COMO OS DOCENTES DO ENSINO FUNDAMENTAL
REPRESENTAM OS DESAFIOS E AS SUPERAÇÕES DE SUAS
PRÁTICAS NA CONTEMPORANEIDADE?
Ivany Pinto do Nascimento1- UFPA
Jaqueline Batista da Silva2 - UFPA
Klebér Augusto Fernandes Moraes3 - UFPA
Grupo de Trabalho - Formação de Professores e Profissionalização Docente
Agência Financiadora: CNPq
Resumo
O presente artigo tem como objetivo a discussão sobre as representações sociais de docentes
do ensino fundamental público de 6ª a 9ª série sobre os desafios e as superações de suas
práticas na contemporaneidade. O instrumento de coleta de informações foi a entrevista de
aprofundamento com 17 professores voluntários. A teoria das Representações Sociais de
Moscovici (1978) funcionou, neste estudo, como uma referência fundamental para
compreender como são produzidas as imagens e os sentidos consensuais sobre os desafios e
as superações de suas práticas na contemporaneidade. Utilizou-se a análise de conteúdo
(BARDIN, 1997) para compreender as objetivações e as ancoragens que constituem as
representações sociais desses professores. Inferimos com base nos depoimentos desses
professores que as representações sociais que possuem acerca dos desafios e superações da
prática docente na contemporaneidade se organizam em torno de imagens que referendam
características da identidade do professor como: a formação inicial e continuada, ensinar,
ensinar o aluno a ser cidadão e prepará-lo para um futuro melhor e para o mercado de
trabalho e a ter muita garra. A formação permanente comparece nessas representações
como forma de fornecer suporte, desenvolvimento e aprimoramento a esses traços específicos
do trabalho do professor uma vez que ele é de grande valor para a sociedade. O trabalho do
professor da contemporaneidade na fala desses professores entrevistados ancora ainda em
sentidos como: demanda de formação inicial na qual a prática se articule com a teoria, uma
vez que, o curso que fazem é essencialmente teórico; em novas metodologias de ensino que
despertem no aluno interesse pela aprendizagem e; na qualificação para trabalhar com
1
Doutora em Psicologia da Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). Docente e
Pesquisadora da Universidade Federal do Pará (UFPA). Coordenadora do Grupo de Estudos e Pesquisas em
Juventude, Representações Sociais e Educação (GEPJURSE). E-mail: [email protected].
2
Discente de Pedagogia da Universidade Federal do Pará (UFPA). Vinculada ao Grupo de Estudos e Pesquisas
sobre Juventude, Representações Sociais e Educação (GEPJURSE). E-mail: [email protected].
3
Graduado em medicina pelo Centro Universitário do Pará (CESUPA). Enfermagem pela Universidade Estadual
do Pará (UEPA). Mestre em Educação pela Universidade Federal do Pará (UFPA). Doutorando em Educação
pela Universidade Federal do Pará (UFPA). Vinculado ao Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Juventude,
Representações Sociais e Educação GEPJURSE. E-mail: [email protected].
ISSN 2176-1396
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situações presentes na sala de aula: alunos com necessidades especiais, alunos que só
possuem pai, e outros que só têm mãe, as diferenças, o preconceito, a sexualidade, bullying,
etc.
Palavras-chave: Trabalho. Professor. Alunos. Representações.
Introdução
Este artigo versa sobre os resultados parciais da dimensão: as representações de
docentes do ensino fundamental sobre os desafios e superações da prática docente na
contemporaneidade.
O eixo central deste estudo se articula na pesquisa de título: PERMANECER OU NÃO NA
DOCÊNCIA:
uma análise psicossocial sobre a permanência na profissão docente por parte de
professores e suas implicações em suas permanências na perspectiva de seus trabalhos e dos
desafios da contemporaneidade, financiada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento
Cientifico e Tecnológico CNPq no período de 2013 a 2015. Iniciamos nossa escrita com um
preâmbulo teórico para fundamentar as discussões analíticas sobre a dimensão mencionada.
Na contemporaneidade inúmeras problematizações são feitas sobre a educação. Umas
residem sobre o tipo de educação de maneira geral outras sobre a educação escolar. Ambos
os questionamentos se atém sobre o objetivo da educação e respectivos valores para a
formação do cidadão. Estas indagações emanam do contexto histórico-social que estamos
vivendo nos dias atuais. As opiniões sobre a educação no Brasil com base nas informações e
nas experiências convergem para um direcionamento. Aquele que aponta a necessidade de
resinificarmos o projeto educacional em nosso país.
Não estamos desconsiderando os avanços que tivemos, mas ainda precisamos
fortalecer os cenários educacionais propositivos como também ampliá-los. Na atualidade
brasileira os índices de aproveitamento escolar ainda permanecem alarmantes. A segunda
edição do relatório produzido pela empresa de sistemas de aprendizado Pearson em 2014
(ligado ao jornal britânico Financial Times) e pela consultoria britânica Economist
Intelligence Unit (EIU), mostra que o Brasil se distancia da média mundial em ranking de
educação ao comparar os resultados de provas de matemática, ciência e leitura, e também
índices como taxas de alfabetização e aprovação escolar. A capacidade cognitiva e o sucesso
escolar assinalaram declínio nestes relatórios.
No entanto, apesar do Brasil ter um baixo índice educacional, ele subiu uma posição
no ranking – de penúltimo para antepenúltimo ficando acima o México que apresentou queda
maior do que o Brasil em seu índice.
13468
Em contraposição a economia brasileira ocupa a sétima posição maior do mundo.
Estes indicadores ratificam a necessidade de repensarmos a educação brasileira. Posto que,
dela depende o desenvolvimento permanente das estruturas econômica, política e social do
país.
O contexto contemporâneo se por um lado abriga inércias, avanços e recuos no âmbito
da educação. Por outro lado se articula as novas demandas tecnológicas de produção, somadas
a diversas razões de ordem econômica e social, exigindo cada vez mais do sujeito o
aprimoramento de aprendizagens, na qual o raciocínio lógico em curto espaço de tempo, o
poder decisório, a solução de problemas, a inventividade, a reflexão dentre outros requisitos
garantam o atendimento e a oferta das necessidades concernentes à realidade vivida. Cumpre
destacar que a dimensão emocional e afetiva se insere no rol de aprendizagens importantes
para o amadurecimento do sujeito nos dias atuais.
A sociedade em meio a estas e outras transformações lança sobre nós novos desafios
que causam dúvidas e angústias, encantos e desencantos.
Não é simples responder as
indagações sobre a educação mencionadas no início deste artigo em uma sociedade como a
nossa plena de complexidades e de paradoxos socioculturais.
Quando pensamos no trabalho do professor, neste cenário de novas demandas de
conhecimentos e formação de sujeitos em meio à complexidade, paradoxos e fragilidade de
valores fazemos as seguintes indagações: Qual o papel do professor na contemporaneidade?
Quais os desafios e as perspectivas que o professor possui no seu trabalho para acompanhar as
inovações necessárias? Qual é a cultura de ensinar-aprender utilizada em seu trabalho? Quais
as práticas pedagógicas e educativas que podem responder às novas culturas de aprendizagens
e a formação cidadã dos alunos? Por certo que não temos a pretensão de responder estas
problematizações ao longo do texto, mas compartilhar e instigar o leitor e os autores deste
artigo a uma reflexão.
O trabalho do professor, sobremaneira, é um grande desafio nos dias atuais. A
idealização da profissão e as condições reais de trabalho se distanciam cada vez mais. A
complexidade e a multiplicidade de tarefas que realizam nas escolas, as tensões, a violência,
as agressões, e a desvalorização vivida no contexto escolar contribui para o desestimulo, o
adoecimento e o abandono da profissão. Somado a estas, os professores reivindicam por
melhores condições de trabalho, por remuneração que atenda às suas necessidades tanto de
vida quanto de atualização em sua profissão, plano de carreira, segurança adequada dentre
outros itens importantes para o desenvolvimento e para a qualidade de seu trabalho.
13469
Acreditamos que as demais profissões partilham deste cenário desafiador em que pesa
as diferentes demandas, desafios e funções. A diferença é que o professor é responsável pela
primeira socialização do sujeito fora da família. A função de educar, ensinar e possibilitar a
aprendizagem do sujeito recai sobre o professor.
Desde a década de 1980, a sociedade passa por transformações que modificam as
formas e as relações de trabalho nos diversos âmbitos profissionais. Significa que estamos
inseridos em um contexto histórico complexo, cujo cenário de relações sociais e de trabalho
refletem esta complexidade, ao introduzir uma nova compreensão de carreira e de
desenvolvimento profissional, a responsabilidade é sem sombra de dúvida grande e exige que
o professor esteja preparado, atualizado e disposto a escutar e enxergar as realidades culturais
que transitam na escola e que configuram modos de ser, de viver, de sonhar e de
aprendizagem de seus alunos.
Enfim, que o professor possa fazer da sua prática não apenas alicerces para o
desenvolvimento cognitivo de seus alunos, como também alicerces de princípios humanos
capazes de editar valores, atitudes favoráveis, solidárias e respeitosas para consigo e com o
outro.
Desse modo, ao professor se destina o desenvolvimento de habilidades para refletir
sobre si mesmo, sobre sua conduta e postura diante da sua profissão, das realidades e
diferenças de seus alunos e dos desafios que terá de superar (FANFANI, 2006; GATTI, 2007;
TEDESCO, 1995; TEDESCO, 2006).
Estas e outras habilidades envolvem a dimensão subjetiva do sujeito-professor e da
profissão. Estas subjetividades participam e tonalizam a vida do sujeito-professor mediante os
sentidos que atribuem a si, a profissão, as suas práticas e as relações que estabelecem com o
universo escolar.
A complexidade não se encontra somente no contexto educacional, nas transformações
socioculturais, mas em processos mais amplos como os sentidos que os professores tecem a
identidade de sujeito e de profissional e suas formas de atuação no contexto educacional
contemporâneo (GATTI; BARRETTO, 2009; IMBERNÓN, 2000; MARIN, 2004;).
Os estudos realizados para compreender as pesquisas sobre o trabalho do professor, os
seus saberes, a sua formação e permanência na docência, por André et al. (1999), Menin e
Shimizu (2005); Mizukami (2002) e Placco (2005), evidenciam a complexidade de se pensar
e abordar esta temática. Significa requerer a delimitação de referenciais teóricos que sejam, ao
mesmo tempo, abrangentes para compreender tanto as injunções sociais e históricas, quanto
às questões subjetivas e práticas que envolvem o estudo sobre a profissão docente.
13470
Delineamento da Pesquisa
Apresentaremos a seguir os resultados parciais da dimensão mencionada, qual sejam
as representações de docentes do ensino fundamental sobre os desafios e as superações de
suas práticas na contemporaneidade.
A coleta de informações foi realizada por meio da entrevista de aprofundamento com
os 17 docentes voluntários que lecionam em escolas públicas e particulares do ensino
fundamental de 6ª ao 9ª ano.
Constatamos a predominância do sexo feminino no magistério, desde a implantação,
em 1827, pela Lei de 15 de outubro, das primeiras escolas primárias para o sexo feminino em
todo o Império. Como naquela época, no Brasil e também na Europa, as aulas eram
ministradas em turmas separadas por sexo. Deste modo, as primeiras vagas foram criadas para
professoras para lecionarem nas turmas femininas. Como frisa Demartini (1991, p. 32) "A
escola normal, então, passou a representar uma das poucas oportunidades, se não a única, das
mulheres prosseguirem seus estudos além do primário". De acordo com a autora, desde a
criação das primeiras Escolas Normais no Brasil, ficou determinado em lei que o magistério
público poderia ser exercido por mulheres.
A teoria das representações sociais, criada por Moscovici (1961), a partir do
redimensionamento do conceito de representações coletivas de Durkheim (1898) funcionou,
neste estudo, como uma referência fundamental para compreender como são produzidas as
imagens e os sentidos consensuais sobre os desafios e as superações de suas práticas na
contemporaneidade (MOSCOVICI, 1978). Estas imagens funcionam como objetivações, e os
sentidos como ancoragens que, segundo Moscovici (1978), são dois processos pelos quais as
representações se organizam e se consolidam.
Com base em Moscovici (1978), entendemos que as representações sociais são
conhecimentos socialmente construídos sobre a realidade e partilhados nas interações entre os
grupos. A lógica que institui estes conhecimentos ultrapassa a razão formal, aquela que se liga
diretamente ao fato em si. Assim, o campo psicossocial, que organiza as construções mentais,
só pode ser compreendido à luz do contexto que o engendra, e das funções que ocupa nas
interações sociais do cotidiano (JODELET, 1989).
Para a análise qualitativa das informações, utilizamos a análise de conteúdo que se
caracteriza como “um conjunto de técnicas de análise das comunicações” (BARDIN,1977. p.
38), cujo objetivo é a inferência de novos conhecimentos que fundamentam a compreensão
quanto ao pensamento consensual de professores sobre o trabalho docente e suas perspectivas.
O discurso desses professores entrevistados foram agrupados pelas unidades de significados.
13471
Essas unidades formaram redes temáticas analíticas que deram base para identificar as
objetivações e ancoragens que se inscrevem no processo de composição das representações
sociais de professores das series iniciais sobre o trabalho do professor e suas perspectivas na
contemporaneidade (NASCIMENTO, 2011).
Caracterização da População
Os professores lecionam de 6ª a 9ª série do ensino fundamental do turno matutino se
encontram na faixa etária de 25 a 45 anos, distribuídos entre o sexo feminino e o masculino,
este em menor número. Observamos que é um dado comum existir, maior número de
professoras conforme mencionado anteriormente - no caso presente são 16 professoras e 01
professor. Vale notar que apresentaremos em conjunto a análise uma vez que as diferenças
existentes entre o professor e as professoras é bastante tênue.
O que dizem os professores sobre os desafios e as superações de suas práticas na
contemporaneidade:
Formação muito mais teórica...
Os entrevistados revelam que nutrem muitas dúvidas, pois sentem que o Curso de
Pedagogia, que cursam é muito teórico e a prática é bem menor, Contudo, é consenso que o
curso tem nível bom e prepara para ser professor e aprovação em concurso da área. A fala de
uma das professoras representa esse pensamento: O curso que nós fazemos é muito teórico e
falta a prática e isso nos deixa um pouco em dúvida quanto ao futuro. No geral é um curso
bom, dá condições de passar em concurso da área e ser professor.
Nesse sentido, algumas pesquisadoras ao estudarem as ementas das disciplinas dos
Cursos de Pedagogia evidenciam que existe um grande foco na oferta de conteúdos teóricos.
Segundo as autoras, “isso é realmente muito importante para o trabalho consciente do(a)
professor(a), mas não suficiente para o desempenho de suas atividades de ensino” (GATTI,
BARRETO; ANDRÉ, 2011, p. 114). Possivelmente o Curso de Formação de Professores
ainda não venceu o desafio de articular adequadamente a teoria com a prática na medida em
que essa queixa é antiga.
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Dificuldades para dar continuidade a formação...
Os professores se ressentem com as dificuldades que enfrentam para dar continuidade
a formação ou atualiza-la. Observamos ainda no discurso da maioria dos professores que não
existe o incentivo para fazerem uma pós-graduação. A formação no nível de atualização,
denominada de continuada, geralmente não são todos os que fazem em função do número de
vagas determinadas pela secretaria, para cada escola. Além disso, as demandas de atualização
dos professores não são atendidas. As falas abaixo de alguns professores representam o
pensamento da maioria:
Para fazermos uma Pós-graduação cada um vai se quiser, pois, não existe incentivo
da secretária.
A formação continuada não consegue nos atualizar. Não escutam o que nós estamos
precisando para ensinar melhor e educar os alunos.
A ação de ensinar é o que caracteriza a profissão do professor de outros atores sociais e de
outros profissionais, muito embora o ato de ensinar não seja consenso para todos. Na
contemporaneidade o ensino exige do professor muito mais do que saberes já elaborados. Exige
também o desenvolvimento da capacidade reflexiva e crítica e ações que possam estimular a
criação de formas de se relacionar e conviver entre os outros e formas de ensinar e aprender
responsáveis. Essas formas partem da criação e são elaboradas na convivência e na necessidade
tanto do professor quanto do aluno para crescer e aprender. Desse modo, é um saber que se funda
nas razões contextuais sócio históricas (ROLDÃO, 2007).
Qualificação para trabalhar com novas situações presentes na sala de aula...
Segundo esses entrevistados, o professor deve preparar-se para trabalhar com as novas
situações que comparecem na sala de aula e na sociedade. Por exemplo: alunos com
necessidades especiais, alunos que só possuem pai, e outros que só têm mãe, as diferenças, o
preconceito, a sexualidade, bullying, etc. Duas das professoras verbalizam:
O professor tem que preparar o aluno para a vida e aceitar a realidade. Uns tem só
o pai, outros só tem a mãe ou a avó. Tem aluno que é surdo, outro é cego, aquele
aluno com síndrome. Como vamos lidar com eles?
Ah! Tem aluno que é afeminado, tem aluna que é igual a um menino, tem aluno
negro e outras coisas mais. Tem menino que apelida, ameaça os outros. Olha não é
fácil, temos que ter sempre uma qualificação. A sociedade mudou
A valorização da diversidade e respeito às diferenças é fundamental no ensino do
professor na contemporaneidade. O ensino como já mencionamos, que contempla o
13473
aprendizado para além dos conteúdos pode e deve se responsabilizar em disseminar saberes e
ações que comprovem a presença das diferenças entre nós, os humanos. Essas diferenças são
muito mais complexas do que a diferença de estatura, peso, etnia, sexo dentre outras. As
diferenças são fundantes na espécie humana e que, portanto comparecem e são importantes
para o aprendizado e crescimento de ambos, professor e alunos.
O professor só pode
contribuir com a educação e o exercício da cidadania de seus alunos se ele desenvolver em si
a habilidade de pensar diferente dos padrões instituídos em um dado contexto histórico-social
uma vez que o contexto atual é outro. Ele nos convoca para dialogar e resignificar conceitos e
estereótipos que existiram e ainda existem fazendo com que só respeitemos e valorizemos o
igual, o ideal.
É durante os seus anos de formação que as crianças adquirem o entendimento das
diferenças, o respeito e o apoio mútuos em ambientes educacionais que celebram a
diversidade humana. Pois, segundo Senra (2008, p.19):
A escola regular, enquanto um ambiente plural e segundo a Constituição Federal,
deve retratar a sociedade como ela é. Nesse sentido, deve reconhecer que cada
indivíduo tem necessidades particulares. Mesmo que a escola seja eminentemente o
lugar do coletivo, é fundamental que haja uma reflexão sobre a escola que
queremos, onde a educação seja pensada a partir de cada um, visando ao pleno
desenvolvimento de todos.
A função e o trabalho do professor...
Estes professores, ao avaliarem como representam o trabalho docente neste cenário de
desafios e superações, são unânimes em afirmar que o lugar do professor é de grande valor
para a sociedade. Muito embora exista uma contradição quanto a este reconhecimento, uma
vez que não somente a infraestrutura na qual o professor realiza o seu trabalho é inadequada,
como também a remuneração que este recebe, evidencia muito mais a desvalorização do que a
valorização por aquilo que fazem e representam. Associado à falta de reconhecimento e
desvalorização pelo trabalho que o professor realiza, comparece também o desprestígio por
esta profissão. A frustração desses professores transita entre o idealizado e o vivido pela
profissão que produz em cada uma deles a decepção com o que escolheram para trabalhar.
Estas condições e contradições de acordo com Gatti, Barreto e André (2011) devem
ser alvo de estudos para se aprofundar a compreensão sobre as dimensões social, afetiva e
cultural, dentre outras, que envolvem o trabalho do professor e a escolha por essa profissão.
A situação que as escolas brasileiras se encontram, bem como, o ensino e
aprendizagem de professores e alunos, merece destaque no sentido de sua precarização. Esse
13474
contexto, nos quais as escolas se inserem, é desalentador sem dúvida, associado ao alto índice
de reprovação, abandono dos alunos e despreparo do professor. Somado a isso o atraso do
crescimento das regiões que dependem da educação para resignificar e qualificar seus modos
de vida e a sua dinâmica econômica política e social.
Em outra perspectiva verificamos que ao longo da história da profissão de professor a
escolha por esta, se relacionava a um dom representado como algo inerente a cada um ou até
mesmo algo dado por Deus.
Nossa intenção, de trazer para o texto essa ideia, foi muito mais para refletir sobre esse
equívoco. Visto que, acreditamos que toda a profissão, sobretudo a do professor necessita do
desenvolvimento de habilidades para se inserir nela e em outras que são adquiridas em função
das mudanças históricas e sociais. Se no passado foi importante que acreditássemos que
somente o dom dado a cada um era o que determinaria a nossa profissão, na
contemporaneidade, constatamos que, a identidade profissional se constrói a partir da
significação social da profissão, da ressignificação permanente desses significados sociais.
A profissão se constrói e reconstrói a partir da partilha de significado que cada
professor, atribui à sua atividade profissional no seu cotidiano. Os princípios e os valores se
incluem nesse movimento de construção e reconstrução, assim como a sua existência e o
lugar que ocupa para si para outro e para o mundo. Os saberes do professor e sua relação com
a profissão também se costuram nas suas angustias, nos seus projetos, nas suas dúvidas, nas
suas alegrias e decepções (PIMENTA, 2002).
Em síntese, podemos considerar que possuímos inclinações e interesses para
desenvolver habilidades que caracterizam esta ou aquela profissão. Assim é a profissão de
professor se não houver desejo para ser professor, estaremos fadados a não desempenhar bem
a profissão e nem vencer os desafios inerentes a esta.
Não estamos desconsiderando esse cenário desestimulante para quem é professor o
que destacamos é que precisamos refletir sobre porque optamos por ser professor, como nos
sentimos e o que fazemos nessa profissão. Possivelmente a partir desses e outros
questionamentos podemos compreender a nossa identidade com a profissão docente e a nossa
disponibilidade e possibilidades a despeito de todas essas e outras dificuldades mencionadas.
As falas das três professoras abaixo traduzem estes pensamentos:
O papel do professor é importante para a sociedade. É com ele que tudo começa. A
criança inicia o seu caminho no aprendizado e vai se desenvolvendo. O ensino é a
base para a formação das pessoas que fazem parte da sociedade.
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Apesar de o professor ser uma figura importante para a sociedade, eles são muito
desvalorizados e isto faz com que os alunos desconheçam o nosso valor na vida
deles.
O desvalor começa pelo salário, pelas condições de trabalho, pois tem escolas que
a gente não tem nada, falta tudo e nós temos que dar jeito em tudo para os nossos
alunos aprenderem.
É um grande desafio nos dias de hoje, mas na minha sala a muito tempo atrás,
várias pessoas, e colegas meus dizem que a pedagogia se você não se identifica com
ela é bem complicado você viver da pedagogia [...]
Novos métodos de ensino motivadores e de acordo com a....
O trabalho do professor para esses informantes é desafiador sempre. O professor deve
descobrir novos métodos de ensino que motivem os alunos na medida em que os que são
conhecidos e utilizados já não conseguem despertar o interesse deles pela aprendizagem. Daí
que a maioria dos entrevistados possui o consenso de que a qualificação do professor é
imprescindível para a aprendizagem do aluno. Uma das professoras nos diz:
O que o professor faz é um desafio. Ele tem sempre que buscar novos métodos de
ensino que despertem no aluno a motivação para aprender. As metodologias que já
estão em uso não conseguem despertar o aluno para aprendizagem. A qualificação
do professor é fundamental.
A motivação/desmotivação pelo trabalho...
Os professores ao nos falarem da motivação que sentem pelo trabalho docente
afirmam que ela vem do aprendizado sobre o desenvolvimento da criança. Além de gostarem
de criança, também gostam de ensinar-lhes. Com base nas suas vivências esses professores
observaram que a família dos alunos não se constitui em fonte de motivação no trabalho que
fazem. Elas destacam, que os pais, em sua maioria, são distantes e pouco ajudam seus filhos.
Às vezes prejudicam e causam mais problemas do que os próprios alunos. Eles, hoje em dia,
se responsabilizam menos pelos filhos. Por esse motivo, os professores consideram que os
pais não sabem educar seus filhos por que os deixam fazer o que querem.
A fala de duas professoras exemplificam as ideias que eles partilham sobre a família:
[...] na maioria das vezes a mãe e o pai acham que a escola é que deve educar e eles
não assumem a educação do filho. Eles fazem o que querem e não acontece nada.
[...] Se os professores fossem esperar pela família deles eles não seriam nada. Tá
difícil hoje os pais saberem educar.
A dificuldade de educar na contemporaneidade decorre do rompimento com as
concepções tradicionais que orientavam a educação e as práticas educativas, fossem elas
13476
familiares ou escolares. As regras de condutas sofreram transformações com o tempo, o que
torna necessário a problematização sobre a finalidade da educação escolar e da prática
educativa para a formação do sujeito frente ao processo de mudança social permanente, nos
dias atuais. Isto representa uma lacuna, tanto para a família quanto para a escola.
A afirmação de que a educação é um processo natural - e que, portanto, as duas
instâncias família e escola saberiam, de antemão o que ela significa - não é verdadeira. A
educação é construída em um complexo relacional que carrega um significante da ordem da
polissemia. Com isso, se faz importante a família e a escola estabelecerem princípios e
valores que vão nortear a vida. Esses princípios e valores, sobretudo humanos devem ser
seguidos pelos pais em suas vidas, pois, senão estarão ameaçados a não serem incorporados
pelos filhos.
A distribuição do tempo/trabalho...
Um ponto de destaque na fala dos professores entrevistados é a disponibilidade de
tempo para o planejamento de várias atividades escolares ao levar em consideração que
grande parte do tempo desses professores é dedicado à sala de aula. Segundo eles, sobra
pouco tempo para o planejamento de atividades, correção de trabalhos e das provas, leitura,
pesquisa e reuniões com a coordenação ou pais dos alunos, sem contar que o tempo que sobra
deixa para as atividades da vida privada, tornando-as bastante restritas. Nos finais de semanas,
de acordo com suas informações, elas se dividem entre o planejamento escolar e as atividades
de casa. Vejamos a transcrição abaixo da fala de uma das professoras sobre o assunto
mencionado:
A nossa vida vai ser de dedicação com a escola, com os alunos o tempo que sobra
para outras coisas da nossa vida, ainda vai dividir com os afazeres da escola como:
preenchimento do diário de classe, correção de provas de trabalhos, planejamento
semanal, avaliação... A escola cobra, e observei que as professoras elas fazem pois
gostam de ter tudo organizado.
A essas atividades mencionadas pelos entrevistados se somam, ainda, o tempo gasto
para deslocamentos entre residências e escolas em que atuam e vice versa. Conforme a fala de
três professoras, A sobra de tempo segundo estes entrevistados:
[...] é muito pouco tempo para o lazer, cultura e vida pessoal.
A sugestão de um ritmo de trabalho que contemplasse as necessidades do professor
para além da sala de aula se constitui em uma das demandas comuns desses professores que,
13477
certamente, contribuiria com a vida e com a boa saúde do professor como também com o seu
trabalho dentre outras dimensões.
Hargreaves (1994) analisa a intensificação do tempo de trabalho do professor e afirma
que ele reduz tanto o tempo disponível dedicado para uma atividade de sua vida privada
quanto o tempo dedicado a sua atualização. Isto acarreta uma sobrecarga que reduz a
qualidade de seu trabalho e do seu profissionalismo.
Considerações Finais
Inferimos com base nos depoimentos desses professores que as representações sociais
que possuem acerca dos desafios e superações da prática docente na contemporaneidade se
organizam em torno de imagens que referendam características da identidade do professor
como: a formação inicial e continuada, ensinar, ensinar o aluno a ser cidadão e prepará-lo
para um futuro melhor e para o mercado de trabalho e a ter muita garra.
permanente
comparece
nessas
representações
como
forma
de
A formação
fornecer
suporte,
desenvolvimento e aprimoramento a esses traços específicos do trabalho do professor uma
vez que ele é de grande valor para a sociedade.
O trabalho do professor da contemporaneidade na fala desses professores entrevistados
ancora ainda em sentidos como: demanda de formação inicial na qual a prática se articule com
a teoria, uma vez que, o curso que fazem é essencialmente teórico; em novas metodologias de
ensino que despertem no aluno interesse pela aprendizagem e; na qualificação para trabalhar
com situações presentes na sala de aula: alunos com necessidades especiais, alunos que só
possuem pai, e outros que só têm mãe, as diferenças, o preconceito, a sexualidade, bullying,
etc.
As imagens e os sentidos mencionados que compõem as tendências de representações
sociais desses professores sobre o trabalho do professor se articulam ao questionamento e as
contradições existentes sobre o modo de existência do professor, assim como de seu trabalho.
Todos os entrevistados destacam aspectos a serem superados no trabalho docente, mas
não sabem por onde começar. Dentre eles podemos destacar os seguintes: a) a ajuda dos pais
dos alunos na educação e no aprendizado de seu filho; b) a distribuição do tempo; c) a
desvalorização e a falta de reconhecimentos; d) os baixos salários praticados para a profissão
e; e) a falta de infraestrutura física e pedagógica na escola.
Esses aspectos representam para os entrevistados não somente o que eles vivenciam
nos dias atuais, mas a realidade, a ameaça à saúde, a motivação, a dedicação e o compromisso
que o professor assume no seu trabalho.
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Por entre a desvalorização do trabalho do professor e as demandas que se constroem
na sociedade contemporânea sobre ele, é uma tarefa de difícil compreensão a complexidade
que se enlaça na constituição deste profissional e de seu trabalho.
Por fim, esses professores partilham sentidos sobre os desafios que a profissão e o
trabalho do professor vivem nos dias atuais, decorrentes das demandas do contexto histórico
social contemporâneo, no qual o processo ensino-aprendizagem, tanto do professor quanto do
aluno, requerem transformações não somente pelas inovações tecnológicas, como também,
pelo acelerado número de informações e transformações nas relações e modos de vida.
Os professores emitem sugestões para superar estes desafios, sem, contudo,
visualizarem formas de realização. É consenso entre eles à formação continuada e a hora
pedagógica para se discutir situações do processo ensino-aprendizagem e atualização dos
conhecimentos relativos ao ensino.
Cumpre observar que as tênues, e quase imperceptíveis, diferenças de pensamentos
entre os professores - que em sua grande maioria são do sexo feminino - quanto ao trabalho
do professor e os desafios que encontram para realizá-lo, circulam na esfera das contradições
entre os sentidos que estes professores produzem sobre o seu trabalho e as condições que ele
possui para realizá-lo.
Os adoecimentos, que os professores entrevistados nos contaram, nos possibilita
inferir que, para além da presença de patologias orgânicas, eles existem, e juntamente com ele
a corporeidade do professor entendido como a construção de sua existência que dá corpo e
sentido à sua identidade profissional e ao seu trabalho, e vice-versa.
Por esta lógica, constatamos que as recontextualizações e as resignificações
necessárias ao processo de ensino e da aprendizagem do professor se dinamizam juntamente
com o contexto sócio histórico, tanto da profissão quanto do trabalho que realizam.
É neste contexto, em que a escuta sobre o que os professores das series iniciais pensam
sobre o trabalho do professor e os desafios que acreditam encontrar para realizá-lo, que se
tecem as interações, partilhas de pensamentos, sentimentos e ações sobre a profissionalidade
do professor, assim denominada por Sacristán (1991, p. 64) como “a afirmação do que é
especifico na ação professor, isto é, um conjunto de comportamentos, conhecimentos,
destrezas, atitudes e valores que constituem a especificidade de ser professor”.
Esse conjunto de aspectos específicos que personalizam o trabalho do professor é
representado por esses professores com marcas das trajetórias de suas vidas, mas é na
formação inicial que eles resignificam suas representações acerca da profissão de professor e
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de seu trabalho principalmente quando fazem estágios na escola, ou passam por vivências
afins como de monitor que possibilita pensar o contexto e o trabalho do professor.
Esse estudo não esgota as problemáticas sobre o trabalho docente. Novos estudos se
fazem necessários para melhor compreensão à luz da perspectiva crítica
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