ESCOLA SUPERIOR ABERTA DO BRASIL - ESAB CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM EDUCAÇÃO RELIGIOSA ESCOLAR E TEOLOGIA COMPARADA RONI GONÇALVES PY A CORRUPÇÃO DOS FUNDAMENTOS HEBRAICOS DA FÉ CRISTÃ CAUSADA PELAS INFLUÊNCIAS GRECO-ROMANAS VILA VELHA (ES) 2013 RONI GONÇALVES PY A CORRUPÇÃO DOS FUNDAMENTOS HEBRAICOS DA FÉ CRISTÃ CAUSADA PELAS INFLUÊNCIAS GRECO-ROMANAS Monografia apresentada ao Curso de Pós-Graduação em Educação Religiosa Escolar e Teologia Comparada da Escola Superior Aberta do Brasil como requisito para obtenção do título de Especialista em Educação Religiosa Escolar e Teologia Comparada, sob orientação do Prof. Me. Marcony Brandão Uliana. VILA VELHA (ES) 2013 RONI GONÇALVES PY A CORRUPÇÃO DOS FUNDAMENTOS HEBRAICOS DA FÉ CRISTÃ CAUSADA PELAS INFLUÊNCIAS GRECO-ROMANAS Monografia aprovada em ... de ... de 2013. Banca Examinadora __________________________________ __________________________________ __________________________________ VILA VELHA (ES) 2013 Disse Jesus aos judeus que criam nele: Se vós permanecerdes na minha palavra, verdadeiramente sois meus discípulos. (João 8.31) E até importa que haja heresias entre vós, para que os que manifestem entre vós. (1 Coríntios 11.19) são sinceros se RESUMO Este estudo teve o objetivo de analisar a corrupção dos fundamentos hebraicos da fé cristã causada pelas influências greco-romanas. Dentre os autores pesquisados para a constituição conceitual deste trabalho, destacaram-se Hurlbut (2007), González (2011), Cairns (2008), Pearlman (2009), Filho (2012), e Stern (2007). O capítulo 2 tratou dos fundamentos hebraicos da fé cristã, essa que é uma continuação da fé hebraica. Já no capítulo 3 foram analisados os impactos da cultura greco-romana nos fundamentos da fé cristã, levando-a a sincretismos e corrompendo assim as práticas cristãs. E por fim, no capítulo 4 foram elencados movimentos de restauração das práticas da fé cristã, que tentaram reverter a situação e voltar às origens da fé no Messias. A metodologia utilizada foi a pesquisa exploratória, tendo como coleta de dados o levantamento bibliográfico. As conclusões mais relevantes são: que a fé messiânica (cristã) pode ser percebida como uma continuação da fé hebraica; que a cultura greco-romana influenciou a prática das crenças fundamentais da fé cristã, principalmente após a oficialização desta fé por Constantino, criando assim o Cristianismo; e que os movimentos que surgiram como tentativas de restauração da verdadeira fé messiânica, em sua maioria mantiveram-se debaixo de influências da cultura greco-romana. Palavras-chave: Igreja. Messianismo. Fé cristã. Fé messiânica. Sincretismo religioso. SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................... 2 OS FUNDAMENTOS HEBRAICOS DA FÉ CRISTÃ ......................................... 2.1 A FÉ MESSIÂNICA COMO PLENIFICAÇÃO DA FÉ HEBRAICA ................... 2.2 ALGUNS FUNDAMENTOS DA FÉ CRISTÃ HERDADOS DA FÉ HEBRAICA 2.2.1 O monoteísmo ............................................................................................. 2.2.2 As Escrituras ............................................................................................... 2.2.3 A fé messiânica ........................................................................................... 2.3 OS ENSINOS DE JESUS CRISTO .................................................................. 3 OS IMPACTOS DA CULTURA GRECO-ROMANA NOS FUNDAMENTOS DA FÉ CRISTÃ ............................................................................................................ 3.1 OS GENTIOS NA IGREJA E O ROMPIMENTO COM O JUDAÍSMO ............. 3.2 O EDITO DE TOLERÂNCIA – A OFICIALIZAÇÃO DO CRISTIANISMO ........ 3.3 A DIVISÃO DO IMPÉRIO, E DA IGREJA ........................................................ 4 MOVIMENTOS DE RESTAURAÇÃO DA FÉ MESSIÂNICA ............................. 4.1 MOVIMENTOS PRÉ-REFORMA DA IGREJA ................................................. 4.2 A REFORMA DA IGREJA ................................................................................ 4.3 MOVIMENTOS PÓS-REFORMA DA IGREJA ................................................. 4.4 O JUDAÍSMO MESSIÂNICO ........................................................................... 4.5 OUTROS MOVIMENTOS ................................................................................ 5 CONCLUSÃO ..................................................................................................... REFERÊNCIAS ..................................................................................................... 06 08 10 13 15 18 20 22 25 27 30 35 38 38 40 44 45 47 49 52 6 1 INTRODUÇÃO O presente trabalho é sobre a deformação causada pela influência da cultura grecoromana na fé cristã (baseada na fé hebraica), ou seja, até que ponto a cultura grecoromana deturpou a verdadeira fé messiânica (cristã) de origem hebraica, já que o Messias era hebreu. Tal estudo faz-se necessário devido à sua relevância para a comunidade acadêmica e, principalmente, para a restauração da mensagem messiânica entre a cristandade contemporânea, a qual vive há algum tempo em uma crise que a divide e dá mais origem a debates e contendas do que a soluções e paz (FILHO, 2009). A corrupção dos fundamentos hebraicos da fé cristã causada pelas influências greco-romanas será aqui estudada partindo do ponto de que Jesus Cristo inseriu-se na História como o Messias prometido por Deus ao povo hebreu, e ensinou sua mensagem que, com o passar do tempo, foi sendo deixada de lado por seus seguidores (a igreja), e que isso aconteceu principalmente depois que o Império Romano, através de Constantino, elegeu a fé cristã como oficial, criando assim a religião conhecida como Cristianismo. Os principais autores consultados para este trabalho são os historiadores cristãos: Blainey (2012), Cairns (2008), Daniel-Rops (2008), González (2011) e Hurlbut (2007); o historiador hebreu Josefo (2011); e o historiador de religiões Marques (2005). Também foram consultados teólogos cristãos e messiânicos como, por exemplo: Boff (2011), Champlim (2002), Dunnett (2005), Filho (2012), Geisler (2006), Gingrich (2007), Guimarães (2012), Langston (2007), Pearlman (2009), Shubert (2010) e Stern (2007); além de outros escritores. O problema de pesquisa que orienta este estudo é: Quais foram os resultados da assimilação das influências greco-romanas pela Igreja Cristã? 7 Para responder ao problema acima levantado formula-se o seguinte objetivo geral: Analisar a corrupção dos fundamentos hebraicos da fé cristã causadas pelas influências greco-romanas. Para alcance do objetivo geral, elencam-se os objetivos específicos abaixo: - Identificar os fundamentos hebraicos da fé cristã; - Descrever os impactos da cultura greco-romana sobre os fundamentos da fé cristã; - Investigar os movimentos de restauração da prática da fé cristã. A metodologia utilizada neste trabalho foi, por se tratar de intervenções históricas, a pesquisa exploratória com levantamento bibliográfico de dados (HEERDT, 2007), sobretudo nos livros de História dos Hebreus, de História da Igreja Cristã e de História do Cristianismo. Todavia, foram também consultados textos de Teologia Sistemática, de Cristianismo Contemporâneo, de religiões, e outros, além, obviamente, daqueles livros ensinamentos de Jesus Cristo. que fazem referência especificamente aos 8 2 OS FUNDAMENTOS HEBRAICOS DA FÉ CRISTÃ A Bíblia, assim denominada pelos cristãos, desde o século II d.C., a reunião dos escritos sagrados, é composta basicamente por duas partes, conhecidas entre os cristãos com os títulos de “Antigo Testamento” (o Tanach) e “Novo Testamento”, ou ainda com os nomes de “Primeiro Testamento” e “Segundo Testamento”, respectivamente. “O Antigo Testamento foi escrito pela comunidade judaica, e por ela preservado um milênio ou mais antes da era de Jesus. O Novo Testamento foi composto pelos discípulos de Cristo ao longo do século I d.C.” (GEISLER, 2006, p. 5). E o ponto unificador entre os dois testamentos é uma pessoa: Jesus, o Messias esperado pelo povo hebreu. “Agostinho dizia que o Novo Testamento acha-se velado no Antigo Testamento, e o Antigo, revelado no Novo” (GEISLER, 2006, p. 6). No Primeiro Testamento encontra-se registrada basicamente a origem da História dos hebreus, dos israelitas. Essa origem está em um pacto que Deus fez com o patriarca Abraão, que recebeu o chamado divino para afastar-se, separar-se do paganismo para ter uma aliança com o único e verdadeiro Deus. A missão principal do povo de Israel era pregar o monoteísmo, contrariando o politeísmo que era praticado nas nações vizinhas, e essa missão tem origem no chamado de Abraão (PEARLMAN, 2009). Esse povo hebreu, descendente de Abraão, se desenvolveu, apesar de terem sido dominados por várias vezes por várias nações estrangeiras, como, dentre outros: os egípcios, os assírios, os babilônios e os romanos (JOSEFO, 2011). Deus havia feito a promessa, através dos profetas hebreus, de enviar um Messias salvador a Israel. Bem no início do Antigo Testamento, em Gênesis 3.15, já pode ser encontrada uma profecia de um descendente da mulher (representante da raça humana) que viria colocar fim ao domínio da serpente – que levou o ser humano a pecar (PEARLMAN, 2009). 9 Nos Evangelhos, no início do Segundo Testamento, pode ser lida a História de Jesus Cristo sendo enviado por Deus como o Messias prometido. Jesus era descendente da mulher (cumprindo a profecia de Gênesis 3.15), e, por desígnio divino, era hebreu de nascimento, portanto descendente de Abraão. Assim, um número de judeus (de hebreus) ouviu a mensagem de Cristo e passaram a segui-lo, crendo que ele realmente era o Ungido, o Messias divino – “Cristo” (do grego) e “Messias” (do hebraico) tem o mesmo sentido: “O Ungido” (PEARLMAN, 2009). Esses seguidores de Jesus, alguns anos depois, passariam a ser conhecidos como cristãos – derivação da palavra “Cristo” – formando o grupo conhecido como Igreja. O vocábulo “igreja”, que no grego é “ekklêsia”, para Pearlman (2009), significa algo como “congregação”, “assembléia” ou “comunidade”, ou seja, “um grupo de pessoas”. Stern (2007) amplia a tradução para “comunidade messiânica” ou ainda “Aqueles que são chamados para fora” (p. 80). De qualquer forma, conforme Stern reforça, “[...] ekklêsia nunca se refere a uma instituição ou a um prédio” (STERN, 2007, p. 81), mas sim a um grupo de pessoas. “Depois do período em que Cristo viveu nesta terra, surge a igreja cristã, primeiramente como um grupo reduzido de homens e mulheres, e se expande, passando a reunir grande multidão de pessoas” (DUNNETT, 2005, p. 13). Os primeiros cristãos eram judeus que creram que Jesus era o Messias esperado, anunciado tantas vezes por vários profetas. Sendo assim, eles achavam que a fé cristã era mais uma seita dentro do judaísmo, entre as outras que já existiam. Muitos deles consideravam que, para ser cristão, primeiramente deveria ser judeu, e para ser judeu deveria seguir todas as doutrinas e práticas judaicas. Não consideravam, inicialmente, que poderia existir uma igreja fora dos limites do judaísmo (GONZÁLEZ, 2011). Mas chegou o tempo em que eles perceberam que aquele movimento “[...] deveria transformar-se em igreja cujas portas permanecessem para sempre abertas a todo o mundo” (HURLBUT, 2007, p. 29). As boas novas do Messias começavam a conquistar pessoas que não eram israelitas. Esses não-judeus são mencionados por vezes na Bíblia como “gentios”, ou seja, pagãos que se convertiam à fé messiânica em Jesus. O número desses irmãos gentios foi aumentando entre os discípulos, 10 piorando a tensão entre os judaizantes radicais e os judeus progressistas – ambos que compunham o grupo dos seguidores da fé em Jesus como Messias. Foi então que aconteceu o Concílio de Jerusalém, narrado no capítulo 15 do livro de Atos dos Apóstolos. Estavam representados ali os apóstolos por Paulo, Pedro e Tiago, além dos anciãos (líderes das igrejas locais), e outros irmãos de toda a igreja. Esse concílio foi o resultado de uma discórdia entre os judeus conservadores (cristãos judaizantes) e os progressistas sobre a questão de como receber aqueles que não eram judeus (os chamados gentios), mas estavam abraçando a pregação da mensagem de Cristo. Os conservadores diziam que todos os discípulos gentios deveriam ser circuncidados e observar toda a lei judaica. Já os progressistas, cujos líderes eram Paulo e Barnabé, diziam que a mensagem era tanto para os judeus quanto para os gentios, baseados somente na fé em Cristo, sem a observância de todas as leis judaicas (HURLBUT, 2007). No final, a conclusão do concílio reunido foi que alguns aspectos da lei (principalmente a circuncisão) alcançavam somente os judeus, e não os gentios crentes em Cristo, que inicialmente deveriam somente “[...] abster-se das contaminações dos ídolos, da prostituição, do que é sufocado e do sangue” (Atos 15.20), pois o restante da lei mosaica que os gentios deveriam conhecer (porque são questões que o Messias não revogou) “[...] desde os tempos antigos, tem em cada cidade quem o pregue, e cada sábado é lido nas sinagogas” (Atos 15.21), ou seja, os gentios poderiam aprender depois, gradualmente, os princípios morais e éticos da lei divina para o homem. Com esse desfecho, foi estabelecida oficialmente a livre adesão de gentios à fé messiânica, sem a necessidade de se converterem antes ao judaísmo. O judeu crente poderia continuar sendo judeu ao mesmo passo que o não-judeu não precisaria converter-se ao judaísmo para ser seguidor do Messias. “O evangelho podia, agora, avançar em sua constante expansão” (HURLBUT, 2007, p. 36). 2.1 A FÉ MESSIÂNICA COMO PLENIFICAÇÃO DA FÉ HEBRAICA 11 Analisando a Bíblia, pode-se perceber que, desde o início, Deus mostra-se, revelase ao homem e busca ter relacionamento com ele. E o ser humano é sempre livre para corresponder a esse relacionamento ou não. Houve vários homens que corresponderam a esse chamado de Deus para ter comunhão com Ele. Um desses homens foi Abraão, com o qual Deus fez uma aliança de fidelidade e uma promessa de abençoar sua descendência. Os descendentes de Abraão são chamados de hebreus. Os hebreus foram organizados em doze tribos, a partir dos doze filhos de Jacó, neto de Abraão. Mais tarde, Deus mudou o nome de Jacó para Israel. Assim, os descendentes de Abraão ficaram conhecidos como “o povo de Israel”, ou simplesmente “israelitas”. Uma das doze tribos de Israel é a tribo de Judá, de onde vem o nome “judeus”, que é usado como sinônimo de “hebreus” (JOSEFO, 2011). Os hebreus deveriam ser mensageiros de Deus para as nações a sua volta. Enfim, os israelitas conservaram esse relacionamento com Deus, apesar de, por várias e várias vezes ter a reprovação divina por ter corrompido essa comunhão com costumes e culturas de vários povos vizinhos, trazendo para si mesmos o castigo de Deus. Para Dunnett (2005, p. 14) “[...] eles [os hebreus] fracassaram! Por causa da contínua desobediência e do degradante pecado da idolatria, o julgamento de Deus lhes sobreveio de forma derradeira”, referindo-se às várias vezes em que os israelitas desobedeceram as leis divinas e foram por Deus castigados com escravidão, guerras e exílios que são narrados no Tanach (JOSEFO, 2011). Armstrong (2008) acrescenta que os israelitas “[...] não entenderam a natureza da aliança, que significava responsabilidade, não privilégio” (p. 66). Porém, havia a promessa de um Messias que colocaria fim a todo o opróbrio hebreu e às mazelas da raça humana. E o cumprimento dessa promessa se deu através de Jesus Cristo, o Messias de Deus. De acordo com o relato dos Evangelhos, e também descrito por Blainey (2012, p. 34), “quando o Sumo Sacerdote perguntou se 12 ele era o Cristo, respondeu simplesmente ‘Sim’. [...] a palavra Cristo significava ‘o Ungido’ – o Messias que transformaria Israel”. Sendo assim, do ponto de vista bíblico-histórico do desenrolar do relacionamento de Deus com o homem, a fé cristã (messiânica) é uma forma de continuação da fé hebraica, já que a vinda de Jesus Cristo é cumprimento da promessa messiânica que havia sido feita ainda no Jardim do Éden (Gênesis 3.15) e refeita aos descendentes de Abraão mais tarde. Em Lucas 3, a partir do versículo 23, é descrita a genealogia de Jesus, que termina, no versículo 38, em Adão, mostrando assim que Jesus era “o descendente indicado da mulher”, ou seja, do primeiro casal, cumprindo a profecia de Gênesis 3.15. Obviamente, os hebreus foram de fundamental importância, já que conservaram toda essa História, que aborda desde o Gênesis. Este livro mesmo que, segundo Geisler (2006), foi escrito por Moisés, um dos líderes do povo de Israel, e também descendente de Abraão. Sob esse prisma, o Tanach, que é mais conhecida no ocidente como “Antigo Testamento” conta não especificamente a história judaica, mas sim a história humana em seu relacionamento com Deus. Não é o relacionamento entre Deus e os hebreus, mas entre Deus e a humanidade. E isso foi pregado pelo próprio Jesus, que não fazia discriminação entre hebreus e não-hebreus. Apesar de ter aqueles que o seguiam, sua mensagem não era para um grupo diferenciado, mas era para toda a humanidade, na intenção de uma transformação interna produzida por Deus e que se exterioriza através de uma mudança de atitudes para com Deus, para consigo mesmo e para com o próximo. “Sua intenção se dirigia à humanidade e não se restringia a uma porção dela [...] Não visava uma nova religião, mas um homem novo, uma mulher nova, um novo céu e uma nova terra” (BOFF, 2011, p. 84). Moisés, o legislador hebreu, tinha um profundo relacionamento com Deus e tentou implantar entre seus contemporâneos e em seus descendentes, através da prática, a mesma fé. Conforme o historiador Flávio Josefo (2009), na lei mosaica podem ser encontrados preceitos para todos os atos e momentos da vida, desde a vida doméstica, cotidiana, até os atos sacrificiais religiosos, e Jesus veio para tornar essa lei plena. Contudo, desde a época de Moisés, os hebreus transformaram esse relacionamento numa religião, no sentido de “sistema religioso”, chamado judaísmo, 13 pois eles “preferiam uma religião de observância ritual menos exigente [...]” (ARMSTRONG, 2008, p. 66). Esse sistema religioso apresenta-se no Primeiro Testamento mesclando fé com política, economia, justiça civil, justiça penal, etc. Da mesma forma, mais tarde, os seguidores de Cristo, os cristãos, assim como os hebreus, também transformaram o relacionamento com Deus, que agora se aproximara ainda mais de toda a humanidade através de Jesus Cristo, em um sistema religioso chamado cristianismo (BOFF, 2011). Armstrong (2008) acrescenta que “a maioria das pessoas religiosas contenta-se com a adoração na sinagoga, na igreja, no templo, na mesquita” (p. 66), ao invés de buscar um relacionamento íntimo e pessoal com Deus. 2.2 ALGUNS FUNDAMENTOS DA FÉ CRISTÃ HERDADOS DA FÉ HEBRAICA A fé cristã herdou, em base, alguns dos fundamentos de fé dos hebreus. Desde os primórdios dos tempos, na História, Deus se revelou aos hebreus “[...] através de suas aparições a Abraão e a outros grandes líderes do povo” (CAIRNS, 2008, p. 36). O próprio Jesus Cristo, conversando com uma mulher, disse que “a salvação vem dos judeus” (Jo 4.22), referindo-se ao fato de que os israelitas guardaram a fé e o relacionamento com Deus, o que serviu de base para a fé cristã. Os judeus estavam divididos em “partidos”. Dentro do judaísmo existiam seitas, e as principais eram: a dos fariseus, a dos saduceus, a dos zelotes, e a dos essênios (JOSEFO, 2011). O grupo dos fariseus era formado por leigos, mas que eram muito rígidos no cumprimento da Lei escrita. E essa rigidez os tornava hostis aos dominadores estrangeiros. Após a destruição do Templo de Jerusalém, este era o grupo que teria 14 maior possibilidade de continuar existindo, exatamente por enfatizar a Lei e não o Templo. Os fariseus “[...] criam em algumas doutrinas que não tinham apoio nas mais antigas tradições dos judeus, como a ressurreição e a existência de anjos” (GONZÁLEZ, 2011, p. 19). Por causa dessas crenças, os fariseus teriam maior facilidade de crer em alguns ensinamentos de Jesus, e se eles foram repreendidos algumas vezes pelo Mestre, não era por suas crenças, nem por serem maus judeus, mas principalmente por seu exagero no cumprimento da Lei (às vezes com hipocrisia), em detrimento da vida humana e do amor ao próximo. Os saduceus eram os judeus da elite sacerdotal e da aristocracia, que tinham interesse em manter a paz com os dominadores para defender seus interesses financeiros e político-religiosos. Se os fariseus enfatizavam a Lei, os saduceus priorizavam o culto do Templo, já que os membros do sinédrio e o sumo sacerdote geralmente eram saduceus. Eram conservadores na doutrina, não crendo assim na ressurreição nem na existência de anjos (GONZÁLEZ, 2011; HURLBUT, 2007). Os zelotes eram nacionalistas, e se opunham inflexivelmente aos dominadores estrangeiros. Eles tinham tanta esperança de que o Messias chegaria e Deus assim libertaria os israelitas da opressão estrangeira, trazendo um reino de paz e justiça, que queriam acelerar esse acontecimento usando as armas. Várias rebeliões aconteceram – uma delas, no ano 66 d.C., resultando na destruição de Jerusalém – e muitos judeus foram mortos (GONZÁLEZ, 2011; HURLBUT, 2007). O grupo dos essênios tinha ideias puristas, e se afastavam da sociedade, dos gentios, para manter a pureza de seus rituais. Acredita-se que os “rolos do Mar Morto”, uma coleção de manuscritos de antigos textos, inclusive do Antigo Testamento, são de sua autoria. Além das doutrinas tradicionais dos judeus, eles tinham “doutrinas secretas”, que somente eram reveladas aos seguidores da seita (CHAMPLIN, 2002). Apesar de suas diferenças, os diversos partidos do judaísmo mantinham pontos fundamentais em comum. Dentre esses fundamentos, podem ser ressaltados: o monoteísmo, as escrituras e a fé messiânica. 15 2.2.1 O monoteísmo Um dos maiores fundamentos da fé hebraica, semelhantemente à fé islâmica e também à fé cristã, é o monoteísmo, ou seja, a crença em um (e somente) um Deus. A Shemá, “[...] proclamação de fé judaica utilizada por todos os profetas e judeus, ortodoxos ou não” (MARQUES, 2005, p. 87), afirma justamente essa fé monoteísta: “Ouve, ó Israel: O Senhor nosso Deus é o único Senhor” (Deuteronômio 6.4). A crença em Deus acompanha a História da humanidade e é própria do ser humano, já que este, diferente de outros seres vivos, possui uma natureza religiosa que o leva a procurar um objeto de adoração. De acordo com Langston (2007), o homem é um ser composto por uma parte tangível, que é seu corpo material, e uma parte intangível, que é seu espírito. Essa parte intangível é que o leva a procurar o que é transcendental, divino. A fé (muito além da razão) é necessária ao homem para relacionar-se com Deus, como escreve o autor da Carta aos Hebreus: “... quem dele [de Deus] se aproxima precisa crer que ele existe...” (Hebreus 11.6). E essa crença não é de origem humana, mas é proveniente do próprio Deus, que, ao longo da História, revelou-se ao homem. A Bíblia narra essa história do relacionamento de Deus com a humanidade. Pearlman (2009, p. 51) escreve que “toda a história bíblica foi escrita para revelar Deus na história, isto é, para ilustrar a obra de Deus nos assuntos humanos”. E essa revelação divina é gradual. É assim, não porque Deus foi mudando de idéia ou de estratégia ao decorrer do tempo, mas sim porque era (e ainda é) necessário ao homem que fosse dessa forma, visto que o Deus infinito e ilimitado vem revelandose ao homem, um ser física e intelectualmente finito e limitado. O que o homem pode compreender sobre Deus hoje é mais do que alcançava ontem e é menos do 16 que poderá compreender amanhã. Aqui está a evolução do relacionamento entre Deus e o homem. Pearlman (2009, p. 66) sintetiza que “Deus é espírito com personalidade; ele pensa, sente e fala, portanto pode ter comunhão direta com suas criaturas feitas à sua imagem” – referindo-se ao homem. Apesar de Deus ser espírito, ele é uma Pessoa, uma pessoa espiritual, ou como define Langston (2007, p. 33), “Deus é Espírito Pessoal, perfeitamente bom, que, em santo amor, cria, sustenta e dirige tudo”. A possibilidade de Deus, mesmo sendo Espírito, relacionar-se com o ser humano deve-se sobretudo à Sua pessoalidade. Deus não está limitado a tempo nem a espaço. Ele existe e está presente em todas as partes, em todo o espaço, infinitamente. Ele é eterno, não tem princípio nem fim; sempre existiu e sempre existirá. Em Deuteronômio 4.39 está registrado que “... só o Senhor é Deus em cima no céu, e em baixo na terra; nenhum outro há”. E assim pode-se encontrar em vários trechos do Tanach. Deus é único, para os hebreus e para os cristãos também. Vale ressaltar que a unidade divina é uma “unidade composta”: o Pai, o Filho e o Espírito Santo. Segundo Langston (2007), pode-se encontrar, no Antigo Testamento, a manifestação do Pai, assim como do Filho (o Messias), e ainda do Espírito Santo. Até mesmo o termo “Elohim”, um dos nomes pelo qual Deus é chamado pelos hebreus, é plural. Ele foi-se revelando gradualmente ao homem, principalmente com a encarnação do Filho (Jesus) registrada nos Evangelhos, e com a “descida do Espírito Santo”, no dia de pentecostes, narrado no segundo capítulo do livro de Atos dos Apóstolos. Deus tem todo o poder e domínio sobre todas as coisas. Segundo Langston (2007, p. 53) Deus concentra a “onipotência moral” e a “onipotência física”. Por onipotência moral entende-se que “Deus é tão poderoso que não pode praticar o mal, e nem sequer pode ser tentado” (p. 53). Por conta dessa onipotência moral Ele não pode “praticar qualquer ato que discorde da sua natureza moral” (p. 53). Pelo lado positivo, Deus tem todo o poder para praticar o bem. A onipotência física de Deus 17 demonstra que Ele tem o poder de criar qualquer coisa, além do poder de sustentar e de governar tudo. Deus é onipresente. Entende-se por onipresença o fato de Deus estar em todo lugar. O que deve ser salientado é que o fato de Deus estar em todos os lugares não significa que Ele habita em tudo, o que traria conclusões panteístas. Pearlman (2009, p. 69) explica essa idéia dizendo que “o homem não deve se iludir com o pensamento de que existe um cantinho no universo onde possa escapar à lei do seu Criador”. Deus conhece todas as coisas. Seu conhecimento é perfeito e instantâneo. Tudo que a humanidade conhece significa nada em comparação à onisciência divina. Ele conhece inclusive as coisas que ainda não existem, e os fatos que ainda não aconteceram. Aqui está também subentendida a sabedoria de Deus, que lhe favorece a fazer tudo da melhor forma, podendo “[...] organizar todas as coisas e executar sua vontade no curso dos eventos com a finalidade de realizar seu bom propósito [...]” (PEARLMAN, 2009, p. 70). Isso é chamado de Providência divina. Vale ressaltar o atributo divino da imutabilidade, que afirma que em Deus “[...] não há mudança, nem sombra de variação” (Tg 1.17). Ele não mudou com o tempo, nem mudou seus propósitos. A humanidade mudou. Isso não significa que Deus é imóvel, qual estátua. Imutabilidade é diferente de imobilidade. Através da imutabilidade pode-se conhecer e confiar na fidelidade de Deus. Segundo Pearlman (2009, p. 71) “a santidade de Deus significa sua absoluta pureza moral; Ele não peca nem tolera o pecado”. Essa santidade é intríseca à própria natureza de Deus – Ele é santo em si e por si mesmo – e significa que Ele é “separado”: separado do pecado; separado em seu caráter, que é perfeito. Langston (2007, p. 55) explica que a santidade divina “[...] é a soma de todas as suas qualidades morais”, de todas as suas excelências. A justiça de Deus é o lado prático de sua santidade. Como explica Pearlman (2009, p. 72) “justiça é a santidade de Deus que se manifesta no tratamento correto com 18 suas criaturas. [...] é a obediência a uma norma reta; é conduta reta em relação ao outro”, e isso vai muito além de simplesmente castigo aos maus; é também livrar o inocente e exigir que se faça justiça. A Bíblia declara: “Aquele que não ama não conhece a Deus, pois Deus é amor” (I Jo 4.8). Segundo Pearlman (2009, p. 73) “o amor é o atributo de Deus que faz com que Ele deseje ter um relacionamento pessoal com aqueles que possuem sua imagem”, os seres humanos. E não é somente um sentimento de amor, visto que sentimentos são limitados e finitos. O amor de Deus (o verdadeiro amor) nunca se acaba. Segundo Langston (2007, p. 60) esse amor divino “além do sentimento, envolve também certa atitude em relação ao amado [...] é a atitude firme de dar-se ao ente ou objeto amado, e de possuí-lo em íntima comunhão”. E, como Deus é perfeito e justo, seu impulso de dar-se ao ser humano é equilibradamente igual ao desejo de possuí-lo. Um dos trechos mais conhecidos e citados da Bíblia denota esse amor: “Porque Deus amou ao mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo o que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna” (Jo 3.16). Por esse amor, Deus mostra também sua misericórdia e sua bondade. No Novo Testamento, no primeiro capítulo do Evangelho de João, encontramos a afirmação de que Deus nos dá o poder de sermos feitos seus filhos, através da fé em Jesus Cristo. 2.2.2 As Escrituras A fé cristã, assim como a fé hebraica, é totalmente revelada, ou seja, foi Deus quem se revelou ao homem. E essa revelação foi escrita por homens de diversas épocas e de diferentes culturas para que ficasse registrada, juntamente com a história e as leis. E analisando esses registros, pode ser encontrada uma linha de desenvolvimento lógico-filosófico “[...] na qual o Deus soberano que criou a história 19 iria triunfar sobre a falha do homem na história para trazer à existência uma era dourada” (CAIRNS, 2008, p. 38). Sendo assim, os livros que compõem o Tanach contém sobretudo a história do povo de Deus antes do advento do Messias, assim como as profecias acerca deste e toda a Lei que o povo hebreu deveria seguir, enquanto que “os livros do Novo Testamento foram escritos para instruir os cristãos de congregações locais e informá-los a respeito da vida e dos ensinos de Cristo” (DUNNETT, 2005, p. 13). Tanto Jesus quanto seus discípulos tinham estima pelas Escrituras. Trechos do Antigo Testamento são citados diversas vezes por Cristo e por seus seguidores. No Novo Testamento podem ser encontradas várias referências às Escrituras hebraicas de festas e tradições, além de citações de profecias da tradição judaica cumpridas na vida de Jesus, já que os primeiros seguidores de Cristo eram judeus e os judeus, desde a infância, eram ensinados a estudar o Antigo Testamento. “Muitos gentios também o leram e se familiarizaram com os fundamentos da fé judaica” (CAIRNS, 2008, p. 37). Atualmente, as Escrituras servem para que aqueles que não viveram naquela época, e portanto não presenciaram os ensinamentos de Cristo, possam tomar conhecimento desse relacionamento de Deus com a humanidade em diferentes ocasiões e de diferentes maneiras, como escreve o autor da Carta aos Hebreus: “Havendo Deus antigamente falado muitas vezes, e de muitas maneiras, aos patriarcas, pelos profetas, a nós falou-nos nestes últimos dias pelo Filho [Jesus Cristo]” (Hebreus 1.1). Na lei divina registrada no Tanach, já estava inserido um rigoroso sistema ético; era um padrão moral elevadíssimo em comparação com outras nações. Para os hebreus, o pecado, a transgressão, era um ato originário de um coração impuro e distanciado de Deus, e que exteriorizava em forma visível. Dessa forma, somente Deus poderia prover salvação e purificação, que jamais poderiam ser alcançadas de forma independente do Criador. “A redenção da raça [humana] havia de realizar-se por um Mediador que em si mesmo reunisse as duas naturezas: a divina e a humana” (LANGSTON, 2007, p. 175). 20 Além disso, toda “a lei e os profetas” – uma forma de se referir aos escritos do Antigo Testamento – apontavam para um salvador (o Messias), já que o padrão era tão elevado que seria impossível ser totalmente observado por qualquer pessoa. Assim, no Novo Testamento há uma verdade revelada: que a fé, e não a total observação exterior e aparente da lei, é o que torna real a salvação do homem, que, em tendo recebido a salvação pela fé, como graça divina, gerará como fruto de gratidão o exercício da lei divina em suas atitudes. Paulo, escrevendo sobre essa graça, afirma que “o fim da lei é Cristo para justiça de todo aquele que crê” (Romanos 10.4). O vocábulo traduzido como “fim” neste versículo é “telos” que, segundo Gingrich (2007, p. 205), tem o “[...] sentido de término, cessação, conclusão”. Um exemplo de cessação é em relação aos sacrifícios de animais para derramamento de sangue, que Jesus sobrepujou com seu próprio sangue (SHUBERT, 2010). O autor de Hebreus cita essa questão: “Porque, tendo a lei a sombra dos bens futuros, e não a imagem exata das coisas, nunca, pelos mesmos sacrifícios que continuamente se oferecem cada ano, pode aperfeiçoar os que a eles se chegam" (Hebreus 10.1). Ainda em Hebreus, são encontrados exemplos de pessoas que foram justificadas pela fé quando a lei ainda nem existia, como, por exemplo: Abel, Enoque, Noé, Abraão, Isaque, Jacó, José, e até mesmo o legislador Moisés, dentre outros. No entanto, Stern (2007) defende que, em Romanos 10.4, “telos” deve ser traduzido como “objetivo”, pois “a Torá continua. Ela é eterna” (STERN, 2007, p. 430). Para ele, a Torá (a lei divina) dada por Deus “[...] como um meio para a justiça alcança seu objetivo e consumação na vinda do Messias” (p. 431). Em suma, parece que ambos concordam que aqueles que seguem a lei divina recebem o Messias, sendo verdadeira a recíproca que aqueles que recebem o Messias têm seu coração e mente abertos para observar a verdadeira lei de Deus. 2.2.3 A fé messiânica 21 Os cristãos creem que Jesus é o Messias que foi prometido ao povo hebreu, os judeus. Alguns judeus creram que Jesus era mesmo o Messias e experimentaram o novo nascimento (da água e do espírito), ou seja, a circuncisão no coração, que Moisés referiu em Deuteronômio 30.6. Esses foram os primeiros discípulos de Jesus, o Messias, também conhecidos como “judeus nazarenos” (CHAMPLIM, 2002). Houve judeus que não aceitaram Jesus como o Messias e até o dia de hoje esperam essa vinda. Desde o pecado da desobediência no Jardim do Éden (Gênesis 3), já existe a promessa de que nasceria um descendente da mulher, da humanidade, um que “esmagaria a cabeça da serpente”, figurando o Diabo, o Enganador. Tem-se então o sentido espiritual da vinda do Messias prometido: ele deveria ser espiritualmente vencedor sobre o caído Lúcifer, o Diabo, que em Gênesis está figurado pela forma de serpente (LANGSTON, 2007). Com o passar do tempo, Deus foi revelando através dos profetas algumas características do Messias esperado. O próprio vocábulo “Messias” significa “O Ungido”, fazendo referência ao costume de ungir com óleo aqueles que eram consagrados a Deus para servir, como reis, sacerdotes e profetas. Assim, o Messias deveria cumprir ambas as funções: deveria reinar soberanamente sobre os filhos de Deus; deveria estar apto para interceder como sacerdote pelo povo junto a Deus; e deveria revelar da forma mais completa a vontade de Deus para o mundo. Obviamente, o Ungido deveria ser um rei diferente daqueles reis que perverteram o povo de Israel, como também deveria ser um sacerdote diferente daqueles que levaram o povo à idolatria. O Messias tinha de ser alguém que cumprisse perfeitamente sua missão (PEARLMAN, 2009). Diferentemente dos judeus tradicionais, os cristãos acreditam que Jesus é o Messias que foi prometido. Essa é a principal diferença e ao mesmo tempo o principal ponto de aderência da fé cristã com a hebraica: o cumprimento da promessa da vinda do Messias. Enquanto os hebreus ainda aguardam o advento do Messias, os cristãos creem que esse Ungido é Jesus, que já veio em cumprimento da profecia, tornando a Lei plena. 22 O próprio Jesus declarou que veio para cumprir a Lei e os profetas, e não para abolilos (Mateus 5.17). De fato, ele é o Messias tão anunciado pelos profetas do Antigo Testamento, tornando plena a Lei. Por isso ele é o tema centralizador e unificador de toda a Escritura Sagrada. Cristo significa o mesmo que Messias, sendo que esta é a palavra hebraica e aquela é a palavra grega. Sendo assim, “Jesus Cristo” significa “Jesus, o Ungido”. Jesus é o Ungido de Deus. A lei e a justiça divina estariam incompletas sem Ele. Ao ser batizado no rio Jordão, Jesus recebe a aprovação pública da parte de Deus, que naquele momento diz “este é o meu Filho amado, em quem me comprazo” (Mateus 3.17; Marcos 1.11; Lucas 3.22). Mais tarde, Pedro também afirmaria o reconhecimento da autenticidade do Messias respondendo ao próprio Jesus: “Perguntou-lhes ele: E vós, quem dizeis que eu sou? Simão Pedro respondeu: Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo” (Mateus 16.15-16). Mais tarde, Jesus reafirmaria sua messianidade na presença do concílio judaico que, considerando essa afirmação uma blasfêmia, o sentenciou à morte (Mateus 23.63-67). 2.3 OS ENSINOS DE JESUS CRISTO Como Jesus Cristo nasceu na linhagem dos hebreus (Mt 1.1), seus ensinos também podem ser considerados dentro da fé hebraica, embora houvesse (e ainda há) os hebreus que não criam nele como sendo o Messias. É o próprio Jesus quem enfatiza que para ser seu discípulo, ou seja, para ser cristão, é preciso permanecer em seus ensinos: “Disse Jesus aos judeus que criam nele: Se permanecerdes no meu ensino, verdadeiramente sereis meus discípulos. Então conhecereis a verdade e a verdade vos libertará” (Jo 8.31-32). É fundamental então que aqueles que professam a fé cristã conheçam os ensinos de Cristo e sigam 23 a sua mensagem. Isso é ser cristão. E o verbo “permanecer” tem um sentido de continuidade. Para o cristão, obedecer e seguir Jesus é o mesmo que obedecer e seguir Deus, visto que Jesus é o Verbo (ou a Palavra) de Deus que se encarnou em forma humana. “No princípio era a Palavra, e a Palavra estava com Deus, e a Palavra era Deus [...] E a Palavra se fez carne, e habitou entre nós [...]” (Jo 1.1,14). Segundo Pearlman (2009, p. 152) “Cristo é a Palavra de Deus, porque revela Deus e o demonstra em pessoa. Ele não somente traz a mensagem de Deus – ele é a mensagem de Deus”. E ainda pode ser encontrada, entre várias outras citações, uma citação na Carta aos Hebreus que revela que “havendo Deus outrora falado muitas vezes, e de muitas maneiras, aos pais, pelos profetas, a nós falou-nos nestes últimos dias pelo Filho, a quem constituiu herdeiro de tudo, por quem fez o mundo” (Hb 1.1-2). Não há espaço para descrever aqui todo o conteúdo dos ensinos de Cristo, visto que foram muitos. Até mesmo aqueles que se empenharam em escrever essa mensagem não conseguiram desempenhar esse papel por completo. João resume brilhantemente essa realidade quando escreve, numa linguagem literária, no final de seu relato (Jo 21.25) que, se todo o ensinamento e todos os atos que Jesus realizou fossem escritos, “[...] nem ainda o mundo todo poderia conter os livros que se escrevessem”. Sendo assim, o máximo possível é tentar sintetizar as ideias gerais e a linha mestra da mensagem de Cristo, e ele mesmo enfatizou a importância de amar a Deus e amar ao próximo (Mateus 22.34-40; Marcos 12.28-34). Cury (2006) defende que Jesus pregava a fé, a crença incondicional como um estilo de vida, ao mesmo tempo que valorizava o ato de pensar, como um processo que não levaria a outro lugar senão à própria fé. A fé que Cristo se referia não era uma crença burra e cega, mas sim o resultado da ação racional. E por outro lado, o pensar que Cristo ensinava não era o pensar “ateu militante” que eliminasse e negasse qualquer possibilidade do sobrenatural; pelo contrário, era um pensar cosmológico livre de qualquer pré-conceito militante, e que 24 levava as pessoas ao verdadeiro conhecimento de Deus, de si mesmas e do próximo. O resultado disso era uma “conversão”, uma mudança de vida em pensamentos e atitudes. 25 3 OS IMPACTOS DA CULTURA GRECO-ROMANA NOS FUNDAMENTOS DA FÉ CRISTÃ A fé cristã nasceu em um contexto histórico multiétnico, tendo como pano de fundo principalmente três culturas: a hebraica, a grega e a romana (DUNNETT, 2005). Esse ambiente pode ser percebido facilmente no evento da crucificação de Jesus, narrado nos evangelhos do Novo Testamento bíblico, quando o governante Pilatos mandou escrever numa placa que seria colocada sobre a cruz em que Jesus fora morto o título “JESUS NAZARENO, REI DOS JUDEUS”, e “[...] estava escrito em hebraico, grego e latim” (João 19.20). Estava escrito em latim porque era o idioma dos dominadores romanos e dos decretos imperiais. O grego, difundido pelo antigo império grego de Alexandre o Grande, era a língua culta, o idioma da classe alta e dos ricos, além de ser o idioma do comércio internacional. E o hebraico – embora houvesse vários tipos de hebraico, dependendo da região – era usado desde muito tempo pelo povo hebreu, e naquela época era o idioma dos oficiais religiosos judeus, os doutores da Lei; eles ensinavam em hebraico, nas sinagogas as Escrituras eram lidas em hebraico e isso valia também para as orações (DANIEL-ROPS, 2008). Por isso aquela placa foi escrita nos três idiomas, para garantir que pudesse ser lida pelo maior número possível de pessoas. Apesar de o foco desta pesquisa ser as questões da cultura greco-romana que corromperam a fé cristã, é merecido reconhecer, ainda que resumidamente, os benefícios que essa mesma cultura trouxe para a disseminação dessa “nova” fé (CAIRNS, 2008). Os primeiros discípulos do Messias criam que ele veio ao mundo no momento certo; eles “[...] viam a mão de Deus preparando o advento de Jesus em todos os acontecimentos anteriores a seu nascimento e em todas as circunstâncias históricas que o rodearam. O mesmo pode ser dito do nascimento da igreja [...]” (GONZÁLEZ, 2011, p. 18). 26 No século IV a.C., Alexandre, o Grande, conquistou toda a região da Palestina e boa parte do mundo conhecido de então, adotando uma política de base ideológica que tinha a finalidade de transformar toda a humanidade numa mesma civilização de estilo grego (DUNNETT, 2005). Mais tarde, a partir do século I a.C., o império romano seguiria a mesma tendência, adotando, além da cultura grega, um organizado sistema hierárquico de governo. O idioma grego tornou-se uma língua internacional, que seria entendida por muitas pessoas que ouviram os primeiros discípulos pregando a mensagem de Cristo (CAIRNS, 2008; DANIEL-ROPS, 2008). Tanto os dominadores gregos quanto os romanos levaram certo desenvolvimento às áreas que conquistavam. A unidade política permitia aos cidadãos, incluindo os primeiros cristãos, “[...] viajar de um lugar a outro sem temor de se verem envoltos em guerras ou assaltos” (GONZÁLEZ, 2011, p. 22). Além disso, as estradas construídas ou melhoradas pelos impérios grego e romano ligavam as províncias entre si, facilitando as viagens dos primeiros cristãos que iam a outras cidades, levando consigo a boa-nova do Messias. A condição política da época foi favorável para disseminar a fé cristã. No campo do pensamento, a filosofia vinda dos gregos, como Platão e Sócrates, era respeitada nos mais elevados círculos sociais, e eles falavam de ideias que eram compatíveis com as dos cristãos, como a existência de um ser supremo e perfeito, além da vida depois da morte e da imortalidade da alma. Assim, por várias vezes, apologistas cristãos usaram escritos de filósofos gregos para justificar suas crenças diante de críticos intelectuais, apesar de parte dessas crenças (por exemplo, a imortalidade da alma e a vida depois da morte) não serem aceitas por grande parte dos hebreus(GONZÁLEZ, 2011). Inseridos nesse mundo de cultura greco-romana, a nova comunidade cristã, que inicialmente era composta praticamente só por judeus que aceitavam o Messias, começava a receber gentios (não-judeus) que pouco a pouco aderiam à fé messiânica (cristã). Além disso, uma parte dos judeus era da “Diáspora”, isto é, judeus que não viviam em Jerusalém, mas que haviam migrado para outras regiões do império e por isso estavam mais em contato com a cultura greco-romana do que 27 os judeus residentes de Jerusalém. Tudo isso indicava uma influência de outras culturas na vida da comunidade cristã (HURLBUT, 2007). 3.1 OS GENTIOS NA IGREJA E O ROMPIMENTO COM O JUDAÍSMO Por um lado havia na igreja mestres judeus tradicionais que se apegavam à exigência de que todos (judeus e não-judeus) observassem toda a Torá (a Lei) e que os gentios (não-judeus) também fossem circuncidados. De outro lado, esses nãojudeus que entraram na igreja levaram consigo a cultura do mundo pagão, misturando-a com os princípios da fé cristã e contaminando assim a prática da vida cristã. Aquela igreja embrionária tentava equilibrar-se entre esses extremos que os apóstolos combatiam. As cartas que fazem parte do Novo Testamento surgiram da necessidade dessa exortação (DUNNETT, 2005; GONZÁLEZ, 2011). É importante ressaltar que parte dos fundamentos da fé cristã herdados da fé hebraica não foram perdidos, como por exemplo: o monoteísmo, a fé messiânica, e a autoridade da revelação divina nas Escrituras (CAIRNS, 2008; DUNNETT, 2005). Essas crenças são fundamentais, visto que foram (e são) reveladas pelo próprio Deus “[...] na História, através de suas aparições a Abraão e a outros grandes líderes do povo [hebreu]” (CAIRNS, 2008, p. 36). O que foi corrompido é a prática da fé cristã, da vida da igreja. Como será explicado mais adiante, essa corrupção aconteceu principalmente quando Constantino, o imperador romano, tornou oficial a fé cristã, criando assim o cristianismo. Contudo, é possível notar historicamente alguns líderes cristãos que, por ignorância ou por falta de escrúpulos mesmo, pervertem os princípios cristãos e assim enganam discípulos, criando doutrinas que muitas vezes guardam muito pouco ou nada da mensagem do evangelho de Cristo, ou seja, da mensagem messiânica (CAIRNS, 2008; FILHO, 2012; GONZÁLEZ, 2011; HURLBUT, 2007). 28 A fé cristã, desde a preparação judaico-messiânica, vem sendo revelada por Deus. E a revelação divina é gradual, por causa da limitação humana para assimilar as verdades eternas, e não porque Deus venha adaptando-a. A assimilação das definições dos princípios cristãos ocupa uma parte importante e necessária na vida da Igreja, porém passam a ser um impedimento ao seu próprio progresso quando um apego excessivo à formalidade dessas doutrinas vem substituir a fé viva. E isso causa até mesmo conflitos de entendimento da revelação divina, quando doutrinas afirmadas entram em choque com a verdadeira lei de Deus já revelada (PEARLMAN, 2009). Após a “era sombria” (60 a 100 d.C.), a igreja que é encontrada nos registros feitos pelos pais da igreja já é uma igreja diferente daquela era apostólica. A queda de Jerusalém, no ano 70 d.C., trouxe grande transformação nas relações judaicocristãs. A Judéia era vista pelo império romano como uma província rebelde e descontente para com o governo, principalmente quando se rebelaram, no ano 66 d.C. Nessa queda morreram poucos cristãos, já que haviam abandonado a cidade a tempo. E a vitória dos romanos marca o rompimento das relações entre o judaísmo e o cristianismo. A partir daí, começaram as perseguições aos cristãos, já que o judaísmo era religião permitida pelo governo e o cristianismo ficou isolado, sem uma lei que protegesse seus seguidores. Muitos cristãos foram torturados e mortos, pois não aceitavam as práticas pagãs e idólatras impostas pelo governo romano (HURLBUT, 2007). “As perseguições conservavam afastados todos aqueles que não eram sinceros em sua confissão de fé [...]. Somente os que estavam dispostos a ser fiéis até a morte tornavam-se publicamente seguidores de Cristo” (HURLBUT, 2007, p. 80). Apesar dessa filtragem causada pelas perseguições, ou talvez por causa delas, aumentava rapidamente o número de adeptos na comunidade cristã, chegando a vários milhões. Durante essa época – o final do século I – já começavam a surgir ideias heréticas dentro da comunidade cristã, que deram origem a seitas. No entanto, as heresias somente seriam desenvolvidas tempos depois. O surgimento das heresias se deu devido à deterioração da prática espiritual. “As normas de caráter moral eram 29 elevadas, mas o nível da vida espiritual era inferior ao que se manifestara nos primeiros dias apostólicos” (HURLBUT, 2007, p. 54). De fato, em seu início, a igreja era composta exclusivamente pelos judeus que passavam a aceitar o messianismo de Jesus Cristo; além disso, seus líderes principais, como Pedro e Paulo, também eram judeus que receberam a fé em Jesus como Messias, e como judeus eles já conheciam os fundamentos da fé hebraica. “Entretanto, quando a igreja em sua maioria se compunha de gregos, especialmente de gregos místicos e instáveis da Ásia Menor, apareceram opiniões e teorias estranhas, de toda sorte [...]” (HURLBUT, 2007, p. 77). Assim se podem ver bem claramente influências da cultura grega na igreja. E as sementes dessas crenças heréticas começaram a ser plantadas ainda na fase das perseguições, durante os séculos II e III. Dentre as principais, podem ser destacas: o gnosticismo, o ebionismo, o maniqueísmo e o montanismo. Os grupos gnósticos variam muito entre si, por diferentes doutrinas, dependendo do local e época analisada, mas basicamente era “[...] um enxerto do cristianismo no paganismo. Eles criam que do Deus supremo emanava um grande número de divindades inferiores, algumas benéficas e outras malignas” (HURLBUT, 2007, p. 78). Sendo assim, dessa mistura de divindades surgiu o mundo. Para eles a interpretação das Escrituras era alegórica e Cristo era a personalização, a materialização da natureza divina (GONZÁLEZ, 2011). Os ebionitas eram judeus convertidos à fé messiânica, mas que insistiam que a Lei e os costumes judaicos deveriam continuar a ser observados. Por isso não aceitavam as cartas paulinas. Em Atos 15, no Concílio de Jerusalém, já podem ser encontrados os simpatizantes desse grupo, que foi diminuindo gradativamente, porque não eram aceitos pelos gentios e por outro lado eram considerados apóstatas pelos judeus, já que os ebionitas aceitavam a autoridade de Jesus (HURLBUT, 2007). Mani foi o fundador do maniqueísmo, que era um grupo rigoroso em relação ao ascetismo. Sendo assim, renunciavam ao casamento e não aceitavam a humanidade de Cristo, já que esse fato feriria seu rigoroso ascetismo. Os maniqueus 30 criam numa luta constante entre o mal e o bem pelo domínio de toda a natureza, inclusive do homem (HURLBUT, 2007; CAIRNS, 2008). O grupo dos montanistas, fundado por Montano, eram puritanos que buscavam uma volta à simplicidade inicial do cristianismo. Eles não aceitavam a autoridade dos cargos eclesiásticos, já que defendiam o sacerdócio de todos os cristãos verdadeiros (HURLBUT, 2007). 3.2 O EDITO DE TOLERÂNCIA – A OFICIALIZAÇÃO DO CRISTIANISMO Mesmo com toda a influência greco-romana em que estavam inseridos os seguidores de Cristo, essa força não era generalizada; era externa e pessoal. Porém, a partir da “oficialização” da fé cristã, transformando-a e gerando assim o “cristianismo”, as influências tornaram-se internas e generalizadas. A perseguição aos cristãos durou até o “Edito de Constantino”, no ano 313, e teve fases mais intensas e outras mais brandas, dependendo da época, do local, e do rigor do imperador que estivesse no poder. No ano 313, Constantino, que ainda não professava a fé cristã, expediu o Edito de Tolerância ao Cristianismo, legalizando a fé cristã e encerrando assim as perseguições imperiais a seus seguidores. A partir daí, o império foi influenciando ainda mais a organização e a vida da igreja, principalmente depois que ele subiu ao trono romano, no ano 323, e passou a ser o governante maior do império romano e “chefe” da igreja cristã (GONZÁLEZ, 2011). 31 O fundador do cristianismo não foi Jesus Cristo, nem nenhum de seus apóstolos, mas foi Constantino, que percebeu que essa seria uma oportunidade para a reunificação do império, que naquela época estava se esfacelando. A fé cristã, por outro lado, cada vez mais conquistava adeptos e crescia então a igreja, a comunidade formada pelos seguidores da mensagem de Jesus, apesar das perseguições. Ora, Constantino legalizou a fé cristã – criando o cristianismo – por seus próprios interesses políticos. Prova disto é que ele somente aceitou ser batizado em seu leito de morte. E, de fato, o cristianismo serviu muito bem ao império romano no campo político, trazendo unificação debaixo do slogan publicitário de “um só império, um só Deus, um só imperador” (FILHO, 2009). O sistema de governo imperial, com sua organização hierárquica e autoritarismo, serviu de modelo no desenvolvimento eclesiástico. As comunidades cristãs começaram a adotar o governo de bispos, pois assim estavam acostumadas a ser governadas pelo Estado. Surgiu a divisão da igreja em dioceses que eram controladas pelos bispos com mãos firmes. Mais tarde o bispo de Roma irá reclamar para si a autoridade de bispo universal, bispo de todos os bispos (HURLBUT, 2007). “Na era apostólica, a fé era do coração, uma entrega pessoal da vontade a Cristo como Senhor e Rei. Era uma vida de acordo com o exemplo da vida de Jesus, e como resultado o Espírito Santo morava no coração” (HURLBUT, 2007, p. 74). Com o fim das perseguições, essa fé parece ter mudado de caráter; não é mais uma fé que toma o coração, mas pouco a pouco a doutrina – um rigoroso sistema de regras – passou a ser o mais importante para os cristãos; essa fé é puramente mental, intelectual. Segundo Hurlbut (2007, p. 74), “toda a ênfase era dada à forma de crença, e não à vida espiritual interna”. Foi nesse período que as Escolas Teológicas começaram a aparecer, para ensinar as doutrinas cristãs aos gentios (não-judeus) que haviam se convertido à fé cristã. Com o passar do tempo essas escolas foram transformadas em locais de investigação e produção das doutrinas da igreja. “As doutrinas do Novo Testamento, conforme originariamente expostas, são simples, e é possível defini-las de maneira simples. Mas, com o passar dos tempos, a Igreja teve de enfrentar visões doutrinárias errôneas e distorcidas [...]” (PEARLMAN, 2009, p. 28). Assim 32 Pearlman justifica a necessidade de organização do sistema eclesiástico de doutrinas. Enquanto os cristãos eram perseguidos, a igreja se manteve unida pela própria sobrevivência. Porém, quando o cristianismo foi instituído, surgiu uma nova luta: as controvérsias sobre doutrinas da igreja. Segundo Hurlbut (2007, p. 101), “[...] quando a igreja se viu a salvo e no poder, surgiram acalorados debates acerca de suas doutrinas, e tão fortes mostravam-se que lhe abalavam os fundamentos”. Além de controvérsias de menor expressão, houve três maiores, conhecidos como: arianismo (uma discussão acerca da doutrina da Trindade, em relação ao Pai e ao Filho); a heresia apolinária (acerca da natureza de Cristo); e o pelagianismo (discussão sobre o pecado e a salvação). Para resolver essas controvérsias, eram convocados concílios, onde o assunto era exposto, debatido e chegava-se a uma conclusão através dos votos somente dos bispos. No ano 380 o cristianismo tornou-se a religião oficial do império romano. Assim, os cristãos que antes eram perseguidos agora passavam a ocupar lugar de honra no império que governava o mundo da época. Igreja e Estado passaram por um processo de fusão, tornando essas duas entidades numa coisa só. Essa oficialização trouxe algumas mudanças boas e outras ruins, tanto para a igreja quanto para o governo (CAIRNS, 2008). Os templos das igrejas foram reabertos. Em alguns lugares, os templos dedicados à adoração pagã foram transformados em templos cristãos. Aqueles que haviam sido confiscados foram devolvidos; os que haviam sido destruídos foram reconstruídos e os que ainda estavam de pé foram reformados, tudo isso com recursos do Estado. Esses templos foram sendo batizados de “basílicas”, termo referente ao salão da corte romana. Havia um local diferenciado, reservado aos clérigos. E embora os primeiros cristãos tivessem aversão a tudo que pudesse conduzir à idolatria, não demorou muito para começarem a inserir imagens nas igrejas (HURLBUT, 2007). Não havia mais sacrifícios pagãos nas cerimônias oficiais do governo, apesar de o paganismo perdurar por muito tempo nos lugares mais distantes das grandes cidades. Os recursos imperiais que mantinham os templos pagãos foram revertidos 33 às igrejas e ao clero. Isso obviamente foi gerando um enriquecimento das igrejas, dos bispos e demais clérigos, que agora eram pagos pelo tesouro público. Os membros do clero ganharam privilégios: eram pagos pelo Estado; não estavam obrigados aos deveres cívicos; não pagavam impostos e eram julgados, quando necessário, por cortes especiais eclesiásticas. O clero cristão tornava-se uma classe excepcional, acima das leis do país (GONZÁLEZ, 2011). Para a sociedade em geral, algumas mudanças foram muito boas. Percebe-se certa humanização no império como, por exemplo, a repressão do infanticídio, a abolição da crucificação, a humanização no tratamento dado aos escravos, e a proibição das lutas de gladiadores em grande parte do território romano (HURLBUT, 2007). Apesar de tudo, essa união com o Estado trouxe resultados ruins para a igreja. Hurlbut (2007) chega a dizer que essa aliança foi uma maldição. Ser cristão passou a ser vantajoso, principalmente para os que faziam parte do clero. Assim, todos queriam fazer parte da igreja para conseguir influência social e política. E após a morte de Constantino, que era tolerante a todas as religiões e acreditava na conversão gradual do povo ao cristianismo através da evangelização, seus sucessores foram intolerantes com os pagãos e promulgaram uma série de leis e decretos para acelerar o processo de cristianização do povo através da espada: A adoração pagã foi proibida e sua prática passou a ser considerada crime punido inclusive com pena de morte; qualquer literatura contrária ao cristianismo passou a ser proibida e seus exemplares existentes foram queimados. Os bens dos pagãos eram confiscados, inclusive os templos – aqueles que não servissem à adoração cristã eram demolidos. Tornava-se assim obrigatório o cristianismo como única religião oficial do império romano (BOFF, 2011). Com isso, “o nível moral do cristianismo no poder era muito mais baixo do que aquele que distinguia os cristãos nos tempos de perseguição” (HURLBUT, 2007, p. 93). O culto cristão ganhou em esplendor, mas perdeu em espiritualidade e sinceridade. Costumes do paganismo infiltraram-se gradualmente na igreja, como as festas pagãs que passaram a ser aceitas na igreja com nomes diferentes. A partir do ano 405, “[...] as imagens dos santos e mártires começaram a aparecer nos templos, como objetos de reverência, adoração e culto. A adoração à Virgem Maria substituiu 34 a adoração a Vênus e a Diana” (HURLBUT, 2007, p. 93). Os anciãos, líderes locais das comunidades cristãs, foram transformados em sacerdotes. Essa instituição chamada igreja assumiu o poder do império romano “[...] com todos os títulos, honrarias, pompas e hábitos palacianos que perduram até os dias de hoje no estilo de vida dos bispos, cardeais e papas” (BOFF, 2011, p. 158). No final do século VI, segundo Hurlbut (2007, p. 138), “em todos os países cristãos, as estátuas dos deuses e deusas da antiga Grécia cederam lugar às imagens da Virgem Maria e dos santos, que eram adorados em todos os templos”. Além disso, outras crenças dentro da igreja corromperam a simplicidade da mensagem de Jesus e o ensino dos apóstolos e primeiros cristãos. Um exemplo disso é que “naqueles dias, as igrejas cristãs admitiam que a salvação não dependia da fé pura e simples em Cristo, e sim dos ritos sacerdotais e da intercessão dos santos” (HURLBUT, 2007, p. 139). Apesar de ainda haver cristãos bem intencionados, os ambiciosos tornaram-se a maioria na igreja, diferenciando-a bastante da igreja apostólica, que possuía como características a humildade e a santidade. Os inescrupulosos que lideravam a igreja estabeleceram uma hierarquia corrompida para dominar as nações da Europa, transformando a igreja em uma grande máquina política (HURLBUT, 2007). É importante ressaltar que nem todos aceitavam aquela situação, com o mundanismo invadindo a igreja e impondo seus costumes. “Muitos dos que anelavam uma vida espiritual mais elevada estavam descontentes com os costumes que os cercavam e afastavam-se para longe das multidões” (HURLBUT, 2007, p. 104). Esse movimento ficou conhecido como Monasticismo, iniciado por Antão, no ano 320. Alguns monges viviam em comunidades – os mosteiros – e outros viviam completamente isolados. Porém, o monasticismo somente se expandiu na Idade Média. Estudando a História da Igreja Cristã, inclusive analisando sua situação atual, é muito fácil perceber que ela se afastou muito da mensagem de Jesus, que disse que para alguém ser verdadeiramente considerado seu discípulo, deveria permanecer em seus ensinamentos (João 8.31). Assim, ser cristão não significa fazer parte de 35 uma instituição, mas sim seguir a mensagem de Cristo. Também é notável que o maior desvio de objetivo na cristandade ocorreu em razão e no período de Constantino como imperador romano. Dessa forma, faz-se necessário distinguir os cristãos (verdadeiros seguidores da mensagem e do exemplo de Cristo), do cristianismo (sistema religioso criado por Constantino, que engloba várias religiões). 3.3 A DIVISÃO DO IMPÉRIO E DA IGREJA No ano 330, o imperador romano Constantino fundou a cidade de Constantinopla na fronteira entre Europa e Ásia e mudou para lá a sede do império romano. Essa decisão foi tomada por motivo estratégico, já que a posição geográfica de Bizâncio – cidade grega onde foi fundada Constantinopla – era privilegiada, ao contrário de Roma que fora facilmente invadida diversas vezes por povos estrangeiros. Além disso, a tradição pagã da cidade de Roma não mais servia para os propósitos “cristãos” do imperador. Seria mais fácil criar outra capital, em um local sem estátuas e sem antigos templos pagãos, e onde os habitantes não tivessem a herança cultural da antiga religião imperial (CAIRNS, 2008). A igreja foi diretamente influenciada por essa mudança da capital do império romano que passou agora a ser dividido em Império Romano Ocidental (denominado latino), com sede em Roma, e Império Romano Oriental (denominado grego), com sede em Constantinopla. Pelas diferenças entre os dois impérios e sua simbiose com a igreja, não demorou muito para que a própria igreja também se dividisse – apesar de essa divisão ter-se tornado formal somente no século XI. Enquanto a parte oriental do governo dominava os geralmente dóceis membros da igreja oriental, tornando essa igreja uma escrava do Estado, a igreja ocidental ganhava cada vez mais poder. Já que em Roma não havia mais tanta influência do imperador, que priorizou Constantinopla, o bispo de Roma – que a essa altura já havia reivindicado o título de papa – começou a ocupar o espaço de governante maior. Ele exigia o título de 36 cabeça da igreja em toda a Europa e apontava justificativas para isso (HURLBUT, 2007). Um dos motivos usados para justificar a necessidade de um líder sobre toda a igreja era a analogia com o império. “A semelhança da igreja com o império, como organização, fortalecia a tendência da nomeação de um cabeça” (HURLBUT, 2007, p. 108). Já havia em todas as igrejas o governo hierárquico, figurando o bispo como cabeça. Não demorou a que surgisse a questão: se o bispo é o líder dos membros do clero em cada igreja, quem será o líder dos bispos? “O bispo de Roma tomou o título de ‘pai’, que mais tarde foi consagrado pela palavra latina ‘papa’” (HURLBUT, 2007, p. 108). Esse acontecimento é resultado da influência do império romano. Surgiu a “necessidade” de definir quem seria o líder supremo, o “imperador”, da igreja. Partindo da ideia dessa necessidade, o bispo de Roma teve algumas vantagens em relação a outros bispos de outras cidades. Uma dessas vantagens era ser a única igreja a poder declarar como fundadores dois grandes apóstolos: Pedro e Paulo. Juntando isso ao fato de Pedro ser tido como o líder dos apóstolos, ficou claro para o bispo de Roma que deveria ter a prioridade. E a argumentação seguia exatamente essa lógica. Além disso, os bispos de Roma eram mais sábios, fortes e enérgicos que os de outras cidades, inclusive dos de Constantinopla; eram ortodoxos e praticavam muito o cuidado com os pobres e a ajuda às igrejas de outras localidades; eles sempre tiveram mais influência em todo o mundo que os outros bispos (HURLBUT, 2007). O bispo de Roma já era a mais alta autoridade daquele império romano-cristão ocidental, já que o imperador mudou-se para Constantinopla. A autoridade do bispo desta cidade ficou limitada pela presença do imperador, enquanto que naquela cidade a influência da igreja sobressaiu. Gradativamente, as pessoas transferiram ao papa os sentimentos de lealdade e reverência que tinham em relação ao imperador quando este estivera em Roma (HURLBUT, 2007). Na igreja oriental cessaram os esforços missionários. Já não havia mais a ênfase espiritual nem moral e (GONZÁLEZ, 2011). investiam somente em especulações doutrinárias 37 Contudo, a separação se deu formalmente no ano de 1054. Existiam algumas diferenças entre a igreja ocidental e a oriental em questões doutrinárias, porém a principal causa da divisão foi a questão política. A igreja latina queria ser independente de Constantinopla, o que resultou no “Sacro Império Romano”, também chamado de “Império Germânico”. Um governo independente precisava de uma igreja também independente. Então essa instituição era um misto de religião e governo político, que veio suprir o lugar do Império Romano, com promessas de restaurar a ordem e unidade antes mantida por esta instituição. O imperador germânico Carlos Magno passa a ocupar assim o cargo de chefe titular do cristianismo europeu. O império germânico foi também o resultado da supremacia da igreja romana em relação ao governo, enquanto que no oriente a igreja era totalmente submissa ao Estado. A separação era inevitável (GONZÁLEZ, 2011; HURLBUT, 2007). Houve uma sucessão de imperadores germânicos até o ano de 1806, quando Napoleão Bonaparte conquistou a Europa. 38 4 MOVIMENTOS DE RESTAURAÇÃO DA FÉ MESSIÂNICA Algumas pessoas percebiam algo de errado dentro daquela instituição, a igreja. Por vezes, algumas vozes se levantaram para apontar falhas e desvios da fé dentro da comunidade cristã. Analisando a História da Igreja Cristã, podem ser encontrados vários momentos em que tentativas foram feitas para tentar reverter os desvios e colocar a igreja novamente no caminho certo. Assim, vários movimentos aconteceram – e ainda acontecem na atualidade – com essa nobre justificativa de consertar a situação. Alguns desses movimentos são mais conhecidos que outros, como, por exemplo, a Reforma e a Contra-Reforma da Igreja. O fato é que, desses movimentos, nasciam outros e outros, mas eles nem sempre alcançaram o objetivo e por vezes eram mais cruéis que aqueles de onde saíram (HURLBUT, 2007). 4.1 MOVIMENTOS PRÉ-REFORMA DA IGREJA Durante a Idade Média, enquanto o poder dos papas era elevado, um deles, Hildebrando (ou Gregório VII) fez uma reforma no clero, que estava quase totalmente corrompido. Havia compra de posições na igreja, chamada de “simonia”. Hildebrando exigiu o celibato dos clérigos, que a essa altura já eram considerados os sacerdotes do cristianismo. Os papas e bispos eram nomeados pelos reis e imperadores; para receber essa nomeação eclesiástica os clérigos tinham que jurar fidelidade ao governante que o nomeou. Gregório VII colocou fim a esse sistema de nomeação proibindo que os bispos fizessem esse juramento. Assim ele buscava impor a supremacia da igreja; seu desejo não era extinguir o poder estatal, mas sim colocá-lo sob o poder da igreja (HURLBUT, 2007). 39 No final da idade média surgiram cinco principais movimentos de reformas internas da igreja. Esses movimentos, em sua maioria, não tiveram sucesso, mas prepararam o terreno para a Reforma que estava por vir (HURLBUT, 2007). São eles: Os albigenses (ano 1170, na França) eram puritanos; não aceitavam a autoridade de Roma e discordavam da doutrina do purgatório, da adoração de imagens e do clericalismo. Eles distribuíam o Novo Testamento, porém rejeitavam o Antigo Testamento. Seus seguidores foram mortos por ordem do papa Inocêncio III em 1208 (CAIRNS, 2008; HURLBUT, 2007). Os valdenses (também no ano 1170, na França) criticavam os costumes e as doutrinas romanas; também distribuíam cópias das Escrituras. Foram perseguidos e expulsos de seu país, porém ainda hoje existe a representação de um pequeno grupo (CAIRNS, 2008; HURLBUT, 2007). John Wycliffe e seus seguidores começaram um movimento na Inglaterra pela libertação do domínio romano. Eles desafiavam a autoridade do papa, criticavam o sistema monástico, como também a sofisticação dos serviços clérigos na igreja, além de algumas doutrinas católicas romanas. Uma obra importante de Wycliffe foi a tradução das Escrituras para o inglês, tornando a Bíblia acessível ao povo da Inglaterra (BLAINEY, 2012; CAIRNS, 2008; HURLBUT, 2007). John Huss, um dos seguidores de Wycliffe, baseado nas doutrinas deste, também pregava a libertação do domínio romano na Boêmia. Foi preso, julgado, e condenado à fogueira, porém sua morte foi fator acelerador da Reforma naquela região da Europa Central. Seus seguidores foram conhecidos com hussitas (BLAINEY, 2012; CAIRNS, 2008; HURLBUT, 2007). O monge Jerônimo Savonarola começou a pregar, em Florença, Itália, contra as injustiças sociais, políticas e religiosas de sua época. Muitas pessoas iam ouvir seus sermões e seguir seus ensinamentos. Ele foi expulso da igreja Romana, preso e enforcado (CAIRNS, 2008; HURLBUT, 2007). 40 “No fim, porém, de tudo isso as grandes riquezas, a ambição dos sacerdotes e o uso sem escrúpulo que faziam do poder despertaram o descontentamento e ajudaram a preparar o caminho para o levante contra a igreja católica romana, isto é, a Reforma” (HURLBUT, 2007, p. 159). Portanto, esses movimentos pré-Reforma não conseguiram fazer a igreja (altamente corrompida naquela época) retornar à prática dos fundamentos básicos da fé. 4.2 A REFORMA DA IGREJA A Reforma da Igreja, também conhecida como Reforma Protestante, foi um movimento iniciado na Alemanha, mas que se repetiu em várias nações europeias, desvinculando as igrejas locais da autoridade da igreja romana, ou seja, criando igrejas nacionais independentes da igreja católica romana. Podem ser considerados, além dos movimentos pré-reforma, três fatores que serviram como catalisadores, acelerando e facilitando a Reforma (CAIRNS, 2008). Um dos catalisadores da Reforma foi a Renascença (CAIRNS, 2008). O Renascentismo despertou nas nações da Europa um interesse pela ciência, pela leitura, pelas artes. Terminava assim a Idade Média, época em que todos seguiam as verdades religiosas. Na Renascença começaram a surgir os interesses, separados da religião, pelas artes, pela ciência e pela literatura clássica. Era um movimento exterior à igreja, porém não era contra esta; simplesmente científico, apesar de alguns de seus líderes serem religiosos despertados por um “[...] novo interesse pelas Escrituras, pelas línguas grega e hebraica, levando o povo a investigar os verdadeiros fundamentos da fé [...]” (HURLBUT, 2007, p. 178). De uma forma ou de outra, a Renascença era uma ameaça certeira na supremacia da igreja católica romana. 41 Outro acelerador da Reforma foi a invenção da imprensa, por Gutenberg, em 1456. Até ali os livros, inclusive a Bíblia, eram copiados à mão e por isso seu custo estava muito aquém da maioria da população. Com a imprensa, ficou mais fácil copiar as Escrituras para a distribuição ao povo, o que foi fundamental para a Reforma. “As pessoas que liam a Bíblia prontamente se convenciam de que a Igreja papal estava muito distanciada do ideal do Novo Testamento” (HURLBUT, 2007, p. 179). O terceiro fator que contribuiu para a Reforma foi o “nacionalismo” das nações que não aceitavam mais a autoridade estrangeira em suas igrejas. Foi um movimento patriótico do povo que não queria mais a intromissão dos líderes eclesiásticos romanos nas nomeações de bispos em seus países e não podiam mais concordar com o “óbolo de São Pedro”, uma contribuição que era enviada a Roma para sustentar o sistema papal e construir suntuosos templos naquela cidade (HURLBUT, 2007). Esses fatores foram cruciais para dar início à Reforma. Esse movimento foi iniciado na Alemanha pelo monge Martinho Lutero e se estendeu por vários outros países, como será descrito abaixo. Contudo, a Reforma foi um movimento de caráter marcadamente político, visto que os governantes dos países europeus estavam insatisfeitos com o domínio romano, que não se restringia à religião, mas também buscava dominar politicamente os governos de todos aqueles países (CAIRNS, 2008; HURLBUT, 2007). Lutero começou a pregar contra a “venda de indulgências”, que eram bulas (decretos papais) que concediam o perdão de todos os pecados a quem as comprasse, como também a seus amigos e parentes vivos e mortos, eliminando a confissão e consequentemente a absolvição pelo sacerdote. Em 31 de outubro de 1517 ele afixou na porta da igreja de Wittenberg uma lista de 95 teses, a maioria criticando a venda de indulgências, além de criticar o papa e algumas outras doutrinas consideradas contrárias às Escrituras (BLAINEY, 2012; CAIRNS, 2008). Em 1520 Lutero foi excomungado por uma bula papal, a qual ele queimou em uma reunião com professores, estudantes e outros representantes do povo, na porta da 42 mesma igreja onde publicou suas declarações. Ele ainda foi convocado a se retratar com o imperador germânico em Worms, onde compareceu diante também de outros eclesiásticos, porém disse que se retrataria somente se provassem que suas ideias eram contrárias às Escrituras ou à razão. Uma importante contribuição de Martinho Lutero foi a tradução da Bíblia para o idioma alemão (HURLBUT, 2007). Além da Alemanha, outros países europeus também foram palco de uma reforma religiosa na igreja cristã, principalmente em países do norte, como: Suíça, Dinamarca, Suécia, Noruega, França, Bélgica, Holanda, Inglaterra e Escócia (CAIRNS, 2008; GONZÁLEZ, 2011; HURLBUT, 2007). Até o início do século XVI, a igreja católica romana era a única igreja na Europa Ocidental, e ela se considerava segura da lealdade de todos os reinos. “Contudo, antes de findar esse século todos os países do norte da Europa, a oeste da Rússia, se haviam separado de Roma e estabelecido suas próprias igrejas nacionais” (HURLBUT, 2007, p. 188). Em todos os países onde acontecia a Reforma, havia cinco pontos em comum que compunham sua plataforma (HURLBUT, 2007): O primeiro ponto era a autoridade das Escrituras acima da autoridade da igreja ou do papa. Isso contradizia o ensino da igreja romana, que se proclamava infalível, proibia aos leigos lerem a Bíblia e dificultavam sua tradução para os idiomas das nações europeias. Os reformadores protestantes pregavam que a única regra de fé e prática deveria ser a Bíblia, acima da autoridade da igreja e do papa (CAIRNS, 2008; HURLBUT, 2007). O segundo princípio era a razão. A igreja católica romana havia implementado algumas “[...] doutrinas irracionais no credo da igreja, como a transubstanciação, pretensões absurdas como as indulgências papais [...], e costumes supersticiosos como a adoração de imagens em seu ritual” (HURLBUT, 2007, p. 189). Para os reformadores, a religião deveria ser racional (CAIRNS, 2008). 43 Em terceiro lugar, a Reforma criticava a presença de algo ou alguém entre Deus e o homem. Na igreja romana, o pecador não podia dirigir-se diretamente a Deus, mas deveria confessar seus pecados ao sacerdote e receber o perdão deste. Também as orações e adorações deveriam ser feitas “[...] por meio de um santo padroeiro, que se supunha interceder pelo pecador diante de um Deus demasiado distante para que o homem se aproximasse dele na vida terrena” (HURLBUT, 2007, p. 190). Além disso, as Escrituras não eram lidas diretamente pelos fiéis, mas eram recebidas indiretamente, através da interpretação dos líderes da igreja romana. Os reformadores defendiam que a fé cristã poderia ser exercida pessoalmente, com o relacionamento direto do cristão com Deus (CAIRNS, 2008). Outro ponto da Reforma era a espiritualidade da religião. A igreja romana havia transformado a simplicidade dos ensinos de Cristo em uma complicada rede de cerimônias e rituais formais e solenes. O que importava assim era a aparência externa de obediência às regras cerimoniais romanas e não a verdadeira fé do coração. Os reformadores pregavam que o mais importante era o interior humano, a fé espiritual (CAIRNS, 2008; HURLBUT, 2007). E por último, os reformadores pregavam a independência em relação a Roma, ou seja, cada nação deveria ter sua igreja, fora do controle romano. Até então, o papa dominava toda a igreja em todas as nações, além de subordinar o Estado à igreja. Nos países onde houve a Reforma, tanto a igreja quanto o governo conquistaram a independência (religiosa e política). Na igreja, a independência foi sentida na nova forma de organização eclesiástica, na tradução das Escrituras para o idioma local, nos cultos que passaram a ser realizados no idioma local, diferente da cerimônia em latim da igreja romana (CAIRNS, 2008; HURLBUT, 2007). Conforme todos os pontos acima, a intenção dos reformadores rendeu resultados em muitas áreas de restauração da fé, porém a maior crítica à Reforma é ao aspecto político das igrejas resultantes, ou seja, em cada local (país) em que ela aconteceu, a igreja deixou de se submeter ao domínio romano, mas por outro lado foi colocada debaixo dos interesses dos governantes locais. Dessa forma, em cada nação, foram criadas igrejas nacionais, porém com o mesmo arquétipo da igreja romana, principalmente nas esferas hierárquico-organizacional (inclusive com diferenciação 44 de clérigos versus leigos) e ritualística (CAIRNS, 2008; FILHO, 2012; HURLBUT, 2007). 4.3 MOVIMENTOS PÓS-REFORMA DA IGREJA Numa tentativa de recuperar o terreno perdido por causa da Reforma, a igreja católica romana iniciou um movimento que ficou conhecido como Contra-Reforma. González (2011) chama esse movimento de “Reforma Católica” (p. 105). Havia duas frentes de mudanças: uma interna, que buscava restaurar a fé católica romana através de ajustes internos; e uma frente externa, que buscava reconquistar os grupos que haviam se desligado de Roma na ocasião da Reforma (CAIRNS, 2008; GONZÁLEZ, 2011). Vários concílios foram realizados em Trento, na Áustria, durante vinte anos no século XVI, esperando assim chegar a um ponto onde fosse possível a reunificação da igreja católica romana com os protestantes (BLAINEY, 2012). Porém, apesar de muitas mudanças e acertos dentro da religião romana, a reunificação não aconteceu. Assim, a Contra-Reforma tornou-se “[...] uma reforma conservadora dentro da igreja católica romana” (HURLBUT, 2007, p. 194), que serviu somente para melhorar um pouco as coisas, eliminando algumas doutrinas e crenças que eram muito absurdas. Do movimento da Contra-Reforma nasceram sub-movimentos que marcaram esse período, como a Inquisição e a “Ordem dos Jesuítas”, que era uma ordem monástica missionária que tinha como principal objetivo combater o movimento protestante através de incursões missionárias por vários países. A ordem jesuíta foi uma poderosa “[...] propaganda positiva usada pela Igreja de Roma” (CAIRNS, 2008, p. 318). Além dos jesuítas e de outros esforços missionários, a igreja romana também usou a espada para conter o movimento reformador protestante. Foi estabelecida a “Santa Inquisição” e as perseguições, que culminaram na “Guerra dos Trinta Anos”, 45 no século XVII, entre católicos romanos e protestantes (CAIRNS, 2008; GONZÁLEZ, 2011; HURLBUT, 2007). O país que se destacou no movimento da Contra-Reforma foi a Espanha, pois o casal que governava o país, Isabel de Castela e Fernando de Aragão, sendo muito religiosos e buscando a unificação nacional, uniram o nacionalismo e a religião romana com o fim de alcançar “[...] uma Espanha unida e leal a Roma” (CAIRNS, 2008, p. 317). Foi na Espanha que foi organizada a Inquisição, para cuidar dos casos de heresia, em 1480. Enquanto isso, na igreja protestante encontravam-se três grupos distintos, principalmente na Inglaterra: os “romanistas”, que procuravam estabelecer um retorno à tradição da igreja romana; os “anglicanistas”, que estavam satisfeitos com as mudanças feitas na igreja, ou seja com os resultados da Reforma; e um grupo radical, os “puritanos”, que não estavam contentes e queriam uma mudança mais radical, o que aconteceu em outros países, como na Escócia (CAIRNS, 2008). Alguns movimentos radicais pós-Reforma se levantaram por causa da insatisfação pela decadência espiritual e moral da igreja protestante. “Os cultos eram formalistas, dominados por uma crença intelectual, mas sem poder moral sobre o povo” (HURLBUT, 2007, p. 206). Esses movimentos são chamados de “avivamentos” da igreja e deram origem a vários grupos, entre os quais podem ser citados: os metodistas (ou wesleyanos), os batistas, os presbiterianos, os congregacionais, os racionalistas, os anglo-católicos (ou puseystas), entre outros. Contudo, todos copiaram o mesmo arquétipo romano, com suas estruturas hierárquicas de poder e política – institucionalismo – além da mística que provinha principalmente dos gregos. 4.4 O JUDAÍSMO MESSIÂNICO 46 O judaísmo messiânico é considerado por seus adeptos como um ramo da religião judaica, que acredita que Jesus (embora adotem o nome ‘Yeshua’) é o Messias anunciado pelos profetas tradicionais hebreus do Antigo Testamento. Segundo Stern (2007), judaísmo messiânico é “[...] o judaísmo que aceita Yeshua como o Messias e o Novo Testamento como Escrituras Sagradas lado a lado com o Tanakh” (p. 563). Como movimento religioso, surgiu na Inglaterra do século XIX, como tentativa de restaurar a fé messiânica. Os judeus messiânicos mantém as mesmas tradições dos rituais judaicos, como no judaísmo rabínico, ao mesmo tempo em que aceita Yeshua (Jesus Cristo) como o Messias de Deus, assim como os cristãos, muito semelhantemente à comunidade messiânica (cristã) do primeiro século. Contudo, foi um movimento que abalou tanto os judeus quanto os cristãos (GUIMARÃES, 2012). De acordo com Travassos (2008, p. 7), “os judeus messiânicos se consideram herdeiros diretos dos primeiros seguidores de Jesus, que apesar da crença no messias mantinham as tradições judaicas”. A grande maioria dos judeus messiânicos aceita as tradições do judaísmo e se consideram judeus, já que dizem fazer parte da mesma religião dos seguidores de Jesus – o judaísmo – apesar de nem todos terem nascido judeus, nem terem passado pelo processo tradicional de conversão ao judaísmo. Por isso os judeus tradicionais em geral não reconhecem o judaísmo messiânico como tendo “parte” dentro do judaísmo (TRAVASSOS, 2008). Devido à sua semelhança com o cristianismo, o judaísmo messiânico tem aparecido dentro de algumas igrejas protestantes, através de membros dessas igrejas que adotam para si alguns costumes do judaísmo, ou até através de alguns líderes evangélicos que ensinam e enfatizam doutrinas próprias do judaísmo. Em algumas igrejas evangélicas é comum até mesmo encontrar uma bandeira de Israel ao lado da bandeira do Brasil ou réplicas da Arca da Aliança (GUIMARÃES, 2012). Pela descrição acima, o judaísmo messiânico parece ser o movimento que mais se aproxima (em termos de observância de preceitos) dos fundamentos hebraicos da fé 47 cristã. Até mesmo porque os líderes judeus messiânicos ensinam que “[...] não existem diferenças entre ser judeu messiânico ou judeu” (TRAVASSOS, 2008, p. 22). 4.5 OUTROS MOVIMENTOS Ao longo da história, vários movimentos religiosos surgiram como tentativa de restaurar a fé messiânica, e cada um reclama para si o título de ‘o verdadeiro restaurador’ ou ‘a igreja certa’, enfatizando um ou outro ponto com mais veemência que o corpo de doutrinas dos demais movimentos (SHUBERT, 2010). Não é o propósito desta pesquisa (e nem há espaço para tal) elencar e explicar todos os movimentos existentes que proclamam uma restauração da fé cristã. Contudo, alguns serão citados aqui a fim de mostrar a grandiosidade e subjetividade desse universo de numerosos movimentos, religiões ou seitas de religiões, que surgiram das tentativas de restauração. Zibordi (2006) denuncia as releituras que tem sido feitas da Bíblia, principalmente das cartas de Paulo, para “[...] acomodá-las aos seus desejos carnais e preferências” (p. 169), criando assim doutrinas híbridas e seletivas para amparar o conjunto de crenças de um novo movimento, ou tentativa de restauração da fé. Além da Igreja Católica Romana e das muitas que saíram de dentro dela, conhecidas como “igrejas protestantes”, ou como “igrejas evangélicas”, há muitos outros “movimentos de restauração”. Alguns enfatizam a crença absoluta nos textos bíblicos, ao pé da letra, afirmando que toda a Bíblia é a “palavra de Deus” e, portanto deve ser obedecida à risca. Outros há que aceitam somente uma parte, ou algumas partes da Bíblia como sendo sagradas. Ainda há outros grupos que tem, além da Bíblia, outros textos-base para amparar e discernir sua fé e seu corpo de doutrinas. Como exemplos, podem ser citados: o grupo dos “Testemunhas de 48 Jeová”; o grupo dos Mórmons; os grupos baseados nos ensinos de Allan Kardec (os espíritas); o Islã (os muçulmanos); e outros (MARQUES, 2005). Além dos grupos já citados, está “A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias”, mais conhecida como “Igreja Mórmon”, que prega que, após a morte de Jesus a igreja cristã se afastou dos princípios do Mestre de tal forma que essa apostasia resultou na formação de várias igrejas com ensinos errados e conflitantes. Foi então que, em 1820, nos Estados Unidos, Joseph Smith recebeu do próprio Jesus a incumbência de fundar então a ‘igreja verdadeira’, já que todas as outras estavam erradas. Considerado pelos mórmons como um profeta, Joseph Smith então fundou essa igreja, com o aval, de acordo com ele mesmo, de João Batista (profeta que batizou Jesus), além de Pedro, Tiago e João (apóstolos mais íntimos de Cristo), que deram a ele (a Smith) a autoridade do sacerdócio de Cristo. Como parte dessa restauração, Smith ainda recebeu, ainda segundo ele mesmo, o “Livro de Mórmon”, como sendo “Um Outro Testamento de Jesus Cristo” (MÓRMON, 2012). 49 5 CONCLUSÃO O problema de pesquisa que orientou o presente estudo foi: “Quais foram os resultados da assimilação das influências greco-romanas pela Igreja Cristã?”. O objetivo geral foi alcançado, pois se verificou que houve uma corrupção da fé cristã por influências da cultura greco-romana, e o ponto central que levou a essa corrupção foi a criação do Cristianismo por Constantino, ou seja, a oficialização da fé cristã. O que Jesus propõe e proporciona não é uma religião, mas uma revolução de vida, de acordo com princípios divinos de amor, paz, fé e respeito, ou seja, obediência à verdadeira lei divina revelada; é uma conversão, não “[...] para um cristianismo ou para um ‘-ismo’, mas para Deus e para o relacionamento pessoal com ele por intermédio de Yeshua, o Messias” (STERN, 2007, p. 82). Sendo assim, pode-se concluir que a fé cristã era mais próxima do ideal quando era perseguida do que quando foi oficializada, já que a igreja antes era composta somente por aqueles que estavam dispostos a serem perseguidos (e até morrer) por sua fé. Além disso, nota-se que essas influências greco-romanas (hierarquia de cargos, institucionalismo, política e outras descritas anteriormente)– e até mesmo algumas influências hebraicas exacerbadas (literalismo bíblico, fundamentalismo acima do amor a Deus e ao próximo, além de outras) – estão presentes na fé cristã ainda hoje, desviando os cristãos do objetivo de ser seguidor de Cristo, e que a maioria deles (dos cristãos) não percebe isso, principalmente porque desconhecem as raízes históricas da fé. A fé cristã que foi ensinada por Jesus Cristo não é uma religião, é uma radicalização da verdadeira essência da fé hebraica (messiânica); é antagônica ao Cristianismo. E somente poderá ser resgatada se aqueles que querem segui-la (a fé cristã) receberem o conhecimento necessário para discerni-la. A maioria dos líderes religiosos, seja por ignorância ou seja por puro interesse pessoal ou institucional, não fornecem aos cristãos as informações necessárias para que eles experimentem o verdadeiro sentido de ser seguidor de Cristo. O primeiro objetivo específico (Identificar os fundamentos hebraicos da fé cristã) foi cumprido, uma vez que, trazidos à luz [esses fundamentos] e feita a análise sobre 50 eles, isso leva ao fato de que, através da fé hebraica, Deus preparou o terreno do coração e da mente de um povo (os hebreus) para que recebessem todo o favor divino, por completo, através do Messias, Jesus Cristo. Somente o fato de Jesus ser hebreu já faz uma ligação entre seus seguidores e a fé dos hebreus, que já aguardavam a vinda do Messias anunciado por vários profetas e por várias vezes. Enfim, Jesus veio para tornar plena a Lei divina (Mateus 5.17), lançando os fundamentos não de uma nova religião, mas de uma nova Aliança, que na verdade é uma renovação da verdadeira lei de Deus no coração e na mente do homem. Os hebreus foram incumbidos de manter algumas crenças fundamentais para sua fé e que seriam fundamentais também para a fé cristã como, por exemplo, o monoteísmo e a esperança messiânica. E, principalmente a fé messiânica foi primordial para o desenvolvimento da fé cristã. As pregações dos apóstolos que podem ser encontradas no Novo Testamento bíblico são todas neste sentido: de que o Messias tão esperado finalmente veio, seu nome é Jesus e convida a todos para que creiam nele. Por isso, os primeiros messiânicos (seguidores do Messias) eram judeus (hebreus) que aceitavam Jesus como o Messias aguardado. O segundo objetivo específico (Descrever os impactos da cultura greco-romana nos fundamentos da fé cristã) foi atingido, dado que uma boa parte do mundo conhecido era dominada pelo Império Romano quando Jesus viveu e pregou as boas-novas do Evangelho. Sendo assim, a igreja (congregação dos que seguem a fé cristã) surgiu dentro de um contexto hebraico sim, mas também greco-romano, visto que os romanos adotaram muitas coisas da cultura grega, que fora disseminada por Alexandre, o Grande. Essa influência exterior logo entrou na igreja, através dos adeptos que carregavam consigo a cultura dominante no império, principalmente por aqueles que não eram judeus, os gentios. Porém, o ponto alto da influência grecoromana na fé cristã foi quando o imperador romano Constantino tornou a fé cristã oficial em todo o território dominado pelo império. Os cristãos, que eram perseguidos e mortos por sua fé monoteísta e por não se curvarem diante do paganismo que até então era a fé oficial imperial, começaram a ocupar posição de destaque no império que se tornava cristão através de decretos imperiais. A partir daí, a espiritualidade dentro da igreja se deteriorou cada vez mais, enquanto a política e o poder humano cresciam. Essa oficialização da fé interessava muito a Constantino que assumiu um império romano esfacelado e dividido, e precisava de algo que o unificasse 51 novamente. Oficializando a fé cristã, ele a “transformou” em uma religião chamada “cristianismo”, que serviu muito bem a seus propósitos políticos. Conforme o tempo passava, a fé cristã diminuía e a política do cristianismo aumentava. Pessoas entravam para a igreja somente com interesses políticos. A simplicidade e a pureza da mensagem de Cristo quase não eram mais encontradas na igreja; costumes e tradições greco-romanas infiltraram-se e corromperam a prática da fé cristã. Tal era essa política dentro da igreja que, quando o império romano ocidental se separou do oriental, também houve a separação das igrejas ocidental, com sede em Roma, e oriental, com sede em Constantinopla (a nova capital do império). O terceiro objetivo específico (Investigar os movimentos de restauração das práticas da fé cristã) foi consumado ao constatar que vários movimentos surgiram como tentativa de restaurar a fé messiânica. Porém esses movimentos também carregavam alguma influência greco-romana que havia se alojado dentro da igreja, além de terem interesses políticos e alguns até com motivos escusos, como a Reforma e a Contra-Reforma; alguns movimentos independentes. Há também tentativas de restauração dos fundamentos da fé hebraica, como o Judaísmo Messiânico. Para finalizar, é fundamental lembrar que, para viver a fé cristã é fundamental permanecer naquelas coisas que Cristo ensinou; isso é ser cristão. Jesus não somente ensinou como devemos viver, mas ele vivia aquilo que ensinava, era o exemplo. Ser cristão é caminhar nos passos de Jesus, e ele mesmo se definiu como “o caminho”, definindo um padrão de caminhada para qualquer um que quiser seguilo. Assim, ser cristão não é meramente ser membro de uma religião formal, mas é viver seguindo o exemplo de Cristo em palavras, pensamentos, atitudes e espiritualidade (FILHO, 2012). 52 REFERÊNCIAS ARMSTRONG, Karen. Uma história de Deus: quatro milênios de busca do judaísmo, cristianismo e islamismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2008. BLAINEY, Geoffrey. Uma breve história do cristianismo. São Paulo: Editora Fundamento Educacional, 2012. BOFF, Leonardo. Cristianismo: o mínimo do mínimo. Rio de Janeiro: Editora Vozes, 2011. CAIRNS, Earle Edwin. 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