ESCOLA SUPERIOR ABERTA DO BRASIL - ESAB
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM EDUCAÇÃO
RELIGIOSA ESCOLAR E TEOLOGIA COMPARADA
RONI GONÇALVES PY
A CORRUPÇÃO DOS FUNDAMENTOS HEBRAICOS DA FÉ CRISTÃ
CAUSADA PELAS INFLUÊNCIAS GRECO-ROMANAS
VILA VELHA (ES)
2013
RONI GONÇALVES PY
A CORRUPÇÃO DOS FUNDAMENTOS HEBRAICOS DA FÉ CRISTÃ
CAUSADA PELAS INFLUÊNCIAS GRECO-ROMANAS
Monografia apresentada ao Curso de
Pós-Graduação em Educação Religiosa
Escolar e Teologia Comparada da Escola
Superior Aberta do Brasil como requisito
para obtenção do título de Especialista
em Educação Religiosa Escolar e
Teologia Comparada, sob orientação do
Prof. Me. Marcony Brandão Uliana.
VILA VELHA (ES)
2013
RONI GONÇALVES PY
A CORRUPÇÃO DOS FUNDAMENTOS HEBRAICOS DA FÉ CRISTÃ
CAUSADA PELAS INFLUÊNCIAS GRECO-ROMANAS
Monografia aprovada em ... de ... de 2013.
Banca Examinadora
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VILA VELHA (ES)
2013
Disse Jesus aos judeus que criam nele:
Se vós permanecerdes na minha palavra,
verdadeiramente sois meus discípulos.
(João 8.31)
E até importa que haja heresias entre vós,
para
que
os
que
manifestem entre vós.
(1 Coríntios 11.19)
são
sinceros
se
RESUMO
Este estudo teve o objetivo de analisar a corrupção dos fundamentos hebraicos da
fé cristã causada pelas influências greco-romanas. Dentre os autores pesquisados
para a constituição conceitual deste trabalho, destacaram-se Hurlbut (2007),
González (2011), Cairns (2008), Pearlman (2009), Filho (2012), e Stern (2007). O
capítulo 2 tratou dos fundamentos hebraicos da fé cristã, essa que é uma
continuação da fé hebraica. Já no capítulo 3 foram analisados os impactos da
cultura greco-romana nos fundamentos da fé cristã, levando-a a sincretismos e
corrompendo assim as práticas cristãs. E por fim, no capítulo 4 foram elencados
movimentos de restauração das práticas da fé cristã, que tentaram reverter a
situação e voltar às origens da fé no Messias. A metodologia utilizada foi a pesquisa
exploratória, tendo como coleta de dados o levantamento bibliográfico. As
conclusões mais relevantes são: que a fé messiânica (cristã) pode ser percebida
como uma continuação da fé hebraica; que a cultura greco-romana influenciou a
prática das crenças fundamentais da fé cristã, principalmente após a oficialização
desta fé por Constantino, criando assim o Cristianismo; e que os movimentos que
surgiram como tentativas de restauração da verdadeira fé messiânica, em sua
maioria mantiveram-se debaixo de influências da cultura greco-romana.
Palavras-chave: Igreja. Messianismo. Fé cristã. Fé messiânica. Sincretismo religioso.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................
2 OS FUNDAMENTOS HEBRAICOS DA FÉ CRISTÃ .........................................
2.1 A FÉ MESSIÂNICA COMO PLENIFICAÇÃO DA FÉ HEBRAICA ...................
2.2 ALGUNS FUNDAMENTOS DA FÉ CRISTÃ HERDADOS DA FÉ HEBRAICA
2.2.1 O monoteísmo .............................................................................................
2.2.2 As Escrituras ...............................................................................................
2.2.3 A fé messiânica ...........................................................................................
2.3 OS ENSINOS DE JESUS CRISTO ..................................................................
3 OS IMPACTOS DA CULTURA GRECO-ROMANA NOS FUNDAMENTOS DA
FÉ CRISTÃ ............................................................................................................
3.1 OS GENTIOS NA IGREJA E O ROMPIMENTO COM O JUDAÍSMO .............
3.2 O EDITO DE TOLERÂNCIA – A OFICIALIZAÇÃO DO CRISTIANISMO ........
3.3 A DIVISÃO DO IMPÉRIO, E DA IGREJA ........................................................
4 MOVIMENTOS DE RESTAURAÇÃO DA FÉ MESSIÂNICA .............................
4.1 MOVIMENTOS PRÉ-REFORMA DA IGREJA .................................................
4.2 A REFORMA DA IGREJA ................................................................................
4.3 MOVIMENTOS PÓS-REFORMA DA IGREJA .................................................
4.4 O JUDAÍSMO MESSIÂNICO ...........................................................................
4.5 OUTROS MOVIMENTOS ................................................................................
5 CONCLUSÃO .....................................................................................................
REFERÊNCIAS .....................................................................................................
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1 INTRODUÇÃO
O presente trabalho é sobre a deformação causada pela influência da cultura grecoromana na fé cristã (baseada na fé hebraica), ou seja, até que ponto a cultura grecoromana deturpou a verdadeira fé messiânica (cristã) de origem hebraica, já que o
Messias era hebreu.
Tal estudo faz-se necessário devido à sua relevância para a comunidade acadêmica
e, principalmente, para a restauração da mensagem messiânica entre a cristandade
contemporânea, a qual vive há algum tempo em uma crise que a divide e dá mais
origem a debates e contendas do que a soluções e paz (FILHO, 2009).
A corrupção dos fundamentos hebraicos da fé cristã causada pelas influências
greco-romanas será aqui estudada partindo do ponto de que Jesus Cristo inseriu-se
na História como o Messias prometido por Deus ao povo hebreu, e ensinou sua
mensagem que, com o passar do tempo, foi sendo deixada de lado por seus
seguidores (a igreja), e que isso aconteceu principalmente depois que o Império
Romano, através de Constantino, elegeu a fé cristã como oficial, criando assim a
religião conhecida como Cristianismo.
Os principais autores consultados para este trabalho são os historiadores cristãos:
Blainey (2012), Cairns (2008), Daniel-Rops (2008), González (2011) e Hurlbut
(2007); o historiador hebreu Josefo (2011); e o historiador de religiões Marques
(2005). Também foram consultados teólogos cristãos e messiânicos como, por
exemplo: Boff (2011), Champlim (2002), Dunnett (2005), Filho (2012), Geisler (2006),
Gingrich (2007), Guimarães (2012), Langston (2007), Pearlman (2009), Shubert
(2010) e Stern (2007); além de outros escritores.
O problema de pesquisa que orienta este estudo é: Quais foram os resultados da
assimilação das influências greco-romanas pela Igreja Cristã?
7
Para responder ao problema acima levantado formula-se o seguinte objetivo geral:
Analisar a corrupção dos fundamentos hebraicos da fé cristã causadas pelas
influências greco-romanas.
Para alcance do objetivo geral, elencam-se os objetivos específicos abaixo:
-
Identificar os fundamentos hebraicos da fé cristã;
-
Descrever os impactos da cultura greco-romana sobre os fundamentos da fé
cristã;
-
Investigar os movimentos de restauração da prática da fé cristã.
A metodologia utilizada neste trabalho foi, por se tratar de intervenções históricas, a
pesquisa exploratória com levantamento bibliográfico de dados (HEERDT, 2007),
sobretudo nos livros de História dos Hebreus, de História da Igreja Cristã e de
História do Cristianismo. Todavia, foram também consultados textos de Teologia
Sistemática, de Cristianismo Contemporâneo, de religiões, e outros, além,
obviamente,
daqueles
livros
ensinamentos de Jesus Cristo.
que
fazem
referência
especificamente
aos
8
2 OS FUNDAMENTOS HEBRAICOS DA FÉ CRISTÃ
A Bíblia, assim denominada pelos cristãos, desde o século II d.C., a reunião dos
escritos sagrados, é composta basicamente por duas partes, conhecidas entre os
cristãos com os títulos de “Antigo Testamento” (o Tanach) e “Novo Testamento”, ou
ainda com os nomes de “Primeiro Testamento” e “Segundo Testamento”,
respectivamente. “O Antigo Testamento foi escrito pela comunidade judaica, e por
ela preservado um milênio ou mais antes da era de Jesus. O Novo Testamento foi
composto pelos discípulos de Cristo ao longo do século I d.C.” (GEISLER, 2006, p.
5). E o ponto unificador entre os dois testamentos é uma pessoa: Jesus, o Messias
esperado pelo povo hebreu. “Agostinho dizia que o Novo Testamento acha-se
velado no Antigo Testamento, e o Antigo, revelado no Novo” (GEISLER, 2006, p. 6).
No Primeiro Testamento encontra-se registrada basicamente a origem da História
dos hebreus, dos israelitas. Essa origem está em um pacto que Deus fez com o
patriarca Abraão, que recebeu o chamado divino para afastar-se, separar-se do
paganismo para ter uma aliança com o único e verdadeiro Deus. A missão principal
do povo de Israel era pregar o monoteísmo, contrariando o politeísmo que era
praticado nas nações vizinhas, e essa missão tem origem no chamado de Abraão
(PEARLMAN, 2009).
Esse povo hebreu, descendente de Abraão, se desenvolveu, apesar de terem sido
dominados por várias vezes por várias nações estrangeiras, como, dentre outros: os
egípcios, os assírios, os babilônios e os romanos (JOSEFO, 2011).
Deus havia feito a promessa, através dos profetas hebreus, de enviar um Messias
salvador a Israel. Bem no início do Antigo Testamento, em Gênesis 3.15, já pode ser
encontrada uma profecia de um descendente da mulher (representante da raça
humana) que viria colocar fim ao domínio da serpente – que levou o ser humano a
pecar (PEARLMAN, 2009).
9
Nos Evangelhos, no início do Segundo Testamento, pode ser lida a História de
Jesus Cristo sendo enviado por Deus como o Messias prometido. Jesus era
descendente da mulher (cumprindo a profecia de Gênesis 3.15), e, por desígnio
divino, era hebreu de nascimento, portanto descendente de Abraão. Assim, um
número de judeus (de hebreus) ouviu a mensagem de Cristo e passaram a segui-lo,
crendo que ele realmente era o Ungido, o Messias divino – “Cristo” (do grego) e
“Messias” (do hebraico) tem o mesmo sentido: “O Ungido” (PEARLMAN, 2009).
Esses seguidores de Jesus, alguns anos depois, passariam a ser conhecidos como
cristãos – derivação da palavra “Cristo” – formando o grupo conhecido como Igreja.
O vocábulo “igreja”, que no grego é “ekklêsia”, para Pearlman (2009), significa algo
como “congregação”, “assembléia” ou “comunidade”, ou seja, “um grupo de
pessoas”. Stern (2007) amplia a tradução para “comunidade messiânica” ou ainda
“Aqueles que são chamados para fora” (p. 80). De qualquer forma, conforme Stern
reforça, “[...] ekklêsia nunca se refere a uma instituição ou a um prédio” (STERN,
2007, p. 81), mas sim a um grupo de pessoas. “Depois do período em que Cristo
viveu nesta terra, surge a igreja cristã, primeiramente como um grupo reduzido de
homens e mulheres, e se expande, passando a reunir grande multidão de pessoas”
(DUNNETT, 2005, p. 13).
Os primeiros cristãos eram judeus que creram que Jesus era o Messias esperado,
anunciado tantas vezes por vários profetas. Sendo assim, eles achavam que a fé
cristã era mais uma seita dentro do judaísmo, entre as outras que já existiam. Muitos
deles consideravam que, para ser cristão, primeiramente deveria ser judeu, e para
ser judeu deveria seguir todas as doutrinas e práticas judaicas. Não consideravam,
inicialmente, que poderia existir uma igreja fora dos limites do judaísmo
(GONZÁLEZ, 2011).
Mas chegou o tempo em que eles perceberam que aquele movimento “[...] deveria
transformar-se em igreja cujas portas permanecessem para sempre abertas a todo o
mundo” (HURLBUT, 2007, p. 29). As boas novas do Messias começavam a
conquistar pessoas que não eram israelitas. Esses não-judeus são mencionados por
vezes na Bíblia como “gentios”, ou seja, pagãos que se convertiam à fé messiânica
em Jesus. O número desses irmãos gentios foi aumentando entre os discípulos,
10
piorando a tensão entre os judaizantes radicais e os judeus progressistas – ambos
que compunham o grupo dos seguidores da fé em Jesus como Messias. Foi então
que aconteceu o Concílio de Jerusalém, narrado no capítulo 15 do livro de Atos dos
Apóstolos. Estavam representados ali os apóstolos por Paulo, Pedro e Tiago, além
dos anciãos (líderes das igrejas locais), e outros irmãos de toda a igreja.
Esse concílio foi o resultado de uma discórdia entre os judeus conservadores
(cristãos judaizantes) e os progressistas sobre a questão de como receber aqueles
que não eram judeus (os chamados gentios), mas estavam abraçando a pregação
da mensagem de Cristo. Os conservadores diziam que todos os discípulos gentios
deveriam ser circuncidados e observar toda a lei judaica. Já os progressistas, cujos
líderes eram Paulo e Barnabé, diziam que a mensagem era tanto para os judeus
quanto para os gentios, baseados somente na fé em Cristo, sem a observância de
todas as leis judaicas (HURLBUT, 2007).
No final, a conclusão do concílio reunido foi que alguns aspectos da lei
(principalmente a circuncisão) alcançavam somente os judeus, e não os gentios
crentes em Cristo, que inicialmente deveriam somente “[...] abster-se das
contaminações dos ídolos, da prostituição, do que é sufocado e do sangue” (Atos
15.20), pois o restante da lei mosaica que os gentios deveriam conhecer (porque
são questões que o Messias não revogou) “[...] desde os tempos antigos, tem em
cada cidade quem o pregue, e cada sábado é lido nas sinagogas” (Atos 15.21), ou
seja, os gentios poderiam aprender depois, gradualmente, os princípios morais e
éticos da lei divina para o homem. Com esse desfecho, foi estabelecida oficialmente
a livre adesão de gentios à fé messiânica, sem a necessidade de se converterem
antes ao judaísmo. O judeu crente poderia continuar sendo judeu ao mesmo passo
que o não-judeu não precisaria converter-se ao judaísmo para ser seguidor do
Messias. “O evangelho podia, agora, avançar em sua constante expansão”
(HURLBUT, 2007, p. 36).
2.1 A FÉ MESSIÂNICA COMO PLENIFICAÇÃO DA FÉ HEBRAICA
11
Analisando a Bíblia, pode-se perceber que, desde o início, Deus mostra-se, revelase ao homem e busca ter relacionamento com ele. E o ser humano é sempre livre
para corresponder a esse relacionamento ou não.
Houve vários homens que corresponderam a esse chamado de Deus para ter
comunhão com Ele. Um desses homens foi Abraão, com o qual Deus fez uma
aliança de fidelidade e uma promessa de abençoar sua descendência. Os
descendentes de Abraão são chamados de hebreus. Os hebreus foram organizados
em doze tribos, a partir dos doze filhos de Jacó, neto de Abraão. Mais tarde, Deus
mudou o nome de Jacó para Israel. Assim, os descendentes de Abraão ficaram
conhecidos como “o povo de Israel”, ou simplesmente “israelitas”. Uma das doze
tribos de Israel é a tribo de Judá, de onde vem o nome “judeus”, que é usado como
sinônimo de “hebreus” (JOSEFO, 2011).
Os hebreus deveriam ser mensageiros de Deus para as nações a sua volta. Enfim,
os israelitas conservaram esse relacionamento com Deus, apesar de, por várias e
várias vezes ter a reprovação divina por ter corrompido essa comunhão com
costumes e culturas de vários povos vizinhos, trazendo para si mesmos o castigo de
Deus. Para Dunnett (2005, p. 14) “[...] eles [os hebreus] fracassaram! Por causa da
contínua desobediência e do degradante pecado da idolatria, o julgamento de Deus
lhes sobreveio de forma derradeira”, referindo-se às várias vezes em que os
israelitas desobedeceram as leis divinas e foram por Deus castigados com
escravidão, guerras e exílios que são narrados no Tanach (JOSEFO, 2011).
Armstrong (2008) acrescenta que os israelitas “[...] não entenderam a natureza da
aliança, que significava responsabilidade, não privilégio” (p. 66).
Porém, havia a promessa de um Messias que colocaria fim a todo o opróbrio hebreu
e às mazelas da raça humana. E o cumprimento dessa promessa se deu através de
Jesus Cristo, o Messias de Deus. De acordo com o relato dos Evangelhos, e
também descrito por Blainey (2012, p. 34), “quando o Sumo Sacerdote perguntou se
12
ele era o Cristo, respondeu simplesmente ‘Sim’. [...] a palavra Cristo significava ‘o
Ungido’ – o Messias que transformaria Israel”.
Sendo assim, do ponto de vista bíblico-histórico do desenrolar do relacionamento de
Deus com o homem, a fé cristã (messiânica) é uma forma de continuação da fé
hebraica, já que a vinda de Jesus Cristo é cumprimento da promessa messiânica
que havia sido feita ainda no Jardim do Éden (Gênesis 3.15) e refeita aos
descendentes de Abraão mais tarde. Em Lucas 3, a partir do versículo 23, é descrita
a genealogia de Jesus, que termina, no versículo 38, em Adão, mostrando assim
que Jesus era “o descendente indicado da mulher”, ou seja, do primeiro casal,
cumprindo a profecia de Gênesis 3.15. Obviamente, os hebreus foram de
fundamental importância, já que conservaram toda essa História, que aborda desde
o Gênesis. Este livro mesmo que, segundo Geisler (2006), foi escrito por Moisés, um
dos líderes do povo de Israel, e também descendente de Abraão.
Sob esse prisma, o Tanach, que é mais conhecida no ocidente como “Antigo
Testamento” conta não especificamente a história judaica, mas sim a história
humana em seu relacionamento com Deus. Não é o relacionamento entre Deus e os
hebreus, mas entre Deus e a humanidade. E isso foi pregado pelo próprio Jesus,
que não fazia discriminação entre hebreus e não-hebreus. Apesar de ter aqueles
que o seguiam, sua mensagem não era para um grupo diferenciado, mas era para
toda a humanidade, na intenção de uma transformação interna produzida por Deus e
que se exterioriza através de uma mudança de atitudes para com Deus, para
consigo mesmo e para com o próximo. “Sua intenção se dirigia à humanidade e não
se restringia a uma porção dela [...] Não visava uma nova religião, mas um homem
novo, uma mulher nova, um novo céu e uma nova terra” (BOFF, 2011, p. 84).
Moisés, o legislador hebreu, tinha um profundo relacionamento com Deus e tentou
implantar entre seus contemporâneos e em seus descendentes, através da prática,
a mesma fé. Conforme o historiador Flávio Josefo (2009), na lei mosaica podem ser
encontrados preceitos para todos os atos e momentos da vida, desde a vida
doméstica, cotidiana, até os atos sacrificiais religiosos, e Jesus veio para tornar essa
lei plena. Contudo, desde a época de Moisés, os hebreus transformaram esse
relacionamento numa religião, no sentido de “sistema religioso”, chamado judaísmo,
13
pois eles “preferiam uma religião de observância ritual menos exigente [...]”
(ARMSTRONG, 2008, p. 66).
Esse sistema religioso apresenta-se no Primeiro Testamento mesclando fé com
política, economia, justiça civil, justiça penal, etc. Da mesma forma, mais tarde, os
seguidores de Cristo, os cristãos, assim como os hebreus, também transformaram o
relacionamento com Deus, que agora se aproximara ainda mais de toda a
humanidade através de Jesus Cristo, em um sistema religioso chamado cristianismo
(BOFF, 2011). Armstrong (2008) acrescenta que “a maioria das pessoas religiosas
contenta-se com a adoração na sinagoga, na igreja, no templo, na mesquita” (p. 66),
ao invés de buscar um relacionamento íntimo e pessoal com Deus.
2.2 ALGUNS FUNDAMENTOS DA FÉ CRISTÃ HERDADOS DA FÉ
HEBRAICA
A fé cristã herdou, em base, alguns dos fundamentos de fé dos hebreus. Desde os
primórdios dos tempos, na História, Deus se revelou aos hebreus “[...] através de
suas aparições a Abraão e a outros grandes líderes do povo” (CAIRNS, 2008, p. 36).
O próprio Jesus Cristo, conversando com uma mulher, disse que “a salvação vem
dos judeus” (Jo 4.22), referindo-se ao fato de que os israelitas guardaram a fé e o
relacionamento com Deus, o que serviu de base para a fé cristã.
Os judeus estavam divididos em “partidos”. Dentro do judaísmo existiam seitas, e as
principais eram: a dos fariseus, a dos saduceus, a dos zelotes, e a dos essênios
(JOSEFO, 2011).
O grupo dos fariseus era formado por leigos, mas que eram muito rígidos no
cumprimento da Lei escrita. E essa rigidez os tornava hostis aos dominadores
estrangeiros. Após a destruição do Templo de Jerusalém, este era o grupo que teria
14
maior possibilidade de continuar existindo, exatamente por enfatizar a Lei e não o
Templo. Os fariseus “[...] criam em algumas doutrinas que não tinham apoio nas
mais antigas tradições dos judeus, como a ressurreição e a existência de anjos”
(GONZÁLEZ, 2011, p. 19). Por causa dessas crenças, os fariseus teriam maior
facilidade de crer em alguns ensinamentos de Jesus, e se eles foram repreendidos
algumas vezes pelo Mestre, não era por suas crenças, nem por serem maus judeus,
mas principalmente por seu exagero no cumprimento da Lei (às vezes com
hipocrisia), em detrimento da vida humana e do amor ao próximo.
Os saduceus eram os judeus da elite sacerdotal e da aristocracia, que tinham
interesse em manter a paz com os dominadores para defender seus interesses
financeiros e político-religiosos. Se os fariseus enfatizavam a Lei, os saduceus
priorizavam o culto do Templo, já que os membros do sinédrio e o sumo sacerdote
geralmente eram saduceus. Eram conservadores na doutrina, não crendo assim na
ressurreição nem na existência de anjos (GONZÁLEZ, 2011; HURLBUT, 2007).
Os zelotes eram nacionalistas, e se opunham inflexivelmente aos dominadores
estrangeiros. Eles tinham tanta esperança de que o Messias chegaria e Deus assim
libertaria os israelitas da opressão estrangeira, trazendo um reino de paz e justiça,
que queriam acelerar esse acontecimento usando as armas. Várias rebeliões
aconteceram – uma delas, no ano 66 d.C., resultando na destruição de Jerusalém –
e muitos judeus foram mortos (GONZÁLEZ, 2011; HURLBUT, 2007).
O grupo dos essênios tinha ideias puristas, e se afastavam da sociedade, dos
gentios, para manter a pureza de seus rituais. Acredita-se que os “rolos do Mar
Morto”, uma coleção de manuscritos de antigos textos, inclusive do Antigo
Testamento, são de sua autoria. Além das doutrinas tradicionais dos judeus, eles
tinham “doutrinas secretas”, que somente eram reveladas aos seguidores da seita
(CHAMPLIN, 2002).
Apesar de suas diferenças, os diversos partidos do judaísmo mantinham pontos
fundamentais em comum. Dentre esses fundamentos, podem ser ressaltados: o
monoteísmo, as escrituras e a fé messiânica.
15
2.2.1 O monoteísmo
Um dos maiores fundamentos da fé hebraica, semelhantemente à fé islâmica e
também à fé cristã, é o monoteísmo, ou seja, a crença em um (e somente) um Deus.
A Shemá, “[...] proclamação de fé judaica utilizada por todos os profetas e judeus,
ortodoxos ou não” (MARQUES, 2005, p. 87), afirma justamente essa fé monoteísta:
“Ouve, ó Israel: O Senhor nosso Deus é o único Senhor” (Deuteronômio 6.4).
A crença em Deus acompanha a História da humanidade e é própria do ser humano,
já que este, diferente de outros seres vivos, possui uma natureza religiosa que o
leva a procurar um objeto de adoração. De acordo com Langston (2007), o homem é
um ser composto por uma parte tangível, que é seu corpo material, e uma parte
intangível, que é seu espírito. Essa parte intangível é que o leva a procurar o que é
transcendental, divino.
A fé (muito além da razão) é necessária ao homem para relacionar-se com Deus,
como escreve o autor da Carta aos Hebreus: “... quem dele [de Deus] se aproxima
precisa crer que ele existe...” (Hebreus 11.6). E essa crença não é de origem
humana, mas é proveniente do próprio Deus, que, ao longo da História, revelou-se
ao homem. A Bíblia narra essa história do relacionamento de Deus com a
humanidade.
Pearlman (2009, p. 51) escreve que “toda a história bíblica foi escrita para revelar
Deus na história, isto é, para ilustrar a obra de Deus nos assuntos humanos”. E essa
revelação divina é gradual. É assim, não porque Deus foi mudando de idéia ou de
estratégia ao decorrer do tempo, mas sim porque era (e ainda é) necessário ao
homem que fosse dessa forma, visto que o Deus infinito e ilimitado vem revelandose ao homem, um ser física e intelectualmente finito e limitado. O que o homem
pode compreender sobre Deus hoje é mais do que alcançava ontem e é menos do
16
que poderá compreender amanhã. Aqui está a evolução do relacionamento entre
Deus e o homem.
Pearlman (2009, p. 66) sintetiza que “Deus é espírito com personalidade; ele pensa,
sente e fala, portanto pode ter comunhão direta com suas criaturas feitas à sua
imagem” – referindo-se ao homem. Apesar de Deus ser espírito, ele é uma Pessoa,
uma pessoa espiritual, ou como define Langston (2007, p. 33), “Deus é Espírito
Pessoal, perfeitamente bom, que, em santo amor, cria, sustenta e dirige tudo”. A
possibilidade de Deus, mesmo sendo Espírito, relacionar-se com o ser humano
deve-se sobretudo à Sua pessoalidade.
Deus não está limitado a tempo nem a espaço. Ele existe e está presente em todas
as partes, em todo o espaço, infinitamente. Ele é eterno, não tem princípio nem fim;
sempre existiu e sempre existirá.
Em Deuteronômio 4.39 está registrado que “... só o Senhor é Deus em cima no céu,
e em baixo na terra; nenhum outro há”. E assim pode-se encontrar em vários trechos
do Tanach. Deus é único, para os hebreus e para os cristãos também.
Vale ressaltar que a unidade divina é uma “unidade composta”: o Pai, o Filho e o
Espírito Santo. Segundo Langston (2007), pode-se encontrar, no Antigo Testamento,
a manifestação do Pai, assim como do Filho (o Messias), e ainda do Espírito Santo.
Até mesmo o termo “Elohim”, um dos nomes pelo qual Deus é chamado pelos
hebreus, é plural. Ele foi-se revelando gradualmente ao homem, principalmente com
a encarnação do Filho (Jesus) registrada nos Evangelhos, e com a “descida do
Espírito Santo”, no dia de pentecostes, narrado no segundo capítulo do livro de Atos
dos Apóstolos.
Deus tem todo o poder e domínio sobre todas as coisas. Segundo Langston (2007,
p. 53) Deus concentra a “onipotência moral” e a “onipotência física”. Por onipotência
moral entende-se que “Deus é tão poderoso que não pode praticar o mal, e nem
sequer pode ser tentado” (p. 53). Por conta dessa onipotência moral Ele não pode
“praticar qualquer ato que discorde da sua natureza moral” (p. 53). Pelo lado
positivo, Deus tem todo o poder para praticar o bem. A onipotência física de Deus
17
demonstra que Ele tem o poder de criar qualquer coisa, além do poder de sustentar
e de governar tudo.
Deus é onipresente. Entende-se por onipresença o fato de Deus estar em todo lugar.
O que deve ser salientado é que o fato de Deus estar em todos os lugares não
significa que Ele habita em tudo, o que traria conclusões panteístas. Pearlman
(2009, p. 69) explica essa idéia dizendo que “o homem não deve se iludir com o
pensamento de que existe um cantinho no universo onde possa escapar à lei do seu
Criador”.
Deus conhece todas as coisas. Seu conhecimento é perfeito e instantâneo. Tudo
que a humanidade conhece significa nada em comparação à onisciência divina. Ele
conhece inclusive as coisas que ainda não existem, e os fatos que ainda não
aconteceram. Aqui está também subentendida a sabedoria de Deus, que lhe
favorece a fazer tudo da melhor forma, podendo “[...] organizar todas as coisas e
executar sua vontade no curso dos eventos com a finalidade de realizar seu bom
propósito [...]” (PEARLMAN, 2009, p. 70). Isso é chamado de Providência divina.
Vale ressaltar o atributo divino da imutabilidade, que afirma que em Deus “[...] não
há mudança, nem sombra de variação” (Tg 1.17). Ele não mudou com o tempo, nem
mudou seus propósitos. A humanidade mudou. Isso não significa que Deus é imóvel,
qual estátua. Imutabilidade é diferente de imobilidade. Através da imutabilidade
pode-se conhecer e confiar na fidelidade de Deus.
Segundo Pearlman (2009, p. 71) “a santidade de Deus significa sua absoluta pureza
moral; Ele não peca nem tolera o pecado”. Essa santidade é intríseca à própria
natureza de Deus – Ele é santo em si e por si mesmo – e significa que Ele é
“separado”: separado do pecado; separado em seu caráter, que é perfeito.
Langston (2007, p. 55) explica que a santidade divina “[...] é a soma de todas as
suas qualidades morais”, de todas as suas excelências.
A justiça de Deus é o lado prático de sua santidade. Como explica Pearlman (2009,
p. 72) “justiça é a santidade de Deus que se manifesta no tratamento correto com
18
suas criaturas. [...] é a obediência a uma norma reta; é conduta reta em relação ao
outro”, e isso vai muito além de simplesmente castigo aos maus; é também livrar o
inocente e exigir que se faça justiça.
A Bíblia declara: “Aquele que não ama não conhece a Deus, pois Deus é amor” (I Jo
4.8). Segundo Pearlman (2009, p. 73) “o amor é o atributo de Deus que faz com que
Ele deseje ter um relacionamento pessoal com aqueles que possuem sua imagem”,
os seres humanos. E não é somente um sentimento de amor, visto que sentimentos
são limitados e finitos. O amor de Deus (o verdadeiro amor) nunca se acaba.
Segundo Langston (2007, p. 60) esse amor divino “além do sentimento, envolve
também certa atitude em relação ao amado [...] é a atitude firme de dar-se ao ente
ou objeto amado, e de possuí-lo em íntima comunhão”. E, como Deus é perfeito e
justo, seu impulso de dar-se ao ser humano é equilibradamente igual ao desejo de
possuí-lo. Um dos trechos mais conhecidos e citados da Bíblia denota esse amor:
“Porque Deus amou ao mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para
que todo o que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna” (Jo 3.16). Por esse
amor, Deus mostra também sua misericórdia e sua bondade. No Novo Testamento,
no primeiro capítulo do Evangelho de João, encontramos a afirmação de que Deus
nos dá o poder de sermos feitos seus filhos, através da fé em Jesus Cristo.
2.2.2 As Escrituras
A fé cristã, assim como a fé hebraica, é totalmente revelada, ou seja, foi Deus quem
se revelou ao homem. E essa revelação foi escrita por homens de diversas épocas e
de diferentes culturas para que ficasse registrada, juntamente com a história e as
leis.
E
analisando esses registros,
pode
ser encontrada
uma
linha
de
desenvolvimento lógico-filosófico “[...] na qual o Deus soberano que criou a história
19
iria triunfar sobre a falha do homem na história para trazer à existência uma era
dourada” (CAIRNS, 2008, p. 38).
Sendo assim, os livros que compõem o Tanach contém sobretudo a história do povo
de Deus antes do advento do Messias, assim como as profecias acerca deste e toda
a Lei que o povo hebreu deveria seguir, enquanto que “os livros do Novo
Testamento foram escritos para instruir os cristãos de congregações locais e
informá-los a respeito da vida e dos ensinos de Cristo” (DUNNETT, 2005, p. 13).
Tanto Jesus quanto seus discípulos tinham estima pelas Escrituras. Trechos do
Antigo Testamento são citados diversas vezes por Cristo e por seus seguidores. No
Novo Testamento podem ser encontradas várias referências às Escrituras hebraicas
de festas e tradições, além de citações de profecias da tradição judaica cumpridas
na vida de Jesus, já que os primeiros seguidores de Cristo eram judeus e os judeus,
desde a infância, eram ensinados a estudar o Antigo Testamento. “Muitos gentios
também o leram e se familiarizaram com os fundamentos da fé judaica” (CAIRNS,
2008, p. 37).
Atualmente, as Escrituras servem para que aqueles que não viveram naquela época,
e portanto não presenciaram os ensinamentos de Cristo, possam tomar
conhecimento desse relacionamento de Deus com a humanidade em diferentes
ocasiões e de diferentes maneiras, como escreve o autor da Carta aos Hebreus:
“Havendo Deus antigamente falado muitas vezes, e de muitas maneiras, aos
patriarcas, pelos profetas, a nós falou-nos nestes últimos dias pelo Filho [Jesus
Cristo]” (Hebreus 1.1).
Na lei divina registrada no Tanach, já estava inserido um rigoroso sistema ético; era
um padrão moral elevadíssimo em comparação com outras nações. Para os
hebreus, o pecado, a transgressão, era um ato originário de um coração impuro e
distanciado de Deus, e que exteriorizava em forma visível. Dessa forma, somente
Deus poderia prover salvação e purificação, que jamais poderiam ser alcançadas de
forma independente do Criador. “A redenção da raça [humana] havia de realizar-se
por um Mediador que em si mesmo reunisse as duas naturezas: a divina e a
humana” (LANGSTON, 2007, p. 175).
20
Além disso, toda “a lei e os profetas” – uma forma de se referir aos escritos do
Antigo Testamento – apontavam para um salvador (o Messias), já que o padrão era
tão elevado que seria impossível ser totalmente observado por qualquer pessoa.
Assim, no Novo Testamento há uma verdade revelada: que a fé, e não a total
observação exterior e aparente da lei, é o que torna real a salvação do homem, que,
em tendo recebido a salvação pela fé, como graça divina, gerará como fruto de
gratidão o exercício da lei divina em suas atitudes. Paulo, escrevendo sobre essa
graça, afirma que “o fim da lei é Cristo para justiça de todo aquele que crê”
(Romanos 10.4). O vocábulo traduzido como “fim” neste versículo é “telos” que,
segundo Gingrich (2007, p. 205), tem o “[...] sentido de término, cessação,
conclusão”. Um exemplo de cessação é em relação aos sacrifícios de animais para
derramamento de sangue, que Jesus sobrepujou com seu próprio sangue
(SHUBERT, 2010). O autor de Hebreus cita essa questão: “Porque, tendo a lei a
sombra dos bens futuros, e não a imagem exata das coisas, nunca, pelos mesmos
sacrifícios que continuamente se oferecem cada ano, pode aperfeiçoar os que a eles
se chegam" (Hebreus 10.1). Ainda em Hebreus, são encontrados exemplos de
pessoas que foram justificadas pela fé quando a lei ainda nem existia, como, por
exemplo: Abel, Enoque, Noé, Abraão, Isaque, Jacó, José, e até mesmo o legislador
Moisés, dentre outros. No entanto, Stern (2007) defende que, em Romanos 10.4,
“telos” deve ser traduzido como “objetivo”, pois “a Torá continua. Ela é eterna”
(STERN, 2007, p. 430). Para ele, a Torá (a lei divina) dada por Deus “[...] como um
meio para a justiça alcança seu objetivo e consumação na vinda do Messias” (p.
431). Em suma, parece que ambos concordam que aqueles que seguem a lei divina
recebem o Messias, sendo verdadeira a recíproca que aqueles que recebem o
Messias têm seu coração e mente abertos para observar a verdadeira lei de Deus.
2.2.3 A fé messiânica
21
Os cristãos creem que Jesus é o Messias que foi prometido ao povo hebreu, os
judeus. Alguns judeus creram que Jesus era mesmo o Messias e experimentaram o
novo nascimento (da água e do espírito), ou seja, a circuncisão no coração, que
Moisés referiu em Deuteronômio 30.6. Esses foram os primeiros discípulos de
Jesus, o Messias, também conhecidos como “judeus nazarenos” (CHAMPLIM,
2002). Houve judeus que não aceitaram Jesus como o Messias e até o dia de hoje
esperam essa vinda.
Desde o pecado da desobediência no Jardim do Éden (Gênesis 3), já existe a
promessa de que nasceria um descendente da mulher, da humanidade, um que
“esmagaria a cabeça da serpente”, figurando o Diabo, o Enganador. Tem-se então o
sentido espiritual da vinda do Messias prometido: ele deveria ser espiritualmente
vencedor sobre o caído Lúcifer, o Diabo, que em Gênesis está figurado pela forma
de serpente (LANGSTON, 2007).
Com o passar do tempo, Deus foi revelando através dos profetas algumas
características do Messias esperado. O próprio vocábulo “Messias” significa “O
Ungido”, fazendo referência ao costume de ungir com óleo aqueles que eram
consagrados a Deus para servir, como reis, sacerdotes e profetas. Assim, o Messias
deveria cumprir ambas as funções: deveria reinar soberanamente sobre os filhos de
Deus; deveria estar apto para interceder como sacerdote pelo povo junto a Deus; e
deveria revelar da forma mais completa a vontade de Deus para o mundo.
Obviamente, o Ungido deveria ser um rei diferente daqueles reis que perverteram o
povo de Israel, como também deveria ser um sacerdote diferente daqueles que
levaram o povo à idolatria. O Messias tinha de ser alguém que cumprisse
perfeitamente sua missão (PEARLMAN, 2009).
Diferentemente dos judeus tradicionais, os cristãos acreditam que Jesus é o Messias
que foi prometido. Essa é a principal diferença e ao mesmo tempo o principal ponto
de aderência da fé cristã com a hebraica: o cumprimento da promessa da vinda do
Messias. Enquanto os hebreus ainda aguardam o advento do Messias, os cristãos
creem que esse Ungido é Jesus, que já veio em cumprimento da profecia, tornando
a Lei plena.
22
O próprio Jesus declarou que veio para cumprir a Lei e os profetas, e não para abolilos (Mateus 5.17). De fato, ele é o Messias tão anunciado pelos profetas do Antigo
Testamento, tornando plena a Lei. Por isso ele é o tema centralizador e unificador de
toda a Escritura Sagrada. Cristo significa o mesmo que Messias, sendo que esta é a
palavra hebraica e aquela é a palavra grega. Sendo assim, “Jesus Cristo” significa
“Jesus, o Ungido”. Jesus é o Ungido de Deus. A lei e a justiça divina estariam
incompletas sem Ele.
Ao ser batizado no rio Jordão, Jesus recebe a aprovação pública da parte de Deus,
que naquele momento diz “este é o meu Filho amado, em quem me comprazo”
(Mateus 3.17; Marcos 1.11; Lucas 3.22). Mais tarde, Pedro também afirmaria o
reconhecimento da autenticidade do Messias respondendo ao próprio Jesus:
“Perguntou-lhes ele: E vós, quem dizeis que eu sou? Simão Pedro respondeu: Tu és
o Cristo, o Filho do Deus vivo” (Mateus 16.15-16). Mais tarde, Jesus reafirmaria sua
messianidade na presença do concílio judaico que, considerando essa afirmação
uma blasfêmia, o sentenciou à morte (Mateus 23.63-67).
2.3 OS ENSINOS DE JESUS CRISTO
Como Jesus Cristo nasceu na linhagem dos hebreus (Mt 1.1), seus ensinos também
podem ser considerados dentro da fé hebraica, embora houvesse (e ainda há) os
hebreus que não criam nele como sendo o Messias.
É o próprio Jesus quem enfatiza que para ser seu discípulo, ou seja, para ser
cristão, é preciso permanecer em seus ensinos: “Disse Jesus aos judeus que criam
nele: Se permanecerdes no meu ensino, verdadeiramente sereis meus discípulos.
Então conhecereis a verdade e a verdade vos libertará” (Jo 8.31-32). É fundamental
então que aqueles que professam a fé cristã conheçam os ensinos de Cristo e sigam
23
a sua mensagem. Isso é ser cristão. E o verbo “permanecer” tem um sentido de
continuidade.
Para o cristão, obedecer e seguir Jesus é o mesmo que obedecer e seguir Deus,
visto que Jesus é o Verbo (ou a Palavra) de Deus que se encarnou em forma
humana. “No princípio era a Palavra, e a Palavra estava com Deus, e a Palavra era
Deus [...] E a Palavra se fez carne, e habitou entre nós [...]” (Jo 1.1,14).
Segundo Pearlman (2009, p. 152) “Cristo é a Palavra de Deus, porque revela Deus e
o demonstra em pessoa. Ele não somente traz a mensagem de Deus – ele é a
mensagem de Deus”. E ainda pode ser encontrada, entre várias outras citações,
uma citação na Carta aos Hebreus que revela que “havendo Deus outrora falado
muitas vezes, e de muitas maneiras, aos pais, pelos profetas, a nós falou-nos nestes
últimos dias pelo Filho, a quem constituiu herdeiro de tudo, por quem fez o mundo”
(Hb 1.1-2).
Não há espaço para descrever aqui todo o conteúdo dos ensinos de Cristo, visto que
foram muitos. Até mesmo aqueles que se empenharam em escrever essa
mensagem não conseguiram desempenhar esse papel por completo. João resume
brilhantemente essa realidade quando escreve, numa linguagem literária, no final de
seu relato (Jo 21.25) que, se todo o ensinamento e todos os atos que Jesus realizou
fossem escritos, “[...] nem ainda o mundo todo poderia conter os livros que se
escrevessem”. Sendo assim, o máximo possível é tentar sintetizar as ideias gerais e
a linha mestra da mensagem de Cristo, e ele mesmo enfatizou a importância de
amar a Deus e amar ao próximo (Mateus 22.34-40; Marcos 12.28-34).
Cury (2006) defende que Jesus pregava a fé, a crença incondicional como um estilo
de vida, ao mesmo tempo que valorizava o ato de pensar, como um processo que
não levaria a outro lugar senão à própria fé.
A fé que Cristo se referia não era uma crença burra e cega, mas sim o resultado da
ação racional. E por outro lado, o pensar que Cristo ensinava não era o pensar “ateu
militante” que eliminasse e negasse qualquer possibilidade do sobrenatural; pelo
contrário, era um pensar cosmológico livre de qualquer pré-conceito militante, e que
24
levava as pessoas ao verdadeiro conhecimento de Deus, de si mesmas e do
próximo. O resultado disso era uma “conversão”, uma mudança de vida em
pensamentos e atitudes.
25
3
OS
IMPACTOS
DA
CULTURA
GRECO-ROMANA
NOS
FUNDAMENTOS DA FÉ CRISTÃ
A fé cristã nasceu em um contexto histórico multiétnico, tendo como pano de fundo
principalmente três culturas: a hebraica, a grega e a romana (DUNNETT, 2005).
Esse ambiente pode ser percebido facilmente no evento da crucificação de Jesus,
narrado nos evangelhos do Novo Testamento bíblico, quando o governante Pilatos
mandou escrever numa placa que seria colocada sobre a cruz em que Jesus fora
morto o título “JESUS NAZARENO, REI DOS JUDEUS”, e “[...] estava escrito em
hebraico, grego e latim” (João 19.20).
Estava escrito em latim porque era o idioma dos dominadores romanos e dos
decretos imperiais. O grego, difundido pelo antigo império grego de Alexandre o
Grande, era a língua culta, o idioma da classe alta e dos ricos, além de ser o idioma
do comércio internacional. E o hebraico – embora houvesse vários tipos de hebraico,
dependendo da região – era usado desde muito tempo pelo povo hebreu, e naquela
época era o idioma dos oficiais religiosos judeus, os doutores da Lei; eles ensinavam
em hebraico, nas sinagogas as Escrituras eram lidas em hebraico e isso valia
também para as orações (DANIEL-ROPS, 2008). Por isso aquela placa foi escrita
nos três idiomas, para garantir que pudesse ser lida pelo maior número possível de
pessoas.
Apesar de o foco desta pesquisa ser as questões da cultura greco-romana que
corromperam a fé cristã, é merecido reconhecer, ainda que resumidamente, os
benefícios que essa mesma cultura trouxe para a disseminação dessa “nova” fé
(CAIRNS, 2008). Os primeiros discípulos do Messias criam que ele veio ao mundo
no momento certo; eles “[...] viam a mão de Deus preparando o advento de Jesus
em todos os acontecimentos anteriores a seu nascimento e em todas as
circunstâncias históricas que o rodearam. O mesmo pode ser dito do nascimento da
igreja [...]” (GONZÁLEZ, 2011, p. 18).
26
No século IV a.C., Alexandre, o Grande, conquistou toda a região da Palestina e boa
parte do mundo conhecido de então, adotando uma política de base ideológica que
tinha a finalidade de transformar toda a humanidade numa mesma civilização de
estilo grego (DUNNETT, 2005). Mais tarde, a partir do século I a.C., o império
romano seguiria a mesma tendência, adotando, além da cultura grega, um
organizado sistema hierárquico de governo. O idioma grego tornou-se uma língua
internacional, que seria entendida por muitas pessoas que ouviram os primeiros
discípulos pregando a mensagem de Cristo (CAIRNS, 2008; DANIEL-ROPS, 2008).
Tanto os dominadores gregos quanto os romanos levaram certo desenvolvimento às
áreas que conquistavam. A unidade política permitia aos cidadãos, incluindo os
primeiros cristãos, “[...] viajar de um lugar a outro sem temor de se verem envoltos
em guerras ou assaltos” (GONZÁLEZ, 2011, p. 22). Além disso, as estradas
construídas ou melhoradas pelos impérios grego e romano ligavam as províncias
entre si, facilitando as viagens dos primeiros cristãos que iam a outras cidades,
levando consigo a boa-nova do Messias. A condição política da época foi favorável
para disseminar a fé cristã.
No campo do pensamento, a filosofia vinda dos gregos, como Platão e Sócrates, era
respeitada nos mais elevados círculos sociais, e eles falavam de ideias que eram
compatíveis com as dos cristãos, como a existência de um ser supremo e perfeito,
além da vida depois da morte e da imortalidade da alma. Assim, por várias vezes,
apologistas cristãos usaram escritos de filósofos gregos para justificar suas crenças
diante de críticos intelectuais, apesar de parte dessas crenças (por exemplo, a
imortalidade da alma e a vida depois da morte) não serem aceitas por grande parte
dos hebreus(GONZÁLEZ, 2011).
Inseridos nesse mundo de cultura greco-romana, a nova comunidade cristã, que
inicialmente era composta praticamente só por judeus que aceitavam o Messias,
começava a receber gentios (não-judeus) que pouco a pouco aderiam à fé
messiânica (cristã). Além disso, uma parte dos judeus era da “Diáspora”, isto é,
judeus que não viviam em Jerusalém, mas que haviam migrado para outras regiões
do império e por isso estavam mais em contato com a cultura greco-romana do que
27
os judeus residentes de Jerusalém. Tudo isso indicava uma influência de outras
culturas na vida da comunidade cristã (HURLBUT, 2007).
3.1 OS GENTIOS NA IGREJA E O ROMPIMENTO COM O JUDAÍSMO
Por um lado havia na igreja mestres judeus tradicionais que se apegavam à
exigência de que todos (judeus e não-judeus) observassem toda a Torá (a Lei) e que
os gentios (não-judeus) também fossem circuncidados. De outro lado, esses nãojudeus que entraram na igreja levaram consigo a cultura do mundo pagão,
misturando-a com os princípios da fé cristã e contaminando assim a prática da vida
cristã. Aquela igreja embrionária tentava equilibrar-se entre esses extremos que os
apóstolos combatiam. As cartas que fazem parte do Novo Testamento surgiram da
necessidade dessa exortação (DUNNETT, 2005; GONZÁLEZ, 2011).
É importante ressaltar que parte dos fundamentos da fé cristã herdados da fé
hebraica não foram perdidos, como por exemplo: o monoteísmo, a fé messiânica, e
a autoridade da revelação divina nas Escrituras (CAIRNS, 2008; DUNNETT, 2005).
Essas crenças são fundamentais, visto que foram (e são) reveladas pelo próprio
Deus “[...] na História, através de suas aparições a Abraão e a outros grandes
líderes do povo [hebreu]” (CAIRNS, 2008, p. 36). O que foi corrompido é a prática da
fé cristã, da vida da igreja. Como será explicado mais adiante, essa corrupção
aconteceu principalmente quando Constantino, o imperador romano, tornou oficial a
fé cristã, criando assim o cristianismo. Contudo, é possível notar historicamente
alguns líderes cristãos que, por ignorância ou por falta de escrúpulos mesmo,
pervertem os princípios cristãos e assim enganam discípulos, criando doutrinas que
muitas vezes guardam muito pouco ou nada da mensagem do evangelho de Cristo,
ou seja, da mensagem messiânica (CAIRNS, 2008; FILHO, 2012; GONZÁLEZ,
2011; HURLBUT, 2007).
28
A fé cristã, desde a preparação judaico-messiânica, vem sendo revelada por Deus.
E a revelação divina é gradual, por causa da limitação humana para assimilar as
verdades eternas, e não porque Deus venha adaptando-a. A assimilação das
definições dos princípios cristãos ocupa uma parte importante e necessária na vida
da Igreja, porém passam a ser um impedimento ao seu próprio progresso quando
um apego excessivo à formalidade dessas doutrinas vem substituir a fé viva. E isso
causa até mesmo conflitos de entendimento da revelação divina, quando doutrinas
afirmadas entram em choque com a verdadeira lei de Deus já revelada
(PEARLMAN, 2009).
Após a “era sombria” (60 a 100 d.C.), a igreja que é encontrada nos registros feitos
pelos pais da igreja já é uma igreja diferente daquela era apostólica. A queda de
Jerusalém, no ano 70 d.C., trouxe grande transformação nas relações judaicocristãs. A Judéia era vista pelo império romano como uma província rebelde e
descontente para com o governo, principalmente quando se rebelaram, no ano 66
d.C. Nessa queda morreram poucos cristãos, já que haviam abandonado a cidade a
tempo. E a vitória dos romanos marca o rompimento das relações entre o judaísmo
e o cristianismo. A partir daí, começaram as perseguições aos cristãos, já que o
judaísmo era religião permitida pelo governo e o cristianismo ficou isolado, sem uma
lei que protegesse seus seguidores. Muitos cristãos foram torturados e mortos, pois
não aceitavam as práticas pagãs e idólatras impostas pelo governo romano
(HURLBUT, 2007).
“As perseguições conservavam afastados todos aqueles que não eram sinceros em
sua confissão de fé [...]. Somente os que estavam dispostos a ser fiéis até a morte
tornavam-se publicamente seguidores de Cristo” (HURLBUT, 2007, p. 80). Apesar
dessa filtragem causada pelas perseguições, ou talvez por causa delas, aumentava
rapidamente o número de adeptos na comunidade cristã, chegando a vários
milhões.
Durante essa época – o final do século I – já começavam a surgir ideias heréticas
dentro da comunidade cristã, que deram origem a seitas. No entanto, as heresias
somente seriam desenvolvidas tempos depois. O surgimento das heresias se deu
devido à deterioração da prática espiritual. “As normas de caráter moral eram
29
elevadas, mas o nível da vida espiritual era inferior ao que se manifestara nos
primeiros dias apostólicos” (HURLBUT, 2007, p. 54).
De fato, em seu início, a igreja era composta exclusivamente pelos judeus que
passavam a aceitar o messianismo de Jesus Cristo; além disso, seus líderes
principais, como Pedro e Paulo, também eram judeus que receberam a fé em Jesus
como Messias, e como judeus eles já conheciam os fundamentos da fé hebraica.
“Entretanto, quando a igreja em sua maioria se compunha de gregos, especialmente
de gregos místicos e instáveis da Ásia Menor, apareceram opiniões e teorias
estranhas, de toda sorte [...]” (HURLBUT, 2007, p. 77). Assim se podem ver bem
claramente influências da cultura grega na igreja. E as sementes dessas crenças
heréticas começaram a ser plantadas ainda na fase das perseguições, durante os
séculos II e III. Dentre as principais, podem ser destacas: o gnosticismo, o
ebionismo, o maniqueísmo e o montanismo.
Os grupos gnósticos variam muito entre si, por diferentes doutrinas, dependendo do
local e época analisada, mas basicamente era “[...] um enxerto do cristianismo no
paganismo. Eles criam que do Deus supremo emanava um grande número de
divindades inferiores, algumas benéficas e outras malignas” (HURLBUT, 2007, p.
78). Sendo assim, dessa mistura de divindades surgiu o mundo. Para eles a
interpretação das Escrituras era alegórica e Cristo era a personalização, a
materialização da natureza divina (GONZÁLEZ, 2011).
Os ebionitas eram judeus convertidos à fé messiânica, mas que insistiam que a Lei e
os costumes judaicos deveriam continuar a ser observados. Por isso não aceitavam
as cartas paulinas. Em Atos 15, no Concílio de Jerusalém, já podem ser encontrados
os simpatizantes desse grupo, que foi diminuindo gradativamente, porque não eram
aceitos pelos gentios e por outro lado eram considerados apóstatas pelos judeus, já
que os ebionitas aceitavam a autoridade de Jesus (HURLBUT, 2007).
Mani foi o fundador do maniqueísmo, que era um grupo rigoroso em relação ao
ascetismo. Sendo assim, renunciavam ao casamento e não aceitavam a
humanidade de Cristo, já que esse fato feriria seu rigoroso ascetismo. Os maniqueus
30
criam numa luta constante entre o mal e o bem pelo domínio de toda a natureza,
inclusive do homem (HURLBUT, 2007; CAIRNS, 2008).
O grupo dos montanistas, fundado por Montano, eram puritanos que buscavam uma
volta à simplicidade inicial do cristianismo. Eles não aceitavam a autoridade dos
cargos eclesiásticos, já que defendiam o sacerdócio de todos os cristãos
verdadeiros (HURLBUT, 2007).
3.2
O
EDITO
DE
TOLERÂNCIA
–
A
OFICIALIZAÇÃO
DO
CRISTIANISMO
Mesmo com toda a influência greco-romana em que estavam inseridos os
seguidores de Cristo, essa força não era generalizada; era externa e pessoal.
Porém, a partir da “oficialização” da fé cristã, transformando-a e gerando assim o
“cristianismo”, as influências tornaram-se internas e generalizadas.
A perseguição aos cristãos durou até o “Edito de Constantino”, no ano 313, e teve
fases mais intensas e outras mais brandas, dependendo da época, do local, e do
rigor do imperador que estivesse no poder. No ano 313, Constantino, que ainda não
professava a fé cristã, expediu o Edito de Tolerância ao Cristianismo, legalizando a
fé cristã e encerrando assim as perseguições imperiais a seus seguidores. A partir
daí, o império foi influenciando ainda mais a organização e a vida da igreja,
principalmente depois que ele subiu ao trono romano, no ano 323, e passou a ser o
governante maior do império romano e “chefe” da igreja cristã (GONZÁLEZ, 2011).
31
O fundador do cristianismo não foi Jesus Cristo, nem nenhum de seus apóstolos,
mas foi Constantino, que percebeu que essa seria uma oportunidade para a
reunificação do império, que naquela época estava se esfacelando. A fé cristã, por
outro lado, cada vez mais conquistava adeptos e crescia então a igreja, a
comunidade formada pelos seguidores da mensagem de Jesus, apesar das
perseguições. Ora, Constantino legalizou a fé cristã – criando o cristianismo – por
seus próprios interesses políticos. Prova disto é que ele somente aceitou ser
batizado em seu leito de morte. E, de fato, o cristianismo serviu muito bem ao
império romano no campo político, trazendo unificação debaixo do slogan publicitário
de “um só império, um só Deus, um só imperador” (FILHO, 2009).
O sistema de governo imperial, com sua organização hierárquica e autoritarismo,
serviu de modelo no desenvolvimento eclesiástico. As comunidades cristãs
começaram a adotar o governo de bispos, pois assim estavam acostumadas a ser
governadas pelo Estado. Surgiu a divisão da igreja em dioceses que eram
controladas pelos bispos com mãos firmes. Mais tarde o bispo de Roma irá reclamar
para si a autoridade de bispo universal, bispo de todos os bispos (HURLBUT, 2007).
“Na era apostólica, a fé era do coração, uma entrega pessoal da vontade a Cristo
como Senhor e Rei. Era uma vida de acordo com o exemplo da vida de Jesus, e
como resultado o Espírito Santo morava no coração” (HURLBUT, 2007, p. 74). Com
o fim das perseguições, essa fé parece ter mudado de caráter; não é mais uma fé
que toma o coração, mas pouco a pouco a doutrina – um rigoroso sistema de regras
– passou a ser o mais importante para os cristãos; essa fé é puramente mental,
intelectual.
Segundo Hurlbut (2007, p. 74), “toda a ênfase era dada à forma de crença, e não à
vida espiritual interna”. Foi nesse período que as Escolas Teológicas começaram a
aparecer, para ensinar as doutrinas cristãs aos gentios (não-judeus) que haviam se
convertido à fé cristã. Com o passar do tempo essas escolas foram transformadas
em locais de investigação e produção das doutrinas da igreja. “As doutrinas do Novo
Testamento, conforme originariamente expostas, são simples, e é possível defini-las
de maneira simples. Mas, com o passar dos tempos, a Igreja teve de enfrentar
visões doutrinárias errôneas e distorcidas [...]” (PEARLMAN, 2009, p. 28). Assim
32
Pearlman justifica a necessidade de organização do sistema eclesiástico de
doutrinas.
Enquanto os cristãos eram perseguidos, a igreja se manteve unida pela própria
sobrevivência. Porém, quando o cristianismo foi instituído, surgiu uma nova luta: as
controvérsias sobre doutrinas da igreja. Segundo Hurlbut (2007, p. 101), “[...] quando
a igreja se viu a salvo e no poder, surgiram acalorados debates acerca de suas
doutrinas, e tão fortes mostravam-se que lhe abalavam os fundamentos”. Além de
controvérsias de menor expressão, houve três maiores, conhecidos como: arianismo
(uma discussão acerca da doutrina da Trindade, em relação ao Pai e ao Filho); a
heresia apolinária (acerca da natureza de Cristo); e o pelagianismo (discussão sobre
o pecado e a salvação). Para resolver essas controvérsias, eram convocados
concílios, onde o assunto era exposto, debatido e chegava-se a uma conclusão
através dos votos somente dos bispos.
No ano 380 o cristianismo tornou-se a religião oficial do império romano. Assim, os
cristãos que antes eram perseguidos agora passavam a ocupar lugar de honra no
império que governava o mundo da época. Igreja e Estado passaram por um
processo de fusão, tornando essas duas entidades numa coisa só. Essa
oficialização trouxe algumas mudanças boas e outras ruins, tanto para a igreja
quanto para o governo (CAIRNS, 2008).
Os templos das igrejas foram reabertos. Em alguns lugares, os templos dedicados à
adoração pagã foram transformados em templos cristãos. Aqueles que haviam sido
confiscados foram devolvidos; os que haviam sido destruídos foram reconstruídos e
os que ainda estavam de pé foram reformados, tudo isso com recursos do Estado.
Esses templos foram sendo batizados de “basílicas”, termo referente ao salão da
corte romana. Havia um local diferenciado, reservado aos clérigos. E embora os
primeiros cristãos tivessem aversão a tudo que pudesse conduzir à idolatria, não
demorou muito para começarem a inserir imagens nas igrejas (HURLBUT, 2007).
Não havia mais sacrifícios pagãos nas cerimônias oficiais do governo, apesar de o
paganismo perdurar por muito tempo nos lugares mais distantes das grandes
cidades. Os recursos imperiais que mantinham os templos pagãos foram revertidos
33
às igrejas e ao clero. Isso obviamente foi gerando um enriquecimento das igrejas,
dos bispos e demais clérigos, que agora eram pagos pelo tesouro público. Os
membros do clero ganharam privilégios: eram pagos pelo Estado; não estavam
obrigados aos deveres cívicos; não pagavam impostos e eram julgados, quando
necessário, por cortes especiais eclesiásticas. O clero cristão tornava-se uma classe
excepcional, acima das leis do país (GONZÁLEZ, 2011).
Para a sociedade em geral, algumas mudanças foram muito boas. Percebe-se certa
humanização no império como, por exemplo, a repressão do infanticídio, a abolição
da crucificação, a humanização no tratamento dado aos escravos, e a proibição das
lutas de gladiadores em grande parte do território romano (HURLBUT, 2007).
Apesar de tudo, essa união com o Estado trouxe resultados ruins para a igreja.
Hurlbut (2007) chega a dizer que essa aliança foi uma maldição. Ser cristão passou
a ser vantajoso, principalmente para os que faziam parte do clero. Assim, todos
queriam fazer parte da igreja para conseguir influência social e política. E após a
morte de Constantino, que era tolerante a todas as religiões e acreditava na
conversão gradual do povo ao cristianismo através da evangelização, seus
sucessores foram intolerantes com os pagãos e promulgaram uma série de leis e
decretos para acelerar o processo de cristianização do povo através da espada: A
adoração pagã foi proibida e sua prática passou a ser considerada crime punido
inclusive com pena de morte; qualquer literatura contrária ao cristianismo passou a
ser proibida e seus exemplares existentes foram queimados. Os bens dos pagãos
eram confiscados, inclusive os templos – aqueles que não servissem à adoração
cristã eram demolidos. Tornava-se assim obrigatório o cristianismo como única
religião oficial do império romano (BOFF, 2011). Com isso, “o nível moral do
cristianismo no poder era muito mais baixo do que aquele que distinguia os cristãos
nos tempos de perseguição” (HURLBUT, 2007, p. 93).
O culto cristão ganhou em esplendor, mas perdeu em espiritualidade e sinceridade.
Costumes do paganismo infiltraram-se gradualmente na igreja, como as festas
pagãs que passaram a ser aceitas na igreja com nomes diferentes. A partir do ano
405, “[...] as imagens dos santos e mártires começaram a aparecer nos templos,
como objetos de reverência, adoração e culto. A adoração à Virgem Maria substituiu
34
a adoração a Vênus e a Diana” (HURLBUT, 2007, p. 93). Os anciãos, líderes locais
das comunidades cristãs, foram transformados em sacerdotes. Essa instituição
chamada igreja assumiu o poder do império romano “[...] com todos os títulos,
honrarias, pompas e hábitos palacianos que perduram até os dias de hoje no estilo
de vida dos bispos, cardeais e papas” (BOFF, 2011, p. 158).
No final do século VI, segundo Hurlbut (2007, p. 138), “em todos os países cristãos,
as estátuas dos deuses e deusas da antiga Grécia cederam lugar às imagens da
Virgem Maria e dos santos, que eram adorados em todos os templos”. Além disso,
outras crenças dentro da igreja corromperam a simplicidade da mensagem de Jesus
e o ensino dos apóstolos e primeiros cristãos. Um exemplo disso é que “naqueles
dias, as igrejas cristãs admitiam que a salvação não dependia da fé pura e simples
em Cristo, e sim dos ritos sacerdotais e da intercessão dos santos” (HURLBUT,
2007, p. 139).
Apesar de ainda haver cristãos bem intencionados, os ambiciosos tornaram-se a
maioria na igreja, diferenciando-a bastante da igreja apostólica, que possuía como
características a humildade e a santidade. Os inescrupulosos que lideravam a igreja
estabeleceram uma hierarquia corrompida para dominar as nações da Europa,
transformando a igreja em uma grande máquina política (HURLBUT, 2007).
É importante ressaltar que nem todos aceitavam aquela situação, com o
mundanismo invadindo a igreja e impondo seus costumes. “Muitos dos que
anelavam uma vida espiritual mais elevada estavam descontentes com os costumes
que os cercavam e afastavam-se para longe das multidões” (HURLBUT, 2007, p.
104). Esse movimento ficou conhecido como Monasticismo, iniciado por Antão, no
ano 320. Alguns monges viviam em comunidades – os mosteiros – e outros viviam
completamente isolados. Porém, o monasticismo somente se expandiu na Idade
Média.
Estudando a História da Igreja Cristã, inclusive analisando sua situação atual, é
muito fácil perceber que ela se afastou muito da mensagem de Jesus, que disse que
para alguém ser verdadeiramente considerado seu discípulo, deveria permanecer
em seus ensinamentos (João 8.31). Assim, ser cristão não significa fazer parte de
35
uma instituição, mas sim seguir a mensagem de Cristo. Também é notável que o
maior desvio de objetivo na cristandade ocorreu em razão e no período de
Constantino como imperador romano. Dessa forma, faz-se necessário distinguir os
cristãos (verdadeiros seguidores da mensagem e do exemplo de Cristo), do
cristianismo (sistema religioso criado por Constantino, que engloba várias religiões).
3.3 A DIVISÃO DO IMPÉRIO E DA IGREJA
No ano 330, o imperador romano Constantino fundou a cidade de Constantinopla na
fronteira entre Europa e Ásia e mudou para lá a sede do império romano. Essa
decisão foi tomada por motivo estratégico, já que a posição geográfica de Bizâncio –
cidade grega onde foi fundada Constantinopla – era privilegiada, ao contrário de
Roma que fora facilmente invadida diversas vezes por povos estrangeiros. Além
disso, a tradição pagã da cidade de Roma não mais servia para os propósitos
“cristãos” do imperador. Seria mais fácil criar outra capital, em um local sem estátuas
e sem antigos templos pagãos, e onde os habitantes não tivessem a herança
cultural da antiga religião imperial (CAIRNS, 2008).
A igreja foi diretamente influenciada por essa mudança da capital do império romano
que passou agora a ser dividido em Império Romano Ocidental (denominado latino),
com sede em Roma, e Império Romano Oriental (denominado grego), com sede em
Constantinopla. Pelas diferenças entre os dois impérios e sua simbiose com a igreja,
não demorou muito para que a própria igreja também se dividisse – apesar de essa
divisão ter-se tornado formal somente no século XI. Enquanto a parte oriental do
governo dominava os geralmente dóceis membros da igreja oriental, tornando essa
igreja uma escrava do Estado, a igreja ocidental ganhava cada vez mais poder. Já
que em Roma não havia mais tanta influência do imperador, que priorizou
Constantinopla, o bispo de Roma – que a essa altura já havia reivindicado o título de
papa – começou a ocupar o espaço de governante maior. Ele exigia o título de
36
cabeça da igreja em toda a Europa e apontava justificativas para isso (HURLBUT,
2007).
Um dos motivos usados para justificar a necessidade de um líder sobre toda a igreja
era a analogia com o império. “A semelhança da igreja com o império, como
organização, fortalecia a tendência da nomeação de um cabeça” (HURLBUT, 2007,
p. 108). Já havia em todas as igrejas o governo hierárquico, figurando o bispo como
cabeça. Não demorou a que surgisse a questão: se o bispo é o líder dos membros
do clero em cada igreja, quem será o líder dos bispos? “O bispo de Roma tomou o
título de ‘pai’, que mais tarde foi consagrado pela palavra latina ‘papa’” (HURLBUT,
2007, p. 108). Esse acontecimento é resultado da influência do império romano.
Surgiu a “necessidade” de definir quem seria o líder supremo, o “imperador”, da
igreja. Partindo da ideia dessa necessidade, o bispo de Roma teve algumas
vantagens em relação a outros bispos de outras cidades. Uma dessas vantagens
era ser a única igreja a poder declarar como fundadores dois grandes apóstolos:
Pedro e Paulo. Juntando isso ao fato de Pedro ser tido como o líder dos apóstolos,
ficou claro para o bispo de Roma que deveria ter a prioridade. E a argumentação
seguia exatamente essa lógica. Além disso, os bispos de Roma eram mais sábios,
fortes e enérgicos que os de outras cidades, inclusive dos de Constantinopla; eram
ortodoxos e praticavam muito o cuidado com os pobres e a ajuda às igrejas de
outras localidades; eles sempre tiveram mais influência em todo o mundo que os
outros bispos (HURLBUT, 2007).
O bispo de Roma já era a mais alta autoridade daquele império romano-cristão
ocidental, já que o imperador mudou-se para Constantinopla. A autoridade do bispo
desta cidade ficou limitada pela presença do imperador, enquanto que naquela
cidade a influência da igreja sobressaiu. Gradativamente, as pessoas transferiram
ao papa os sentimentos de lealdade e reverência que tinham em relação ao
imperador quando este estivera em Roma (HURLBUT, 2007).
Na igreja oriental cessaram os esforços missionários. Já não havia mais a ênfase
espiritual nem moral e
(GONZÁLEZ, 2011).
investiam
somente em especulações doutrinárias
37
Contudo, a separação se deu formalmente no ano de 1054. Existiam algumas
diferenças entre a igreja ocidental e a oriental em questões doutrinárias, porém a
principal causa da divisão foi a questão política. A igreja latina queria ser
independente de Constantinopla, o que resultou no “Sacro Império Romano”,
também chamado de “Império Germânico”. Um governo independente precisava de
uma igreja também independente. Então essa instituição era um misto de religião e
governo político, que veio suprir o lugar do Império Romano, com promessas de
restaurar a ordem e unidade antes mantida por esta instituição. O imperador
germânico Carlos Magno passa a ocupar assim o cargo de chefe titular do
cristianismo europeu. O império germânico foi também o resultado da supremacia da
igreja romana em relação ao governo, enquanto que no oriente a igreja era
totalmente submissa ao Estado. A separação era inevitável (GONZÁLEZ, 2011;
HURLBUT, 2007).
Houve uma sucessão de imperadores germânicos até o ano de 1806, quando
Napoleão Bonaparte conquistou a Europa.
38
4 MOVIMENTOS DE RESTAURAÇÃO DA FÉ MESSIÂNICA
Algumas pessoas percebiam algo de errado dentro daquela instituição, a igreja. Por
vezes, algumas vozes se levantaram para apontar falhas e desvios da fé dentro da
comunidade cristã. Analisando a História da Igreja Cristã, podem ser encontrados
vários momentos em que tentativas foram feitas para tentar reverter os desvios e
colocar a igreja novamente no caminho certo. Assim, vários movimentos
aconteceram – e ainda acontecem na atualidade – com essa nobre justificativa de
consertar a situação. Alguns desses movimentos são mais conhecidos que outros,
como, por exemplo, a Reforma e a Contra-Reforma da Igreja. O fato é que, desses
movimentos, nasciam outros e outros, mas eles nem sempre alcançaram o objetivo
e por vezes eram mais cruéis que aqueles de onde saíram (HURLBUT, 2007).
4.1 MOVIMENTOS PRÉ-REFORMA DA IGREJA
Durante a Idade Média, enquanto o poder dos papas era elevado, um deles,
Hildebrando (ou Gregório VII) fez uma reforma no clero, que estava quase
totalmente corrompido. Havia compra de posições na igreja, chamada de “simonia”.
Hildebrando exigiu o celibato dos clérigos, que a essa altura já eram considerados
os sacerdotes do cristianismo. Os papas e bispos eram nomeados pelos reis e
imperadores; para receber essa nomeação eclesiástica os clérigos tinham que jurar
fidelidade ao governante que o nomeou. Gregório VII colocou fim a esse sistema de
nomeação proibindo que os bispos fizessem esse juramento. Assim ele buscava
impor a supremacia da igreja; seu desejo não era extinguir o poder estatal, mas sim
colocá-lo sob o poder da igreja (HURLBUT, 2007).
39
No final da idade média surgiram cinco principais movimentos de reformas internas
da igreja. Esses movimentos, em sua maioria, não tiveram sucesso, mas prepararam
o terreno para a Reforma que estava por vir (HURLBUT, 2007). São eles:
Os albigenses (ano 1170, na França) eram puritanos; não aceitavam a autoridade de
Roma e discordavam da doutrina do purgatório, da adoração de imagens e do
clericalismo. Eles distribuíam o Novo Testamento, porém rejeitavam o Antigo
Testamento. Seus seguidores foram mortos por ordem do papa Inocêncio III em
1208 (CAIRNS, 2008; HURLBUT, 2007).
Os valdenses (também no ano 1170, na França) criticavam os costumes e as
doutrinas romanas; também distribuíam cópias das Escrituras. Foram perseguidos e
expulsos de seu país, porém ainda hoje existe a representação de um pequeno
grupo (CAIRNS, 2008; HURLBUT, 2007).
John Wycliffe e seus seguidores começaram um movimento na Inglaterra pela
libertação do domínio romano. Eles desafiavam a autoridade do papa, criticavam o
sistema monástico, como também a sofisticação dos serviços clérigos na igreja,
além de algumas doutrinas católicas romanas. Uma obra importante de Wycliffe foi a
tradução das Escrituras para o inglês, tornando a Bíblia acessível ao povo da
Inglaterra (BLAINEY, 2012; CAIRNS, 2008; HURLBUT, 2007).
John Huss, um dos seguidores de Wycliffe, baseado nas doutrinas deste, também
pregava a libertação do domínio romano na Boêmia. Foi preso, julgado, e
condenado à fogueira, porém sua morte foi fator acelerador da Reforma naquela
região da Europa Central. Seus seguidores foram conhecidos com hussitas
(BLAINEY, 2012; CAIRNS, 2008; HURLBUT, 2007).
O monge Jerônimo Savonarola começou a pregar, em Florença, Itália, contra as
injustiças sociais, políticas e religiosas de sua época. Muitas pessoas iam ouvir seus
sermões e seguir seus ensinamentos. Ele foi expulso da igreja Romana, preso e
enforcado (CAIRNS, 2008; HURLBUT, 2007).
40
“No fim, porém, de tudo isso as grandes riquezas, a ambição dos sacerdotes e o uso
sem escrúpulo que faziam do poder despertaram o descontentamento e ajudaram a
preparar o caminho para o levante contra a igreja católica romana, isto é, a Reforma”
(HURLBUT, 2007, p. 159). Portanto, esses movimentos pré-Reforma não
conseguiram fazer a igreja (altamente corrompida naquela época) retornar à prática
dos fundamentos básicos da fé.
4.2 A REFORMA DA IGREJA
A Reforma da Igreja, também conhecida como Reforma Protestante, foi um
movimento iniciado na Alemanha, mas que se repetiu em várias nações europeias,
desvinculando as igrejas locais da autoridade da igreja romana, ou seja, criando
igrejas nacionais independentes da igreja católica romana. Podem ser considerados,
além dos movimentos pré-reforma, três fatores que serviram como catalisadores,
acelerando e facilitando a Reforma (CAIRNS, 2008).
Um dos catalisadores da Reforma foi a Renascença (CAIRNS, 2008). O
Renascentismo despertou nas nações da Europa um interesse pela ciência, pela
leitura, pelas artes. Terminava assim a Idade Média, época em que todos seguiam
as verdades religiosas. Na Renascença começaram a surgir os interesses,
separados da religião, pelas artes, pela ciência e pela literatura clássica. Era um
movimento exterior à igreja, porém não era contra esta; simplesmente científico,
apesar de alguns de seus líderes serem religiosos despertados por um “[...] novo
interesse pelas Escrituras, pelas línguas grega e hebraica, levando o povo a
investigar os verdadeiros fundamentos da fé [...]” (HURLBUT, 2007, p. 178). De uma
forma ou de outra, a Renascença era uma ameaça certeira na supremacia da igreja
católica romana.
41
Outro acelerador da Reforma foi a invenção da imprensa, por Gutenberg, em 1456.
Até ali os livros, inclusive a Bíblia, eram copiados à mão e por isso seu custo estava
muito aquém da maioria da população. Com a imprensa, ficou mais fácil copiar as
Escrituras para a distribuição ao povo, o que foi fundamental para a Reforma. “As
pessoas que liam a Bíblia prontamente se convenciam de que a Igreja papal estava
muito distanciada do ideal do Novo Testamento” (HURLBUT, 2007, p. 179).
O terceiro fator que contribuiu para a Reforma foi o “nacionalismo” das nações que
não aceitavam mais a autoridade estrangeira em suas igrejas. Foi um movimento
patriótico do povo que não queria mais a intromissão dos líderes eclesiásticos
romanos nas nomeações de bispos em seus países e não podiam mais concordar
com o “óbolo de São Pedro”, uma contribuição que era enviada a Roma para
sustentar o sistema papal e construir suntuosos templos naquela cidade (HURLBUT,
2007).
Esses fatores foram cruciais para dar início à Reforma. Esse movimento foi iniciado
na Alemanha pelo monge Martinho Lutero e se estendeu por vários outros países,
como será descrito abaixo. Contudo, a Reforma foi um movimento de caráter
marcadamente político, visto que os governantes dos países europeus estavam
insatisfeitos com o domínio romano, que não se restringia à religião, mas também
buscava dominar politicamente os governos de todos aqueles países (CAIRNS,
2008; HURLBUT, 2007).
Lutero começou a pregar contra a “venda de indulgências”, que eram bulas
(decretos papais) que concediam o perdão de todos os pecados a quem as
comprasse, como também a seus amigos e parentes vivos e mortos, eliminando a
confissão e consequentemente a absolvição pelo sacerdote. Em 31 de outubro de
1517 ele afixou na porta da igreja de Wittenberg uma lista de 95 teses, a maioria
criticando a venda de indulgências, além de criticar o papa e algumas outras
doutrinas consideradas contrárias às Escrituras (BLAINEY, 2012; CAIRNS, 2008).
Em 1520 Lutero foi excomungado por uma bula papal, a qual ele queimou em uma
reunião com professores, estudantes e outros representantes do povo, na porta da
42
mesma igreja onde publicou suas declarações. Ele ainda foi convocado a se retratar
com o imperador germânico em Worms, onde compareceu diante também de outros
eclesiásticos, porém disse que se retrataria somente se provassem que suas ideias
eram contrárias às Escrituras ou à razão. Uma importante contribuição de Martinho
Lutero foi a tradução da Bíblia para o idioma alemão (HURLBUT, 2007).
Além da Alemanha, outros países europeus também foram palco de uma reforma
religiosa na igreja cristã, principalmente em países do norte, como: Suíça,
Dinamarca, Suécia, Noruega, França, Bélgica, Holanda, Inglaterra e Escócia
(CAIRNS, 2008; GONZÁLEZ, 2011; HURLBUT, 2007).
Até o início do século XVI, a igreja católica romana era a única igreja na Europa
Ocidental, e ela se considerava segura da lealdade de todos os reinos. “Contudo,
antes de findar esse século todos os países do norte da Europa, a oeste da Rússia,
se haviam separado de Roma e estabelecido suas próprias igrejas nacionais”
(HURLBUT, 2007, p. 188).
Em todos os países onde acontecia a Reforma, havia cinco pontos em comum que
compunham sua plataforma (HURLBUT, 2007):
O primeiro ponto era a autoridade das Escrituras acima da autoridade da igreja ou
do papa. Isso contradizia o ensino da igreja romana, que se proclamava infalível,
proibia aos leigos lerem a Bíblia e dificultavam sua tradução para os idiomas das
nações europeias. Os reformadores protestantes pregavam que a única regra de fé
e prática deveria ser a Bíblia, acima da autoridade da igreja e do papa (CAIRNS,
2008; HURLBUT, 2007).
O segundo princípio era a razão. A igreja católica romana havia implementado
algumas “[...] doutrinas irracionais no credo da igreja, como a transubstanciação,
pretensões absurdas como as indulgências papais [...], e costumes supersticiosos
como a adoração de imagens em seu ritual” (HURLBUT, 2007, p. 189). Para os
reformadores, a religião deveria ser racional (CAIRNS, 2008).
43
Em terceiro lugar, a Reforma criticava a presença de algo ou alguém entre Deus e o
homem. Na igreja romana, o pecador não podia dirigir-se diretamente a Deus, mas
deveria confessar seus pecados ao sacerdote e receber o perdão deste. Também as
orações e adorações deveriam ser feitas “[...] por meio de um santo padroeiro, que
se supunha interceder pelo pecador diante de um Deus demasiado distante para
que o homem se aproximasse dele na vida terrena” (HURLBUT, 2007, p. 190). Além
disso, as Escrituras não eram lidas diretamente pelos fiéis, mas eram recebidas
indiretamente, através da interpretação dos líderes da igreja romana. Os
reformadores defendiam que a fé cristã poderia ser exercida pessoalmente, com o
relacionamento direto do cristão com Deus (CAIRNS, 2008).
Outro ponto da Reforma era a espiritualidade da religião. A igreja romana havia
transformado a simplicidade dos ensinos de Cristo em uma complicada rede de
cerimônias e rituais formais e solenes. O que importava assim era a aparência
externa de obediência às regras cerimoniais romanas e não a verdadeira fé do
coração. Os reformadores pregavam que o mais importante era o interior humano, a
fé espiritual (CAIRNS, 2008; HURLBUT, 2007).
E por último, os reformadores pregavam a independência em relação a Roma, ou
seja, cada nação deveria ter sua igreja, fora do controle romano. Até então, o papa
dominava toda a igreja em todas as nações, além de subordinar o Estado à igreja.
Nos países onde houve a Reforma, tanto a igreja quanto o governo conquistaram a
independência (religiosa e política). Na igreja, a independência foi sentida na nova
forma de organização eclesiástica, na tradução das Escrituras para o idioma local,
nos cultos que passaram a ser realizados no idioma local, diferente da cerimônia em
latim da igreja romana (CAIRNS, 2008; HURLBUT, 2007).
Conforme todos os pontos acima, a intenção dos reformadores rendeu resultados
em muitas áreas de restauração da fé, porém a maior crítica à Reforma é ao aspecto
político das igrejas resultantes, ou seja, em cada local (país) em que ela aconteceu,
a igreja deixou de se submeter ao domínio romano, mas por outro lado foi colocada
debaixo dos interesses dos governantes locais. Dessa forma, em cada nação, foram
criadas igrejas nacionais, porém com o mesmo arquétipo da igreja romana,
principalmente nas esferas hierárquico-organizacional (inclusive com diferenciação
44
de clérigos versus leigos) e ritualística (CAIRNS, 2008; FILHO, 2012; HURLBUT,
2007).
4.3 MOVIMENTOS PÓS-REFORMA DA IGREJA
Numa tentativa de recuperar o terreno perdido por causa da Reforma, a igreja
católica romana iniciou um movimento que ficou conhecido como Contra-Reforma.
González (2011) chama esse movimento de “Reforma Católica” (p. 105). Havia duas
frentes de mudanças: uma interna, que buscava restaurar a fé católica romana
através de ajustes internos; e uma frente externa, que buscava reconquistar os
grupos que haviam se desligado de Roma na ocasião da Reforma (CAIRNS, 2008;
GONZÁLEZ, 2011). Vários concílios foram realizados em Trento, na Áustria, durante
vinte anos no século XVI, esperando assim chegar a um ponto onde fosse possível a
reunificação da igreja católica romana com os protestantes (BLAINEY, 2012).
Porém, apesar de muitas mudanças e acertos dentro da religião romana, a
reunificação não aconteceu. Assim, a Contra-Reforma tornou-se “[...] uma reforma
conservadora dentro da igreja católica romana” (HURLBUT, 2007, p. 194), que
serviu somente para melhorar um pouco as coisas, eliminando algumas doutrinas e
crenças que eram muito absurdas.
Do movimento da Contra-Reforma nasceram sub-movimentos que marcaram esse
período, como a Inquisição e a “Ordem dos Jesuítas”, que era uma ordem monástica
missionária que tinha como principal objetivo combater o movimento protestante
através de incursões missionárias por vários países. A ordem jesuíta foi uma
poderosa “[...] propaganda positiva usada pela Igreja de Roma” (CAIRNS, 2008, p.
318). Além dos jesuítas e de outros esforços missionários, a igreja romana também
usou a espada para conter o movimento reformador protestante. Foi estabelecida a
“Santa Inquisição” e as perseguições, que culminaram na “Guerra dos Trinta Anos”,
45
no século XVII, entre católicos romanos e protestantes (CAIRNS, 2008; GONZÁLEZ,
2011; HURLBUT, 2007).
O país que se destacou no movimento da Contra-Reforma foi a Espanha, pois o
casal que governava o país, Isabel de Castela e Fernando de Aragão, sendo muito
religiosos e buscando a unificação nacional, uniram o nacionalismo e a religião
romana com o fim de alcançar “[...] uma Espanha unida e leal a Roma” (CAIRNS,
2008, p. 317). Foi na Espanha que foi organizada a Inquisição, para cuidar dos
casos de heresia, em 1480.
Enquanto isso, na igreja protestante encontravam-se três grupos distintos,
principalmente na Inglaterra: os “romanistas”, que procuravam estabelecer um
retorno à tradição da igreja romana; os “anglicanistas”, que estavam satisfeitos com
as mudanças feitas na igreja, ou seja com os resultados da Reforma; e um grupo
radical, os “puritanos”, que não estavam contentes e queriam uma mudança mais
radical, o que aconteceu em outros países, como na Escócia (CAIRNS, 2008).
Alguns movimentos radicais pós-Reforma se levantaram por causa da insatisfação
pela decadência espiritual e moral da igreja protestante. “Os cultos eram formalistas,
dominados por uma crença intelectual, mas sem poder moral sobre o povo”
(HURLBUT, 2007, p. 206). Esses movimentos são chamados de “avivamentos” da
igreja e deram origem a vários grupos, entre os quais podem ser citados: os
metodistas (ou wesleyanos), os batistas, os presbiterianos, os congregacionais, os
racionalistas, os anglo-católicos (ou puseystas), entre outros. Contudo, todos
copiaram o mesmo arquétipo romano, com suas estruturas hierárquicas de poder e
política – institucionalismo – além da mística que provinha principalmente dos
gregos.
4.4 O JUDAÍSMO MESSIÂNICO
46
O judaísmo messiânico é considerado por seus adeptos como um ramo da religião
judaica, que acredita que Jesus (embora adotem o nome ‘Yeshua’) é o Messias
anunciado pelos profetas tradicionais hebreus do Antigo Testamento. Segundo Stern
(2007), judaísmo messiânico é “[...] o judaísmo que aceita Yeshua como o Messias e
o Novo Testamento como Escrituras Sagradas lado a lado com o Tanakh” (p. 563).
Como movimento religioso, surgiu na Inglaterra do século XIX, como tentativa de
restaurar a fé messiânica. Os judeus messiânicos mantém as mesmas tradições dos
rituais judaicos, como no judaísmo rabínico, ao mesmo tempo em que aceita Yeshua
(Jesus Cristo) como o Messias de Deus, assim como os cristãos, muito
semelhantemente à comunidade messiânica (cristã) do primeiro século. Contudo, foi
um movimento que abalou tanto os judeus quanto os cristãos (GUIMARÃES, 2012).
De acordo com Travassos (2008, p. 7), “os judeus messiânicos se consideram
herdeiros diretos dos primeiros seguidores de Jesus, que apesar da crença no
messias mantinham as tradições judaicas”.
A grande maioria dos judeus messiânicos aceita as tradições do judaísmo e se
consideram judeus, já que dizem fazer parte da mesma religião dos seguidores de
Jesus – o judaísmo – apesar de nem todos terem nascido judeus, nem terem
passado pelo processo tradicional de conversão ao judaísmo. Por isso os judeus
tradicionais em geral não reconhecem o judaísmo messiânico como tendo “parte”
dentro do judaísmo (TRAVASSOS, 2008).
Devido à sua semelhança com o cristianismo, o judaísmo messiânico tem aparecido
dentro de algumas igrejas protestantes, através de membros dessas igrejas que
adotam para si alguns costumes do judaísmo, ou até através de alguns líderes
evangélicos que ensinam e enfatizam doutrinas próprias do judaísmo. Em algumas
igrejas evangélicas é comum até mesmo encontrar uma bandeira de Israel ao lado
da bandeira do Brasil ou réplicas da Arca da Aliança (GUIMARÃES, 2012).
Pela descrição acima, o judaísmo messiânico parece ser o movimento que mais se
aproxima (em termos de observância de preceitos) dos fundamentos hebraicos da fé
47
cristã. Até mesmo porque os líderes judeus messiânicos ensinam que “[...] não
existem diferenças entre ser judeu messiânico ou judeu” (TRAVASSOS, 2008, p.
22).
4.5 OUTROS MOVIMENTOS
Ao longo da história, vários movimentos religiosos surgiram como tentativa de
restaurar a fé messiânica, e cada um reclama para si o título de ‘o verdadeiro
restaurador’ ou ‘a igreja certa’, enfatizando um ou outro ponto com mais veemência
que o corpo de doutrinas dos demais movimentos (SHUBERT, 2010). Não é o
propósito desta pesquisa (e nem há espaço para tal) elencar e explicar todos os
movimentos existentes que proclamam uma restauração da fé cristã. Contudo,
alguns serão citados aqui a fim de mostrar a grandiosidade e subjetividade desse
universo de numerosos movimentos, religiões ou seitas de religiões, que surgiram
das tentativas de restauração.
Zibordi (2006) denuncia as releituras que tem sido feitas da Bíblia, principalmente
das cartas de Paulo, para “[...] acomodá-las aos seus desejos carnais e
preferências” (p. 169), criando assim doutrinas híbridas e seletivas para amparar o
conjunto de crenças de um novo movimento, ou tentativa de restauração da fé.
Além da Igreja Católica Romana e das muitas que saíram de dentro dela,
conhecidas como “igrejas protestantes”, ou como “igrejas evangélicas”, há muitos
outros “movimentos de restauração”. Alguns enfatizam a crença absoluta nos textos
bíblicos, ao pé da letra, afirmando que toda a Bíblia é a “palavra de Deus” e,
portanto deve ser obedecida à risca. Outros há que aceitam somente uma parte, ou
algumas partes da Bíblia como sendo sagradas. Ainda há outros grupos que tem,
além da Bíblia, outros textos-base para amparar e discernir sua fé e seu corpo de
doutrinas. Como exemplos, podem ser citados: o grupo dos “Testemunhas de
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Jeová”; o grupo dos Mórmons; os grupos baseados nos ensinos de Allan Kardec (os
espíritas); o Islã (os muçulmanos); e outros (MARQUES, 2005).
Além dos grupos já citados, está “A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos
Dias”, mais conhecida como “Igreja Mórmon”, que prega que, após a morte de Jesus
a igreja cristã se afastou dos princípios do Mestre de tal forma que essa apostasia
resultou na formação de várias igrejas com ensinos errados e conflitantes. Foi então
que, em 1820, nos Estados Unidos, Joseph Smith recebeu do próprio Jesus a
incumbência de fundar então a ‘igreja verdadeira’, já que todas as outras estavam
erradas. Considerado pelos mórmons como um profeta, Joseph Smith então fundou
essa igreja, com o aval, de acordo com ele mesmo, de João Batista (profeta que
batizou Jesus), além de Pedro, Tiago e João (apóstolos mais íntimos de Cristo), que
deram a ele (a Smith) a autoridade do sacerdócio de Cristo. Como parte dessa
restauração, Smith ainda recebeu, ainda segundo ele mesmo, o “Livro de Mórmon”,
como sendo “Um Outro Testamento de Jesus Cristo” (MÓRMON, 2012).
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5 CONCLUSÃO
O problema de pesquisa que orientou o presente estudo foi: “Quais foram os
resultados da assimilação das influências greco-romanas pela Igreja Cristã?”.
O objetivo geral foi alcançado, pois se verificou que houve uma corrupção da fé
cristã por influências da cultura greco-romana, e o ponto central que levou a essa
corrupção foi a criação do Cristianismo por Constantino, ou seja, a oficialização da fé
cristã. O que Jesus propõe e proporciona não é uma religião, mas uma revolução de
vida, de acordo com princípios divinos de amor, paz, fé e respeito, ou seja,
obediência à verdadeira lei divina revelada; é uma conversão, não “[...] para um
cristianismo ou para um ‘-ismo’, mas para Deus e para o relacionamento pessoal
com ele por intermédio de Yeshua, o Messias” (STERN, 2007, p. 82). Sendo assim,
pode-se concluir que a fé cristã era mais próxima do ideal quando era perseguida do
que quando foi oficializada, já que a igreja antes era composta somente por aqueles
que estavam dispostos a serem perseguidos (e até morrer) por sua fé. Além disso,
nota-se
que
essas
influências
greco-romanas
(hierarquia
de
cargos,
institucionalismo, política e outras descritas anteriormente)– e até mesmo algumas
influências hebraicas exacerbadas (literalismo bíblico, fundamentalismo acima do
amor a Deus e ao próximo, além de outras) – estão presentes na fé cristã ainda
hoje, desviando os cristãos do objetivo de ser seguidor de Cristo, e que a maioria
deles (dos cristãos) não percebe isso, principalmente porque desconhecem as
raízes históricas da fé. A fé cristã que foi ensinada por Jesus Cristo não é uma
religião, é uma radicalização da verdadeira essência da fé hebraica (messiânica); é
antagônica ao Cristianismo. E somente poderá ser resgatada se aqueles que
querem segui-la (a fé cristã) receberem o conhecimento necessário para discerni-la.
A maioria dos líderes religiosos, seja por ignorância ou seja por puro interesse
pessoal ou institucional, não fornecem aos cristãos as informações necessárias para
que eles experimentem o verdadeiro sentido de ser seguidor de Cristo.
O primeiro objetivo específico (Identificar os fundamentos hebraicos da fé cristã)
foi cumprido, uma vez que, trazidos à luz [esses fundamentos] e feita a análise sobre
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eles, isso leva ao fato de que, através da fé hebraica, Deus preparou o terreno do
coração e da mente de um povo (os hebreus) para que recebessem todo o favor
divino, por completo, através do Messias, Jesus Cristo. Somente o fato de Jesus ser
hebreu já faz uma ligação entre seus seguidores e a fé dos hebreus, que já
aguardavam a vinda do Messias anunciado por vários profetas e por várias vezes.
Enfim, Jesus veio para tornar plena a Lei divina (Mateus 5.17), lançando os
fundamentos não de uma nova religião, mas de uma nova Aliança, que na verdade é
uma renovação da verdadeira lei de Deus no coração e na mente do homem. Os
hebreus foram incumbidos de manter algumas crenças fundamentais para sua fé e
que seriam fundamentais também para a fé cristã como, por exemplo, o monoteísmo
e a esperança messiânica. E, principalmente a fé messiânica foi primordial para o
desenvolvimento da fé cristã. As pregações dos apóstolos que podem ser
encontradas no Novo Testamento bíblico são todas neste sentido: de que o Messias
tão esperado finalmente veio, seu nome é Jesus e convida a todos para que creiam
nele. Por isso, os primeiros messiânicos (seguidores do Messias) eram judeus
(hebreus) que aceitavam Jesus como o Messias aguardado.
O segundo objetivo específico (Descrever os impactos da cultura greco-romana
nos fundamentos da fé cristã) foi atingido, dado que uma boa parte do mundo
conhecido era dominada pelo Império Romano quando Jesus viveu e pregou as
boas-novas do Evangelho. Sendo assim, a igreja (congregação dos que seguem a fé
cristã) surgiu dentro de um contexto hebraico sim, mas também greco-romano, visto
que os romanos adotaram muitas coisas da cultura grega, que fora disseminada por
Alexandre, o Grande. Essa influência exterior logo entrou na igreja, através dos
adeptos que carregavam consigo a cultura dominante no império, principalmente por
aqueles que não eram judeus, os gentios. Porém, o ponto alto da influência grecoromana na fé cristã foi quando o imperador romano Constantino tornou a fé cristã
oficial em todo o território dominado pelo império. Os cristãos, que eram perseguidos
e mortos por sua fé monoteísta e por não se curvarem diante do paganismo que até
então era a fé oficial imperial, começaram a ocupar posição de destaque no império
que se tornava cristão através de decretos imperiais. A partir daí, a espiritualidade
dentro da igreja se deteriorou cada vez mais, enquanto a política e o poder humano
cresciam. Essa oficialização da fé interessava muito a Constantino que assumiu um
império romano esfacelado e dividido, e precisava de algo que o unificasse
51
novamente. Oficializando a fé cristã, ele a “transformou” em uma religião chamada
“cristianismo”, que serviu muito bem a seus propósitos políticos. Conforme o tempo
passava, a fé cristã diminuía e a política do cristianismo aumentava. Pessoas
entravam para a igreja somente com interesses políticos. A simplicidade e a pureza
da mensagem de Cristo quase não eram mais encontradas na igreja; costumes e
tradições greco-romanas infiltraram-se e corromperam a prática da fé cristã. Tal era
essa política dentro da igreja que, quando o império romano ocidental se separou do
oriental, também houve a separação das igrejas ocidental, com sede em Roma, e
oriental, com sede em Constantinopla (a nova capital do império).
O terceiro objetivo específico (Investigar os movimentos de restauração das
práticas da fé cristã) foi consumado ao constatar que vários movimentos surgiram
como tentativa de restaurar a fé messiânica. Porém esses movimentos também
carregavam alguma influência greco-romana que havia se alojado dentro da igreja,
além de terem interesses políticos e alguns até com motivos escusos, como a
Reforma e a Contra-Reforma; alguns movimentos independentes. Há também
tentativas de restauração dos fundamentos da fé hebraica, como o Judaísmo
Messiânico.
Para finalizar, é fundamental lembrar que, para viver a fé cristã é fundamental
permanecer naquelas coisas que Cristo ensinou; isso é ser cristão. Jesus não
somente ensinou como devemos viver, mas ele vivia aquilo que ensinava, era o
exemplo. Ser cristão é caminhar nos passos de Jesus, e ele mesmo se definiu como
“o caminho”, definindo um padrão de caminhada para qualquer um que quiser seguilo. Assim, ser cristão não é meramente ser membro de uma religião formal, mas é
viver seguindo o exemplo de Cristo em palavras, pensamentos, atitudes e
espiritualidade (FILHO, 2012).
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A corrupção dos fundamentos hebraicos da fé cristã causada