O BARROCO NA FORMAÇÃO DA LITERATURA BRASILEIRA
Uma revisão dos textos fundadores da historiografia literária no Brasil*
Nathaniel Reis de Figueiredo (FURG)
1 O BARROCO SEQUESTRADO
O presente estudo parte das provocações encontradas em O sequestro do
barroco na formação da literatura: o caso Gregório de Matos (1989), de Haroldo de
Campos. Nesta obra, Campos critica a exclusão do Barroco da história da literatura
brasileira efetuada por Antônio Candido em Formação da literatura brasileira (1981).
Em Candido (1981), a noção de sistema literário abriu novas perspectivas em
relação a “questão da origem” da literatura brasileira, uma verdadeira obsessão da
história da literatura segundo Campos (1989). Ainda que “No sentido mais amplo,
houve literatura entre nós desde o século XVI)” (CANDIDO, 1981: 15), para Candido,
a formação da literatura brasileira teria iniciado no Arcadismo, momento em que o
nacionalismo começa a tomar forma.
É a noção de sistema literário que permite Candido localizar esse momento
de “origem” da literatura brasileira. É no Arcadismo que a tradição do que
posteriormente será a literatura brasileira começa a se consolidar, sintetizando a
linguagem equilibrada e normatizada do neoclassicismo com as descrições da terra
brasileira. O sistema literário brasileiro de Candido é a consolidação de uma tradição
que tenta dar visibilidade às “coisas brasileiras” na Europa, através da universalização
do particular.
O sistema literário brasileiro começaria no final do século XVIII com os
árcades mineiros, analisados no volume um de Formação... e estaria plenamente
desenvolvido com os românticos da metade do século XIX, analisados no volume dois
de Formação..., momento este que teve em seu ápice a figura de Machado de Assis.
Sua periodização obedeceria a evidência “estética e histórica”. Para Candido (1981)
*
Texto apresentado como trabalho de conclusão da disciplina de História da Literatura
Brasileira, ministrada pela Prof.ª Dr. Luciana Paiva Coronel no curso de Mestrado em História
da Literatura da Fundação Universidade do Rio Grande (FURG), no ano de 2012/2.
sua periodização é algo “natural”, semelhante a visão cientificista objetiva dos fatos
histórico-literários tal como pensava Sílvio Romero.
Em Formação... os escritores do período Barroco não fazem parte do sistema
literário brasileiro pois não teriam formado uma “tradição” literária. Antônio Vieira e
Gregório de Matos seriam “manifestações literárias” do período colonial que não
tiveram fôlego de constituir um sistema: “Em fases iniciais, é frequente não
encontrarmos esta organização [do sistema literário na relação autor/obra/público] de
maneira a formar uma “tradição” […] Isto não impede que surjam obras de valor […]
São manifestações literárias.” (CANDIDO, 1981: 24).
É interessante notar que, apesar de propor critérios objetivos para a sua
exclusão do período Barroco no Brasil, Candido não deixa de destilar preconceitos
sobre o período. Um exemplo disso é sua apresentação de Cláudio Manuel da Costa,
que por “esforço pessoal” teria chegado à arcádia lusitana superando o “cultismo” do
Barroco pela imitação dos clássicos italianos.
A exclusão do Barroco em Formação... não deixa de ser problemática. Se
Candido percebe que no poeta que está na gênese do sistema literário literário
brasileiro ainda há elementos de um estética anterior, esses elementos também não
fariam parte da tradição que aos poucos se consolida?
Campos (1989) considera que a exclusão do Barroco na formação da
literatura brasileira não se baseia em critério “objetivos” como Candido afirma. A
inexistência do Barroco em sua história da literatura deve-se antes à visão do
fenômeno literário que ele formula dentro da noção de sistema literário.
Ao enfatizar como sistema literário um modelo comunicacional e integrativo
existente nas expressões árcades e românticas, Candido enfatiza uma visão de que a
literatura tem uma missão com a sociedade. Esta missão tolhe “exercícios de fantasia”
por preocupações políticas. Para Campos (1989), em um modelo de literatura que visa
comunicar algo não há espaço para o Barroco, a estética da “superabundância e do
desperdício”, a poética da “vertigem do lúdico”.
O desmonte do instrumental teórico de Candido na Formação... é efetuado
por Campos (1989) através do desconstrucionismo de Jacques Derrida. Seu objetivo
principal é mostrar que a exclusão do Barroco da história da literatura vai para além de
uma questão objetiva, sendo antes uma implicação do modelo epistemológico adotado
por Candido. Critica-se assim a opção de história progressiva presente em a
Formação... e desnuda-se o preconceito generalizado do racionalismo frente a estética
Barroca ao qual Candido se filia.
Pensando na importância que o Barroco possui para a Literatura Brasileira,
especialmente para muitos escritores contemporâneos, revisita-se neste estudo um
conjunto de textos fundadores da história da literatura brasileira analisando a ausência
e presença do Barroco. Essa busca tem como intuito demonstrar que o “sequestro” do
período, realizado por Candido, está relacionado com uma tradição que remonta às
origens da história da literatura como disciplina no Brasil.
2 A VISÃO DOS ESTRANGEIROS
No livro Historiadores e críticos do romantismo - 1: a contribuição europeia –
crítica e história literária (1978), organizado por Guilhermino César, encontra-se
diversos textos escritos por estrangeiros sobre a literatura brasileira datados do final
do século XVIII até meados do século XIX. Desse conjunto, selecionou-se neste
estudo os textos que fazem referências implícitas ou explícitas ao Barroco brasileiro.
Frederik Bouterwerk (1765-1828) foi o primeiro intelectual a aplicar o método
histórico, até então incipiente na Europa, aos autores de língua portuguesa em seu
História da poesia e da eloquência brasileira, de 1804. Foi o primeiro também a
estudar autores de nacionalidade brasileira em um capítulo dentro desta obra
destinado aos escritores Antônio José (conhecido como “O Judeu”) e Cláudio Manuel
da Costa. A obra de Bouterwerk insere-se dentro do momento estético e intelectual do
Romantismo, no qual métodos historicistas orientados por noções nacionalistas
ganhavam força.
Bouterwerk não deixa de notar que Cláudio Manuel da Costa descobriu tarde
o neoclassicismo. A isso se deveria o seu “mau gosto” em alguns momentos: “[...] a
poesia empolada dos sonetistas do século XVII ainda transparece aqui e ali, nos
poemas de Costa” (BOUTERWERK apud CESAR, p.9). Por esses elementos de mau
gosto entende-se aqui o excesso da estética barroca.
Já na gênese de nossa historiografia literária, o Barroco é sequestrado. Ainda
que Bouterwerk veja no principal poeta do Arcadismo mineiro lastros da estilística
barroca, tal característica é descartada como uma contaminação de uma arte inferior.
Simonde de Sismondi (1773-1842) fez parte do “grupo de Coupet”, possuindo
forte influência das ideias românticas de Madame Stael, que preconizava a dicotomia
entre as literaturas “frias” e racionalistas do Norte versus as literaturas “quentes” e
imaginativas do Sul. Sua obra em quatro tomos De la littérature du Midi de l'Europe, de
1813, teve a intenção de sistematizar de maneira global a literatura produzida nas
diferentes expressões latinas.
Nos trechos de De la littérature... em que Sismondi tenta sistematizar um
panorama da literatura de língua portuguesa, há uma forte crítica aos imitadores
portugueses de Gôngora. A distância do gongorismo português será o critério
avaliativo de Sismondi em relação a “originalidade” de Manuel da Costa, que “pelo
gosto pessoal […] decidiu a buscar modelos nos antigos poetas italianos e em
Metastásio” (SISMONDI apud CESAR, 1978: 23)
Resumo da história literária do Brasil é o título do texto escrito em 1826 por
Ferdinand Denis (1789-1890), intelectual francês que viveu no Brasil. Esse texto foi o
primeiro a tratar da literatura brasileira como autônoma da portuguesa, tratando os
fenômenos da literatura produzidas no Brasil de forma orgânica.
Sobre o período Barroco, Denis é econômico em suas avaliações. Sua visão
dos poetas do século XVII até meados do XVIII é resumida em um subcapítulo de
nome “Visão sumária de alguns poetas dos séculos XVII e XVIII”, em que lista autores
como o já citado Bento Teixeira e outros, como Botelho de Oliveira.
No mesmo ano de publicação do Resumo..., saía o Parnaso lusitano, de
Almeida Garret (1799-1854). Essa obra, uma antologia de poemas, tem em sua
introdução um estudo crítico de título “História abreviada da língua e poesia
portuguesa”, abarcando em seu corpus produções de Portugal e do Brasil e buscando
corrigir os dois intelectuais que o precederam no assunto, Bouterwerk e Sismondi, que
para Garret mais confundiam do que ajudavam.
Garret foi um romântico que valorizou as expressões neoclássicas em
detrimento das expressões barrocas, possuindo grande empatia pelo Arcadismo
brasileiro. Na revisitação dos textos para a escrita deste memorial, percebo a
expressiva contribuição de Garret na tradição de exclusão do Barroco da literatura
brasileira, pois em seu caso na própria literatura lusa essa manifestação estética é
ignorada, ainda que houvesse um acervo barroco para consulta.
Em 1863 foi publicado Le Brésil littéraire: histoire de la littérature brésilienne,
do filólogo austríaco Ferdinando Wolf (1796-1866). Com Wolf há uma sistemática de
periodização da história literária do Brasil à luz dos métodos historicistas então
vigentes na Europa. Segundo César (1978), a orientação do trabalho de Wolf é
determinar de que maneira o Romantismo brasileiro inaugurou uma “nova era” no
plano literário e político.
Em relação aos séculos XVII e a primeira metade do XVIII, o primeiro e o
segundo período da literatura brasileira segundo o historiador, o descarte do Barroco é
perceptível. Wolf desconsidera a produção desse período apontando que no século
XVII “[...] os colonos imitam servilmente os modelos português e espanhol” (WOLF
apud CESAR, 1978: 144). Na primeira metade do século XVIII “[...] ainda persiste a
imitação pura e simples dos modelos portugueses” (WOLF apud CESAR, 1978: 144).
Essas acusações não são somente pela falta de “originalidade” desses escritos mas
sim pela própria estética que vinculam.
Para Wolf, o Arcadismo inicia o momento de independência literária no Brasil.
Porém, na visão deste trabalho os árcades eram “imitadores” de estéticas europeias
tanto quanto os barrocos. Wolf chama de “originalidade” a linguagem e a imagística
que serão a base da tradição nacionalista da literatura brasileira, enquanto que o
Barroco anterior seria o disruptivo com seus paradoxos e suas metalinguagens.
Outra questão relevante no texto de Wolf e a ausência de Gregório de Matos.
Varnhagen já havia publicado um grande número dos poemas de Gregório em 1850, o
que permite considerar que a exclusão do poeta foi conscientemente realizada. Ainda
que insira em seu cânone o Padre Anchieta e o Padre Antônio Vieira, Wolf ignora um
escritor que será considerado um dos maiores autores do Barroco literário brasileiro.
3 OS CRÍTICOS E HISTORIADORES BRASILEIROS
Saindo dos estrangeiros, parte-se para uma análise dos textos das primeiras
expressões críticas e históricas da literatura escrita no Brasil reunidas em O berço do
cânone: textos fundadores da história da literatura brasileira (ZILBERMAN, MOREIRA,
1998). A questão da identidade nacional e da origem da literatura é central nesses
textos, pois esses críticos e historiadores se incumbem da função de legitimar a
literatura brasileira como expressão da nacionalidade. O Barroco é cada vez mais
eclipsado, seguindo e ampliando a tendência encontrada nos textos escritos por
estrangeiros no mesmo período.
Januário Cunha Barbosa (1780-1846) prefaciou e organizou a primeira
coleção de poesias Parnaso brasileiro, lançada entre 1829 e 1831. Cunha Barbosa é
um exemplo de formação do incipiente arquivo literário brasileiro. Restringe-se a reunir
os textos dos poetas que encontrou, acrescentando notas biográficas a cada um dos
autores. Alguns poemas de Gregório de Matos fazem parte da antologia.
“Bosquejo histórico da poesia brasileira”, de Joaquim Norberto de Souza
(1820-1891), foi escrito como introdução ao seu livro Modulações poéticas, lançada
em 1841. Norberto de Souza foi membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro,
órgão imperial que servia de estímulo as reflexões nacionalistas românticas entre a
intelectualidade brasileira. Seu texto, o primeiro de autoria de um brasileiro, divide a
história da literatura brasileira em períodos históricos.
Sobre o Barroco, Norberto de Souza lhe dedica um período de suas divisões
históricas: o primeiro, que vai do descobrimento do Brasil até fins do século XVII. Para
o autor, os jesuítas seriam os agentes imbuídos do espírito da Contra-Reforma que
teriam trazido a civilização aos indígenas, autóctones que “[...] envoltos vivam nas
trevas da ignorância e do paganismo” (SOUZA apud ZILBERMAN, MOREIRA, 1998:
107).
Após as invasões holandesas, haveria surgido no nordeste alguns literatos
imitadores dos “[...] desvarios de Gôngora e Marino” (SOUZA apud ZILBERMAN,
MOREIRA, 1998: 108). Os traços estilísticos do Barroco seriam o “mal” desse período
para Norberto de Souza, responsável pelo “mau gosto” da lírica lusitana do período.
Em relação à Gregório de Matos, Norberto de Souza expõe que “Foi
prodigioso na sátira, mas ao cabo raro deixou-nos que digna seja de ler-se” (SOUZA
apud ZILBERMAN, MOREIRA, 1998: 109). Aqui Gregório aparece pela primeira vez
entre os textos brasileiros, mas com uma crítica negativa frente a seus traços
estilísticos.
Em 1843 é lançado o livro Parnaso Brasileiro, de João Manuel Pereira da
Silva (1817-1898). Neste livro há um texto introdutório que é importante para um
estudo da historiografia literária, intitulado “Uma introdução histórica e biográfica sobre
a literatura brasileira”.
Do subcapítulo dedicado ao Barroco nesta introdução de Pereira da Silva,
“Literatura brasileira do século XVII”, há uma grande lista de escritores. Um exemplo é
Antônio Vieira, considerado um mestre da oratória “[...] extasiando com sua mágica
palavra a todos os seus habitadores” (SILVA apud ZILBERMAN, MOREIRA, 1998:
162). Pereira da Silva destaca Gregório de Matos, o “mais conhecido e reputado”
poeta do século XVII:
[...] suas sátiras são picantes; e nos seus versos reina uma
certa lição de mundo, e de malignidade, que os torna muito
agradáveis à leitura: é a própria causticidade e o sarcasmo
elevado ao maior grau. (SILVA apud ZILBERMAN, MOREIRA,
1998: 164).
Outro texto importante que introduz um livro de poesia é o de Carlos Emílio
Adet (1818-1867), realizado para a antologia de poemas Mosaico poético. Para Adet,
os estudos literários no Brasil deveriam começar pelo estudo dos indígenas que aqui
viviam, que se elevariam “[...] acima dos povos americanos pela sua imaginação
ardente e poética” (ADET apud ZILBERMAN, MOREIRA, 1998: 197).
Sobre o Barroco, Adet aponta que é no século XVII que surgem os primeiros
“gênios” da Literatura Brasileira, ainda que “[...] dominada pela escola de Gôngora e
Marini” (ADET apud ZILBERMAN, MOREIRA, 1998: 199). É importante notar que essa
acusação de “gongorismo” e “marinismo” é um verdadeiro lugar comum nos textos
fundadores da historiografia literária brasileira.
Sobre Gregório de Matos e seus irmãos, Adet escreve que “[...] dão-se ao
cultivo da sátira, ridicularizam os costumes e usos da época, fazendo o povo rir-se à
custo de si mesmo” (ADET apud ZILBERMAN, MOREIRA, 1998: 200). Tais
características, não de todo depreciativas para Adet, compara-os aos poetas satíricos
Juvenal e Pérsio.
Entre os críticos românticos brasileiros, Veríssimo (1963) aponta que
Francisco Adolfo de Varnhagen (1816-1878) foi o iniciador da historiografia literária
brasileira. Tal título lhe é tributado pelo texto “Ensaio histórico sobre as letras no
Brasil”, publicado em 1850 no primeiro volume de Florilégio da poesia brasileira. Com
Florilégio... tinha Varnhagen o objetivo de fazer uma grande reunião da produção
poética brasileira, reunidos textos de autores do século XVII e XVIII no primeiro tomo.
Varnhagen enfatiza o Barroco, especialmente o poeta Gregório de Matos. É
em Varnhagen que se encontra o primeiro estudo mais detido sobre a vida e a obra de
de Gregório de Matos. O historiador ressalta a sua importância social como crítico
ferino da sociedade em que vivia. Ainda assim, não deixa de acusá-lo de imitador dos
grandes nomes Barrocos, especialmente Quevedo.
Ao fim, a avaliação de Varnhagen sobre o poeta baiano segue o tom de
censura dos outros textos: “Sua imaginação era talvez viva, mas descuidada. O seu
gênio poético faísca, mas não inflama; surpreende, e não comove; salta com ímpeto e
força, mas não via, nem atura na subida” (VARNHAGEN apud ZILBERMAN,
MOREIRA, 1998: 242). Na visão da presente análise, Varnhagen aponta tais “falhas”
em Gregório por seus poemas não se alinharem às noções românticas de “cor local” e
expressão subjetiva do eu.
Atualmente, é consenso acadêmico que a obra de Sílvio Romero é a primeira
que merece o título de “história da literatura” no Brasil. História da literatura brasileira
(ROMERO, 1960), publicada pela primeira vez em 1888 em cinco volumes, é uma
obra com grande profundidade teórica em comparação com textos que trataram desse
assunto no Brasil durante o século XIX. Nela, as teorias raciais são centrais para
compreensão dos produtos culturais.
O período Barroco ganha espaço dentro da periodização histórica de Romero
na “Primeira época ou período de formação (1500-1750)”. Gregório de Matos é
destacado positivamente como o “[...] fundador da nossa literatura” (ROMERO, 1960:
373).
Ainda que critique o “cultismo” de Gregório de Matos, Romero é só elogios
para com o poeta, que sintetizaria a nova raça que surgia no Brasil:
Gregório Guerra é o genuíno iniciador de nossa poesia lírica e
de nossa intuição étnica. O seu brasileiro não era o caboclo,
nem o negro, nem o português; era já o filho do país, capaz de
ridicularizar as pretensões separatistas das três raças;
(ROMERO,1960: 382).
No cânone literário de Romero, Gregório de Matos encarna a essência da
raça brasileira. Percebe-se o quanto as noções racialistas do historiador influenciam
em seu julgamento: é pelo caráter mestiço de sua poesia que Gregório é valorizado
por Romero.
José Veríssimo publicou em 1916 o livro Historia da literatura brasileira
(VERÍSSIMO, 1963). Esta obra é resultado de 25 anos do trabalho de Veríssimo como
crítico, resultado de uma trajetória que concordou em diversos momentos com os
postulados cientificistas do naturalismo.
O estilo Barroco recebe especial atenção por Veríssimo na parte de sua
História... dedicada ao período colonial. Procurando os escritores de maior renome do
barroco brasileiro, encontram-se nomes como Antônio Vieira e Botelho de Oliveira.
Gregório de Matos ganha um capítulo próprio, sendo considerado “[...] o nosso mais
copioso poeta dos tempos coloniais” (VERÍSSIMO, 1963: 65)
Veríssimo (1963) avalia positivamente a produção poética de Gregório de
Matos. O poeta baiano ilustraria um tipo de sentimento nacional encarnado no
“capadócio”. Gregório foi o primeiro boêmio de nossa literatura, “com a vantagem de o
ser de nascença e originalmente, e não de macaqueação de Paris” (VERISSIMO,
1963: 70).
Sobre a importância literária de Gregório de Matos, considera que “[...] sua
copiosa obra poética é singularmente levantada por lances interessantíssimos à
história dos nosso costumes e da sociedade do seu tempo”. (VERÍSSIMO, 1963: 70).
Da mesma maneira que para Veríssimo Machado de Assis é o ápice de literatura
moderna, Gregório de Matos é o ápice da literatura colonial em a História..., sendo
sucedido depois somente pelos árcades mineiros.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Coutinho (1976) lembra que a noção de Barroco foi elaborado no final do
século XIX como um desafio à historiografia literária, que via as produções entre o
período Renascentista e Neoclássico como uma arte degenerada. A partir dos
trabalhos de Wölffin, conseguiu-se compreender melhor esse esse período. Para além
de estética do “excesso” e do “mau gosto”, o Barroco se opôs ao racionalismo do
Renascimento propondo a “[...] liberdade, da irregularidade e da emoção”
(COUTINHO, 1976: 92).
Apoiado nessa noção, Coutinho (1976) irá precisar que a produção literária do
período Barroco foi mal compreendida pela crítica romântica pela excessiva imitação
de modelos que os barrocos propunham. Foi somente a partir do Romantismo que se
desvalorizou a imitação, sendo elevada como categoria estética a noção de
originalidade. No período que compreende os séculos XVI e XVIII, a norma foi a
imitação, sendo valorizada como uma forma de acesso da beleza dos antigos.
O que os críticos românticos e pós-românticos fizeram foi uma crítica
anacrônica que desprezou a “imitação” supostamente presente nos escritores do
período Colonial através de termos como “gongorismo”, “marinismo” e “cultismo”. Esse
anacronismo é perceptível quando se lê os textos românticos fundadores da
historiografia literária brasileira.
Gregório de Matos foi vítima desse anacronismo da crítica romântica, sendo
na historiografia literária brasileira muitas vezes “ […] acusado […] como um simples
copista de Gôngora e Quevedo, esquecendo-se de que estes dois mesmo gênios
devem, através da imitação, aos modelos antigos.” (COUTINHO, 1976: 87). A norma
geral nos textos fundadores da história da literatura no Brasil é de que o poeta era um
escritor menor, salvo exceções como Romero e Veríssimo.
A revalorização de Gregório de Matos e dos autores barrocos do período
colonial, efetuada por Coutinho (1976) e Campos (1989), não é somente a
recuperação de um artista do passado. Tal recuperação é um desafio a uma tradição
na historiografia que toma seus primeiros contornos já nos críticos estrangeiros e se
consolida com os intelectuais românticos brasileiros. Um forte representante dessa
tradição que exclui o Barroco é Antonio Candido.
A busca da ausência e da presença do Barroco nos textos fundadores da
história da literatura brasileira é uma crítica à noção de história vinculada nestes textos
e ainda presente no senso comum. É uma tarefa que se ergue contra a noção
teleológica do desenvolvimento histórico, da “história retilínea”. Abrem-se assim
possibilidades para uma proposta teórica de escrita da história da literatura brasileira
que adota as noções de fragmentação de Walter Benjamin e do desconstrucionismo
de Jacques Derrida. Em outras palavras, defende-se pela recuperação do Barroco
uma visão histórica da literatura aberta para a multiplicidade do passado e para a
autocrítica das noções que vincula.
REFERÊNCIAS
CAMPOS, Haroldo de. O sequestro do barroco na formação da literatura brasileira: o
caso Gregório de Matos. Salvador: FCJA, 1989.
CANDIDO, Antônio. Formação da literatura brasileira: momentos decisivos. 6 ed. Belo
Horizonte: Ed. Itatiaia, 1981. v.1 e v.2
CESAR, Guilhermino (org.). Historiadores e críticos do romantismo -1: a contribuição
europeia - crítica e história literária. São Paulo: EDUSP; Rio de Janeiro: Livros
Técnicos e Científicos, 1978.
COUTINHO, Afrânio. Introdução à literatura no Brasil. 9 ed. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 1976.
ROMERO, Sílvio. História da literatura brasileira. 6. ed. Rio de Janeiro: José Olympio,
1960. v.2
VERÍSSIMO, José. História da literatura brasileira: de Bento Teixeira a José de
Alencar. 4 ed. Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 1963.
ZILBERMAN, Regina; MOREIRA, Maria Eunice. O berço do cânone: textos fundadores
da história da literatura brasileira. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1998.
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