UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO
JANOÍ JOAQUIM MAMEDES
A MESQUITA DA LUZ: O ISLÃ SUNITA NO RIO DE JANEIRO
SÃO PAULO
2013
1
JANOÍ JOAQUIM MAMEDES
A MESQUITA DA LUZ: O ISLÃ SUNITA NO RIO DE JANEIRO
Dissertação apresentada ao programa de Pós-Graduação
em Ciências da Religião como requisito parcial para a
obtenção do título de Mestre em Ciências da Religião.
Orientadora: Profª. Dra. Lídice Meyer Pinto Ribeiro
SÃO PAULO
2013
2
M264m Mamedes, Janoí Joaquim
A Mesquita da Luz: o Islã sunita no Rio de Janeiro / Janoí
Joaquim Mamedes – 2014.
116 f. : il. ; 30 cm
Dissertação (Mestrado em Ciências da Religião) – Universidade
Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2014.
Orientador: Profa. Dra. Lídice Meyer Pinto Ribeiro
Bibliografia: f. 111-116
1.Islamismo sunita 2. Mesquita da Luz 3. Sociedade Beneficente
Muçulmana do Rio de Janeiro I. Título
LC BP161
3
Banca examinadora
______________________________________
Professora orientadora: Dra. Lídice Meyer Pinto Ribeiro
Universidade Presbiteriana Mackenzie
______________________________________
Professora: Dra. Margarida Maria Moura
Universidade de São Paulo - USP
____________________________________
Professor: Dr. João Baptista Borges Pereira
Universidade Presbiteriana Mackenzie
____________________________________
Professor: Dr. Ricardo Bitum (suplente)
Universidade Presbiteriana Mackenzie
__________________________________
Professor: Dr. Dario Paulo Barrera (suplente)
UMESP
4
AGRADECIMENTOS
Sou grato, pois sozinho jamais poderia concluir este trabalho. Agradeço
a todos que colaboraram e me apoiaram em diversos momentos do curso.
Em primeiro lugar, agradeço a Deus que me deu vida e oportunidades.
Agradeço à minha família que abriu mão da minha presença em diversos
momentos: esposa Adriana, meus filhos Levi e Carol e minha mãe Nancy.
Agradeço à minha orientadora, professora Lídice Meyer Pinto Ribeiro pelo
apoio e paciência; agradeço, também, aos professores João Baptista Borges
Pereira e Margarida Maria Moura por aceitarem fazer parte da banca
examinadora e contribuírem muito para a versão final.
Agradeço ao conselho da IP de Tingui pelo apoio financeiro e
motivacional. Agradeço ao Júlio pelo apoio em boa parte da digitação.
Agradeço à liderança da SBMRJ, especialmente ao Fernando, pela recepção e
informações. Agradeço aos amigos e professores do curso de Mestrado, à
Igreja Presbiteriana do Brasil e à Universidade Presbiteriana Mackenzie pela
bolsa.
5
MAMEDES, JJ. A Mesquita da Luz: O Islã Sunita no Rio de Janeiro.
Dissertação de Mestrado em Ciências da Religião, Universidade Presbiteriana
Mackenzie, São Paulo, 2013.
RESUMO
A presente pesquisa aborda a Mesquita da Luz, o espaço físico onde se reúne
a Sociedade Beneficente Muçulmana do Rio de Janeiro (SBMRJ) movimento
do Islã Sunita. O trabalho tem como objetivo identificar o nascedouro da
SBMRJ e o que contribuiu para formação de sua identidade. Parte do histórico
sobre o nascimento do Islamismo, os principais cismas, a mística, o livro
sagrado, os cinco pilares: O testemunho, as orações diárias, as esmolas, o
jejum durante o mês de Ramadan e a peregrinação à Meca. O Islã e os seis
pilares da fé: fé em um Deus único, fé nos anjos, fé nos livros sagrados, fé nos
profetas e mensageiros de Deus, fé na predestinação e a fé na ressurreição e
no Juízo Final. A chegada do Islã ao Brasil, destacando o Islã afro que chegou
com os escravos trazidos da África e o Islã dos imigrantes originários do
Oriente Médio. A presente pesquisa aborda também a história da Sociedade
Beneficente Muçulmana do Rio de Janeiro, a Mesquita abandonada de
Jacarepaguá e a mudança para o atual endereço. Aborda também a
construção da identidade a partir de grupos identificados como árabes e
descendentes, os africanos e os brasileiros revertidos. A dinâmica da mesquita
é apresentada destacando as principais atividades como as orações de sextafeira, o departamento educacional, o departamento feminino e o departamento
social da instituição. Chegando a conclusão de que a SBMRJ contribui para a
criação de um Islã nacional, com uma ortodoxia corânica e uma ortopraxia
brasileira e carioca.
Palavras-chave: Islamismo; Sunitas; Mesquita da Luz; Sociedade Beneficente
Muçulmana do Rio de Janeiro.
6
MAMEDES, JJ. A Mesquita da Luz: O Islã Sunita no Rio de Janeiro.
Dissertação de Mestrado em Ciências da Religião, Universidade Presbiteriana
Mackenzie, São Paulo, 2013.
ABSTRACT
The research approaches the Mosque of light, the physical space were
gathers the beneficent society Muslim of Rio de Janeiro (SBMRJ), movement of
Sunni Islam. The Work aims to identify the hatcher of SBMRJ and what
contributed to the formation of their identity. Part of the historical about
renaissance of Islam, the main schisms, mystique, holy book, five pillars: The
testimony, daily prayers, alms, fasting during the Ramadan’s month and
pilgrimage to Mecca. Islam and the six faith’s pillars: Faith in just one God, faith
in angels, faith in holy books, faith in predestination, faith in resurrection and in
dooms day. The arrival of Islam to Brazil, highlighting the African Islam that
arrived with slaves brought from Africa and the Islam of immigrants originating
from the Middle East. This research also approaches the Rio de Janeiro’s
Muslim Beneficent Society history, the Mosque abandoned of Jacarepaguá and
its change to current address. Also approaches the construction of identify from
groups identified like Arabs and its descendants, African, and Brazilian
reversed. The dynamic of Mosque is show highlighting the main activities like
prayers on Friday, department education, female department and the
institution’s social department. The work conducts to the following conclusion:
The SBMRJ contributes to the creation of a National Islam, with a Koranic
Orthodoxy and a Brazilian Orthopraxis.
Keywords: Islam; Sunni; Mosque of Light; Muslim Beneficent Society of Rio de
Janeiro.
7
ÍNDICE DE IMAGENS
Figura 1 - Fachada da Escola Muçulmana em 1977.........................................57
Figura 2 - Desfile de 7 de setembro, 1977, Escola Muçulmana.......................57
Figura 3 - Mesquita de Jacarepaguá em 1984..................................................59
Figura 4 - Mesquita de Jacarepaguá em 2009..................................................59
Figura 5 - Obras da Mesquita da Luz em 2009.................................................62
Figura 6 - Fachada da Mesquita da Luz em 2013............................................63
Figura 7 - Placa de inauguração da Mesquita da Luz.......................................63
Figura 8 - Sala de Oração (fundos) da Mesquita da Luz...................................
64
Figura 9 - Sala de Oração (frente) da Mesquita da Luz....................................64
Figura 10 - Croqui da Sala de Oração da Mesquita da Luz..............................65
Figura 11 - Banheiro masculino da Mesquita da Luz (espaço para ablução)..66
Figura 12 - Banheiro masculino da Mesquita da Luz........................................67
Figura 13 - Curso de árabe na Mesquita da Luz...............................................97
Figura 14 - Caminhada em Defesa da Liberdade Religiosa (Copacabana).... 101
Figura 15 - Fim do Ramadã (2013)...................................................................102
Figura 16 - Visita de jovens católicos na SBMJ 2013........................................
103
Figura 17 - Visita de jovens católicos na SBMJ 2013........................................
103
8
SUMÁRIO
O Tema ......................................................................................................... 17
A Metodologia ............................................................................................... 19
Capítulo 1: Uma breve história do Islã e sua chegada ao Brasil. ..................... 26
O Nascimento do Islã .................................................................................... 26
Os quatro califas ........................................................................................ 28
Os principais Cismas .................................................................................... 30
Os Xiitas .................................................................................................... 30
Os Sunitas ................................................................................................. 32
A Mística Islâmica: Os Sufis .......................................................................... 32
O Alcorão ......................................................................................................... 34
Os 5 pilares do Islã ....................................................................................... 35
O Testemunho (Shahaadah) ..................................................................... 35
As orações diárias (Aslat) .......................................................................... 36
As esmolas (Zakat) .................................................................................... 37
O jejum durante o Ramadan (Sawm) ........................................................ 38
A peregrinação a Meca (Hajj) .................................................................... 39
Os Seis Pilares Da Fé ................................................................................... 40
1º - Fé em Deus Único (a unicidade de Deus) ........................................... 40
2º - Fé nos Anjos ....................................................................................... 41
3º - Fé nos Livros Sagrados ...................................................................... 41
4º - Fé nos Profetas e Mensageiros de Deus ............................................ 42
5º - Fé na Predestinação ........................................................................... 43
6º - Fé na Ressurreição e no Juízo Final ................................................... 44
A chegada do Islã ao Brasil .......................................................................... 47
O Islamismo de Escravidão ....................................................................... 47
O Islã dos imigrantes ................................................................................. 52
9
Capítulo 2 – A SBMRJ: História e construção da identidade ........................... 56
História da SBMRJ ........................................................................................ 56
A Escola Muçulmana ................................................................................. 58
A Mesquita Abandonada............................................................................ 60
Uma nova liderança ................................................................................... 62
A Mesquita da Luz (Masjid Al Nur): A volta às origens. ................................ 64
A Construção da Identidade .......................................................................... 72
Árabes e Descendentes............................................................................. 73
Os Africanos .............................................................................................. 76
Os Brasileiros Revertidos .......................................................................... 78
As Mulheres ............................................................................................... 81
Capítulo 3 - A Dinâmica da Mesquita da Luz ................................................... 89
Orações de sexta-feira .................................................................................. 93
Departamento Educacional ........................................................................... 99
Curso de Introdução ao Islã ....................................................................... 99
Departamento Feminino .............................................................................. 102
Departamento Social................................................................................... 102
Considerações Finais ..................................................................................... 109
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................... 113
10
Introdução ao Tema da Pesquisa
A presente pesquisa traça uma breve introdução histórica sobre o
nascimento do islamismo, seu desenvolvimento e crescimento, principais
cismas, suas práticas e a chegada ao Brasil, especialmente no Rio de Janeiro
com os escravos africanos e posteriormente com imigrantes do Oriente Médio.
Apresenta um estudo de caso da SBMRJ (Sociedade Beneficente Muçulmana
do Rio de Janeiro), descrevendo um histórico e mostrando as principais
mudanças estratégicas a partir do início da construção da Mesquita da Luz no
bairro da Tijuca, Zona Norte da cidade, com o objetivo de demonstrar como são
construídas, comunicadas e vivenciadas as diversas identidades existentes no
espaço da SBMRJ. Busca identificar o processo que resultou em uma mudança
de pensamento e direção da entidade a partir da visão empregada na
instituição na década de 90, com a segunda geração de imigrantes, fazendo da
SBMRJ um espaço divulgador e atraindo brasileiros ao Islã.
Ainda que o foco central do trabalho seja o Islã Sunita da SBMRJ, é
importante ressaltar o valor acadêmico e o contexto do islamismo na esfera
mundial.
Segundo Pinto (2010 a, p. 21), “Em março de 2008, o Vaticano anunciou
que o número de muçulmanos ultrapassara o número de católicos. O número
estimado de 1,3 bilhão de adeptos faria do Islã a denominação mais numerosa
da Terra”. Esta informação torna o Islã mais que digno de atenção acadêmica.
Da mesma forma destaca Azevedo:
Sem dúvida a religião mais vigorosa, e mais controvertida, deste final
de século e de milênio, o Islã forjou uma civilização de abrangência
mundial que tem já quatorze séculos de realizações impressionantes
em espiritualidade, intelectualidade, arte e sociedade (Azevedo, 2001,
p. 25).
SONN (2011, p. 12) ressalta que “O Islã é credo dominante em mais de
50 países, e o da minoria que mais rapidamente cresce na Europa e nos
Estados Unidos.” Mais de um quinto da população mundial professa esta
religião atualmente. Percebe-se o crescimento do Islã no século passado
observando um livro de 1973, intitulado: El Islam, modo de vida, de Hitti.
11
Este livro é o resultado de conferências feitas ante um auditório
heterogêneo na Primavera de 1967 [...] O Islã é modo de vida. E
como tal, ele tem três aspectos principais: religiosos, políticos e
culturais. Os três se sobrepõem e se influenciam mutuamente;
Algumas vezes a influência passa de forma imperceptível de um para
o Outro [...] O Islã começou como uma religião simples e humilde de
algumas tribos da Arábia [...] Hoje é de cerca de quatrocentos
milhões de fiéis [...] De cada sete homens no mundo, um é
1
muçulmano (Hitti,1973, p.19)
Esta declaração de Hitti alerta a comunidade científica para a
importância do estudo do Islã. O autor era professor da Universidade de
Minnesota, EUA, no departamento de línguas do Oriente Próximo e sua
palestra foi transformada em livro.
Da mesma forma destaca Ribeiro2.
O Islã está presente em todo o mundo, em parte devido a migração, e
em parte devido ao trabalho missionário, realizado sem muito alarde,
através de ações sociais, divulgação de literatura e pela Internet
através de diversas páginas da internet. Apesar da divulgação
conflitante a seu respeito na mídia secular, onde figuram conversões
como a do músico Cat Stevens, hoje Yusuf Islam, e do boxeador
Cassius Clay, renomeado como Muhamad Ali, juntamente com
3
alusões ao terrorismo e ao fundamentalismo , o Islã cresce e
espanta, pois mesmo contando com 1,57 bilhões de adeptos
espalhados pelo mundo, ou cerca de 25% da população mundial,
pouco se sabe realmente sobre ele. Apesar da origem do islamismo
remontar à Ásia, a religião cresceu muito mais fora do mundo árabe,
através de movimentos de conquista e de migração. Hoje o Islã já é
considerado a segunda maior comunidade religiosa em países de
formação protestante como Estados Unidos, (cerca de 6 milhões de
muçulmanos), França, (5 milhões), Alemanha (2,5 milhões) e Holanda
(500.000) (Ribeiro, 2012, p.107).
Usarski, no prefácio ao livro que traduziu de Peter Antes, em 2002, fala
sobre a importância do estudo do Islã no Brasil:
1
Este libro es resultado de las conferencias pronunciadas ante ún auditório heterogêneo em La
primavera de 1967 [...] El islam es ún modo de vida. Como tal tiene tres aspectos principales: el
religioso, el político y el cultural. Lós tres se superponen e influyen mutuamente; algunas veces
se passa imperceptiblemente de uno a outro.[...] el Islam, que comenzó como religión simple y
humilde de unas pocas sencillas tribus de Arabia[...] Hoy tiene aproximadamente cuatrocientos
millones de fieles[...] De cada siete hombres uno es musulmán. Importante ressaltar que esta
declaração foi em 1967. Hoje de cada 5 habitantes, um é muçulmano.
2
Ribeiro, Lídice Meyer. Doutora em Antropologia Social pela Universidade de São Paulo
(USP). Professora do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião da Universidade
Presbiteriana Mackenzie e da Escola Superior de Teologia desta Universidade.
3
Todas as religiões têm ciclos fundamentalistas ou estão sujeitas ao fundamentalismo. O
fundamentalismo existe quando um grupo detentor de uma verdade oculta fecha-se em torno
dela e passa a negar ou mesmo perseguir outras verdades discrepantes daquela.
12
A tradução justifica-se por três motivos inter-relacionados. [...] com a
intensidade dos atentados de 11 de setembro, transmitidos ao vivo e,
desde então [...] foram despertados sentimentos latentes
profundamente enraizados na memória coletiva do Ocidente cristão.
[...] há indícios suficientes de que o Islã corre o risco de tornar-se o
objeto preferido de preconceitos religiosos, seja na forma de cenas
4
sutilmente caricaturais da novela “O clone” , seja pela insistência na
acusação de que “existia vínculo entre habitantes de Foz do Iguaçu e
5
a Al Qaeda” .[...] A segunda razão tem relação com a falta de
programas [...] essa situação desfavorável continua nas
universidades brasileiras [...] há atualmente poucas dissertações e
ainda menos teses sobre o Islã em 2002 [...] O terceiro motivo é
tornar acessível uma versão em português do livro de Peter Antes.
Tanto Usarski como Peter Antes demonstram preocupação com a
repercussão dos episódios de setembro de 2001 e para isso incentivam a
produção de artigos, dissertações e teses sobre o Islã na comunidade
acadêmica.
Segundo dados do censo demográfico de 2010 do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE), o Islã ainda é pouco praticado no Brasil,
contando com 35.167 seguidores. Entretanto, algumas instituições islâmicas
brasileiras consideram que o número de seguidores é muito superior a isso. A
Federação Islâmica Brasileira defende que há cerca de 1,5 milhão de fiéis do
Islã no país6 e estima que existem 50 mesquitas e mais de 80 centros islâmicos
espalhados pelo Brasil. A questão sobre o número de muçulmanos no Brasil é
bastante controvertida. Segundo Pinto, “O Brasil possui uma grande
comunidade muçulmana, com cerca de um milhão de membros, que foi
formada desde o século XIX por diversas levas migratórias” (2005, p. 229).
Segundo Vitória Peres de Oliveira, o número seria de 200 mil (2006, p. 3).
Segundo Pinto (2005, p. 230), a comunidade muçulmana brasileira é
quase totalmente urbana, tendo uma concentração maior nas cidades de São
Paulo, Foz do Iguaçu e Rio de Janeiro, com maioria formada por imigrantes
árabes e seus descendentes. No entanto, é possível verificar um crescente
4
O fato de que representações inadequadas incomodam a comunidade islâmica foi mostrado,
por exemplo, no artigo: Muçulmanos querem desculpas do “Casseta” por piadas com o
islamismo. Folha de São Paulo, 19 out. 2001.
5
Foto de Iguaçu aparece em sede da Al Qaeda. Folha de São Paulo, 17 nov. 2001.
6
http://www.bbc.co.uk/portuguese/reporterbbc/story/2005/02/050203_diegomtc.shtml,
site
visitado em 10 de dezembro de 2013.
13
número de revertidos7 tanto no Rio de Janeiro como em São Paulo. No Rio de
Janeiro, que é o nosso campo de pesquisa, dirigentes da SBMRJ presumem
que haja cerca de 500 pessoas cadastradas. Gisele Chagas, em seu trabalho
de campo em 2005, afirma que havia 190 muçulmanos cadastrados (Chagas,
2006, p. 4). Pinto (2005, p. 231) e Montenegro (2000, p. 30) declaram que a
comunidade muçulmana sunita no Rio de Janeiro possui cerca de 5 mil
pessoas.
O Sheik Muhammad Ragip al-Jerrahi, líder muçulmano, assim declara
sobre a chegada do Islã ao Brasil:
Pedro Álvares Cabral foi acompanhado em sua expedição do ano de
1.500 pelos muçulmanos Chuhabidin Bin Májid e o navegador Mussa
Bin Sáte. Com o início da colonização, muçulmanos portugueses e
espanhóis, embora em número reduzido, também vieram ao Brasil,
mantendo suas práticas e tradições. Sua presença é denunciada já
no final do século XVI, com a chegada da Inquisição. Processos e
relatos do Santo Ofício referem-se à presença destes muçulmanos,
descrevendo suas práticas e costumes. Como referência tem-se:
Primeiras Visitações do Santo Officio às Partes do Brasil Denunciações de Pernambuco, 1593 - 1595, do Visitador Heitor
Furtado de Mendonça, Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Cartório
da Inquisição, Códice nº 130, com edição especial do editor Paulo
Prado, série Eduardo Prado, São Paulo, 1929. A Inquisição atuou
forçando a conversão dos muçulmanos ao cristianismo bem como a
mudança de nomes. Os tribunais inquisitores puniam com a pena de
morte os praticantes de cultos considerados heréticos e os que se
recusavam a aceitar a nova ordem. Como resultado poucos registros
restaram da presença destes muçulmanos na fase inicial da
8
colonização. (http://www.masnavi.org/jerrahi)
A informação acima faz parte de palestras de diversos Sheiks, porém,
não consegui identificar a confirmação dos dados em livros acadêmicos.
Líderes muçulmanos apresentam ainda outras informações, como
registrou Cavalcante Júnior, em sua tese de doutorado:
Durante o meu trabalho de campo, o então imam Abdu disse durante
o sermão de sexta-feira, em 2006, ter participado de um Congresso
sobre Islã na América Latina realizado em Buenos Aires, organizado
por instituições islâmicas como a Liga Islâmica e o CDIAL (Centro de
7
Para os muçulmanos, o termo “revertido” significa “aquele que retorna a Deus.” O muçulmano
considera que todos nascem muçulmanos, mas muitos se afastam de Deus. O retorno a Deus
é chamado, por eles, de reversão. É revertido todo aquele que professa a Shahada: “Não há
Deus, se não Deus, e o profeta Muhammad é seu mensageiro.”
8
Artigo apresentado no site: http://www.masnavi.org/jerrahi/ArtigosPalestras/Historia_da_
presenca_ Islamica /historia_da_presenca islamica.html, visitado em 10 de dezembro de 2012.
14
Divulgação do Islã para a América Latina). Neste evento, os
palestrantes falaram da contribuição dos muçulmanos na região e de
sua presença aqui. Segundo o imam Abdu, a presença mais antiga
do Islã na América Latina teria sido no Brasil, anterior ao
Descobrimento. Teriam sido quatro as etapas da presença do Islã na
região: (1) século VII um pouco depois da Conquista da Península
Ibéria, o que teria sido comprovado em grutas no sul da Bahia em
que foram encontradas inscrições em árabe; (2) com a chegada dos
europeus, com a vinda de muçulmanos como guias de navegação ou
marinheiros; (3) com os escravos negros da África a partir do
descobrimento e (4) com a vinda de imigrantes do Líbano, Síria e
Palestina. (Cavalcante, 2008, p. 14).
Assim, torna-se possível inferir que o tráfico de escravos africanos tem
relação direta com a presença islâmica no Brasil. Contudo, o Islã somente se
solidifica em solo brasileiro a partir da chegada dos imigrantes de origem
árabe: libaneses, sírios, egípcios etc. que constituem hoje o grande contingente
de muçulmanos no Brasil. Assim relacionou Pinto Hilu, no livro Árabes no Brasil
(p. 15):
A chegada no final do século XIX e nas primeiras décadas do século
XX de milhares de imigrantes de fala e cultura árabe proveniente de
diversas regiões do Oriente Médio – em particular Líbano, Síria e
Palestina – e sua bem-sucedida instalação e adaptação constituem
um importante capítulo da história da imigração no Brasil.
Torna-se importante destacar que deste grupo de imigrantes que vieram
fugidos do Império Otomano9, a maioria era de cristãos.
Porém, há registros da presença de líderes muçulmanos em 1866, como
nos apresenta Pinto citando al-Baghdadi al-Dimachqi (2007).
Em 1866, um navio da marinha otomana aportou no Rio de Janeiro
trazendo, além dos marinheiros, um religioso muçulmano (‘alim, pl.
‘ulama) chamado ‘Abd al-Rahman al-Baghdadi al-Dimachqi, que
sabemos ter nascido em Damasco de uma família originária de
9
Começou a nascer no século XI, quando tribos turcas nômades se fixaram na Anatólia, região
que hoje é parte da Turquia. Tais tribos ajudaram a difundir a religião muçulmana em terras
que até então estavam sob o domínio de outro império, o Bizantino. "O termo otomano deriva
do nome Osman, ou em árabe, Uthman", diz o historiador inglês Malcolm Yapp, da
Universidade de Londres. Osman, ou Otman I (1258-1324), foi um chefe turco que transformou
essas tribos nômades em uma dinastia imperial. Durante os séculos XV e XVI, o Império
Otomano se tornou um dos estados mais fortes do mundo, englobando boa parte do Oriente
Médio, do Leste Europeu e do norte da África. Além do poderio militar, o que ajudou a garantir
essa expansão foi a tolerância dos otomanos com as tradições e as religiões dos povos
conquistados. Foi abolido em 1923, quando foi proclamada a República da Turquia.
15
Bagdá. Após desembarcar para conhecer a cidade, ‘Abd al- Rahman
foi saudado por negros muçulmanos, provavelmente ex-escravos ou
seus descendentes, que depois foram ao seu navio para fazerem as
orações com os demais membros da tripulação. Ao saberem que era
uma autoridade religiosa os muçulmanos o convidaram para ficar no
Rio de Janeiro e liderar sua comunidade. Ele aceitou e permaneceu
no Brasil até 1869, primeiro liderando a comunidade muçulmana
composta por ex-escravos no Rio de Janeiro, depois como iman (líder
religioso) das comunidades muçulmanas semelhantes as que
existiam em Salvador e Recife (Pinto, 2010, p. 46).
Sobre esta importante informação comenta também Ribeiro:
Abdurrahman al’Baghdadi, nascido em Bagdá, era súdito do Império
Otomano, que controlava o Oriente Médio. Embarcou como imã,
responsável pelo cuidado espiritual da tripulação, em uma viagem de
Istambul a Barsa, mas uma tempestade fez com que a embarcação
viesse à costa brasileira, aportando no cais do Rio de Janeiro em
setembro de 1866, apenas 30 anos após o último levante male na
Bahia (Ribeiro, 2012, p. 113).
Ribeiro ressalta a possibilidade de que os escravos que foram recebidos
por al’Baghdadi eram remanescentes das revoltas malês, confirmando, assim,
que naquele tempo já existia uma comunidade muçulmana organizada no Rio
de Janeiro.
Portanto, estas são as principais datas documentadas da presença
islâmica no Brasil.
Não é possível comentar sobre a origem do Islã desassociado do povo
árabe. Deste modo, para um melhor entendimento do trabalho, tornou-se
necessário um estudo sobre imigração árabe no Rio de Janeiro, com a
finalidade de identificar o início das atividades da SBMRJ. Pinto destaca que a
produção acadêmica nesta área é bem escassa:
A história da comunidade árabe no Rio de Janeiro foi objeto apenas
de um artigo (Mauad 2000) e duas dissertações de mestrado não
publicadas (Francisco 2005; Karaam 2000). Outras três dissertações
de mestrado, também inéditas, trataram da relação entre identidade
étnica árabe e a identidade religiosa na comunidade muçulmana
sunita (chagas 2006; Montenegro 2000) [...] tal escassez de estudos
acadêmicos sobre os árabes cariocas é surpreendente, pois, embora
a maior parte tenha-se dirigido a São Paulo, muitos ou passaram ou
se fixaram no Rio de Janeiro, que era a capital federal na época do
auge da imigração proveniente do oriente Médio. (Pinto, 2010 a, p.16)
16
O Tema
Como nosso assunto principal é a SMBRJ10, outros movimentos
migratórios árabes desligados do Islã não são comentados nesta dissertação.
A SBMRJ, o foco de nosso estudo, surgiu em 1951, reunindo
muçulmanos sunitas do Rio de Janeiro; nesta época, já existia a sociedade
Alauíta, que foi a única instituição muçulmana no Rio de Janeiro até os anos
50, porém sua visão sectária impediu a unidade dos muçulmanos no RJ 11.
Sociedade Beneficente muçulmana Alauíta do Rio de Janeiro, foi organizada
em 1931. Os Alauítas constituem uma seita esotérica xiita existente na Síria,
Líbano e sul da Turquia. Os Alauítas não seguem os pilares rituais do Islã,
como as orações diárias nas mesquitas, sendo considerados por muitos
muçulmanos sunitas como heréticos. Porém, na ocasião, havia uma utilização
do espaço comum em muitas celebrações.
A sede da SBMRJ era uma sala comercial na Rua Gomes Freire onde,
inicialmente, dividia o espaço com a Sociedade Beneficente Palestina.
Posteriormente, a Sociedade Palestina mudou de lugar e a sala foi comprada
ampliando, assim, o espaço da SBMRJ, que passou a ser referência para os
muçulmanos sunitas do Rio de Janeiro.
Em 1984, foi construída uma Mesquita em Jacarepaguá e, a princípio,
as atividades religiosas foram transferidas para a nova Mesquita. Com o tempo,
a baixa frequência fez a liderança discutir o assunto, pois a nova Mesquita
estava distante dos locais de trabalho e da residência dos membros que na
maioria moravam no Centro, Tijuca e Copacabana12.
Assim, a Mesquita de Jacarepaguá foi desativada nos meados da
década de 90; retornando às atividades a mussala13. A partir de 2007, as
atividades foram transferidas para a Mesquita em construção na Rua Gonzaga
Bastos no bairro da Tijuca.
10
Sociedade Beneficente Muçulmana do Rio de Janeiro
Segundo Pinto, 2010 b, p.115 os próprios estatutos da sociedade refletem o caráter
suprassectário que possuía neste período.
12
Sobre este assunto trataremos no capítulo primeiro.
13
Sala de oração. Quando não existe uma mesquita próxima, um grupo de muçulmanos
separa um lugar para suas atividades religiosas.
11
17
O projeto de construção está dividido da seguinte forma: no primeiro
pavimento há uma sala principal de oração e banheiros, masculino e feminino.
No segundo pavimento estão: as salas administrativas, salas de aula, biblioteca
e dois banheiros (um masculino e um feminino). No terceiro pavimento se
encontram: um salão de festas, uma cozinha industrial, um pequeno estúdio
audiovisual e um auditório reversível. No quarto pavimento se localizam: a
residência do Iman, uma área de lazer com parque para as crianças, salão de
jogos e de ginástica.
Segundo o secretário da Instituição, tanto a escolha do bairro como o
nome da mesquita foram decididos por votação dos membros, incluindo as
mulheres. Mesmo antes da mudança da sede para o bairro da Tijuca, a SBMRJ
já apontava para um caminho diferente das demais instituições islâmicas do
Brasil. Como foi documentado por pesquisadores14, a comunidade do Rio de
Janeiro apresenta uma particularidade: a maioria de seus membros não é
árabe e/ou descendente de árabes.
Atualmente, a maioria dos membros é de revertidos, como foi informado
em uma entrevista15 feita pelo pesquisador com o secretário da instituição.
Segundo o secretário, é possível que este fato se deva a uma mudança na
visão da liderança a partir da década de 90, mais precisamente a partir de
1993, quando ocorreu uma renovação no quadro de líderes, filhos de
imigrantes, que criaram o curso de introdução ao Islã e à língua árabe16 e
facilitaram o atendimento à imprensa, aos estudantes e aos pesquisadores,
com a finalidade de divulgar o Islã à sociedade brasileira e carioca. Com o
tempo, a mussala não comportava mais o número de pessoas que apareciam
para as atividades, obrigando à divisão em turnos diferentes.
14
MONTENEGRO, Silvia, M. Dilemas identitários do Islam no Brasil – a comunidade
muçulmana sunita do Rio de Janeiro. 2000. 334 f. Tese (doutorado em Sociologia),
IFCS/UFRJ, Rio de Janeiro, 2000.; PINTO, Paulo Gabriel Hilu da Rocha. “Ritual, etnicidade e
identidade religiosa nas comunidades muçulmanas no Brasil” in: revista USP, nº 67, set/nov,
São Paulo; USP, 2005, p.231; CAVALCANTE JUNIOR, Claudio. Processos de construção e
comunicação das Identidades Negras e Africanas na Comunidade Muçulmana Sunita do Rio de
Janeiro. Dissertação de Mestrado em Antropologia, PPGA. UFF, Niterói, 2008; CHAGAS,
Gisele Fonseca. Identidade religiosa e fronteiras étnicas In: Religião e Sociedade, Rio de
Janeiro, 29(2): 152-176, 2009.
15
Entrevista concedida no dia 03 de Agosto de 2012 após a oração das 12 horas, na sede da
SBMRJ.
16
A primeira turma teve somente 3 alunos e apenas um foi até o final do curso. Fui informado
que já foi criada uma turma com 90 alunos.
18
Outra medida seguindo o mesmo viés foi a ampliação da literatura de
divulgação do Islã. Foram publicados cerca de 10 livros sobre o Islã pela
editora Qualitymark17 com o selo azam. Procedeu-se à criação do jornal
informativo Nurul Islam18 (Luz do Islam), publicado trimestralmente com tiragem
de 4 mil exemplares. A SBMRJ também esteve presente na Bienal do Livro de
2011,
no
Riocentro,
e
na Conferência
das
Nações
Unidas
sobre
Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20, realizada de 13 a 22 de junho de
2012, na cidade do Rio de Janeiro, no espaço denominado Cúpula dos Povos.
Foram criadas atividades no espaço físico da Mesquita como gincanas e um
projeto inovador de ginástica voltada para as mulheres. Destes modos, a
SBMRJ tem divulgado o Islã e se tornado conhecida da sociedade carioca.
Segundo o secretário da Instituição, com a conclusão da obra da
Mesquita – incluindo a casa do Sheik – o local será um centro islâmico, um
espaço para agregar muçulmanos de todo o estado, vindo a ser um local de
base para coordenação de atividades sociais e estratégicas, que incluem
abertura de mussalas em diversas regiões do estado. Outros planos incluem a
participação em encontros ecumênicos, palestras em escolas, universidades e
associações de moradores. Paralelamente, haverá o incremento de atividades
sociais voltadas à distribuição de roupas e alimentos para pessoas carentes. A
SBMRJ pretende continuar com o curso de Árabe e Introdução ao Islã e criar
espaços para estudo nas cidades mais importantes do estado, como já existe
em Niterói19. Além disso, ter o seu próprio Sheik também faz parte do projeto
futuro da instituição.
A Metodologia
A metodologia é importante no sentido de nortear o trabalho. Para tal
tarefa, utilizei o livro: O Trabalho do Antropólogo, de Roberto Cardoso de
Oliveira, como teórico principal, especificamente o capítulo primeiro: olhar,
ouvir e escrever:
17
Editora de um membro da SBMRJ.
Destaca-se no exemplar de nº 07 uma declaração do Professor Paulo Gabriel Hilu da Rocha
Pinto de como conheceu a SBMRJ e escreveu artigos e passou a enviar alunos de mestrado e
doutorado das instituições nas quais leciona.
19
Jornal Nurul Islam, p. 4, Ano II n° 9, Abril/Junho de 2012.
18
19
Talvez a primeira experiência do pesquisador de campo – ou no
campo – esteja na domesticação teórica de seu olhar. Isso porque, a
partir do momento em que nos sentimos preparados para
investigação empírica, o objeto, sobre o qual dirigimos o nosso olhar,
já foi previamente alterado pelo próprio modo de visualizá-lo. Seja
qual for esse objeto ele não escapa de ser apreendido pelo esquema
conceitual da disciplina formadora de nossa maneira de ver a
realidade (Oliveira, Roberto Cardoso, 1996 p.19).
Percebi esta experiência na primeira visita que fiz a SBMRJ, pois fazia
uma ideia completamente diferente do que seria o espaço da Mesquita da Luz.
Entrei com vários planos em mente e a partir da terceira visita comecei a
refazê-los. Precisei me concentrar, pois meu olhar sempre se desviava dos
objetivos traçados. Quando comecei a doutrinar o meu olhar, saía sempre com
muitas informações oriundas somente da observação.
Roberto Cardoso de Oliveira também nos ensina a ouvir, pois o olhar por
si só não seria suficiente.
Se o olhar possui uma significação específica para um cientista
social, o ouvir também goza dessa propriedade […] tanto o ouvir
como o olhar não podem ser tomados como faculdades totalmente
independentes no exercício da investigação. Ambas complementamse […] O ouvir ganha em qualidade e altera uma relação, qual
estrada de mão única, em uma outra de mão dupla, portanto, uma
verdadeira interação. (Oliveira, Roberto Cardoso, 1996 p.22-24).
Um atento ato de ouvir é primordial na Mesquita da Luz. Foi através
deste sentido que pude perceber que estava em um ambiente familiar. Achei
que não poderia dar continuidade à pesquisa sem conhecer a língua árabe
quando a iniciei. Entretanto, percebi meu engano ao participar de algumas
orações na mesquita e constatar que 90% das cerimônias, comunicações e até
conversas de corredores são em português e, além disso, um “português
carioca”20. O ouvir me deu esperança para continuar o trabalho. Pude caminhar
um pouco mais seguro aliando visão e audição.
20
Um dos pioneiros na identificação do dialeto carioca foi Antenor de Veras Nascentes (Rio de
Janeiro, 19 de junho de 1886 — 6 de setembro de 1972), filólogo, etimólogo, dialectólogo e
lexicógrafo brasileiro de grande importância para o estudo da língua portuguesa no Brasil.
20
Se o olhar e o ouvir podem ser considerados como os atos cognitivos
mais preliminares no trabalho de campo – atividade que os
antropólogos designam pela expressão inglesa fieldwork –, é,
seguramente, no ato de escrever, portanto na configuração final do
produto desse trabalho, que a questão do conhecimento torna-se
tanto ou mais crítica […] o olhar e o ouvir seriam parte da primeira
etapa enquanto o escrever seria parte da segunda […] Se o olhar e o
ouvir constituem a nossa percepção da realidade focalizada na
pesquisa empírica, o escrever passa a ser parte quase indissociável
do nosso pensamento, uma vez que o ato de escrever é simultâneo
ao ato de pensar. Quero chamar a atenção sobre isso, de modo a
tornar mais claro que – pelo menos no meu modo de ver – é no
processo de redação de um texto que nosso pensamento caminha,
encontrando soluções que dificilmente aparecerão antes da
textualização dos dados provenientes da observação sistemática. […]
o ato de escrever e o de pensar são de tal forma solidários entre si
que, juntos, formam praticamente um mesmo ato cognitivo. Isso
significa que, nesse caso, o texto não espera que seu autor tenha
primeiro todas as respostas para, só então, poder ser iniciado.
Entendendo que na elaboração de uma boa narrativa o pesquisador,
de posse de suas observações devidamente organizadas, inicia o
processo de textualização. (Oliveira, Roberto Cardoso, 1996 p. 22-24)
O olhar e o ouvir são descritos por Roberto Cardoso de Oliveira como
atos cognitivos mais preliminares, porém, para que o trabalho fique
“completo”21, torna-se necessário escrever. Olhar, ouvir, “pensar” e escrever,
pois é na escrita que o autor põe sua parcela. O que vi e ouvi, trouxe para o
“meu mundo” para escrever. Precisei doutrinar meu olhar para não perder o
essencial, precisei doutrinar meu ouvir para compreender melhor aquilo que
via, mas na hora de escrever precisei parar, pensar, incluir, retirar, cortar,
acrescentar a fim de completar aquilo que tinha para produzir.
Utilizei também Sérgio Vasconcelos Luna22, que apresenta o papel do
pesquisador como intérprete da realidade pesquisada. Explanando ainda sobre
a figura do pesquisador, ele destaca:
Não se espera, hoje, que ele estabeleça a veracidade das suas
constatações. Espera-se, sim, que ele seja capaz de demonstrar –
segundo critérios públicos e convincentes – que o conhecimento que
ele produz é fidedigno e relevante teórica e/ou socialmente (LUNA, p.
14)
21
Não tenho a pretensão de fazer um trabalho completo, mas falo no sentido de completar
minha tarefa como pesquisador, escrevendo a dissertação.
22
O autor é professor titular do departamento de Métodos e Técnicas da PUC- SP. O livro:
Planejamento de Pesquisa é fruto de sua experiência como professor de Metodologia da
Pesquisa na PUC-SP e, durante 10 anos (1982-1992), na Universidade Estadual de Campinas
(Departamento de Psicologia Educacional).
21
Assim sendo, a pesquisa foi realizada da seguinte forma: para o trabalho
de campo utilizei o método qualitativo, um estudo de caso na SBMRJ. Porém, a
escolha do método qualitativo não implica no abandono da abordagem
quantitativa, visto que a utilizei quando avaliei algumas pesquisas estatísticas.
Apenas é importante deixar claro aqui que considero o método qualitativo mais
adequado aos objetivos do presente trabalho já que o mesmo teve um foco
antropológico.
Fiz visitas à Mesquita da Luz na Tijuca, Zona Norte do Rio de Janeiro,
nas orações de sexta-feira e nos estudos da língua Árabe e Introdução ao
Islamismo. Realizei, também, entrevistas com a liderança, com membros
antigos e recém-revertidos. Li os jornais da entidade e todo tipo de escrito que
informava sobre as atividades da SBMRJ. Consultei o site da instituição, assim
como livros e teses que tratam diretamente do assunto.
O projeto de pesquisa foi encaminhado ao Comitê de Ética em Pesquisa
envolvendo Seres Humanos da Universidade Presbiteriana Mackenzie para
apreciação e a cada entrevistado foi entregue uma carta de consentimento.
Na tentativa de apresentar um trabalho qualitativo, busquei no primeiro
capítulo do livro O trabalho do antropólogo de Roberto Cardoso de Oliveira,
informações para obter uma base metodológica, especialmente para
desenvolver o trabalho de campo.
Segundo o autor, o olhar é domesticado pelas disciplinas acadêmicas e
isso faz com que o mesmo altere o objeto de estudo desde a sua primeira
percepção. O autor também destaca que é importante que o antropólogo tenha
o olhar disciplinado. Acrescenta, ainda, que o olhar não pode ser usado de
forma
independente
no
exercício
da
investigação,
mas
que
seria
complementado pelo ouvir. Os dois – olhar e ouvir – devem estar sempre
juntos e servem como apoio ao pesquisador para que este passe pelo difícil
caminho até a chegada ao conhecimento. Dessa forma, o ouvir também deve
ser disciplinado para superar as dificuldades do caminho, saber separar o que
é ruído, o que não é necessário e que pode atrapalhar a chegada ao
conhecimento, ao que é realmente relevante.
O entrevistador deve saber ouvir. A grande dificuldade das entrevistas
está na diferença de culturas entre o entrevistador e o nativo, chamado pelo
22
autor de “idiomas culturais”. O bom antropólogo tem que saber se afastar de
sua cultura no momento da entrevista para não fazer uma análise de forma
incorreta. Entretanto, diz Roberto, como sempre haverá uma interferência do
pesquisador no resultado da entrevista, é impossível haver uma total
neutralidade. Uma solução para o problema da entrevista seria criar algum tipo
de relação entre o entrevistador e o entrevistado para que se estabeleça um
diálogo. Assim, haverá um encontro etnográfico, podendo haver uma fusão de
horizontes, se ambas as partes se ouvirem. Dessa forma, não haverá receios
de contaminação do discurso do nativo. A partir do momento em que o
antropólogo assumir uma posição de observador participante, se inserir na
sociedade observada de alguma forma aceita pelos nativos, poderá conhecer a
realidade.
O escrever seria a configuração final do produto de todo o trabalho de
campo realizado pelo antropólogo ou estudioso de ciências sociais e seria
também o ponto mais crítico. O ato de escrever fora do campo de pesquisa é o
que gera o verdadeiro conhecimento. O processo de textualização é essencial
para a comunicação de divulgação do conhecimento. No momento de
transcrição de suas análises para o idioma da disciplina, o pesquisador tem
autonomia e acaba interpretando as análises com base nos conceitos que
conhece. Para Roberto Cardoso de Oliveira, o escrever está altamente
associado ao pensamento, e é no escrever que o pesquisador tem seu
momento de reflexão sobre os problemas encontrados na observação e tenta
encontrar soluções para eles. É no ato de escrever que as informações são
organizadas e as ideias surgem e se aperfeiçoam na reescrita.
Sobre a teoria específica para entendimento do Islamismo utilizei a obra
Observando o Islã: o desenvolvimento religioso no Marrocos e na Indonésia do
antropólogo Geertz (2004), que destaca a diferença do Islã no Marrocos e
Indonésia, demonstrando assim a pluralidade em um sistema supostamente
homogêneo. Geertz analisa a evolução de estilos religiosos divergentes nos
dois cenários, produzindo climas espirituais extremamente diversos. Com base
no que diz Geertz, podemos discutir a diferença do Islã em diversas
localidades, comprovando que o meio interage e modifica a religião com o
passar do tempo. Portanto, utilizamos Geertz na intenção de exemplificar que
existem diferentes formas de Islã; ou seja, que o Islã recebe e adquire uma
23
forma diferente dependendo da cultura na qual está inserido. Neste ponto
vemos claramente esta modificação nos diferentes “islãs” do Brasil. Hoje em
dia no Brasil, das cidades que possuem comunidades muçulmanas, o Rio de
Janeiro é o que possui um menor fluxo migratório, o que segundo Pinto (2005,
p. 230), torna o processo de reformulação e criação de identidades
muçulmanas muito mais dependente dos elementos culturais locais ou
nacionais, enquanto que em outras comunidades como a de São Paulo, o
contato constante com o Islã praticado no Oriente Médio faz com que se
aproxime mais de sua origem.
Com respeito à teoria geral sobre o Islamismo utilizei a obra Islamismo,
História e Doutrina de Jomier (1992), da editora Vozes. A partir desta obra
identifico o Islã como um movimento político-religioso. Neste livro, Jomier
ressalta os principais acontecimentos da história deste “movimento” e sua
influência na história política, cultural e religiosa do mundo. O livro trata do
nascimento do Islã, suas leis e dogmas, das relações islamo-cristãs e da
apologética muçulmana.
É importante salientar que Jacques Jomier é um
padre dominicano que passou a maior parte de sua vida no Cairo.
A obra O Islã e a Política de Antes (2003), situa o Islã no panorama
mundial
e
procura
mostrar
a
“multiplicidade”
da
realidade
do
Islã,
compreendendo o fator político desde a “auto-imagem islâmica”. Nessa
perspectiva, de alguma forma, Antes privilegia uma “ciência da religião”,
tentando resgatar elementos fundamentais da fé islâmica. Daí sublinhar a
permanência de certo preconceito reducionista, o que chama de “preconceito
islamófobo” agindo na avaliação dos mulçumanos como “ameaça”. Em que
pese o esforço de indicar onde está, de fato, o perigo ameaçador, como o ódio
racial e suas consequências nacionais e internacionais.
Peter Berger (2001), não descarta a afirmação de que a relação entre
religião e a modernidade é muito complicada. Por isso ele reconhece a
necessidade de análises mais detalhadas sobre o papel da religião nos
assuntos mundiais ao invés de extremas generalizações.
No caso do Islã, por exemplo, Berger expõe também as diferenças no
interior do movimento. Ele diz:
24
“O ressurgimento islâmico não se limita aos setores menos
modernizados ou “atrasados” da sociedade, como os intelectuais
progressistas ainda gostam de pensar. Pelo contrário, é muito forte
em cidades com um alto grau de modernização, e em alguns países é
particularmente visível em pessoas com educação superior de
modelo ocidental. No Egito e na Turquia, por exemplo, muitos filhos
de profissionais secularizados usam o véu e outros parâmetros para o
relato islâmico (Berger, 2001, p. 14)”.
No primeiro capítulo, que tem como título: Uma breve história do Islã e
sua chegada ao Brasil, escrevo sobre o surgimento do profeta Muhammad, as
primeiras revelações, o Alcorão, a hégira, a implantação da religião islâmica e
os primeiros califas. A grande divisão do mundo muçulmano (Os Sunitas e os
Xiitas). Os cinco pilares: Shahâdah (a fórmula de confissão), salat (a oração),
zakat (imposto de esmola), sawn (jejum) e hajj (peregrinação à Meca). Segue a
explanação sobre os seis Pilares da Fé, que são: Fé em Deus Único, Fé nos
Anjos, Fé nos Livros Sagrados, Fé nos Profetas, Fé na Predestinação, Fé na
Ressurreição e no Juízo Final. Apresento em linhas gerais a história do Islã no
Brasil desde a chegada dos escravos islamizados do século XVIII passando
pelo islamismo de imigração, oriundo de povos árabes após a Primeira Guerra
Mundial, dando assim início à construção da primeira mesquita no Estado de
São Paulo.
No
segundo
capítulo
descrevo
a
fundação
da
SBMRJ,
suas
características e principais atividades desde 1951, sua mais significativa
mudança por meio de uma nova diretoria eleita na década de 1990, com
abertura maior, que incluía: sermões em português, curso de árabe e
divulgação fora da mussala; até o início da construção da Mesquita da Luz no
bairro da Tijuca.
No terceiro capítulo, que tem por título: A dinâmica da Mesquita da Luz,
apresento o desenvolvimento das principais atividades, os departamentos, os
objetivos e estratégias para a divulgação do Islã, fortalecimento da SBMRJ e o
desenvolvimento das atividades internas e externas.
Com este trabalho não se pretende esgotar o assunto, mas apenas
fomentar, no âmbito das ciências da religião, o estudo de um movimento que
certamente ainda será objeto de muitos questionamentos.
25
Capítulo 1: Uma breve história do Islã e sua chegada ao Brasil.
O Nascimento do Islã
Não existem informações históricas sobre o profeta Muhammad fora do
islamismo23. Muhammad, o profeta do Islã, nasceu em Meca em 570 (Jomier,
1992, p. 18)24 e pertencia à poderosa tribo dos Coraixitas. Não conheceu o pai
e perdeu a mãe quando tinha 6 anos de idade. Foi criado pelo avô até
completar oito anos, quando este também veio a falecer. Foi educado então
pelo tio Abu Taled e na idade adulta passou a exercer a função de
comerciante. Foi então que conheceu uma viúva chamada Khadija (quinze
anos mais velha que ele) e aos 25 anos de idade casou-se com ela.
Muhammad casou-se por volta de 595 e em 610 recebeu as primeiras
revelações.
Pelo ano de 610, Mohammad fez um retiro de longa duração em uma
gruta do monte Hira, a alguns quilômetros de Meca, em pleno
deserto, quando teve um sonho. Outras tradições falam de uma visão
em estado de vigília. Viu um ser sobre-humano que lhe deu a ordem
de recitar um texto e o chamou de “Enviado de Deus” (rasulAllah).
Esse texto consistia naquilo que se constitui atualmente os cinco
primeiros versículos do capítulo 96 do Corão. Transcrevemo-los a
seguir: Em nome de Deus, Muito Bom e Misericordioso: Recita em
nome de teu Senhor que te criou: que criou o homem de um grumo
de sangue coagulado.
Recita: Teu Senhor é Muito Generoso que ensinou graças ao junco
para escrever, que ensinou ao homem o que este não sabia.
(JOMIER, 1992, p. 19)
Muhammad voltou assustado e procurou Khadija, que logo o conduziu
ao seu primo Waraqa25, que afirmou que a visão de Muhammad era de um anjo
enviado por Deus. O profeta recebeu as primeiras revelações e dois meses
depois começou a pregar (Armistrong, 2001, p. 11). Logo ocorrem as primeiras
conversões. Algumas pessoas do círculo mais chegado a Muhammad
converteram-se rapidamente à nova fé: sua mulher Khadija, seu primo Ali e
Abu Bakr, o futuro primeiro califa (Jomier, 1992, p. 21), depois seu filho adotivo
23
As fontes são o próprio Alcorão e as coleções sobre a vida do profeta, chamadas hadith.
ELIADE, no livro História das crenças e das ideias religiosas, destaca que o nascimento foi
entre 567 e 572.
25
Waraqa bin Naufal, que era um cristão convertido e usado para ler o Evangelho em árabe,
era primo de Khadija (JOMIER, 1992, p. 14)
24
26
Zaid e também o futuro califa Othman. Em 612, Muhammad teve uma visão
que o ordenava tornar públicas todas as revelações.
A partir daí a mensagem de Muhammad lhe trouxe grandes problemas,
pois pregava o monoteísmo e antes do Islã, Meca26 era uma cidade politeísta.
Nela já estava a Caaba (cubo, literalmente), um edifício retangular que
abrigava a pedra negra, que segundo religiosos islâmicos é de origem celeste,
bem como diversas imagens. Neste centro religioso o serviço do santuário
estava confiado aos membros das famílias influentes, e os cargos –
possivelmente bem remunerados – passavam de pai para filho (Eliade, 1978, p.
85). Hoje em dia a Caaba é uma construção semicúbica que possui cerca de
15 metros de altura e 10 a 12 metros de largura. É uma estrutura antiga e
simples, feita de granito. No canto SE, um meteorito negro (a "Pedra Negra") é
incorporado a uma moldura de prata. Escadas no lado norte levam a uma
porta, que permite a entrada para o interior, que é oco e vazio. A Caaba é
coberta com uma kiswah , um pano de seda preto, que é bordado em ouro com
versos do Alcorão. O kiswah é substituído uma vez por ano.
Mesmo sendo Allah um Deus reconhecido pelo povo de Meca como o
criador, a mensagem de que “não há senão um Deus”, não foi bem aceita pelos
moradores e principalmente pelos líderes de Meca, especialmente da própria
tribo de Muhammad, os Coraixitas, que não queriam perder o privilégio que o
paganismo trazia. Em 616 começou a perseguição a Muhammad e em 620 os
árabes de Yathrib (mais tarde chamada Medina) estabeleceram contato com
Muhammad e o convidaram para liderar a comunidade (Armistrong, 2001,
p.11).
Em 622 ocorre a Hégira. O profeta, acompanhado de dezenas de
famílias, segue para Yathrib. Os anos seguintes retratam guerras e acordos até
630, quando ocorre a derrota voluntária dos moradores de Meca. Segundo
Armistrong (2011), Eliade (1978) e Jomier (1992), não ocorreu derramamento
de sangue nem conversão forçada ao Islã:
Muitas fontes erroneamente indicam que a Hégira - a data em que
Maomé e seus seguidores deixaram Meca, e depois de cerca de duas
26
Segundo ELIADE, o nome Meca (Makkah) é mencionado no Corpus Ptolemaico (século II
A.D) como Makoraba, vocábulo derivado do sabeu makuraba, “santuário”. Meca era
primitivamente um centro cerimonial, em torno do qual a cidade se ergueu pouco a pouco.
27
semanas de caminhada chegaram a Yathrib, depois conhecida como
Madinatal-Nabī (Cidade do Profeta), a atual Medina - ocorreu em
1 Muharram, 1 aH. Entretanto, a data da Hégira não é mencionada no
Corão ou em outros antigos textos islâmicos. Antigas tradições, como
as mencionadas no Hadith (reunião de ditos e ações do profeta e
seus seguidores), antigas biografias de Maomé e tabelas
cronológicas/astronômicas islâmicas sugerem que a Hégira ocorreu
na última semana do mês Safar (provavelmente no 24º dia) e que
Maomé e seus seguidores chegaram às cercanias de Yathrib no
oitavo dia do mês Rabī‘ al-Awwal, num dia em que os judeus de
Yathrib estavam observando um dia de jejum, e depois de uns
poucos dias, entraram em Yathrib no 12º dia do mês Rabī‘ al-Awwal.
Convertendo-se essas datas ao antigo calendário Juliano, e tendo em
conta os meses de intercalação (possivelmente três), que foram
inseridos entre a Hégira e a última peregrinação de Maomé (10 aH), a
Hégira provavelmente ocorreu na quinta-feira, 10 de junho do ano
cristão 622, e Maomé chegou às cercanias de Yathrib provavelmente
na quinta-feira 24 de junho de 622 da era cristã, ali entrando
provavelmente na segunda-feira 28 de junho de 622 da era cristã.
Fonte: www.novomilenio.inf.br/porto/mapas/nmcalens.htm, acessado
em 15 de outubro de 2012.
A
conquista
de
Meca
foi
um
marco
importantíssimo
para
o
desenvolvimento e afirmação do Islamismo como a esperança dos Árabes.
Os quatro califas
Sobre a definição e importância dos primeiros quatro califas, escreve
Jomier:
[...] constituem um grupo à parte entre todos os que ocuparam este
cargo. Os turcos otomanos escrevem os nomes deles sobre grandes
estandartes caligrafados em muitas das suas mesquitas. Quanto aos
muçulmanos modernos de tendência reformista, tem-nos em grande
consideração em bloco, e alguns até acrescentam que, depois deles,
o Islã perdeu até hoje a sua pureza original. Segundo esta tendência
reformista, portanto, o ideal seria voltar à fonte, ao Islã do Corão e
dos primeiros companheiros (Jomier, 1992, p. 40)
Estes homens mudaram a história do Islã. Transformaram um
movimento religioso em um quase império.
Ao retratarmos a história do Islã mesmo que de forma breve, não
podemos omitir os quatro primeiros califas, pois além da importância para os
reformistas, o conhecimento desta parte da história nos auxiliará quando
tratarmos dos principais cismas.
28
Muhammad morre em 632 e é eleito o novo califa Abu Bakr, pai de
Aisha, uma das esposas do profeta. Abu Bakr consegue dominar a revolta e
unir todas as tribos da Arábia.
Quando Abu Bakr morreu, em 634 todas as tribos da península
arábica tinham sido trazidas para a órbita política islâmica. Sob a
liderança dos sucessores de Abu Bakr, Omar e Osman, o exército
islâmico partiu para libertar a Síria e a Mesopotâmia (Iraque) dos
odiados Impérios Bizantino e Sassânida. (SONN, 2011, p. 52)
Foi nesta campanha que morreram muitos companheiros que sabiam de
cor passagens inteiras do Alcorão. Foi então que a conselho de Omar, Abu
Bakr mandou que se colocasse por escrito, pela primeira vez, a totalidade do
Alcorão, com a finalidade de preservar-lhe o texto (Jomier, 1992, p. 37).
Após a morte de Abu Bakr, assume como califa Omar Ibnal-Khattab, que
morreu assassinado após um reinado de dez anos. Dentre as conquistas de
Omar, estão: Síria e Jerusalém. O papel de Omar pode ser comparado ao do
apóstolo Paulo no cristianismo (Jomier, 1992, p. 37), haja vista que ele deu
partida ao movimento que tornou o Islã um Império Árabe.
Omar reinou de 634 a 644 e após sua morte assumiu como califa
Othman ibn Affan (644 a 656), que deu continuidade à política de Omar,
aumentando também o espólio de guerra. Riquezas começaram a fluir para as
mãos dos clãs árabes mais favorecidos. As diferenças de renda se tornaram
cada vez mais marcantes e a competição pelo controle do espólio se acirrou
(Demant, 2011, p. 38). Othman foi assassinado, assumindo então Ali ibn Abi
Taled (656 a 661). Ali era genro e primo do profeta, casado com Fátima. Algo
marcante deste reinado foi a disputa com o grupo de Aisha (a esposa do
profeta, filha do primeiro califa); tiveram vários confrontos armados, sendo Ali
vencedor na batalha do monte Carmelo em 656. Mais tarde, seu grupo foi
enfraquecido, possivelmente, pelo acordo que fez com Moawiya, o governador
da Síria que era parente de Othman, o terceiro califa, sendo Ali assassinado
em 661.
29
Os principais Cismas
Moawiya se proclamou o quinto califa, com o apoio da maioria do Islã. O
núcleo do poder islâmico se transferiu de Medina para Damasco, capital da
Síria, iniciando uma nova fase de expansão do Islã. Hassan, o filho mais velho
de Ali, adotou uma posição conciliadora. Com a morte de Moawiya em 680,
Hussein, o filho mais novo de Ali, reclamou direito à sucessão e foi morto por
Yazid, filho de Moawiya.
A questão da sucessão sempre foi conturbada no Islã. Com a ausência
de um herdeiro masculino do profeta, o que seria natural seguindo costumes da
tradição pré-islâmica, a comunidade teve que seguir um caminho e logo se
formaram dois campos de opinião: aqueles que consideravam os membros da
família do Profeta como seus únicos sucessores e aqueles que enfatizavam a
igualdade entre os fiéis, afirmando que qualquer muçulmano poderia suceder o
Profeta, desde que se mostrasse apto (Pinto, 2010, p. 73).
Segundo Pinto (2010 a, p. 73), as principais divisões do Islã foram frutos
de um processo que teve início logo após a morte de Muhammad e que se
consolidou por volta do século IX. Percebe-se, também, que tais divisões têm
pouco a ver com questões de dogma; são principalmente de origem política e
dizem respeito à questão do califado, ou melhor, quais condições eram
exigidas para que alguém fosse um califa.
Os Xiitas
Este ramo despertou a atenção do mundo ocidental, principalmente
devido à chamada “revolução islâmica” ocorrida no Irã em 1978/7927. Como já
descrito, este ramo teve início com os partidários de Ali, tio do profeta.
27
Segundo Demant (p. 230), a revolução iraniana de 1978/1979 é a única revolução islâmica
dos tempos modernos que derrubou um regime secularista e estabeleceu um regime islâmico,
expressado pela vontade política da grande maioria do povo. Essa foi também uma das
maiores revoluções da história, que só se compara à francesa, à russa ou à chinesa.
Importante destacar que Peter Demant escreve antes dos acontecimentos da chamada
30
O termo xiita vem de Shi’a (partidários). Para eles, o Califa deveria ter
sido escolhido automaticamente entre os descendentes diretos de Ali e Fátima,
ou seja, deveria ter sido da família do profeta. Conservam a lista oficial dos que
deveriam ter governado o mundo muçulmano. Segundo Demant, 2011, p. 51, o
xiismo se mostra mais suscetível a fragmentação sectária e mística. Isso
também demonstra Jomier (1992, p. 42) quando descreve sobre os imanes28
que determinado grupo declara serem doze e outro grupo declara que foram
somente sete.
Os que reconhecem doze imanes são mais numerosos. De uma forma
geral, os xiitas se subdividem da seguinte maneira: Xiitas Duocedimanos (que
reconhecem doze imanes) e os Ismaelitas (que reconhecem sete imanes).
Dentre os Ismaelitas, existem os Musta’li e os Nizari. Os xiitas se caracterizam
por uma grande devoção à família do Profeta, Fátima, Ali e os diversos imanes
cujos túmulos são lugares de peregrinação. Além destas informações, destaca
Jomier:
Ficaram profundamente marcados pelas perseguições de que foi
vítima a família de Ali, particularmente o assassinato do filho dele,
Hosayn, em Karbala (no Iraque, na chegada ao vale cultivado da
estrada procedente de Medina) em 680. Particularmente a paixão de
Hosayn, morto por ter se oposto a Yasid, filho de Moawiya que se
tornou califa, revalorizou entre eles uma certa sensibilidade pelo
sofrimento, desconhecido ao Islã sunita; a cada ano a recordação
deste evento é comemorada no dia 10 do primeiro mês do ano
através de procissões nas quais figuram com frequência flagelantes
(JOMIER,1992, p. 44).
Segundo, Jomier (1992, p. 42) os xiitas perfazem 10% do total de
muçulmanos, para Demant (2011, p. 220) este número chega a 15%. Estes
números se referem ao total mundial, sendo que no Brasil este percentual é
bem próximo deste número.
“Primavera Árabe”. A expressão Primavera Árabe faz referência a uma série de protestos que
ainda ocorrem no chamado “mundo árabe”, compreendendo basicamente os países que
compartilham a língua árabe e a religião islâmica, apesar de etnicamente diversos. As causas
já estavam de certo modo presentes e o descontentamento em vários países era já patente,
pela comum falta de emprego e oportunidades para as gerações mais jovens, além da
repressão política e a concentração de poder e riqueza na mão de poucos. Assim, já ocorria
mobilização por parte de vários grupos, mostrando que este não era um fenômeno novo na
região.
28
Autoridade suprema legítima da umma muçulmana (correspondente ao califa). Para os xiitas,
Ali e seus descendentes.
31
Os Sunitas
Este é o maior grupo das divisões do Islã. Para eles o califa deveria ser
escolhido dentre os árabes coraixitas, ou seja, da tribo de Muhammad, assim
escreve Jomier (1992, p. 42). Já segundo Pinto, (2010 a p. 74), eles são os que
evocam a tradição (Sunna), que não incluía regras de sucessão, sendo então
seus líderes escolhidos através de eleições.
Os dois grupos (sunitas e xiitas) também seguem diferentes coleções de
Hadith, as narrativas sobre atos e palavras do Profeta. Isso porque cada lado
confia em narradores diferentes. Sunitas preferem aqueles que eram próximos
de Abu Bakr, enquanto os xiitas confiam nos que pertenciam ao grupo de Ali.
Aisha, por exemplo, é considerada uma fonte importante pelos sunitas e
desprezada pelos xiitas por ter lutado contra Ali. Atualmente no Brasil, assim
como a média mundial, o maior número de muçulmanos é de sunitas.
Além do Sunismo e Xiismo, existem em número bem menos expressivo
os chamados Caregitas, que – segundo Jomier (1992, p. 42) – entendem que o
chefe da comunidade muçulmana deve ser o muçulmano mais digno, sejam
quais forem as suas origens. Já os Alauítas, citados no próximo capítulo, são
compreendidos como uma seita xiita que tem uma crença diversificada e
rejeitada pelos demais muçulmanos.
Assim como na apresentação mundial, o Islã sunita é o mais praticado
no Brasil. A SBMRJ é uma instituição que vive o islamismo sunita.
A Mística Islâmica: Os Sufis
A mística, de uma forma geral, é o que impulsiona a religiosidade
humana. Muhammad teve um encontro místico quando estava em oração,
dando início ao Islã.
Ao movimento místico do Islã chamamos de Sufismo. Segundo
Azevedo:
O Sufismo nasceu historicamente com o Islã e é nesta tradição, e na
civilização engendrada pela revelação corânica, que encontra
ambiente propício para sua sustentação e florescimento. Como diz o
contemporâneo filósofo das religiões Frithjof Schuon, “O Profeta
32
Maomé instituiu duas correntes tradicionais relativamente diferentes,
simultaneamente solidárias e divergentes: uma legal, comum e
obrigatória [o Islã] e a outra ascética, particular e vocacional [o
Sufismo]”. Isto, contudo, não significa que o Sufismo não possa ser
fonte de sabedoria e esclarecimento para aqueles que não seguem a
religião fundada por Maomé ou Mohammed (como preferem os
muçulmanos) no ano 622 depois do advento de Jesus Cristo, mas
apenas que, em termos operativos ou práticos, a participação
concreta no Sufismo é exclusiva aos que foram batizados em nome
do Deus uno do Islã. Colocando as coisas de forma algo simplista,
poder-se-ia dizer que o “sufi” do judaísmo é o cabalista e o “sufi” do
cristianismo é o místico (Azevedo, 2002, p. 8).
O sufismo possui diversos ramos chamados de confrarias, nas quais são
utilizados textos do Alcorão, crendo que existem práticas diversas para se
alcançar a verdadeira espiritualidade.
Um dos elementos sobre os quais se assenta o Sufismo é o sentido
da presença de Deus: não de uma presença tão íntima quanto a de
Deus no Cristianismo, mas a de um Senhor amado cujas exigências
se aliam a uma bondade muito grande para quem lhe obedece […]
Os inícios do Islã terão sido marcados na história do Sufismo
especialmente por dois fatores. Por um lado, a austeridade de vida,
as orações em Meca e as vigílias noturnas, a pobreza da comunidade
nascente em Medina deixaram lembranças que mais tarde os sufis
gostavam de recordar (Jomier, 2002, p. 168-170)
Apesar da identificação da mística islâmica estar presente desde
Muhammad, assim destaca Shah sobre o início de métodos sufis:
Data da última metade do século XI a adaptação dos preceitos dos
sufismo para a constituição de uma escola islâmica organizada; sua
extensão na forma de grupo esotérico foi inaugurada por um ramo da
comunidade ismaelita liderada por Hassan Sabah, que tendo saído
do Cairo por causa da perseguição dos ortodoxos difundiu uma forma
modificada da doutrina ismaelita por toda a Síria e Pérsia.
Toda prática religiosa evolui, pois a mente humana busca explicação
para os diversos sentimentos que aparecem no contato com o sobrenatural.
33
O Alcorão29
O Alcorão é resultado textual da recitação da palavra divina por
Muhammad entre 610 e 632 a.d. (Pinto, 2010a, p. 45) Foi recitado oralmente
antes de ser escrito. Os textos proclamados por Muhammad são considerados
pelos muçulmanos como mensagens vindas de Deus por intermédio do anjo
Gabriel. O Alcorão é composto de 114 suras (capítulos), cada uma dividida em
ayas (versos). Possui 6.432 versículos e 77.930 palavras. A maior parte do
Alcorão é escrita na primeira pessoa do singular ou do plural (Challita, 197? p.
27)30, e contém algumas histórias da Bíblia que citam várias personagens
como: Adão, Eva, Noé, Abraão, Ló, Ismael, Isaque, Jacó, Moisés, Elias, Eliseu,
Jonas, João Batista, Maria e Jesus. Observa também Jomier:
A figura de Moisés é destacada desde as páginas mais antigas do
Corão, no seu duplo aspecto de depositário da revelação e de líder
de seu povo. Sob certos aspectos Muhammad apresenta-se então
como um novo Moisés, o Moisés dos árabes. Nessa época o Corão
não sublinha nenhuma oposição entre a nova religião e a dos
contemporâneos que seguiam a Moisés ou a Jesus. Pelo contrário,
em determinado momento cita estes últimos para confirmar a sua
própria autoridade: “Se tiveres dúvida acerca daquilo que Nós te
revelamos, pergunta aos que recitam a Escritura (sagrada) antes de
ti” Corão 10,94 (Jomier, 1992, p. 22).
O Alcorão é a base de fé do Islamismo e oferece normas e valores
religiosos, morais e legais. De uma forma geral, os muçulmanos não aceitam o
Alcorão traduzido como a Palavra de Alah, e sim como um comentário ao texto
árabe.
Ao citar a crença nos livros, que é um dos pilares da fé islâmica, Isbelle
faz a seguinte declaração:
As mensagens divinas, reveladas por Allah aos seus mensageiros,
estão contidas em livros. À medida que estas mensagens iam sendo
29
Preferi utilizar o termo Alcorão, por verificar que as principais fontes de minha pesquisa
assim o utilizam. Importante destacar que Luiz João Baraúna, tradutor do livro: Islamismo
História e doutrina, de Jacques Jomier, prefere utilizar Corão. Etimologicamente os adeptos do
termo Corão estão certos; porém, a maioria das palavras árabes ao passarem para o
português, o artigo já vem incorporado, como nos seguintes exemplos: alfândega, açúcar,
álgebra, algodão, alquimia, dentre outras. Importante destacar que existem edições do Alcorão
que são chamadas: O significado do Glorioso Corão.
30
O comentário de Mansour Challita na tradução que fez do Alcorão pela editora ACIGI,
distribuído pela Record Distribuidora, não tem data de impressão.
34
esquecidas ou deturpadas, Allah enviava novas mensagens. Dentre
estas encontramos o Torá de Moisés, os Salmos de Davi e o
Evangelho de Jesus. O último desses livros é o Alcorão. (Isbelle,
2011, p. 8).
Para o muçulmano, o Alcorão é a Revelação que deve ser seguida por
ser a última das revelações.
Apesar de considerar o Alcorão como única e indispensável palavra
divina, o Islã aceita também outros livros revelados como a Torá (formada
pelos cinco primeiros livros da Bíblia), os Salmos e os Evangelhos. Entretanto,
à medida em que a comunidade muçulmana cresceu e evoluiu, surgiu a
necessidade de se referir não só ao Alcorão, mas “às palavras e atitudes do
profeta”. As palavras, hadithe; suas atitudes, a sunna.
Para o muçulmano ainda se torna imprescindível a prática do que
chamamos de cinco pilares do Islã.
Os 5 pilares do Islã
O Islã possui cinco pilares. São obrigações que o muçulmano deve
cumprir no decorrer de sua estada na terra, para que assim possa ter êxito na
outra vida (Isbelle, 2011, p. 14)31. São práticas básicas; estruturavam a vida
islâmica em Medina, no início, e continuam a fazer sentido até hoje. Segundo
Sonn (2011, p. 49), em torno dessas práticas e valores essenciais a primeira
comunidade muçulmana foi criada e prosperou.
O Testemunho (Shahaadah)
“Não existe outra divindade exceto Deus e Muhammad é o Seu
mensageiro”. A Shahada é uma profissão de fé. Na cerimônia para recepção
de novos seguidores, o indivíduo deve recitar a frase em Árabe 32, sendo aceito
como membro pela comunidade após a declaração.
31
Livro: Descobrindo o Islam. O autor é membro da liderança da SBMRJ e filho de imigrantes
árabes.
32
La ilahila Allahwa Muhammad rasul Allah, pude presenciar tal cerimônia no dia 20 de Julho de
2012 na Mesquita da Luz no Rio de Janeiro.
35
Segundo Seda (2004, p. 25), os conceitos contidos no testemunho de fé
podem ser explicados pela análise de cada uma das três partes que a
constituem:
A primeira parte é “outra divindade”[...], é uma negação do
33
politeísmo. É uma negação da existência de qualquer entidade que
partilhe de algum dos atributos de Deus. A segunda parte “[...] exceto
Deus” é uma afirmação do monoteísmo. É o único a quem deve ser
prestado culto. “Muhammad é o mensageiro de Deus” constitui a
terceira parte da declaração de fé. Trata-se de uma afirmação da
profecia de Muhammad, como o último dos profetas e mensageiros
de Deus. Isso exige a aceitação incondicional do Alcorão e do que
verdadeiramente foi dito por Muhammad, assim como as suas
tradições. (Seda, 2004, p. 25-26)
As orações diárias (Aslat)
Os muçulmanos oram cinco vezes ao dia: na madrugada (fajr), ao meiodia (zuhud), no meio da tarde (‘asr), ao pôr do sol (maghrig) e à noite (‘isha).
Como as orações são marcadas pela posição do sol ou da lua no céu, elas não
possuem hora fixa, variando de acordo com a época do ano (Pinto, 2010a, p.
56). Para a organização do trabalho no Brasil, entidades como a UNI34, sediada
em São Paulo, elaboram calendários com os horários nas cidades onde se
encontram as instituições associadas.
Segundo Jomier (1992, p. 97), todo muçulmano a partir da puberdade e
sob algumas condições especiais (especialmente de pureza legal) é obrigado a
efetuar individualmente cinco orações cotidianas. Torna-se importante destacar
que embora não seja obrigatória a ida a uma mesquita, tal fato é recomendado
(Pinto, 2010a, p. 56) especialmente na oração de meio-dia da sexta-feira, que
vem acompanhada de um sermão. Outro aspecto muito importante para o
muçulmano é que as orações devem ser feitas com o orante voltado para
Meca, como destaca Seda:
É exigido ao muçulmano que realize cinco orações diárias
obrigatórias. Um muçulmano dirige-se a Makkah (Meca), enquanto
realiza essas orações, direcionando-se à primeira Casa construída
para adorar ao Deus Único. [...]Um muçulmano pode,
voluntariamente, orar mais vezes. As orações, no sentido geral de
súplicas, podem, praticamente, ser oferecidas em qualquer momento
e lugar. (Seda, 2004, p. 27)
33
Uma expressão muito utilizada pelos muçulmanos é que Allah não possui sócios. Para eles
ma doutrina da Trindade é inaceitável.
34
União Nacional das Entidades Islâmicas.
36
De uma forma geral, as orações consistem em recitações de versículos
do Alcorão assumindo algumas posturas, incluindo ficar de joelhos, de forma
que a testa toque o solo; também, em muitos casos, são utilizados tapetes. A
oração é feita em estado de pureza (Jomier, 1992, p. 98), daí as chamadas
abluções35, com finalidade de purificação.
As esmolas (zakat)
Jomier (1992, p. 109) chama as esmolas de imposto social, enquanto
Sonn (2011, p. 48), as classifica como dádiva; Pinto, (2010 a, p. 109) chama de
esmola ou caridade; Isbelle (2011, p. 27) denomina pagamento de esmolas
anuais.
O texto do Alcorão destaca em 2:43, 273-277, que todo muçulmano
deve ajudar os pobres, os órfãos e as viúvas. Assim destaca Seda sobre o
zakat:
É dever de todo religioso muçulmano, suficientemente próspero para
acumular a reter lucros, dar parte dos seus ganhos anuais aos mais
necessitados. [...] zakat em árabe significa “purificação” [...] o
pagamento dessas esmolas é uma forma que as pessoas,
financeiramente estáveis, tem de purificarem os lucros honestos que
Deus lhes concedeu. [...] valor médio dessas esmolas é de dois e
meio por cento das poupanças acumuladas durante um ano. Essas
caridades são deduzidas das poupanças, não dos rendimentos e
salários. (Seda, 2004, p. 28)
Destaca Jomier (1992, p. 109) que no início do Islã, as tribos que se
“haviam submetido mas que em seguida se recusaram a continuar a pagar o
Zakat foram atacadas militarmente e forçadas a se submeterem.” O beneficiário
35
Lavagem ritual. Ato de lavar-se com água antes de uma prece, simbolizando a purificação.
Antes da ablução devemos ter consciência da oração e da intenção da mesma. Comece
lavando as mãos, repita este processo por três vezes. Lave a boca com água, repita isto por
três vezes. Limpe as fossas nasais, utilizando-se da água. Lave a face por três vezes. Lave o
ante braço direito e esquerdo, repita isto três vezes; Limpe a cabeça; passa-se a mão direita
em cima da cabeça até onde termina o cabelo, de trás para a frente, uma única vez. Limpe o
ouvido com os dedos e atrás das orelhas, faça isto uma vez. Lava-se a nuca, uma vez. Lava-se
os pés três vezes.
Existem outros tipos de rituais de lavagem (consulta ao site
http://www.mundoislamico.com/orando.htm no dia 4 de janeiro de 2013).
37
do zakat deve ser um muçulmano; desta forma, tal prática incentiva a unidade
dentro da comunidade.
O jejum durante o Ramadan (Sawm)
Todo muçulmano que atinge a puberdade deve jejuar durante o mês
Ramadan. O nono mês do calendário lunar muçulmano é especial, pois se
acredita que neste período Muhammad recebeu a primeira revelação do
Alcorão:
Foi no mês de Ramadã que o Alcorão foi revelado, um guia para os
homens, com provas manifestas para a orientação e o discernimento.
Quem, pois, estiver presente durante este mês, que jejue; e quem
estiver doente e viajando, que jejue durante outros dias em
substituição. Deus deseja facilitar, e não dificultar. E ele quer que
jejueis durante todo o mês e proclameis Sua grandeza pela
orientação que d’Ele recebestes. E possais ser agradecidos! (Alcorão
2:185 - tradução de Mansour Challita)
Destaca Pinto (2010 a, p. 61) que além da revelação no mês de
Ramadan ocorreram outros episódios importantes para os muçulmanos. O
nascimento de Hussein, neto de Muhammad e terceiro iman (líder) para os
xiitas; a morte de Ali, quarto califa e o primeiro iman; a morte de Khadija,
esposa de Muhammad; e a batalha de Badr, onde ocorreu a primeira vitória do
profeta sobre as forças de Meca.
O jejum é obrigatório para todo muçulmano que tenha atingido a
puberdade e que goze de perfeita saúde física e mental. Mulheres gestantes,
lactantes, menstruadas ou em resguardo e os enfermos ou em viagem estão
isentos do jejum, devendo repor os dias não jejuados após o término do
período que os impossibilitou. Esta reposição será feita após o mês sagrado,
podendo ser em dias alternados ou seguidamente, mas terá como prazo o
último dia antes do início do próximo mês de Ramadan.
Para o idoso ou portador de uma doença incurável, o jejum deixa de ser
uma obrigação, devendo fornecer uma refeição a um necessitado (ou o valor
equivalente) por cada dia não jejuado, caso tenha condições. O jejum tem
início ao amanhecer e termina ao pôr do sol da hora local. As mesquitas
determinam o horário da alvorada e do poente referente a cada cidade com a
finalidade de que o ritual seja cumprido de forma correta. Em algumas
mesquitas, como na Mesquita da Luz, no Rio de Janeiro, a quebra do Jejum é
38
feita em conjunto para aqueles que têm acesso à mesquita todos os dias do
mês.
A peregrinação à Meca (Hajj)
O muçulmano que disponha de recursos para sua viagem e para manter
sua família e tenha boa saúde, deve fazer a peregrinação à Meca pelo menos
uma vez na vida. Segundo Jomier (1992, p. 118), isto é válido para as
mulheres, desde que possam ser acompanhadas. A peregrinação obrigatória
ocorre no mês islâmico de Dhual-Hijja, último mês do ano, e reúne, nos dias
atuais, mais de 2 milhões de fiéis. Sua origem, segundo Hitti (1973, p. 72),
remonta a um período pré-islâmico, em um equinócio de outono, para fugir do
rigoroso sol na região da Arábia. Associando as questões religiosas e
comerciais, ainda sobre a peregrinação, destaca Hitti:
Sem dúvida, em sua juventude Muhammad participou de tais
cerimônias, mas não após a sua revelação. Nas Suratas não há
qualquer vestígio da hajj. Após o início do segundo ano da Hégira, o
Profeta se empenhou para fazer da Caaba o ponto focal de
peregrinação e o centro do seu sistema. Abraão, o pai do
monoteísmo, aparece nomeado como fundador da Caaba (2:119,
36
3:91, 22:27-30). (Hitti, 1973, p. 72)
Na peregrinação obrigatória, antes entrar no território sagrado, o
muçulmano despoja-se de seu traje comum e veste o ihram (um pano branco
enrolado no corpo como túnica para homens e uma túnica de outra cor que
cobre o cabelo e o corpo, mas deixa o rosto descoberto, para as mulheres).
Os principais rituais de peregrinação praticados em Meca são: circundar
a Caaba sete vezes no sentido anti-horário; percorrer as distâncias entre os
montes de Al Safa e Al Maruá por sete vezes, relembrando o ato de Agar, ao
procurar água para o seu filho Ismael37; arremessar sete pedras pequenas em
36
Sin duda Mahoma participó em su juventud em tales ceremonias, pero no después de su
revelación. Em las azoras me quíes no hay ninguna huella del hajj. Después del principio del
segundo año de la Hégira el profeta empezó a llevar La Kaaba, foco de la peregrinación, al
cientro de su sistema. Abraham, padre del monoteísmo, aparece nombrado como fundador de
La Kaaba (2:119; 3:91; 22:27-30). (Hitti, 1973, p. 72)
37
História registrada na Bíblia no livro de Gênesis 21:8-21
39
três pontos distintos, na cidade de Mina, simbolizando o ato realizado pelo
profeta Abraão quando foi sacrificar o seu filho Ismael38 seguindo a
determinação de Deus. Nestes três pontos Abraão reagiu à aparição de
Satanás atirando pedras. Depois todos vão para um grande acampamento aos
pés do monte Arafat.
Para que se tenha uma ideia da importância desta cerimônia para um
muçulmano registram-se as palavras de um peregrino da Mesquita da Luz na
Hajj em 2011:
Primeiramente chegamos à cidade de Medina e tivemos a graça de
ficarmos hospedados em um hotel a duas quadras da Mesquita do
Profeta... por isso aproveitávamos todas as oportunidades possíveis
para fazermos o máximo de orações que podíamos lá... uma vez que
uma oração feita nela equivale a mil feitas em qualquer outra...
seguimos rumo a Meca e lá fomos para um hotel mais simples...
pouco a pouco o conforto ia diminuindo. Após deixarmos as malas,
seguimos imediatamente para as circunvagações em torno da
Kaaba... me sentia como uma criança de 3 anos prestes a ganhar um
grande presente muito esperado... pensei que fosse “desabar” em
lágrimas... a emoção era tão grande que muitas vezes as palavras
saiam desconexas (Jornal NurulIslam - Setembro a Dezembro de
2011 Ano II - nº 7, p. 5).
A experiência acima descrita foi narrada por Omar Israfil. Ele e sua
esposa Fatimah Bint Maryam e Idriss Deme foram para o Hajj, e ao retornarem
foram recebidos com um almoço especial na Sociedade, de forma que
contaram emocionados o que viram na viagem.
Os Seis Pilares Da Fé
1º - Fé em Deus Único (a unicidade de Deus)
A crença no Deus único é o sustentáculo da fé islâmica. Ela se divide
em três partes: a primeira é o tauhid ar-rububia (unicidade do Criador) que
significa acreditar que Deus criou, mantém e é o Senhor de tudo e de todos; a
segunda é o tauhid al-Uluhia (unicidade da divindade), que expressa que Deus
é o Único a quem devemos adorar e a quem devemos dirigir nossas súplicas,
sem que haja intermediários; a terceira é o tauhid al-Asmá ua Sifát (unicidade
dos nomes e atributos de Deus), que quer dizer que a Deus pertencem todos
38
História contada na Bíblia no livro de Gênesis capítulo 22, sendo com o filho Isaque (o
Alcorão não registra o nome do filho).
40
os nomes e atributos da perfeição, por isso todos os homens devem se
submeter totalmente a Ele. Sendo Deus o único que merece louvor e adoração,
Ele também é o único a quem o muçulmano deve temer.
2º - Fé nos Anjos
Sendo Deus invisível à percepção física, era necessário haver algum
meio de contato entre o homem e ele; do contrário, não seria possível seguir a
vontade divina. O muçulmano crê nos anjos de Deus, que são seres
numerosos, esplêndidos e puramente espirituais, cuja natureza não necessita
de alimento, bebida ou sono, passando dia e noite ao serviço de Deus. Cada
um deles tem o seu cargo e certo dever. A crença nos anjos deriva do principio
islâmico que diz que o conhecimento e a verdade não se limitam apenas ao
conhecimento sensorial ou à percepção sensorial.
De acordo com o Alcorão, o mensageiro celestial que trouxe as
revelações para o Profeta Muhammad chama-se Gabriel (Jibril). O Profeta
Muhammad proibiu a adoração aos anjos ou a elevação dos mesmos à
condição divina aos muçulmanos. Simultaneamente, ensinou que os anjos são
criaturas de Deus.
3º - Fé nos Livros Sagrados
Os muçulmanos declaram que Deus revelou os Livros aos seus Profetas
antes de Muhammad, e tais escritos foram enviados à Terra do mesmo modo
que ele enviou o Alcorão, deste modo, acredita-se que os mesmos são
verdadeiros. Os seguintes livros compõem este rol: Livros de Abraão, a Torá de
Moisés, os Salmos de Davi e o Evangelho de Jesus. Dos Livros citados,
desapareceram os Livros de Abraão e não há vestígios deles na literatura
mundial existente. Já os Salmos de Davi, a Torá e o Evangelho também fazem
parte das tradições religiosas de judeus e cristãos.
De acordo com a crença islâmica, o Alcorão é o último dos Livros
enviados por Deus à humanidade e existem algumas diferenças pertinentes
entre o Alcorão e os Livros anteriores.
41
4º - Fé nos Profetas e Mensageiros de Deus
O muçulmano acredita que alguns homens foram escolhidos como
profetas de Deus e por Ele foram enviados em várias épocas da história. Em
alguns momentos, Deus enviou concomitantemente dois Mensageiros ou mais.
O Alcorão menciona 25 nomes de tais Mensageiros: Adão, Enoc, Noé, Heber,
Saleh, Abraão, Ismael, Lot, Isaac, Jacó, José, Jó, Jetro, Aarão, Moisés, Josué,
Elias, Eliseu, Davi, Salomão, Jonas, Zacarias, João o Batista, Jesus e o último
dos Mensageiros enviado por Deus à humanidade, o Profeta Muhammad.
Todos eram conhecidos como mensageiros nacionais ou locais à exceção de
Muhammad, que foi um enviado universal. Os Mensageiros encarregados de
guiar a humanidade pelo bom caminho de Deus, sem nenhuma exceção, eram
dotados para receber as revelações divinas e escolhidos por Deus para
levarem a cabo certas tarefas.
Seguem-se textos corânicos que confirmam a crença nos profetas:
Cremos em Deus, no que nos tem sido revelado, no que foi revelado
a Abraão, a Ismael, a Isaac, a Jacó e às tribos; no que foi concedido
a Moisés e a Jesus e no que foi dado aos profetas por seu Senhor;
não fazemos distinção alguma entre eles, e nos submetemos a Ele.
(Alcorão 2:136)
Agraciamo-lo com Isaac e Jacó, que iluminamos, como havíamos
iluminado anteriormente Noé e sua descendência, Davi e Salomão,
Jó e José, Moisés e Aarão. Assim, recompensamos os benfeitores. E
Zacarias, João, Jesus e Elias, pois todos eles se contavam entre os
virtuosos. E Ismael, Eliseu, Jonas e Lot, cada um dos quais
preferimos sobre os seus contemporâneos. E a alguns de seus pais,
progenitores e irmãos, elegemo-los e os encaminhamos pela senda
reta (Alcorão 6:84-87).
Ó fiéis, crede em Deus, em Seu Mensageiro, no Livro que Ele lhe
revelou e no Livro que havia sido revelado anteriormente. Em
verdade, quem renegar Deus, Seus Anjos, Seus Livros, Seus
Mensageiros e o Dia do Juízo Final, desviar-se-á profundamente.
(Alcorão 4:136)
É importante ressaltar que os profetas descritos no Alcorão, com
exceção de Muhammad, são citados pela Bíblia. Os muçulmanos acreditam
42
que Jesus fala da vinda de Muhammad quando fala da missão do Consolador,
no capítulo 16 do Evangelho de João.
5º - Fé na Predestinação
Para o muçulmano, Deus é Soberano em sua criação, age de acordo
com sua própria vontade e determinou leis infalíveis que regem a existência.
“Deus sabe o que concebe cada fêmea, bem como o que absorvem
suas entranhas e o que nelas aumenta, porque tudo emana d`Ele
mesuradamente” (Alcorão 13:8).
Assim, Deus não tem dever em relação a ninguém e não age para
privilegiar quem quer que seja:
“Dize: Ó Deus Soberano do Poder! Tu que concedes a soberania a
quem Te apraz e retiras de quem desejas; concedes o poder a quem
queres e humilhas a quem quiseres. Em Tuas mãos está todo o bem.
Tu és Onipotente.” (Alcorão 3:26)
Todas as coisas estão em Suas mãos e Ele distribui suas graças da
forma que Ele quiser, a quem ele quiser, sem restrição ou supervisão de
alguém, pois tudo Lhe pertence e ninguém compartilha nada com ele.
“Teu Senhor cria e escolhe da maneira que Lhe apraz, ao passo que
eles não têm faculdade de escolha. Glorificado seja Deus de quanto Lhe
atribuem!” (Alcorão 28:68)
“E se Deus te infligir algum mal, ninguém, além d`Ele poderá removêlo; e se Ele te agraciar com algo, ninguém poderá repelir Sua graça a
qual concede a quem Lhe apraz dentre Seus servos, Ele é o
Indulgente, o Misericordiosíssimo.” (Alcorão 10:107)
Conceito de Predestinação:
O conceito de predestinação é mencionado muitas vezes no Alcorão e
em todos os contextos, designa a lei imutável que rege os fenômenos do
43
Universo. Tudo sempre ocorre de acordo com as leis preestabelecidas por
Deus.
“E não existe coisa alguma cujas origens não estejam em Nosso poder,
e não o enviamos, senão proporcionalmente.” (Alcorão 15:49)
Um sinal para eles é a terra árida; revivemo-la e produzimos nela o
grão com que se alimentam. Nela produzimos pomares de tamareiras
e videiras, em que brotam mananciais, para que se alimentem de
seus frutos, coisa que suas mãos não poderiam fazer. Não
agradeceram? Glorificado seja Quem criou pares de todas as
espécies, tanto naquilo que a terra produz, e deles mesmos (os seres
humanos), e ainda mais de coisas que eles ignoram. E também é
sinal para eles a noite, da qual retiramos o dia, e ei-los mergulhados
nas trevas! E o sol, que segue o seu curso até um período
predeterminado. Tal é o decreto do Onisciente, Poderosíssimo. E a
lua, cujo curso, assinalamos em fases até que se apresente como um
ramo seco de tamareira. Não é dado ao sol alcançar a lua, nem a
noite ultrapassar o dia; cada qual gira em sua órbita (Alcorão 36:3340).
O conceito de predestinação não leva em si a conotação de que o
homem não é responsável por seus atos; muitas pessoas podem
pensar que o conceito de predestinação leva em si a conotação de
que Deus obrigou suas criaturas a se submeter as Suas decisões e
não lhes deu margem de escolha. E a verdade nada tem a ver com
isso, o que o conceito de predestinação nos diz é que Deus conhece
antecipadamente a obra de seu servo, e que a mesma ocorre de
acordo com Suas leis (www.religiaodedeus.net)
Não assolará desgraça alguma, quer seja na terra, quer seja a vossas
pessoas, que não esteja registrada no Livro, antes mesmo que a
evidenciemos.
Sabei
que
isso
é
fácil
a
Deus,
para que vos não desespereis, pelos (prazeres) que vos foram
omitidos, nem nos exulteis por aquilo com que vos agraciou, porque
Deus não aprecia arrogante e jactancioso algum (Alcorão 57:22-23).
6º - Fé na Ressurreição e no Juízo Final
A crença islâmica na ressurreição guarda grande semelhança com a
crença cristã. Se Deus criou o ser humano do barro, também pode fazê-lo
voltar daquilo que sobrar de seu corpo.
44
Pensa, acaso, o homem, que será deixado ao léu? Não foi a sua
origem uma gota de esperma ejaculada, que logo se converteu em
algo que se agarra, do qual Deus criou, aperfeiçoando-lhe as formas,
do qual fez dois sexos, o masculino e o feminino? Porventura, Ele
não será capaz de ressuscitar os mortos? (Alcorão 75: 36-40).
Segundo o Alcorão, o ser humano foi criado da terra. Sendo assim, o
muçulmano crê que aquele que o criou pode ressuscitá-lo, mesmo que o corpo
se deteriore e se torne terra novamente. Diz ainda o Alcorão:
“E nos propõe comparações e esquecem a sua própria criação,
dizendo: Quem poderá recompor os ossos quando já estiverem
decompostos? Dize: Recompô-los-á Quem os criou a primeira vez,
porque é Conhecedor de todas as criações.” (Alcorão 36:78 -79)
O argumento do Islã é simples e baseado no Alcorão: 1 - se o homem foi
criado a primeira vez da terra, da terra ele pode ser ressuscitado por Deus; 2 se o homem foi criado e quem o criou foi Deus, Ele é o único que pode
ressuscitá-lo; 3 - os sinais da onipotência de Deus vemos na terra plana, nas
montanhas, na alternação do dia e da noite, na água que desce do céu, na
germinação das plantas. Tudo isso são sinais patentes de que Deus pode
ressuscitar os mortos. Diz o Alcorão:
Acaso, não fizemos da terra um leito, e das montanhas estacas? E
não vos criamos, acaso, em casais, nem fizemos vosso sono para
descanso, nem fizemos a noite como um manto, nem fizemos o dia
para ganhardes o sustento? E não construímos por cima de vós os
sete firmamentos, nem colocamos um esplendoroso lustre, nem
enviamos das nuvens copiosa chuva, para produzir, por meio dela, o
grão e as plantas, e frondosos vergéis? Sabei que o Dia da
Discriminação está com prazo determinado. Será o dia em que a
trombeta soará e comparecereis em grupos (Alcorão 78:6-18).
O muçulmano crê no Juízo Final, no qual todos serão julgados por seus
atos diante de Deus. Segundo essa crença, todos os atos dos seres humanos
são registrados por Deus, que há de revelá-los no dia do Juízo. “Este é o
Nosso registro o qual depõe contra vós, porque anotávamos tudo quanto
fazíeis.” (Alcorão 45:29). Creem que tudo que realizam de bem ou mal, é
registrado e conservado num livro destinado a cada homem. Nada é omitido.
Disse Deus, o Altíssimo, no Alcorão: “Qual! Sabei que o registro dos ignóbeis
45
estará preservado em Sijin. E o que te fará entender o que é Sijin? É um
registro manuscrito” (Alcorão 83:7-9)
O Livro-registro será exposto. Verás os pecadores atemorizados por
seu conteúdo, e dirão: Ai de nós! Que significa este livro? Não omite
nem pequena, nem grande falta, senão que enumera. E encontrarão
registrado tudo quanto haviam feito. Teu Senhor não defraudará a
ninguém (Alcorão 18:49).
“Nesse dia sereis apresentados ante Ele, e nenhum de vossos
segredos Lhe será ocultado.” (Alcorão 69:18)
Assim como creem na ressurreição, creem no juízo final. Todos serão
ressuscitados e julgados de acordo esta crença.
O ser humano responde no além, diante de Deus individual e
pessoalmente por seus atos, não pelos de outrem, responde pelo que
fez sozinho ou pelo que fez participando com outros. Neste universo
perfeito e harmonioso, que indica ser seu criador poderosíssimo,
sapientíssimo e justo, indubitável é que haverá outro ciclo (volta)
onde acontecerá o equilíbrio, a harmonia e a perfeição. O agressor e
o injusto pagarão pelo que não pagaram na vida terrena. O
desafortunado será ressarcido de coisas que não foram de sua culpa
ou erro. Na vida do Além, Deus instalará a BALANÇA do direito e o
critério da equidade total. A alma é uma realidade cabal e
incontestável. É superior ao corpo e o transcende. Não a atinge o
fenômeno da extinção. A alma é imortal e tem um dia e um tempo
posterior onde se encontrará com seu criador. Deus na verdade não
castiga. Deus apenas aplica a justiça! E se Deus, no Juízo Final,
igualar entre o inocente e seu agressor, entre a vítima e o criminoso...
Se Deus fizer isso, não seria misericordioso, não seria justo!
(ensinoreligiosoesociedade.blogspot.com.br/2011/08/islamismoressurreicao-e-o-juizo-final.html).
Nesta citação encontramos pontos importantes que refletem detalhes da
crença na ressurreição e no Juízo Final. Primeiramente chama a atenção a
frase que diz: “pagarão pelo que não pagaram na vida terrena”. Portanto, a
máxima não seria: “aqui se faz, aqui se paga”, mas “se não pagar aqui, pagará
no dia do Juízo”. Não há como escapar deste dia, pois a alma retorna àquele
que a criou para que a justiça seja aplicada.
Dadas as devidas proporções e diferenças entre os livros sagrados
(Bíblia e Alcorão), notam-se grandes semelhanças entre a fé cristã e os seis
pilares da fé islâmica em grande parte de seu conteúdo.
46
A chegada do Islã ao Brasil
Com a finalidade de organizar as informações, resolvi seguir a
nomenclatura exposta por Ribeiro em seu artigo “Negros Islâmicos no Brasil
Escravocrata” que classifica da seguinte forma as fases de implantação do
Islamismo no Brasil:
Islamismo de escravidão, oriundo do tráfico negreiro de escravos
islamizados desde o século XVIII, instalou-se primeiro na Bahia,
progressivamente se espalhando por outras regiões do país;
islamismo de imigração, oriundo da imigração de povos árabes no
período pós-Primeira Guerra Mundial, iniciando uma comunidade
islâmica reconhecida no país; e islamismo de conversão, fenômeno
do final do século XX que se inicia com a crescente conversão de
brasileiros ao islamismo (Ribeiro, 2011, p. 140).
Neste capítulo abordaremos a primeira fase e parte da segunda fase,
deixando para os capítulos seguintes a segunda parte da segunda fase e a
terceira fase quando iremos tratar diretamente das atividades da SBMRJ.
O Islamismo de Escravidão
Para falarmos da chegada do Islã ao Brasil precisamos começar pela
África, pois este foi o caminho mais provável dos primeiros muçulmanos que
alcançaram o Brasil. Segundo Jomier (1992, p. 45), grande parte do norte da
África foi submetido ao Islã entre os anos 670 e 700. O islamismo fez sua
entrada no continente a partir da África do Norte, do Egito ao Marrocos, sendo
uma das primeiras regiões a ser conquistadas pela expansão inicial árabeislâmica (séculos VII e VIII). Dos séculos X a XVI, mercadores muçulmanos
contribuíram para o surgimento de importantes reinos na África Ocidental, que
floresceram graças ao comércio feito por caravanas que, atravessando o
Saara, punham em contato o mundo mediterrâneo e o das estepes e savanas
do Sudão Ocidental e África centro-ocidental. A conversão de certos monarcas
africanos fez não só o Islã avançar como criou uma florescente cultura. Assim,
a cidade de Tumbuktu (no atual Máli) era, no século XIV, um núcleo urbano
47
conhecido pelo alto nível de suas escolas islâmicas, que atraíam muçulmanos
de várias partes do mundo.
Segundo Ramos (1951, p. 316), com exceção dos sudaneses e bantus,
todas as demais populações africanas receberam em maior ou menor grau a
contribuição da cultura islâmica.
Lima39 (2009, p. 287 apud Carneiro, 1981, p. 29), destaca que os negros
bantus, originários do sul da África (Angola, Congo, Moçambique) foram
localizados pelo tráfico no Maranhão, em Pernambuco e no Rio de Janeiro, de
onde, em migrações menores, se estenderam de Alagoas ao litoral do Pará,
até Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo. Os negros sudaneses, vindos da
zona do Níger, na África Ocidental, foram introduzidos na Bahia, de onde se
espalharam pelo Recôncavo e foram utilizados na lavoura. Os sudaneses eram
os nagôs (iorubás), os jejes (ewes), os minas (tshia e gás), os haussás, os
galinhas (grúncus), os tapas, os bornus, etc. Ainda na Bahia, entraram negros
fulas e negros mandês (mandingas), carregados de forte influência muçulmana.
Podemos documentar a presença de muçulmanos no Brasil com a
chegada dos escravos trazidos da África. Segundo Arthur Ramos:
A influência do Islam na África foi e é poderosíssima. Podemos
afirmar que, com exceção de alguns grupos de negros sudaneses e
bantus que sempre se mantiveram imunes do contacto do Islam,
todas as demais populações africanas receberam em grau maior ou
menor a contribuição da cultura maometana[...] Foi através de vários
desses povos que o Islam chegou ao Brasil. Esses negros
maometanos foram chamados Muçulmi ou Malê, na Bahia, e Alufá,
no Rio de Janeiro (Ramos, 1951, pp. 20,21):
A presença dos muçulmanos no Brasil foi documentada por diversos
historiadores e antropólogos além de Arthur Ramos, como Nina Rodrigues,
Etiènne Brasil, Edson Carneiro, Gilberto Freyre, João do Rio, Abelardo Duarte
e Waldemar Valente.
As primeiras lutas pela liberdade no Brasil foram lideradas por estes
muçulmanos que fugiam e ajudavam a organizar os quilombos. Ocorreu na
39
LIMA, Claudia. Heranças muçulmanas no nagô de Pernambuco: Construindo mitos
fundadores da religião de matriz africana no Brasil, Revista Brasileira de História das Religiões
– Dossiê Tolerância e Intolerância nas manifestações religiosas, Ano I. nº 3. 283-300, Jan.
2009.
48
cidade de Salvador entre os dias 25 e 27 de janeiro de 1835 o episódio
conhecido como a “Revolta Malê”. Os principais personagens desta revolta
foram os negros islâmicos que exerciam atividades livres, conhecidos como
negros de ganho (alfaiates, pequenos comerciantes, artesãos e carpinteiros)40.
Apesar de livres, sofriam muita discriminação por serem negros e
seguidores do islamismo. Em função destas condições, encontravam muitas
dificuldades para ascender socialmente. Os revoltosos estavam insatisfeitos
com a escravidão africana, a imposição do catolicismo e com o preconceito
contra os negros. Tinham como objetivo principal a libertação dos escravos,
além do fim do catolicismo (religião imposta aos africanos desde o momento
em que chegavam ao Brasil), o confisco dos bens dos brancos e mulatos e a
implantação de um estado islâmico.
De acordo com o plano, os revoltosos sairiam do bairro de Vitória
(Salvador) e se reuniriam com outros malês vindos de outras regiões da
cidade. Invadiriam os engenhos de açúcar e libertariam os escravos.
Arrecadaram dinheiro e compraram armas para os combates. O plano do
movimento foi todo escrito em árabe.
Entrementes, uma mulher contou o plano da revolta a um Juiz de Paz de
Salvador e os soldados das forças oficiais foram mobilizados a fim de reprimir a
revolta. Bem preparados e armados, cercaram os revoltosos na região da Água
dos Meninos, ao que se seguiram violentos combates. No conflito morreram
sete soldados e setenta revoltosos e aproximadamente 200 integrantes da
revolta foram presos. Todos foram julgados pelos tribunais e os líderes foram
condenados à pena de morte. Os outros revoltosos foram condenados a
trabalhos forçados, açoites e enviados para a África. O episódio foi
caracterizado como uma “Jihad”41.
Sobre as rebeliões chamadas revoltas malê, relata Ribeiro:
Os registros oficiais destas rebeliões deixam perceber a presença de
muçulmanos com forte influência na liderança dos levantes. Alguns
fatos em comum chamam a atenção; a escolha de datas religiosas
para os levantes, a presença de negros livres e escravos vestidos
40
Vale ressaltar que também existiam mulheres chamadas negras de ganho e que exerciam
diversas funções.
41
Termo controverso. Para o Ocidental significa “guerra santa”. Para o árabe significa esforço,
e é utilizada para caracterizar qualquer esforço que tenha sido utilizado em alguma ação em
defesa do Islã.
49
com roupas tipicamente muçulmanas e utilizando amuletos contendo
textos do Alcorão em árabe, além de terem sidos encontrados
bilhetes em árabe com informações sobre os levantes, servindo esta
língua, de código para passagens de informações entre quilombos,
senzalas e negros livres. A escolha de dias de festas para os levantes
tem sua explicação no fato de esses serem dias faustos, quando os
senhores tinham sua atenção voltada para os festejos católicos,
podendo, então os levantes acontecerem com mais eficácia. Destacase, porém, a revolta de 1835, realizada ao final do Ramadã,
mostrando, com isto, uma forte conotação islâmica ao levante em
questão. As revoltas com participações de malês foram bem
estudadas por João José Reis (2003). O que podemos perceber de
tamanhas empreitadas é que os levantes não eram sem direção ou
propósito. Tinham a intenção de tomarem o poder político e religioso.
Caso o levante de 1835 tivesse alcançado sucesso, a Bahia teria se
transformado em um país islâmico com uma pequena tolerância para
os cultos afro-brasileiros (Ribeiro, 2012, p. 112).
Sem dúvida, os levantes na Bahia tiveram influência de escravos
islamizados. Sendo assim, o Islã vem sendo praticado no Brasil há bastante
tempo e faz parte do grande “caldeirão” religioso desta nação e é apontado por
pesquisadores como parte integrante do sincretismo praticado nos terreiros de
candomblé espalhados pelo Brasil, especialmente na Bahia e no Rio de
Janeiro, conforme destaca Ribeiro:
João do Rio encontrou, em 1904, no Rio de Janeiro, um islã
misturado ao candomblé, em que alufás vestidos com abadas, com
as cabeças cobertas por um gorro vermelho, o filá, e sentados sobre
tapetes de pele de tigre ou de carneiro liam o Alcorão, faziam suas
preces (kissium), rezavam o rosário (tessubá) e não comiam carne de
porco e guardavam o Ramadã (Ribeiro, 2012, p. 115 apud, Do Rio,
2006, p. 27).
Fica evidente esta mistura cultural e religiosa no Brasil tanto naquela
época quanto nos dias de hoje. Ainda encontramos nas ruas pessoas de
vestidas de branco às sextas-feiras com a cabeça coberta (certamente adeptos
da umbanda ou do candomblé). Como é possível perceber na imagem 15 desta
dissertação, apesar de não obrigatório, alguns muçulmanos participam das
cerimônias com a cabeça coberta.
A grande questão que envolve a pesquisa nesta área é a seguinte: como
o Islã que chegou ao Brasil com os escravos desapareceu? Ou melhor, porque
não se desenvolveu ao ponto de se tornar uma religião reconhecida?
50
Percebemos que até o desembarque dos imigrantes oriundos do Oriente
Médio, o Islã no Brasil era uma religião invisível.
Sobre a continuação das comunidades malês no Brasil, afirma Pinto:
Embora as comunidades muçulmanas de origem escrava no Brasil
possuíssem uma vida religiosa organizada e conseguissem fazer
algumas conversões ao islã, elas entraram em rápido declínio a partir
do final do século XIX e desapareceram já em meados do século XX
[...] Os membros das novas gerações trocaram o islã pelo catolicismo
ou pelas religiões afro-brasileiras, levando à diluição da presença
muçulmana em meras influências na religiosidade de origem africana
(Pinto, 2010 a, apud Rodrigues, 2004 [1906], 79).
Ribeiro
também
apresenta
uma
possível
explicação
para
o
desaparecimento do Islã, pois o preconceito e a intolerância religiosa da época
impediram tal desenvolvimento:
Mas também é fato que esse Islã negro desapareceu no tempo e no
espaço numa fase de grande intolerância religiosa no país. Ainda há
muito o que ser pesquisado sobre o assunto antes de assumirmos
com firmeza a sua lenta transformação até o total desaparecimento
no candomblé brasileiro. (Ribeiro, 2011, p. 151).
Além dos registros acima, estudos de ossadas, datadas do século XVI,
encontradas no sítio arqueológico “Pretos Novos”42, no bairro da Gamboa,
próximo ao centro da cidade do Rio de Janeiro identificaram um indivíduo
africano e possivelmente muçulmano, devido ao desgaste em algumas partes
específicas do esqueleto. Segundo Cavalcanti43, tais desgastes demonstram
posições características de uma parte da oração islâmica, feita cinco vezes ao
dia, onde os pés recebem o peso do corpo sobre os dedos dobrados,
provocando desgastes ao longo do tempo.
42
Cemitério de escravos encontrado casualmente pela proprietária do local quando resolveu
fazer uma reforma em 1996. http://www.pretosnovos.com.br. Visitado em 12 de fevereiro de
2013.
43
Professor de história e jornalista, escrevendo ao Nurul Islam, Ano II, nº 9, p. 6, Abril-Junho de
2012.
51
O Islã dos imigrantes
Apesar de todos os registros acima marcarem a história do Brasil, o Islã
somente se solidifica em solo brasileiro a partir da chegada dos imigrantes
árabes.
Segundo Pinto (2010 b, p.45), “Os estudos sobre imigração árabe
geralmente colocam a década de 1870 como sendo a dos primeiros registros
de pessoas provenientes do Oriente Médio no Brasil.” Destacando ainda Pinto
(2010 a, apud, Safady 1972:78-79 e Radawi 1989:48):
Alguns autores afirmam que os irmãos Zacarias, originários de
Belém, na palestina, teriam sido os primeiros imigrantes árabes a se
estabelecer no Brasil. Chegaram ao Rio de Janeiro em 1874 e
abriram uma loja de artigos religiosos na Rua da Alfândega. No
entanto, a relevância desta ‘data inaugural’ da imigração árabe deve
ser relativizada, uma vez que existem registros de árabes no Rio de
Janeiro que são muito anteriores à chegada dos referidos irmãos. O
filólogo Manuel Said Ali Ida nasceu em Petrópolis, em 1861, filho de
pai árabe e mãe alemã (safady 1972:78-79). Outro palestino de
Belém, Hana Khalil Marcus, é reportado como tendo aqui chegado
em 1851 (Radawi 1989:48).
Há registros da presença de líderes muçulmanos em 1866 como
também nos apresenta Pinto (2010, p.46; apud al-Baghdadi al-dimachqi, 2007).
Em 1866, um navio da marinha otomana aportou no Rio de Janeiro
trazendo, além dos marinheiros, um religioso muçulmano (‘alim, pl.
‘ulama) chamado ‘Abdal-Rahman al-Baghdadi al-Dimachqi, que
sabemos ter nascido em Damasco de uma família originária de
Bagdá. Após desembarcar para conhecer a cidade, ‘Abdal-Rahman
foi saudado por negros muçulmanos, provavelmente ex-escravos ou
seus descendentes, que depois foram ao seu navio para fazerem as
orações com os demais membros da tripulação. Ao saberem que era
uma autoridade religiosa os muçulmanos o convidaram para ficar no
Rio de Janeiro e liderar sua comunidade. Ele aceitou e permaneceu
no Brasil até 1869, primeiro liderando a comunidade muçulmana
composta por ex-escravos no Rio de Janeiro, depois como iman (líder
religioso) das comunidades muçulmanas semelhantes às que
existiam em Salvador e Recife.
Sobre a visita de al-Baghdadi e a existência de grupos islâmicos no
Brasil, destaca também Ribeiro (2011, p. 142):
52
Em seu diário de viagem, em 1866, [...] o imã Al’baghdadi registrou:
‘vinte anos atrás, uma parte deles já era livre porque alguns
compravam a si próprios e livravam o coração dos grilhões da
escravidão’. A esse relato o imã árabe acrescenta: ‘Depois disso
todos os que conseguiam a liberdade por direito lembravam-se da
religião dos seus antepassados, à qual eles se voltavam após a
libertação’. Esse registro precioso revela a força da crença islâmica
que sobreviveu no coração desses alforriados, apesar do jugo
catolicizante a que foram submetidos. ‘Para manter a crença viva em
solo brasileiro, esses muçulmanos livres criaram escolas e casas de
oração’ (Ribeiro, 2011, p. 142, apud Freyre, 1980, p. 306)
Ribeiro (2011, p. 148) ainda cita que Al’Baghdadi foi abordado por
diversos negros no Rio de Janeiro que o saudaram na forma muçulmana e
praticaram com ele os rituais de oração. Após sua estada no Rio de Janeiro, foi
para Salvador, percebendo um Islã ainda mais distante das práticas originais.
Da Bahia se deslocou para Pernambuco, ficando por seis meses. “Ao fim de 3
anos no Brasil, Al’baghdadi decidiu voltar à Arábia e se despediu dos irmãos
muçulmanos prometendo voltar, caso o governante otomano permitisse”.
Al’Baghdadi não foi um imigrante, mas um imã divulgador da fé islâmica
que deixou um escrito importantíssimo, demonstrando que depois da
conhecida Revolta Malê continuaram a existir comunidades islâmicas
organizadas no Brasil.
À medida que o Islã Negro entrava em decadência, um grande fluxo de
muçulmanos chegava com a imigração de povos de origem árabe, tais como
libaneses, sírios e egípcios, que constituem hoje o grande contingente de
muçulmanos no Brasil. Como escreveu ainda Pinto:
A chegada no final do século XIX e nas primeiras décadas do século
XX de milhares de imigrantes de fala e cultura árabe proveniente de
diversas regiões do Oriente Médio – em particular Líbano, Síria e
Palestina – e sua bem-sucedida instalação e adaptação constituem
um importante capítulo da história da imigração no Brasil. (Pinto 2010
b, p. 15)
É importante destacar que deste grupo de imigrantes fugitivos do
Império Otomano44, a maioria era cristã e “as comunidades criadas pelos
44
O império Otomano começou a nascer no século XI, quando tribos turcas nômades se
fixaram na Anatólia, região que hoje é parte da Turquia. Tais tribos ajudaram a difundir a
religião muçulmana em terras que até então estavam sob o domínio de outro império, o
53
imigrantes árabes nunca se relacionaram com aquelas dos malês, sendo duas
histórias descontínuas do Islã” (Pinto, 2010 a, p. 205).
A Sociedade Beneficente Muçulmana em São Paulo foi a primeira a ser
fundada no Brasil, em 192945. “Embora essa sociedade fosse marcadamente
sunita, ela foi a principal referência institucional dos muçulmanos, tanto sunitas
como xiitas, por um longo tempo.” (Pinto, 2010 a, p. 205). A Sociedade
Beneficente Druziense foi fundada em Oliveira, em Minas Gerais, também em
1929 e a Sociedade Alauíta foi fundada no Rio de Janeiro em 1931.
Conclui-se, portanto, que apesar da presença de muçulmanos no Brasil
datar do período do descobrimento e da colonização portuguesa, com os
mouriscos46 (Pinto, 2010a, p. 201), a prática islâmica não se desenvolveu
devido à forte perseguição da Inquisição. Mais tarde, com a presença dos
escravos islamizados trazidos da África, ocorreu uma primeira tentativa de
implantação do islamismo; “essa ação não foi passiva como poderia se pensar”
(Ribeiro, 2011, p. 151), mas houve tentativa de implantação de um reino
islâmico. “Em meados do século XIX, existiam comunidades muçulmanas
compostas por negros escravos e libertos estabelecidas no Rio de Janeiro,
Salvador e Recife” (Pinto 2010 a, p. 196).
Porém, como verificamos acima, tais esforços não tiveram continuidade
e segundo Pinto, 2010a, p.205, “as comunidades criadas pelos imigrantes
árabes nunca se relacionaram com aquelas dos escravos”. Mantiveram-se, em
linhas gerais, com a participação efetiva de imigrantes. Os imigrantes
muçulmanos começaram a chegar no início do século XX, e provinham
sobretudo do Líbano e da Síria. O Brasil também recebeu uma quantidade
significativa de refugiados dos conflitos entre israelenses e palestinos, da
Bizantino. "O termo otomano deriva do nome Osman, ou, em árabe, Uthman", diz o historiador
inglês Malcolm Yapp, da Universidade de Londres. Osman, ou Otman I (1258-1324), foi um
chefe turco que transformou essas tribos nômades em uma dinastia imperial. Durante os
séculos XV e XVI, o Império Otomano tornou-se um dos estados mais fortes do mundo,
englobando boa parte do Oriente Médio, do Leste Europeu e do norte da África. Além do
poderio militar, o que ajudou a garantir essa expansão foi a tolerância dos otomanos com as
tradições e as religiões dos povos conquistados. Foi abolido em 1923, quando foi proclamada a
República da Turquia.
45
Destaca Pinto que na verdade essa instituição foi fundada em 1927 como Sociedade
Beneficente Muçulmana Palestina e refundada como Sociedade beneficente Muçulmana em
1929, de modo a incorporar o crescente número de imigrantes muçulmanos de origem síria e
libanesa (Pinto, 2005, p.237- REVISTA USP, São Paulo, n.67, setembro/novembro).
46
Muçulmanos convertidos à força à força ao cristianismo (Pinto, 2010 a, p. 201).
54
Guerra do Líbano e dos conflitos no Iraque. Em sua grande maioria, o Islã do
Brasil é o Islã dos imigrantes, destacando as comunidades de São Paulo e
Curitiba. Observa-se também o crescimento do que a pesquisadora Ribeiro
chama de “Islamismo de conversão” (Ribeiro, 2011, p. 140), assunto que
trataremos no próximo capítulo, sobre o Islã do Rio de Janeiro, especificamente
na SBMRJ.
55
Capítulo 2 – A SBMRJ: História e construção da identidade
Este capítulo apresenta uma breve história da SBMRJ, iniciando com a
fundação em 1951, discorrendo em poucos acontecimentos registrados, à
mudança gradativa da instituição que, somente a partir de 1968, passou a
utilizar o espaço da Rua Gomes Freire como sala de oração. Outra informação
importante apresentada e registrada somente por uma fonte (Pinto, 2010 a) foi
a compra de uma escola pela SBMRJ em 1977, para que, além do ensino
curricular do antigo 1º grau, existissem também cursos de introdução à fé
islâmica e à língua árabe. Ainda destaca-se neste capítulo a construção da
Mesquita de Jacarepaguá, que acabou sendo pouco utilizada pela SBMRJ.
Dando continuidade à história, logo após o retorno para a sala de oração no
Centro do Rio, em 1993, ocorreu a eleição de uma nova diretoria que
rapidamente promoveu uma transformação na sede da SBMRJ.
Como ocorreu um aumento na frequência dos participantes e não havia
espaço suficiente para abrigar todos nos dias de oração e festas, e ainda por
problemas com a localidade onde funcionava a sede – pois era uma área
deserta à noite e foco de prostituição –, ocorreu uma reunião para a escolha do
bairro onde seria construída uma nova Mesquita de forma que foi eleito o bairro
da Tijuca.
No ano de 2007, a SBMRJ passa a funcionar na nova sede (ainda em
construção à época). Na dinâmica da SBMRJ, o presente trabalho apresenta a
construção de uma identidade formada a partir da história e da interação dos
“grupos étnicos” como: os árabes e seus descendentes, os africanos e os
brasileiros revertidos; destacam-se, ainda, a participação das mulheres e
indivíduos que interagem com o meio e influenciam a sociedade.
História da SBMRJ
A SBMRJ teve sua origem em 1951 com imigrantes muçulmanos sunitas
que residiam no Rio de Janeiro. Estes alugaram uma sala na Rua Gomes
Freire, no Centro do Rio, para abrigar a Sociedade, sendo que até aquele
56
momento frequentavam as atividades na Sociedade Beneficente Alauíta 47, que
funcionava no bairro da Tijuca, na Zona Norte da cidade. Entretanto, as
celebrações conjuntas como: a festa do fim do Ramadan (‘Eid al- Fitr), a Festa
do Sacrifício (‘Eid al-Adha) e a celebração do aniversário do Profeta (Mawlid
AL-Nabawi), continuavam a acontecer com as duas comunidades no espaço da
Sociedade Alauíta ou em salões alugados.
Tudo indica que os espaços “religiosos” funcionavam como referenciais
comunitários para os imigrantes de fala e cultura árabe e seus descendentes,
sendo, para alguns, o envolvimento étnico e cultural mais importante que o
aspecto religioso. Inicialmente, na sala da Rua Gomes Freire, a SBMRJ dividia
o espaço com a Sociedade Beneficente Palestina. Posteriormente, a
Sociedade Palestina mudou de lugar e a sala foi comprada, ampliando assim o
espaço da SBMRJ, que passou a ser referência para os muçulmanos sunitas
do Rio de Janeiro. Embora a SBMRJ tenha sido fundada em 1951, as orações
coletivas não eram realizadas com regularidade até 1968, como relatou, em um
pronunciamento, o ex-presidente da SBMRJ, Khalil Ayoubi:
.”..naquela época [anos 50] a sociedade não tinha nada de prática
religiosa [...] na sociedade tinha uma mesa comprida do tamanho da
sala [na Rua Gomes Freire] e vinte e cinco cadeiras. Eu assisti a duas
reuniões deles. O presidente e o secretário falavam: ‘Em nome da
Sociedade Muçulmana está aberta a sessão’, e conversavam sobre
coisas da maçonaria [eles eram maçons], sobre os filmes árabes que
tinham visto na ABI, sobre o trabalho, sobre a vida, etc. Eu não falava
nada. Uma vez me disseram que queriam que eu fosse presidente da
Sociedade, perguntaram o que eu achava e eu disse: ‘Esse nome da
sociedade não conecta com a nossa atividade. Eu acho que devemos
tirar essas mesas e essas cadeiras e colocar tapetes para a oração’.
A maioria me apoiou. Até então não tinha oração nenhuma, só a
oração da ‘Eid Ramadan e da ‘eid AL-Adha na embaixada do Egito e
na Embaixada da Síria [...] Então, eu botei o tapete na sala e
começamos a rezar às sextas-feiras” (Pinto, 2010 a, 129).
Na conversa de Khalil, surge um assunto que desperta meu interesse e
que será objeto de futuras pesquisas. Será que ainda existem muçulmanos
maçons? Qual a relação entre Islamismo e Maçonaria?
Desde sua origem, percebe-se que a intenção dos fundadores da
SBMRJ
era
agregar
imigrantes
muçulmanos
sunitas,
sem
nenhuma
47
Sociedade Beneficente Muçulmana Alauíta, fundada em 1931. Apresento mais detalhes na
página 16.
57
possibilidade de tornar o espaço aberto para divulgação do Islã aos brasileiros
nativos. O contato com a instituição indica que esta mentalidade perdurou por
muito tempo e ainda existem grupos resistentes a tal abertura. Geralmente, os
que dominam a língua árabe e são imigrantes e/ou descendentes entendem
ser este aspecto um grande privilégio que nem sempre pode ser repassado a
outros, contrariando mesmo o Alcorão, que conta que Muhammad deveria
tornar conhecida sua visão e agir com sabedoria e brandura 48; demonstram
também não estarem empenhados na Dawah49.
A Escola Muçulmana
Em 1976, o então presidente da SBMRJ, Khalil Ayoubi, com o apoio
financeiro da Embaixada da Arábia Saudita, comprou o colégio Plic-Ploc, em
Parada de Lucas (Pinto, 2010a, p. 160). O nome de fantasia do colégio foi
mantido, porém, oficialmente passou a ser Centro Educacional Cultural
Islâmico Brasileiro (CECIB), uma escola de educação primária com ensino da
língua árabe e da religião islâmica, além das matérias curriculares comuns.
O professor de religião islâmica era um membro da SBMRJ, chamado
Taisir Katan. Sobre a continuidade das atividades do colégio, Pinto (2010b, p.
161) destaca que a escola foi fechada após a saída de Khalil da presidência da
Sociedade. Este é mais um assunto que membros da diretoria evitam
comentar, alegando não conhecerem os fatos além do que está exposto no
livro do ilustre professor Paulo Gabriel Hilu (supracitado). Porém, com este
episódio, percebemos que o líder Khalil estava à frente de seu tempo,
procurando mostrar aos brasileiros que a cultura árabe vai além da religião.
Além do ensino da religião islâmica e da língua árabe, bandeiras de três
países estavam à frente do edifício: Egito, Brasil e Líbano. Em um desfile de
Sete de Setembro, em Parada de Lucas, uma aluna estende a bandeira dos
Emirados Árabes e dois alunos carregam uma faixa com a seguinte
48
Alcorão – tradução de Mansour Challita. 16:125.
Dawah significa o proselitismo ou a pregação do Islam. Da'wah, literalmente, significa “a
emissão de uma intimação” ou “fazer um convite”, sendo o particípio ativo do verbo que tem
significados diversos: “para chamar” ou “convidar.” Um muçulmano que pratica da'wah, seja
como trabalhador religioso ou de um esforço da comunidade de voluntários é, portanto, alguém
que convida as pessoas a entender o Islã e pode ser classificado em alguns casos, como o
equivalente islâmico de um missionário cristão.
49
58
mensagem: “O mundo das nações árabes e islâmicas congratulam com o
Brasil sua independência” (Pinto, 2005 a, p. 161).
Figura 1: Fachada do CECPP Fonte (Pinto, 2005 a, p. 161).
Figura 2: Desfile de 7 de Setembro, 1977 Fonte (Pinto, 2005 a, p.161).
Percebe-se que a sigla correspondente ao nome da escola não confere
com o nome apresentado pelo pesquisador Pinto. A explicação para tal
59
diferença se dá devido ao fato do nome de fantasia ser diferente da razão
social. Ao adquirir a escola, a SBMRJ manteve na fachada a sigla do nome de
fantasia: Centro Educacional Cultural Plic-Ploc.
A Mesquita Abandonada
Em 1984, foi construída uma Mesquita em Jacarepaguá, em estilo
“islâmico internacional” com doações da Arábia Saudita e da Jordânia e,
inicialmente, as atividades religiosas foram transferidas para a nova Mesquita.
Com a baixa frequência gerada pelo fato da nova Mesquita estar distante dos
locais de trabalho e da residência dos membros, que em sua maioria moravam
no Centro, Tijuca e Copacabana, a liderança reavaliou a necessidade de voltar
as atividades para a mussala50.
Na década de 1980, o bairro de Jacarepaguá estava em ligeiro
crescimento, uma grande “promessa” imobiliária; apesar de previsões otimistas
e do bairro se tornar o desejo dos emergentes (uma nova classe média
carioca), não havia infraestrutura adequada que facilitasse a chegada dos fiéis.
Pinto (2005a, p. 230) relata que a Mesquita foi fechada devido a disputas
entre a liderança da comunidade e o construtor. A Mesquita de Jacarepaguá foi
desativada na década de 1990, retornando às atividades na mussala. Ao
conversar com um dos líderes sobre o assunto da Mesquita abandonada,
obtive a seguinte resposta: “Foi construída por uma pessoa, não foi uma
decisão de toda a comunidade.”
Ao conversar com Fernando51, ficou claro que para a liderança atual da
SBMRJ a Mesquita de Jacarepaguá é um passado que precisa ser esquecido.
Entendeu-se que aquele marco erguido em Jacarepaguá, para a SBMRJ, é a
prova de uma gafe, de um dinheiro mal administrado, uma obra de cunho
pessoal e não coletivo.
50
Sala de oração. Quando não existe uma Mesquita próxima, um grupo de muçulmanos separa
um lugar para suas atividades religiosas.
51
Trabalha integralmente na SBMRJ, é responsável pelo jornal e, geralmente, é a pessoa que
faz contatos com estudantes e setores da imprensa que procuram a instituição. Ainda neste
capítulo falarei sobre ele.
60
Figura 3: Mesquita de Jacarepaguá, em 1984
Fonte: http://filhadaalvorada.blogspot.com.br
Visitado em 16 de novembro de 2012
Figura 4: Mesquita de Jacarepaguá Em 2009
Fonte: http://filhadaalvorada.blogspot.com.br
Visitado em 16 de novembro de 2012
Sobre a questão da Mesquita de Jacarepaguá escreve Pinto, 2010a, p.
120, destacando o que relatou o então presidente, Khalil Ayoub:
61
“[...] nós tentamos minimizar o problema da distância colocando
ônibus que saiam da sede da SBMRJ na Lapa e iam até a Mesquita
de Jacarepaguá, mas mesmo assim levava muito tempo. No início a
Mesquita ficava lotada, depois de um tempo você contava nos dedos
o número de pessoas presentes [...] não tivemos outra saída senão
voltar a fazer as orações na sala da Gomes Freire.”
O assunto da Mesquita de Jacarepaguá parece que não foi bem
resolvido. Entre a liderança da SBMRJ não encontramos quem discutisse de
forma “aberta” a questão.
No Jornal da SBMRJ, Nurul Islam (Luz do Islã) nº 10, p. 4, Saidul
Mahomed, membro da entidade e proprietário da editora Qualitymark, fez a
seguinte declaração:
“Cheguei a frequentar a Mesquita, construída à revelia da Sociedade,
em Jacarepaguá. Quando constatamos que essa Mesquita apresentava
problemas sérios de legalidade, retornei à mussala na Gomes Freire.”
Saidul deixa em aberto que, mesmo com a Mesquita funcionando em
Jacarepaguá, um grupo continuava na sala da Rua Gomes Freire. Percebe-se,
então, que existem mais detalhes que devem ser pesquisados para o
entendimento do abandono de uma obra significativa para o Islã no Rio de
Janeiro.
Uma nova liderança
Também na década de 1990, mais precisamente em 1993, assumiu a
direção da Sociedade um grupo de jovens muçulmanos de diversas origens
(segundo comunicação oficial da instituição exposta no site52). Alguns eram exestudantes de universidades islâmicas que se inseriram na comunidade
através da realização de seminários, palestras e cursos para divulgação e
introdução ao Islã e ao idioma árabe. Também passaram a proferir o sermão
de sexta-feira em português e elaboraram um novo programa de trabalho.
Nascia então a ideia de um Islã brasileiro. Sobre este “Islã brasileiro” que
aparece na SBMRJ de forma mais clara a partir de 1993, destaca Cavalcanti
(2008, p. 116) que “este Islã que tenta fincar raízes no Brasil é marcado pelo
52
www.sbmrj.org.br, visitado em 6 de Novembro de 2013.
62
trabalho de Haidar Abu Talib, historiador e secretário da SBMRJ na ocasião.”
Haidar tenta apontar a presença do Islã no Brasil mesmo antes da chegada dos
portugueses através da arqueologia e arquitetura islâmica. Dentre as
mudanças que foram ocorrendo com o tempo na comunidade, percebe-se o
fato de a língua árabe ser valorizada como elemento constitutivo – mas não
determinante – da identidade muçulmana.
Desenvolveu-se a seguir uma metodologia adequada à compreensão
dos preceitos islâmicos voltada aos brasileiros não falantes do idioma árabe.
Este movimento facilitou a crescente adesão de brasileiros ao Islã53. Com o
tempo, a mussala já não comportava mais o número de pessoas que
compareciam às atividades, pois a SBMRJ estava se tornando um polo de
unidade para os muçulmanos sunitas no Rio de Janeiro, além de um ponto de
divulgação (dawah), obrigando-se a estabelecer um regime de turnos.
Assim, surgiu a necessidade de se adquirir um imóvel para a construção
de uma Mesquita. Segundo o secretário da instituição, tanto a escolha do bairro
como o nome da Mesquita foram decididos em votação com os membros,
incluindo-se as mulheres.
Certamente a década de 90 foi um marco para a SBMRJ, pois saíram de
uma situação “fechada”, na qual somente os que compreendiam o idioma
árabe podiam entender a comunicação do Islã. Iniciou-se assim um processo
de abertura sem mudança das bases doutrinárias.
Um
nome
importante
citado
por
alguns
pesquisadores
(como
Cavalcante, 2008; Pinto 2005 a, 2010b; Chagas, 2006), foi Abdu, que foi iman
da SBMRJ de 1993 a novembro de 2007 e presidente da instituição de 2000
até renunciar ao cargo em março de 2007. Ele fez parte de todo o processo de
mudança da Sociedade e mesmo antes de se tornar presidente, foi o
responsável pelo departamento de divulgação (MONTENEGRO, 2000: 37),
abrindo assim, espaço para a visitação de estudantes, imprensa e curiosos, a
fim de que o Islã saísse da “clausura.” Tanto Pinto (2005 b) como Cavalcante
(2008) destacam o carisma e a liderança de Abud.
53
Atualmente, cerca de 70% dos frequentadores da Sociedade são brasileiros revertidos à
religião islâmica.
63
A Mesquita da Luz (Masjid Al Nur): A volta às origens.
Como foi apresentado acima, tudo começou no bairro da Tijuca, Zona
Norte da Cidade do Rio de Janeiro, quando os imigrantes árabes muçulmanos
sunitas participavam das reuniões e orações na Sociedade Alauíta. Na época,
tudo indicava que os imigrantes árabes muçulmanos tinham escolhido este
bairro para desenvolverem atividades religiosas talvez por ser a residência de
muitos imigrantes. Cinquenta e seis anos depois estavam de volta à Tijuca e
adquiriram um imóvel, iniciaram a obra e em 2007 estavam utilizando o espaço
para as orações e festas.
Figura 5: Mesquita da Luz vista de frente; obras em 2009
Fonte: (Mauro Júnior 2011, p. 77)
A partir do ano supracitado, então, as atividades foram transferidas para
a Mesquita em construção na Rua Gonzaga Bastos, no bairro da Tijuca. A
localização facilitou muito o desenvolvimento da SBMRJ. No aspecto histórico,
a mudança fez a Sociedade voltar às origens; no sociológico, tornou-a mais
próxima das famílias, pois o bairro da Tijuca, além de possuir um comércio
significativo, é um bairro fortemente residencial.
64
Figura 6: Mesquita da Luz, vista de frente
Fonte: Foto de minha autoria (imagem capturada por celular em 18 de outubro de 2013)
Figura 7: Placa de inauguração da Mesquita da Luz
Fonte: Foto de minha autoria (imagem capturada por celular em 18 de outubro de 2013)
65
A figura 6 mostra a situação da parte externa das obras da Mesquita em
Novembro de 2013. Percebe-se que ainda necessita de finalização como
portas e janelas, grades e telhado. Estranha-se que na placa de inauguração
(figura 7) há o registro da conclusão das obras. Pude perceber que a obra
segue de forma lenta.
Figura 8: Sala de oração (fundos) da Mesquita da Luz
Fonte: http://filhadaalvorada.blogspot.com.br
Visitado em 16 de novembro de 2012
Figura 9: Sala de oração (frente)
Fonte: http://filhadaalvorada.blogspot.com.br
Visitado em 16 de novembro de 2012
66
Quanto às figuras 8 e 9, refere-se ao espaço de oração que pode ser
considerado concluído, faltando apenas o tapete que será colocado somente
quando a obra for totalmente concluída.
Croqui da sala de oração: Para montar este croqui, foi utilizado o
desenho apresentado pela pesquisadora Barros, Liza Dumovich, 2012, p. 66.
Com a observação, pude verificar que alguns itens foram retirados e outros
foram mudados de lugar desde o trabalho de campo da pesquisadora.
Figura 10: Croqui da sala de oração da Mesquita da Luz
Fonte: desenho de minha autoria (mediante observação feita em 18 de outubro de 2013)
Legenda:
1. Portão de entrada
2. Escada para subir ao minbar
3. Qibla
4. Minbar
5. Tapete dos homens
6. Porta de entrada dos homens
7. Sapateira dos homens
8. Fileiras de carteiras dos homens e visitantes
9. Relógio Azan (marca os horários das orações)
10. Corredores laterais
11. Tapete das mulheres
12. Armários
67
13. Geladeiras
14. Banheiro das mulheres
15. Bebedouro das mulheres
16. Banheiro dos homens
17. Bebedouro dos homens
18. Ventiladores
19. Porta de entrada das mulheres
20. Quadro
21. Sapateira das mulheres
22. Escada para os pavimentos superiores
23. Fileiras de cadeiras para mulheres visitantes
24. Mesa (mostruário de livros e objetos à venda)
Figura 11: Banheiro masculino da Mesquita
Fonte: (Mauro Júnior 2011, p. 87)
68
Figura 12: Banheiro masculino da Mesquita
Fonte: (Mauro Júnior, 2011, p. 87)
Nas figuras 11 e 12, percebe-se que o banheiro masculino está
concluído. À esquerda do local de entrada há um espaço com quatro cabines: a
primeira possui um chuveiro destinado para banhos, duas cabines possuem
vasos sanitários – incluindo uma ducha em cada uma, usada na lavagem do
pênis ou do ânus em caso de alguma necessidade fisiológica; e por último,
uma cabine de maior área com um vaso sanitário e uma pia de mármore com
torneira reservada para o uso de portadores de deficiência.
De frente para as cabines, estão dispostas duas pias de mármore com
torneiras de aço destinadas às lavagens das mãos e, ao seu lado, três bancos
de mármore com uma torneira de aço voltada para cada um deles. A água
despejada cai numa estrutura de mármore formando um tanque com um ralo
ao fundo.
Do outro lado de uma parede que divide o banheiro em dois, localizamse mais cinco bancos de mármore (totalizando oito) repetindo o esquema
69
anterior. Nestes recintos é que são realizadas as abluções ou wudu. A ablução
ou lavagem ritual é uma obrigação, sem a qual a oração não é válida.
O procedimento é o seguinte: 1) lavar as mãos e os punhos três vezes;
2) bochechar por três vezes; 3) com a mão em concha, pôr a água e aspirar
pelas narinas jogando-a fora, por três vezes; 4) em seguida, lavar o rosto por
três vezes, certificando-se de que a água se espalhou por todo o rosto; 5) lavar
a mão direita até a altura do cotovelo e em seguida a mão esquerda, até a
altura do cotovelo, três vezes cada; 6) passar as mãos molhadas sobre a
cabeça, partindo da frente para trás; 7) com o polegar e o dedo indicador,
massagear as orelhas, dentro e fora; e, 8) lavar o pé direito até o tornozelo por
três vezes e em seguida o pé esquerdo até o tornozelo. Alguns concluem o
processo com muita rapidez enquanto outros se concentram e agem sem
pressa.
O projeto de construção está dividido da seguinte forma: no primeiro
pavimento será a Mesquita e banheiros (em funcionamento); no segundo
pavimento, salas administrativas (em funcionamento), salas de aula, biblioteca,
dois banheiros (um masculino e um feminino); no terceiro pavimento, salão de
festas, cozinha industrial, pequeno estúdio audiovisual, auditório reversível; no
quarto pavimento, residência do Iman, área de lazer com parque para as
crianças, salão de jogos e de ginástica.
Pelo projeto é possível perceber a visão da liderança da Sociedade. O
objetivo vai além da ideia de um espaço para oração. Trata-se também de um
espaço para o conhecimento e o lazer; ou seja, um centro islâmico, um espaço
para convivência familiar. Um local de base para coordenação das atividades
sociais e estratégicas da SBMRJ.
Com a mudança para o bairro da Tijuca, além do espaço físico, a
SBMRJ ganhou novas perspectivas: um sentimento de “volta às origens” – só
que bem diferente da forma como saiu.
O então grupo de imigrantes já mencionados, reunidos em uma sala
para tratar de assuntos diversos em comum, incluindo a religião, agora retorna
como um grupo diversificado em todos os sentidos. Diferentemente daquele
grupo de 1951, o atual está bem mais inserido no contexto da cidade e com
características próprias, como destacou Pinto:
70
... a comunidade do Rio de Janeiro apresenta uma interessante
particularidade, pois é uma das poucas comunidades muçulmanas no
Brasil cujos membros não são majoritariamente de origem árabe, mas
constituem um conjunto multicultural e multiétnico de árabes e seus
descendentes, africanos (muitos são estudantes no Brasil, além de
imigrantes) e brasileiros convertidos de outras tradições religiosas
(Pinto, 2005a, p. 231).
Este fato tem chamado a atenção de estudiosos como Pinto,
Montenegro e outros. Apesar do Islã no Rio de Janeiro ser numericamente
menor que em outros estados como São Paulo e Paraná, naquele apresenta
um espaço propício ao crescimento, já que possui em seu rol um alto
percentual de membros de origem brasileira.
A SMBRJ é uma comunidade exclusivamente sunita, sendo sua tradição
dominante a Salafiyya54. Desta forma, os lideres da SBMRJ são críticos de
outras tradições muçulmanas como o sufismo e o culto aos santos do xiismo,
procurando evitar que os membros da comunidade caiam em tais “desvios.”
Dentro do que foi observado, a posição doutrinária não impede a
participação
de
frequentadores
com
outras
“visões”
da
religiosidade
muçulmana. Certamente trata-se de algo que não é aprovado pela liderança,
como apresentou Cavalcante Junior:
O caso mais notório era o de Sanin que idealiza uma ‘irmandade’
chamada ICAMMALES (Irmandade dos Creolos Africanos
Muçulmanos Malês), que tem como objetivo ser uma instituição
religiosa e uma sociedade secreta para os ‘Malês’. Sanin reconstrói a
África com elementos retirados de fontes bibliográficas do final do
século XIX e início do século XX […] Entre as práticas estaria o uso
de talismãs com trechos do Alcorão, além de culto aos antepassados
55
e aos ‘voduns’ . As práticas são consideradas heterodoxas,
‘desviantes’, pela liderança da SBMRJ, motivo pelo qual, segundo
Sanin, os africanos da SBMRJ não usam seus talismãs quando vão
às sextas-feiras à Mesquita (Cavalcante Junior, 2008, p. 117).
Sobre a questão acima, a posição deste presente estudo é que a
liderança da SBMRJ não aceita interferências de práticas que não tenham base
54
Um movimento reformista surgido no séc. XIX que prega a volta a um “Islã original” que
estaria codificado no Alcorão e na Hadith (coleção de tradições do profeta).
55
A palavra vodum é de origem africana e significa “força divina”, “espírito”, “força espiritual.” É
usada para designar os deuses e ancestrais divinizados.
71
no Alcorão ou na Sunna, e que, segundo o Iman, cada indivíduo irá prestar
contas a Deus daquilo que estiver praticando em desobediência à Verdade
apresentada no Alcorão.
A Construção da Identidade
O mundo islâmico defende a ideia de que é uma unidade. A Umma56 – a
comunidade dos fiéis – que existe, sobretudo teoricamente, apresenta um Islã
unido por seus pilares, pelo Alcorão e pelas palavras e exemplos do profeta;
porém, no curso de sua história, os muçulmanos travaram mais combates entre
si do que juntos contra um inimigo comum, que seria o Ocidente. Essa
comunidade dos fiéis tem uma importância pequena porque as fidelidades
étnicas, culturais, tribais, nacionais e linguísticas são mais fortes dentro do
mundo muçulmano que a fidelidade religiosa.
Sobre a discussão acima e a alegação de homogeneidade do Islã,
destaca Demant:
“O islã foi concebido originalmente como religião universal, mas
desde o início foi infiltrado por motivos particulares — desde a luta
pela sucessão (que não foi uma controvérsia teológica, mas sim uma
briga pelo poder) entre vários ramos da família do Profeta. No
histórico confronto entre o islã e as lealdades tribais, as últimas nunca
foram definitivamente derrotadas; em consequência, o islã nunca
produziu um Estado homogêneo, mas uma cadeia de estruturas
políticas sempre frágeis e dependentes de lealdades pessoais,
familiares, etc., em vez de regidas por princípios abstratos” (Demant,
2011, p. 358).
56
Umma ("nação", "comunidade") é um termo que, no Islã, se refere à comunidade constituída
por todos os muçulmanos do mundo, unida pela crença em Allah. É irrelevante a raça, etnia,
língua, gênero e posição social dos seus membros. Todo muçulmano deve velar pelo bemestar dos integrantes da Umma. No Alcorão, o termo surge sessenta e quatro vezes ao longo
do texto, mas na maior parte dos casos não se refere à comunidade muçulmana. É utilizado no
sentido mais amplo, para designar um grupo de pessoas que segue determinado profeta (por
exemplo, a Umma dos cristãos). Ainda de acordo com o Alcorão, toda a humanidade vivia
unida no início, formando uma única Umma. Quando Muhammad morreu, praticamente toda a
Arábia, que antes se dividia em comunidades tribais nas quais seus membros deveriam
proteger uns aos outros, encontrava-se unida numa única Umma, o que possibilitou uma rápida
expansão desta nação.
72
De acordo com a visão de Demant (2011, p. 358) até mesmo o poderoso
Império Otomano sofreu uma falta de coerência interna, o que foi determinante
para seu fim.
Contudo, o Islã tem uma língua (que comunica a palavra de Deus), tem
uma terra nascente, tem um Profeta. E tudo isso faz do povo árabe um povo
privilegiado, pelo menos no mundo muçulmano. Além dos árabes e
descendentes utilizarem o Alcorão na língua original, em momentos de
confraternização procuram estar juntos (algo que foi percebido neste trabalho
de campo). A unidade é pregada nos sermões, mas existe uma separação que
ocorre logo após o término das orações. Com esta última afirmação quero
demonstrar o que pude observar nas visitas que fiz à Mesquita da Luz. Quando
termina o que chamamos de serviço religioso, são formados grupos após os
cumprimentos finais. Por exemplo: os africanos (ou os que eu identifiquei
como) se aglomeram em um determinado espaço da sala; da mesma forma
pude perceber que alguns dos árabes também se juntam em um determinado
local e passam a se comunicar em seu idioma.
Árabes e Descendentes
Dentre os grupos que formam a SBMRJ, destacam-se, em primeiro
lugar, tanto em influência como em participação da liderança, os imigrantes
árabes e seus descendentes. Segundo Gisele Chagas:
“… a etnicidade árabe, neste caso, é percebida como um elemento
privilegiado na aquisição de conhecimento religioso, uma vez que, ao
menos teoricamente, os árabes e seus descendentes nascidos
muçulmanos teriam um maior acesso aos textos sagrados e um maior
convívio com os valores islâmicos, fator que teria permitido o
estabelecimento simbólico de fronteiras étnicas entre os membros da
comunidade” (Chagas, 2006:132).
É perceptível que os acessos às posições privilegiadas na estrutura da
SBMRJ têm a etnicidade árabe como ponto de convergência; as exceções
ocorrem com aqueles que mesmo não sendo árabes ou descendentes, têm
domínio do idioma e conhecimento da cultura.
73
Sendo assim, nos discursos dos membros da SBMRJ, os que detêm o
domínio do idioma árabe, muçulmanos árabes ou descendentes, são
classificados como os que estão mais próximos do saber religioso. O Alcorão
no idioma original é carregado por um árabe como um troféu diante dos demais
participantes.
Para os muçulmanos de origem árabe, o Islã inclui, além dos textos
sagrados, uma série de tradições culturais construídas como islâmicas (rezas
protetoras, amuletos azuis contra mau olhado, celebrações do aniversário do
Profeta, etc. – Pinto, 2010a p. 215). Portanto, dentro da estrutura já preparada
e repassada por gerações, é muito difícil a um indivíduo que não tenha raízes
árabes alcançar o “topo” do conhecimento e ser reconhecido a ponto de fazer
parte da liderança em uma comunidade sunita; exceção à regra se dá quando
cursa uma universidade islâmica num país árabe.
Usarsk fala sobre o impacto do ambiente sobre a religião e comenta a
afirmação de Karl Hoheisel, que diz:
[…] as religiões apropriam-se de maneira abundante de elementos
fornecidos pelos espaços geográficos em que surgem [...]
incorporados ao universo simbólico de maneira seletiva [...] uma vez
que um ambiente geográfico fornece apenas condições básicas que
não determinam as decisões e ações humanas a partir de sua mera
existência física, mas conforme elas são interpretadas” (Usarsk 2007,
p. 186 apud Hoheisel, 1988, pp. 121-122).
Usarsk assevera que para os membros de uma comunidade religiosa
considerarem um espaço “sagrado” torna-se necessário um consentimento
(Usarsk 2007, p. 186).
Esse consentimento é produto de um processo de transmissão no
decorrer do qual as construções de uma geração anterior são
internalizadas pela próxima [...] a partir da sua ‘identificação’ inicial,
ele se ‘reproduz’ na memória coletiva. [...] uma vez ‘identificado’ é
intransferível e continua a estar ligado a uma determinada paisagem.
Isso pode valer até mesmo no sentido de um lugar sagrado fixo
tornar-se, para a referente comunidade religiosa, uma orientação
universal para qualquer ponto da terra. Isso se mostra, por exemplo,
no ‘nicho de oração’ (quibla) apontando para Meca com o qual
qualquer Mesquita no mundo é equipada, ou no direcionamento de
sinagogas e antigas igrejas cristãs ocidentais para Jerusalém (Usarsk
2007, p. 187).
74
Sendo assim, os árabes muçulmanos são representantes do Islã em
todo o mundo não só porque conhecem o idioma e os costumes, mas também
porque têm uma ligação de nascimento com a terra sagrada.
Sobre a importância do espaço sagrado, destaca Eliade:
“Todo espaço sagrado implica em hierofania57, uma irrupção do sagrado
que tem como resultado destacar um território no meio cósmico que o envolve
e o torna qualitativamente diferente” (Eliade, 2011, p. 30).
Neste caso o espaço sagrado para o muçulmano é primeiramente Meca,
depois Medina, ambos no Oriente Médio. Se o muçulmano não pode estar em
Meca, ele reza em direção à cidade. Portanto, o lugar é muito importante para
o muçulmano e seguindo essa mesma lógica, tudo que vem de lá também é
importante, inclusive as pessoas.
Por mais que a direção de uma determinada comunidade muçulmana
procure negar este privilégio árabe, de alguma forma isso está no
subconsciente. Ainda que o indivíduo conheça o idioma e a doutrina, precisa
passar um tempo de convívio com a terra natal do Islã para “receber o aval” a
fim de viver e “levar” não somente a religião, mas também os conceitos étnicos
e culturais da “nação fundadora”, valorizando a cultura e o comportamento que
de alguma forma trazem a lembrança do “lugar sagrado.”
Diante do exposto, mesmo consciente de que os árabes estão em
número menor que brasileiros e africanos, a “comunidade”58 entende que eles
são de fato portadores e estão “mais próximos” da Verdade.
Ainda diante do contexto da influência Árabe, cabe descrever a diretoria
atual da SBMRJ que é composta pelos seguintes membros: Presidente –
Mohamed Zeinhon Abdien, egípcio, muçulmano de origem, com anos de vida
na Espanha; Vice-presidente – Anas Kemel Ayoubi; Secretário – Rogério
Braga, brasileiro; Departamento Financeiro – Ahalam Nader; Departamento
Educacional: Sami Isbelle, é irmão do atual iman, tem origem síria, estudou na
Universidade Islâmica de Medina, Arábia Saudita, com seu irmão Munzer;
57
Mircea Éliade, denominou “hierofania” a essa manifestação do sagrado. Trata-se sempre de
um ato misterioso que revela algo completamente diferente da realidade do mundo natural,
profano.
58
Coloco comunidade entre aspas porque entendo que tal afirmação não encontra apoio total
da Sociedade. Porém, tanto na eleição como no dia a dia da Mesquita, os árabes estão sempre
em posições privilegiadas.
75
Departamento Social: Samer Isbelle; Departamento Feminino: Samia
Isbelle; Conselho: Kemel Ayoubi, Gilbert Mansah (Mussa) e Omar Barakat.
O Iman da Sociedade também é da família Isbelle, portanto de origem
síria e cursou dois anos na Universidade Islâmica de Medina, na Arábia
Saudita, mas tratava-se de curso de língua árabe oferecido para iniciantes. No
entanto, como tem domínio do conteúdo da religião pode exercer a função de
Iman – uma função muito importante na Sociedade. Sami é atencioso e sempre
responde às perguntas com tranquilidade.
Os Africanos
Na SBMRJ os africanos têm uma frequência marcante nas atividades de
sexta-feira.
A
comunidade
dos
africanos
da
Sociedade
é
formada
majoritariamente por senegaleses; também há alguns da Nigéria, Moçambique,
Guiné, Guiné-Bissau, Togo, Gana e Serra Leoa (Cavalcante, 2008, p. 89).
“A presença da ‘África’ na SBMRJ é marcante em diversos domínios
como no imaginário de alguns membros, pessoas que se identificam
como ‘negras’ ou ‘pretas’, que celebram sua origem africana,
idealizam a “nação” dos seus antepassados construindo uma África
homogênea e, por isso, mantêm proximidade de africanos,
considerados porta-vozes desta África que eles buscam reencontrar e
incorporar. Membros da comunidade, militantes do movimento negro,
como Sanin (citado anteriormente). Há a formação de diferentes
identidades africanas, além da formação de redes de amizade entre
africanos a partir do uso de uma língua comum dominada por alguns”
(Cavalcante Júnior, 2008, p. 89).
Na maioria das vezes em que foram realizadas pesquisas na Mesquita,
se pôde constatar que os africanos representam um número considerável nas
orações de sexta-feira: num total de 90 pessoas – incluídas as mulheres –
contou-se 24 africanos59 (ou pelo menos aparentemente identificados como
africanos). Geralmente chegam cedo e ficam juntos e poucos dentre eles
conversam com outras pessoas de fora do grupo. No dia do almoço
comunitário organizado pela diretoria com a finalidade de arrecadar fundos
59
Visita feita no dia 8 de Novembro de 2013.
76
para a construção, foi observado que nenhum daqueles identificados como
africanos permaneceu para o almoço. Não se sabe se a questão é financeira,
uma vez que o valor do almoço é relativamente alto (R$ 20,00) ou se por falta
de tempo, posto que muitos que frequentam a Mesquita saem da oração e dali
se encaminham diretamente para seus empregos60.
Cavalcante Júnior destaca ainda que mesmo entre o grupo de africanos,
existem confrontos que podem ser notados no relacionamento que ocorre
antes e depois das orações.
Mesmo pouco expressa, há a formação de diferentes identidades
africanas, além da formação de redes de amizade entre africanos a
partir do uso de uma língua comum dominada por alguns atores. É o
caso da língua inglesa entre africanos oriundos de ex-colônias
inglesas. Este grupo mantém relações tensas com os africanos
lusófonos, como os angolanos. Um dos motivos dessa tensão é o
domínio da língua portuguesa pelos angolanos que permite uma
maior integração cultural com a sociedade brasileira, o que faz este
grupo ser visto como ‘esnobe’ por outros africanos que chegam ao
Brasil sem o domínio da língua portuguesa (Cavalcante Júnior, 2008,
p. 89).
Estes aspectos influenciam decisivamente a construção de diferentes
identidades africanas no Islã presente no Rio de Janeiro.
Percebe-se também que grande parte dos africanos da SBMRJ criou
raízes no Brasil, casou-se com brasileiras e tiveram filhos brasileiros
(Cavalcante Júnior, 2008, p. 90).
Os africanos que frequentam a SBMRJ, em geral, estão no Brasil pelos
seguintes motivos:
[...] por meio de intercâmbios estaduais, como estudantes de
graduação ou pós-graduação. Alguns se refugiaram aqui fugindo de
guerras civis e conflitos étnicos em seus lugares de origem, e outros,
simplesmente, emigraram buscando melhores oportunidades [...]
(MONTENEGRO, 2000: 46).
Além da presença marcante nas orações de sexta-feira, os africanos
protagonizam uma luta constante contra a arabização; eles representam uma
alternativa dentro do espaço da Mesquita. Mesmo que para os africanos esta
60
Como é o caso do Iman Munzer, que declarou trabalhar no comércio.
77
rivalidade não exista, alguns brasileiros revertidos não só têm ciência de tal
rivalidade, mas acabam “tomando partido.” Dentre as entrevistas apresentadas
em sua dissertação, Cavalcante Júnior (2008) nos apresenta a história de um
brasileiro revertido ao Islã e participante de movimento negro:
Yahia vai a SBMRJ para participar da oração coletiva de sexta-feira,
com uma galabia branca com manchas pretas imitando a pele de
uma zebra, outras vezes vai com uma camisa onde há um mapa da
África onde se podia ver alguns países e no topo escrito ‘bismillah alrahman al-rahim’. Em outra parte da camisa está escrito ‘Genocídio
de Pretos Séc. XIX’ lembrando, segundo ele, os ‘mártires malês’.
(Cavalcante Júnior, 2008, p. 75).
Segundo a ideia pregada nos sermões da Sociedade, esta reversão em
“busca da recuperação de raízes africanas pode ser vista como um motivo não
legítimo para a adoção da religião” (Cavalcante Júnior 2008, p. 75), pois
segundo a liderança, o Islã não é nem árabe, nem africano, mas para todo o
mundo.
Os Brasileiros Revertidos61
Na SBMRJ, a maioria dos membros é composta por revertidos,
conforme destaca o site da instituição:
“Atualmente, cerca de 70% dos irmãos frequentadores desta Sociedade
são brasileiros revertidos à religião islâmica.”62
Pesquisadores apontam um número ainda maior de revertidos, como
destaca Ribeiro:
O que presenciamos hoje nas Mesquitas brasileiras é um grande
contingente de brasileiros diante dos descendentes de imigrantes
árabes… em se tratando de islamismo de conversão alguns dados
são relevantes: 85% dos frequentadores das Mesquitas no Rio de
61
Para os muçulmanos, a expressão “revertido” significa “aquele que retorna a Deus.” O
muçulmano considera que todos nascem muçulmanos, no entanto, muitos se afastam de Deus.
O retorno a Deus é denominado reversão. É revertido todo aquele que professa a Shahada:
“Não há Deus, se não Deus, e o profeta Muhammad é seu mensageiro.”
62
http://sbmrj.org.br/a-sbmrj/institucional visitado em 06/11/2013. Já o Presidente da Instituição
declarou ao presente trabalho que o total de brasileiros chega a 85%. Como afirma também
Barros no artigo: O que importa é a intenção: A reconfiguração do “self religioso” na conversão
de mulheres ao Islã na Mesquita da Luz, Rever, nº 01, Janeiro de 2013.
78
Janeiro são brasileiros revertidos, sendo que o número destes saltou
de 15% em 1997 para 85% em 2009 (Ribeiro, 2012, p. 121).
Para facilitar a investigação de como os brasileiros chegam ao Islã, o
pesquisador Gabriel Pinto apresenta quatro padrões de reversão63 que pôde
identificar quando fez seu trabalho de campo:
‘Conversão matrimonial’ – que inclui pessoas que se converteram
para casar com muçulmanos ou muçulmanas ou por estarem
casadas com pessoas que se converteram ao islã.
‘Conversão afetiva’ – que envolvem pessoas que conheceram e
aderiram ao islã a partir de relações de admiração ou amizade com
muçulmanos com os quais elas convivem em ambientes de trabalho,
estudo ou lazer.
‘Conversão intelectual’ – que geralmente está ligada a membros da
classe média ou estudantes universitários que se interessaram em
conhecer melhor o islã, devido à sua visibilidade na mídia ou à
curiosidade despertada por cursos universitários, e acabaram por se
identificar com a sua dimensão religiosa.
‘Conversão ideológica’ – que envolve ex-militantes de partidos ou
movimentos de esquerda que, ao se desiludirem com os rumos da
esquerda no Brasil, veem no islã uma nova forma de ‘terceiro
mundismo’ que inclui a luta contra o imperialismo na sua mensagem
religiosa (Pinto, 2010 a, p. 212-213).
O que mais chama a atenção é o fato de que desde 1993, com as
mudanças ocorridas na direção da SBMRJ, o número de revertidos vem
aumentando
gradativamente.
Isto pode ser confirmado por trabalhos
acadêmicos dos seguintes autores: Montenegro, 2000; Pinto, 2005 a; Chagas,
2006; Cavalcante, 2008; Júnior, 2011; Ribeiro, 2012.
Nesta pesquisa ficaram confirmados os dados acima e se estabeleceu
contato com brasileiros que apontam o Islã como a solução para os problemas
da nação. Tais brasileiros abandonaram hábitos arraigados, como o consumo
de bebidas alcoólicas e de carne de porco. Fato que merece destaque é que
grande parte dos revertidos são os únicos muçulmanos de suas respectivas
famílias. A pesquisa também demonstra que alguns passaram por outras
religiões até chegar ao Islã na SBMRJ.
Assim como em outros credos, existem muitas particularidades e
interesses diversos daqueles que se revertem ao islamismo. Por exemplo:
alguns se envolveram com o Islã por se decepcionarem com a política;
63
Desde o início preferi trabalhar com o termo reversão. Já Pinto (2010) utiliza conversão.
79
diversamente, o jovem Fernando, para desenvolver um trabalho de conclusão
do curso de Jornalismo, passou a frequentar a SBMRJ e estudar mais sobre o
Islã, tornando-se então um revertido antes de terminar o trabalho.
Segundo Liza Barros, os revertidos são automaticamente incluídos no
meio de uma disputa silenciosa e contundente pelo poder na SBMRJ:
Como demonstra Gisele Chagas (2006), a Mesquita da Luz (SBMRJ,
à época de sua etnografia) deve ser compreendida como uma arena
de disputas e conflitos em torno da valorização e consagração do
conhecimento religioso, elemento fundamental na organização interna
da comunidade sunita do Rio de Janeiro, estabelecendo posições
hierárquicas e conferindo mais ou menos prestígio e autoridade aos
seus membros. Esse processo pode ser observado, de forma
paradigmática, na construção das autoridades religiosas, que
precisam não só ter conhecimento, mas também demonstrá-lo
publicamente e ser reconhecidos pelos membros da comunidade,
para que tenham a sua posição legitimada. Assim a performance
religiosa (discursiva, ritual e moral) é o modo pelo qual uma
autoridade conquista e mantém a sua posição na ‘hierarquia do
saber’ operada pela comunidade (Chagas, 2006, 54 – op cit, Barros,
2012, p. 79).
Cavalcante, 2008, p. 36, aponta que o brasileiro revertido deve ainda
escolher entre o processo de “arabização” ou de “africanização” dentro da
SBMRJ.
Entendo que o processo de “arabização” é quase imposto na sociedade;
quem não tem facilidade para conviver e aceitar os preceitos do mundo árabe
tem muita dificuldade para se manter na SBMRJ. Já o processo de
“africanização” pode ser compreendido não só pelo que a África fez ao Islã e
vice-versa, mas pelo que a África fez ao Brasil. Valorizar a África é voltar às
raízes, segundo alguns brasileiros convertidos que se identificam com o
movimento africano. Além da presença numericamente significativa dos
africanos nas orações de sexta-feira, existe ainda uma forte ligação com o
Brasil, seja na formação do povo brasileiro e também do sentimento de dívida,
por tudo que ocorreu no passado, especificamente no período escravocrata. O
processo de “africanização” também é reforçado pelo que já escrevemos no
primeiro capítulo sobre o Islã Afro: a presença dos escravos islâmicos e a
prática religiosa no Brasil. Ainda que o Islã possa ter chegado antes dos
escravos, ele só passou a ser praticado efetivamente naquele período.
80
As Mulheres
No mundo muçulmano, a posição da mulher é inferior à do homem. Pelo
menos em linhas gerais, essa situação reflete a realidade sociológica da
comunidade pré-islâmica da qual a religião emergiu. Com o advento do Islã,
percebe-se uma melhora na situação da mulher no séc. VII, na Arábia, uma vez
que passou a ter existência jurídica. Em vez de ser vista como posse, passa a
ter direito a posse (Demant, 2011, p. 150).
O Islã vê a mulher, solteira ou casada, como um indivíduo
independente com direito de ter e dispor de sua propriedade e
ganhos sem qualquer custódia legal sobre ela (seja do pai, marido ou
qualquer outra pessoa). Ela tem direito de comprar e vender, dar
presentes e caridade e pode gastar seu dinheiro como quiser. Um
dote de casamento é dado pelo noivo para a noiva para seu uso
pessoal, e ela mantém seu nome de família ao invés de tomar o
nome da família do marido (Abu-Harb, 2008, p. 62).
Segundo Ziauddin Sardar, na época de Muhammad, as mulheres
andavam livres na sociedade, rezavam com os homens na Mesquita, guiavam
as orações e desempenhavam papel de liderança na vida pública (Sardar,
2010, p. 137). O autor afirma que foi o califa Omar quem instituiu orações
separadas, baniu iman femininas e determinou que as mulheres se cobrissem.
Aïcha El Hajjami64, em seu artigo escrito em 2008 para a revista Pagu,
retrata de forma singular e acadêmica o princípio de igualdade apresentado no
Alcorão e na Sunna e discute os textos, enfatizando que a visão apresentada
hoje pelo Islã tradicional não condiz com uma interpretação coerente, já que
segue os parâmetros de uma sociedade patriarcal. Portanto, não são os
Escritos que limitam a atuação da mulher, e sim, uma interpretação dentro de
uma visão patriarcal:
É uma leitura baseada numa interpretação restritiva e rígida dos
textos corânicos. Assim, muitas regras jurídicas, ditas islâmicas ou
qualificadas como chari’a, são construções dos primeiros juristas
muçulmanos que, na verdade, realizaram um imenso trabalho de
interpretação e de racionalização para adaptar as prescrições
Pesquisadora do Centre d’Etudes et de Recherche sur la Femme et la Famille (CERFF),
Faculdade de Direito, Universidade Cadi Ayyad, Marrakech. http://iea:um5s:ac.ma. Artigo
escrito ao Caderno Pagu nº 30, janeiro-junho de 2008:107-120. Visualizado no site:
http://www.scielo.br/pdf/cpa/n30/a09n30.pdf.
64
81
corânicas às realidades sociais de sua época. No entanto, muitas
vezes, as normas que eles estabeleceram nos domínios familiares
refletiam as resistências masculinas às mudanças inauguradas pelas
recomendações corânicas. O mesmo ocorreu com os usos e
costumes
reinantes
nas
sociedades
árabe-muçulmanas
frequentemente apresentadas como se fizessem parte das
recomendações islâmicas. Nos nossos dias, a manutenção de certas
leis discriminatórias nas legislações de um grande número de
Estados pertencentes à esfera árabe-muçulmana, assim como as
ressalvas que acompanham as ratificações das convenções
específicas dos direitos das mulheres, impõe uma reflexão sobre a
noção de igualdade nos textos sacros do Islã, na sua relação com o
contexto (El Hajjami, 2008, p. 110).
Para El Hajjami, a identificação de um tratamento desigual no Islã fere o
principio de igualdade apresentado pelo Alcorão. Utilizando o texto corânico,
ela defende este princípio de igualdade mostrando que Deus não difere o
tratamento entre os seres humanos.
Ó filhos de Adão, criamo-vos (sic) machos e fêmeas e dividimo-vos
(sic) em povos e tribos para que vos conhecêsseis uns aos outros.
Aos olhos de Deus, o mais nobre dentre vós é o mais piedoso. Deus
é informado e sabe (Alcorão 49:13).
Essa abordagem igualitária encontra-se nos versículos corânicos e os
hadiths relativos às relações específicas no interior do casal. É
significativo que a quarta sura intitulada ‘as Mulheres’, que contém a
maior parte das prescrições relativas à vida familiar, abre-se com a
ideia da origem comum do homem e da mulher que é ‘alma única’
(nafs), logo aconselhando uma atitude defensiva contra uma
agressão eventual sofrida ou temida (El Hajjami, 2008, p. 112).
Destaca ainda que:
A tradição do profeta foi igualmente portadora de um projeto de
transformação social profunda. O profeta iniciou, com suas palavras e
sua prática cotidiana, a reconstrução das relações entre os sexos
sobre uma base igualitária: ‘As mulheres são as irmãs uterinas dos
homens diante das leis’ diz ele num hadith. Ele dizia num outro hadith
que percebia no fato do homem aplicar-se às tarefas caseiras, um ato
pedagógico de humildade e de reeducação, apropriado para
combater a vaidade masculina, e dava ele mesmo o exemplo
assumindo diferentes tarefas dos cuidados da casa, reservadas
tradicionalmente às mulheres e consideradas como aviltantes para
um homem (El Hajjami, 2008, p. 113).
82
Por meio da mídia, é possível tomar conhecimento de que há meninas
impedidas de frequentar a escola em algumas regiões, como foi no caso da
jovem Malala Yousafzai65, hoje com 16 anos. A jovem teve a vida marcada por
contrariar o regime imposto pelo Talibã. Ela é do Paquistão e quando criança
podia estudar; porém, como a influência do Talibã se tornou maior na região na
qual morava, em 2008, houve uma determinação suspendendo aulas para as
meninas por um mês. Seu pai, um ativista educacional, resolveu lutar,
solicitando ajuda ao exército para manter as aulas. Mais tarde, Malala passou a
escrever um blog (Diário de uma Estudante Paquistanesa)66 sobre os
problemas enfrentados, tornando-se conhecida internacionalmente por sua
causa e sofrendo, então, um atentado; ficou hospitalizada em seu país e depois
foi trasladada para o Reino Unido. Recuperada, Malala se tornou uma ativista
pela educação.
Com respeito ao Afeganistão, lemos também sobre mulheres impedidas
de trabalhar e de andar pelas ruas. Algumas tiveram os dedos decepados por
pintarem as unhas. A situação piorou muito para a mulher no Afeganistão a
partir da tomada do Talibã67.
Importante destacar que não se devem atribuir ao Islã atos de facções
criadas como movimentos políticos, com a intenção principal de dominação e
não de divulgar e viver a verdadeira religiosidade ensinada através do Alcorão.
Na SBMRJ, nota-se um ambiente tranquilo e amigável. Antes e após as
orações, os homens podem sentar-se próximos às mulheres e conversar.
Geralmente, ao término das orações, elas ficam sentadas no tapete que fica no
fundo da Mesquita. Por não ser da comunidade, não obtive acesso direto às
mulheres, mas foi possível trocar algumas poucas palavras. Para uma melhor
compreensão de quem são estas mulheres, convém destacar o trabalho de
Liza Dumovich Barros68, que nos proporciona histórias interessantes sobre
65
Este não é nosso principal assunto, mas é preciso destacar este episódio para demonstrar
até onde pode chegar a intolerância de um regime que diz seguir o Alcorão e a Sunna.
66
http://marchamulheres.wordpress.com/tag/diario-de-uma-estudante-paquistanesa/in Nov/13.
Visualizado em 12 de Novembro de 2013.
67
Movimento fundamentalista islâmico de caráter nacionalista que se difundiu no Paquistão e
sobretudo no Afeganistão a partir de 1994; efetivamente, governou o Afeganistão entre 1996 e
2001.
68
Mestre em Antropologia pela Universidade Federal Fluminense (UFF), pesquisadora do
Núcleo de Estudos do Oriente Médio (NEOM/UFF) e Coordenadora do Centro de Estudos do
Oriente Médio da Universidade Cândido Mendes (UCAM).
83
mulheres que frequentam a SBMRJ. A dissertação analisa a conversão de
mulheres na Mesquita da Luz e aponta para questões que:
[...] envolvem a reconfiguração do seu ‘self religioso’ e a reelaboração
da sua feminilidade, a partir da incorporação de novos ideais e
disposições morais informados pela religião. A análise focaliza os
componentes desse processo, como a ‘crise de vida’, o afeto por um
homem muçulmano, construído a partir de um imaginário orientalista
romântico, o ritual de conversão, a performance das práticas
disciplinares prescritas pela tradição islâmica segundo a definição
local, e o efeito que eles exercem sobre o self religioso corporificado
daqueles agentes (Barros, 2012, p. 7).
O trabalho de campo de Liza revela informações importantes para a
construção da identidade feminina na Mesquita da Luz:
O que realmente chama a atenção é que, das 20 mulheres
muçulmanas convertidas, 17 passavam por situações de crise
quando entraram em contato com o Islã pela primeira vez. Desses
encontros, 14 aconteceram por intermédio de um ‘amigo’ muçulmano
que conheceram na internet, com quem se comunicavam em inglês.
Redes sociais como Orkut e Facebook, sites de relacionamento e
salas de bate-papo, geralmente, com vídeo foram os espaços onde
elas conheceram diversas pessoas, de praticamente todo o mundo, e
se aproximaram, curiosamente, de um homem muçulmano. A única
vez que uma das mulheres pretendeu consumar uma relação online
sem nunca ter visto o pretendente através de webcam nem em
fotografias, ela foi execrada e tachada de louca pela sua melhor
amiga, outra muçulmana convertida, que a convenceu a desistir do
‘estranho.’ Nas trajetórias de conversão que recolhi, as crises de vida
podem ser classificadas em três tipos, muitas vezes em
sobreposição: 1) Crise por separação conjugal, cujos motivos são,
sobretudo, traição do marido com outra mulher, mas também maus
tratos do parceiro, perda de interesse de uma das partes e
irresponsabilidades do marido em relação ao patrimônio conjunto.
Esses motivos podem se combinar. 2) Crise por problemas de saúde,
que inclui males físicos e psicológicos, seja consigo própria ou com
alguém da família. 3) Crise por queda do padrão de vida, ligada à
própria separação, ao abandono de negócios em sociedade com o
marido ou a atitudes irresponsáveis do cônjuge face aos bens do
casal (Liza, 2012, 91-92).
Na SBMRJ não existe uma divisão de espaço separado por parede para
a oração das mulheres; elas ficam no mesmo espaço que os homens, mas na
parte de trás do salão. Ao questionar um membro sobre a posição para oração
feminina, ele me respondeu: “As mulheres ficam atrás para não tirarem a
atenção dos homens na hora da oração”.
84
Percebi no trabalho de campo que algumas mulheres chegam à
Mesquita com a cabeça descoberta e colocam o véu ao entrarem em suas
dependências, geralmente o hijab69; outras chegam com uma vestimenta
comum, sem o véu, e se trocam para entrarem na sala de oração. O uso deste
símbolo religioso, o véu, é entendido como uma forma de obediência a Deus e
significado como parte da identidade muçulmana. No caso da comunidade
muçulmana sunita do Rio de Janeiro, o uso do hijab, apesar de não ser uma
imposição, é recomendado pela liderança da comunidade e as mulheres
muçulmanas que não usam são frequentemente afetadas por suaves pressões
das que já usam, uma vez que o hijab é percebido localmente como fazendo
parte da tradição islâmica mais ampla.
Desta maneira, o uso do hijab e a adoção de um código islâmico para o
vestuário se configuram como uma combinação que delineia a identidade
religiosa das mulheres muçulmanas, tornando o próprio corpo da mulher um
veículo para a divulgação e afirmação de certos valores morais e religiosos no
contexto local. O uso do hijab, assim como o casamento e a constituição de
família, por exemplo, é tomado como um indicador de moralidade e
religiosidade. Ao conversar sobre o assunto com o iman, ele respondeu que a
mulher tem que utilizar o véu em todos os momentos em que aparece em
público, porém ele não pode forçá-las a isso. “Quem não cumpre é
desobediente” (Diz Munzer).
Ao concluir este capítulo, verifica-se que neste conjunto de informações,
desde a inauguração, o desenvolvimento e o esforço (Jihad) da SBMRJ para
manter-se de pé, tudo colaborou para que fosse criado um formato único, uma
Sociedade com padrão individualizado, um “Islã carioca.” Na SBMRJ, todos os
grupos influenciam e são influenciados, evidentemente em graus diferentes.
Lembremos que mesmo sendo o número de árabes inferior ao grupo de
brasileiros revertidos e africanos, são eles os protagonistas da parte normativa
da Sociedade.
Entretanto, a identidade da SBMRJ não é somente aquela apresentada
no site, no Jornal da Instituição ou no sermão de sexta-feira, mas aquela
69
Este véu cobre o cabelo, nuca, pescoço e ombros.
85
apresentada no dia a dia e somente percebida pelos membros mais frequentes.
Sobre a influência de alguns membros na SBMRJ, Júnior destaca:
Munzer e Sami, irmãos, o primeiro assumindo funções no Imanato da
comunidade em momento de transição, portanto tendo acesso
constante ao minbar, proferindo a khutbah; o segundo, responsável
pelas aulas de religião, dirigindo o Departamento Educacional.
Fernando, envolvido com a organização do site da SBMRJ e da
circulação do jornal Nurul Islam (Luz do Islã) e das aulas de religião,
juntamente com Sami. Por fim, Idriss, professor de árabe.
Corroborando as descrições de Gisele Chagas, temos aqui ainda um
domínio do elemento árabe – Sami e Munzer tem origem síria, Idriss
de formação muçulmana, é falante fluente do árabe e socializado na
tradição islâmica. Fernando aqui aparece exclusivamente por meio de
seu mérito no domínio do conhecimento religioso [...] figuras que
estão diretamente envolvidas no controle e organização. [...] Detalhe
importante aqui é o fato de nenhum desses quatro elementos ter
formação religiosa formal. Tanto Sami como Munzer estudaram na
Universidade Islâmica de Medina, Arábia Saudita, mas tratava-se de
cursos de língua árabe oferecidos para iniciantes. O curso dura dois
anos, por 4 módulos, conta com avançado conteúdo religioso, de
onde, evidentemente eles conseguem o domínio e a legitimidade para
falar sobre o Islã. Este, no entanto, não é um curso superior em
estudos de religião islâmica. Ambos têm formação superior, mas no
Brasil. Fernando é jornalista formado e Idriss tem formação em física
no Burquina Fasso, sendo o seu conhecimento profundo produto de
esforço de praticante (Júnior, 2012 p 131).
Tais figuras são tão importantes para a comunidade que mesmo na
distância de dois anos de pesquisa do atual trabalho de campo no conceito de
Júnior, identificaram-se os mesmos personagens envolvidos com as mesmas
atividades.
Além dos nomes apresentados por Júnior, como mais influentes, são
acrescentadas mais duas personagens: Mohamed Zeinhon Abdien, egípcio,
muçulmano de origem, com anos de vida na Espanha. Um homem
aparentemente “carrancudo”, porém atencioso, sempre pronto a ouvir os
questionamentos. Ele também possui muita influência, posto que tudo o que
envolve administração e comportamento deve ter o seu aval. Por exemplo,
para que a Mesquita pudesse ser fotografada, Fernando teve que pedir
autorização a Mohamed. O mesmo se deu na pesquisa quanto ao
preenchimento dos questionários.
Outra personagem importante é Saidul Rahman Mahomed, nascido em
Maputo, capital de Moçambique, filho de indianos muçulmanos. Foi criado
86
ouvindo a recitação do Alcorão e sua educação passou pela leitura do Alcorão
em Árabe.
Saidul é o proprietário da Qualitymark e sua trajetória é uma história de
superação, como demonstrou em entrevista ao Nurul Islam:
No ano de 1977, a revolução comunista em Moçambique fez com que
Saidul Rahman emigrasse com sua esposa, também muçulmana,
para o Rio de Janeiro. Chegaram com US$ 400,00 (quatrocentos
dólares) e a roupa do corpo para começar uma nova vida. Seu
primeiro emprego foi como vendedor de livros no grupo Manchete,
propriedade de um judeu, onde cresceu profissionalmente. Na
empresa, sonhou ter uma editora e a planejou, trabalhando depois no
grupo CBS/Sony Music como gerente. Após uma rápida passagem
pela editora Record [...] Em 1990, o então presidente Collor congelou
as poupanças. Nasce aí a Qualitymark Editora com um capital de
apenas US$ 200,00, e que em 2012 completou 22 anos de atividades
com mais de 1.050 livros publicados (Nurul Islam, julho-setembro de
2012, N° 10, p. 4).
A editora criada por Mohamed tem um selo chamado Azan e já publicou
nove livros sobre a fé islâmica, assim como livros que possuem registros
oficiais e podem ser utilizados como fonte de pesquisa acadêmica. Além da
editora, Mohamed é importante por ser um dos poucos que frequentam a
SBMRJ desde a década de 70. Mohamed declarou que hoje vê um trabalho
mais articulado, diz ele: “No passado, nos encontrávamos apenas para a
oração das sextas-feiras e datas festivas.”
Temos reuniões frequentes, aulas de ensino do árabe, ensino do
Islam e encontro de famílias, o que é ótimo, pois nos permite um
convívio maior com os irmãos. Vejo o esforço para integração dos
revertidos, no sentido de orientar e encaminhá-los na senda reta.
Percebo hoje um ambiente de mais respeito, de camaradagem e
solidariedade. Creio que o passo maior foi quando tomamos a
decisão de partir para a construção da Mesquita da Luz. Iniciativas de
trazer sheiks e luminares de outros estados e países [...] e a Mesquita
nos permite a concretização dessas ações (Nurul Islam, julhosetembro de 2012, n° 10, p. 4).
A entrevista de Mohamed, além de revelar mudanças comportamentais
nos membros e frequentadores da Sociedade, aponta novas perspectivas com
a construção da Mesquita da Luz. Além de espaçoso, o novo endereço ampliou
os horizontes e possibilitou a realização de eventos importantes para a
divulgação do Islã.
87
Além da influência de pessoas como Mohamed, outros projetos
contribuíram para o desenvolvimento da SBMRJ: 1) a criação do jornal
informativo Nurul Islam70 (Luz do Islam), que é publicado trimestralmente com
uma tiragem de quatro mil exemplares; 2) a participação em eventos como a
Bienal do Livro no Riocentro, a Cúpula dos Povos na Rio+20 e a criação de
atividades como gincanas no espaço físico da Mesquita, além de um projeto
inovador de ginástica para as mulheres. Desta forma a SBMRJ tem divulgado o
Islã e se tornado conhecida da sociedade carioca.
A SBMRJ pretende continuar com o curso de Árabe e Introdução ao Islã
e criar espaços para estudo nas cidades mais importantes do estado, como já
existe, p. ex., em Niterói71; além disso, também faz parte do projeto futuro da
Instituição ter o seu próprio Sheik. Em sua entrevista, Mohamed fez a seguinte
declaração ao Nurul Islam:
Não vejo a hora de concluirmos a Mesquita da Luz. Acredito que
quando isso acontecer subiremos para um outro patamar. Apesar de
contratempo de toda ordem conseguimos avançar, mas ainda há
muito a fazer. Temos diversos projetos e ações para concluir. O
primeiro passo é sempre mais difícil, mas com a força e bênção do
Altíssimo podemos chegar lá. Depois da Mesquita, o desafio é ter um
cemitério islâmico (Nurul Islam, julho-setembro de 2012, N° 10, p. 5).
Apesar de Mohamed não fazer parte da diretoria, em seu discurso e no
contato com outros membros, é possível perceber sua grande importância para
a SBMRJ. Além de captador de recursos, ele é um incentivador de projetos
inovadores que não ferem a base doutrinária do Islã sunita vivido e pregado na
SBMRJ.
No próximo capítulo, procuro apresentar como todo esse conjunto de
informações se junta para formar a dinâmica da SBMRJ. Quem são os
representantes ou porta-vozes da instituição diante da imprensa e da
sociedade carioca e brasileira?
70
Destaca-se no exemplar de nº 07 uma declaração do Professor Paulo Gabriel Hilu da Rocha
Pinto de como conheceu a SBMRJ, escreveu artigos e passou a enviar alunos de mestrado e
doutorado das instituições que leciona.
71
Jornal Nurul Islam pág. 4, Ano II n° 9, Abril/Junho de 2012.
88
Capítulo 3 - A Dinâmica da Mesquita da Luz
Neste capítulo apresento o calendário, a base da liturgia muçulmana
sunita e sua aplicação na Mesquita da Luz. Também destaco outros eventos
que se desenvolvem na dinâmica anual da SBMRJ, que a partir de 2007
passou a ocupar o endereço da Rua Gonzaga Bastos, número 77, criando uma
dinâmica semanal para envolver um número maior de participantes.
Segundo o site da instituição as atividades regulares são:
Realização das orações de sexta-feira (salat jum’a) na mesquita,
iniciando sempre às 12h30min, exceto durante o horário de verão,
quando a oração passa a começar às 13h. Tanto o sermão quanto a
oração são abertos ao público; Almoço na mesquita após cada
oração de sexta-feira.
Pude perceber que o muçulmano preza pela pontualidade. Estive
presente em algumas reuniões tanto no horário normal quanto no horário de
verão e em ambos os casos sempre se iniciava o horário marcado,
independentemente do número de participantes. Já o almoço anunciado no site
da instituição nem sempre acontece; quando acontece, um número bem
pequeno participa72.
Realização das 5 orações diárias na mesquita, bem como as do
Tarawih e o Itikaf durante o mês de Ramadan; Quebra de jejum
coletiva no mês de Ramadan; Celebração de casamentos, encontros
das famílias, cine-islâmico (onde passamos algum documentário ou
filme relativo ao Islam e o comentamos), passeios em grupo, etc.
O Ramadan é um mês festivo. Não é possível perceber qualquer
aparência de sacrifício no jejum de 12 horas de todos os dias. Percebemos a
alegria dos fiéis que participam das atividades regulares e a frequência é maior
neste período.
Distribuição de alimentos a moradores de rua, sempre que existem
recursos para tal; Promoção de várias ações sociais, como campanha
do agasalho, doações de sangue em grupo, reciclagem de óleo de
72
Em um universo de 90 pessoas, aproximadamente 15 a 20 delas ficam para o almoço.
89
cozinha, etc. Participação na mídia através de entrevistas em rádios,
emissoras de televisão, jornais e revistas, a fim de esclarecer pontos
relativos ao Islam e aos muçulmanos;
As ações sociais são agendadas dependendo da disponibilidade
financeira e de pessoal e geralmente acontecem no Centro do Rio ou no bairro
da Tijuca, próximo à Mesquita. As doações de sangue ocorrem no HEMORIO e
os contatos com programas de televisão e entrevistas ficam a cargo de Sami,
irmão do Iman, que gravou várias vinhetas respondendo questões hodiernas
sobre fé e comportamento humano ao programa “Sagrado” da Rede Globo de
Televisão.
Diversas aulas para muçulmanos e não muçulmanos. Dentre elas,
podemos citar o curso de Introdução ao Islam e à Língua Árabe, que
é aberto à comunidade em geral, aulas de memorização do Alcorão
para crianças e adultos, aulas e palestras de temas diversos em
vários períodos do ano; Atendimento na mesquita às pessoas que
procuram conhecer o Islam, a estudantes que precisam realizar
pesquisas acadêmicas sobre a religião islâmica, como visitas de
escolas com seus alunos que vêm conhecer a mesquita, além do
acompanhamento individualizado para os novos revertidos.
Uma “ferramenta” interessante é o curso de Introdução ao Islã e à
Língua Árabe. Presenciei 30 pessoas em sala quando visitei a instituição em
2012. No segundo semestre de 2013 fui informado que o curso estava
momentaneamente paralisado devido ao esforço para o término das obras da
Mesquita. A SBMRJ recebe muito bem os estudantes que procuram a
instituição para confecção de trabalhos acadêmicos por meio do membro
Fernando Celino, que é jornalista e faz as vezes de Relações Públicas da
SBMRJ.
Realização de diversas atividades em universidades e escolas, como
palestras, debates, fóruns, seminários, etc., participação em
encontros de diálogo inter-religioso e engajamento em várias
comissões de nível governamental para assuntos que dizem respeito
ao Islam e aos muçulmanos. [...] Publicação de livros islâmicos em
português através de uma parceria com a editora Azzan. Devido ao
alto custo, a revista foi transformada em um jornal de mesmo nome,
que atualmente é o veículo de comunicação impresso da SBMRJ,
bimestral e enviado para as 40 principais mesquitas e centros
islâmicos de todo o Brasil; distribuição de livros islâmicos gratuitos
aos frequentadores e visitantes da SBMRJ, bem como em eventos
externos (table dawa), por meio de uma parceria com a Federação
das
Associações
Muçulmanas
do
Brasil
(Fambras)
(http://sbmrj.org.br/a-sbmrj/atividades-regulares).
90
No final deste capítulo apresento algumas atividades da SBMRJ no ano
de 2013, como visitas a universidades, palestras e seminários. Também utilizo
o jornal Nurul Islam e alguns livros publicados pela SBMRJ como fonte de
pesquisa para meu trabalho.
A principal reunião na Mesquita é a oração de sexta-feira, quando a
maioria dos muçulmanos está presente. Porém, apresento neste capítulo
outras atividades que existem na Mesquita da Luz: o curso de Língua Árabe e
de Introdução ao Islamismo, as festas, o Ramadan e atividades voltadas para
integração dos membros, como: almoço na sexta-feira, futebol para os homens
e ginástica aos sábados para as mulheres.
Relato as atividades com a intenção de identificar o esforço da SMBRJ
para se mostrar à sociedade carioca e de alguma forma, apresentar a
religiosidade muçulmana como algo possível ao brasileiro.
Para compreender melhor as datas festivas muçulmanas, é importante
destacar que o ano muçulmano segue o calendário lunar, composto de doze
meses cujas transições são marcadas pela fase da lua nova. Como cada mês
lunar pode ter 29 ou 30 dias, o total do ano comporta algo em torno de 354
dias. Para que o calendário não se afaste demais do ciclo natural das estações,
na Arábia antiga eram feitas correções acrescentando um mês a cada três
anos. Porém, o Alcorão proibiu tal acréscimo:
Para Deus, são doze os meses, conforme consta no Seu Livro desde
que criou os céus e a terra. Quatro deles são sagrados: assim ensina
a religião verídica. Não vos prejudiqueis uns aos outros nesses
meses. E combatei os descrentes como eles vos combatem [...] o
adiantamento de um mês sagrado é fruto da má orientação e um
excesso de descrença. Legalizam-no num ano e proíbem-no em outro
ano para fazerem concordar o número de meses proibidos por Deus.
Legalizam assim o que Deus proibiu. Suas ações condenáveis lhes
parecem belas. Deus não guia os descrentes (Alcorão: 9.36-37).
Os meses do calendário muçulmano são: 1º Muharram, 2º Safar, 3º
Rabi al-Awwal, 4º Raby al-THaany, 5º Jumaada al-Awal, 6º Jumaada alTHaany, 7º Rajab, 8º Sha'aban, 9º Ramadan, 10º Shawwal, 11º Dhu al-Qidah
91
e 12º Dhu al-Hija. Dentre eles, são considerados sagrados: Muharam, Rajab,
Shá'ban e Ramadan.
De uma forma geral, estas são as festas do mundo muçulmano:
No primeiro dia do mês Muharram, é que se celebra a recordação da
hégira. No 12º dia do mês de Rabi, o nascimento de Muhammad. No 27º dia do
mês de Rajab, a recordação da ascensão noturna ou viagem de Muhammad ao
céu. No 15º dia do 8º mês (Sha'aban), comemora-se a mudança da direção da
oração, efetuada em Medina, em 623.
A festa no Mês Ramadan, 9º mês. Na verdade o que chamamos de festa
é a quebra coletiva do jejum, todas as noites do mês na mesquita; a festa
propriamente dita (quebra do mês de jejum) acontece no primeiro dia do 10º
mês (sawwal). O Ramadan é um mês sagrado, pois nele teve início a revelação
do Alcorão (2.185). Pinto destaca que além da revelação do Alcorão, outros
acontecimentos marcaram a história do Islã neste mês.
Nele ocorreram o nascimento de Hussein, neto de Muhammad e
terceiro Iman, líder para os Xiitas; a morte de Ali, quarto califa e
primeiro Iman; a morte de Khadija e a batalha de Badr, em que houve
a primeira vitória do Profeta e seus companheiros contra as forças de
Meca (Pinto, 2010b, p. 61)
O Ramadan modifica o ritmo da vida social nos países de maioria
muçulmana. Após o pôr do sol, acontece um verdadeiro frenesi alimentar,
geralmente nos lares ou até mesmo em lugares públicos. Após a alimentação
inicial, a vida social reaparece e restaurantes e lojas abrem ao público até a
madrugada. Sobre o mês Ramadan na Mesquita da Luz, descrevo a seguir.
No décimo dia do 12º mês (Dhu al-Hija) ocorre a festa dos sacrifícios ou
Grande Festa, um festival muçulmano que sucede a realização do hajj, a
peregrinação a Meca. A festa tem quatro dias de duração e é celebrada pelos
muçulmanos de todo o planeta em memória da disposição do profeta Ibrahim
(Abraão) em sacrificar o seu filho Ismail conforme a vontade de Deus. Ocorre
70 dias após o Ramadã, e as festas coincidem com o Hajj. No Eid al-Adha é
92
feita a troca de presentes e o sacrifício de animais, no qual a carne é dividida
com os mais pobres e familiares.
Sendo assim, como no Brasil e na maioria dos países ocidentais utilizase o calendário Gregoriano, as datas festivas do islamismo retrocedem 11 dias
a cada ano.
Orações de sexta-feira
A sexta-feira é um dia para oração comunitária no Islã73. Assim declarou
Fernando: “A sexta para o muçulmano é como o domingo de missa para o
católico”74. Em um apelo para enfatizar a presença na oração coletiva, Sami
utilizou a seguinte frase: “Não deixem de comparecer. Lembrem-se que a
oração coletiva vale 27 vezes mais que a oração individual” (Nurul Islam, nº 8,
2012, p. 6).
A oração em congregação é o serviço regular mais importante de uma
mesquita. É marcada pelas seguintes características: coincide com o mesmo
horário da oração do meio-dia (no horário de verão, de ser iniciada às 13
horas) e deve ser realizada em uma congregação que tenha um líder para a
oração, um Iman.
Os muçulmanos no Ocidente tentam organizar seus horários para terem
tempo de comparecer à oração. Ao contrário de um dia de descanso como o
Sabbath75, a Sexta-Feira é um dia de devoção e adoração extra. É permitido
aos muçulmanos trabalhar normalmente na Sexta-Feira, como em qualquer
outro dia da semana, porém, suas atividades habituais devem ser
interrompidas para a oração. Ao término da oração, suas atividades cotidianas
podem ser retomadas normalmente.
Tipicamente, a Oração de Sexta-Feira é realizada em uma mesquita, se
disponível. Entretanto, na ausência de uma mesquita, pode ser oferecida em
um local alugado, parque, etc. Quando o horário da oração chega, o Adhan é
pronunciado.
73
Dias da Semana: 1º - Yaum as-Sabt, 2º - Yaum al-Ahad, 3º - Yaum al-Ithnayn, 4º - Yaum athThalatha, 5º - Yaum al-Arba'a', 6º - Yaum al-Khamis, 7º - Yaum al-Jum'a.
74
Fernando é um membro que cuida das relações públicas da SBMRJ. Recebe os estudantes
e jornalistas e também leciona no curso de Árabe e Introdução ao Islã. Fernando fez essa
declaração em um almoço após a oração de sexta-feira.
75
Dia de descanso para o Judeu (sábado) em alusão ao sétimo dia da criação, registrado no
livro bíblico de Gênesis.
93
Adhan é o nome dado ao chamado para o início das orações dos
muçulmanos. O chamado para o culto foi desenvolvido de maneiras diversas
em várias culturas: os judeus utilizavam uma corneta; os budistas, uma
trombeta; os cristãos, os sinos de suas igrejas; os zoroastristas acendiam uma
chama de fogo. O Islã também desenvolveu o seu chamado para o momento
da oração, o Adhan, que é pronunciado em tom melodioso pelo Muazzin 76, do
alto dos minaretes das mesquitas do mundo todo, consistindo em convidar a
comunidade muçulmana a tomar parte da oração77.
O iman se levanta voltado para a audiência e faz o seu sermão
(conhecido em árabe como khutba), uma parte essencial do serviço. Enquanto
o iman fala, todos os presentes ouvem o sermão em silêncio até o fim. A
maioria dos imanes no Ocidente faz o sermão no idioma local, mas alguns o
fazem em árabe. Aqueles que o fazem em árabe geralmente fazem um breve
discurso no idioma local antes do serviço. Existem dois sermões, que se
distinguem um do outro por uma sentada do iman. O sermão é iniciado com
palavras de louvor a Deus e orações por bênçãos para o Profeta Muhammad.
Após o sermão, a oração é oferecida sob a liderança do iman, que recita a
Fatiha78 e outra passagem corânica de forma audível. Quando isso é feito, a
oração está completa.
Na Mesquita da Luz, como já descrevemos, o sermão é anunciado em
português, sendo alguns textos do Alcorão pronunciados em árabe. Os fiéis
fazem a ablução antes das orações.
Uma vez sentado no banco de mármore do banheiro, a primeira coisa a
ser feita pelo muçulmano é se intencionar para a ablução, dizendo: “Em nome
de Deus, O Clemente, O Misericordioso” (Bismillahi ar-Rahman ar-Rahim).
Alguns repetem esta recitação através dos lábios, sussurrando para si,
enquanto outros olham fixos para a parede, com o dedo indicador da mão
direita esticado e direcionado para a parede do banheiro.
Em seguida, realizam os seguintes movimentos, usando água corrente
da torneira: 1 - lavar as mãos e os punhos três vezes, sendo primeiro a mão
direita; 2 – bochechar a boca por três vezes; 3 - com a mão direita em formato
76
Muazzin é a pessoa encarregada de pronunciar o Adhan.
http://islamhoy.org/principal/portugues/oracao/azan.htm, visitado em 26 de Novembro de
2013.
78
A abertura, o primeiro capítulo do Alcorão
77
94
de concha, pôr a água e aspirar pelas narinas jogando-a fora, por três vezes; 4
- em seguida, lavar a superfície do rosto por três vezes, certificando-se de que
a água se espalhou por todo o rosto; 5 - lavar a mão direita até a altura do
cotovelo e em seguida a mão esquerda, até a altura do cotovelo três vezes
cada; 6 - passar as mãos molhadas sobre a cabeça, partindo da frente (testa)
para trás (nuca); 7 - com o polegar e o dedo indicador, de ambas as mãos,
massagear as orelhas, dentro e fora e 8 - lavar o pé direito com a mão
esquerda até o tornozelo por três vezes e em seguida o pé esquerdo até o
tornozelo com a mão direita. Finaliza-se o ritual dizendo: “Testemunho que não
há outra divindade além de Deus e que Mohamed é o Mensageiro de Deus”
(Ach hadu an la ilaha illallah wa ach hadu anna Muhammadan rassulullah).
Ainda tratando sobre purificação e limpeza, algo muito importante para o
muçulmano, o site da Sociedade registra o seguinte texto:
“Ó fiéis, quando fordes convocados para a Oração da Sexta-feira, recorrei à recordação de
Deus e abandonai os vossos negócios; isso será preferível, se quereis saber.” (Alcorão 62:9)
Purificação e limpeza. A pessoa que tenciona fazer o Salat al-Jumuah
é grandemente encorajada a fazer o ghusl (banho completo ou
chuveirada). A maioria dos exegetas é de opinião que o ghusl para o
Salat al-Jumuah não é obrigatório e sim recomendado (sunnah). O
ghusl é feito antes da primeira oração da manhã, Fajr. Também, se a
pessoa faz o ghusl e mais tarde, por qualquer motivo, invalida sua
ablução, o ghusl não precisa ser repetido, bastando apenas a ablução
(wudu). Além do mais, o banho completo (ghusl) pode ser usado para
remover resíduos sexuais (janabah) e para a Salat al-Jumuah. Ir cedo
para a mesquita (masjid). Há uma grande recompensa em chegar
cedo à mesquita para o Salat al-Jumuah, que começa logo após o
meio-dia.
A purificação e a limpeza são muito importantes para o muçulmano e
estão presentes em outras manifestações religiosas. São variadas as formas
de purificação e limpeza: fumaça, banhos, passes, alimentação, recolhimentos,
calor, etc. Sabemos que o Islamismo – assim como o Judaísmo e o
Cristianismo – teve suas raízes no Oriente Médio, terra de desertos e oásis, e a
poeira intensa produzia grande desconforto. Para que os rituais fossem
agradáveis, havia a necessidade de uma pureza corporal. Porém, o que
realmente introduziu tal prática no cotidiano religioso é desconhecido. É
95
possível que a fumaça seja o elemento mais antigo nos rituais de purificação.
Sendo assim, não era levada em conta a limpeza material, mas a espiritual.
Ao assim fazer, a pessoa é recompensada por esperar pela oração,
fazendo dhikr (recordação de Deus) e preces voluntárias durante o
tempo de espera. Abu Umamah narrou que o Mensageiro de Deus
(SAW) disse “os anjos sentam-se às portas das mesquitas, com rolos
de pergaminho, onde registram as pessoas (que chegam). Quando o
Imam aparece, os pergaminhos são enrolados.” Perguntaram a Abu
Umamah se “aquele que chega depois do Imam, ainda assim faz o
Salat al-Jumuah“, e ele respondeu “Certamente, mas ele não será um
daqueles cujo nome foi registrado (como tendo chegado cedo)”
(Ahmad e al-Tabarani). Vestir-se bem para o Salat al-Jumuah. Esta é
uma hora especial que exige que os muçulmanos se apresentem da
melhor forma possível. Portanto, o crente deve usar sua melhor
vestimenta para o Salat al-Jumuah. O Profeta (SAW) disse: “Se a
pessoa tiver posses, deve comprar duas mudas de roupa, além de
suas roupas de trabalho ou de uso diário, para vesti-las na sextafeira” (Abu Dawud).
As declarações acima explicam em parte o porquê do Iman chegar e
rapidamente iniciar a oração. Ele privilegia os que chegaram cedo. É obrigação
do membro comum chegar antes do dirigente da oração. Percebi também que
alguns usam ornamentos como túnicas e coberturas para participarem da
oração, porém a maioria dos homens utiliza roupas comuns na SBMRJ.
Se a pessoa chegar tarde para a Oração da Sexta-Feira, enquanto o
Imam estiver proferindo o sermão (khutbah), deve fazer duas rak’ahs
da tahiyyat al-Masjid (oração de cumprimento à mesquita) ou sentarse e simplesmente omitir? A opinião mais forte, baseada em hadith
do Profeta (SAW), é para fazer tahiyyat al-Masjid: “Se um de vós
chegar à mesquita, deve fazer duas rak’ahs antes de se sentar” (AlBukhari e Muslim). No entanto, tahiyyat al-Masjid não é exigida para a
pessoa que estiver fazendo o sermão. Por outro lado, esta exigência
está restrita apenas às orações que são feitas na mesquita.
Rak'ahs são movimentos prescritos e palavras seguidas pelos
muçulmanos durante a oração. Após a limpeza ritual, o adorador fica em
silêncio enquanto recita os primeiros versos do Alcorão. Na segunda parte do
rak'ah, o muçulmano curva-se para baixo com as mãos nos joelhos, virado para
96
baixo, ao chão, com a testa e o nariz no chão em sinal de submissão a Allah. O
quarto movimento é sentar-se com os pés dobrados sob o corpo.
Outras etiquetas da Salat al-Jumuah: 1. Ir caminhando para a
mesquita sempre que possível, porque para cada passo dado há uma
recompensa. 2. Evitar passar por cima das pessoas com o objetivo de
conseguir um lugar melhor na mesquita. 3. Evitar se sentar entre
duas pessoas que já estavam juntas antes. 4. Não tirar o lugar de
alguém que já estava sentado. 5. Não apertar a mão do irmão ou
estalar os dedos enquanto espera pela oração. 6. Sempre que
possível, sentar-se nas primeiras filas e próximo ao Imam. 7.
Permanecer em silêncio durante o sermão (khutbah) do Imam. Na
verdade, isto inclui ouvir o Imam e não se distrair enquanto ele fala. 8.
Ir para a mesquita com calma e não apressadamente. 9. Recitar a
surah al-Khaf (18), porque, segundo um hadice autêntico “aquele que
recita asurah al-Khaf na sexta-feira receberá uma luz a partir desse
dia em diante.” (Al-Bayahaqi e Al-Hakim). A surah pode ser recitada a
qualquer hora do dia. De fato, Salat al-Jumuah é um dos atos de
adoração mais importantes do Islam. O Profeta (SAW) descreveu as
bênçãos e benefícios esplêndidos que Deus concede aos
muçulmanos que praticam este ato grandioso. Sabendo como é
importante esta oração aos olhos de Deus, os muçulmanos devem
procurar praticá-la da melhor forma possível, com empenho e
sacrifício por conta desta oração. Jamaal al-Din Zarabozo
(www.sbmrj.org.br).
Estive presente em algumas reuniões de sexta-feira, e quando ainda não
tinha noção do ocorrido, no início do trabalho de campo, assim registrei o que
presenciei: a cerimônia teve início às 13 horas, já que estávamos no horário de
verão e foi pronunciado o Adhan.
Um homem colocou-se de pé voltado para a kibla, levantando ambas as
mãos e colocando-as na altura das orelhas e pronunciou o seguinte:
“Allahu Akbar (Deus é o Maior!)
Allahu Akbar (Deus é o Maior!)
Allahu Akbar (Deus é o Maior!)
Allahu Akbar (Deus é o Maior!)
Ach hadu an la ilaha ill- Allah (Testemunho que não há outra divindade
além de Deus)
Ach hadu an la ilaha ill- Allah (Testemunho que não há outra divindade
além de Deus)
Ach hadu an la ilaha ill- Allah (Testemunho que não há outra divindade
além de Deus)
97
Ach hadu an la ilaha ill- Allah (Testemunho que não há outra divindade
além de Deus)
Ach hadu anna Muhammadan rassulullah (Testemunho que Muhammad
é o Mensageiro de Deus)
Ach hadu anna Muhammadan rassulullah (Testemunho que Muhammad
é o Mensageiro de Deus)
Haiyá alas-salat (Vinde para a Oração)
Haiyá alas-salat (Vinde para a Oração)
Haiyá alal-falah (Vinde para a salvação)
Haiyá alal-falah (Vinde para a salvação)
Allahu Akbar (Deus é o Maior!)
Allahu Akbar (Deus é o Maior!)
Lá ilaha ill Allah (Não há outra divindade além de Deus !)”
Logo após a pronúncia do Adhan, o iman (Munzer) fez um comentário
sobre a limpeza do local de oração, explicando como os membros deveriam
proceder quando retirassem os calçados, para que não contaminassem o
tapete de oração; iniciou um sermão em árabe que durou cerca de 3 minutos,
depois falou cerca de 30 minutos em português, iniciando com a seguinte frase:
“toda inovação na religião é um desvio”. Utilizando a Surata 18, contou parte do
escrito no texto sobre Moisés e seu atendente e o encontro com um sábio,
discursando sobre a importância do conhecimento.
No decorrer do sermão, Munzer pronunciou as seguintes frases: “cada
um tem um tipo de conhecimento”. “Tem sempre alguém com mais
conhecimento que você”. “Você nunca alcança o topo do conhecimento”.
“Precisamos buscar o conhecimento”. “Os muçulmanos estão sofrendo porque
pararam de buscar o conhecimento”. “Aprendemos também a respeitar aquele
que possui conhecimento”. Munzer pronunciou diversas palavras em árabe e
falou sobre a mensalidade, uma das formas de arrecadação para construção
da Mesquita. Todos ficaram de pé, oraram e Munzer destacou: “Precisamos
lembrar dos irmãos da Síria e do Egito; é o nosso Jihad”. Fizeram um momento
de oração e assim a reunião foi encerrada. Foi feito o convite para o almoço
que seria servido no 3° andar, com duas finalidades: confraternização entre os
membros e arrecadação para as obras da Mesquita da Luz.
98
Departamento Educacional
Após a eleição para o triênio 2012/2015, o Departamento Educacional
divulgou parte do planejamento no jornal Nurul Islam.
1. Manutenção do curso de Introdução ao Islam e à língua Árabe
(módulo I) e fortalecimento do curso de leitura e memorização do
Alcorão. 2. Continuação das famílias espirituais, extensão de ações
de table dawa e manutenção do Curso de Formação Islâmica; 3.
Implementação de projetos em parceria com a Wamy e Fambras; 4.
Continuação do intercâmbio com sheiks de outros estados para
ministrar palestras e fazer o sermão de sexta-feira no Rio de Janeiro;
5. Manutenção do atendimento a todos que buscam conhecer o Islam
na mesquita, seja para fins pessoais ou acadêmicos; 6.
Fortalecimento do acompanhamento de novos revertidos, buscando
ensinar-lhes a prática da oração e outros fundamentos acerca do
Islam; 7. Realização de acampamentos islâmicos, conclusão do novo
site da SBMRJ e participação em seminários em universidades e
escolas (Nurul Islam, Ano II - nº 8, p. 4, janeiro–março de 2012).
Curso de Introdução ao Islã
Como apresentado acima, o Departamento Educacional implementa
vários projetos, porém, o curso de Introdução ao Islam e à Língua Árabe pode
ser chamado de “carro-chefe” do departamento.
Imagem 13- Curso de árabe na SBMRJ, com o professor Sami.
Fonte: (Mauro Júnior 2011, p. 123)
99
Os cursos oferecidos na SBMRJ não vislumbram a separação entre o
aprendizado da língua e do Islã. As aulas se dividem em duas etapas: a
primeira consta de um módulo de alfabetização, nos cursos iniciais, e de
conversação e gramática, nos cursos superiores. A segunda parte é dedicada
ao ensino do Islã em português, com alusões aos nomes árabes de cada
noção ensinada. De forma recíproca, o próprio ensino da língua observa
elementos da doutrina islâmica. Os professores se baseiam, nos primeiros
níveis, em um método de ensino para estrangeiros desenvolvido na
Universidade do Cairo, Egito.
O vocabulário oferecido contempla a aquisição de palavras relacionadas
à prática muçulmana, como é o caso dos nomes das cinco orações diárias, das
festas do mundo muçulmano, fragmentos de textos corânicos, nomes de
figuras relevantes do Islã, etc. Considera-se que, de forma ideal, o Alcorão não
admite tradução. Nessa perspectiva, o uso de traduções para qualquer língua
sempre implica uma interpretação, um acréscimo de sentido que, de certa
forma, tende a modificar o conteúdo original.
Por tal razão, existe cuidado especial no tocante à seleção das
traduções disponíveis no mercado editorial brasileiro, que são consideradas,
dentro da Mesquita, como não idôneas. A Sociedade Muçulmana do Rio conta
com uma versão em português do Alcorão usada nas aulas de ensino islâmico.
Essa versão é reconhecida como a mais idônea, mas nela também são
assinaladas emendas e problemas de interpretação. Simultaneamente, nas
aulas de língua árabe, os professores costumam dizer aos alunos que, ao
aprenderem esse idioma, começam a se tornarem árabes, qualquer que seja
sua origem ou nacionalidade.
Apesar da diferença cultural em relação à realidade brasileira, os
professores tentam sempre aproximar a fé islâmica a temas mais facilmente
assimilados pelo público brasileiro. Sendo o Brasil predominantemente católico,
tudo que envolve tal religiosidade é de alguma forma assimilado com mais
facilidade. Uma importante ferramenta discursiva utilizada para aproximar o Islã
do cristianismo é referir-se a Jesus como profeta integrante do hall ao qual
Muhammad pertence e encerra. Assim, a publicação “Jesus, um profeta do
Islã” não apenas circula nas bancas de sexta-feira, mas, juntamente com uma
tradução para o português do Alcorão, foi distribuída aos alunos que
100
finalizaram o curso, além de um distinto diploma. Jesus profetizou a mesma
religião que Muhammad, e é reverenciado dentro do Islã.
São frequentes, nesse sentido, as referências à aya 136 da segunda
surata – al-Bácara – que afirma: “Dizei: Cremos em Deus, no que nos tem sido
revelado, no que foi revelado a Abraão, a Ismael, a Isaac, a Jacó e às tribos; no
que foi concedido a Moisés e a Jesus e no que foi dado aos profetas por seu
Senhor.” Em uma atividade da juventude muçulmana na Bienal, presenciei a
venda de uma camiseta com estampas que possuíam os seguintes dizeres: na
frente - EU AMO JESUS; atrás - JUVENTUDE MUÇULMANA.
Os muçulmanos têm Jesus em elevada estima, bem como Maria, sua
mãe. O Alcorão diz que Jesus foi fruto de um nascimento miraculoso, sem pai
biológico: "Vede! O exemplo de Jesus, perante Deus, é idêntico ao de Adão,
que Ele criou do pó, e então disse-lhe: Seja, e assim foi" (Alcorão 3:59).
Foram-lhe permitidos muitos milagres, como Profeta. Estes incluem
falar, pouco depois do seu nascimento, em defesa da honra de sua
mãe. Os outros dons que lhe foram concedidos por Deus incluem
curar os cegos e os enfermos, ressuscitar os mortos, criar um
pássaro do barro e, mais importante ainda, levar a mensagem da qual
era portador. Estes milagres foram-lhe atribuídos por Deus para o
estabelecer como Profeta. Segundo o Alcorão, ele não foi crucificado,
mas sim elevado ao Céu. (Alcorão, Capítulo Mariam)
Mesmo apresentando temas que se aproximam da religião cristã, os
contrastes são devida e claramente marcados. Assim, ao se referirem aos
pontos de divergência, Sami e Fernando procuravam assinalar que, sem
desrespeitar a religião cristã, o Islã afirmava ali uma diferença.
No ano de 2012 o curso teve início no dia 3 de março e foi encerrado no
dia 1º de setembro. As aulas foram ministradas aos sábados, das 15 às 18
horas, por Samir Sarhan e pelo diretor do Departamento Educacional, Sami
Isbelle.
Além do curso de Introdução à Língua Árabe e ao Islã, o Departamento
Educacional promoveu em 2012 o curso de Formação Islâmica, com aulas aos
domingos, das 15 às 18 horas e também o curso de tafisir79, que funcionou de
segunda a sexta, às 19 horas. O departamento também abriu espaço para os
79
O termo se refere a exegese do Alcorão.
101
interessados no curso de Islã que residem na cidade de Niterói e adjacências,
ministrando aulas semanais.
Percebe-se que o curso é claramente utilizado para “conquistar” novos
adeptos. A doutrina muçulmana está inserida em todos os detalhes. O que me
chamou atenção em visita a Mesquita da Luz no mês de novembro de 2013 foi
o fato do curso de Árabe e Introdução ao Islã estar suspenso temporariamente.
Perguntei ao Fernando e ele respondeu que por conta do empenho nas obras
da Mesquita, foram obrigados a “dar um tempo” no curso, que retornará logo
após a conclusão de mais uma etapa da construção.
Departamento Feminino
O Departamento Feminino é dirigido por Samia e também apresentou
um projeto para o triênio 2012/2014.
1- Continuar com eventos já realizados, como almoços, piqueniques e
cine-islâmicos. Eventos que envolvam esportes também estão em
pauta. 2 - As aulas de Alcorão para crianças continuarão no projeto,
ocorrendo aos sábados. 3 - O curso para mulheres também será
mantido, sendo ministrado nas sextas à noite ou em outro dia que
seja bom para a maioria; 4 - Palestras sobre Hijab, casamento e
outros temas poderão ser dadas por sheiks convidados. A divulgação
ocorrerá um mês antes; 5 - Serão organizadas aulas sobre a sunna
do casamento para os casados ou recém-casados (Nurul Islam, Ano
II - nº 8. p. 4, janeiro – março de 2012).
Um dos projetos inovadores que ocorreu na Mesquita da Luz em 2012
foi o de ginástica para as mulheres, no 3º andar. No Jornal Nuru Islam (nº 8, p.
2, 2012) há um destaque na coluna “Espaço da Comunidade” com o título
“Islam e a Saúde”, onde o líder do Departamento Social, Samer Isbelle
comenta sobre a atividade física e/ou esportiva para as muçulmanas em salas
apropriadas, com conforto, privacidade e auxílio de um profissional da área
para ministrar as aulas.
Departamento Social
O Departamento Social é dirigido por Samer Osman Isbelle e segundo
entrevista do Jornal Nurul Islam, se propõe a manter todas as atividades do
102
mandato anterior, como companhas de doação de sangue e alimentos nas
quebras de jejum. “Buscaremos novas ações para ampliar a gama de opções
de lazer, entretenimento e interação entre as pessoas de nossa comunidade,
visando fortalecer ainda mais os laços de irmandade.” (Nurul Islam, Ano II - nº
8. p. 4, janeiro–março de 2012).
Dentre as festas apresentadas no início deste capítulo, os muçulmanos
da Mesquita da Luz comemoram as seguintes: Eid Al Adha, que em 2011 foi
celebrada no dia 6 de novembro, na qual serviram uma farta mesa após a
oração, com entrega de presentes às crianças.
Dentre os eventos promovidos pelo Departamento Social, destaca-se a
primeira Gincana da Mesquita, que ocorreu no dia 07 de junho de 2012. Foram
feitas muitas brincadeiras e foi montada uma
bela mesa com guloseimas;
destacamos também a festa ocorrida no dia 19 de Agosto de 2012, para
comemorar o fim do Ramadan, que naquele ano foi de 21 de julho a 18 de
agosto.
Em 08 de Agosto de 2013, como em anos anteriores, a SBMRJ
participou da 6ª Caminhada em Defesa da Liberdade Religiosa na orla de
Copacabana, promovida pela Comissão de Combate à Intolerância Religiosa
(CCIR), da qual fazemos parte.
Imagem 14. 6º caminhada em Defesa da Liberdade Religiosa em Copacabana. Dia 08/08/2013
Fonte http://sbmrj.org.br/cursos-e-atividades, Visitado em 10/11/2013
103
Também em 08 de Agosto de 2013 foi feita a festa Eid Al Fitr, com a
participação de membros e seus familiares.
Imagem 15: Eia Al Fitr (festa para o fim do jejum do Ramadã) na Mesquita da Luz em
8/08/2013. Fonte: http://sbmrj.org.br/cursos-e-atividades. Visitado em 10/11/2013.
No dia 17 de Julho de 2013, jovens católicos de diversos países,
participantes do projeto Magis, visitaram a Mesquita da Luz durante a Jornada
Mundial da Juventude (imagens 16 e 17). Os jovens assistiram a uma palestra
sobre o Islã, ministrada em português pelo diretor do Departamento
Educacional da SBMRJ, Sami Isbelle, e traduzida para o inglês pelas irmãs
Marla Godoy e Mônica Gomes (Nahid), para o francês pelo irmão Harizi Amin,
e para o espanhol por um professor que acompanhava o grupo. Após
responder às perguntas dos jovens, Sami Isbelle convidou os jovens para
quebrarem o jejum com os muçulmanos no 3º andar da Mesquita da Luz.
104
Imagens 16 e 17 - Visita de jovens católicos à SBMRJ, por ocasião da Semana Mundial da
Juventude no RJ em 2013.
Fonte: http://sbmrj.org.br/cursos-e-atividades. Visitado em 10/11/2013.
Ainda em 2013, a SBMRJ enviou representantes para diversas
atividades fora da Mesquita da Luz, demonstrando assim o esforço da entidade
em alcançar um espaço maior na sociedade carioca.
No dia 01/01/2013, o Diretor do Departamento Educacional da SBMRJ,
Sami Isbelle, participou da cerimônia inter-religiosa de posse do prefeito do Rio
de Janeiro, Eduardo Paes. Em 21/01/2013, membros da SBMRJ, em parceria
105
com a FAMBRAS80, participaram de um evento na Cinelândia por ocasião do
Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa, promovido pela Comissão
de Combate à Intolerância Religiosa (CCIR). Em 15/03/2013, Samia Isbelle,
Diretora do Departamento Feminino da SBMRJ, participou de debate interreligioso por ocasião do Dia Internacional da Mulher na Câmara Municipal de
Niterói.
Em 21/03/2013, Fernando Celino, assessor de comunicação da SBMRJ,
participou de um debate sobre intolerância religiosa na FAETEC de Quintino,
por ocasião do Dia Internacional de Combate à Discriminação Racial. Em
21/03/2013, Sami Isbelle, diretor do Departamento Educacional da SBMRJ,
participou de debate no Sindicato dos Professores por ocasião do Dia
Internacional de Combate à Discriminação Racial e do IX Fórum de Ensino
Religioso da Secretaria de Educação do Estado do Rio de Janeiro, na UERJ.
Em 04/04/2013, Samia Isbelle, diretora do Departamento Feminino da
SBMRJ, Mohamed Zeinhom, presidente da SBMRJ, e o sheikh Jihad
Hammadeh, presidente da Wamy81 Brasil, estiveram em visita oficial ao
Arcebispo do Rio de Janeiro, D. Orani João Tempesta, na Arquidiocese do Rio
de Janeiro.
Em 07/04/2013, a SBMRJ organizou passeio para toda a comunidade
em Paquetá. Em 08/04/2013, o diretor do Departamento Educacional da
SBMRJ, Sami Isbelle, representou os muçulmanos na UERJ em evento de
lançamento da exposição de fotos das caminhadas pela liberdade religiosa,
que participamos anualmente desde 2008 junto à Comissão de Combate à
Intolerância Religiosa (CCIR). Em 26/04/2013, Fernando Celino, assessor de
comunicação da SBMRJ, ministrou palestra sobre o Islã na Escola Sesc, na
Barra da Tijuca. Em 07/05/2013, o diretor do Departamento Educacional da
80
Federação das Associações Muçulmanas do Brasil - foi fundada em 19 de dezembro de
1979, em assembleia realizada em Brasília, na qual compareceram e manifestaram integral
apoio, representantes das expressivas associações muçulmanas do Brasil. A Federação tem o
intuito de fortalecer e unificar as diversas entidades islâmicas do Brasil, melhorar e enriquecer
os ensinamentos islâmicos, a correta divulgação do Islã, seus sagrados princípios e suprir
necessidades da comunidade muçulmana do Brasil. Juntamente com as embaixadas dos
países islâmicos, a FAMBRAS sempre se empenhou para desenvolver e concretizar a cultura
islâmica no território nacional. Trinta e sete mesquitas foram construídas com o apoio da
federação, facilitando e fortalecendo a prática do Islã, incentivando novos adeptos e
promovendo a comunhão social com os brasileiros. A FAMBRAS está sediada em São Paulo SP. Site visitado em 16 de Novembro de 2013.
81
Assembleia Mundial da Juventude Islâmica no Brasil.
106
SBMRJ, Sami Isbelle, participou da mesa de debates no lançamento do livro
“Nós do Brasil, Estudos das Relações Étnico-Raciais”, no qual colaborou como
consultor, que foi seguida da sessão de autógrafos com a autora, Rosiane
Rodrigues.
Em 07 e 09/05/2013, Fernando Celino, assessor de comunicação da
SBMRJ, ministrou quatro palestras sobre o Islã na Escola Municipal Cecília
Meireles, em Vila da Penha. Em 14/05/2013, Samia Isbelle, diretora do
Departamento Feminino da SBMRJ, também ministrou palestra sobre a Virgem
Maria na ótica islâmica, em uma igreja Católica na Tijuca. No dia 17/05/2013
Sami Isbelle participou de ato inter-religioso pelo Dia do Defensor Público na
sede da Associação dos Defensores Públicos do Estado do Rio de Janeiro
(ADPERJ).
Em 18/05/2013, o diretor do Departamento Educacional da SBMRJ,
Sami Isbelle, ministrou palestra sobre o Islã em curso pré-vestibular na UFF.
Em 23/05/2013, o diretor do Departamento Educacional da SBMRJ, Sami
Isbelle, participou do seminário “Espiritualidade e Gratidão”, realizado na UERJ
e promovido pelo Programa de Estudos e Pesquisas das Religiões do Centro
de Ciências Sociais da UERJ (PROEPER), em parceria com a Igreja
Messiânica Mundial do Brasil. Em 06/06/2013, Fernando Celino, e Saulo
Cavalcante (professor de história e jornalista) ministraram palestra sobre o Islã
e o Oriente Médio no Educandário Monteiro Lobato, em Campo Grande.
O Islã Sunita da SBMRJ tem alcançado espaço na mídia e nos diversos
setores da sociedade carioca devido à habilidade de sua liderança,
destacando-se Sami Isbelle, diretor do Departamento Educacional e Fernando
Celino, assessor de comunicação da SBMRJ, como pude perceber ao ler o
relatório das atividades externas da SBMRJ, onde os mesmos muitas vezes
foram representantes da Sociedade em diversos encontros.
No site da instituição estão registrados os objetivos da SBMRJ. De tudo
que podemos observar com participação e pesquisa, verificamos que os
objetivos propostos estão sendo cumpridos, são eles:
Divulgar o Islam usando todos os meios modernos disponíveis;
Trabalhar pela união e integração entre muçulmanos, além de
representar o Islam junto aos meios de comunicação; Trabalhar para
melhorar as condições de vida para os muçulmanos; Cooperar com
os organismos que trabalham para divulgar o Islam dentro e fora do
107
Brasil;
Editar
livros
islâmicos
em
(http://sbmrj.org.br/a-sbmrj/institucional).
língua
portuguesa
A SBMRJ tem divulgado o Islã através do site, do Facebook e vídeos no
Youtube. Na intenção de unir os muçulmanos, tem participado de eventos
promovidos pela FAMBRAS e também convidando Sheiks e líderes para
ministrarem palestras na Sociedade ao mesmo tempo em que líderes da
SBMRJ visitam outros muçulmanos. Os livros editados pela Qualitymark com
selo Azzan tem divulgado o Islã até mesmo no meio acadêmico. Destarte,
observa-se que os objetivos propostos estão sendo cumpridos.
108
Considerações Finais
Como vimos anteriormente, Muhammad surgiu no século VII pregando
uma religiosidade contrária à prática de seu tempo, pois vivia em um mundo
pagão; terra de desertos e oásis, desprezado até mesmo pelos de sua tribo
manteve-se fiel à experiência que teve com o sagrado. Foi expulso e depois
retornou, conquistando Meca. Muhammad acreditou e continuou firme em suas
propostas independentemente das perseguições sofridas. Vejo aí uma herança
deixada ao povo árabe.
Acredito que “o Oriente Médio estava grávido do Islã82”, não
propriamente do Islã, mais de uma religiosidade que respondesse aos anseios
daquela população do Oriente Médio83. O mundo havia mudado e a
religiosidade também precisava evoluir. Quando falo de evolução, não desejo
demonstrar supremacia da religião moderna sobre a antiga, mas uma
adaptação ao meio e ao tempo. Para Durkheim:
Todas as crenças religiosas conhecidas, sejam elas simples ou
complexas, apresentam um mesmo caráter comum: supõem uma
classificação das coisas, reais ou ideais, que os homens representam
em suas classes ou em dois gêneros opostos, designados
geralmente por dois termos distintos traduzidos, relativamente bem,
pelas palavras profano e sagrado (Durkheim, 1996, p. 68).
Onde se tem a noção do sagrado e a busca do divino existe uma religião.
Portanto, não é a ortodoxia oficial que define o que é ou não religião, mas o
que leva um determinado grupo ao encontro dos outros e do sagrado.
Muhammad não pregou que a Caaba era profana, mas que as imagens
e os deuses que lá estavam representados profanavam o lugar; e com base na
fé das religiões do livro, iniciou sua campanha da pregação da verdade que
somente Allah era Deus, o mesmo Deus criador apresentado na Bíblia dos
cristãos e na Lei dos judeus.
82
Grifo meu.
O termo Oriente Médio é de cunho eurocentrista e data justamente do século XIX, época em
que o Império Britânico controlou os mares e um quarto da Terra (Demant, 2012, p. 15).
83
109
Naquele século, os grandes povos vizinhos, “Bizantinos e os Persas,
acabaram de sair de mais de meio século de guerras que os haviam colocados
uns contra os outros” (Jomier, 2002, p. 7). Sendo estes povos enfraquecidos e
o Islã se tornando um exército, rapidamente “aquele mundo” foi conquistado.
Primeiramente o Islã impôs sua ordem social e política em seguida esperando
as conversões que não tardaram a acontecer (Jomier, 2002, p. 7).
O Islã cresceu e se tornou um império e viveu séculos de poder e
domínio; mas assim como todo império, também chegou à decadência. Como a
política e a religião andavam juntas no mundo muçulmano, pensou-se então
que com a queda do império a religiosidade também morreria. Isso não
aconteceu, pois mesmo diante do domínio cristão europeu, o Islã, praticamente
adormecido, sobreviveu. Mesmo com a maioria da população muçulmana
vivendo em países em desenvolvimento, pode-se contar que mais de um quinto
da população mundial professa a fé muçulmana.
Os primeiros muçulmanos que chegaram ao Brasil, os mouros, e
também algumas tribos de escravos africanos, não conseguiram praticar a sua
fé publicamente. Como já registramos anteriormente, a perseguição religiosa
naquela época era ostensiva. Os escravos muçulmanos, além de perderem a
liberdade, perdiam o direito de praticar sua fé.
Apesar de vários estudiosos comprovarem a participação de negros
muçulmanos nas chamadas revoltas malês e em outros levantes ocorridos na
Bahia do século XIX, a visita de um iman ao Rio de Janeiro e outras
comunidades muçulmanas em 1866, não foi possível identificar a continuidade
destas comunidades, senão misturadas às práticas do candomblé.
Tudo isso me faz pensar: como seria o Brasil, se os escravos
muçulmanos tomassem o poder na Bahia do século XIX? Como seria a fé
muçulmana
no
Brasil
se
as
comunidades
criadas
pelos
escravos
permanecessem praticando o Alcorão e desafiando a fé católica da época?
Será que o Islã seria essa religiosidade quase invisível das pesquisas do IBGE
das décadas de 1980 e 1990?
110
A história nos mostra que o Islã no Brasil recomeça com os imigrantes
vindos do Oriente Médio. Esse Islã da terra natal não teve a pretensão de
conquistar novos adeptos: inicialmente, os imigrantes buscaram uma interação
com outros imigrantes e começaram a praticar a fé para recordarem sua terra.
O Islã dos imigrantes do século XX não é missionário e nem aceita
interferência externa. A verdade é que o Islã que chega ao Brasil está muito
distante da pregação de Muhammad ou de um Islã conquistador dos impérios.
Luta apenas para manter acesa a chama da fé entre os filhos nascidos no
Brasil.
A mudança começa a acontecer quando a geração seguinte, filhos de
imigrantes muçulmanos, nascidos no Brasil, se interessa em se aproximar mais
da cultura brasileira, procurando mostrar a vocação multicultural do islamismo.
“O Islã começa a sair da caverna e pregar à Meca que Allah é o único Deus e
que Muhammad é seu profeta84”. A distância cultural e linguística faz do Islã o
“totalmente outro” (de difícil assimilação) para muitos e desperta curiosidade.
Desta forma, algumas reversões começaram a acontecer e o Islã, que antes
abrigava exclusivamente a língua árabe, começa a se abrir mostrando ao povo
brasileiro que é possível entender a mensagem de Muhammad. Ao mesmo
tempo em que o Islã começa a influenciar a sociedade, começa a sofrer
influência da mesma, abrindo espaço não só no idioma, mas também em
praticas cotidianas que não fazem parte do universo árabe.
No trabalho de campo na SBMRJ pude verificar claramente essa
interferência do meio. Um dos episódios que demonstrou tal interferência
aconteceu na segunda vez que visitei a mesquita. Percebi que duas mulheres
entraram no corredor sem o véu (Hijab) e imaginei que eram visitantes, porém,
após alguns minutos, elas já estavam praticando suas orações entre as
muçulmanas. Mas tarde, ao questionar o iman sobre tal episódio ele declarou
que sabia que isso acontecia, mas que nada podia fazer já que cada um é
responsável diante de Deus pelos seus atos.
A SBMRJ também me surpreendeu quando fui informado das atividades
esportivas, como futebol para os homens e ginástica para as mulheres. Ainda
84
Imaginando que o Rio de Janeiro ou São Paulo seja a cidade sagrada.
111
que nas orações e aulas sobre religião os líderes da SBMRJ reforcem a ideia
de uma unidade da fé muçulmana no mundo e de que toda inovação é
contrária à verdadeira religião, o espaço da SBMRJ é bastante democrático e
deixa o visitante à vontade. Como participei de almoços e cursos, verifiquei que
no linguajar, na forma de vestir e até de se portar, o muçulmano carioca se
parece com uma pessoa de qualquer outra religiosidade, ele se encaixa
naturalmente no “padrão” brasileiro e carioca de ser, com exceção das
mulheres que utilizam o hijab e de uma forma geral se portam de forma mais
comedida.
Esta identidade construída a partir dos grupos existentes na SBMRJ
(árabes, africanos e brasileiros revertidos), faz do espaço em questão um lugar
incomum; certamente que na liderança estão sempre árabes e descendentes,
porém na dinâmica e nos bastidores é possível verificar que todos os grupos
influenciam e são influenciados. A SBMRJ contribui para a criação de um Islã
nacional, com uma ortodoxia corânica e uma ortopraxia brasileira e carioca.
112
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