3º COLÓQUIO DO GRUPO DE ESTUDOS LITERÁRIOS CONTEMPORÂNEOS:
UM COSMOPOLITISMO NOS TRÓPICOS
e
100 ANOS DE AFRÂNIO COUTINHO (1911-2011): A CRÍTICA LITERÁRIA NO BRASIL
AFRÂNIO COUTINHO E O PROCESSO EVOLUTIVO DA LITERATURA
BRASILEIRA
Luiz Roberto Cairo 1
I
A década de 50, na literatura brasileira, pode ser considerada como da
crítica literária. É o momento em que se adquire a consciência exata
do papel relevante da crítica em meio à criação literária e aos gêneros
de literatura imaginativa, função da disciplina de espírito literário.
Sem ser um gênero literário, mas uma atividade reflexiva de análise e
julgamento da literatura, a crítica se aparenta com a filosofia e a
ciência, embora não seja qualquer delas. É uma atividade autônoma,
obediente a normas e critérios próprios de funcionamento, e detentora
de uma posição específica no quadro da literatura. (Coutinho, 2003, p.
112)
2011 é um ano importante para a história da crítica literária brasileira, uma vez
que há cem anos, no dia 15 de março, nascia em Salvador, Afrânio Coutinho (19112000), e, em 29 de outubro, falecia em Fortaleza, Tristão de Alencar Araripe Júnior
(1848-1911). Ambos, homens de letras, críticos, cujas obras constituem marcos
relevantes para a história da crítica literária brasileira.
Como leitor da obra crítica desses dois grandes escritores, cujas trajetórias em
momentos diversos eventualmente vieram a se cruzar, não poderia deixar de registrar a
curiosa relação que entre eles se estabeleceu.
Cada um em seu tempo contribuiu com competência para a renovação dos
estudos literários no Brasil, deixando sua marca no exercício da atividade crítica e
historiográfica, a ponto de se imortalizarem em tempos diferentes na Academia
Brasileira de Letras.
Araripe Júnior fundou a cadeira de número 16 e Afrânio Coutinho ocupou a
cadeira que teve como patrono Raul Pompéia (1863-1895). Araripe mantinha laços de
amizade com Pompéia. Afrânio tomou a si a tarefa de organizar em dez volumes a obra
Professor Doutor da F.C.L. ― UNESP ― Campus de Assis
Pesquisador CNPq (1D)
1
ISBN 978-85-7395-210-0
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de Pompéia e em cinco volumes a obra crítica de Araripe Júnior, tornando-se seu leitor
mais sensível ao apresentar o trabalho “Araripe Júnior e o nacionalismo literário”, como
tese à Faculdade Nacional de Filosofia, em 1957, para concorrer à docência livre de
Literatura Brasileira.
II
Sempre fui fiel, sempre fui solidário, ao lado da Bahia. Edições
baianas fiz várias. Trabalhei sempre em favor dos baianos, sempre
preocupado com figuras da Bahia. Mas no volume de coisas que fazia,
a parte da Bahia ficava perdida no meio. (Coutinho, 2003, p.30)
O primeiro contacto que tive com a crítica literária brasileira se deu através de
um texto de Afrânio Coutinho, em 1961, nas aulas de português de duas inesquecíveis
mestras do Colégio Estadual Severino Vieira, Maria Helena e Candolina Rosa, quando
fazia o Curso Colegial - na modalidade Científico - em Salvador. Ambas me levaram a
ler o capítulo referente ao Realismo, Naturalismo, Parnasianismo, d’A literatura no
Brasil.
Para quem estava então habituado a pesquisas feitas apenas em livros seriados
didáticos, aquela leitura aliada às performances brilhantes das duas mestras que nos
introduziram uma, no universo psicológico de Raul Pompéia, outra, na linguagem
sedutora de Machado de Assis, despertou o encanto pela literatura e pelas humanidades,
que me conduziram respectivamente, aos cursos de Direito, em 1963, e Letras, em 1969.
Em 1973, como não houvesse Programa de Pós-graduação em Letras, em
Salvador, fui ao Rio de Janeiro e em seguida a São Paulo, para informar-me sobre o
funcionamento dos Programas da Universidade Federal do Rio de Janeiro e da
Universidade de São Paulo. Foi aí então que tive a oportunidade de conhecer Afrânio
Coutinho, a quem fui gentilmente apresentado por sua filha Graça, Bibliotecária da
Faculdade de Letras da UFRJ.
Foi um contacto rápido, mas estimulante. Além de gentil e acolhedor como
costumava ser com os baianos, que o procuravam, Mestre Afrânio me passou todas as
informações de que precisava a respeito do Mestrado em Letras da UFRJ.
Em seguida, fui para São Paulo, onde conheci na Faculdade de Filosofia, Letras
e Ciências Humanas da USP, o crítico pernambucano João Alexandre Barbosa (19373º Colóquio do Grupo de Estudos Literários Contemporâneos: um cosmopolitismo nos trópicos e 100 anos de Afrânio Coutinho: A
crítica literária no Brasil, 3., 2012, Feira de Santana. Anais. Feira de Santana: Uefs, 2012, p. 21-30.
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2006) que, curiosamente, aconselhou-me a fazer minha dissertação sobre a obra crítica
de Araripe Júnior, o que me reconduziu à leitura da obra do Mestre Afrânio, desta vez,
dos seus textos sobre o crítico cearense.
III
A história literária do Brasil era vista como uma dependência da
portuguesa. Os primeiros séculos eram vistos como um
prolongamento da história literária portuguesa, simples continuação da
mesma. Isto, apesar dos esforços de Sílvio Romero e outros.
Nunca aceitei esta tese. Sempre me rebelei contra ela.
Sempre enxerguei o início da literatura no Brasil como literatura
brasileira. (Coutinho, 2003, p. 23)
No ano em que se comemora o centenário de nascimento do crítico e historiador
Afrânio Coutinho (1911-2011), optei por reler um de seus textos mais significativos, o
“Prefácio da primeira edição (1955)” d’A literatura no Brasil, sua magistral história da
literatura brasileira.
O “Prefácio” é um texto que sozinho alimentaria uma disciplina de introdução
aos estudos literários no Brasil. Nele, Afrânio Coutinho aborda questões de história
literária, periodização, gêneros literários, as soluções brasileiras, definição e caracteres
da literatura brasileira, influências estrangeiras, metodologia, conceito e plano de sua
história coletiva da literatura brasileira.
Paralelamente, reli a “Introdução” à Formação da literatura brasileira:
(momentos decisivos) (1959), de Antonio Candido (1918-), uma vez que juntamente
com o “Prefácio”, estes textos constituem importantes divisores de águas dos estudos
literários no Brasil, de meados do Século XX.
Minha escolha não foi aleatória, pois como professor, sempre os considerei
textos de leitura obrigatória, na disciplina Literatura Brasileira I, ministrada, durante 22
anos, na Faculdade de Ciências e Letras da UNESP, em Assis.
IV
A crítica universitária hoje é filha desta renovação crítica que se fez
no Brasil e em todo o mundo, com o espírito de seriedade e de
profundidade, de pesquisa e de orientação metodológica. Hoje a crítica
3º Colóquio do Grupo de Estudos Literários Contemporâneos: um cosmopolitismo nos trópicos e 100 anos de Afrânio Coutinho: A
crítica literária no Brasil, 3., 2012, Feira de Santana. Anais. Feira de Santana: Uefs, 2012, p. 21-30.
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universitária não é apenas isto. É a crítica brasileira pautada em
princípio de ordem lógica, de raciocínio lógico e, sobretudo, com
grande coisa, eu disse isto, que é a crítica baseada nas pesquisas
intrínsecas da obra literária. (Coutinho, 2003, p. 31)
Ao definir a literatura brasileira, na década de 50 do século passado, Afrânio
Coutinho, com enorme lucidez, levanta cerca de dez características no processo
evolutivo da literatura brasileira e de nossa atividade literária, “sem pretensões a
trabalho definitivo, sem tampouco confiar de todo na perdurabilidade dos traços
definidores” (Coutinho, 1986, I, p. 35): predomínio do lirismo, exaltação à natureza,
ausência de tradição, alienação do escritor, divórcio com o povo, ausência de
consciência técnica, culto da improvisação, literatura e política, imitação e
originalidade, e metrópole e província.
Estas características estão todas, na verdade, organicamente interligadas.
Na tentativa de fazer circular alguns de seus pontos de vista exemplares entre os
jovens leitores do século XXI, aproveito o espaço oportuno desta mesa-redonda onde se
comemoram 100 Anos de Afrânio Coutinho (1911-2011): a crítica literária no Brasil
no 3º Colóquio do Grupo de Estudos Literários Contemporâneos: Um Cosmopolitismo
nos Trópicos, evento organizado pelo Programa de Pós-graduação em Letras da UEFS,
numa iniciativa de Adeítalo Manoel Pinho, em Feira de Santana, para refletir sobre três
destas características, que, de certa forma, antecipam os rumos que tomaram a literatura
e os estudos literários brasileiros na contemporaneidade. São elas: ausência de tradição,
alienação do escritor e divórcio com o povo.
A “ausência de tradição”, resultado da oposição entre uma tradição importada e
uma eventualmente nova, conduziu a literatura brasileira a uma “antropofagia das
gerações”, pois, de seu ponto de vista:
(...) cada nova geração, marcada pelo ceticismo e pelo iconoclastismo,
em vez de procurar formar-se, só tem uma diretriz, a destruição da que
antecedeu conforme o mito da soberania da geração presente, a que
corresponde uma estase da realização artística e da acuidade crítica,
somente possíveis num clima de continuidade. (1986, I, p.36 e 37)
Isto, por sua vez, gerou o que Afrânio Coutinho chamou de “alienação do
escritor”, ou seja:
3º Colóquio do Grupo de Estudos Literários Contemporâneos: um cosmopolitismo nos trópicos e 100 anos de Afrânio Coutinho: A
crítica literária no Brasil, 3., 2012, Feira de Santana. Anais. Feira de Santana: Uefs, 2012, p. 21-30.
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100 ANOS DE AFRÂNIO COUTINHO (1911-2011): A CRÍTICA LITERÁRIA NO BRASIL
Divorciado de uma tradição, o homem de letras sente-se separado dos
predecessores, que ignora, da sociedade, que o desconhece ou dos
seus pares, a que não presta atenção. É um desterrado em sua própria
terra. É marca indelével de nossa vida intelectual a completa
desatenção do escritor ao trabalho dos outros escritores, passados ou
contemporâneos. (1986, I, p. 37)
Esta situação de isolamento, conseqüentemente, trouxe consigo um equívoco,
pois não o aproximou do povo enquanto público-leitor. Ao mesmo tempo em que
esvaziou a possibilidade da existência de uma tradição, optou pelo “divórcio com o
povo”, uma vez que a literatura brasileira é:
(...) literatura requintada, feita por uma classe para divertimento dessa
mesma classe, levando-se em conta o enorme abismo que separa elite
e povo no Brasil, elite cultivada, e dona da vida, povo distante,
analfabeto e deserdado. (1986, I, p. 37).
Convém observar que Afrânio Coutinho registrou, naquele momento, sinais de
transformação politicamente importantes como o “acesso da massa ao poder político,
econômico, social, e a posse da cultura”. (1986, I, p. 37)
No entanto, o contexto dos anos 50, marcado pela passagem de uma crítica
temática para uma crítica mais voltada às questões da linguagem, centrada, portanto no
valor estético, traço definidor de seu conceito de literatura, levou-o a complementar
meio cético:
Mas o risco perdura, pois a ninguém será permitido asseverar que essa
ascensão não se fará em detrimento dos valores estéticos, com um
desnivelamento dos padrões de cultura para adaptar-se às exigências
da mesma massa. Assim, o conflito entre as tendências highbrow e
lowbrow se resolveria por baixo. O divórcio com o público resultou
em uma literatura a que falta o público. (1986, I, p. 37)
É bom que se diga, porém, que, a partir da terceira edição d’A literatura no
Brasil, datada dos anos 80, o crítico acrescenta que: “Esse divórcio acentua com o
desenvolvimento dos órgãos de cultura de massa, apesar dos benefícios indiretos que
propiciam.” (1986, I, p. 37)
3º Colóquio do Grupo de Estudos Literários Contemporâneos: um cosmopolitismo nos trópicos e 100 anos de Afrânio Coutinho: A
crítica literária no Brasil, 3., 2012, Feira de Santana. Anais. Feira de Santana: Uefs, 2012, p. 21-30.
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100 ANOS DE AFRÂNIO COUTINHO (1911-2011): A CRÍTICA LITERÁRIA NO BRASIL
Não se deve censurar o crítico por isso, em nenhuma hipótese, pois esta é ainda
hoje, início da segunda década do século XXI, uma questão bastante polêmica.
V
Acredito na fecundidade do debate e da controvérsia infelizmente,
entre nós, transformados em polêmica pessoal! Demais disso, [a seção
“Correntes cruzadas”] cuida que é fundamental o trabalho doutrinário
e teórico, o desbravamento dos problemas de princípio e método, sem
o que não lograremos, no Brasil, jamais sair da fase do empirismo e da
improvisação. (Coutinho, 2003, p. 110)
Naquela mesma época, Antonio Candido, crítico carioca radicado em São Paulo,
escreveu o ensaio “O escritor e o público” (1955), que constitui um dos capítulos d’A
Literatura no Brasil, dirigida por Afrânio Coutinho, onde defendeu a existência de uma
tradição auditiva que perpassou a história da literatura no Brasil desde o século XVI.
Em sua opinião:
(...) durante cerca de dois séculos, pouco mais ou menos, os públicos
normais da literatura foram aqui os auditórios – de igreja, academia,
comemoração. O escritor não existia enquanto “papel social” definido;
vicejava como atividade marginal de outras, mais requeridas pela
sociedade menos diferenciada: sacerdote, jurista, administrador.
Querendo fugir daí e afirmar-se, só encontrava os círculos populares
de cantigas e anedotas, a que se dirigiu o grande irregular sem
ressonância nem influência, que foi Gregório de Matos na sua fase
brasileira. (1986, I, 222)
Convém registrar que Antônio Candido percebeu também neste texto a ausência
de comunicação entre o escritor e a massa ao observar que:
Com efeito, o escritor se habituou a produzir para públicos simpáticos,
mais restritos, e a contar com a aprovação dos grupos dirigentes,
igualmente reduzidos. Ora esta circunstância, ligada à esmagadora
maioria de iletrados que ainda hoje caracteriza o país, nunca lhe
permitiu diálogo efetivo com a massa, ou com um público de leitores
suficientemente vasto para substituir o apoio e o estímulo de pequenas
elites. (1986, I, p. 227)
3º Colóquio do Grupo de Estudos Literários Contemporâneos: um cosmopolitismo nos trópicos e 100 anos de Afrânio Coutinho: A
crítica literária no Brasil, 3., 2012, Feira de Santana. Anais. Feira de Santana: Uefs, 2012, p. 21-30.
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Diferentemente de Afrânio Coutinho, Antonio Candido não considerou a
literatura produzida pelos escritores brasileiros requintada, nem tampouco viu a elite
literária, a que seus textos se dirigem como possuidora de um refinamento de gosto, mas
apenas com “capacidade de interessar-se pelas letras”, conforme se pode constatar no
fragmento seguinte:
Correspondendo aos públicos disponíveis de leitores, - pequenos e
singelos – a nossa literatura foi geralmente acessível como poucas,
pois até o Modernismo não houve aqui escritor realmente difícil, a não
ser a dificuldade fácil do rebuscamento verbal que, justamente porque
se deixa vencer logo, tanto agrada aos falsos requintados. De onde se
vê que o afastamento entre o escritor e a massa veio da falta de
públicos quantitativamente apreciáveis, não da qualidade pouco
acessível das obras. (1986, I, p. 227)
Antonio Candido observa a presença de sinais de transformação da sociedade
pelo acesso da massa ao poder político, econômico, social e cultural, mas também
admitiu que algumas mudanças no campo tecnológico e político trouxeram prejuízos, na
medida em que elas vieram reforçar a tradição auditiva:
Em nossos dias, quando as mudanças assinaladas indicavam um
possível enriquecimento da leitura e da escrita feita para ser lida, como é a de Machado de Assis, - outras mudanças no campo
tecnológico e político vieram trazer elementos contrários a isto. O
rádio, por exemplo, reinstalou a literatura oral, e a melhoria eventual
dos programas pode alargar perspectivas neste sentido. A ascensão das
massas trabalhadoras propiciou, de outro lado, não apenas maior
envergadura coletiva à oratória, mas um sentimento de missão social
nos romancistas, poetas e ensaístas, que não raro escrevem como
quem fala para convencer ou comover. (1986, I, p. 229)
Nos anos 50, os textos desses dois críticos - Afrânio Coutinho e Antonio
Candido – alicerçaram efetivamente novos rumos para a literatura brasileira, por isso
são divisores de águas, promoveram a ruptura dos estudos literários no Brasil com o
passado de tradição historicista.
Vale lembrar, porém, que a ruptura, traço característico daquele momento,
significou como insistiu Antonio Candido, nos textos escritos em quase três décadas, - e
eu me refiro principalmente aos anos 50, 60 e 70, em que alertava para o perigo das
“pretensões excessivas do formalismo” (Candido, 1971, I, p. 33) - o encontro do crítico
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com o texto, com o estatuto da literatura e o início da profissionalização do homem de
letras e o abandono do historicismo, conforme se pode constatar neste fragmento do
ensaio “Literatura e cultura de 1900 a 1945”, redigido, segundo observação do autor em
nota de rodapé, em 1950:
Em nossos dias, estamos assistindo ao fim da literatura onívora,
infiltrada como critério de valor nas várias atividades do pensamento.
Assistimos, assim, ao fim da literatice tradicional, ou seja, da
intromissão indevida da literatura; da literatura sem propósito. Em
conseqüência, presenciamos também a formação de padrões literários
mais puros, mais exigentes e voltados para a consideração de
problemas estéticos, não mais sociais e históricos. É a maneira pela
qual as letras reagiram à crescente divisão do trabalho intelectual,
manifestado sobretudo no desenvolvimento das ciências da cultura,
que vão permitindo elaborar, do país, um conhecimento especializado
e que não reveste mais a forma discursiva. (Candido, 1973, p. 136)
Se a década de 50 foi caracterizada pela ruptura, os anos que se seguiram
trouxeram a necessidade da releitura, marcada pelas preocupações formais e estéticas,
conforme João Alexandre Barbosa sugeriu lucidamente:
(...) a crítica como releitura significa, em última instância, a
possibilidade de uma decodificação que atende não somente para os
elementos constituintes da literariedade como para o que, no texto,
envolve a sua existência como radicação na história. Só que agora,
esta radicação é percebida não como função, ou missão, do texto, mas
como decorrência de seu próprio modo de constituir-se enquanto
objeto de tensão entre forma e história. (Barbosa, 1990, p. 75)
A necessidade de rever o cânone sob esta perspectiva, hoje, aos olhos de alguns,
iluminista, pode ter sido o motivo que levou, nos anos 60, Afrânio Coutinho a publicar a
Antologia Brasileira de Literatura (1965, 1966, 1967) e Antonio Candido e José
Aderaldo Castello (1921-2011) a Presença da Literatura Brasileira (1964), onde, de
maneira mais pragmática, puderam ilustrar as idéias propostas, respectivamente, em A
Literatura no Brasil e no longo ensaio Formação da Literatura Brasileira. As duas
antologias têm preocupação didática, apresentando um extenso corpus, organizado
diacronicamente. A primeira reúne clássicos brasileiros e portugueses e a segunda reúne
apenas os brasileiros. Posturas diferentes, conforme se pode perceber, mas que
efetivamente contribuíram para a revisão do cânone, que por sua vez desencadeou novas
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atitudes no modo como o leitor brasileiro passou a olhar e repensar o texto literário, na
passagem do século XX para o XXI.
O caminho do crítico e historiador é sempre árduo porque feito de erros e
acertos, no caso de Afrânio Coutinho mais acertos que erros, o que o levou a dizer sobre
“seu fôlego tão pouco comum entre escritores brasileiros”, em entrevista, concedida ao
poeta e jornalista baiano Ildásio Tavares, em 27 de agosto de 1991: “Meu trabalho na
área de crítica literária tem sido a tônica da minha vida. Espero que tenha frutificado, e
que os seus frutos sejam permanentes.” (Coutinho, 2003, p.43)
RESUMO
No ano em que se comemora o centenário de nascimento do crítico e historiador baiano
Afrânio Coutinho (1911-2011), releio o Prefácio à 1ª. edição d’A literatura no Brasil
(1955), sua magistral história da literatura brasileira, que constitui um importante
divisor de águas dos estudos literários no Brasil, no Século XX. Numa tentativa de fazer
circular algumas de suas idéias entre os jovens leitores do século XXI, aproveito o
espaço oportuno do 3º Colóquio do Grupo de Estudos Literários Contemporâneos: Um
Cosmopolitismo nos Trópicos e da conferência 100 Anos de Afrânio Coutinho (19112011): a crítica literária no Brasil”, da UEFS, para refletir, particularmente, sobre
algumas características da evolução da literatura brasileira e de nossa atividade literária,
levantadas na década de 50, do século passado, com enorme lucidez, por este crítico,
“sem pretensões a trabalho definitivo, sem tampouco confiar de todo na perdurabilidade
dos traços definidores”.
PALAVRAS-CHAVE: Afrânio Coutinho. Crítica Literária. História da Literatura.
BIBLIOGRAFIA
BARBOSA, João Alexandre. A leitura do intervalo. São Paulo: Iluminuras, 1990.
CANDIDO, Antonio. Formação da literatura brasileira: (Momentos decisivos). São
Paulo: Livraria Martins Editora, 1971, 4.. ed., 2 vv.
CANDIDO, Antonio. Literatura e sociedade. São Paulo-SP: Companhia Editora
Nacional, 1973, 3a. ed. rev., p. 136.
3º Colóquio do Grupo de Estudos Literários Contemporâneos: um cosmopolitismo nos trópicos e 100 anos de Afrânio Coutinho: A
crítica literária no Brasil, 3., 2012, Feira de Santana. Anais. Feira de Santana: Uefs, 2012, p. 21-30.
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CANDIDO, Antonio e CASTELLO, José Aderaldo. Presença da Literatura Brasileira.
São Paulo-SP: DIFEL, 1964, 3 v.
COUTINHO, Afrânio. A literatura no Brasil. (Dir. A.Coutinho) V. 1. Rio de JaneiroRJ: José Olympio; Niterói-RJ: EDUFF, 3a. ed., 1986.
COUTINHO, Afrânio. Antologia Brasileira de Literatura. Rio de Janeiro-RJ:
Distribuidora de Livros Escolares, 1965, 1966 e 1967, 3 vv.
COUTINHO, Afrânio. Crítica e Teoria Literária. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro;
Fortaleza: Edições Universidade Federal do Ceará/PROED, 1987.
COUTINHO, Afrânio, COUTINHO, Graça et al. Afrânio Coutinho. Salvador: Fundação
Casa de Jorge Amado, 2003.
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