcar Dória Mattos. Todos eles deram sentido às suas vidas e trabalharam a criatividade e a emoção para enriquecer nossas letras, nossa música. Na tarde chuvosa do dia 30/07, éramos poucos acompanhando o enterro do autor de “O Sexo Poupado” ao Cemitério de Santo Amaro. Eu comentava com Luzilá Gonçalves a brevidade de tudo; de escritores pernambucanos mortos e que ninguém lembra mais. Bem perto do local onde Amilcar era enterrado, ela mostrava-me o túmulo de Mauro Mota, o notável poeta das elegias. Não fossem as crônicas de Marly Mota, relembrando a sua convivência com o poeta, ele estaria ocupando, como tantos outros, a vala dos esquecidos. Ao chegar a casa, recebi pelo correio o livro de Everardo Norões, publicado pela 7 Letras, com o sugestivo título “Poeiras na Réstia,” e dou de cara com um poema que diz assim: “ Somos menos que zero:/ a boca, o fel,/ o lenço, o pó,/ o cuspe a caça/ a pedra, o grito:/ menos que o zero/ do infinito”. Bateram forte em mim esses versos, pois, vez por outra, esquecemos o nada que somos. A constatação se dá quando freqüentamos com mais assiduidade os cemitérios, porque amigos e familiares vão se ausentando da estrada. Mas não saía de minha cabeça o que Lêda Alves, que também acompanhava o enterro, contou a mim e Luzilá sobre a cruz de pedra que o pintor e escultor José Cláudio fez para a cova de Hermilo Borba. Após a retirada dos restos mortais do louvado romancista, a cruz desapareceu do cemitério e acabou sendo encontrada na Delegacia do Espinheiro. Por que a cruz foi parar na Delegacia? Leda não sabia dizer. Hoje, o símbolo cristão, que precisava de guindaste para ser transportado, encontra-se nos jardins da Igreja de São José, no Forte das Cinco Pontas. E novamente repouso na poesia de Everardo: “A nudez das pedras,/ seu conluio de nuvens,/ seus limites de sombra:/ seus secos sentidos.”