Miriam Halpern Pereira Demografia e desenvolvimento em Portugal na segunda metade do século XIX Desde o segundo quartel do século XIX, o ritmo do crescimento demográfico ganhou regularidade em Portugal: as grandes oscilações do movimento da população características do Antigo Regime haviam-se atenuado. Entre 1835 e 1911, a população quase duplicou. Mas a desarmonia, a partir de 1870, entre o aumento populacional e o desenvolvimento económico impediu o país de beneficiar plenamente daquela expansão e ocasionou um amplo "movimento emigratório, que acabou por determinar, entre 1911 e 1920, uma quase completa estagnação demográfica. 1. Introdução Durante o primeiro quartel do século dezanove, as guerras, a ocupação estrangeira, a revolução liberal de 1820, a perda do Brasil e a dura concorrência da indústria mecanizada britânica provocaram múltiplas dificuldades económicas 1. Nos anos seguintes, de 1835 a 1850, assiste-se a um retomar do ritmo regular da actividade económica, a qual se desenrola dentro de uma nova estrutura sócio-económica, liberta de alguns dos principais entraves senhoriais2. É, como factor do desenvolvimento económico ini1 GODINHO, V. Magalhães, Prix et Monnaies au Portugal, Paris, Librairie Armand Colin, 1955, pp. 276-281; MACEDO, J. B. Problemas de História da Indústria Portuguesa no século XVIII, Associação Industrial Portuguesa, Lisboa, 1963, 2pp. 233-247. GODINHO, ob. cit., p. 281. 85 ciado então, e também como sua resultante, que o crescimento demográfico nos interessará aqui3. Antes de principiar a sua análise, antolha-se-nos, porém, indispensável descrever e criticar as fontes de que nos foi possível dispor, as quais incluem documentação do período pré-estatístico e, a partir de 1864, documentação organizada segundo técnicas relativamente próximas das aplicadas actualmente. Os problemas demográficos são objecto de uma particular atenção da parte da administração no decorrer dos primeiros sessenta anos do século dezanove, em especial a partir de 1835: de 1801 a 1861, o número de recenseamentos executados eleva-se a nada menos de onze, nove dos quais realizados entre 1835 e 1861. Tão repetidas tentativas de conhecer a população do país revelam uma técnica de medição insuficiente. OLIVEIRA MARRECA no Parecer e Memória sobre um projecto de estatística, (elaborado a pedido de Alexandre HERCULANO) apresentado à Academia das Ciências de Lisboa na sessão de 14 de Abril de 1853, observou acertadamente que, em lugar de se terem realizado cinco recenseamentos de 1838 a 1850, mais valia ter-se feito só um, esse executado «com escrúpulo e cuidado» 4. Notava ainda que a publicação dos registos paroquiais desde o início do século permitiria obter elementos suficientes para o necessário conhecimento do movimento anual da população. A crítica destes cinco recenseamentos, e dos quadros do movimento da população que os acompanham, parece-nos tão bem feita por OLIVEIRA MARRECA que se nos afigura dever transcrevê-la: «Para os nossos últimos recenseamentos do reino e ilhas adjacentes não há sexos, porque nem a população total, nem os nascimentos, nem os óbitos se classificão ali segundo a divisão natural de masculinos e femininos. Não ha idades, em que se agrupem os indivíduos, conforme pertencem ao período da infância, ao médio, e ao da declinação e velhice. Não ha ocupações e profissões, em que se distribuão os habitantes. Não ha descriminação entre habitantes ruraes e urbanos. Não ha noticia das enfermidades, que mais grassão nas povoações. Sem falar das estatísticas estrangeiras, os próprios mapas da população da Índia portuguesa, a que adiante recorremos, são um modelo, confrontados com estes quadros confusos, e sem individuação, em que figurão o reino e ilhas adjacentes 5». 3 Seguiremos a orientação metodológica proposta pelo prof. P. VILAR in Croissance économique et analyse historique, Première Conference Internationale (THistoire Économique, Estocolmo 1960 (tradução espanhola in Crescimiento y desarrollo, Ediciones Ariel, Barcelona 1964, pp. 51-69) e de que La Catalogue dans VEspagne Moderne, do mesmo autor ,(S. E. V. P. E. N., Paris 1962), Livro II, Capítulo I, constitui um modelo da sua aplicação. 4 MARRECA, Oliveira, op. cit., p. 93. 5 MARRECA, Oliveira, op. cit., p. 93. 86 Os quadros do movimento da população, sublinha OLIVEIRA contêm erros provenientes dos próprios critérios inerentes a organização dos registos paroquiais. Assim, o registo da mortalidade infantil parecia-lhe particularmente inexacto: a omissão dos habitantes não-católicos ocasionava igualmente a omissão das crianças mortas pouco tempo após o nascimento, e por isso não baptizadas nem enterradas segundo os ritos católicos; enquanto, pelo contrário, o duplo registo dos filhos ilegítimos, primeiro nos livros de baptismo e a seguir nas misericórdias e nas instituições de beneficência6 onde eram entregues, originavam um certo número de repetições . Projecto de estatística que satisfazia perfeitamente a proposta de HERCULANO de lançar as bases de «senão uma estatística do país completa e em tudo semelhante ao que nesta matéria possuem outros países mais adiantados, ao menos um trabalho suficiente para servir a solução dos problemas económicos e de esclarecimento aos legisladores na feitura das leis que7 dependem mais ou menos dos resultados gerais da estatística» — a atenção que lhe foi concedida não parece ter sido de monta. E uma compreensão clara e precisa das principais questões a que uma estatística nacional deveria responder, compreensão que OLIVEIRA MARRECA demonstrava possuir, só muito lentamente foi penetrando na administração. A simples publicação dos nascimentos e dos óbitos apenas quase no fim do século passou a ser feita regularmente, embora desde 1860 dela tivesse sido encarregada a direcção do registo civil e eclesiástico do Ministério da Justiça e dos Negócios Eclesiásticos. Iniciara-se o registo civil da mortalidade, sendo as certidões de óbito, passadas pelo regedor da paróquia, e a lei de 28 de Novembro de 1878 criou o registo civil dos nascimentos e dos casamentos, que, porém, segundo RICARDO JORGE, foi pouco utilizado até ao fim do século 8. Nas estatísticas publicadas por aquele Ministério tinhaem conta o sexo, a idade, a filiação e o local de nascimento, mas infelizmente apenas foi impressa a documentação referente a três anos, 1860, 1861, e 1862. A escassez de dados sobre o movimento da população de 1863 a 1885, que encontrámos no decorrer do nosso MARRECA, 6 MARRECA, Oliveira, p. 92. Em 1862, num total de 127 202 baptismos, 10 206 baptisados eram filhos naturais, 10 504 crianças expostas; as repetições podem significar um erro apreciável, dado que a filiação ilegítima representa quase 720 % das crianças baptizadas. 8 MARRECA, Oliveira, ob. cit., p. 1. JORGE, Ricardo, Demografia e Hygiene da cidade do Porto — Anuário do Serviço Municipal da Saúde e Estatística da cidade do Porto, Repartição de Saúde e Higiene da Câmara do Porto, 1899, pp. 222-223. Contrariamente ao que é corrente afirmar-se, o registo civil é assim anterior ao regime republicano de 1910. 87 trabalho, notara-a, na época, ELVINO DE BRITO na sua bem elabo- rada Memória elucidativa sobre a estatística em Portugal, introdução ao Anuário Estatístico de 1884 e na qual explica uma parte das lacunas desta obra, que dirigira com evidente diligência 9. PERY, na segunda edição da Geografia e Estatística de Portugal e colónias, publicado em francês, inclui, contudo, o movimento da população dos anos de 1869,1870,1871,1874 e 1875; não especifica claramente a fonte utilizada e refere como modelo um trabalho de Daniel AUGUSTO DA SILVA 10. Ora este, tal como PERY, apenas cita as publicações do Ministério da Justiça e dos Negócios Eclesiásticos já referidas, acrescentando que para o estudo da mortalidade se serviu de elementos coligidos nos Montepios Geral e da Marinha, mas não publica dados posteriores a 1862 11. Uma primeira pesquisa da documentação manuscrita que poderia ter estado na origem dos elementos publicados por PERY, e que talvez permitisse completar a série estatística, não deu os resultados desejados; não excluímos, porém, a possibilidade de a encontrar se pudermos prosseguir a sua procura. Assim, apenas se dispõe de elementos dispersos, em vez de séries estatísticas com um mínimo de continuidade. Mais do que as deficiências indicadas, é essa carência que, a nosso ver, torna difícil medir o ritmo de crescimento demográfico antes de 1864, data da realização do primeiro recenseamento efectuado segundo uma técnica moderna. Uma vintena de anos mais tarde em 1884-1885 (e trinta anos após a impressão da Memória de O. MARRECA) , a estatística do movimento da população organiza-se, tornando-se em 1887 objecto de uma publicação que lhe é exclusivamente dedicada. Os primeiros ensaios de quantificação dos grandes grupos económicos em que se divide a população concretizam-se em 1890. Não que este problema houvesse sido inteiramente desprezado pelos organizadores dos dois primeiros recenseamentos: o segundo recenseamento demográfico, executado em 1878, fora realmente acompanhado de um recenseamento profissional. Contudo, essa documentação fora destruída antes de ter podido ser utilizada, segundo afirma ELVINO DE BRITO. «No relatório que precede o recenseamento geral da população de 1878 afirmou-se que o próximo Anuário publicaria a nomenclatura tecnológica das profissões em via de preparação e o vocabulário das artes e ofícios. Sobrevieram por certo motivos ponde9 «Memória...», p. XVI in Anuário Estatístico de 1884, M. O. P. C. I., Repartição de Estatística, Lisboa 1886. 10 PERY, Gerard— Statistique du Portugal et de ses colonies, 2.a edição. s/l, 1878, pp. 142-143. 11 SILVA, D. Augusto da — Contribuição para o estudo comparativo do movimento da população em Portucral, Tipografia da Academia das Ciências de Lisboa, 1870, pp. 1-2. 88 rosos que impediram a realização de tão importantes trabalhos assim previamente anunciados, pois que havendo eu tomado posse do meu lugar em fins de Abril de 1884, isto é, algum tempo depois de terem sido vendidos por os suporem inúteis, os boletins da •população, que haviam servido de base ao último censo da população, não encontrei sequer elementos com que solver aquela promessa, cujo cumprimento proporcionaria, sem dúvida, um auxiliar poderoso e utilíssimo para o estudo das diversas manifestações do trabalho nacional» 12. É o recenseamento de 1890 geralmente considerado como prova de um progresso das técnicas demográficas 13em Portugal e é, sem dúvida, mais completo que os anteriores . É este recenseamento o primeiro a incluir uma classificação da população em grandes grupos económicos, e não o de 1900, como tem sido frequentemente afirmado. Aconteceu que a parte do recenseamento de 1890 que contém essa classificação só foi publicada em 1900, pouco antes da saída do recenseamento seguinte, e talvez seja a razão pela qual acabou por ser quase geralmente ignorada; perdera então a actualidade que pode recuperar numa reconstituição histórica. 2. O crescimento demográfica O intervalo entre os recenseamentos de 1835 a 1861 chegou a ser de apenas dois anos: sinal evidente de uma técnica deficiente, é-o também de uma realidade demográfica em pleno devir e que por isso parecia a cada momento ser necessário tornar a medir de novo. Com efeito, ainda que os resultados globais dos recenseamentos nos pareçam ser números de valor absoluto pouco seguro, indicam todos de forma concordante um incontestável aumento demográfico: em conjunto, entre 1835 e 1861, a população portuguesa cresce de 631678 homens14 e 15. 1132 Ob. cit., pp. XV-XVI. É curioso ver que, em 1890, o corpo eclesiástico tinha ainda uma grande importância na administração local, e exercia uma influência considerável junto da população. Assim, não só lhe é atribuída uma participação activa nas comissões paroquiais de recenseamento, como até um papel fundamental na luta contra a desconfiança da população relativamente às operações de recenseamento. Os padres deveriam explicar aos seus paroquianos que estes trabalhos nenhuma relação tinham com os serviços fiscais; o recenseamento foi objecto de várias cartas episcopais. 14 O Doutor V. M. GODINHO salientou, justamente, o notável aumento demográfico verificado de 1835 a 1854, na sua obra Prix et Monnaies, pp. 302-303. 15 Afigura-se-nos que a data de 1835 deve ser considerada como um limite mínimo do início do crescimento demográfico: tudo quanto se pode dizer no estado actual das investigações neste domínio, é que o aumento demográfico 89 Uma boa documentação sobre a natalidade, a nupcialidade e a mortalidade poderia fornecer um termo de comparação útil para julgar do valor dos recenseamentos, ou das correcções que seria necessário efectuar, permitindo seguir o movimento demográfico de maneira mais contínua e medir o seu ritmo de crescimento. Todavia, como já o salientámos, tal documentação é extremamente escassa até 1885-1887. Conhecer o número de habitantes não oferece dificuldades a partir de 1864, data do primeiro recenseamento moderno, e de então em diante a maior precisão dos resultados permite igualmente calcular o ritmo de crescimento, ainda que continuem a ser insuficientes os dados sobre o movimento da população. Em quarenta e sete anos — de 1864 a 1911 — a população portuguesa aumenta de 42 %, ou seja à taxa média anual de 7,9 %. Dois períodos caracterizam-se por aumento populacional mais rápido; o primeiro, de 1878 a 1890; o segundo, de 1900 a 1911. Enquanto no decorrer dos catorze anos que vão de 1864 a 1878 a população cresce de 9 % (1864=100), nos doze anos seguintes o aumento demográfico é de 12 %; segue-se uma década de ligeira desaceleração, durante a qual o aumento é apenas de 8 %, mas logoiede 1900 a 1911 o ritmo se intensifica e a população cresce de 12 % . Portugal vê assim a sua população quase duplicar entre 1835 e 1911: de 3 061684 sobe para 5 547 708. Uma lenta melhoria das condições de vida permitira a sobrevivência de um número cada vez mais elevado de homens. E várias regiões de Portugal até então pouco habitadas vêem a sua população crescer; porém, outras, onde a densidade demográfica era desde longa data elevada, perdem população. A multiplicação do número de homens, fenómeno sensível em quase todo o país, assume todavia intensidade variável segundo as regiões consideradas. E, embora as direcções de povoamento de origem antiga se mantenham, de um modo geral, algumas modificações se vão operando na distribuição geográfica da população durante a segunda metade do século dezanove. É ao norte do Mondego que vive uma grande parte da população portuguesa em 1864. No litoral e em parte da zona central, a data pelo menos desse ano. Não é porém impossível que ele se tenha iniciado antes: o recenseamento de 1838 indica um acréscimo de 200 000 habitantes relativamente ao recenseamento anterior, o que pode representar uma tentativa de corrigir a sub-estimação da população em 1835; neste caso o aumento ter-se-ia iniciado antes de 1835. 16 Esta taxa de crescimento aproxima-se da da Itália no mesmo período; é nitidamente mais forte que a da Espanha que é de 3,8 %o de 1871 a 1890 e de 4 %o de 1891 a 1900, mas é mais fraca que as da Rússia (aproximadamente 14 %o), da Alemanha (9 a 13 &) ou da Holanda (12 %,) e da Bélgica (10&). (SUNDBARG, «Apperçus Statistiques Internationaux», p. 31 in The Cambridge Economic History of Europe, vol. VI, parte I, p. 62). 90 agricultura «de regadio» e a divisão da terra permitem atingir um rendimento agrícola apenas comparável com o das planícies aluviais do Tejo. E é no Noroeste atlântico, modelo daquele tipo de exploração agrária, que se encontram as mais fortes densidades populacionais: em 1864, no distrito do Porto a densidade é de 175,66 habitantes por quilómetro quadrado; em Braga de 113,37; em Aveiro de 81,60 e em Viana do Castelo de 87,23. Também a viticultura permite uma numerosa população na região do Dão, na Bairrada e no vale do Douro. A população em Portugal Continente Anoa 1801 1821 1835 1838 1841 1843 1849 1850 1854 1858 1861 1864 1878 1890 1900 1911 1920 (a) » » (b) » » » » (a) » » (c) » » » » » 2 931 930 3 026 450 3 061 684 3 224 474 3 396 972 3 444 000 3 473 758 3 471199 3 499 121 3 584 677 3 693 362 3 829 619 4 160 315 4 660 095 5 547 708 Continente e ilhas 3 737 103 3 844 119 3 923 410 4 035 330 4 188 410 4 550 699 5 049 729 5 423 132 5 960 056 6 032 991 (a) Recensamento de 1890, Lisboa, 1891, págs. LXXII-LXXIII. (ò) OLIVEIRA MARRECA, A. Parecer e Memória nobre um projecto de estatística, Lisboa, 1854. (c) Recenseamentos dos anos indicados. Na larga zona do país que se estende ao sul do Mondego, e que no seu conjunto é menos habitada que a do Norte, afigura-se-nos necessário distinguir entre a zona da Estremadura e o norte do Ribatejo — transição entre o Portugal atlântico e o Portugal mediterrânico— e toda a restante região de planície que se estende para leste e para sul — zona mediterrânica pura. A Estremadura constitui um forte polo de atracção populacional, pelas múltiplas possibilidades proporcionadas pela sua rica policultura e pela actividade marítima, comercial e industrial. No distrito de Lisboa (que então se estendia até S. Tiago do Oacém) a densidade populacional é de 57,66 em 1864 enquanto no distrito de Leiria se eleva 91 a 49,83. Na planície mediterrânica, a população concentrada em grandes aglomerações é, ao contrário, escassa; em Portalegre o número de habitantes por quilómetro quadrado é de apenas 14,85, em Évora de 13,82, em Beja de 12,45. A forte concentração da propriedade, mesmo nas regiões mais ricas — situadas aqui no interior, diferentemente do que sucede no resto do país — e o baixo rendimento agrícola no conjunto da região, onde a fraca pluviosidade e a falta de fontes de água tornam a irrigação individual difícil, afrouxam o aumento demográfico, apesar da imensa área inculta. Contudo, à medida que a terra se torna escassa no norte e no centro, vai-se fixando no sul uma parte dos camponeses que vêm trabalhar na colheita do trigo. No Alentejo, no fim do século dezanove, mais de vinte nomes de pequenas aglomerações lembram os «minhotos» ou «picamilhos», os «beirenses» ou «ratinhos»; num conjunto de casas, situadas na península da Arrábida, os nomes evocam a origem dos seus proprietários: «ratinho» aparece dezassete vezes, «caramelo» uma vez, («preto», «brasileiro», «carioca» evocam até a fixação de emigrantes e repatriados vindos de paragens distantes) 17. E é nos distritos alentejanos, como, de um modo geral, na parte do país ao sul do Mondego, que, de 1864 a 1911, o crescimento relativo da população é maior. Na região ao norte do Mondego, o aumento relativo da população é fraco, apenas de 15 % a 35 % (1864=100); só nos distritos do Porto e de Aveiro, onde as fábricas se multiplicam, a população sofre um forte aumento (65 % e 41 % ) . Ao sul do Mondego, ao contrário, o crescimento relativo da população é muito intenso nos distritos de Lisboa (94%), de Santarém (66 %), e de Faro (58%); e, em Leiria, Beja, Castelo Branco, Portalegre e Évora, a população cresce de 35 % a 55 %, ritmo que sendo embora menos intenso que o do litoral estremenho e algarvio, é porém ainda mais elevado que o do norte. De 1864 a 1911, a distância entre os dois grandes poios de atracção populacional situados no litoral, os distritos do Porto e Lisboa, e o restante do país acentua-se. Embora em 1864 já fossem os distritos com maior número de habitantes, ainda se mantêm relativamente próximos de Viseu ou de Braga; só nos vinte e seis anos posteriores se distanciam de todos os outros distritos. Iniciasse deste modo a atrofia dos centros de vida provincial, em proveito das duas grandes cidades do país18. 17 RIBEIRO, Orlando — «Portugal», in Geografia de Espana y de Portugal t. V, pp. 119-120. 18 Anos 1864 1890 19Í1 92 Lisboa 438 464 611168 852 354 Número de habitantes Porto 410 665 546 262 679 540 por distrito Viseu 363 543 391 019 416 744 Braga 309 508 338 308 382 276 Dois principais núcleos de despovoamento merecem especial atenção duas das ilhas açoreanas e o Alto-Douro 19. A região do Douro era desde o fim do século dezassete, uma das zonas mais ricas e de maior densidade populacional. Entre 1862 e 1872, inicia-se a sua regressão económica, a qual é seguida de uma diminuição demográfica. Ã medida que nas quintas a cultura da vinha vai sendo abandonada, sob o duplo efeito da redução do mercado e da invasão filoxérica, a população desocupada abandona progressivamente a região. Este fenómeno aparece com toda a nitidez de 1878 a 1890, na principal zona produtora do vinho do Porto, o Alto-Douro, onde a população estagna nalguns concelhos e diminui noutros 20. Contudo, se exceptuarmos estas duas regiões, o fenómeno dominante em quase todo o país é o aumento populacional, o qual se vai fazendo mais regularmente, em larga medida liberto das hecatombes demográficas que haviam ainda caracterizado o movimento demográfico durante a primeira metade do século. 3. A estrutura da população portuguesa: a sua modificação A análise comparada das pirâmides de idades da população, em 1864 e em 1890, mostra uma transformação essencial na forma assumida pelo crescimento demográfico na segunda metade do século dezanove. As duas pirâmides caracterizam-se por uma base larga, índice de forte natalidade, à qual se segue um nítido retraimento resultante de uma intensa selecção operada na infância; uma e outra estreitam muito acentuadamente no topo, indicando a redução rápida da população à medida que a, idade avança. Mas, mesmo a uma rápida observação visual não escapa a sua diferente configuração. A pirâmide de 1864 reflecte um crescimento extremamente irregular: os grupos etários não diminuem em função do seu envelhecimento; pelo contrário, alternam, sem que nenhuma correlação regular pareça poder estabelecer-se entre essa alternância e a idade atingida. Transparece nesta representação gráfica a 19 Anos Angra Horta 1864 1911 72 211 64 985 69 957 50 055 20 1878 1890 Alijó Sabrosa S. João da Pesqueira ... Armamar ,, Tabuaço .. 19 177 13 768 15 203 10 955 8195 19 239 12 323 14 058 10 962 8 513 Total 67 298 65 095 A POPULAÇÃO PORTUGUESA EM 1 DE JANEIRO DE 1864 M ANOS DE NASCIMETO 3ÒO 50 300 MILHARES MILHARES Figura 1 predominância da estrutura do antigo regime demográfico, observando-se as grandes oscilações a que o movimento de população está sujeito durante a primeira metade do século dezanove: consoante os anos agrícolas são bons ou maus, assim varia também o número de indivíduos que, em cada geração, consegue sobreviver e atingir a idade adulta 21. A segunda pirâmide de idades, que representa a composição da população em 1890, indica que o aumento demográfico viera adquirindo maior regularidade à medida que o desbaste operado em cada geração pela morte se tornara mais igual, como as colunas correspondentes à população feminina — menos atingida pela emigração — mostram de forma especialmente clara. Afigura-se-nos que esta transformação na forma de crescimento populacional traduz uma maior independência da produção agrícola relativamente às variações meteorológicas, à qual vem acrescentar-se, desde meados do século, uma importação de cereeais cada vez maior e a preços sucessivamente mais baixos; paralelamente, a construção de estradas e de caminhos de ferro vai facilitando uma mais rápida circulação de cereais, permitindo equilibrar melhor a desigual relação entre a produção e a procura, de região para região. Assim, as crises alimentares tendem a atenuar-se: a crise de 1856-1857 é, senão a última crise alimentar grave, talvez a última acompanhada de tumultos populares em Lisboa. Porém, a diminuição do peso da estrutura demográfica do antigo regime não se faz a ritmo igual em todo o país. Há diferenças regionais consideráveis, que só no decorrer dos últimos anos do século XIX e primeira década do século XX se irão desvanecendo. Até então, persistem nitidamente três zonas de estrutura demográfica diversa. Uma, a região interior, abrangendo uma larga zona montanhosa que se prolonga pela planície alentejana, inclui os distritos de Bragança, Guarda, Castelo Branco e Beja. Aqui, as taxas de mortalidade são muito elevadas e sofrem oscilações muito grandes: de 1887 a 1897, a mortalidade varia entre 20 % e 34 %; o aumento de mortalidade nos anos de carestia de cereais, 1889 a 1891, é muito acentuado, implicando um acréscimo de 3 a 13 %c, segundo os distritos. As ilhas adjacentes assemelham-se neste aspecto à região interior do continente: a mortalidade varia de 18 % a 41 %Cy entre 1887 e 1897 sendo esta última taxa atingida em Ponta Delgada durante o ano de 1890. A zona de transição (desprovida de unidade geográfica) abrange os distritos de Braga, Vila Real, Viseu, Évora, Portalegre 21 Sobre a noção de antigo regime demográfico: MEUVRET, J. «Les crises de subsistance et demographie d'Ancien Regime», in Population, 1946, n.° 3, pp. 643-650; GOUBERT, P. «En Beauvaisis: Problèmes Demographiques au XVIII.ème siècle», in Annales, 1952, pp. 453-468. 95 A POPULAÇÃO PORTUGUESA EM 1 DE JANEIRO DE 1 8 9 0 o o* ANOS DE NASCIMENTO M 3OO 25O 2OO 25O MILHARES Figura 2 300 MILHARES e Faro, onde as taxas de mortalidade são mais atenuadas, oscilando entre 18 e 23 % e o aumento de mortalidade nos anos de crise representa apenas um acréscimo de 3 a 7 %c. A região do litoral inclui os distritos de Viana do Castelo, Braga, Aveiro, Coimbra, Leiria e Santarém. As taxas de mortalidade são, aqui, mais baixas que nas duas regiões precedentes, variando de 16 a 20 %; o acréscimo da mortalidade no decorrer dos anos de carestia é também muito inferior, sendo de apenas 1 a 4%0. Os dois principais distritos do litoral, Lisboa e Porto, apesar de se tratar num e noutro caso das regiões mais adiantadas agrícola e industrialmente, apresentam características diferentes do conjunto da região, aproximando-se pelas suas taxas de mortalidade da zona de transição. No distrito de Lisboa a taxa de mortalidade varia entre 20,44 % e 27 % de 1887 a 1897 e no distrito do Porto entre 20,28 % e 26,04%. O aumento da mortalidade nos anos de crise, é, no primeiro de 6 % (entre 1887 e 1890) e no segundo de 2%. As taxas de mortalidade destas duas regiões são, talvez, um reflexo da elevada mortalidade que então persistia nas duas cidades de Lisboa e Porto. A mortalidade em Lisboa, entre 1887 e 1897, oscila entre um mínimo de 2&% (1887) e um máximo de 29,6 % (1890). A cidade do Porto, para a qual possuímos uma série estatística completa de 1870 a 1897, apresenta ao longo desses anos uma forte mortalidade, mais alta que a de Lisboa. São de notar, no Porto, duas fases diferentes no decorrer desses anos. A primeira mostra os terríveis efeitos selectivos que as fortes oscilações dos preços dos cereais, em anos de má colheita, exercem sobre a população urbana ainda no último quartel do século dezanove: durante a forte subida dos preços de 1875 a 1880 (subida mais intensa e prolongada que as do meio do século, porém sem os motins que então se haviam verificado) a mortalidade passa de 23,6 % em 1874 a 29,3%^ em 1876; e aumenta sucessivamente, subindo a 35,6 % em 1879 e a 39,5 %0 em 1881. Mas, mesmo passados estes anos de carestia e já em plena fase de baixa de preços, a taxa de mortalidade mantêm-se mais elevada que de 1870 a 1874, parecendo indicar um agravamento das condições de vida na cidade do Porto: a mortalidade, de 1880 a 1884, é de 32,1 %, de 1885 a 1889 de 32,8 %c, de 1890 a 1894 de 30 %o, seguindo um movimento inverso à curva dos preços dos cereais nesses anos. Há assim que procurar outra origem para a persistência das difíceis condições de sobrevivência no Porto nos últimos vinte anos do século XIX, tão difíceis que levaram RICARDO JORGE a afirmar que o Porto era então «a cidade cemiterial portuguesa», apenas comparável na Europa de então às cidades de Ruão, Bucareste, e Moscovo. Não parece, contudo, que desta situação se tenha tido consciência clara antes dos estudos realizados por RICARDO JORGE no fim do século, como ele próprio observou: «Quem 91 diria que a morte nos dizima bem mais do que na capital? E tanta gente no Porto nutre ainda a beata crença da superioridade saudável do nosso torrão, em relação à empestada Lisboa» 22 ? A mortalidade em Lisboa e no Porto 1 (número de óbitos por mil habitantes) Porto 1870 1871 1872 1873 1874 1875 1876 1877 1878 1879 1880 1881 1882 1883 1884 1885 1886 1887 1888 1889 1890 1891 1892 1893 1894 1895 1896 1897 23,9 26,1 29,7 33,9 23,6 27,7 29,3 29,9 24,6 35,6 27,0 39,5 31,5 33,5 29,1 34,4 34,0 30,6 31,6 33,4 33,1 31,8 26,1 30,6 28,6 27 30,9 28 Lisboa 26,1 28,1 27,5 29,6 27,8 26,6 26,2 26,1 28,7 29,2 (1) JORGE Ricardo—«Demografia e Hygiene da cidade do Porto» — Anuário do Serviço Municipal de Saúde e Estatística da cidade do Porto, Repartição de Saúde e Hygiene da Câmara do Porto, Porto, 1889, pág. 301. Um insatisfatório sistema de esgotos, a falta de água potável e as más condições de alojamento são os principais factores da insalubridade da cidade do Porto. Cerca de metade da sua população, 120 000 indivíduos, vive no fim do século em «ilhas», herança vinda do século dezoito, quando nascera também esta designação 22 58 JORGE, Ricardo ob. cit., p. 323. dada a «casas que tem quinze famílias differentes e que pela sua dilatada extensão se chamam «ilhas», situadas nas freguesias da Sé e de Santo Ildefonso» 23. No século dezanove, a situação não fizera senão piorar. Eis como as 1048 ilhas disseminadas então pela cidade, e que continham 11129 casas, são descritas por RICARDO JORGE em 1899: «Esta creação caseira do proprietário indígena prosperou e multiplicou; não melhorou por certo de construcção nem d'aluguer mas peorou na acumulação porque as há que albergam dezenas de famílias. São renques de cubículos, às vezes sobrepostos em andar, enfiados em coxia de travesso. Este âmbito, onde se apilham camadas de gente é por via de regra um antro de immundície; e as casinhas, em certas ilhas dessoalhadas e miseráveis, pouco acima estão da toca lobrega do troglodita. Existem estes ruins spécimenes, disseminados por toda a cidade, mais frequentes no Carvalhido, Paraizo, Fontinha, S. Victor, Antas, Montebello, Fontaínhas, etc. São o acoito das classes operárias e indigentes que mercê de um aluguer usurário, pagam o seu direito de residência a preço mais subido do que as classes remediadas» 24. A sobrevivência das crianças torna-se especialmente difícil nestas condições económicas precárias: no Porto a mortalidade infantil varia de 1887 a 1896, entre 228,60 % (taxa mínima) e 257,82 %0 (taxa máxima) 25. «São as classes trabalhadoras as que mais sacrificam a prole. A miséria é um terrível inimigo das creanças» 26. E, nas famílias operárias, nas quais se não ganha o suficiente para alimentar os filhos, as crianças tornam-se um factor de agravamento da situação económica da unidade familiar e assim se gera a extraordinária contradição entre o amor à vida e o amor aos filhos. As crianças tornam-se então na «canalha». «Aqui no Porto, entre as classes necessitadas, a «canalha», como lhe chamam, chega a ser um tropeço, de que a morte tantas vezes bem vinda, livra a família. As crianças são votadas a um morticínio certo, esperado até com prazer pelos mais endurecidos»27. 23 24 COSTA, Rebello da, cit. in JORGE, Ricardo, ob. cit., pp. 152-153. JORGE, R i c a r d o , ob. cit. p p . 152-153. O conhecimento do m o v i m e n t o d o s salários durante a segunda metade do século XIX, assim como o das condições de salubridade nas oficinas e fábricas, ajudaria talvez a uma melhor compreensão dos motivos desta forte mortalidade. Seria também necessário estabelecer uma cronologia das epidemias ocorridas durante a segunda metade do século dezanove; parecem ter sido especialmente graves nas cidades. 2 5 O Movimento da População, vols. 1887, 1890, 18.91 e 1896. Considerou-se como mortalidade infantil o número de óbitos ocorridos até 1 ano de idade. A diminuição da mortalidade infantil na Europa Ocidental é mais lenta que a diminuição da mortalidade geral, durante o século dezanove: sendo de 185 %o de 1805 a 1820, eleva-se ainda a 165 %o, entre 1880 a 1900 — PRESSAT, R. Uanalyse démographique 1961, p. 81. Em Portugal, pelo menos nas duas cidades consideradas, a mortalidade infantil mantêm-se todavia mais alta, aproximando-se da taxa de mortalidade infantil do antigo regime (200 a 250 &). 26 J O R G E , R. ob. cit., p . 379. 27 JORGE, R. ob. cit., p. 331. 99 Se as condições gerais de sobrevivência são em Lisboa, pelo menos de 1887 a 1897, um pouco melhores que no Porto, os «páteos» da capital recordam as «ilhas» do Porto, e a sobrevivência infantil é igualmente dura. A mortalidade infantil em Lisboa, de 1887 a 1896, chega a ser de 246,96 % (1890) e não desce aquém de 225,51 % (1896). Tão duras condições de vida nas cidades não são porém um dado natural, mas um dado corrigível, tal como o salientou RICARDO JORGE, fundamentando-se no que em cidades de outros países já se havia progredido mesmo então. A mortalidade infantil i (número de óbitos em cada mil) Concelho de Lisboa 1887 1890 1891 1896 235,17 246,96 238,93 225,51 Concelho do Porto 228,60 226,73 240,59 257,82 (1) O Movimento da População, Vols. 1887, 1890. 1891 e 1896. A natalidade mantêm-se em todo o país muito elevada, sendo de 29,81 %c a 33, 32 %c: é a persistência de uma forma elementar de combater o desbaste operado pela morte — dos numerosos filhos havidos, alguns sobreviverão e virão a contribuir para o agregado familiar com o seu trabalho. É assim que se verifica uma coincidência entre as zonas de mais forte natalidade e as de mais forte mortalidade: em Bragança, Castelo Branco e Guarda, as taxas de natalidade são de 34 %c (mínima) e 39 % (máxima) entre 1887 e 1890, e é aqui também que a mortalidade é das mais altas do país, como vimos anteriormente. Nos últimos anos do século, de 1894 a 1900, a taxa nacional de natalidade diminui, reflectindo os efeitos de uma intensa emigração masculina; mas logo recupera na década seguinte o seu ritmo anterior. Entretanto, as diferenças entre as taxas regionais de natalidade vão-se esbatendo pouco a pouco, como já observámos para as taxas de mortalidade: a distância entre a zona litoral e o interior atenua-se. Não é, porém, um movimento uniforme: voltam a encontrar-se taxas de natalidade muito altas em Castelo Branco e na Guarda de 1900 a 1907. 100 Natalidade e mortalidade, de 1887 a 1907 ; POPULAÇÃO DE PORTUGAL / : ;f1;iyi JiUlHi | ^!' (Continente e Ilhas) *[ j r I! N M i i Natalidadej- -.!. I í! ííiiliil-ii I in I I íi:;ii-J!iiíi: :: • ii_L" |J M^J*t*^_ ^riiKinH;iiiíi:{J Mortalidade .\lM ÍltH | 1887 • : ! | t 1889 i i j ,90, i i > | i ( iii ,905 Figura 3 101 4. O crescimento das cidades O número de homens aumenta e a maior parte deles continua a ir lavrar os campos, como os seus pais o haviam feito. Vão escolhendo, porém, em quantidade crescente um outro ofício: partem para a cidade e, quando ali não encontram trabalho, atravessam o mar e vão procurar emprego e fortuna em terras longínquas. Dentre estes fenómenos fundamentais de deslocação demográfica, o aumento da população urbana e a emigração, começaremos por analisar o primeiro. As fontes de que podemos dispor neste momento para o estudo das modificações da repartição da população segundo as actividades económicas são, como já vimos, os recenseamentos. Ora a classificação da população rural e urbana seguida nos dois primeiros recenseamentos aproxima-se mais de uma classificação de formas de povoamento do que de uma classificação sócio-económica. Afigura-se-nos que os conceitos de população urbana e rural aplicados conduzem mesmo à sobreposição de duas classificações de formas de povoamento (e mesmo como tal imperfeitas), e por isso pareceu-nos legítima a escolha da mais simples, aquela que se limita a distinguir entre cidades, vilas e aldeias28. O crescimento das cidades, fenómeno que nos parece particularmente significativo, é por este caminho melhor apreendido. E, através da evolução das cidades, poderemos seguir a evolução das actividades não-agrícolas; pois mesmo admitindo que os habitantes com ocupação agrícola constituem uma parte considerável da população das cidades, são indicutivelmente o comércio e indústria que estão na origem desta forma de povoamento. Veremos até contrariamente ao que talvez se pudesse supor, que este método não ocasiona uma sobrestimação destas actividades, fi até o inverso que sucede. O ritmo de crescimento das cidades é, de 1864 a 1900, nitidamente superior ao das vilas e aldeias; o aumento do número de habitantes das cidades é de 77% (1864=100), enquanto a população das vilas apenas aumenta 30 % e a das freguesias rurais 22 %. Ê de 1878 a 1890 que o crescimento da população urbana se torna mais intenso, acompanhando a aceleração do ritmo do aumento global da população. As cidades cuja população cresce mais rapidamente são aquelas em que a indústria é mais importante: Lisboa e Porto dobram a sua população de 1864 a 191129; Setúbal, centro 28 O conceito de população u r b a n a utilizado nos recenseamentos inclui a s cidades capitais d e distrito e a s cidades com mais de 2000 h a b i t a n t e s ; no recenseamento de 1890, incluem-se também, além d a s cidades, a s vilas cabeças de concelho. (Recenseamento de 1864, p. V I I I , Recenseamento de 1878, p . I X , Recenseamento de 1890, p. L X X X I I ) . 29 A população da cidade d e Lisboa que se considerou é a correspondente ao alargamento do município em 1886, (mesmo p a r a os anos de 1864 e 1878), segundo indicação no Recenseamento de 1890, p. 29. 102 A população de Portugal (Continente e Ilhas) de 1864 a 1911 (índices: 1864=100) População das cidades 'ftjj"]~p População (Continente e Ilhas) 180/ Figura 103 da indústria de conservas de peixe, duplica a sua população de 1878 a 1911; Covilhã, que só em 1870 recebeu a catesroria de cidade, vê o número dos seus habitantes passar de 10 809, em 1878, a 17 562, em 1890; Aveiro, onde as fábricas de papel se multiplicam, vê também a sua população dobrar de 1864 a 1911, sendo a partir de 1878 que o seu crescimento se torna especialmente acelerado. O desenvolvimento industrial verificado ao longo do século dezanove, traduz-se numa alteração qualitativa da composição da população activa, que a partir de 1890 nos é possível medir. A população do sector primário (trabalhos agrícolas, pesca, caça e extracção de matérias minerais) diminui em números absolutos de 1890 a 1911: lentamente, num primeiro tempo, passando de 1567 385 habitantes em 1890 a 1529 035 habitantes em 1900; mais aceleradamente de 1900 a 1911, quando a população do sector primário desce para 1461 766. Porém, a parte ocupada pela população agrícola no conjunto da população activa continua a ser muito grande: abrange 60 '% dos habitantes em 1890, percentagem que sobe ligeiramente em 1900, sendo então de 62,51 %. Nos onze anos que se segfuem, os habitantes com ocupação agrícola diminuem em percentagem, e em 1911 já só representam 56,54 % da população activa. (Observe-se aue esta diminuição da população agrícola em números absolutos não prossegue regularmente: pelo menos de 1940 a 1950 verifica-se, de novo, um aumento da população agrícola, que representa em 1950, 47,5 %. A redução relativa da população agrícola de 1900 a 1911 é, assim, extremamente rápida, se comparada com a evolução subsequente). Paralelamente, assiste-se ao aumento da população ocupada na indústria, aumento especialmente intenso de 1900 a 1911: passa de 455 296 para 547 751. A esta modificação da composição funcional da população corresponde uma modificação da estrutura industrial portuguesa: multiplica-se o número de fábricas, o grau de mecanização acentua-se, e aparecem algumas empresas organizadas segundo um modelo novo, mais adequado à escala adquirida pela produção industrial e às diferentes condições de concorrência. A população ocupada na indústria, que em 1890 representava 18,61 % do total da população activa, representa, em 1911, 21,19 •%. Um outro srrupo da população vê então a sua importância aumentar: à medida que a acumulação da riqueza se vai dando, cresce também o número de indivíduos aue vivem exclusivamente dos seus rendimentos: 23 683 em 1890; 76412 em 1911. O sector terciário ocupa em Portugal um lusfar tão importante como o da indústria: 18,88% em 1890, 22,27% em 1911. O papel desempenhado pelo sector terciário, e em especial pelo comércio, parece-nos essencial para a compreensão de todo o mecanismo económico e social português durante o século dezanove. Afigura-se- -nos que o lugar ocupado peio comércio na sociedade portuguesa80 resulta das características da própria agricultura — em que um vasto sector se encontra comercializado — e da importância do comércio externo na economia do país. Portugal aproxima-se, neste aspecto da Catalunha, onde existia uma estrutura sócio-económica semelhante 31 e 32, 5. A emigração Os homens e as mulheres vindos para as cidades em busca de trabalho nem sempre ali o encontram. Torna-se cada vez mais frequente embarcarem e irem longe procurar meios de vida, mesmo quando da sua aldeia não haviam partido com o propósito de emigrar. Abandonar o país para conseguir ganhar a vida é, em Portugal, tradição antiga. Fenómeno persistente, cuja intensidade tem sido variável, adquire periodicamente acuidade maior, passando então ao primeiro plano dos problemas económicos e sociais, quando não também políticos. Torna-se frequente nesses períodos, atribuir-se à emigração a responsabilidade do agravamento dos desajustamentos económicos e sociais, quando ela é já uma consequência destes desajustamentos. Com efeito, a emigração resulta de um afastamento entre o crescimento demográfico e o desenvolvimento económico; este desequilíbrio determina um excedente demográfico, seja o desemprego total ou parcial de uma parte da população em idade de trabalhar. Antolha-se-nos que o movimento emigratório varia fundamentalmente segundo o movimento das rendas, dos salários e dos preços no país de origem e, claro está, consoante a situação económica nos países de imigração. Atenuada no início do século, após a independência do Brasil, a corrente emigratória portuguesa parece ter-se reforçado passado pouco tempo, apesar do ambiente pouco amistoso então existente naquele país para os portugueses. Elevada em 1855 e 1856, a emigração diminui no decorrer dos doze anos que se seguem: tendo sido de 11557 indivíduos em 1855, é de 9861 em 1857, desce a 5945 em 1861, e passa por um mínimo de 4500 de 30 SiLBERT, A . i n Le Portugal Mediterranéen, vol. I , p p . 121-122, nota o excepcional papel desempenhado pelo comércio n a vida económica p o r t u g u e s a , todo ao longo d a s u a história. 31 VILAR, P . La Catalogue dans 1'Espagne moderne, SEVPEN, P a r i s , 1962, 3 vols. 32 A composição da população portuguesa diverge da dos países industrializados da Europa pela proporção elevada de população agrícola. Não pode porém ser assimilada à dos países continentais da Europa Oriental, tais como a Hungria a Roménia ou a Bulgária, onde na segunda metade do século XIX, a população agrícola era aproximadamente de 80 %, («The Industrial Revolution and after» — The Cambridge Economic History of Europe, part. II. pp. 607-608). 105 1863 a 1868, durante a guerra entre o Brasil e o Paraguai. Mas já em 1869, mesmo antes de estabelecida a paz, a corrente emigratória aumenta e é nesse ano de 6035 indivíduos; dois anos depois, sobe a 10 380 e em 1872 atinge 17 284, número que se mantém ímpar até 1881. A emigração oscila entre 10 000 e 15 000 indivíduos, de 1873 a 1880. Em seguida, de 1881 a 1887, o número de emigrantes aumenta muito sensivelmente, variando entre 14 000 e 19 000. Não cessa de crescer de 1888 a 1894: oscila então entre 21000 e 30 000 emigrantes. No ano seguinte, 1895, o fluxo emigratório atinge 44 746, número igualado só depois de 1907. O lento desenvolvimento industrial de Portugal, e as dificuldades que a agricultura tem em sustentar a concorrência de países recentemente integrados no mercado mundial, sobretudo de 1870 a 1894-1898, parece-nos explicar em larga medida o aumento do fluxo emigratório posterior a 1869. O recuo da área cultivada nas grandes explorações ao sul do Tejo, provocando a diminuição do trabalho temporário, complemento económico indispensável para uma parte dos agricultores e trabalhadores que vivem ao norte do Tejo, e a perda de mercados de vários ramos da agricultura contam-se, a nosso ver, entre alguns dos principais factores que estimulam então o crescente abandono do país pelos seus elementos mais dinâmicos. Ã emigração do Noroeste, de raiz antiga, vem acrescentar-se uma corrente emigratória do centro e do sul e, um pouco mais tarde, as saídas do Norte e do Nordeste. Se, de 1866 a 1871, o Porto, Aveiro e Braga são os três distritos de maior emi gração, já em 1880-1882, Viseu, Lisboa e Coimbra figuram logo a seguir ao Porto, só depois se seguindo Braga e Aveiro. Mais tarde, de 1896 a 1898, Vila Real, Guarda e Bragança começam a contribuir com um importante contingente de emigrantes, consequência da ruína do Douro e do fim do longo período de um activo e próspero comércio de gado; em 1911-1913, de Viseu (que inclui vários concelhos da região vitícola do Douro e a importante região do vinho do Dão, cuja venda atravessa também nesses anos uma crise) saem 10 156 emigrantes, de Bragança partem 8675, de Vila Real 6658, da Guarda 619033. A direcção principal da corrente emigratória continua a ser o Brasil, todo ao longo da segunda metade do século dezanove e princípio do século vinte, como já acontecera nos séculos dezassete e dezoito. Este país absorve, de 1855 a 1865, 87,28 % da emigração e, de 1870 a 1874, só o Rio de Janeiro (o principal porto de entrada) recebe 74,56 % do total dos emigrantes saídos de Portugal34. 33 A construção do caminho d e ferro t e r á sem dúvida facilitado t a m b é m a emigração do Nordeste, como o salienta Joel SERRÃO no seu artigo « E m i g r a ção» in Dicionário da História de Portugal, p . 24. 34 F R E I T A S , R. Notice sur le Portugal, Lisboa 1867, p . 1 0 ; P E R Y , G. Geo- 106 Outros países recebem igualmente os emigrantes portugueses: desde 1855, pelo menos, que chegam aos Estados Unidos habitantes da Horta, e em Demerara, Saint-Kitto, Jamaica e Surinam desembarcam originários do Funchal em 1885; os trabalhadores rurais, sobretudo do Algarve, emigram 35para Espanha, onde vão trabalhar no campo, nas minas e na pesca . A emigração para a África cresce também, oscilando, de 1891 a 1902, entre 1000 e 2000 indivíduos. A legislação procurava contrariar a emigração por diversos modos, ainda que a sua proibição integral não conviesse, como sublinhou BENTO CARQUEJA36. A existência de uma emigração clandestina, paralela à legal, confirma não ser sempre fácil a saída dos emigrantes. Objecto de negócio, a emigração clandestina implicava a existência de redes de engajadores, frequentemente cobertos por agências de viagens que a estas actividades predominantemente se dedicavam. Um depoimento do administrador do concelho de Mondim da Beira, permite entrever o seu funcionamento: «Existe neste concelho a emigração clandestina como em quase todos os do país. Manifesta-se especialmente com os indivíduos incursos no recenseamento militar, para os quais há companhias do engajadores perfeitamente organizadas. Têm estes primeiros, segundos e terceiros agentes. Em geral, o primeiro agente reside em Lisboa ou no Porto, tem uma escrituração perfeitamente regular para este género de mercadoria e encarrega-se de dirigir os engajados até ao momento do embarque. Faculta os passaportes e de todos estes serviços tem um lucro exorbitante. O segundo engajador reside na província, é geralmente proprietário de uma casa comercial; da sua mão recebem os engajados o dinheiro para pagarem a passagem, para o comboio e para despesas. Em geral, como o engajado é pobre, os pais hipotecam as terras da futura legítima e mais bens do casal, pagando os juros de taxa exorbitante, nunca menos de 10 por cento. Faz-se uma escritura de mútuo, em que figuram como primeiros credores os terceiros agentes, escritura caucionante de uma letra de câmbio, do valor do simulado empréstimo, letra que mais tarde é descontada, ou antes endossada ao capitalista, segundo agente, e assim fica tudo sanado em face da lei. Se os pais do mancebo embarcado recusam pagar as 35 ou 40 libras, preço da passagem e trabalho, a letra é posta no vencimento em execução e os tribunais judiciais condenam na dívida e custas os devedores! Não se julgue que há exagero: o tribunal judicial da comarca de grafia e estatística geral de Portugal e colónias, Lisboa 1875, p . 9 3 ; SERRÃO, Joel, ob. cit., p p . 23-24. 35 Anuário Estatístico de 1885, Lisboa 1886, p . 63. 36 C A R Q U E J A , B . O POVO Português, P o r t o 1916, p p . 4 3 0 - 4 3 1 : « A t e n d ê n c i a para contrariar a emigração que a nossa legislação manifesta funda-se porém em meios indirectos, visto que os directos trariam consequências políticas imediatas». 107 Aríúamar foi cúmplice íiesta burla no ano de 1&85 nã questão dâ viúva Ana Pais, do lugar de Couto, freguesia de S. João de Tarouca, concelho de Mondim. «O terceiro engajador é o agente activo de todo o contracto; com ele tratam pessoalmente os engajados e famílias. «É ele que dá ao engajado uma espécie de cheque sobre o segundo engajador e carta de recomendação para Lisboa ou Porto. «Estes agentes têem comissões de todas as companhias marítimas de transporte e uma correspondência em regra com o agente de Lisboa. «São por toda a parte altamente protegidos pelas influências locais e zombam descaradamente das autoridades. É um negócio rendoso que dá 100 por 100 de lucros semestrais. «Da forma por que se acha organizada esta torpíssima exploração, esta escravatura de carne branca, não é fácil a qualquer autoridade coibi-la ou castigá-la. «Como já disse, os tribunais judiciais são os primeiros a patrocinar tais desmandos. «Talvez a latitude que demos a esta resposta nos seja prejudicial; fica-nos a consciência tranquila, por termos dito a verdade e fazermos ouvir a nossa humilde voz perante os poderes públicos. «Mondim da Beira, 27 de Novembro de 1885. O administrador do concelho, José de Vasconcelos Noronha e Meneses Júnior»S7. 6. O envelhecimento da população Uma das principais consequências da emigração é o envelhecimento da população portuguesa, Em 1864, a estrutura de idades da população é relativamente próxima da estrutura de uma população estável teórica: o grupo das idades de 0 a 25 anos é ligeiramente menos numeroso que no modelo teórico, sugerindo uma alta da mortalidade e uma baixa da natalidade nos dez anos anteriores ; pelo contrário, o grupo de idades dos 26 aos 50 anos ocupa um lugar mais importante que no modelo teórico88 — 342%0 em vez de 325 % — reflectindo o crescimento demográfico do segundo quarto do século e a diminuição da emigração de 1856 a 1869. 37 Relatório de uma comissão parlamentar sobre a emigração, 1887, citado in MARTINS, Oliveira — Fomento rural e Emigração, edição 1956, pp. 13-14. 38 Segundo BOURGEOIS-PICHAT, n u m modelo teórico de u m a população estável os grupos de idade deveriam ter as seguintes proporções 0-25 anos 25-50 anos Mais de 50 anos BOURGEOIS-PICHAT, Population oct.-dec. 1951, p. 645. 108 520 %> 325 %> 155 %, Porém, noô quarenta anos seguintes, à medida que a emigração vai crescendo, a população portuguesa vai ficando privada de uma parcela cada vez maior da sua juventude. Assim, a composição por idades da população vai-se afastando sucessivamente da existente em 1864: o lugar ocupado pelo grupo de idades dos 26 aos 50 anos torna-se cada vez menor, enquanto os indivíduos de 50 anos e mais ocupam parte cada vez mais considerável. Em 1911, o grupo de idades dos 26 aos 50 anos representa apenas 296,54 % do total da população. Observa-se assim que a tendência verificada na primeira fase de crescimento demográfico, é posteriormente contrariada por uma contínua saída dos indivíduos nas idades em que justamente poderiam começar a ser úteis ao país39. 1864 0-25 anos 26-50 anos 50 anos e mais (pessoas de idade desconhecida excluídas) 1890 1911 508,30 VO0 342,90 »/„„ 504,47 Voo 308,52 »/„„ 526,23 V o o 296,36 Voo 148,80 % „ 186,91 •/«. 177,41 % „ Constituída na sua maior parte por indivíduos do sexo masculino, a emigração provoca a existência de uma maioria de indivíduos de sexo feminino na população portuguesa. Este fenómeno é já perceptível em 1864 e precede o próprio envelhecimento da população. Não se trata de uma maioria natural, estabelecida à nascença: inexistente de 1864 a 1911, no grupo de idades dos 0 aos 15 anos, quando bem pelo contrário se observa uma maioria masculina (51 %), ela aparece no grupo de idades dos 16 aos 40, em que os homens apenas ocupam 46'% a 47 %. Esta predominância do sexo feminino afirma-se a partir dos 15-20 anos, quando se inicia a emigração; na pirâmide de idades de 1864 as colunas correspondentes a cada um dos sexos têm uma configuração diferente uma vez passado o período da infância e da adolescência, observando-se uma brusca diminuição dos homens, redução que se torna ainda mais marcada na pirâmide de idades de 1890. E, em 1911, 39 Sobre o efeito da emigração sobre a natalidade, a estrutura de idades e o envelhecimento: SAUVY, Théorie générale de Ia population, vol. 2, Paris, 1959, p. 252, p. 260 e pp. 50-56. Como avaliar as consequências económicas (e culturais) que tem para um país a perda de uma parcela da sua juventude mais ambiciosa? Impossível medir o não-aproveitamento de iniciativas e de criações que vão beneficiar outros países. 109 Portugal será o país da Europa com índice de feminilidade mais elevado40. Haviam-se atenuado as grandes oscilações do movimento da população características de uma estrutura demográfica de antigo regime: desde meados do século, o ritmo do crescimento demográfico ganhara regularidade; vai-se também esbatendo gradualmente a distância entre o litoral e o interior, onde no fim do século as condições de sobrevivência mostram uma melhoria nítida. Entretanto, nas cidades, onde um número crescente de indivíduos vivem só do seu salário, as condições de vida agravam-se. Notara-o em 1853 OLIVEIRA MARRECA: «Sobretudo advirto que a procura do trabalho está sujeita a intermitências cruéis para os que se alimentão d'ele, alternativas da natureza ou da sociedade, que mesmo sem quebrantarem o poder produtivo das nações, ou retardarem o progresso dos nascimentos, promovem gerações ephemeras, e estorvão a constituição das populações regulares no quadro dos assalariados, chegando a acontecer um acréscimo absoluto de produtos e valores em concorrência com a penúria de uma41porção considerável das classes cujo ganha-pão são os seus braços» . No fim do século, é nas duas grandes cidades, Porto e Lisboa, que a mortalidade é mais elevada. A população quase dobra entre 1835 e 1911. Porém, a crescente desarmonia entre o crescimento demográfico e o desenvolvimento económico, a partir de 1870, impede o país de beneficiar plenamente deste aumento do potencial humano. Em quantidade sempre maior os elementos jovens mais empreendedores abandonam Portugal por aqui não poderem realizar as suas legítimas ambições. O desbaste que a emigração opera nas camadas jovens, especialmente nas masculinas, termina por se repercutir no próprio aumento demográfico: se de 1890 a 1900 apenas uma ligeira desaceleração é visível, de 1911 a 1920 uma quase completa estagnação demográfica interrompe o longo movimento ascendente iniciado em 1835 *. 40 N ú m e r o de m u l h e r e s p o r 100 homens em 1 9 1 1 : Portugal 110,7 Dinamarca 106,0 Noruega 106,9 Espanha 105,8 Inglaterra e País de Gales 106,7 Irlanda 1-00,3 Escócia 106,2 Seria interessante analisar a incidência desta forte percentagem de mulheres na população portuguesa sobre o trabalho feminino e a relação deste com o movimento feminista existente em Portugal no princípio do século XX. 41 MARRECA, ob. cit., p. 36. * Este artigo constitui um dos capítulos da tese de doutoramento de 3.° ciclo «Livre câmbio e desenvolvimento económico: Portugal na segunda metade do século dezanove», preparada sob a direcção do prof. Pierre VILAR e defendida na Faculdade de Letras de Paris. A versão portuguesa será publicada dentro em breve, numa colecção dirigida pelo prof. MAGALHÃES GODINHO. A autora foi bolseira do Ministério dos Negócios Estrangeiros da França (bolsa concedida através da École Pratique des Hautes Études, VI Section). no ANEXO O movimento da população (Continente e Ilhas) QUADRO I Anos 1838 (a) 1843 1849 1850 1851 (6) 1860 (c) 1861 1862 1871 (d) 1872 1875 1887 (e) 1888 1889 1890 1891 1892 1893 1894 1895 1896 1897 1898 1899 1900 1901 1902 1903 1904 1905 1906 1907 (a) (6) íc) Nacional, no reino (d) e 149. (<?) Nascimentos 99 107 114 109 109 097 074 645 116 264 119 125 127 126 129 140 253 224 202 036 899 094 166 104 163 981 168 285 164 627 162 051 159 205 164 141 153 971 156 405 157 546 160 971 160 924 160 569 165 245 170 773 176 029 183 138 176 726 179 746 182 920 176 417 óbitos 67 541 72 616 86106 78 843 84 057 77 312 81021 88 742 88 873 96 283 98 497 109 163 108 473 113 300 128 549 116 684 104 203 110 519 108 004 108 367 120 050 115 911 113 049 108 260 110 330 114 130 108 378 111 685 105 572 112 756 125 248 113 254 Natalidade Mortalidade °/oo °/oo 20,83 20,83 25,00 22,73 31,8 34,4 33,7 31,5 32,3 34,2 20,7 21,6 23,5 22,2 23,9 24,1 32,89 32,47 33,32 32,60 32,09 31,53 32,01 29,81 30,06 30,06 30,50 30,28 30,00 30,45 31,47 32,22 33,29 31,91 32,24 32,48 31,12 21,62 21,48 22,44 25,46 23,11 20,63 21,55 20,91 20,83 22,91 21,96 21,42 20,23 20,47 21,03 19,84 20,30 19,06 20,22 22,24 19,98 1838 a 1850. Recenseamento de 1890, pàg. LXVIIL; Memória de O. MARRECA. Recenseamento de 19£0 Relatório, pág. 20. Boletim do Ministério dos Negócios Eclesiásticos e da Justiça, Lisboa, Imprensa n.° 5, n.° 7; «Mapas estatísticos dos baptismos, casamentos e óbitos que houve durante o ano de 1862». Lisboa, Imprensa Nacional 1869. PERY, G., Geografia e estatística de Portugal c colónias, Lisboa, 1878, pp. 143 Anuários Estatísticos de 1867 a 1907. lis Mortalidade por distritos QUADRO II Anos 1887 1888 1889 1890 1891 1892 1893 1894 1895 1896 1897 1898 1899 1900 1901 1902 1903 1904 1905 1906 1907 17,93 18,07 18,87 21,71 20,34 17,66 22,32 19,06 18,25 20,63 19,05 20,99 17,83 16,94 18,60 16,57 19,40 17,43 17,77 19,73 16,61 22,36 19,65 19,91 27,76 25,39 24,06 24,12 21,68 25,46 26,21 25,44 22,05 21,66 25,31 22,52 21,20 20,21 21,81 17,88 21,83 21,17 22,36 20,46 20,95 21,29 20,59 19,22 20,32 20,65 20,98 21,30 19,42 18,63 18,00 19,21 19,33 12,26 13,52 12 83 16,47 19,66 18,64 23,16 26,17 28,80 28,83 24,05 25,07 25,31 21,76 22,04 25,15 32,63 24,13 21,77 23,32 20,07 20,43 19,70 18,31 20,59 17,31 15,41 FONTE: Anuários Estatísticos. 24,95 23,29 25,76 30,67 28,04 22,17 20,63 22,13 22,80 22,70 26,55 21,58 21,03 24,58 25,06 21,57 21,08 21,20 18,58 28,59 22,35 18,87 18,72 19,91 20,43 17,69 17,27 18,25 18,25 16,29 19,04 17,25 18,09 15,63 16,77 17,25 15,35 14,54 13,47 15,40 17,64 15,11 4 •c a 1 3 21,27 20,09 20,19 26,84 23,41 20,18 20,50 19,23 20,48 21,95 22,51 18,46 18,21 19,22 22,40 21,25 22,88 20,06 20,83 22,60 23,57 20,00 20,95 24,36 23,46 20,27 21,27 21,86 19,39 20,66 23,04 24,26 19,69 19,09 22,49 19,98 19,02 18,96 20,02 19,59 19,96 19,85 29,41 23,44 22,27 34,64 31,67 23,92 23,54 24,93 25,95 28,02 26,34 24,09 18,56 22,55 28,98 24,25 21,25 22,24 24,18 30,81 22,62 18,63 20,30 19,00 19,64 19,23 19,07 18,78 17,73 17,20 19,41 17,76 17,92 17,13 16,85 16,59 17,20 17,78 16,95 17,07 18,92 16,49 23,10 21,85 20,75 25,92 23,98 19,98 20,66 20,97 20,66 21,06 24,01 18,36 18,68 20,88 23,69 20,66 21,04 20,37 20,69 24,48 21,08 19,03 18,54 18,49 20,27 18,56 18,29 17,46 16,32 17,17 19,85 19,38 17,85 15,97 16,94 15,89 17,33 18,94 17,25 16,58 20,94 17,63 .3 o > ii tf 5 19,47 16,84 18,85 19,51 21,21 16,95 17,44 16,13 15,76 19,04 15,71 13,89 15,12 15,80 18,85 15,61 15,87 16,28 16,88 18,90 17,05 24,26 24,58 24,48 24,07 22,35 20,82 20,57 20,68 20,22 21,62 19,95 22,60 20,72 17,89 17,82 19,21 20,48 18,71 20,98 20.99 18,74 •3 o» > 21,08 20,68 23,28 26,54 21,90 19,95 20,87 20,57 20,22 22,02 19,69 22,77 19,43 18,59 19,78 16,57 19,13 17,41 17,18 20,50 16,07 23,17 24,12 28,19 41,61 31,01 25,85 27,67 24,30 23,63 21,74 22,22 25,67 27,97 26,98 23,37 24,25 24,89 26,32 26,55 27,21 27,26 A população das cidades, vilas e freguesias rurais (Em números absolutos) QUADRO III Aglomerações Cidades Vilas Freguesias rurais TOTAL 1864 1878 1890 1900 481 081 713 648 2 993 682 559 744 764 356 3 226 604 748 218 842 516 3 458 996 853 037 927 274 3 642 821 4 188 411 4 550 704 5 049 730 5 423 132 156 118 116 177 130 122 15 17 68 16 17 67 Em índices (1861>=100) Cidades Vilas Freguesias rurais 100 100 100 Em Cidades Vilas Freguesias rurais 11 17 71 116 107 108 percentagens 12 17 71 FONTE: Recenseamentos da população de 1864, 1878, 1890 e 1900. O recenseamento de 1911 já não inclui este tipo de classificação. 115 À emigração QUADRO IV Anos 1855 1856 1857 1858 1859 1860 1861 1862 1863 1864 Emigrantes 11557 (a) 10 288 9 861 8 963 9 309 6 524 5 945 5 674 4 411 4 517 1865 1866 1867 1868 1869 ... 4170 4124 (b) 4 805 4 782 6 035 1870 ... 1871 1872 1873 1874 7 310 10 388 17 284 (c) 12 989 14 835 1875 1876 1877 1878 1879 11035 11057 9 926 13 208 1880 1881 1882 12 597 14 367 18 272 Emigrantes Anos 19 251 17 518 1883 1884 1885 1886 1887 1888 1889 . 15 004 13 998 16 932 23 981 29 421 20 614 23 585 21074 30 383 2C911 1890 1891 1892 1893 1894 1895 1896 1897 1898 1899 . . .. .. 44 746 27 680 21 334 23 604 17 774 1900 1901 1902 1903 1904 21235 20 646 24170 21 611 28 304 1905 1906 1907 1908 1909 33 610 38 093 41950 40145 38 223 1910 39 515 (d) (a) Emigração de 1855 a 1865: in FREITAS, R. Notice sur le Portugal pág. 10. (b) Emigração de 1866 a 1871; in Primeiro Inquérito Parlamentar sobre a emigração Portuguesa, Lisboa, 1873, pág. 495. (c) Emigração de 1872 a 1895: in COSTA, Afonso — Estudos sobre a Economia Nacional, I — O Problema da Emigração. Lisboa, 1911, pág. 77. (d) Boletim da Junta de Emigração, Ministério do Interior, 1966. 116 A emigração: zonas de proveniência (médias anuais) QUADRO V Distritos Aveiro Beja Braga Bragança Castelo Branco Coimbra Évora Faro Guarda Leiria Lisboa Portalegre Porto Santarém Viana do Castelo Vila Real Viseu FONTE: ... ... 1866-1871 1880-1882 1896-1898 1027 47 973 23 7 189 950 8 1128 17 19 1162 1 48 82 145 1187 1 2 867 4 693 791 1474 2 509 86 1497 939 74 2 172 270 156 1194 799 1249 18 3 845 142 947 1936 2 699 2 29 19 45 3 2 741 8 390 344 390 1911-1913 5 992 708 4 123 8 675 614 6 213 27 1087 6190 4 229 620 36 6 198 750 2 560 6 658 10156 CARQUEJA, Bento — O Povo Português, Porto, 1916, pág. 388. As zonas de proveniência da emigração e os países de destino (1855-1865) QUADRO VI I Zonas de proveniência Países de destino Ponta Delgada Porto Viana Funchal Angra Horta Brasil Estados Unidos Demerara .. Jamaica Surinam Saint-Kitto 56 387 1677 1369 2 4 629 357 30 213 3 938 4 236 3 008 3 371 TOTAL 56 387 1677 6 600 3 938 7 344 3 371 Rio de Janeiro US228 1671 1 369 3 583 1103 2 742 FONTE: FREITAS, R. — Notice sur le Portugal, Lisboa, 1867, pág. 10. in