UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA HUMANA Jânio Roberto Diniz dos Santos A TERRITORIALIZAÇÃO DOS CONFLITOS E DAS CONTRADIÇÕES: O CAPITAL VERSUS TRABALHO NOS LARANJAIS BAIANOS E SERGIPANOS. São Paulo FFLCH-2009 UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA HUMANA A TERRITORIALIZAÇÃO DOS CONFLITOS E DAS CONTRADIÇÕES: O CAPITAL VERSUS TRABALHO NOS LARANJAIS BAIANOS E SERGIPANOS. Jânio Roberto Diniz dos Santos Tese de doutorado apresentada ao Programa de Pós-graduação em Geografia Humana do Departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, para obtenção do título de Doutor em Geografia. Orientadora: Profª. Drª. Léa Francesconi São Paulo 2009 2 A TERRITORIALIZAÇÃO DOS CONFLITOS E DAS CONTRADIÇÕES: O CAPITAL VERSUS TRABALHO NOS LARANJAIS BAIANOS E SERGIPANOS. COMISSÃO EXAMINADORA Orientadora e presidenta da Banca............................................................................ Profª. Drª. Léa Francesconi 2° Examinador............................................................................................................. Profª. Drª. Alexandrina Luz Conceição 3° Examinador............................................................................................................. Prof. Dr. Antonio Thomaz Júnior 4° Examinador............................................................................................................. Profª. Drª. Marta Inez Medeiros Marques 5° Examinador............................................................................................................. Profª. Drª. Valéria de Marcos ............................................................................. JÂNIO ROBERTO DINIZ DOS SANTOS São Paulo, Outubro de 2009 3 Dedico esse trabalho aos meus avós: Zulmira e Máximo dos Santos; Creuza e Alcindo Diniz; por me ensinarem o verdadeiro sentido de ser camponês, na labuta pela permanência da terra de família; Aos meus pais Dautro Benedito e Adir Diniz (in memorian), por tudo que me ensinaram, e por me fazer acreditar que um outro mundo é possível. Em especial agradeço a minha mãe, mulher de luta, trabalhadora. Aos companheiros de luta que perdi ao longo dessa jornada: Albertina Lima Vasconcelos, Alvacir Brito Barbosa e D. Elza Evangelista. À todos os trabalhadores que produzem, com o suor do seu trabalho, toda riqueza que não se apropriam, para que possam continuar na luta pela superação da ordem social vigente, sejam eles camponeses, trabalhadores assalariados ou desempregados. A minha companheira de vida e de luta Suzane Tosta, que esteve presente a cada momento. Pela afinidade política, pela parceira no trabalho, e pela história que construímos a cada dia... 4 AGRADECIMENTOS Ao fim de um trabalho como esse, e apesar de todo o cansaço, momentos de solidão e muitas vezes angústias, é hora de socializar esse mérito com várias pessoas que direta ou indiretamente contribuíram para que o mesmo fosse concluído. Passados mais de 4 (quatro) anos, e mediante tantos problemas e dificuldades, pessoas passaram pela minha vida, outras ficaram, amizades foram feitas e, em outros momentos, o isolamento se fez necessário. Família, amigos, companheiros de luta, colegas, todos enfim e até mesmo os que estavam ausentes se fizeram presentes, em minha lembrança. Não poderia deixar de iniciar os meus agradecimentos aqueles que estarão sempre comigo, apesar de ausentes materialmente, por seus ensinamentos, cuidado, atenção, por toda dedicação para que eu me tornasse de fato humano. Aos meus pais: Dautro Benedito, com quem tive uma convivência tão breve e Adir Diniz, que me criou com tanto sacrifício, espero recompensá-la sendo, ao menos, um bom pai para os meus filhos. aos meus filhos: Soraia Diniz, Dautro Roberto, José Matheus e João Paulo, por que são a minha própria essência, a continuidade da vida e a esperança em um futuro melhor. Ao mesmo tempo, peço desculpas pelas ausências durante esses anos do doutorado, em que tive que abrir mão de participar, mais ativamente, do crescimento de vocês. a minha orientadora e incentivadora, Profª. Léa Francesconi, por ter me dado a oportunidade de ser seu orientando, por ter aberto das portas da USP e de seu grupo de estudos. Por toda preocupação e dedicação demonstrada ao longo desses anos e, sobretudo, pela simplicidade tão rara no meio acadêmico. Espero corresponder as suas expectativas. 5 a companheira e amiga, Profª. Alexandrina Luz Conceição, por toda ajuda dispensada sempre que preciso, pelas contribuições teóricas na direção de uma Geografia revolucionária que atenda aos interesses dos trabalhadores, pela coragem, militância e exemplo para todos aqueles que almejam a transformação social; ao meu amor, Suzane Tosta Souza, companheira de vida e de concepção de mundo, por tudo que construímos juntos e pelo que ainda pretendemos construir; a todos os meus familiares: irmãos: Fátima, Silvânia e Humberto Diniz, sobrinhos, tios, primos, que estão sempre presentes no meu coração; aos meus colegas do doutorado, com quem eu tive a felicidade de conviver e trocar experiências; em especial ao grupo de estudo coordenado pela profa. Lea Francesconi: Creuza, Evaldo, Sergio, Leandra, Juscelino, Amir, Manoel e outros, pela troca de experiências e ricas discussões teóricas na compreensão da ciência geográfica e da categoria trabalho. Ainda na USP agradeço a convivência com o professor Ariovaldo Umbelino na disciplina agricultura e capitalismo no Brasil, bem como aos colegas de turma: Heitor, Aldiva, Rusvênia, Marlon, Andréia, Israel e outros; Agradeço a amizade de Israel que nos ensinou um pouco da riqueza do seu povo – os Tucunas do Alto Rio Negro do Amazonas; Não poderia deixar de destacar o companherismo de Creuza, agradeço pela amizade sólida que construímos e pela proposta de sociedade que acreditamos; aos colegas do Departamento e Colegiado de Geografia da UESB, que me deram todas as condições para que eu pudesse concluir esse trabalho, principalmente a Área de Geografia Regional que não poupou esforço em me substituir no período que estive afastado. À Mário Rubem, Renato e Antonio Neto; 6 em especial agradeço aos amigos Janio Santos, Sócrates Menezes, Marco Mitidiero, Vanessa Dias, Suzane Tosta e Veranilza Ribeiro, que sempre estiveram na torcida. Além de colegas, companheiros de jornada... Aos discentes e amigos Dayse Maria, Gedeval Paiva, Lucineide, Michelle, Patrícia, Junior, Pedro e Alex. A minha grande companheira Suzane Tosta que esteve presente no inicio, meio e final dessa jornada e ao amigo Janio Santos que quando estava para jogar a toalha foram fundamentais e não permitiram. Estendo esses agradecimentos aos amigos de outras áreas que sempre me permitiram diálogos tão enriquecedores: Maria Aparecida e Argemiro, João Diógenes, Francisco e Rosangela Cardoso, Jose Rubens Mascarenhas, Tina e Gildásio, Isabel Cristina, Vanderci e Marineide; Durante o período que vivemos em São Paulo agradeço a amizade de Rita e Loreto, Ana e Jomar, e Creuza bem como todo pessoal da Oposição Operária pelos debates calorosos que contribuíram em muito para a elaboração desse trabalho de tese; Faço um agradecimento especial a Cida e Miro, por todo apoio em São Paulo durante todos os anos do doutorado, fazendo da casa deles também a minha casa e ao seu filho Caio; Também a Binho que contribuiu desde o processo de seleção, pelas aulas de espanhol e pela afinidade política demonstrada por todos esses anos. a discente Aline Farias Fialho, que dedicou parte do seu tempo nas transcrições das entrevistas que constituem parte deste trabalho; 7 aos amigos Delza Rodrigues de Carvalho e Marcos Alberto Texeira que foram fundamentais em diversos momentos, sempre que precisei. Agradeço todo carinho e cuidado; a amiga Maria Auxiliadora Santana por toda atenção dispensada durante todos esses anos de amizade e por ter disponibilizado sua casa para que eu pudesse me dedicar melhor a tese; Aos amigos Geógrafos Altemar Amaral, Eleni Alves e Jana Maruska que deram todo suporte na confecção de mapas, revisão do texto e pelas longas conversas... Ao companheiro Edimilson Carvalho pela construção de uma sociedade comunista... Em Vitoria da Conquista não poderia deixar de agradecer as amigas: Aureaglaucia Barrocas e Simone Souto – que sempre torceram pela minha vitória; A Cláudia Sucro, responsável pela tradução do resumo e revisão do mesmo. A Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, instituição que trabalho há 23 anos por ter proporcionando as condições para que eu cursasse o Doutorado, em destaque a Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação; Aos trabalhadores: camponeses, desempregados, assalariados, assentados ou acampados, que gentilmente me receberam em suas casas e barracos na beira da estrada, por me ensinarem na prática que a luta é a marcha para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária; Agradeço pelas ricas conversas e entrevistas que me concederam, por compartilharem comigo suas vidas, sonhos e angustias. É para vocês que fiz esse trabalho de tese! A todos os militantes dos movimentos sociais que atuam no Centro-Sul de Sergipe e Litoral Norte da Bahia que me fizeram sentir parte do movimento em prol 8 da mudança social, onde todos os homens possam tornar-se emancipados pelo trabalho; A todos aqueles que me concederam entrevistas ou informações importantes para este trabalho: dirigentes sindicais, associações rurais, técnicos agropecuários, dentre outros; a todos vocês o meu MUITO OBRIGADO! 9 A história de todas as sociedades até agora tem sido a história das lutas de classes. Homem livre e escravo, patrício e plebeu, barão e servo, membro das corporações e aprendiz, em suma, opressores e oprimidos, estiveram em contraposição uns aos outros e envolvidos em uma luta ininterrupta, ora disfarçada, ora aberta, que terminou sempre com a transformação revolucionária da sociedade inteira ou com o declínio conjunto das classes em conflito. (MARK, Karl; ENGELS, Friedrich. O Manifesto Comunista, 1998, p. 8). “Nosso dia vai chegar, Teremos nossa vez. Não é pedir demais: Quero justiça, Quero trabalhar em paz. Não é muito o que lhe peçoEu quero um trabalho honesto Em vez de escravidão. Deve haver algum lugar Onde o mais forte não Consegue escravizar Quem não tem chance” (Renato Russo – Fábrica) 10 RESUMO O presente trabalho buscou analisar as contradições existentes entre a expansão e apropriação do capital no território do Centro-Sul de Sergipe e Litoral Norte da Bahia, por meio da difusão de cultivos voltados ao agronegócio, com destaque para cultivo da laranja pêra para a produção de suco concentrado e congelado de modo a atender o mercado externo, sobretudo europeu, e suas repercussões nas relações de trabalho praticadas até então, bem como de que maneira esse processo vai promover a subjugação da renda camponesa ao capital, na medida em que os camponeses tornam-se grande parte da força de trabalho explorada. Considera-se que o capital tanto se territorializa na região mediante à implantação desse tipo de indústria, não raro estabelecendo alianças com os latifundiários locais, como busca monopolizar o cultivo da laranja realizado nas unidades de produção familiar, promovendo a submissão dessa renda camponesa aos seus interesses imediatos. Assim, a expansão capitalista vem favorecendo o processo de valorização das terras e a concentração das mesmas nas mãos de poucos grupos econômicos, como também a degradação das condições de trabalho dos camponeses, mediante o processo de expropriação de suas terras, bem como a existência de um significativo contingente de força de trabalho na região. Por um lado, também se verifica a exploração do trabalho familiar camponês pelo capital, que se apropria, a baixo custo, de grande parte dessa produção sem ter que remunerar o trabalhador. Alem disso, o trabalho feminino e infantil acaba por complementar as possibilidades da reprodução ampliada do capital na região. Dessa forma, o capital vai promovendo, de várias maneiras, suas investidas sobre o trabalho. Por outro, esses trabalhadores expropriados dos meios de produção e mesmo aqueles, que se mantêm com dificuldades em suas terras, buscam formas de resistirem ou permanecerem nelas, já que a experiência da luta pela terra via movimentos sociais tem ganhado visibilidade. Assim sendo, o território do Centro-sul de Sergipe e do Litoral Norte da Bahia, enquanto singularidade na totalidade, pode ser compreendido como a materialidade concreta das investidas do capital sobre o trabalho e das diversas experiências desenvolvidas no âmbito da classe proletária para continuar sobrevivendo do trabalho, portanto expressão da luta travada, historicamente, entre classes sociais com interesses antagônicos. Palavras Chaves: Capital, Trabalho, Citricultura, Classes Sociais e Território. 11 ABSTRACT This work aimed at analyzing the existing contradictions between the expansion and appropriation of capital in the territory of central southern Sergipe and northern coastal area of Bahia, by means of the diffusion of cultivations devoted to agribusiness, especially ‘Pêra’ orange farming for the production of concentrated and frozen juice in order to attend the foreign markets, above all European market, and its repercussions in the work relationships practiced until then, as well as how this process is going to promote the subjugation of farmer income to capital, as the peasants become great part of explored labor-force. It is considered that as the capital territorializes in the region through the implantation of this kind of industry, often establishing alliances with the local landowners, as it searches to monopolize the orange farming accomplished in the unit of familiar production, promoting the submission of this farmer income to its immediate interests. Thus, the capitalist expansion has furthered the process of valorization of lands and the concentration of the same ones in the hands of few economic groups, as well as the degradation of the work conditions of the peasants, through the process of expropriation of their lands, just as the existence of a significant contingent of labor force in the region. On the one hand, it is also verified the exploration of familiar peasant labor through the capital, which largely appropriates, at a low cost, of this production without having to remunerate the worker. Moreover, the feminine and child labor ends by complementing the possibilities of increased reproduction of the capital in the region. Thus, the capital comes promoting, in several ways, its onrushes on the labor. On the other hand, these laborers expropriated of the means of production, and even those that stay at their lands with difficulties seek means to resist or stay at them, since the experience of the fight for the land through social movements has acquired visibility. In this case, the territory of central southern Sergipe and northern coastal area of Bahia, while singularity in the totality, may be understood as the concrete materiality of onrushes of capital on the labor and of several experiences developed in the scope of the working class to continue surviving of the labor, therefore expression of struggle occurred, historically, between social classes with antagonistic interests. Keywords: Capital; Labor; Citriculture; Social Classes; Territory 12 LISTA DE TABELAS E QUADROS Tabela 01 – Estabelecimentos com dimensão igual ou superior a 1.000ha. Brasil, 1920-1995............................................................................................. 46 Tabela 02 – Estrutura Fundiária Brasileira, 2003............................................ 47 Tabela 03 – Síntese da Estrutura Fundiária, Brasil, 2003............................... 48 Tabela 04 – Índice de Gini. Bahia. 1920 a 1995/96......................................... 49 Quadro 01 – Grau de distribuição da terra, através do índice de Gini por município. Bahia, 1940, 1960, 1970 e 1995/96............................................... 50 Tabela 05 – Índice de Gini referente a desigualdade da distribuição da posse da terra no estado da Bahia e nas suas microrregiões homogêneas, em 1970, 1975, 1980 e 1985........................................................................... 51 Tabela 06 – Produção de laranja e participação relativa, 2006....................... 61 Tabela 07 – Portos utilizados para o escoamento do Suco de laranja, 2008........................................................................................................... ..... 67 Tabela 08 – Evolução do índice de Gini e da Estrutura Fundiária em municípios do Litoral Norte e do município de Itapicuru/BA, 1920-1995/6...... 135 Tabela 09 – Concentração Fundiária em municípios do Litoral Norte da Bahia e no município de Itapicuru/BA, 1995/6................................................. 136 Tabela 10 – Estado de Sergipe – Região Citrícola. Área Colhida com laranja por município, 1987-2007.................................................................... 183 Tabela 11 – Estado da Bahia – Região do Litoral Norte. Área colhida com laranja por município, 1990-2007.................................................................... 189 Quadro 02 - Assentamentos e acampamentos do MST no Centro-Sul de Sergipe, 2009................................................................................................. 262 13 LISTA DE FIGURAS Figura 01 – Estudo da Citricultura Bahia e Sergipe-2009....................................... 23 Figura 02 – Estado da Bahia e Sergipe. Área colhida por município em 2007..... 180 Figura 03 – Estado da Bahia. Área colhida em hectares de laranja 2007............ 181 Figura 04 – Estado de Sergipe. Municípios: Área colhida em hectares de laranja de Sergipe, 2007............................................................................................ 182 Figura 05 – Produção de Laranja – Área Colhida por municípios Centro-Sul Sergipano e Litoral Norte Baiano.................................................................... 186 Figura 06 – Distribuição da produção de laranja por municípios Centro-Sul Sergipano e Litoral Norte Baiano............................................................................ 187 Figura 07 – Zona de aptidão agrícola: citricultura Bahia e Sergipe, 2009.............. 188 Figura 08 – Áreas produtoras de Laranja nos estados da Bahia e de Sergipe, 2009......................................................................................................................... 192 Figura 09 – Distribuição espacial dos assentamentos e acampamentos CentroSul de Sergipe, 2009....................................................................................... 261 14 LISTA DE FOTOGRAFIAS Foto 01 – Crianças e adolescentes colhedores de laranja, 2003........................ 56 Foto 02 – Crianças e adolescentes colhedores de laranja, 2003........................ 56 Foto 03 – Indústria Tropfruit do Nordeste/Estância/SE........................................ 64 Foto 04 – Indústria Maratá Sucos/Estância/SE....................................................... 64 Foto 05 – Sumo Industrial/Boquim/SE................................................................ 64 Foto 06 – Incentivos fiscais do Governo Federal................................................ 64 Foto 07 – Grande propriedade/Rio Real-BA...................................................... 66 Foto 08 – Plantio de laranja em pequena propriedade....................................... 66 Foto 09 – Incorporação de novas áreas ao plantio/SE....................................... 66 Foto 10 – Novos plantios/BA........................................................................................ 66 Foto 11 – Beneficiadora em Sergipe.................................................................... 67 Foto 12 – Benecificiadora Inhambupe/BA............................................................ 67 Foto 13 – Meeiros plantando entre os pés de laranja.......................................... 71 Foto 14 – Trabalhadores em beneficiadora......................................................... 71 Foto 15 – Trabalhadores na capina..................................................................... 73 Foto 16 – Família camponesa/plantio.................................................................. 73 Foto 17 – Assembléia do SINDISA...................................................................... 106 Foto 18 – Sede do SINDISA/Estância/SE........................................................... 106 Foto 19 – Colhedores de laranja em transporte irregular. Boquim/SE................ 121 Foto 20 – Colhedores de laranja em transporte irregular. Boquim/SE................ 121 Foto 21 – Barracas nas margens da BR 101...................................................... 123 Foto 22 – Barracas nas margens da BR 101...................................................... 123 Foto 23 – Produção de cultivos de subsistência nas margens da BR 101......... 123 Foto 24 – Produção de cultivos de subsistência nas margens da BR 101......... 123 Foto 25– Carregadores em /Rio Real-BA............................................................ 125 Foto 26 – Trabalhadores após descarregar caminhão........................................ 125 Foto 27 – Família Sem Terra (Meeiros)............................................................... 143 Foto 28 – Trabalhadores meeiros........................................................................ 143 Foto 29 – Sede da EMDAGRO/ Boquim - SE, 2003............................................ 205 Foto 30 – Extratoras da Tropfruit do Nordeste, 2003.......................................... 218 Foto 31 – Torres da indústria Tropfruit, 2003...................................................... 218 Foto 32 – Análise química do suco de laranja.................................................... 219 15 Foto 33 – Suco concentrado em tambores para exportação.............................. 219 Foto 34 – Indústria paulista transportando suco de laranja de Sergipe, 2003................................................................................................................ 223 Foto 35 – Viveiro Telado, Boquim-SE, 2003....................................................... 226 Foto 36 – Atual Sede da Coopertreze, Lagarto, 2003......................................... 255 Foto 37 – Acampamento nas margens da BR 101.............................................. 274 Foto 38 – Acampamento Santa Rita de Cássia................................................... 274 Foto 39 – Entrevista com famílias acampadas.................................................... 274 Foto 40 – Acampamento Brejo Grande/Rio Real-BA.......................................... 274 Foto 41 – Cultivos de subsistência em acampamento........................................ 278 Foto 42 – Roça de mandioca............................................................................... 278 Foto 43 – Encontro Regional do MST/Itapicuru-BA............................................. 282 Foto 44 – Realização da Mística.......................................................................... 282 Foto 45 – Assentados renegociando dívidas....................................................... 285 Foto 46 – Reunião assentados com BNB............................................................ 285 Foto 47 – Acampamento do MOTU/Estância-SE ................................................ 287 Foto 48 – Atividades realizadas em Acampamento.............................................. 287 16 LISTA DE SIGLAS ABECITRUS – Associação Brasileira dos Exportadores de Cítricos ADAB – Agência de Defesa Agropecuária da Bahia ASCIBA – Associação dos Citricultores da Bahia ASCISE – Associação dos Citricultores de Sergipe BANESE – Banco do Estado de Sergipe BENELUX – Bélgica, Holanda e Luxemburgo BNB – Banco do Nordeste do Brasil CAI – Complexo Agroindustrial CEALNOR – Central de Associações do Litoral Norte da Bahia CEASAS – Centrais de Abastecimento CODEVASF – Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco COOPEALNOR – Cooperativa Agropecuária do Litoral Norte da Bahia COOPERTREZE – Cooperativa Mista dos Agricultores do Treze CPATSA – Centro de Pesquisas Agropecuárias do Trópico Semi-árido CPT – Comissão Pastoral da Terra CVC – Clorose Variegada dos Citros DFAs – Delegacias Federais da Agricultura EBDA – Empresa Baiana de Desenvolvimento Agropecuário EMDAGRO – Empresa de Desenvolvimento Agropecuário do Estado de Sergipe ESALQ – Escola Superior de Agronomia Luiz de Queiroz – São Paulo EMBRAPA – Empresa Brasileira de Pesquisas Agropecuárias FETASE – Federação dos Trabalhadores Rurais de Sergipe FGTS – Fundo de Garantia do Tempo de Serviço FRUTENE – Indústria de Frutos do Nordeste S/A FRUTISA – Indústria de Frutos Tropicais FRUTESP – Frutos Tropicais de São Paulo FUNDECITRUS – Fundo Paulista de Defesa da Citricultura IBAMA – Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis. IBDF – Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal IBGE – Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística INCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária INSS – Instituto Nacional de Seguridade Social 17 MDA – Ministério do Desenvolvimento Agrário MERCOSUL – Mercado Comum do Sul MOTU – Movimento Organizado de Trabalhadores Urbanos MMA – Ministério do Meio Ambiente MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra NPK – Nitrogênio, Fósforo e Potássio. PETI – Programa de Erradicação do Trabalho Infantil PIC – Programa Integrado de Citros PROCITRUS – Projeto de Revitalização e Expansão da Citricultura na Bahia PRONAF – Programa Nacional da Agricultura Familiar PRÓ-SERTÃO – Projeto Sertanejo SEBRAE – Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas SEMA – Secretaria do Meio Ambiente SEMAR – Secretaria de Meio Ambiente da Presidência da República SENAI – Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SENAR – Serviço Nacional de Aprendizagem Rural SINDICITROS – Sindicato dos trabalhadores das indústrias de beneficiamentos e carregadores de frutos cítricos do estado de Sergipe SINDISA – Sindicato dos Trabalhadores da Indústria de Sucos, Amidos, Cervejas e afins do Estado de Sergipe. SUDENE – Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste SUDEPE – Superintendência da Pesca SUDHEVEA – Superintendência da Borracha UFBA – Universidade Federal da Bahia USDA – Departamento de Agricultura dos Estados Unidos VTC – Vírus tristeza dos citros 18 SUMÁRIO DEDICATÓRIA.............................................................................................................. 04 AGRADECIMENTOS.................................................................................................... 05 EPÍGRAFE.................................................................................................................... 10 RESUMO....................................................................................................................... 11 ABSTRACT................................................................................................................... 12 LISTA DE TABELAS..................................................................................................... 13 LISTA DE FIGURAS..................................................................................................... 14 LISTA DE FOTOGRAFIAS.......................................................................................... 15 LISTA DE SIGLAS…………………………………………………………………………… 17 1 INTRODUÇÃO........................................................................................................ 22 1.1 Apresentação....................................................................................................... 22 1.2 A relação capital versus trabalho na citricultura baiana e sergipana............ 28 1.3 Reflexões Teóricas e metodológicas sobre território na Geografia............. 35 1.4 Questões iniciais para pensar as Contradições Capital Versus Trabalho na Produção do Espaço da Citricultura no Litoral Norte da Bahia e Centro-Sul de Sergipe......................................................................................................................... 43 2 O TRABALHO ENQUANTO CATEGORIA CENTRAL NOS ESTUDOS EM GEOGRAFIA ................................................................................................................ 77 2.1 O Trabalho enquanto categoria central para os estudos em Ciências Sociais............................................................................................................ 88 2.1.1 Leituras sobre a categoria trabalho na Geografia..................................... 93 19 2.2 A contextualização dos Conflitos e das Contradições entre Capital 99 versus Trabalho nos Laranjais Baianos e Sergipanos............................................ 2.3 O processo de reprodução camponesa nas contradições do capital....... 3 129 O AVANÇO DO CAPITAL NO CAMPO E AS INVESTIDAS SOBRE O TRABALHO............................................................................................................ 149 3.1. Crise do capital, reestruturação produtiva e precarização do trabalho no campo..................................................................................................................... 153 3.2. A mobilidade como possibilidade de garantia do trabalho........................ 162 3.3. O Estado e a montagem da infraestrutura para a garantia da reprodução do capital e da renda da terra......................................................... 168 3.3.1 Órgãos atuantes: as políticas públicas para o “desenvolvimento regional”................................................................................................................. 198 3.4 Territorialização do capital por meio das Indústrias de suco..................... 209 3.5 Outros sujeitos e entidades que fazem parte da rede da laranja............... 221 3.5.1 Os Compradores de laranja........................................................................ 221 3.5.2 Os Viveiristas................................................................................................. 225 3.5.3 Os proprietários rentistas........................................................................... 232 3.5.4 As Beneficiadoras de laranja...................................................................... 235 3.6 As cooperativas e associações: expressões da luta dos agricultores ou inserção subordinada ao capital?....................................................................... 239 3.6.1 A Central de Associações do Litoral Norte (CEALNOR) e a Cooperativa Agrícola do Litoral Norte da Bahia – COOPEALNOR.............. 240 3.6. 2 Associação dos Citricultores da Bahia (ASCIBA).................................. 248 3.6.3 Cooperativa Mista dos Agricultores do Treze (COOPERTREZE)........... 252 20 4 DA APROPRIAÇÃO DO CAPITAL À BUSCA DE NOVAS FORMAS DE TRABALHO: A MATERIALIDADE DA LUTA DE CLASSES NO TERRITÓRIO........ 259 4.1 A luta pela terra e as diversas formas de organização dos assalariados e camponeses................................................................................................................. 273 4.2 Luta pela moradia nas cidades e o acesso ao trabalho.................................... 287 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................... 293 6 REFERÊNCIAS ................................................................................................. 300 ANEXOS 21 1. INTRODUÇÃO 1.1 Apresentação Esta Tese tem por finalidade realizar uma análise da relação capital versus trabalho dado o processo de monopolização da produção e territorialização do capital na citricultura baiana e sergipana, mais especificamente nas regiões denominadas Centro-Sul de Sergipe e Litoral Norte da Bahia. A expansão em direção ao Litoral Norte da Bahia e outras regiões próximas, que passam a constituir novos espaços do capital. (ver figura 01 a seguir). Em contrapartida, as diversas estratégias desenvolvidas pelos trabalhadores assalariados e camponeses através da ação em Sindicatos de Trabalhadores Rurais, Sindicato dos Trabalhadores da indústria de suco concentrado, além das diversas associações e cooperativas criadas no intuito de melhorar as condições de inserção dos pequenos agricultores no processo produtivo, na busca dos trabalhadores pelo trabalho e nas alternativas criadas pelos camponeses e pela classe proletária em geral para continuar em seus espaços de reprodução social. Muitos trabalhadores da região participam da configuração territorial, através do desenvolvimento de relações de produção não capitalistas e a partir da disposição em movimentos sociais de luta pela terra, por moradia e pelo trabalho. Dessa forma, não se pode desprezar que se tem a partir da territorialização do capital, uma ampliação do exército de reserva com profundas repercussões na vida dos trabalhadores que se tornam cada vez mais explorados, terceirizados, subcontratados e hifenizados, principalmente, através de desempenho de diversas funções e modalidades de trabalho que podem ser executadas simultaneamente. 22 Figura 01 Fonte: IBGE/SEI. Organização: Altemar Amaral Rocha, 2009. Essa situação pode ser compreendida a partir das próprias necessidades do sistema produtivo na garantia de sua reprodução ampliada. Essa reprodução se consolida na maior exploração da força de trabalho, no mais-trabalho, além do rebaixamento do salário, mediante a existência de um considerável percentual de trabalhadores “excedentes” na região. É a partir dessa realidade que se pode analisar a apropriação desse espaço pelo capital e a emergência dos conflitos entre classes antagônicas no território, mediante as tentativas de permanência dos camponeses em suas terras 23 de trabalho, como pela organização de trabalhadores rurais expropriados dos meios de produzir a existência em movimentos sociais de luta pela terra versus os interesses imediatos das empresas capitalistas em busca do lucro ou da maior extração da renda da terra por parte dos grandes proprietários fundiários, que historicamente se apropriaram de significativas porções de terras nas regiões em estudo. A estratégia da classe proletária na região é migrar em determinados períodos do ano para outros municípios e estados a fim de se inserirem, de forma precarizada e esporádica, no processo do trabalho aviltante. Tal inserção, muitas vezes, acaba por representar a única opção para grande parte dos trabalhadores, sejam esses camponeses desterritorializados com pouca terra, ou trabalhadores assalariados e desempregados. Os conflitos e contradições existentes entre o capital versus trabalho se exprimem no território citrícola baiano e sergipano, sendo, portanto, objeto/sujeitos importantes para a análise geográfica. Para tanto a categoria território torna-se fundamental na medida em que nos permite compreender os diversos projetos territoriais, de classes sociais antagônicas, em constante disputa produzindo e reproduzindo esse território. Assim, considera-se que as marcas da expansão capitalista, bem como as tentativas de resistência implementada pela classe trabalhadora deixam marcas significativas no território. Neste estudo território é entendido como materialidade concreta da luta de classes, mediante os próprios interesses do modo capitalista de produção e das reações provocadas no âmbito dos trabalhadores em continuarem na terra ou mesmo se organizarem em prol da luta pela terra. 24 Para tanto, é preciso compreender a Região do Centro-Sul de Sergipe e Litoral Norte da Bahia enquanto uma singularidade na totalidade, quando a mesma passa a despertar mais diretamente os interesses do capital, que valendo-se de uma infraestrutura disponibilizada pelo Estado, e através de seu desenvolvimento desigual e combinado, passa a promover transformações espaciais e na relações de trabalho existentes na região, na busca de sua reprodução ampliada. Assim sendo, a tese apresenta-se dividida em cinco partes, composta por quatro capítulos e as considerações finais, estruturada da seguinte forma: No primeiro capítulo é apresentada a introdução e a problemática que norteou a construção da tese, bem como o quadro geral no qual se configurou a apropriação dos espaços denominados de Litoral Norte da Bahia e Centro-Sul de Sergipe pelo capital a partir da introdução de indústrias citrícolas e da criação de toda infraestrutura pelo Estado, através da criação de órgãos públicos de pesquisa e extensão rural e das investidas no processo de sujeição dos camponeses por meio da difusão desse cultivar, assim como seus rebatimentos nas relações de trabalho praticadas até então. Aponta-se que ocorre um processo de precarização e desemprego evidente na região, como também a utilização do trabalho feminino e infantil como formas de garantir maior lucro e renda aos detentores dos meios de produção. O processo de valorização das terras acaba por impulsionar a mobilidade do trabalho, bem como o processo de proletarização nessas regiões. A partir dessa realidade torna-se visível a atuação dos movimentos sociais e mesmo do sindicato, os primeiros principalmente na luta pela terra e pelo trabalho e os segundos como forma de, mediando à relação patrão-empregado, garantir, ainda que precariamente, os empregos daqueles que conseguem se manter no processo produtivo. 25 No segundo capítulo são apresentadas algumas discussões sobre a categoria trabalho e sua importância na condução dos estudos geográficos. Para tanto é retomada a relação sociedade x trabalho x natureza que fundamenta as bases do pensamento geográfico. Através desse exercício epistemológico busca-se compreender o trabalho enquanto condição ontológica do homem e sua conversão em trabalho alienado a partir da implementação das relações capitalistas de produção, a luta daqueles expropriados dos meios de produção pelo trabalho e as investidas do capital na extração do mais-trabalho que lhe garanta maior lucro. Também são analisadas as estratégias dos trabalhadores em, mediante a impossibilidade de terem acesso ao trabalho, ainda que de forma precarizada no local, precisando se deslocar para outras localidades em busca do trabalho. No capítulo três faz-se uma discussão sobre o avanço do capital e suas investidas sobre o trabalho e como esse processo ocorre no Centro-Sul de Sergipe e Litoral Norte da Bahia com a incorporação dessas áreas na lógica produtiva da citricultura para exportação. Para tanto, há que se reportar a compreensão do processo de reestruturação produtiva do capital a partir das evidências mais concretas da crise estrutural que começa a apresentar seus primeiros sinais em finais da década de 1960 e de que forma o processo de reestruturação vai incidir em novas formas de precarização do trabalho, no campo e nas cidades, por meio da introdução do trabalho flexível, precarizado e, em muitos casos, desprovido de qualquer direito trabalhista. Por meio dessa realidade, busca-se analisar as estratégias desenvolvidas pelos grupos capitalistas – na extração da mais-valia e dos proprietários fundiários – cujo objetivo é alcançar maior extração da renda da terra e de que forma essas repercutem na precarização das condições de trabalho, tanto 26 através do processo de subsunção do trabalho ao capital quanto por meio da sujeição da renda da terra. A precarização das condições do trabalho nas regiões em estudo evidencia tanto a realidade dos trabalhadores rurais e camponeses quanto daqueles que se mantém no trabalho industrial, por outro lado, verificam-se também formas de organização criadas no âmbito da classe trabalhadora, cuja ação dos sindicatos torna-se fundamental. Essas questões são tratadas no capítulo quatro que aponta ainda a emergência da luta pela terra na região, como resultado concreto da valorização das terras e da expropriação dos camponeses ocorridas em momentos anteriores, bem como a luta pelo trabalho e pela moradia, em que a ocupação de terras em áreas próximas da cidade passa a representar a possibilidade de, alternando o trabalho na terra com determinados empregos esporádicos na cidade, manutenção da reprodução social para muitas famílias proletárias da região. Nesse processo, evidencia-se a busca de uma consciência de classe necessária a organização do proletariado, não apenas no sentido de lutar por determinados empregos precarizados, sejam esses no campo ou nas cidades mais próximas, mas para participar, ao menos parcialmente, dos resultados do processo produtivo. O trabalho enquanto condição ontológica do homem e a busca pelo trabalho emancipador são apresentados nas considerações finais desse trabalho de tese, em que se pesem as necessidades concretas daqueles que historicamente produzem a riqueza e contraditoriamente dessas não se apropriam. Assim, o território é compreendido como dimensão concreta dessa luta da classe proletária que na subordinação busca criar formas de emancipação. 27 1.2 A relação capital versus trabalho na citricultura baiana e sergipana Como base para nortear este trabalho será utilizada a perspectiva de análise da expansão capitalista, com o intuito de verificar as contradições nas relações entre capital versus trabalho e suas manifestações no território da citricultura sergipana e baiana. A análise será feita a partir das contradições sociais, os processos de transformação do pequeno agricultor e das relações que estabelecem com o capital em suas várias formas ou com o mercado. No que se refere à questão da subordinação dos camponeses ao capital pode-se considerar que esta é feita, principalmente, a partir dos mecanismos de desarticulação, transformação e eliminação gradativa da unidade de produção familiar ou da sua completa sujeição ao capital. Nessa perspectiva estarão presentes concepções relativas à contradição inerente as forças produtivas e relações de produção. Conforme explicita no Dicionário do Pensamento Marxista, Botomore (1988: p .157 ) O binômio forças produtivas e as relações de produção subjaz, em qualquer modo de produção, ao conjunto dos processos da sociedade e não apenas ao processo econômico, sabendo-se que os dois elementos fundamentais do processo econômico são os meios de produção e a força de trabalho. Também a especificidade dos meios de produção nos remete aos problemas regionais, através dos diferentes elementos técnicos da produção e da utilização dos recursos naturais e produtivos pelos movimentos de capitais. Por isso, observa-se na força de trabalho uma ligação forte com os espaços urbanos e 28 aos processos diretamente relacionados à produção que, por sua vez, estão combinados espacialmente. Como marco de análise para o estudo do processo de desenvolvimento do capital na agricultura, busca-se utilizar um método, através do qual a sua ação recíproca reflita a contradição inerente e a mudança que ocorre na natureza, no trabalho e na sociedade. Para tanto partiu-se de alguns objetivos, como: analisar a dimensão Sócio Territorial das Contradições entre capital versus trabalho na citricultura baiana e sergipana; Verificar de que forma estas contradições entre capital e trabalho vêem repercutindo no processo de reprodução camponesa na região; Analisar as estratégias utilizadas pelo capital na subordinação, precarização, terceirização e hifenização dos trabalhadores, bem como o processo de sujeição da renda da terra pelo capital e suas manifestações no território citrícola; Compreender as estratégias desenvolvidas pelos trabalhadores, através dos sindicatos, cooperativas, associações e diversificação das relações de produção frente às alterações no mundo do trabalho. Assim, buscou-se analisar o movimento contraditório do desenvolvimento do capitalismo no Brasil, a partir da hipótese de que as contradições entre capital versus trabalho na região citrícola baiana e sergipana vêem promovendo profundas modificações territoriais frente às novas formas de gestão e controle do trabalho e, ao mesmo tempo, o desenvolvimento de estratégias por parte dos camponeses e proletários para continuar participando do processo produtivo; com repercussões nas condições de vida destes últimos que buscam participar, ainda que parcialmente, da construção deste território citrícola. 29 Para tanto, torna-se importante elencar alguns conceitos de base na análise marxiana como de contradições e conflitos; noções teóricas de capital, trabalho concreto, trabalho abstrato, mercadoria, valor, mais-valia, circulação, dentre outros. Na compreensão desse processo contraditório é que se dá a instalação e desenvolvimento comercial da atividade citrícola no Centro-Sul de Sergipe, na década de 1960, que se estende, já na década de 1980, em direção ao Litoral Norte da Bahia, capitaneado por investimentos do Estado, representando um delineamento no processo de monopolização da produção, bem como, em alguns momentos, até de territorialização do capital, conforme apontado por A. U. de Oliveira (1998). Com base nas contradições capital versus trabalho, considera-se que o avanço das relações capitalistas de produção, ainda que essas reproduzam, nas suas contradições, as relações não-capitalistas, promovem profundas transformações na vida dos proletários rurais e dos camponeses que há décadas tinham nestes espaços seu lócus de reprodução social. Como exemplo tem-se o que foi bem retratado no romance de os Corumbas1, em que mostra-se o drama de camponeses e proletários que sempre foram utilizados seja nos canaviais que existiam no Sul de Sergipe, nas atividades fumageiras e, mais recentemente, nos laranjais de Sergipe e da Bahia. Pode-se considerar de grande relevância os trabalhos desenvolvidos por Martins (1994 e 1998) e Ariovaldo Umbelino de Oliveira (1986 e 2001) que, com 1 O livro Os Corumbas é um romance do proletário infeliz e desesperançado, vivendo entre ilusões e desenganos. Uma família pobre, a dos Corumbas, emigra de uma cidade do interior do Sergipe para a capital Aracaju, onde encontrará trabalho e onde os pais retirantes esperam colocar os filhos numa das duas fábricas de fiação nas primeiras décadas do século 20. Antes utilizavam da estratégia de trabalhar nas grandes lavouras e retornar para as terras que ocupavam. 30 base na análise desenvolvida por Rosa Luxemburgo (1985)2, retratam a expansão do Capitalismo no Campo, sobretudo nas décadas de oitenta e noventa, do século 20, caracterizado por profundas mudanças decorrentes do processo de mundialização da economia brasileira. Por outro lado, os autores citados destacam o lado contraditório da expansão capitalista no campo que, por sua vez, reproduzem tanto as relações capitalistas de produção quanto às relações não capitalistas. Os conceitos utilizados foram aqueles empregados por A. U. de Oliveira (1986) ao destacar as relações de produção e, dentre essas, as relações de produção Capitalistas e não capitalistas. Conceituação essa advinda de uma análise marxiana, nas quais as relações de produção podem ser entendidas como: “(...) o conjunto das relações que se estabelecem entre os homens em uma sociedade determinada, no processo de produção das condições materiais de sua existência” (p.59). Já as relações capitalistas de produção são caracterizadas como: “(...) relações baseadas no processo de separação dos trabalhadores dos meios de produção, ou seja, os trabalhadores devem aparecer no mercado como trabalhadores livres de toda a propriedade, exceto de sua própria força de trabalho” (p.59). Essas relações se dão a partir da expropriação dos meios de produção dos trabalhadores, em que esses são proprietários apenas da sua força de trabalho, para vender ao capitalista. Nesse sentido, o proletário, ao vender sua força de trabalho, estabelece trocas com o proprietário do meio de produção (o capitalista), tornando-se propriedade econômica deste último. As relações de produção não capitalistas, segundo a análise marxiana de A. U. de Oliveira, se dão “pela sujeição da renda da terra ao 2 In: LUXEMBURGO, Rosa. A Acumulação do Capital. Contribuição ao Estudo Econômico do Imperialismo. Apresentação de Paul Singer; traduções de Marijane Vieira Lisboa e Otto Erich Walter Maas. 2ª ed. São Paulo: Nova Cultural, 1985. (Os Economistas). 31 capital”. O capital redefiniu a renda da terra pré-capitalista existente na agricultura; e ao se apropriar a transforma em renda capitalista. “(...) a renda camponesa é apropriada pelo capital monopolista, convertendo-se em capital” (p.67). Segundo Marx (1894), o capitalista ao incorporar as duas formadoras originais da riqueza: a força de trabalho e a terra, adquire uma força expansiva de sua existência. O processo de produção tem início com a compra da força de trabalho, e o trabalhador é pago depois de ter realizado e efetivado seu próprio valor como a mais-valia em mercadorias. Ainda esse autor analisa o processo de produção capitalista na sua escala ampliada, procurando explicar a conversão das leis de propriedade da produção de mercadorias em leis de apropriação capitalista, assinalando que, com o processo de produção capitalista em escala ampliada ocorre a (re)transformação de Mais-Valia em capital, também chamada – acumulação de capital. O circuito da reprodução simples se altera e se transforma em uma espiral. É importante salientar que nesta análise a força de trabalho é tratada como mercadoria. Essa realidade se reproduz na área em estudo, a partir da tentativa de conversão do produtor direto em força de trabalho que cria, cada vez mais, mercadoria, que se transforma em capital, apropriado pelos detentores dos meios de produção. Esse processo de reprodução ampliada do capital se sustenta na precarização das condições de trabalho, mediante a existência de um considerável exercito de reserva que desprovidos da terra e dos demais meios de produção constituem-se indivíduos sujeitos a qualquer condição de trabalho. A esse contingente soma-se a significativa presença da força de trabalho feminina e infantil que realizam trabalhos esporádicos com menor remuneração. Na região apesar da fiscalização exercida pelo Ministério Público Federal e Ministério 32 Público do Trabalho e das denúncias que já adquiriram proporção nacional, verificase in lócus que as empresas capitalistas e os proprietários fundiários continuam se valendo desses expedientes para garantir maior lucro para os capitalistas e extração da renda da terra para os latifundiários. As questões serão tratadas com mais propriedade nos capítulos que se seguem. Verificou-se, através de trabalho de campo realizado na região em estudo que além das investidas do capital sobre o trabalho assalariado (precarizado) empregado no cultivo da laranja, esse se reproduz também por meio do processo de sujeição da renda camponesa ao capital. Essa sujeição corresponde a apropriação da produção na esfera da circulação quando os grupos industriais se apropriam a baixo custo da produção desenvolvida nas unidades de produção camponesa, que representam aqueles sujeitos que conseguem se manter em pequenos pedaços de terra, mais que devido às dificuldades concretas em que vivem e mediante as “possibilidades” de terem mercado certo nas indústrias processadoras de suco concentrado para exportação, acabam por se sujeitar aos preços oferecidos por essas, perdendo a oportunidade de se reproduzirem com o mínimo de autonomia, não raras vezes se convertendo em mera força de trabalho para o capital. Para esse o processo de sujeição camponesa acaba por representar uma excelente oportunidade de se apropriar da produção sem ter que imobilizar parte de seu capital no pagamento da força de trabalho. Essa realidade nos leva a considerar que a teoria necessita, constantemente, ser confrontada com a empiria, na busca de captar a “essência movente da sociedade”3, Reafirma-se que a atuação capitalista no Centro-Sul de Sergipe e Litoral Norte da Bahia, através do monocultivo da laranja pêra, se faz 3 Conforme apontado por PAULO NETO, José. Introdução. In: LÊNIN, V. I. O Desenvolvimento do Capitalismo na Rússia. (p. XX e XXI). 33 tanto por meio da expropriação camponesa e do processo de subsunção ao capital quanto por meio da sujeição da renda daqueles que permanecem na terra. Considerando que o processo de avanço capitalista traz em si as suas contradições, verifica-se também a emergência de diversas formas de luta no âmbito da classe proletária para resistir aos desígnios da exploração impulsionada pelas relações capitalistas de produção. O processo de “modernização” nessas regiões citrícolas, acabou por caracterizar, também, uma seleção dos produtores (entende-se seleção como a desigual distribuição de benefícios para os capitalistas, os grandes e médios proprietários fundiários versus camponeses e proletários, esses últimos os principais atingidos que, na concepção de Marx são os verdadeiros produtores de toda riqueza produzida), ou seja, separam-se os que podem pagar o preço desta inserção produtiva dos que não podem e, por isso, perdem suas terras, ou são abandonados à própria sorte. Toda essa realidade brasileira e da América Latina, está refletida nos espaços urbanos e rurais devido a introdução de padrões insustentáveis para a promoção do homem e do lugar: desterritorização, mudança e intensa mobilidade em busca do elo perdido, tempo da técnica, tempo do trabalho árduo, espaço do trabalho e espaço para não se permitir o trabalho. Eis um processo de urbanização com anomalias e rugosidades, em que se perde o respeito pelo próximo, pela natureza e pela vida. As relações sociais se modificam e o mundo rural e urbano se torna confuso, complexo, na aparência e na essência. Para a realização da pesquisa buscou-se responder as seguintes indagações: Como as contradições entre capital versus trabalho na região citrícola baiana e sergipana veem promovendo as modificações territoriais frente às novas 34 formas de gestão e controle do trabalho no processo agroindustrial e, ao mesmo tempo, como se desenvolve as estratégias por parte da classe proletária e camponesa para continuar participando do processo produtivo?; como as modificações estão repercutindo nas condições de vida dos Camponeses e proletários rurais. Como esses se inserem, ainda que parcialmente, na construção deste território citrícola? A fim de responder a esses questionamentos, buscou-se compreender de que forma esse território do Centro-Sul de Sergipe e Litoral Norte da Bahia vem sendo, historicamente, se produzindo, e quais os rebatimentos da expansão capitalista ocorrida nas últimas décadas e suas implicações para o trabalho. Assim, torna-se necessário a compreensão de alguns estudos sobre o território na Geografia e a concepção adotada por esse trabalho de tese, partindo de uma leitura fundamentada na teoria crítica marxista. 1.3 Reflexões Teóricas e metodológicas sobre território na Geografia Na Geografia aceita-se a idéia de que foi Frederic Ratzel (Alemão e Prussiano) quem primeiro utilizou o conceito de território. Para esse, o território representaria uma “determinada porção da superfície terrestre apropriada por um grupo humano” (MORAES, 1990, p. 23). Cabe considerar, entretanto, que trata-se de um conceito advindo das ciências naturais, principalmente por conta da influência das teorias de Darwin e Lamarck nas obras deste autor. Assim, esta idéia de território vincula-se à apropriação do espaço como forma de luta pela sobrevivência, demonstrando a necessidade do homem em utilizar os recursos da natureza. Neste sentido, a sociedade precisava se organizar para manter seu território, ou seja, garantir os seus recursos; logo, esta mesma sociedade cria o Estado, ou nas palavras de Ratzel: “quando a sociedade se organiza para defender 35 o território, transforma-se em Estado” (MORAES, 1993, p. 56). Com isso, o território representaria as condições de existência de uma sociedade, que deveria ser mantido ou até mesmo ampliado, podendo representar a decadência ou o progresso de um povo. Os estudos Ratzelianos foram, posteriormente, retomados por outros teóricos, para formulação da Geopolítica, ou seja, o estudo da dominação dos territórios referentes à ação do Estado sobre o Espaço. (MORAES, 1987, p. 59), Segundo Moraes (2000 p. 142), o Estado é dotado de uma materialidade física que abriga uma estrutura operacional que permite a execução de funções diretivas e executivas necessárias a reprodução da sociedade. Já o governo é um elemento transitório e variável, que realiza um direcionamento conjuntural da atuação estatal, imprimindo uma lógica particular às operações de seu aparato, como a estratégia, programas e políticas. A contribuição de Ratzel em sua obra “o Solo, a Sociedade e o Estado” fundamenta-se na esfera do território, como condição de vida para a sociedade. Apresenta a instituição estatal como um pressuposto de um espaço delimitado e uma vizinhança, com o qual se estabelecem fronteiras. A partir do que se convencionou chamar de Movimento de Renovação da Geografia, o conceito de território volta a ser bastante utilizado, não apenas pelos geógrafos, mas também por diversas outras áreas das Ciências Sociais, buscando adequá-lo a realidade da época. Nesse sentido, destacam-se os estudos desenvolvidos por Raffestin, retomando os estudos de Ratzel no que se refere à relação entre o território e o Estado. Este autor destaca ainda a grande confusão feita pelos geógrafos na utilização dos conceitos de espaço e território como termos equivalentes. Para Raffestin o espaço é uma noção e o território um conceito. 36 Assim: O território (...) é um espaço onde se projetou um trabalho, seja energia e informação, e que, por conseqüência, revela relações marcadas pelo poder. O espaço é a “prisão original”, o território é a prisão que os homens constroem para si. (RAFFESTIN, 1993, p. 143-144). Se o espaço é anterior ao território, formando-se a partir deste, o autor sustenta-se no caráter político da noção de território. Raffestin destaca que a imagem territorial projetada por um ser (sujeito) social não corresponde ao território real, já que essa é a conjugação de distintos projetos territoriais em disputa. Essa dimensão da disputa implica sujeitos com interesses diferenciados em luta pelo mesmo território. Considerando essa realidade para o campo brasileiro, por exemplo, pode-se aceitar que os interesses do capital o mesmo dos proprietários fundiários não correspondem aos mesmos interesses dos camponeses e os conflitos oriundos dessa luta entre classes antagônicas no território são crescentes. Quanto mais o capital avança, bem como os proprietários fundiários rentistas novos conflitos emergem pelo território, mediante a ação organizada daqueles que historicamente vão sendo expropriados do direito a terra. Retomando as diversas leituras sobre o território na Geografia cabe destacar que sobre a análise desenvolvida por Claude Raffestin esse foi posteriormente bastante criticado por outros geógrafos, a exemplo M. de Souza (1995) e Moreira (1996). O primeiro critica Raffestin por considerar que ele atribui ao território um papel de substrato das relações sociais. Para M. de Souza (1995) o território pode ser definido como campo de forças, teia ou rede de relações sociais que define um limite e uma alteridade, contrapondo os inseridos e os estranhos aquele espaço. Desse modo, “o território (...) é fundamentalmente definido e 37 delimitado por e a partir das relações de poder”. Assim, considera que o território tem usualmente sido associado ao Estado Nacional, mas atenta para a necessidade de analisá-lo em suas várias escalas, considerando a possibilidade de vários poderes atuando sobre um mesmo território. Moreira (1996) faz sua critica a Raffestin, por esse considerar o espaço como um dado, sobre o qual os homens organizam o território. Essa concepção defendida por Raffestin tem como pressuposto básico a visão kantiana, que considera incapaz de dar conta dos processos espaciais na atualidade. Para esse o território é a expressão espacial da organização das sociedades, no que diz respeito ao domínio, constituindo uma fração de espaço, um domínio dentro do espaço, um projeto de construção territorial. Já a territorialização é definida como um processo de fixação, de enraizamento territorial, ambiental e cultural; considerando ainda as novas territorialidades, resultantes do espaço organizado em redes, não havendo mais vinculação entre território e ambiente. Nesse entendimento do espaço como um ponto de partida para a reflexão sobre o território, pode considerar os estudos de Lefebvre, (1991. p. 102) para quem o espaço é a materialização da existência humana. Ainda na Geografia, um dos teóricos que dedicou parte de seus estudos à análise do território foi Milton Santos. Ao enfatizar a emergência dessa categoria de análise da Geografia esse autor afirmou que “é o uso do território, e não o território em si mesmo, que faz dele objeto da análise social” (1996, p.15). Partindo desse raciocínio destaca que “o que ele tem de permanente é ser nosso quadro de vida”. Na busca da compreensão desse conceito destaca o papel desempenhado pelo Estado-Nação e as novas funções assumidas no processo de globalização. A 38 interdependência dos lugares, é resgatada e o território passa a ser a base do Estado-Nação. Logo: Hoje, quando vivemos uma dialética do mundo concreto, evoluímos da noção (...) de Estado Territorial para a noção pós-moderna de transnacionalização do território. (...) Mas, assim como antes tudo não era, digamos assim, território “estatizado”, hoje tudo não é estritamente “transnacionalizado”. Mesmo nos lugares onde os vetores da mundialização são mais operantes e eficazes, o território habitado cria novas sinergias e acaba por impor, ao mundo uma revanche. (SANTOS, 1996, p. 15). Nessa afirmativa Milton Santos embora considere a influência do Estado na consolidação dos diversos territórios deixa claro o papel que o próprio modo capitalista de produção, em seu processo de mundialização, torna-se fundamental na compreensão das diversas configurações territoriais e como esse, inclusive, influencia na postura assumida pelo Estado, não raro atendendo os interesses do capital, bem como a possibilidade de outros setores da sociedade participarem ou mesmo questionarem tais configurações. De acordo com Milton Santos (1996) para além do espaço das redes, há o espaço banal, que o autor qualifica como espaço de todos, todo o espaço “porque as redes constituem apenas uma parte do espaço e o espaço de alguns” (SANTOS, 1996, p. 16); demonstrando que, para além da transnacionalização, o espaço possui ainda uma organização interna (daqueles que habitam o espaço). Entretanto, um não exclui o outro, já que o espaço das redes e o espaço banal ocorrem nos mesmos lugares, “contendo funcionalidades diferentes, divergentes ou opostas” (p. 16). Na compreensão desse processo, o autor assinala para a possibilidade de um acontecer solidário, a partir da criação de novas solidariedades entre pessoas e lugares. 39 Há um conflito entre o espaço local, espaço vivido por todos os vizinhos, e um espaço global, habitado por um processo racionalizador e um conteúdo ideológico de origem distante e que chegam a cada lugar com objetos e normas estabelecidas para servilos. Daí o interesse de retomar a noção de espaço banal, isto é, o território de todos, freqüentemente contido nos limites do trabalho de todos; e de contrapor essa noção de redes, isto é, o território daquelas formas e normas a serviço de alguns (p. 18). Nesse momento pode-se verificar a ação do processo produtivo, em nível global e o agravamento das tensões existentes na relação capital versus trabalho. Por conta disso, Milton Santos chama atenção para a força do mercado, que atravessa inclusive os interesses das pessoas, a partir do lado político dessa globalização perversa, ou seja, a democracia de mercado e o neoliberalismo que impõe sua lógica aos diversos territórios. Seguindo essa mesma lógica de raciocínio Maria Adélia de Souza (1996) acrescenta que os processos de globalização e fragmentação implicam em territórios diversos que se constituem, especialmente neste fim de século, em Geografias da Desigualdade. As demandas do modelo produtivo dessa forma se impõe aos lugares fragmentando sua organização interna e os interesses daqueles que habitam o território, fato que, frequentemente, conduz a conflitos de interesses diversos entre aqueles que veem nos territórios possibilidades de ganhos econômicos versus aqueles que os veem enquanto local de reprodução da vida. Dessa forma retomando a análise desenvolvida por Oliver Dolfus (1991) A. de Souza (1996, p. 23) destaca que: “o sistema mundial não pode ser equilibrado – produz Geografias da desigualdade”. Assim, acredita-se que os interesses do Sistema-Mundo, e mesmo os interesses do Estado, não correspondem aos interesses da sociedade, pelo menos da maior parte dessa. Por isso, conclui-se que 40 o território, enquanto dimensão política encontra-se representado enquanto campo de forças de interesses divergentes. Neste contexto, destaca-se a importância da luta de parcelas menos favorecidas da sociedade, na busca de participar, ainda que parcialmente, da produção do território, imprimindo, também, a sua territorialidade. Acrescenta-se a essa análise que o território pode ser visto, portanto, como possibilidade concreta dos conflitos e das contradições existentes na relação capital versus trabalho. Por tudo isso, o território passa a ser por nós entendido enquanto síntese das ações do próprio modo de produção capitalista, do Estado e da sociedade como um todo, a partir das quais são explicitadas as contradições entre capital versus trabalho, enquanto projetos territoriais distintos, em disputa, no mesmo território, onde podem ser ainda, empregados os conceitos propostos por Milton Santos: espaço das redes e espaço banal, ocorrendo, dialeticamente, ao mesmo tempo, mais tendo objetivos bastante diferenciados que se expressam, conforme A. de Souza (1996) em geografias das desigualdades nos diversos territórios, em que a região citrícola em estudo pode ser também compreendida. Buscando uma análise dialética para o entendimento das contradições existentes entre o capital versus trabalho na região citrícola do Centro-Sul de Sergipe e Litoral Norte da Bahia, entendidas como produto e condição da sociedade, ao longo do tempo, considera-se conveniente adotar a denominação de território expressa por A. U. de Oliveira (1998), quando ao analisar o desenvolvimento do capitalismo do campo brasileiro define território: (...) como síntese contraditória, como totalidade concreta do processo/modo de produção/distribuição/circulação/consumo e suas articulações e mediações supraestruturais (políticas, ideológicas, simbólicas, etc) onde o Estado desempenha a função de regulação. 41 O território é assim, produto concreto da luta de classes travada pela sociedade no processo de produção de sua existência. Assim, é dessa contradição que nasce a possibilidade histórica do entendimento das diferentes e desiguais formações territoriais e das regiões como territorialidades concretas (grifo nosso), totalidades históricas, portanto da espacialização contraditória do capital (produção/reprodução ampliada) e suas articulações com a propriedade fundiária, ou seja, a terra (OLIVEIRA, 1998, p. 09). Desse modo, compreender o território significa analisar as contradições nas quais a sociedade encontra-se envolta nas relações capitalistas de produção, portanto das contradições existentes no processo produtivo e na apropriação dos resultados desse. No que se refere ao campo brasileiro destaca-se a ação historicamente desenvolvida pelas classes sociais no território, desde a reprodução histórica dos camponeses – em que a terra constitui-se o princípio fundamental da vida e do trabalho, aos processos de apropriação das terras pelos latifundiários rentistas – que veem na terra possibilidades concretas de extrair maior renda da terra, em que a legitimação da propriedade privada por meio da ação do Estado torna-se fundamental, assim com a expansão das relações capitalistas de produção, tanto no que concerne a compra de terras, em que o capitalista também se torna proprietário fundiário (passando a auferir renda e lucro) quanto quando cria formas de se apropriar da produção gerada no campo, sobretudo a produção camponesa, sujeitando os mesmos. Dessa forma, os interesses embutidos nas ações desenvolvidas pelas classes sociais com interesses antagônicos tornam-se uma realidade no campo brasileiro e se consolida na concentração fundiária que mantém, historicamente, o controle da grande maioria das terras agricultáveis nas mãos de poucos 42 proprietários fundiários e empresas capitalistas do meio rural versus a existência de milhares de famílias sem-terra e camponeses que se mantém em pequenos lotes de terras, minifúndios na maioria das vezes, insuficientes para garantir o sustento de toda a família. Assim, a luta pela terra por parte dessa classe trabalhadora expropriada dos meios de produção e das terras, portanto, é uma realidade concreta que se expressa no território, em que a realidade verificada no Litoral Norte da Bahia e Centro-Sul de Sergipe, que passa a sofrer de forma mais direta a expansão de relações capitalistas de produção a partir da década de 1970 em diante, mediante introdução do monocultivo da laranja, pode ser compreendida como mais uma expressão desse processo. Os dados referentes a estrutura fundiária e luta pela terra serão retomados ao longo desta tese. Desse modo, para compreender a expansão capitalista no território do Centro-Sul de Sergipe e as experiências de permanências e resistências implementadas pela classe proletária, assim como esses conflitos se materializam no espaço geográfico, tornou-se indispensável compreender, a partir da teoria crítica marxista, as contradições existentes no processo produtivo e seus rebatimentos nesse território específico, enquanto uma lógica que não se encontra restrita a esse local, mas que se reproduzem em vários espaços, assuntos que trataremos nos próximos subitens que compõem esta tese. 1.4 Questões iniciais para pensar as Contradições Capital Versus Trabalho na Produção do Espaço da Citricultura no Litoral Norte da Bahia e Centro-Sul de Sergipe. Tomando por base a teoria crítica marxista, verifica-se, nas regiões em estudo, mediante a expansão das relações capitalistas de produção, principalmente 43 pela via do processo de proletarização, com destaque a expulsão de famílias camponesas das suas terras, uma ampliação do exército de reserva, dando origem a novas relações de trabalho, por causa da intensa exploração da classe proletária rural. Além disso, torna-se perceptível outra estratégia desenvolvida pelo capital nesses locais de estudo que se consolida na apropriação do produto do trabalho camponês que impulsionados pela chegada das indústrias processadoras de suco de laranja passam a receber incentivos ou mesmo sendo influenciados a plantarem esse tipo de cultivo, ficando condicionados aos preços estabelecidos por essas indústrias, que acabam se apropriando da renda que deveria ser destinada ao sustento dessas famílias. Na expansão das relações capitalistas de produção, implementada, inicialmente, nos municípios do Centro-Sul de Sergipe verifica-se a valorização das terras que se consolida com a compra de terras por famílias latifundiárias e grupos empresariais que promovem a desterritorialização de grande parte dos pequenos agricultores que, sem alternativa passam, em grande parte, a migrar para o Litoral Norte da Bahia, em destaque o município de Rio Real que, inicialmente, dispunha de terras a preços mais acessíveis. Essa realidade se modifica a partir da década de 1980 quanto o Governo do estado da Bahia aproveitando-se da expansão capitalista ocorrida no Centro-Sul de Sergipe passa a dotar a região de uma infraestrutura que passa a atrair os proprietários rentistas e grupos empresariais capitalistas para atuarem na região, em que o município de Rio Real assume posição fundamental. A presença de uma série de órgãos públicos de pesquisa e extensão rural nesse local representa, concretamente, os interesses do Governo do Estado em promover o “desenvolvimento regional” pautado na expansão capitalista 44 em detrimento das condições concretas de vida dos produtores diretos. Assim sendo, esses pequenos agricultores passam a sofrer novas formas de ameaças e para não saírem de suas terras, muitas vezes, têm que se sujeitar sua produção aos desígnios da indústria. O processo de proletarização, por outro lado, se intensifica, dando novas dimensões a exploração do trabalho, mediante ampliação da força de trabalho disponível e sujeita a qualquer tipo de atividade. Considerando a realidade brasileira, é possível afirmar que a expansão capitalista no campo associada ao controle das terras nas mãos de grandes proprietários fundiários é uma realidade que se reproduz desde a colonização, sem sinais de reversão. Os dados referentes a estabelecimentos rurais com 1.000 hectares ou mais no Brasil podem ser observados na tabela 01. Esses dados servem com importante indicativo para se pensar na concentração de terras nas mãos de poucos proprietários fundiários. Os dados apresentados na Tabela 01 permitem afirmar que a estrutura fundiária brasileira se encontra inalterada ao longo desses 75 anos apresentados pela tabela, em que torna-se possível visualizar a quantidade de terras concentradas nas mãos de poucos proprietários fundiários. Acrescenta-se ainda o fato de muitos desses proprietários possuírem mais de uma propriedade, agravando o quadro de concentração fundiária no país. Ao comparar-se, por exemplo, os dados do ano de 1960 quando apenas 1,0% dos estabelecimentos detinham 125.537.925 hectares ou o equivalente a 47,3% da área total, com dados encontrados no ano de 1995, quando esses mesmos 1% dos proprietários detinham 159.493.949ha, o que correspondia a 45,1% da área total verifica-se que os maiores proprietários fundiários do país continuam incorporando terras. 45 Tabela 01 – Estabelecimentos com dimensão igual ou superior a 1.000ha. Brasil, 19201995. ANO ESTABELECIMENTO ÁREA TOTAL NÚMERO ÁREA (HÁ) % ÁREA MÉDIA % 1920 26.315 4,0 110.980.624 63,4 4.217 1940 27.812 1,5 95.529.649 48,3 3.435 1950 32.628 1,6 118.102.270 50,9 3.620 1960 32.885 1,0 125.537.925 47,3 3.817 1970 36.874 0,7 116.250.000 39,5 3.152 1975 41.468 0,8 138.819.000 42,8 3.348 1980 47.841 0,9 164.557.000 45,1 3.440 1985 50.411 0,9 163.940.461 43,7 3.252 1995 49.358 1,0 159.493.949 45,1 3.231 Fonte: IBGE – Censo Agropecuário – 1920 a 1995. In: GERMANI, G.4 Por outro lado, as pequenas propriedades que constituem a maior parte do número de imóveis rurais somam uma pequena quantidade das terras agricultáveis do país, fato que repercute em dificuldades concretas para a reprodução dessas famílias por meio do trabalho na terra. A insuficiente quantidade de terras para garantir o sustento da família acaba por impulsionar uma intensa mobilidade de jovens camponeses em busca de empregos urbanos, ou mesmo para realizar trabalhos esporádicos no campo, em que a situação verificada no CentroSul de Sergipe e Litoral Norte da Bahia não é exceção. 4 Dados apresentados em palestra na VIII ENAPEGE, publicada em MENDONÇA, Francisco (et. al). (Org.). Espaço e Tempo. Complexidade e desafios do pensar e do fazer geográfico. Curitiba: Associação de Defesa do Meio Ambiente e Desenvolvimento de Antonina (ADENADAM), 2009. 740p.: Il. ; 18cm. 46 A Tabela 02 demonstra os dados relativos a estrutura fundiária brasileira, em que se verifica uma apropriação desigual do espaço agrário. Tabela 02 – Estrutura Fundiária Brasileira, 2003 Grupos de área total (h Imóveis % dos imóveis Área total (ha) % de área Área média (ha) Menos de 10 1.338.711 31,6% 7.616.11 1,8% 5,7 De 10 a -25 1.102.999 26,0% 18.985.86 4,5% 17,2 De 25 a -50 684.237 16,1% 24.141.63 5,7% 35,3 De 50 a – 100 485.482 11,5% 33.630.24 8,0% 69,3 De 100 a -200 284.536 6,7% 38.574.39 9,1% 135,6 De 200 a -500 198.141 4,7% 61.754.80 14,7% 311,6 De 500 A -1000 75.158 1,8% 52.191.00 12,4% 694,4 De 1000 a -2000 36.859 0,9% 50.932.79 12,1% 1.381,8 De 2000 a – 5000 25.417 0,6% 76.466.66 18,2% 3.008,5 6.847 0,1% 56.164.84 13,5% 8.202,8 4.238.421 100,0% 420.345.38 100,0% 5000 e mais TOTAL Fonte: INCRA. Agosto de 2003. In: II PNRA, Brasília, 2003. Ao analisar os dados apresentados na tabela 02 verifica-se a inversão na estrutura fundiária brasileira, no que se refere à relação entre proprietários/propriedades e tamanho da área. Assim, 1.338.711 imóveis, o que corresponde a 31,6% de todos os imóveis rurais possui uma área de 7.616.113 hectares, ou seja, apenas 1,8% do total de terras agricultáveis. No outro extremo, os proprietários que detém mais de 5 mil hectares, o que corresponde a apenas 0,1% do total de proprietários controlam 13,5% da área agricultável. A classificação das propriedades por tamanho é apresentada na tabela 03 a seguir. Conforme os dados apresentados na tabela 03, os proprietários com menos de 10 hectares até os que possuem menos de 20 hectares, considerados pequenos proprietários, compõem 91,9% do total de propriedades, porém controlam apenas 29,2% das terras, sendo a área média destes em torno de 31,6 hectares. 47 Tabela 03 – Síntese da Estrutura Fundiária, Brasil, 2003. Grupos de área total N° de % Área (ha) % Área média Imóveis Pequena Menos de 200 ha Média 200 a menos de - 2.000 ha Grande 2.000 ha e mais Total (há) 3.895.968 91,9 122.948.252 29,2 31,6 310.158 7,3 164.765.509 39,2 531,2 32.264 0,8 132.631.509 31,6 4.110,8 4.238.421 100,0 20.345.382 100,0 99,2 Fonte: INCRA. OLIVEIRA, A. U. (Org). Os considerados médios proprietários, que possuem uma propriedade com 20 hectares a mais até aqueles com uma área inferior a 2 mil hectares somam 7,3% das propriedades e controlam 39,2% das terras, com uma área média de 531,2 hectares. Já aqueles com 2000 a mais hectares, são apenas 0,8% do total de propriedades, mas esses proprietários controlam 31,6% da todas as terras agricultáveis do país, sendo a área média destes de 4.110, 8 hectares. Tal estrutura é mantida e reforçada pelo agronegócio, em sua relação concreta com o latifúndio. Sobre isso, S. T. Souza (2008, p. 288) acrescenta que: Predomina a opção do Estado brasileiro pelo agronegócio, e o “discurso” do desenvolvimento, que permite mascarar a concentração das propriedades agricultáveis, nas mãos de poucos donos, onde a grande propriedade, agora reconhecida enquanto “empresa rural” ao mesmo tempo em que preserva o direito “inviolável” à propriedade privada, dá aos grandes proprietários todos os privilégios e incentivos por parte do Estado. Acompanhando essa realidade, o estado da Bahia apresenta uma forte concentração da propriedade fundiária, fato que é demonstrado pelo índice de GINI que corresponde a um indicador utilizado para verificar a distribuição da terra. Essa medida varia de 0 a 1, sendo que quanto mais próximo de zero tem-se um menor grau de concentração, ao passo que quanto mais próximo de um verifica-se uma maior concentração. ( Tabela 04). 48 Tabela 04 – Índice de Gini. Bahia. 1920 a 1995/96 ANO ÍNDICE DE GINI 1920 0,734 1940 0,784 1950 0,794 1960 0,779 1970 0,775 1975 0,805 1980 0,821 1985 0,835 1995/96 0,829 Fonte: IBGE: Censo Agropecuário 1920 a 1995/96. Elaboração: Projeto GeografAR, UFBA, 2005. Ao observar os dados apresentados na tabela 04 verifica-se ao longo das décadas uma incorporação gradativa das terras nas mãos de poucos proprietários fundiários, representando uma concentração fundiária significativa no estado da Bahia. Ao passo que na década de 1920 o índice de Gini verificado no estado era de 0,734 esse ampliou para 0,829 nos anos de 1995/96, caracterizando o estado com uma concentração fundiária forte a muito forte5. Tal situação se agrava ao considerar as especificidades encontradas em cada município do estado, já que, em muitos deles pode-se verificar um índice de concentração classificado como muito forte a absoluta. Na busca de aprofundar melhor as questões referentes a concentração fundiária no estado da Bahia, o Projeto GeografAR, vinculado a Universidade 5 De acordo com a definição do índice de Gini considera-se os seguintes critérios de concentração: 0,000 concentração nula; de 0,100 a 0,250 concentração nula a fraca; de 0,201 a 0,500 concentração fraca a média; entre 0,501 a 0,700 concentração de média a forte; de 0,701 a 0,900 concentração forte a muito forte e, de 0,901 a 1,000 concentração de muito forte a absoluta. 49 Federal da Bahia, utilizando como base os dados disponibilizados pelo IBGE desenvolve o quadro 01 apresentado a seguir. Quadro 01 – Grau de distribuição da terra, através do índice de Gini por município. Bahia, 1940, 1960, 1970 e 1995/96. Total ANO Grau de distribuição da terra por número de municípios de municípios Fraca a média Média a forte Forte a muito forte Muito forte absoluta 1940 151 30 19,87 88 58,28 31 20,53 2 1,32 1960 193 13 6,74 100 51,81 78 40,41 2 1,04 1970 334 15 4,49 156 46,71 157 47,00 6 1,80 6 1,45 133 32,05 261 62,89 15 3,61 1995/96 415 Fonte: IBGE Elaboração: Projeto GeografAR, UFBA, 2005. Verifica-se, observando os dados apresentados no quadro 01, o agravamento da concentração fundiária no estado da Bahia, onde no ano de 1940 apenas 31 municípios ou 20,53% do total de municípios do estado apresentavam uma concentração fundiária classificada como forte a muito forte e outros 2 municípios (1,32% do total) com uma concentração fundiária muito forte a absoluta. Já nos anos de 1995/96 verifica-se que 261 municípios, o correspondente a 62,89% do total do estado apresentaram um índice de Gini considerado forte a muito forte e 15 municípios (3,61%) com uma concentração fundiária de muito forte a absoluta. Ao considerar as especificidades das diversas regiões do estado da Bahia, verifica-se no Litoral Norte da Bahia uma das maiores concentrações fundiárias do estado, ao longo das décadas de 1970 e 1980, conforme pode-se observar na tabela 05. 50 Tabela 05 – Índice de Gini referente a desigualdade da distribuição da posse da terra no estado da Bahia e nas suas microrregiões homogêneas, em 1970, 1975, 1980 e 1985. Microrregiões Geográficas Índice de Gini 1970 1975 1980 1985 Chapadões do Alto Rio Grande 0,856 0,881 0,913 0,918 Chapadões do Rio Corrente 0,718 0,757 0,819 0,862 Baixo Médio São Francisco 0,914 0,900 0,899 0,904 Médio São Francisco 0,811 0,873 0,820 0,847 Chapada Diamantina Setentrional 0,721 0,750 0,789 0,810 Chapada Diamantina Meridional 0,824 0,810 0,793 0,834 Serra Geral da Bahia 0,651 0,657 0,679 0,701 Senhor do Bonfim 0,798 0,807 0,806 0,819 Corredeiras do São Francisco 0,744 0,810 0,788 0,829 Piemonte da Chapada 0,766 0,765 0,794 0,808 Sertão de Canudos 0,802 0,805 0,804 0,803 Serrinha 0,736 0,736 0,758 0,763 Feira de Santana 0,812 0,813 0,818 0,830 Jequié 0,787 0,774 0,791 0,807 Planalto de Conquista 0,659 0,653 0,690 0,733 Pastoril de Itapetinga 0,697 0,696 0,706 0,736 Sertão de Paulo Afonso 0,804 0,790 0,813 0,828 Agreste de Alagoinhas 0,754 0,763 0,789 0,810 Litoral Norte Baiano 0,858 0,847 0,875 0,887 Recôncavo Baiano 0,821 0,806 0,829 0,831 Salvador 0,861 0,892 0,891 0,894 Tabuleiros de Valença 0,696 0,696 0,703 0,723 Encosta do Planalto de Conquista 0,724 0,750 0,821 0,834 51 Cacaueira 0,672 0,655 0,701 0,705 Interiorana do Extremo Sul da Bahia 0,623 0,634 0,728 0,716 Litorânea do Extremo Sul da Bahia 0,640 0,684 0,764 0,786 Estado 0,802 0,812 0,826 0,841 Fonte: IBGE. In: SILVA, D, N. (1998). Conforme registrado na Tabela 05 a Região do Litoral Norte da Bahia apresentava entre os anos de 1970 a 1985 um dos maiores índices de concentração fundiária do estado, superando, inclusive a média verificada no mesmo, fato que se agrava nos anos posteriores em função da ação mais efetiva do Governo do estado em dotar a região de toda infraestrutura necessária ao processo de expansão das relações capitalistas de produção, quando uma série de órgãos de pesquisa e fomento são implantados, bem como projetos voltados a adesão dos produtores para o plantio de cultivos comerciais. A valorização das terras que passa a ocorrer a partir de então vai, automaticamente, promover novos processos de apropriação dessas por parte de grandes proprietários fundiários e de grupos econômicos que passam a se territorializar na região. Um dos exemplos mais evidentes da valorização e concentração das terras do Litoral Norte da Bahia, mediante a introdução da monocultura da laranja, ocorre no município de Rio Real. Este passa a contar com uma porção significativa da produção de laranja no estado da Bahia, tornando-se o maior produtor desse cultivar no Nordeste brasileiro. Além da presença de grandes propriedades com pecuária extensiva e forte presença do cultivo do eucalipto, fato que fez a Câmara de vereadores de Rio Real estabelecer a proibição do plantio de eucalipto em novas áreas no município, devido ao grande impacto social ocorrido. 52 Por outro lado, aqueles pequenos agricultores que a partir da década de 1970 se deslocaram para essas áreas passaram a sofrer novas pressões para deixarem a terra ou nessas se sustentarem com uma série de dificuldades. Os dados do IBGE referentes à estrutura fundiária do município de Rio Real apontam que no ano de 1940 o índice de gini era de 0,621, passando para 0,778 no ano de 1960, atingindo 0,808 em 1970, caindo um pouco para 0,774 em 1980 e voltando a se concentrar no ano de 1996 quando foi apontado um índice de gini de 0,804 considerado, portanto, com uma concentração fundiária de forte a muito forte. A investida do governo do estado da Bahia nesse município, a partir da década de 1980 em diante, acredita-se proporcionou um significativo processo de valorização das terras, que ao adquirir valor passam a ser alvo de disputas entre famílias camponesas que viviam em pequenos lotes de terras e proprietários fundiários e grupos empresariais que adquirem terras para expandir a produção de laranja. A desigual distribuição das terras nesse município também fica muito clara ao observar-se os dados do Censo Agropecuário realizado pelo IBGE no ano de 1996 quando os estabelecimentos com até 20 hectares, considerados de pequenas propriedades, totalizavam 2.214 estabelecimentos (o equivalente a 70,40% do total do município) detinham uma área de apenas 9.713hectares (ou 15,61% das terras). No outro extremo, as propriedades com mais de 2.000 até 5.000 hectares, em um total de apenas 5 estabelecimentos detinham 14.206 hectares. Esses latifundiários que correspondiam a apenas 0,19% do total de estabelecimentos controlavam 22,85% da área agricultável do município. Essa realidade acaba por se estender para os outros municípios incorporados à lógica produtiva da laranja tanto no estado 53 da Bahia quanto no Centro-Sul de Sergipe, questões que serão analisadas ao longo desta tese. Desse modo, o processo de expansão agrícola no campo se apresenta mostrando as contradições e o caráter violento de padrões inadequados à realidade dos pequenos proprietários e trabalhadores do campo e das cidades. Nesse processo, destaca-se o papel do Estado que, por sua vez, espelha várias contradições, como as destacadas por Germani. Lo que se observa es que la política agraria y agrícola desarrollada por el Estado contribuyó y continua contribuyendo para configurar la forma de ocupación del território brasileño. Al mismo tiempo, su puesta en marcha trae implícita el aumento de las contradicciones em el campo brasileño haciendo con que el Estado sea, também, un gran protagonista de la situación de violencia existente en esa área. (GERMANI, 1993: 253 –254). Essa realidade se reproduz nas Regiões do Litoral Norte da Bahia e Centro-Sul de Sergipe, enquanto uma singularidade na totalidade. Por isso, apontase para a necessidade de se fazer uma revisão na política agrícola do Estado brasileiro, com uma reforma de base na sua estrutura fundiária, buscando organizar a base produtiva camponesa6 dos pequenos proprietários e proletários rurais, adequando-os às necessidades estabelecidas do módulo fiscal de cada área definida pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA)7, a fixação em lei, a proibição de fracionamento e venda de terras para este fim. É preciso estimular a organização dos pequenos proprietários e proletários rurais com o fortalecimento das cooperativas, associações e sindicatos. Mesmo porque isso 6 Entende-se por base produtiva camponesa de pequenos proprietários e proletários rurais numa perspectiva de contraposição de classe distinta dos grandes proprietários fundiários e dos capitalistas, para tanto ver a Tese de SOUZA, Suzane Tosta, defendida em 2008, intitulada Da Negação ao Discurso “Hegemônico” do Capital à Atualidade da Luta de Classes no Campo Brasileiro. Camponeses em Luta pelo/no Território no Sudoeste da Bahia. 7 Ver anexos A e B. 54 não tende a acontecer espontaneamente no desenvolvimento do modo de produção capitalista na agricultura. Compete ao Estado aparar as desigualdades entre o capital e o trabalho, estabelecendo regras que coloquem os envolvidos no processo produtivo em condições moralmente aceitáveis, para que não haja o aviltamento do pequeno proprietário e do proletário rural8 dentro do processo produtivo, em face da supremacia do poder econômico. Além disso, é necessário criar mecanismos de proteção para aqueles que lutam para melhorar as condições de trabalho, de vida em geral e sofrem violência por causa disso. Un tipo de violencia obscurecida pero que cuando viene a la superfície denuncia el carácter violento de una sociedad dicha pósesclavista. Una violencia manifestada en cerca de la mitad de los assalariados del campo que reciben menos de un salario mínimo. De los aproximadamente 6 miliones de assalariados agrícolas solamente un 5 % aproximadamente poseen contrato de trabajo, lo que significa que solamente 300 mil trabajadores rurales assalariados en todo el Brasil poseen algún tipo de garantia social. (GERMANI, 1993: 320). Apesar da luta pela garantia dos direitos trabalhistas como a realizada pelo Sindicato dos trabalhadores das indústrias de beneficiamentos e carregadores de frutos cítricos do estado de Sergipe (SINDICITROS) verifica-se ainda com frequência o emprego de trabalho infantil (foto 01) e de adolescentes (foto 02), a 8 Segundo Lessa quando Marx se refere à contradição mais geral entre capital e trabalho, utiliza os termos referindo aos “trabalhadores”. Ao diferenciar trabalhadores que desdobram relações antagônicas com o capital dos outros trabalhadores que não o fazem, emprega o termo proletariado. Quando quer distinguir os “trabalhadores” que convertem a natureza nos meios de produção e de subsistência e que são o fundamento material de toda a riqueza social dos outros “trabalhadores” que, sendo ou não produtivos, não produzem este fundamento material, emprega proletários ou operários para nomear os primeiros e, “trabalhadores” (em O Capital) ou “Classes de transição” (O 18 Brumário de Luis Bonaparte), para os últimos. p. 194. 55 desmobilização do sindicato e com o assassinato do dirigente sindical,9 a desarticulação da mobilização pelos direitos da classe operária. Fotos 01 e 02 – Crianças e adolescentes colhedores de laranja, 2003. A situação do país em suas relações de produção evidencia um fenômeno de superpopulação. Existe um potencial enorme dos recursos naturais e humanos que são subaproveitados. Isso faz com que a classe proletária e os camponeses (pequenos proprietários ou unidade de produção familiar) sejam preteridos diante das estruturas que põem em funcionamento e que também dominam o mercado. Essas estruturas são representadas pelo Estado e pelo capital, respectivamente. É necessário que se visualize o quadro de uma modernização conservadora e nos faz lembrar às companhias estabelecidas para viabilizar a expansão de um sistema de produção no capitalismo desde sua origem, com um 9 Até a presente data o crime de que o sindicalista Carlos Gato foi vítima não foi resolvido, demonstrando a falta de vontade política em solucionar casos como esse, pois o que prevalece sempre nestes casos é a falta de um maior empenho no inquérito policial e a morosidade da justiça, fato que conta a favor da impunidade e que deixa a sociedade brasileira estarrecida diante de tanto descaso e abandono. Uma parte significativa da população, que vive exclusivamente do seu trabalho, é negligenciada, enquanto avançam aqueles que apostam no atraso e na violência para manter o status quo ou estado a que se encontra submetida à sociedade brasileira. 5 Categorias tratadas por Ariovaldo Umbelino de Oliveira (1998) por meio do qual a monopolização da produção ocorre quando o capital se apropria da produção, ou seja, passa a atuar na esfera da circulação. No caso da territorialização do capital, este passa a atuar desde a esfera da produção, ou seja, torna-se também proprietário fundiário. 56 padrão extrovertido de “desenvolvimento”, promovendo o crescimento econômico, a marginalização, a segregação dos homens e dos lugares. De uma maneira geral, os governantes e dirigentes do Estado burguês, sobretudo nas últimas décadas do século 20 e na primeira década do século 21, deram suporte a um padrão concentrador de riqueza e deixaram ao abandono a base produtiva da agricultura. No caso específico desse estudo, à maior parte dos citricultores e proletários rurais, gerando, por conseguinte, muita fome e miséria. Por outro lado, o capitalista, ao se apropriar da inovação técnica, ao invés de proporcionar a inclusão do trabalho e criar mecanismos para melhorar as condições de vida e as relações de produção, pelo contrário, acabam dificultandoas ainda mais, precarizando o trabalho, destruindo a vida e desarticulando comunidades estabelecidas historicamente. E com este quadro chegamos ao período atual. Período em que a economia se mundializou plenamente, onde os lugares estão cada vez mais inseridos em redes de relações globalizadas, onde os circuitos são planetários. Período em que a economia avança pela inovação técnica (...). Onde a fronteira tecnológica substitui em muito a fronteira territorial como mecanismo de expansão da margem de lucro. A inovação constante é a mola da reprodução ampliada hoje. (MORAES, 1994 p. 39). Uns dos problemas do proletariado na citricultura é que na relação trabalhista a intermediação da força de trabalho para a colheita de laranja, seja dos denominados gatos, “donos de turmas”, seja dos empreiteiros, em função de ocultar o real empregador, subtrai-se dos trabalhadores direitos mínimos que lhe são assegurados na Constituição Federal, na Consolidação das Leis do Trabalho, em normas coletivas e demais leis federais de proteção ao trabalhador, além de concorrer para a criação dos chamados subempregos, que nada mais são que postos 57 de trabalho nos quais se verifica a desvalorização da pessoa e do trabalho humano. Essa situação leva à submissão do proletário à condições existenciais indignas o que se afasta dos comandos preconizados no artigo 170 da Constituição Federal e ainda Segundo o Ministério Público Federal deve-se aplicar, nesses casos, o artigo 9º da CLT e o enunciado 331-I do T. S. T, Lei nº 6.019 de 03/01/74. Tais ocorrências revelam os fundamentos do modo de produção capitalista na agricultura implementado no Brasil, com profundas repercussões para a maioria da população brasileira, que se torna, cada vez mais precarizada no trabalho e perante o processo produtivo. Dessa forma, merece destaque ainda a estrutura agrária extremamente concentrada, e por outro lado muitos minifúndios que não são suficientes para a manutenção das famílias, o que faz com que milhares desses pequenos proprietários fundiários percam suas terras, meio de produção fundamental para sua sobrevivência. Assim sendo, uma estratégia fundamental utilizada pelos pequenos agricultores é o fracionamento das unidades de produção com a família, até que essa não seja mais suficiente para atender as necessidades concretas da família. Por conta disso, ao passo em que se verifica o aumento na quantidade de terras controladas por grandes proprietários fundiários, igual e contraditoriamente tem aumentado no Brasil a quantidade de pequenas propriedades, embora essas ainda controlem a menor parte das terras. Além do fracionamento dessas pequenas unidades de produção camponesa A. U. de Oliveira (1998) aponta a luta pela terra como fator fundamental no aumento do número de pequenas propriedades rurais no campo brasileiro, ao argumentar que: 58 Quanto ao número de estabelecimentos ocorreu no período (1950 a 1985) um crescimento expressivo daqueles que possuem área inferior a 100 ha, pois, passaram de 1.629.995 para 5.225.162 estabelecimentos. Particularmente aqueles com menos de 10 ha apresentaram neste conjunto o crescimento maior, pois passaram de 654.557 para 3.064.822 estabelecimentos. Este processo de crescimento mostra de forma clara o crescimento do campesinato no Brasil e não o seu ‘desaparecimento’. Uma das características do campesinato brasileiro, salienta José de Souza MARTINS é que ele quer é lutar para entrar na terra. Não é, portanto, um campesinato que não quer sair da terra, como na transição européia do feudalismo para o capitalismo. Trata-se, pois de um campesinato que não esgotou a sua possibilidade de formação/recriação. Apesar disso, Martins (1994, p. 79-80) afirma que “no modelo brasileiro o empecilho à reprodução capitalista do capital na agricultura não foi removido por uma reforma agrária, mas pelos incentivos fiscais”. Assim, acrescenta que “O modelo brasileiro inverteu o modelo clássico”, ou seja, reforçou politicamente a irracionalidade da propriedade fundiária no desenvolvimento capitalista, reforçando conseqüentemente, “o sistema oligárquico nela apoiado” (MARTINS, 1994, p. 80). Assevera que, ao mesmo tempo, esse padrão comprometeu os grandes capitalistas com a propriedade fundiária, em suas relações e alianças políticas. Conceição (2004) analisa o sistema do Capital que se articula em rede de contradições no sistema de produção e utiliza de estratégia para garantir a demanda e a acumulação. Segundo a autora para o capital não importa quantos irão consumir e sim quanto será consumido. Em suas explicativas afirma que o consumo e a destruição são equivalentes que denota o caráter contraditório do discurso do desenvolvimento sustentável, o caráter da sua insustentabilidade. (CONCEIÇÃO, 2004, p. 83, 84 e 88) O consumo voltado para padrões urbanos muitas vezes distantes da realidade rural, não se leva em conta a promoção e valorização de comunidades rurais estabelecidas em suas crenças, valores e identidades. Como se tudo que é 59 rural representasse o atraso e tudo que é urbano-industrial representasse o paraíso. Grande equívoco dessa modernidade imposta pelos padrões burgueses para os trabalhadores iludidos e encantados pelas luzes das cidades – doces ilusões, cantos da carochinha dentre muitas outras espertezas dos ideólogos e burgueses convictos do sistema do capital e do modo de produção capitalista . Oliveira, Vanessa D. (2007) constata em seus estudos e pesquisa de campo que, com a inserção de tecnologia no Centro-Sul de Sergipe, mais especificamente no município de Lagarto, o capital não elimina o trabalho, mas reduz quantitativamente os proletários rurais através do aumento da produtividade e da exploração. V. D. Oliveira analisou as contradições que envolvem a apropriação de tecnologia na produção de laranja como falácia de ‘desenvolvimento’, ‘ progresso’ do campo, nos programas difundidos no estado de Sergipe. (OLIVEIRA, 2007, p. 24). Uma atitude equivocada, de muitos governantes e dirigentes, é de querer transformar toda produção numa atividade empresarial, desconsiderando que mais de 80% dos pequenos produtores de laranja dependem do trabalho da família para sua subsistência. Acontece que o tamanho das propriedades da maioria dos produtores é insuficiente para a sua manutenção e sustento, o mercado lhes é desfavorável, a estrutura educacional e de saúde são precárias e o Estado é quase sempre omisso. Isso implica em condições de trabalho que geram alto grau de ineficiência, causando miséria e privações para grande número de proletários rurais e pequenos produtores. Verifica-se, assim, o interesse do Estado em criar instrumentos, estudos e programas que viabilizem a expansão citrícola da região, tornando-a, assim, atrativa para o capital industrial e financeiro. O agronegócio10 da laranja no Centro-Sul de 10 S. T. Souza (2008) afirma que o agronegócio significa a tradução do conceito de “agribusiness” (agricultura de negócio) e foi desenvolvido por Ray Goldberg, em 1957, nos EUA. Posteriormente este termo foi traduzido para o Brasil, e proposto como “complexo agroindustrial” ou “agronegócio” por Ney Bittencourt, Ivan Wedekin e Luiz A. Pinazza, nos anos 1980, com enorme repercussão nos meios 60 Sergipe e Litoral Norte da Bahia vem acompanhando a expansão desse cultivo já ocorrido no estado de São Paulo que concentra grande parte da produção brasileira e mundial, considerando-se que o Brasil atualmente é o maior produtor desse cultivo. Os dados relativos a produção de laranja, no ano de 2006, são apresentados na tabela 06. Na Tabela 06 observa-se que 80% da produção nacional está concentrada no estado de São Paulo, enquanto apenas 9 % representa a participação dos estados de Sergipe e Bahia juntos. Tabela 06 – Produção de laranja e participação relativa, 2006. Laranja Estado/Brasil Brasil 18.032.313 100% São Paulo 14.367.011 80% Bahia 916.521 5% Sergipe 753.191 4% Minas Gerais 572.638 3% Paraná 408.116 2% Rio Grande do Sul 339.765 2% Pará 213.513 1% Santa Catarina 127.137 1% Goiás 111.270 1% Outros 223.151 1,2% Fonte: IBGE, 2008. empresarial e acadêmico. De acordo com Marcos Sawaya Jank, o agronegócio nada mais é do que um marco conceitual que delimita os sistemas integrados de produção de alimentos, fibras e biomassa, operando desde o melhoramento genético até o produto final, no qual todos os agentes que se propõem a produzir matérias-primas agropecuárias devem fatalmente se inserir, sejam eles pequenos ou grandes produtores, agricultores familiares ou patronais, fazendeiros ou assentados (Estado de São Paulo, 1º Caderno, 05/07/2005, p. A2). . 61 Embora esse percentual esteja a quem da produção de São Paulo, todavia é representativo o destaque desses dois estados no percentual dos 20% restante da produção. Nas entrevistas realizadas durante trabalho de campo com técnicos agrícolas e agrônomos dos órgãos de pesquisa e extensão rural, foi possível verificar diversos discursos que apontam para a capacidade produtiva dessas regiões, sobretudo no Litoral Norte da Bahia, que segundo esses entrevistados apresentam ainda grande quantidade de terras a serem “incorporadas” a esse plantio. Assim sendo, a racionalidade que permeia a atuação dos órgãos do estado é a econômica. voltada aos interesses da expansão do agronegócio, seja por meio da compra de terras para expansão do cultivar ou através da sujeição camponesa, não rara vezes influenciados pelos pacotes tecnológicos difundidos por esse órgãos aliados ao sistema de créditos que lhes dão apoio. A ótica que comanda o planejamento dos órgãos de pesquisa e extensão é aquela que desconsidera a riqueza da produção camponesa, voltada para cultivos diversificados que garanta, predominantemente o sustento da família. A essa racionalidade se impõe a subordinação às indústrias, mediante a introdução de um cultivo predominante. Assim, considerando as informações obtidas nos órgãos de pesquisa e extensão instalados na região, constata-se um interesse explícito no sentido de demonstrar o potencial que a região apresenta para a expansão de novos espaços para a citricultura. Os pesquisadores afirmam que “Sergipe tem capacidade de produzir mais de 800 mil toneladas, em 55 mil hectares plantados na Região CentroSul e um mil no Platô de Neópolis (Municípios de Santana do São Francisco, Pacatuba e Neópolis)” (EMDAGRO, 2003). 62 Quanto à estrutura agrária, as informações disponibilizadas pela ASCISE (2003), mostraram que entre os produtores de laranja, 1% a 2% são considerados grandes proprietários. Entretanto, estes, geralmente, possuem vários pomares em diversos municípios, tanto no Centro-Sul de Sergipe, quanto em municípios do Litoral Norte da Bahia, especialmente em Rio Real. Ainda conforme informações da ASCISE, no geral, um produtor com 300 hectares na região já pode ser considerado grande proprietário. Estima-se que o maior produtor regional de laranja tenha entre 5.000 e 7.000 hectares. Os médios estão geralmente entre 50 a 100 hectares e os pequenos proprietários de 2 até 20 hectares do quadro de Associado. Os que possuem menos de 2 hectares podem ser considerados mini-produtores e estão comumente filiados ao Sindicato de trabalhadores rurais. Os médios e grandes produtores também desenvolvem a pecuária – criação de gado bovino - enquanto atividade econômica. A localização das principais áreas dos pomares na Bahia está entre os municípios do Agreste de Alagoinhas, Litoral Norte e Recôncavo, superior a 1.500 Km² ou o equivalente a 150.000 hectares disponíveis para a citricultura.De acordo com este estudo, o estado da Bahia tem capacidade para produzir em torno de 950 mil toneladas em 54.213 hectares plantados. O papel das indústrias processadoras de suco, seguindo a tradição dos industriais paulistas, é adquirir grandes porções de terra para desenvolver a atividade citrícola, aumentando e incorporando novas propriedades para a produção da laranja e utilizando formas diversas para subordinar o produtor via cartelização dos preços e controle da produção. Um dos exemplos dessa prática sabe-se que o grupo Maratá que possui 3.000 hectares plantados com laranja em Rio Real e Jandaíra. No caso da TropFruit, destaca-se o fato dos grandes produtores serem seus sócios (inclusive o 63 maior produtor da região atualmente), destinando a produção de laranja para o processamento pela indústria. Estas indústrias são também as principais responsáveis pela expansão da citricultura em direção ao Platô de Neópolis, onde estão adquirindo áreas para o plantio irrigado. As fotos 03, 04, 05 e 06 mostram as indústrias de suco localizadas no Centro-Sul de Sergipe, mais especificamente no município de Estância (Marata Sucos e Tropfruit do Nordeste) e Boquim (Sumo Industrial). Foto 03 – Indústria Tropfruit do Nordeste/Estância/SE. Foto 04 – Indústria Maratá Sucos/Estância/SE. Fonte: Trabalho de Campo, set. 2008 Fonte: Trabalho de Campo, novembro de 2008. Foto 05 – Sumo Industrial/Boquim/SE. Foto 06 – Incentivos fiscais do Governo Federal. Fonte: Trabalho de Campo, jul. 2008 Fonte: Trabalho de Campo, jul. de 2008. 64 Apesar do programa de revitalização da citricultura ter iniciado em 2004 no estado de Sergipe com um aumento da área colhida de laranja de 55.272 hectares, sua produção de 764.110 toneladas, não reflete ainda a renovação de seus pomares. Esses resultados, na realidade, expressam as dificuldades concretas dos pequenos produtores diretos em substituir os laranjais, bem como em adquirir os pacotes tecnológicos impostos via órgãos de extensão rural. Por outro lado, como a produção conseguida nessas pequenas propriedades é, geralmente, de “baixa” qualidade, esse fato acaba por assegurar o rebaixamento dos preços conseguidos na negociação com as indústrias, fazendo com que toda renda dos produtores diretos sejam abocanhadas pelas indústrias, ficando os agricultores, na maioria das vezes, endividados e com dificuldades para continuarem produzindo. O estado da Bahia continua a ampliar sua área colhida 54.213 hectares e produção de 930.035 toneladas (IBGE, 2007). O eixo da laranja está mudado, saiu de Boquim, que perdeu sua hegemonia, e espalhou-se para Itabaianinha, Lagarto, Umbaúba e Cristinápolis em Sergipe, esses dois últimos favorecidos pela localização geográfica, pois por esses municípios estende-se a BR – 101, que os tem favorecido, mais recentemente, no processo de comercialização e circulação da laranja. Esse favorecimento também ocorre em Rio Real, na Bahia. Além de grande produtor, se tornou o principal centro para beneficiamento e comércio da laranja dos municípios produtores do Litoral Norte da Bahia, passando a ser o principal ponto de convergência para o beneficiamento e intermediação da laranja na Região. As fotos 07, 08, 09 e 10 destacam alguns pomares de laranja localizados nas regiões em estudo. 65 Foto 07 – Grande propriedade/Rio Real-BA. Foto 08 – Plantio de laranja em pequena propriedade, Fonte: Trabalho de Campo, 2003. Fonte: Trabalho de Campo, 2003. Foto 09 – Incorporação de novas áreas ao plantio/SE Foto 10 – Novos plantios/BA. Fonte: Trabalho de Campo, fev. 2009 Fonte: Trabalho de Campo, fev. de 2009. A rede de comercialização da produção do suco concentrado e congelado da laranja encontra no Porto de Salvador sua principal via de escoamento, conforme aponta os dados apresentados na Tabela 07 a seguir. Além disso, toda uma rede de serviços e beneficiamentos é montada para atender as demandas da cadeia produtiva da laranja, em que se destacam as presenças das beneficiadoras que assumem o papel de limpeza e polimento dos frutos antes da comercialização. 66 Tabela 07 – Portos utilizados para o escoamento do Suco de laranja, 2008. Suco de Laranja SERGIPE BAHIA 35,21 mil toneladas 410 toneladas SALVADOR 94% 57% RIO DE JANEIRO 1% 32% SANTOS 6% 43% SERGIPE BAHIA 116,7 t 67,38 t 100% 100% Laranja in natura SALVADOR Fonte: Secex, Out/2008. O principal objetivo é agregar valor ao produto. Algumas das beneficiadoras existentes na região em estudo podem ser observadas nas fotos 11 e 12. As questões referentes à montagem de toda infraestrutura adequada ao agronegócio da laranja nas regiões em estudo serão retomadas no capítulo 3 desta tese. Foto 11 – Beneficiadora em Sergipe Foto 12 – Benecificiadora Inhambupe/BA Fonte: Trabalho de Campo março de 2009 Fonte: Trabalho de Campo out. de 2008 67 A investida do Estado na perspectiva de garantir o controle da produção se evidencia com o Programa de Revitalização da Citricultura, em que a inserção tecnológica e o controle no processo de produção e comercialização das mudas acabam por fomentar a seleção dos produtores com melhores condições de se inserirem nessa lógica produtiva capitalista. A produção de mudas passa a ser realizada nos viveiros telados, que por ser uma atividade bastante onerosa só é possível de ser realizada por aqueles que possuem melhores condições financeiras. Para os produtores diretos que dispõem de pouca terra e dificuldade financeira para permanecerem na produção agrícola, a manutenção da produção de mudas em viveiros telados passa a representar uma dificuldade concreta, o endividamento e mesmo a perda da terra. Ainda que se considere como fundamental o processo de apropriação das áreas do Centro-Sul de Sergipe e, posteriormente, do Litoral Norte da Bahia de modo a inseri-las em uma lógica produtiva voltada, predominantemente, ao monocultivo da laranja, voltado aos interesses do agronegócio mundial, não se pode desprezar, por outro lado, algumas especificidades no estudo dessas regiões. Guardadas as devidas proporções nos contextos históricos e na organização social, pode-se dizer que no Centro-Sul de Sergipe existe uma maior especialização da produção, sendo a laranja a principal atividade econômica em quase todos os municípios, com exceção de Simão Dias, além de Poço Verde (grande produtor de feijão) e Tobias Barreto (especializado na produção de confecções) Nestes municípios do sertão sergipano a atividade predominantemente é a pecuária. É interessante ressaltar que a atividade pecuária é uma atividade econômica rentável para os médios e grandes proprietários dos municípios do 68 Centro-Sul de Sergipe e mesmo no Litoral Norte da Bahia, como os de Boquim, Rio Real, Estância, dentre outros. Em recente pesquisa Oliveira, Vanessa D. (2007) aponta a implantação do cultivo do fumo, em escala comercial, com destaque para a produção no município de Lagarto em Sergipe. Nessa produção a autora ressalta o intenso processo de exploração do trabalho camponês como forma de garantir os interesses de grupos nacionais que controlam o mercado tabagista, isso demonstra, mais uma vez, que o capital nas suas contradições ao se expandir nas atividades do campo tanto se vale das relações capitalistas de produção quanto reproduz e se apropria do trabalho camponês, sujeitando sua renda. No caso dos municípios que fazem parte do Litoral Norte da Bahia, a laranja é mais representativa em Rio Real e Inhambupe, tendo se expandido mais recentemente para Jandaíra, Alagoinhas e Entre Rios. Entretanto, outros municípios como Pojuca, Catu, Mata de São João e São Sebastião do Passé estão mais voltados para a produção de petróleo e seus derivados, que passaram a ser dotados de infraestrutura para esse tipo de produção desde a década de 1970, estando vinculandos a produção industrial que se concentra no estado da Bahia na Região Metropolitana de Salvador. O município de Conde, que se destacava pela intensa presença de comunidades de pescadores vem cedendo lugar a projetos voltados para atividades turísticas impulsionadas pelo Governo do estado da Bahia. No caso de Alagoinhas, apesar da área colhida de laranja ser considerável, ela não é a principal atividade econômica do município, que desempenha o papel de Centrourbano regional, com destaque para o setor de comércio e serviços. Também nesse município localiza-se a sede de órgãos de pesquisa e extensão rural, que servem de suporte para a rede de produção e comercialização da laranja. 69 Por outro lado, a produção da laranja em escala comercial, e a apropriação de novos espaços para essa produção, se amplia em direção a outros municípios tanto no estado de Sergipe a exemplo do Platô de Neópolis, quanto no estado da Bahia a exemplo do município de Itapicuru que vem se destacando nesse tipo de produção. Também nesse município o processo de valorização e concentração das terras vem ocorrendo, questões que exploraremos com mais propriedade ao longo deste trabalho. A Bahia possui duas regiões de destaque na citricultura; a área de Cruz das Almas já consolidada e a do Litoral Norte, mais recente e em expansão. Já o estado de Sergipe expande também sua área plantada no norte do estado, como o município de Areia Branca, Pacatuba e Neópolis Essas considerações tornam-se importantes tendo em vista que não se pretende, nessa análise, a região não é concebida como algo dado, restrita aos limites administrativos. Para tanto, consideramos que o processo de expansão do capital não respeita os limites administrativos, tão pouco a esses se restringem os processos sociais. O capital em sua aliança com o Estado direciona suas ações para onde lhe é conveniente garantir a extração da mais-valia, que se converte em maiores possibilidades de lucro. Por isso, reafirma-se a opção pela categoria território, por considerar que essa não se vincula a um local determinado, mas representa o confronto entre sujeitos sociais, entre classes antagônicas no processo de apropriação de determinados espaços. Essa realidade pode ser verificada nos locais estudados quando o processo de valorização das terras, expropriação ou sujeição camponesa, desemprego e precarização do trabalho no campo e nas cidades remete a classe trabalhadora rural a lutar tanto pela permanência na terra, ainda que subordinadas, em grande parte, a produção comercial, quanto a luta pela terra por via da ocupação organizada pelos 70 movimentos sociais que passam a atuar a partir de então. O território, portanto, pode ser compreendido como a expressão material desses processos. Os problemas enfrentados pelos citricultores advêm da crise que sempre ocorre na citricultura, por causa da queda dos preços no mercado, que repercute em falência e perda da terra para muitos proprietários. Como alternativa, muitos trabalhadores acabam utilizando a terra dos citricultores, durante o início do plantio da laranja (nos três primeiros anos), quando passam a cultivar produtos para sua subsistência. Assim, esses proletários rurais tomam conta do laranjal de determinado proprietário, plantando os cultivos de subsistência nas fileiras que ficam entre os laranjais. Quando esses pés de laranja crescem e começam a produzir, os trabalhadores são obrigados a devolver a terra para os proprietários. Uma dessas experiências pode ser visualizada na Foto 13. Em outros momentos ou mesmo por não conseguirem um pedaço de terra para garantir um plantio de subsistência a venda da força de trabalho nas beneficiadoras da região, em alguns dias da semana, e durante determinados períodos do ano, acaba por constituir outra estratégia de sobrevivência para os trabalhadores, conforme é demonstrado na Foto 14. Foto 13 – Meeiros plantando entre os pés de laranja. Foto 14 – Trabalhadores em beneficiadora Fonte: Trabalho de Campo, Nov. de 2002. Fonte: Trabalho de Campo, Out. de 2008 71 Por não possuírem a terra, grande parte dos proletários da região acabam se sujeitando a trabalhar nas terras dos fazendeiros desenvolvendo relações nãocapitalistas (assalariadas) de produção. Grande parte do trabalho empregado na terra pelo proletário acaba sendo apropriado pelo proprietário fundiário, sem que esse tenha que despender recursos para o pagamento dessa força de trabalho. Ao final do acordo o capitalista ganha a terra pronta e os pés de laranja começando a produzir. Esses foram plantados e cuidados pelo trabalhador, que a partir de então se vê obrigado a sair dessa terra em busca de uma outra área ou de empregos precarizados nas cidades mais próximas. Com relação ao processo de comercialização da laranja, deve-se considerar que os preços costumam apresentar variações durante o ano, por ocasião de períodos das três safras anuais (conhecidas como safra, safrinha ou temporã e saroio). Dentro da lógica empresarial capitalista em que um dos objetivos volta-se para o incentivo por parte do estado para que os agricultores estabeleçam relações de dependência com as indústrias produtora de insumos agrícolas e fertilizantes, obedecendo o princípio da produção e da produtividade, difundida a partir da revolução verde, verifica-se ainda nos locais de estudo a tentativa de condenar o uso de capinas e tratores, que se busca “justificar” por meio do discurso da “preocupação ambiental” em que a via “empresarial” fundamentada no uso crescente de produtos químicos na lavoura passa a ser vista como “solução” imediata. Assim, os órgãos de pesquisa e extensão, em parceria com a iniciativa privada, em destaque a indústria Monsanto, passa a difundir pacotes tecnológicos para as propriedades produtoras de laranja na região. 72 Isso demonstra a falta de uma política do Estado voltada para os pequenos citricultores e trabalhadores assalariados do campo, carentes de alternativas mais próximas da sua realidade como estímulo e garantia de produção em escala comercial, além de suporte para a produção de subsistência. Embora a Empresa de Desenvolvimento Sustentável de Sergipe (Pronese) tenha distribuído mudas, adubos, e dado suporte para o plantio de alguns pequenos citricultores cadastrados nos municípios citrícola de Sergipe, essas ações, na prática, não foram suficientes para promover uma melhoria nas condições de vida desses, haja vista que o objetivo maior foi o da sujeição frente às tais “inovações”. Constata-se que esse processo de tecnificação é seletivo e não corresponde a realidade de grande parte daqueles pequenos agricultores que com muitas dificuldades e ainda que impulsionados a plantarem laranja, permanece na terra como condição de sobrevivência (foto 16). Dessa forma, a realização da capina se reproduz em diversas propriedades rurais, conforme pode-se observar na foto 15. Foto 15 – Trabalhadores na capina. Foto 16 – Família camponesa/plantio. Fonte: Trabalho de Campo, Nov. de 2003. Fonte: Trabalho de Campo, Set. de 2008. De acordo com informações adquiridas por meio de trabalho de campo, realizado no ano de 2008, a não utilização de adubos está relacionada ao período de 73 preços baixos da laranja, o que afeta sobremaneira a produtividade dos laranjais da Bahia e de Sergipe. Como os produtores não têm garantia dos preços, acabam se controlando e investindo pouco na melhoria das condições de produção. Muitos ficam dependendo do tempo e dos preços de mercado. Os plantios nessas duas regiões são em sua maioria de sequeiro, ou seja, sem uso de irrigação, o que diminui sensivelmente os custos de produção. A atividade realizada desta forma é direcionada principalmente para atender às necessidades de consumo doméstico e das indústrias. Entretanto, no que se refere aos grandes e médios produtores, é possível encontrar algumas experiências com irrigação, o que permite programar a safra para os períodos de maior escassez da laranja no mercado, aumentando as margens de renda no processo de comercialização. Os viveiros telados para produção de mudas passam a ser uma nova exigência imposta pelo mercado, conforme aconteceu em Sergipe, através do programa de revitalização da citricultura implementada pelo Estado brasileiro. Acompanhando esse mesmo processo, considera-se que os viveiros sem proteção, a céu aberto, na Bahia, deverão ser gradativamente substituídos por viveiros telados. O discurso utilizado para “justificar” tal substituição é o da segurança e melhoria das mudas, mediante o controle de insetos transmissores de pragas e doenças. Desse modo, os viveiros que não atenderem às novas especificações da Secretaria da Agricultura serão erradicados, porque estarão irregulares. Contudo, na prática, o que se verifica é uma nova forma de intervenção capitalista no território, em que essas “tecnologias” não estão disponíveis para todos os produtores, funcionando como forma de triagem e impulsionando mecanismos de controle pelo capital, rebatendose, negativamente, sobre aqueles que possuem condições financeiras mais 74 delicadas, sendo, muitas vezes, expulsos do processo produtivo, ou permanecendo nesse de forma cada vez mais subordinada. Dessa maneira, os viveiristas que apresentam melhores condições financeiras é que vão transferir a sua produção de mudas em campo aberto para os viveiros protegidos, acarretando uma séria crise social na região. O governo federal estabeleceu, em Lei, a exigência de produção de mudas em ambientes fechados, fomentando o processo de seleção entre os produtores. Essa é uma política que vai atender mais aos interesses das indústrias processadoras de sucos. A homogeneidade e sanidade dos laranjais, dessa forma, vão gerar mais desemprego, porque muitos dos viveiristas não vão querer arriscar recursos nesse novo empreendimento, pois ficam desconfiados da garantia de retorno e preocupados com o endividamento o que, muitas vezes, pode representar a perda da terra, ou mesmo não possuírem as condições objetivas exigidas. Como a maioria dos pequenos produtores de laranja encontra-se nessa situação, fica difícil imaginar “uma lógica empreendedora”, sem uma alteração da estrutura fundiária, sem o fortalecimento que deve ser implementado através das cooperativas, associações, sindicatos, enfim, formas de organizar a produção, fortalecer a comercialização, controlar o beneficiamento e participar do processo de industrialização. Além disso, há que se considerar a luta pela garantia do trabalho, seja mediante a permanência na terra ou para obter a terra, por meio da qual a ação dos movimentos sociais se torna visível. Para aqueles proletarizados outra forma é a de lutar pela garantia do trabalho (nas indústrias, no campo ou nas cidades), ainda que precarizado, já que na condição de expropriados dos meios de produção não têm como garantir o sustento da família. Por outro lado, esbarram nas condições 75 precárias de trabalho, na baixa remuneração, no desrespeito aos direitos trabalhistas, como também, a existência de um contingente enorme daqueles que precisam trabalhar. Nessas condições, a luta pelo trabalho passa a representar a própria sobrevivência para as milhares de famílias expropriadas do Centro-Sul de Sergipe e Litoral Norte da Bahia. Dessa forma, considera-se a categoria trabalho como fundamental para aqueles que estudam o campo brasileiro, em que a realidade encontrada na área de estudo não se distancia. Para tanto, se fez necessário a compreensão das discussões mais atuais referentes ao trabalho e a luta da classe proletária tanto para conseguir vender sua força de trabalho por meio do assalariamento bem com por meio de outras formas de sobrevivência a exemplo das relações não-capitalistas (não-assalariadas ou assalariamento disfarçados) ou mesmo através da luta pela terra onde almejam, ainda que parcialmente, uma determinada autonomia frente a lógica alienante capitalista. Essas discussões serão apresentadas no capítulo 2 deste trabalho de tese que se segue. 76 2 O TRABALHO ENQUANTO CATEGORIA CENTRAL NOS ESTUDOS EM GEOGRAFIA Tomando por base a Teoria Crítica Marxista, fundamentada no método dialético, esta pesquisa, ao contrário das abordagens voltadas para a negação do trabalho ou mesmo o fim da sociedade do trabalho, vem reafirmar o trabalho como condição ontológica do homem. Em se tratando de um estudo realizado em Geografia considera-se o trabalho como categoria analítica central na compreensão do processo de produção do espaço geográfico, que se estabelece, historicamente, através da relação sociedade x trabalho x natureza. Assim, o homem, que historicamente desenvolve relações sociais, por meio do trabalho entra em contato com a natureza, transformando-a em natureza humanizada, ou segunda natureza, ou seja, natureza produto do trabalho. Ai reside à essência de toda natureza humana e da Geografia enquanto ciência. visto que segundo Silva, Lenira (2001, p. 50): O espaço geográfico constituído de totalidades capitalistas e nãocapitalistas tem na produção-reprodução realizada por meio do trabalho dos homens dialeticamente coisificados para o sistema e humanizados para si mesmos, onde a luta da natureza humana pela plenitude de vida se dá dentro e fora da atividade produtiva, dentro e fora de si mesmos, do seu corpo, da sua natureza. O resultado do trabalho humano, isto é, fração da natureza humana, objetivada na coisa feita ou produzida, percorre o mundo inteiro. A realização de um determinado trabalho poderá se dar muito distante do local onde o trabalhador produziu ou prestou um serviço qualquer, numa totalidade submetida a outra sociedade, a outro modo de produção. A compreensão do espaço geográfico enquanto produto do trabalho humano em uma sociedade dividida em classes sociais torna-se mais evidente na ciência geográfica a partir da década de 1950, mediante o movimento de renovação da Geografia que trazia, em uma de suas matrizes o pensamento crítico marxista na 77 compreensão das contradições do modo de produção capitalista e seus rebatimentos materiais. Além disso, buscava-se, naquele momento histórico, realizar uma revisão radical na Geografia praticada até então ancorada no positivismo lógico e mesmo na linguagem matemática sustentada no neopositivismo. Esse pensamento passa a influenciar, sobremaneira, os pensadores brasileiros, que passam a adotar como fundamental a compreensão do espaço geográfico por meio das contradições existentes no processo produtivo, em uma sociedade composta por classes sociais antagônicas. Assim, merece destaque os estudos realizados por David Harvey, Ives Lacoste, dentre outros e no Brasil os estudos realizados por Rui Moreira11, Ana Fani Carlos12, Ariovaldo Umbelino de Oliveira13, Lenyra Rique da Silva14, podem ser tomados como referência. O trabalho emerge como categoria central em estudos mais recentes como os realizados por Thomaz Junior15, Alexandrina Luz16, Léa 11 No livro O que é Geografia, publicado no ano de 1981 o autor aponta que: “O processo do trabalho tem sua materialidade em formas que ao mesmo tempo que dele derivam e ele se revertem, e são geradas com esse fim. Em se tratando da geografia, esta materialidade dialeticamente articulada ao processo do trabalho é o especo geográfico. (...) O espaço geográfico é a materialidade do processo do trabalho. É a relação homem-meio na sua expressão historicamente concreta. O espaço geográfico não é puramente produto do processo do trabalho, porque o processo do trabalho é também produto do espaço geográfico. É produto do trabalho e condição material dele” . (p. 85/86) 12 Na busca de aprofundar debates mais profícuos na Geografia, bem como destacando o papel da teoria no desvendamento da espacialidade e das relações sociais no mundo moderno Carlos (2001) arremata que: “O fio condutor da análise reside na tese segundo a qual, ao produzir sua vida (sua história, a realidade), a sociedade produz, concomitantemente, o espaço geográfico. Tais condições são produzidas pelo trabalho como atividade humana, logo, o desvendamento da atividade do trabalho considerado como processo produtor do espaço geográfico é o ponto de partida e permite discutir, de um lado, a articulação entre atividades produtivas e não-produtivas no conjunto da sociedade, e de outro, a materialização espacial deste processo, cujo movimento fundamenta-se na contradição entre produção espacial coletiva e apropriação privada”. (p. 63). 13 Defendendo a importância da leitura crítica marxista para os estudos em Geografia e na Geografia Agrária mais particularmente Oliveira (2007) acrescenta que: “A lógica do desenvolvimento do modo capitalista de produção é gerada pelo processo de produção propriamente dito (reprodução ampliada/extração da mais-valia/produção do capital/extração da renda da terra), circulação, valorização do capital e reprodução da força de trabalho. É essa lógica contraditória que constrói/destrói formações territoriais em diferentes partes do mundo ou faz com que frações de uma mesma formação territorial conheçam processos desiguais de valorização, produção e reprodução do capital, conformando as regiões” (p.75). 14 No livro A Natureza Contraditória do Espaço Geográfico (2001) a autora analisa que: “O resultado do trabalho também contém a natureza da luta de classes. Seja qual for a sociedade ela está dividida em classes, é alimentada pelo trabalho alienado” (p. 54). 15 Que através do Centro de Estudos de Geografia do Trabalho (CEGET) vem reunindo e desenvolvendo uma série de pesquisas voltadas a centralidade do trabalho enquanto categoria fundamental na compreensão dos estudos em Geografia seja no campo ou nas cidades. A rede de 78 Francesconi17, Sócrates Menezes18, Vanessa Oliveira19, María Franco García20, Marcelo Mendonça21 e outros que serão retomados ao longo desse trabalho. Assim, toma-se importante ressaltar que o trabalho não se constitui em uma categoria específica da Geografia, mas é de fundamental importância na compreensão dos processos espaciais, em qualquer instância. Retomando a teoria crítica marxista, pode-se considerar que o trabalho sempre foi tratado como tema central na compreensão da realidade e das iniqüidades provocadas pelo modo capitalista de produção em seu processo de realização histórica. Para tanto, há que se compreender as contradições existentes no processo produtivo que em uma sociedade composta por classes sociais antagônicas permite- pesquisadores formados por esse centro inicia-se na UNESP de Presidente Prudente e se espalha para outros Estados do país a exemplo de Catalão/GO e João Pessoa na Paraíba. Além da Revista Pegada ([email protected]) e do projeto Editorial Centelha, em que os resultados de pesquisas são divulgados o CEGET realiza o Fórum do Trabalho, que se consolida como lócus de apresentação e debates profícuos sobre a questão do trabalho no âmbito geográfico. As informações referentes a esse grupo, bem como os principais trabalhos desenvolvidos, podem ser encontradas no endereço: www.prudente.unesp.br/ceget 16 Que por meio da Coordenação do Grupo de Pesquisa Estado, Capital, Trabalho e as Políticas de reordenamentos territoriais/UFS-CAPES-CNPq, vem desenvolvendo e orientando diversos estudos voltados para a temática do trabalho na Geografia. Alguns dos resultados desses trabalhos podem ser encontrados nos anais dos principais eventos de Geografia – a exemplo do XV Encontro Nacional de Geógrafos, do SINGA, nas Jornadas do Trabalho – realizadas pelo CEGET, bem como em artigos de revistas como a Revista OKARA/PB, Pegada/UNESP-PP, dentre outras. 17 Que na Universidade de São Paulo coordena a linha de pesquisa Território, Economia e Desenvolvimento Regional. 18 Pesquisador do Grupo Estado, Capital, Trabalho e as Políticas de Reordenamentos TerritoriaisUFS/CNPq/CAPES e do Laboratório de Estudos Agrários e Urbanos/UESB, desenvolveu a pesquisa “De supérfluos à sujeitos históricos na contramão do capital” analisando a luta do Movimento dos Trabalhadores Desempregados (MTD) na região de Vitória da Conquista/BA. Recentemente, vem ampliando essa temática analisando a luta pelo trabalho na periferia urbana de Vitória da Conquista/BA. 19 Pesquisadora do Grupo Estado, Capital, Trabalho e as Políticas de Reordenamentos TerritoriaisUFS/CNPq/CAPES, desenvolve pesquisas voltadas para o entendimento do avanço do capital no campo via inserção tecnológica e seus rebatimentos nas relações de trabalho, com destaque para o agronegócio da laranja e do fumo no município de Lagarto/SE. 20 Coordenadora do Grupo de Estudos de Geografia do Trabalho – Paraíba (CEGET/PB) desenvolve e orienta pesquisas voltadas à temática do trabalho nos cursos de Graduação e Pós-Graduação em Geografia. Em seu estudo reporta a dimensão de classe e de gênero na compreensão do trabalho e da produção do espaço. Coordena a revista OKARA, em que diversos resultados de pesquisas sobre essa temática é divulgado. 21 Coordena junto com a professora Helena Angélica Mesquita o Grupo de Pesquisa GETeM – Geografia, Trabalho e Movimentos Sociais, CAC/UFG, desenvolvendo e orientando pesquisas sobre essas temáticas nos cursos de Graduação e Pós-Graduação. Pesquisador do CEGET/UNESP-PP, tem diversos artigos publicados na Revista Pegada e nos anais dos principais eventos realizados na Geografia. 79 nos compreender, conforme apontado por Marx (1984), que a contradição fundamental reside no caráter social da produção e a apropriação individual de seus resultados, contraditoriamente apropriado por aqueles que detém o controle dos meios de produção. Sobre isso, também na Geografia, Souza, S. T. (2008, p. 53/54) arremata que: Na atuação das classes sociais destacam-se os seus interesses antagônicos, no modo de produção capitalista, cuja principal contradição reside, exatamente, na separação entre o trabalhador e os instrumentos de trabalho; tão logo, não resta ao trabalhador “livre”, ou melhor, desprovidos dos instrumentos de produção, que pertence ao capitalista (proprietário dos meios de produção) e aos proprietários fundiários (proprietários da terra) alternativa a são ser a venda de sua força de trabalho. A “aparente relação de igualdade” 22 entre proprietários e não-proprietários dos meios de produção, será, portanto, objeto de discussão (...). A partir de tais considerações espera-se reunir argumentos que elucidem as desigualdades nas relações sociais e nas relações de produção capitalistas, na “contradição inconciliável”23 entre as classes sociais, já que a satisfação das necessidades de umas, neste caso, o objetivo do lucro – por parte do capitalista, e da renda – extraída por parte dos proprietários fundiários, se faz a partir da exploração do trabalhador, da força de trabalho – a única “mercadoria”, no capitalismo, capaz de criar riqueza. Assim, o trabalhador cria a mercadoria, que se converte em capital, mas este lhe é estranho, pois é apropriado pelos seus algozes. Essa “aparente relação de igualdade” consolida-se no fato dos capitalistas e trabalhadores serem livres, ambos são proprietários: o primeiro dos meios de produção e os segundo de sua força de trabalho. Assim sendo, o capitalista compra a força de trabalho vendida pelo trabalhador e esse em troca recebe o salário. A 22 Expressão utilizada por MARTINS, José de Souza. Os camponeses e a Política no Brasil. São Paulo: Vozes, 1981. 23 Expressão utilizada por ENGELS, Friedrich. A origem da família, da Propriedade Privada e do Estado. São Paulo: Centauro, 2002. É retomada também por Lênin, Vladimir Ilitch. O Estado e a Revolução. A revolução proletária e o renegado Kautsky. Trad por Henrique Canary. São Paulo: Editora Instituto José Luis e Rosa Sundermann, 2005. (...) A sociedade civilizada esta dividida em classes hostis e irreconciliáveis cujo armamento “espontâneo” provocaria a luta armada. Forma-se o Estado; cria-se uma força especial, criam-se corpos armados, e cada revolução, destruindo o aparelho governamental, põe em evidência como a classe dominante se empenha em reconstituir, a seu serviço, corpos de homens armados, como a classe oprimida se empenha em criar uma organização do mesmo gênero, para pô-la ao serviço, não mais dos exploradores, mas dos explorados. (LÊNIN apud ENGELS, 2005, p. 31). 80 contradição reside no fato de que os resultados do processo produtivo são maiores do que o dinheiro empregado pelo capitalista no início desse. A riqueza é produzida pelo proletário, mas apropriada pelo capitalista (donos dos meios de produção). Essas contradições no processo produtivo são apontadas por Marx nos Manuscritos Econômicos Filosóficos, escritos em 1844, quando destaca que: O trabalhador se torna tanto mais pobre quanto mais riqueza produz, quanto mais a sua produção aumenta em poder e extensão. O trabalhador se torna uma mercadoria tão mais barata quanto mais mercadorias cria. Com a valorização do mundo das coisas (Sachenwelt) aumenta em proporção direta a desvalorização do mundo dos homens (Menschenwelt) (...). Esse fato nada mais exprime, senão: o objeto (Gegenstand) que o trabalho produz, o seu produto, se lhe defronta como um ser estranho, como um poder independente do produtor (...). (..) Sim, o trabalho mesmo se torna um objeto, do qual o trabalhador só pode se apossar com os maiores esforços e com mais extraordinárias interrupções. A apropriação do objeto tanto aparece como estranhamento (Entfremdung) que, quanto mais objetos o trabalhador produz, tanto menos pode possuir e tanto mais fica sob o domínio do seu produto, do capital. (MARX, 2004, p. 80/81). Nessa relação desigual e contraditória, o proletário se relaciona com o produto do seu trabalho como um objeto estranho, desse modo: “quanto mais o trabalhador se desgasta trabalhando (ausarbeitet)” mais poderoso se torna o mundo alheio que ele cria diante de si e mais pobre ele se torna, no seu mundo interior. Dessa forma, o seu trabalho se torna um objeto, “uma existência externa (aussern)”, que existe fora dele, independente e estranha a ele. Assim, (...) quanto mais o trabalhador produz, menos tem para consumir; que quanto mais cria, mais sem-valor e indigno ele se torna; quanto mais bem formado o seu produto, tanto mais deformado ele fica; quanto mais civilizado seu objeto, mais bárbaro o trabalhador; que quanto mais poderoso o trabalho, mais impotente o trabalhador se torna; quanto mais rico de espírito o trabalho, mais pobre de espírito e servo da natureza se torna o trabalhador. (MARX, 2004, p. 82). 81 Assim sendo, o que o trabalhador recebe sob a forma de salário é infinitamente menor do que ele de fato produziu. Esse mais-trabalho, que representa a quantidade de horas de trabalho não pagas ao proletário é apropriada pelo capitalista. O proletário por não deter os meios de produzir a existência não tem alternativa a não ser se sujeitar ao capitalista. Ao trabalhar por um salário esse acaba por aumentar a riqueza do capitalista, ao passo em que dispende parte de sua energia e sua vida no processo produtivo. Assim sendo, a relação de igualdade entre capitalistas e trabalhadores é apenas aparente na medida em que os segundos não têm opção a não ser a subsunção24. Tomando por base a análise desenvolvida por István Mészáros, em Para além do Capital (1995) Ricardo Antunes (2002) acrescenta que o sistema de metabolismo societal do capital resultado da divisão social vai promover a subordinação estrutural do trabalho ao capital. Para compreender esse processo há de se considerar que um sistema de mediações de segunda ordem sobredeterminou suas mediações básicas primarias, ou seja, suas mediações de primeira ordem. Genericamente, esse sistema de mediações de primeira ordem tem por finalidade “a preservação das funções vitais de reprodução da reprodução individual e societal” (ANTUNES, 2002, p. 19), que significa que os seres humanos sejam considerados parte da natureza, se utilizando dessa para realizar suas necessidades elementares. Assim, considerando o homem enquanto parte da natureza, cuja relação com essa se estabelece por meio do trabalho, para satisfação das funções vitais, esse é compreendido enquanto condição ontológica do homem e pressupõe: a regulação da atividade biológica reprodutiva em conjunção com os recursos existentes; a regulação do processo do trabalho mediante o intercâmbio comunitário 24 “O seu trabalho não é portanto voluntário, mas forçado, trabalho obrigatório. O trabalho não é, por isso, a satisfação de uma carência, mas somente um meio para satisfazer as necessidades fora dele”. (MARX, 2004, p. 83). 82 com a natureza para produzir bens requeridos para a satisfação das necessidades humanas; um sistema de trocas compatível com as necessidades requeridas; organização da multiplicidade de atividades (materiais e culturais) visando o atendimento da reprodução social; alocação dos recursos materiais e humanos disponíveis, lutando contra as formas de escassez, e sua utilização econômica em sintonia com os níveis de produtividade e os limites socioeconômicos existentes; constituição e organização de regulamentos societais designados para a totalidade dos seres sociais. (ANTUNES, 2002. ) A esse sistema de primeira ordem de mediações se impõe outro sistema de mediações de segunda ordem que pressupõe o estabelecimento de hierarquias estruturais de dominação e subordinação, que caracteriza a ordem societal de controle sob a égide do capital e que segundo Mészáros apud Antunes (2002) representa a introdução de “elementos fetichizadores e alienantes de controle social metabólico” (p. 20). Dessa forma, considerando o capital um modo e meio totalizante e dominante de mediação reprodutiva esse subordina todas as funções reprodutivas sociais, cuja finalidade é expandir o valor de troca, para todas as necessidades desde as mais básicas até as mais variadas atividades de produção, ou seja, representa a “completa subordinação das necessidades humanas à reprodução do valor de troca” (MÉSZÀROS apud ANTUNES, 2002, p. 21). Assim, o valor de uso torna-se subordinado ao valor de troca, ou seja, por meio do trabalho os homens não mais produzem para a satisfação de suas necessidades vitais, mas para a satisfação dos detentores dos meios de produção – a classe dos capitalistas que objetivam o lucro e a acumulação. 83 À divisão do trabalho que caracterizava o sistema de mediações de primeira ordem baseada na função reguladora básica, o capital impõe uma estrutura de mando vertical, cuja divisão hierárquica do trabalho está voltada para a necessidade continua e crescente de valores de troca. Nesse processo, o trabalho é subsumido ao capital (ANTUNES, 2002). Para que essa ordem sociometabólica do capital possa erigir-se pressupõe a existência de alguns elementos, segundo Mészáros apud Antunes (2002), tais como:: a) a separação e alienação entre trabalhador e os meios de produção; b) a imposição dessas condições objetivadas e alienadas sobre os trabalhadores (mando sobre eles); c) a personificação do capital como valor egoísta voltado ao atendimento expansionista do capital; d) a personificação do trabalho, ou seja, dos operários como trabalho, dependente do capital historicamente dominante, fato que reduz a identidade do sujeito desse trabalho as funções produtivas. Desse modo, “as funções produtivas e de controle do processo do trabalho social são radicalmente separadas entre aqueles que produzem e aqueles que controlam” (p. 22). Para lhe dar sustentação esse sistema de mediações de segunda ordem ancora-se no tripé capital, trabalho e Estado. Dessa forma, Mészáros (2002) é elucidativo ao afirmar que é impossível se pensar na emancipação do trabalho sem superar o capital e o Estado. As mediações de segunda ordem do capital constituem um círculo vicioso do qual aparentemente não há fuga. Pois eles se interpõem, como “mediações”, em última análise destrutiva da “mediação primária”, entre seres humanos e as condições vitais para a sua reprodução, a natureza. (MÉSZÁROS, 2002, p. 179). Desse modo, Antunes (2002) aponta que no sistema do capital o discurso da regulação é apenas “aparente”, o que remete a compreensão da incontrolabilidade 84 do mesmo, presente desde o início desse sistema. Assim, com base em Mészáros (2002) destaca--se os defeitos estruturais do sistema de metabolismo social do capital,.Esse se manifesta, dentre outras coisas, na separação entre produção e controle, quando esses adquirem uma independência “problemática” que se efetiva no exacerbado “consumismo” em determinados partes do mundo. Por outro lado, se reproduz na mais desumana negação da satisfação das necessidades básicas para milhares de seres biológicos e humanos (natureza e sociedade). Isso demonstra que a “força de trabalho total da humanidade encontra-se submetida (aos imperativos alienantes de um sistema global do capital” (MÉSZÁROS apud ANTUNES, 2002, p. 24). Esse controle sociometabólico do capital “incontrolável” e “totalizante” sob o qual tudo, inclusive os seres humanos deve-se ajustar, “degrada o sujeito real da produção, o trabalho, a condição de (...) fator material da produção”, que para o capital não perde a condição de sujeito real da produção. Considera-se que esse sistema sociometabólico do capital que tem o caráter expansionista e totalizante, portanto, incontrolável, através de sua forma de realização, vai ser apropriado dos mais variados espaços, de forma desigual e combinada, sujeitando o trabalho a sua lógica produtiva, conforme pode-se identificar as transformações ocorridas no Centro-Sul de Sergipe e Litoral Norte da Bahia, fato que se acresce com a difusão do monocultivo da laranja representando processos concretos de subsunção do trabalho aos interesses do capital (industrial, agrário e financeiro), assim como por meio do processo de sujeição camponesa. Assim sendo, o trabalho que deveria voltar-se a satisfação daqueles que o realiza acaba sendo apropriado por aqueles que detêm os meios de produção, que se apropriam do produto do trabalho e o transforma em mercadoria, valores de troca. 85 Tais questões serão retomadas no capítulo 4 dessa tese. Assim, Oliveira, V. D. (2007, p. 39) tomando por base o estudo realizado por Smith (1988) arremata que: (...) sob o sistema capitalista, a apropriação e produção da natureza têm a materialidade social do processo de produção de mercadorias, reificado, alienado, oriundo da história dos homens: toda natureza é assim um produto social. Segundo Smith (1988), a produção da natureza é também produção do espaço geográfico expressa no desenvolvimento desigual do capitalismo. Esse desenvolvimento desigual é a expressão geográfica das contradições do capital, a fixação geográfica do valor de uso e do valor de troca. À medida que o processo de acumulação se intensifica, igualmente se intensificam as tendências à igualização e à diferenciação da produção capitalista do espaço. As discussões sobre a categoria trabalho, enquanto central na análise do processo de produção do espaço geográfico, tornam-se fundamentais na compreensão dos conflitos e das contradições existente no processo de apropriação do espaço no Centro-Sul de Sergipe e Litoral Norte da Bahia pelo capital, via produção do suco de laranja concentrado e congelado, que têm nos mercados europeus seu principal lócus de consumo. A “apropriação” desses espaços começa a se efetivar a partir da década de 1960, no caso do Centro-Sul de Sergipe e se expande em direção ao Litoral Norte da Bahia, a partir de uma série de vantagens oferecidas aos “produtores” via atuação do Estado. Portanto, o entendimento que se busca do Estado é de “mediador” dos conflitos sociais e instrumento de uma classe social – a classe dominante. Tal atuação, por outro lado, se faz a partir de um processo de expropriação dos camponeses, que tinham nessas áreas, e na atividade agrícola, seus principais espaços de reprodução social. Acredita-se que é possível fazer uma reflexão teórica metodológica para a compreensão da relação capital versus trabalho, das transformações no mundo do trabalho, frente o processo de reestruturação produtiva do capital, enquanto resposta 86 a crise do capital, que pode ser compreendida também como a crise do trabalho e seus diversos processos de territorialização, como acontece nos laranjais baianos e sergipanos, escolhidos como base empírica dessa pesquisa. Assim, busca-se entender as transformações no mundo do trabalho, frente às demandas do modo de produção capitalista, os processos de monopolização da produção e de territorialização do capital, as diversas alianças estabelecidas entre grupos capitalistas e latifundiários, a luta pela garantia do trabalho, por parte da classe trabalhadora (cada vez mais explorada), mas também outras experiências desenvolvidas por esses como: os sindicatos, as associações, as cooperativas ou mesmo a luta pela terra via organização em movimentos sociais. Por outro lado, é preciso que se considere a forma contraditória por meio da qual o capital penetra no campo brasileiro e, neste caso, nos laranjais baianos e sergipanos, a partir tanto da expansão das relações de trabalho tipicamente capitalistas como também reproduzindo e se apropriando (muitas vezes) das relações não-capitalistas, garantindo os processos de subsunção do trabalho e sujeição da renda da terra ao capital, fundamentais a sua reprodução social. No entanto, cabe destacar que ao mesmo tempo em que o capital se apropria dessa produção camponesa, é possível pensar que essa relação possa vir a ser uma possibilidade de uma nova relação capital e trabalho que está sendo gestada no campo brasileiro, que precisa ser melhor compreendida, inclusive na região em estudo. O processo de monopolização da produção, seguido do processo de territorialização do capital nas regiões estudadas se faz, portanto, reproduzindo todas as contradições do modo capitalista de produção, com fortes alterações nas relações de trabalho. O capital atua tanto no sentido de garantir a ampliação da mais-valia via 87 novas formas de exploração do trabalho, quanto por meio da sujeição da renda camponesa ao capital, criando os seus tentáculos de territorialização e reprodução. 2.1 O Trabalho enquanto categoria central para os estudos em Ciências Sociais As reflexões teóricas e categorias analíticas centrais ao entendimento da realidade existente nos laranjais baianos e sergipanos, é condição fundamental para a compreensão dos processos de territorialização do capital, ou de monopolização da produção e o entendimento dos mecanismos utilizados de sua realização, ao longo do tempo e configuração espacial. Assim sendo, destacam-se as categorias fundantes de Marx (1983) presentes no Livro 1 de O Capital, no Processo de Produção do Capital a partir da Mercadoria e seu valor de uso e valor de troca, Processo de Troca, Circulação, Processo de Produção de Mais-valia absoluta analisando o processo de trabalho e o processo de valorização. Marx demonstra a distinção entre trabalho concreto, produtor de valor de uso, e o trabalho abstrato, produtor de valor de troca. Gorender (1983) enfatiza, na apresentação do livro O Capital, que a mercadoria possui caráter dúplice de valor de uso e valor resultante do caráter também dúplice do próprio trabalho que produz: trabalho concreto, que responde pelas qualidades físicas do objeto, e trabalho abstrato, enquanto gasto indiferenciado de energia humana. O trabalho abstrato, pelo fato de estabelecer uma relação de equivalência entre os inúmeros trabalhos concretos, vem a ser a substância do valor. Marx (1983) pressupõe que o processo de trabalho deve ser considerado de início independentemente de qualquer forma social determinada. O trabalho é um processo 88 entre homem e natureza. Um processo em que o homem, por sua própria ação, media, regula e controla seu metabolismo com a natureza. Segundo Lukács, e seguidores como Mészáros (2002) e Antunes (2002), a categoria que faz a mediação entre o ser social e a natureza é o trabalho, que transforma causalidade dada em causalidade posta. Lukács, diz que é o trabalho a categoria fundante dos complexos sociais parciais que, por sua vez, se tornam autônomos e, nas sociedades desenvolvidas, se apresentam de forma cada vez mais complexificada, agindo no processo de individualização e socialização. István Mészáros (2002) em sua obra Para Além do Capital esboça a contradição entre forças produtivas e relações de produção. Segundo este autor a formação social capitalista é marcada por uma contradição imanente, ao mesmo tempo em que aumenta sua capacidade produtiva, dispensa a força de trabalho, proporcionando um descompasso entre a capacidade produtiva e a possibilidade de consumo, que está imbricado na relação e no aumento do desemprego. Ainda segundo Mészáros (2002) as dificuldades do atual processo de desenvolvimento são muito maiores que em qualquer outro momento, em que o capital atinge seu zênite contraditório de maturação e superação. Nesse sentido, considera que a crise do capitalismo hoje é destrutiva e incontrolável, é permanente, não existindo mais, portanto, crises cíclicas (defendidas anteriormente por muitos autores), nem qualquer possibilidade de superação ou inserção social (daqueles que estão fora do processo produtivo, portanto, nenhuma “possível” superação da “crise”) enquanto perdurar o capitalismo e a existência também do próprio capital. Em sua obra Os Sentidos do Trabalho, Antunes (2002) discute várias dimensões que são centrais ao pensar o mundo do trabalho hoje em suas formas contemporâneas. Dimensões da vigência da centralidade do trabalho ou nos seus 89 múltiplos sentidos que o trabalho adquire. Discorda de Gorz (2003) e até mesmo de Kurz (S.D), que advogam o fim do trabalho embora admita a complexidade das relações laborativas. Complexidade que envolvem as relações entre trabalho produtivo e trabalho improdutivo, trabalho material e imaterial, trabalho manual e intelectual e o teletrabalho. Segundo ainda Antunes (2002, p.104) essas relações que foram apresentadas como nova conformação de valorização do trabalho, ao invés de negar a centralidade do trabalho é uma base concreta para reafirmar a centralidade do trabalho no capitalismo contemporâneo. Assim, sustenta a tese de que houve uma heterogeneização, complexificação e fragmentação de uma classe que vive eminentemente do trabalho. Apresenta esta como tendência influenciada pela redução do proletariado industrial, fabril, tradicional, especializado, herdeiro da indústria verticalizada (modelo Taylorista/Fordista) e expansão ocidental do Toyotismo. Antunes (2002) analisa que uma questão central no entendimento das transformações ocorridas no mundo do trabalho advém da reestruturação produtiva do capital cujas características são: a flexibilização, a desconcentração, a desterritorialização; além da introdução de novas formas de trabalho domiciliar e a ideologia da “liberdade do trabalhador”, o trabalhador em tempo parcial, em que no campo uma forte expressão disto é a pluriatividade, tendo em vista que explora-se duplamente os camponeses e proletários, que se tornam, ainda mais, precarizados, subempregados, terceirizados e hifenizados25. 25 Entende-se por trabalhadores hifenizados aqueles que desenvolvem várias atividades e jornadas prolongadas na luta para sua reprodução social. Este conceito foi utilizado por Ricardo Antunes tomando por base os estudos de Beynon, Huw (hyphenated workers) em sua obra “The Changing Practices of Work” (1995). 90 As críticas que se tem em comum de Organista (2006) a autores como Gorz (2003), Kurz (S.D.) e Antunes (2002) e seus seguidores se referem ao alto nível de generalizações quando os mesmos centram suas análises nas relações de produção e forças produtivas do sistema capitalista. Todavia essas análises não podem ser desprezadas, no sentido de uma significativa reflexão do modo de produção capitalista, de seus conflitos e contradições e da própria necessidade de superação e a busca de outras formas de relações da sociedade e natureza. Para Kurz (S.D.) a crise do sistema mundial produtor tem de ser buscada para além da sociedade industrial, do mercado e do Estado, ou seja, na dissolução da sociedade do trabalho. Kurz também recorre à análise de dimensão marxiana entre o trabalho concreto e trabalho abstrato, esclarece a importância da distinção, que é imprescindível, pois permite qualificar a dimensão do trabalho na qual ele está se referindo. Na sua obra Kurz destaca ainda, que o que está em crise é o trabalho abstrato, aquele que produz valor de troca. A sociedade em que o ócio involuntário (desemprego) se opõe ao tempo livre, enquanto representação moral socialmente reconhecida e válida. O destaque aqui dessa interpretação é o de não correr o risco de virar uma finalidade natural às contradições que são sociais e historicamente estabelecidas. Acredita-se que a defesa da sociedade de tempo livre, na qual o trabalho concreto é subsumido pelo capital é ambíguo, pelo menos para todos os membros, pois, com isso se mantém as bases de produção e reprodução social, já que, esta se apresenta de forma diferente a partir da possibilidade de distinção e condição da classe social no capitalismo. Acredita-se que somente a partir da superação do sistema de produção para o socialismo e o comunismo, e a superação da sociedade de classes, seja possível se pensar num modelo de sociedade verdadeiramente igualitária, coisa que Kurz não acredita ou demonstra 91 muito ceticismo ou pessimismo em conseguir, e relata as experiências e fracassos do socialismo real que foi analisado pelo mesmo como socialismo dos produtores como impossibilidade lógica de realização. Kurz (S.D.) ainda em sua obra A Honra perdida pelo trabalho, enfatiza a categoria real do trabalho que há de ser concebida como trabalho abstrato no sentido de uma indiferença destrutiva no que se refere ao conteúdo material dos agentes opostos em movimento. Indiferença destrutiva essa que segundo este autor se manifesta não apenas no plano subjetivo e psicológico da “insatisfação com o trabalho”, mas com a crescente “objetividade da catástrofe” como processo objetivo do mundo. O trabalho produzido pelo grupo Krisis (2003) intitulado o manifesto contra o trabalho representa um movimento de contraposição à coerção estabelecida a partir da visão ocidental sociedade e trabalho. Gorz (2003), dentre outros, afirma que a utopia da sociedade do trabalho teria chegado ao fim e com ela o pleno emprego e o Estado de bem-estar social. Pochmann (2001) enfatiza a questão do emprego, discute o curso atual da divisão internacional do trabalho e apresenta as novas estratégias empresariais de competitividade e produtividade a partir da lógica neoliberal para entender os caminhos que os dirigentes e governantes do Brasil escolheram no final do século 20 e início do século 21. Ao discutir a competitividade destacou as estratégias de diversificação da produção; diversificação dos produtos; recomposição da produção interna com a externa (novo mix de produção); elevação na qualidade dos produtos; redução dos custos; mudança no lay-out da produção; redefinição dos fornecedores (just in time); inovações tecnológicas e organizacionais; nova conduta empresarial (desnacionalização, joint-venture, fusão, incorporação ou abandono de atividade). Enquanto que na parte da estratégia de produtividade, elencou a flexibilidade produtiva 92 (economia de escopo); redução de custos e do tempo morto; desmonte de parte da estrutura produtiva; programas de qualidade total e gestão participativa; programas de remuneração variável e distintos contratos de trabalho; programas de reengenharia; terceirização e subcontratação de mão-de-obra; melhor aproveitamento das possibilidades da economia de escala (redução dos estoques); redefinição do conteúdo da atividade empresarial: fechamento de empresa ou passagem à representante comercial. Esse autor apresenta ainda as novas tarefas que são realizadas no interior dos postos de trabalho e as novas técnicas de gestão da produção, que alteram substancialmente a organização do trabalho. Dentre estas destacam-se a ampliação da quantidade de tarefas exercida pelo mesmo trabalhador; constituição de grupos de trabalho (semi-autônomos e autônomos); rotação das funções; combinação das atividades de execução com as de controle. 2.1.1 Leituras sobre a categoria trabalho na Geografia De acordo com Francesconi (2005) as discussões sobre a realidade em mutação no mundo do trabalho não é tema novo no pensamento geográfico, apontando estudos como os realizados por Pierre George (1973) como um dos pioneiros sobre essa temática na Geografia. Contudo, deixa claro que é nas últimas décadas que o ressurgimento dessa temática adquire importância fundamental, quando as mudanças do Trabalho atingem de forma mais direta a sociedade brasileira e “o desemprego revela-se como ameaça crescente ou presença concreta para a sociedade brasileira inserida no mercado de trabalho no capitalismo desde o século XX” (p. 01). Daí assinala a emergência de uma Geografia do Trabalho, mediante a preocupação 93 demonstrada por grande parte dos geógrafos em compreender as repercussões materiais das transformações ocorridas no mundo do trabalho. Entretanto, ainda considerando a emergência de uma Geografia do Trabalho, Thomaz Junior (2004) arremata que não se trata, simplesmente, de constituir mais um recorte disciplinar, ou uma corrente na Geografia, mas de compreender a Geografia do Trabalho como um campo de investigação focado para o entendimento “da estrutura de poder e do controle social exercidos pelo capital sobre a sociedade e, em particular sobre o trabalho” (p. 10). Dessa forma, considera que: “É através do movimento dialético e das mediações teóricas requeridas, que faremos do trabalho um tema permanente para a Geografia” (p. 10). Na Geografia, conforme apontado por Francesconi (2005, p. 02) é a partir da renovação do pensamento geográfico ocorrido nos anos de 1970 e 1980, do século 20, que a Geografia Crítica introduziu o trabalho de forma mais ampla em suas análises, assim como outros conceitos da análise marxiana. Por um lado, a Geografia apreendeu o Trabalho em sua divisão internacional e regional para a compreensão das desigualdades internacionais e inter-regionais. Além disso, o Trabalho constitui-se em conceito fundamental para a explicação do espaço como produto social o qual tanto no urbano quanto no rural reproduz-se contraditoriamente tal como a totalidade social da qual faz parte. Na Geografia brasileira um desses expoentes do pensamento crítico sem dúvida é Rui Moreira. A discussão sobre o trabalho é trazida por esse autor tanto no livro O que é Geografia (1981) quanto em diversos textos publicados posteriormente. Partindo da teoria do Valor de Marx, Moreira (2001) destaca a emergência da compreensão do mundo do trabalho na Geografia em dois níveis: a relação metabólica do homem com o meio natural e a relação do homem com a sociedade. Assim, podese falar em uma Geografia do trabalho tendo o valor como elemento teórico de 94 referência, em que as recentes transformações no mundo do trabalho “têm orientado o universo de noções dessa geografia” (p. 10). Para ele, é o valor quem comanda o mundo do trabalho, no entanto considera-se que a forma do valor varia com o tempo histórico. Assim sendo, nas sociedades mais antigas torna-se visível o valor de uso das mercadorias, algo que se inverte na sociedade capitalista moderna, em que o valor de uso é subsumido ao valor de troca. Moreira (2001) considera que nas sociedades mais antigas o trabalho aparece como relação metabólica, caracterizada pelo intercâmbio entre o homem e a natureza, onde o primeiro impulsiona, controla e regula esse intercâmbio, produzindo valores de uso, atuando sobre a natureza externa e modificando-a, ao mesmo tempo modificando sua própria natureza, produzindo a natureza socializada (ou segunda natureza). O aparecimento do valor de troca modifica, completamente, essa relação. Tomando por base os estudos realizados por Marx (1984) o autor arremata que: “o valor nasce do desenvolvimento das trocas” (p. 11). Inicialmente essas trocas ocorrem por meio do intercâmbio de valores de uso realizado pelos produtores diretos; no entanto, quando as trocas se tornam mais generalizadas a equivalência dos valores dos bens trocados torna-se uma necessidade. Assim, “a própria experiência prática dos produtores leva-os a comparar as quantidades de horas-trabalho gastas na produção de valor-de-uso como referência no ato da troca, nascendo o conceito de valor de troca” (p. 11). O dinheiro emerge como recurso contábil do valor, e a quantidade de moedas passa a representar a quantidade de horas-trabalho. Assim, ocorre uma mudança na relação de intercâmbio homem-natureza, para uma relação de troca mercantil. Essa relação adquire maior proporção nas sociedades nascidas da Revolução Industrial. Para Moreira, desse momento em diante vai ocorrer uma 95 separação entre natureza e trabalho (quando a primeira é apropriada privadamente) e uma separação entre população e trabalho, reduzindo a população a força de trabalho - a classe do trabalho. Assim, “o surgimento da lei do valor como lei do metabolismo ambiental faz do trabalho uma relação técnica, capitalizando-a” (p. 12). Esses processos são fundamentais para a compreensão da “concreção espacial” segundo Moreira (2001) quando na medida em que vai se dando, vai reproduzindo registros nas paisagens. Dividida em mundos do trabalho e do não-trabalho, surge a sociedade do trabalho (a sociedade industrial do capitalismo avançado), fragmentária e organizadora da existência humana num arranjo espacial de configuração extremamente estilhaçada. Essas transformações adquirem nova dimensão no período posterior, na metade da segunda revolução industrial à emergência da terceira com a hegemonia do capital financeiro, mediante o predomínio da esfera da circulação, trazendo mudança ao próprio conceito do valor, com novas investidas para o mundo do trabalho. Nessa relação capital versus trabalho, Thomaz Junior (2002) segue a linha percorrida por Antunes e define que esses são coabitantes de um mesmo processo contraditório, mas, enraizados em esferas diferentes do processo social da produção, um vem a se expressar no outro como elo fundamental de sustentação da contradição. Materializam-se sobre bases qualitativamente diferentes. O capital, de um lado, hegemoniza o processo, conformando assim, sob seu controle, a totalidade produtiva. O trabalho, por outro lado, ao inserir-se nesse processo, entra subsumido, real ou formalmente, dependendo do desenvolvimento das forças produtivas. Thomaz Junior (2002) em sua tese Por Trás dos Canaviais, os “nós”’ da cana, procurou entender e explicitar o imbricamento dos processos de (re)articulação do capital e das propostas e ações do movimento sindical dos trabalhadores, que 96 segundo o autor contém, em si e para si, as mediações da sociedade. Tal leitura tem permitido um indicativo importante no sentido da retomada do trabalho enquanto categoria central da Geografia, permitindo um resgate da relação sociedade versus natureza e suas espacialidades ao longo do tempo histórico. Por outro lado, não perde a dimensão das contradições existentes nesta relação, o que nos leva ao entendimento dos diversos processos de apropriação espacial, que permitem, simultaneamente, uma compreensão da sociedade de classes. Em estudo posterior Thomaz Junior (2004) destaca a necessidade dos geógrafos se debruçarem no entendimento das novas territorialidades engendradas pelo metabolismo do capital, com destaque para a esfera organizativa do trabalho, buscando “apreender o trabalho por meio da leitura geográfica”. Para ele há uma complexa trama de relações na compreensão das diversas formas de luta pelo trabalho, que não se restringe as formas das corporações sindicais. Dessa forma, cabe compreender as ações do capital para além do mundo fabril, e o espalhamento das realizações de expropriação/dominação/apropriação do trabalho, inserindo ai assalariados, camponeses, sem-terras, seringueiros, informais, desempregados, etc. Torna-se fundamental nos estudos geográficos sobre o trabalho a compreensão que o metabolismo do capital afeta a vida dentro e fora do trabalho, ou seja, tanto no âmbito da produção (do trabalho) quanto da reprodução (morada, convívio social). Assim, A Geografia do trabalho deve chamar para si a tarefa de apreender o mundo do trabalho através do espaço geográfico entendido, pois, como uma das características do fenômeno, e da rede de relações categoriais/teóricas/escalares, ou seja, a paisagem, o território e o lugar de existência dos fenômenos, num vai e vem de múltiplas determinações. (p. 11). Nesse processo, cabe considerar à força destrutiva do capital e a emergência de formas diferenciadas de precarização do trabalho, a que o trabalhador 97 tem se submetido para “vencer os revezes da reestruturação produtiva do capital” (p. 12) e que se expressa na terceirização, precarização, subcontratação, hifenização, desemprego, dentre outras formas. Essas dificuldades concretas vivenciadas pela classe proletária fazem com que, muitas vezes, o camponês – que possui pouca quantidade de terras se desloque para cidade a fim de realizar “algum bico” em determinados períodos do ano, ou ainda se assalariando nas fazendas circunvizinhas. A mobilidade do trabalho é também uma forma buscada pelo trabalhador para garantir a reprodução social. Ora camponês, ora operário, ora realizando serviços autônomos ou na informalidade. Mais do que, simplesmente, alternativas buscadas pela classe trabalhadora em geral para sobreviver, essa realidade representa a dificuldade concreta com que esses se reproduzem, tendo, na maioria das vezes, que desempenhar dupla ou tripla jornada de trabalho, multilando-se, alienando-se. Essa realidade, por outro lado, torna-se uma dificuldade maior no sentido da consciência de classe. Assim como ocorre no país como um todo, também no CentroSul de Sergipe e Litoral Norte da Bahia verifica-se a degradação das condições de trabalho e a luta do proletariado para continuar sobrevivendo desse. Essas questões são retomadas ao longo dessa tese. Por hora, interessa destacar a importância desses deslocamentos realizados pelos trabalhadores, que em busca do trabalho promovem modificações no espaço geográfico. Essa tarefa, sem dúvida, é um desafio da análise geográfica e escapa a qualquer espacialidade pré-definida. Ainda segundo Thomaz Junior (2004, p. 14): Diante disso, o referencial que adotamos nos permite visualizar o desenho societal dos trabalhadores sem terra no Brasil, como produto de uma complexa trama de relações que envolve uma gama de trabalhadores e de movimentos sociais que se dedicam à luta de resistência, de ocupação de terra e pela Reforma Agrária, 98 tais como posseiros; atingidos por barragens; pequenos produtores desarticulados da estrutura oficial dos Sindicatos dos Trabalhadores Rurais (STRs); Sindicatos dos Empregados rurais (SERs); Sindicato dos Trabalhadores da Agricultura Familiar (SINTRAFs); seringueiros; índios; pescadores artesanais; Movimento Nacional de Mulheres Trabalhadoras Rurais (MNMTR), hoje Movimento das Mulheres Camponesas (MMC); Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA); Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST); Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST); Movimento de Libertação dos Sem Terra (MLST); Movimento de Luta pela Terra (MLT); etc. Cabe considerar, contudo, que tal controle sociometabólico do capital tem investido na desmobilização do poder dos sindicatos, associações e cooperativas. Essa realidade é verificável no Centro-Sul de Sergipe e Litoral Norte da Bahia em que o desemprego estrutural que garante um significativo exército de reserva latente tem levado os sindicatos muito mais a uma ação de intermediação entre o patrão e o empregado, como forma de manter o emprego, ainda que precarizado, dos que conseguem se manter no processo produtivo, em detrimento das lutas e enfrentamentos que outrora representou o papel dos sindicatos no país. Nos sindicatos de trabalhadores rurais, por exemplo, o que se observa é que esse acaba assumindo o papel de tanto estabelecer acordos entre os proprietários e trabalhadores como também oferecer parcos serviços de assistência médica e, às vezes, jurídica aos trabalhadores. Esses e outros problemas enfrentados pela classe trabalhadora nas áreas em estudo são apresentadas a seguir. 2.2 A contextualização dos Conflitos e das Contradições entre Capital versus Trabalho nos Laranjais Baianos e Sergipanos. As modificações no mundo do trabalho e seus reflexos nos diversos territórios motivaram a realização deste trabalho. Nesse propósito, procurou-se 99 analisar as mudanças sócio territoriais ocorridas no Centro-Sul de Sergipe, a partir do incremento de atividades voltadas à produção de laranja, o que se intensifica a partir da década de 1970, dada à chegada das indústrias processadoras de suco concentrado para a exportação que ocasiona profundas mudanças no processo produtivo apresentado até então com repercussões no espaço geográfico. Vê-se, portanto, o agravamento das relações entre o capital e o trabalho na região, que se manifesta nos diferentes lugares, entendido por Thomas Júnior (2002, p. 18) “não como lugar geométrico, mas como expressão das determinações e das características da dinâmica espacial do metabolismo societário vigente, diretamente ligadas às qualificações das práticas sociais”. O autor destaca a “construção social do espaço geográfico, como afirmação e possibilidade teórica de análise da sociedade, não se separa de sua concretude, ou de sua fisicidade”, demonstrando a geograficidade de estudos sobre a temática do trabalho e seus conflitos com o capital. Nesse entendimento, retoma-se a definição de Oliveira, Ariovaldo U. (1998 e 2001) sobre o território compreendido como produto concreto da luta travada historicamente entre classes antagônicas. Assim sendo, ao passo em que se verifica a expansão das relações capitalistas mediante a instalação de indústrias produtoras de suco concentrado e congelado a fim de se apropriar de uma infraestrutura disponibilizada pelo Estado, dos vultosos recursos disponibilizados via SUDENE ou mesmo da disponibilidade de terras para ampliar esse tipo de produção; igual e contraditoriamente verifica-se o processo de expulsão de grande parte dos camponeses, via valorização e titulação das terras, bem como a degradação das condições de trabalho assalariado no campo. 100 Essa população tanto expulsa quanto “dispensada” do campo vai encontrar nos espaços periféricos da cidade, quanto nas vilas rurais seus novos espaços de reprodução social. Por outro lado, as dificuldades de vender sua força de trabalho tornam-se concretas. Essa realidade pode ser verificada nas diversas entrevistas realizadas com camponeses que mesmo com muitas dificuldades permanecem na terra. Parte desses, como os que vivem nos municípios do Litoral Norte da Bahia, em destaque o município de Rio Real, já sofreram processos de expropriação impulsionados pela valorização das terras no Centro-Sul de Sergipe e migraram para o Estado da Bahia onde puderam adquirir pequenos pedaços de terra. Essa mobilidade foi bastante intensa nas décadas de 1970 e 1980 a faz com que alguns distritos baianos sejam considerados locais de reprodução de camponeses sergipanos, a exemplo do distrito de Loreto, em Rio Real. Com a expansão da produção da laranja para o Litoral Norte da Bahia, mediante intervenção do governo do estado da Bahia, observa-se um processo de expansão dos grupos empresariais e dos latifundiários do Centro-Sul de Sergipe em direção a essa região, com destaque para os municípios de Rio Real e Inhambupe, além de Itapecuru da Região Nordeste da Bahia. A valorização dessas terras é evidente e os camponeses tornam-se, cada vez mais, ameaçados de saírem de suas terras de trabalho. Por outro lado, as dificuldades concretas em que vivem esses camponeses acaba por fomentar processos de endividamento e perda das terras ou a manutenção nessas em condições muito precárias. Isso se agrava a partir da intervenção direta do estado, via órgãos públicos de pesquisa e extensão rural que passam a difundir os pacotes tecnológicos inacessíveis e realidade econômica dos 101 camponeses. Tal estratégia, voltada à lógica capitalista da produção e da produtividade para atender os interesses das indústrias que se instalaram na região acaba por funcionar como uma forma de endividamento do produtor direto, e muitas vezes a perda da terra. Esse processo se intensifica a partir da implantação do Programa de Revitalização da citricultura que traz no seu bojo a reestruturação da produção citrícola para atender as necessidades do agronegócio da laranja, beneficiando os industriais e os latifundiários da região – que dispõem das condições objetivas para implantar tais tecnologias. Por meio desse programa o estado ao mesmo tempo que atende os interesses da indústria – que busca resolver “a qualidade” dos frutos que compram, seleciona os produtores com melhores condições financeiras, intensificando o processo de proletarização ou endurecendo as condições de vida para aqueles mais pobres que se mantém no campo. Desse modo, o camponês que antes produzia suas próprias mudas agora se ver obrigado a pagar por essas, ficando, muitas vezes, fora do processo produtivo. Essa situação se agrava devido ao fato da maior parte dos laranjais já terem algum tempo (já que tratassem de produtores antigos, no geral com mais de 20 anos de atividade), assim muitos pés já não produzem, outros possuem baixa produção. Como ficam impedidos de replantar com mudas próprias, os agricultores acabam tendo um agravamento das suas condições de vida, no geral já tão difíceis. Esse quadro se generaliza nas entrevistas realizadas com camponeses nos diversos municípios do Centro-Sul de Sergipe e Litoral Norte da Bahia, em que os níveis de dificuldades e de pobreza das famílias são evidentes. Muitas dessas já não produzem e quando conseguem produzir ao vender a produção para a indústria, que se valendo da baixa qualidade dos frutos rebaixa o preço, não obtêm 102 nenhum retorno financeiro. Assim, acabam se tornando trabalhadores da indústria, sem sequer receber um salário. Algumas das dificuldades encontradas pelos camponeses para permanecerem na terra podem ser observadas no depoimento que se segue: A laranja a gente tá vendendo para outras pessoas né, porque não tá tendo nem condições de levar para a máquina. (...) tudo caro, tudo caro. Não tem como adubar não. Não dá não. O que se gasta para adubar (...) a gente já tira para comer. Tira para comer, quando vai querer adubar, não pode. Só tô adubando mesmo com o adubo do governo, quando vem. (...) agora eu tô desempregado. Trabalho na roça e vou ganhando por mês chega na faixa de 200 reais. (L. S. – Camponês, em entrevista realizada em outubro de 2008). Essa situação se agrava quando conversamos com os trabalhadores que não possuem a terra, posto que esses acabam sujeitos a quaisquer condições de trabalho, seja no campo ou nas cidades, nas indústrias, beneficiadora e outros serviços. Como possuem “baixa qualificação” recebem salários insignificantes. No trabalho no campo, por exemplo, recebem por caixas colhidas e por turma na colheita da laranja. Esse tipo de trabalho também pode ser destinado as mulheres e as crianças. Em pesquisa realizada em 2004, denunciamos o trabalho infantil nos laranjais baianos e sergipanos em que, apesar da fiscalização exercida pelo Ministério Público Federal e Ministério Público do Trabalho, é ainda burlada pelos proprietários fundiários da região, que mediante a baixa remuneração dessas crianças acabam criando possibilidades de se apropriar de maior renda da terra. Os trabalhadores da indústria não encontram melhor sorte. Através de observação direta nas indústrias observa-se uma quantidade reduzida de operários, e uma intensificação da tecnificação poupadora de mão de obra. A exceção de alguns postos de trabalho ditos “qualificados” que absorve um número insignificante 103 de trabalhadores, muitos que, inclusive vêem de fora da região, prevalece o trabalho precarizado e barato. De acordo com entrevista realizada no Sindicato dos Trabalhadores da Indústria, sua coordenação destaca que o desemprego das indústrias nos últimos anos é crescente, bem como a existência de mais de 2 mil trabalhadores que perderam seus empregos nessas. Relata que na Indústria Trop Fruit do Nordeste, por exemplo, tem-se 100 trabalhadores fixos (50% sindicalizados) e a Indústria Marata Sucos na faixa de 200 trabalhadores (90% sindicalizados); a AMBEV possui 350 trabalhadores (45% sindicalizados). Com relação a SUMO Industrial, destaca que seus trabalhadores não são sindicalizados. Relata que na Indústria Frutos Tropicais que fechou havia 1.200 empregos diretos. Além da saída dessas indústrias – que no geral se apropriaram de recursos públicos e ao terminar o prazo de isenção deixam a área ou faliram e ficaram em dívida com o estado. Por isso, o desemprego torna-se significativo e as dificuldades do Sindicato em mobilizar a categoria são concretas. A remuneração desses proletários é baixa, de acordo com o Sindicato o piso salarial é de 1,4 salário mínimo, com jornada de trabalho de 8 horas, tendo 1 hora para o descanso. Apesar de considerar esse piso salarial razoável, a direção sindical aponta que já foi de 1,5 do salário mínimo, sendo rebaixado pelas indústrias posteriormente. Além disso, o pagamento das horas extras não tem sido feito em sua totalidade ao trabalhador, que recebe apenas 50% dessas. De acordo com o sindicato das indústrias de suco essa foi à única forma que encontraram para que as indústrias não demitissem mais trabalhadores. Esses 50% total das horas extras é destinado ao operariado, sob a forma de salário, no período de 40 dias ao ano, 104 período em que a fábrica permanece fechada por não contar com produção suficiente para o processamento, atendendo, portanto, aos interesses das mesmas. Esse acordo é chamado banco de horas. A direção do sindicato das indústrias destaca ainda uma experiência nova que vem sendo desenvolvida na região que é a de uma indústria de produtos para sorvetes, em que não houve fixação do piso salarial porque os trabalhadores conseguiram participação nos lucros. Na prática muitas dessas experiências, em nível de Brasil, vêm sendo denunciadas tendo em vista que os proletários não têm, efetivamente, o controle das informações referentes ao lucro da empresa, muitas vezes ficando a mercê do patronato e sequer recebendo um direito seu que é o salário. Outra questão que merece destaque quanto ao trabalho desenvolvido nas indústrias da região, fato apontado pela direção do sindicato, é que a maioria dos trabalhadores da indústria é do sexo masculino, que operam os maquinários. As mulheres quando contratadas, em sua maioria, é para os trabalhos terceirizados, geralmente limpeza, que não possuem os mesmos direitos trabalhistas. Essa diferenciação das condições de trabalho entre homens e mulheres é uma realidade também no trabalho no campo, quanto para os trabalhos com carteira assinada prevalece o sexo masculino, voltados para plantio, aplicação de produtos, vaqueiros e outros e, no caso do emprego feminino, esse se faz nos períodos de colheita e limpeza, onde se paga pela produção. Assim, pode-se afirmar que mesmo diante das dificuldades vivenciadas pela classe trabalhadora em geral, nas regiões em estudo, essa realidade é muito mais cruel para o universo feminino dessa classe. Nesse contato com o sindicato das indústrias de suco cabe salientar que embora se verifique um processo de consciência de classe por parte de sua 105 direção, da consciência de que são explorados, vê-se que esses encontram-se engessados em suas ações presos as amarras do capital – representado pelas indústrias. A direção do sindicato, em entrevista realizada em junho de 2008, esclarece que tem tido muitas dificuldades em reunir os trabalhadores para as Assembléias. Apesar disso, tivemos a oportunidade de presenciar alguns desses encontros que podem ser visto na foto 17 a seguir. Na foto 18 pode-se observar a sede do SINDISA, localizado no município de Estância/SE. Além disso, destaca que a Subdelegacia do Trabalho de Estância fechou e que inexiste fiscalização do Ministério do Trabalho na região, fato que cria um clima de medo e descrédito nos trabalhadores, tendo em vista que as denúncias feitas nunca são, efetivamente, apuradas. Que quando se tem uma atuação no sentido de atender os interesses da classe trabalhadora essa se faz através da ação do Ministério Público Federal. Foto 17 – Assembléia do SINDISA. Fonte: Trabalho de Campo, jul. de 2008. Foto 18 – Sede do SINDISA/Estância/SE Fonte: Trabalho de Campo, out. de 2008. A direção do sindicato das indústrias de suco relembra das ações impulsionadas por esse sindicato até a década de 1990 quando o poder de mobilização da classe trabalhadora era muito maior. Retrata, por exemplo, a ocupação da fábrica da FRUTENE (que já fechou) para firmar contrato com o proprietário. Nesse episódio a fábrica foi fechada algumas horas, forçando a direção a assinar o acordo voltado para o atendimento de demandas trabalhistas. Vê-se, até 106 esse momento, que o poder de mobilização dos trabalhadores, uma vez que parou as máquinas que, por sua vez, acaba por afetando a possibilidade da margem de lucro do patrão, acabou forçando o mesmo a conceder “ganhos” aos trabalhadores. Essa realidade, segundo a direção sindical, é praticamente inviável de ser realidade hoje, devido à desmobilização da categoria, bem como a fragilidade do sindicato em atuar no enfrentamento aos patrões. Hoje não se faz mais isso, porque não tem mais força na categoria para mobilizar nem por uma hora, porque o desemprego é muito grande. A categoria tem medo. Na Frutos Tropicais, que tinham 1200 empregos faltava trabalhadores, hoje isso não existe mais. Há um quadro de demissão rotativo, mas eles alegam problemas (...). Na AMBEV, por exemplo, há uma grande quantidade de trabalhadores que pedem demissão, uma média de 30 trabalhadores/ano devido às condições de trabalho. O sindicato já denunciou. Eles perdem trabalhadores para a TropFruit, para fábricas de cimento, etc. (Entrevista com J. D. S – Direção do SINDISA, julho de 2008). Considerando-se o desemprego nas indústrias associando ao desemprego no campo e nas cidades da região, pode-se destacar a existência não apenas de um significativo exército de reserva, mais de uma superpopulação relativa que já não apresentam possibilidades concretas de se inserirem no mercado de trabalho, demonstrando os efeitos diretos, nessas regiões, do desemprego estrutural característica desse momento atual da crise do capital. Ao tratar desse assunto Marx (1984) aponta a superpopulação relativa, nos matizes possíveis, afirmando que ela possui formas: líquida, latente e estagnada. Demonstra que com a indústria moderna a superpopulação existe em forma fluente ou líquida. Afirma ainda que a produção capitalista se apodera da agricultura e que parte da população rural encontra-se, constantemente, na iminência para se transferir para o trabalho urbano. Esclarece que a superpopulação relativa estagnada constitui 107 parte do exército ativo e é composta por trabalhadores de ocupação irregular. Além disso, aborda a superpopulação relativa na esfera do pauperismo, abstraindo os ditos “vagabundos”, delinqüentes, prostitutas e o lumpem proletariado, esta última camada social constituindo três categorias: os aptos para o trabalho; os órfãos e crianças indigentes; os degradados, os maltrapilhos e os incapacitados para o trabalho. No caso das regiões em estudo, acrescenta-se o fato de que esse processo de transferência da população do campo em direção às cidades, embora não tenha promovido a expropriação completa dos camponeses, torna-se significativo nas últimas décadas, fato que promove um crescimento significativo da população urbana da maior parte dos municípios dessas regiões estudadas. Ocorre que tal processo não representou possibilidades concretas de melhoria para a classe trabalhadora, visto que apesar das cidades da região apresentarem um crescimento nas atividades comerciais essas não são suficientes para atender a demanda crescente dos que deixaram ou foram expulsos do campo. Nas indústrias a quantidade de empregos também é pequena, não representando alternativa para a grande maioria do conjunto dos trabalhadores. Assim, uma estratégia desenvolvida por parte dessa população é a mobilidade do trabalho. Essa, por sua vez, não impede a ampliação dos índices de pobreza e marginalidade que passa a atingir, sobremaneira, parte da classe trabalhadora. Além disso, a informalidade, a precarização, a subcontratação (haja vista determinados trabalhos nas fábricas, por exemplo) evidenciam a presença marcante desse momento de produção flexível do capital. Assim, consideramos a situação da classe trabalhadora hoje muito mais grave do que aquela apontada por Marx, em finais do século 19, tendo em vista que grande parte dessa, que forma a superpopulação 108 relativa, não tem nenhuma chance de se inserir no mercado de trabalho, ainda que precarizado. Essas condições se agravam nas regiões em estudo tendo em vista o controle privado da terra nas mãos de poucos latifundiários e empresas rurais que controlam parte significativa das terras agricultáveis dos municípios. Essa concentração fundiária, indicada pelo índice de Gini e demonstrada no capítulo 1 desta tese, acaba por impedir que essa superpopulação relativa possa ter na posse da terra uma possibilidade de se reproduzir socialmente. A exceção desse processo vem sendo implementada via movimentos de luta pela terra, que se multiplicam em acampamentos e assentamentos rurais nas regiões em estudo, assunto que trabalharemos no capítulo 4. Nesse caso, ocorre um enfrentamento concreto entre classes sociais antagônicas, que representam, concretamente, as próprias contradições embutidas na relação capital versus trabalho. Por meio do estudo do território, torna-se possível, assim, capturar tais contradições e sua materialidade concreta pode ser verificada nas áreas do Litoral Norte da Bahia e Centro-Sul de Sergipe. Ao analisar a aliança entre capital e latifundiários no Brasil, Martins (1994) afirma tratar-se de uma aliança do atraso. Ele destaca a captura do desenvolvimento pela ideologia do crescimento, e a luta por direitos tidos, mas não aplicados ou não reconhecidos nas relações reais. Desta forma “as constituições feitas para não serem cumpridas, as leis existentes para serem violadas, tudo em proveito de indivíduos e oligarquias são fenômeno corrente em toda história da América do Sul” (p. 137). Nota-se a expansão capitalista no campo e a incorporação de novas áreas pelo capital com o crescimento verificado na produção, bem como na área colhida dos municípios citrícolas de Sergipe e de municípios do Litoral Norte da Bahia. 109 Ampliação dos conflitos e forte participação dos movimentos sociais na tentativa de conter o movimento avassalador da implementação tecnológica, os ditames do processamento industrial e ao sabor (quase sempre amargo para o proletariado) do capital financeiro. Este novo processo de produção interfere diretamente na urbanização, na expansão do território de produção e no consumo. O processo de apropriação se acentua e o produtor é diretamente envolvido pela introdução de novas tecnologias. Assim, a remuneração do trabalho do produtor rural se dá via produto, segundo as conveniências da produção industrial e da rede de intermediação. Muitas são as denuncias das péssimas condições de vida e de trabalho a que estão submetidos os proletários rurais da região citrícola do Centro-Sul de Sergipe e Litoral Norte da Bahia, com destaque ao trabalho da mulher e infantil, mais intenso e amplamente explorado em ocasiões de colheita da laranja. Nesses tipos de trabalho, voltados, principalmente a colheita dos frutos, o Sindicato dos Trabalhadores Rurais destacam a não utilização dos equipamentos necessários, como luvas, por exemplo, o que acaba acarrretando problemas na vida desses trabalhadores. Um dos mais evidentes é a perda das impressões digitais favorecidas pelo contato direto das mãos com o ácido cítrico, que atinge diversas crianças. Assim, ao lado de todo processo de tecnificação da atividade citrícola, pode-se afirmar que o processo de expansão agrícola no campo “apresenta-se mostrando todas as contradições e caráter violento de modelos inadequados à realidade dos camponeses e trabalhadores rurais” (DINIZ DOS SANTOS, 2004, p. 260). Além disso, Diniz dos Santos (2004) denuncia a exploração do trabalho infantil, que ainda prevalece em algumas propriedades da região. Da mesma forma, o trabalho feminino é desqualificado e recebe menor remuneração. 110 Quanto ao trabalho de crianças em propriedades rurais da região, faz-se necessário observar que apesar da luta incessante travada por sindicalistas da região (em destaque Carlos Gato, que foi barbaramente assassinado) em prol da erradicação do trabalho infantil, os produtores rurais e atravessadores têm conseguido burlar a lei e continuam a explorar essa força de trabalho, com baixa remuneração e causando enormes prejuízos à saúde destas crianças. Os menores costumam apresentar problemas de vista, chegando até a cegueira, há também a perda das impressões digitais (por conta do acido cítrico), perda da infância, da possibilidade de freqüentar a escola, dentre outras questões. Em pesquisa realizada em 1994, na mesma região, verificou-se que, em 50% das propriedades entrevistadas, a mão-de-obra infantil era utilizada, já que não havia uma fiscalização efetiva como ocorre na atualidade (isto em função do trabalho de denúncia realizado pelo Sindicalista Carlos Gato, que ficou conhecido mundialmente). Entretanto, as famílias de produtores entrevistadas em 2002/03 vêem no trabalho dos filhos menores uma possibilidade de ganhar um pouco mais e, assim, melhorar as suas condições de vida. (DINIZ DOS SANTOS, 2004, p. 141). Por outro lado, apesar da atuação de Programas Federais para Erradicação do trabalho infantil (como o PETI e o Bolsa Família), constatou-se que muitos trabalhadores têm dificuldades para sobreviver sem a ajuda dos filhos (trabalhando na roça), já que o recurso pago pelos Programas atuantes é insuficiente para a subsistência das famílias. Assim, cabe uma distinção entre o trabalho infantil em propriedades de outros e o trabalho familiar que sempre fez parte da lógica de sobrevivência camponesa, inclusive com trabalhos desenvolvidos pelos filhos. Contudo, há que se pensar em garantias para que essas crianças não sejam fadigadas pelo trabalho, bem como tenham acesso a escola. 111 As condições de vida dos trabalhadores rurais nas regiões em estudo se agravam ao considerar-se que o pagamento do trabalho realizado pela maioria dos mesmos não tem sido de responsabilidade dos proprietários fundiários, mas dos chamados “gatos”, “donos de turmas”, ou “gerentes”, que compram a laranja no pé e providenciam os trabalhadores para colher. Assim, há uma precarização ainda maior das condições, com os proprietários isentos de qualquer responsabilidade trabalhista. Os trabalhadores também não são bem assistidos pelos “donos de turmas” e chegam a se arriscar, permitindo serem transportados diariamente em caminhões, sem a menor condição de segurança. Cabe relacionar este esquema perverso de exploração do trabalho ao elevado índice de desinformação dos trabalhadores rurais da região, refletindo a degradação das condições objetivas em que vivem, que muitas vezes não sabem se trabalham com carteira assinada ou não, conforme afirmou um dos trabalhadores entrevistados: “(...) não sei dizer, sou analfabeto, quando o dono traz papel eu assino” (A. S – Trabalhador Rural – Arauá, Julho de 2008). Ainda considerando a realidade dos trabalhadores entrevistados é visível que parte significativa desses é composta de camponeses que perderam à terra por ocasião da valorização das mesmas, ou ainda detém um pedaço de terra e, em determinados momentos do ano, se empregam nas propriedades rurais de outros a fim de garantir a sobrevivência da família. Assim, esses camponeses/proletários ou proletários /camponeses vão, nas dificuldades da vida, buscando garantir o trabalho, com condições cada vez mais precárias de existência. Alguns desses exemplos de camponeses que se proletarizaram podem ser observados nos depoimentos que se seguem: 112 As condições não dava, tinha 5 filhos, vim para trabalhar. A propriedade da minha mãe era pequena, não dava” (João Santos de Jesus – Agricultor em Boquim). E ainda outro declara que: “(...) Já tive roça, hoje não tenho mais. (...) Tô com problemas de vista, acho que é decorrente do veneno (agrotóxico), eu aplico há 14 anos. (...) Fiz exame de vista com meus esforços. (...) Aqui tem laranja e gado e o dono dá algumas tarefas para posseiros – eles fazem plantio. A troca é cuidar do laranjal. (...) No passado eu trabalhava com 30 a 40 pessoas, vários meninos. (...) Trabalho com veneno, as vezes com fome, quando eu morrer eles botam outro no lugar”. (A. dos Santos – Trabalhador Rural em Arauá). A partir de tais depoimentos dos trabalhadores expropriados nas regiões em estudo constata-se um agravamento dessa situação mediante as constantes crises a que ficam submetidos os camponeses que vivem do plantio da laranja, pois isso representa seu endividamento e a possibilidade da perda da terra, acrescendo o já significativo exército de reserva existente na região. Para aqueles que já encontram-se, totalmente, proletarizados, destaca-se ainda a degradação das condições de trabalho, principalmente para os que realizam trabalhos mais perigosos, como a pulverização. A grande maioria dos trabalhadores que desempenham tais funções não utiliza os equipamentos necessários, ocasionando-lhes sérios transtornos como: problemas de vista, enxaquecas, intoxicação e, até mesmo, cegueira. Em pesquisa realizada no ano de 2004, constatamos nas regiões do Litoral Norte da Bahia e Centro-Sul de Sergipe que 70% dos trabalhadores entrevistados não recebiam orientação técnica para utilizar produtos químicos. Alguns declararam receber orientação dos pais ou parentes, ou mesmo de outros trabalhadores que já aplicavam esses produtos há mais tempo. Nessa investigação, verificou-se, por parte dos trabalhadores, o estabelecimento de estratégias utilizadas para amenizar os efeitos nocivos dos produtos químicos utilizados nos laranjais, como o depoimento da trabalhadora rural Josefa dos 113 Santos, do município de Boquim, que declarou: “tomo leite e bombo contra o vento”. Entretanto, essa atitude não garante nenhuma segurança aos trabalhadores. A falta de fiscalização acaba por legitimar tais práticas e garante um elevado índice de intoxicação de trabalhadores por agrotóxico, conforme informações fornecidas pelos sindicatos. Essa situação se agrava ao considerar-se que no cultivo da laranja o uso de produtos químicos é intenso, mediante toda uma relação de dependência fundamentada na aliança entre indústrias produtoras e o Estado a fim de atender os interesses das primeiras e das indústrias de suco instaladas na região. Essa relação foi amplamente discutida por Oliveira, Vanessa D. (2007) em seu estudo sobre a inserção de tecnologias na produção da laranja no município de Lagarto, fundamentada na presença de indústrias produtoras de insumos químicos multinacionais como a Monsanto, por exemplo. Os trabalhadores e produtores entrevistados relatam que a utilização de tais produtos ocorre para evitar a proliferação da orthésia e do CVC. Os trabalhadores relatam ainda que as pulverizações são mais constantes no período mais quente, quando pode ocorrer uma proliferação de pragas e doenças de forma mais rápida. Há também os cuidados constantes com os pés novos, nos quais, segundo eles, a pulverização se faz necessária para permitir o crescimento. Sobre isso é preciso observar que “as necessidades” na utilização dos produtos químicos não se constitui algo natural, inevitável, mas faz parte de uma política que atende “as necessidades” do capital, não dos trabalhadores e pequenos camponeses que se mantêm na terra com dificuldades. Por outro lado, a negação a utilização de tais produtos, para os que ainda detêm a terra acaba por representar, muitas vezes, a impossibilidade de se manter no processo 114 produtivo. Essas contradições, por sua vez, têm representado dificuldades concretas para a classe proletária nas regiões em estudo. Apesar de parte significativa dos trabalhadores rurais e camponeses entrevistados serem sindicalizados, cerca de 70%, apenas a metade desses já participaram de alguma forma de mobilização em busca de seus direitos, em que as ações mais realizadas foram: manifestações junto às prefeituras locais, em busca de melhores condições de trabalho, salários melhores, combate ao desemprego e outros. Por outro lado, afirmam que pouco ou nada conseguiram, fato que cria nesses trabalhadores já tão fadigados pelo trabalho árduo um clima de descrédito que conduz a uma desmobilização da classe. Por conta disso, a vinculação dos trabalhadores aos Sindicatos se faz muito mais por causa do acesso aos serviços previdenciários (viabilização de aposentadoria e acesso a serviços de assistência médica e odontológica) do que a partir de uma conscientização de classe. Mutilados pelo trabalho a luta pela sobrevivência famigerada acaba se sobrepondo a uma possibilidade de luta coletiva, na condução da superação da situação existente. Vê-se, portanto, o enfraquecimento do papel do Sindicato, que ao invés de organizar os trabalhadores em busca de melhorias das condições de trabalho, acaba assumindo um caráter assistencialista, tomando para si funções que são de obrigação do Estado. A precarização do trabalho se agrava nessas regiões em função do aumento considerável de trabalhadores volantes ou bóias-frias nos períodos de colheita, que são levados as propriedades pelos donos dos caminhões ou donos de turmas. Em algumas propriedades, esse número chega a 30, 40 trabalhadores, a depender da safra. Já nas propriedades menores, camponesas, 115 o que prevalece é o trabalho familiar ou, em alguns períodos, contrata-se de um a dois trabalhadores para ajudar na colheita. Quanto ao preço pago pela diária, apesar de os trabalhadores declararem receber R$ 20,00 por dia, e o equivalente a R$ 100,00 por semana, constataram-se casos de alguns que recebem uma remuneração inferior entre R$ 15,00 a 18,00 por dia. No que se refere à remuneração dos trabalhadores sazonais, destaca-se o fato dessa ocorrer por produção, por caixa de laranja colhida – que fica em torno de 0,60 a 0,80 centavos por caixa. No geral essa remuneração é muito baixa ao final do dia. Além disso, a remuneração conseguida altera muito durante o ano, em que nos períodos de safra o trabalhador pode chegar a receber um pouco mais, mas no período de menor produção tem uma quantidade estipulada para colher, dada pelo empreiteiro, ficando com uma remuneração bem abaixo das suas necessidades. Nesses dias, de acordo com alguns dos trabalhadores entrevistados, a remuneração pode chegar a R$5,00 ou até menos. Assim, a situação precária do trabalhador rural se agrava em períodos de entressafras, quando eles passam vários meses sem conseguir trabalhar, pois os “gatos” não levam todos os trabalhadores, escolhem alguns e estipulam a quantidade que esses podem colher26. Verifica-se, portanto, um aumento significante de um exército de reserva de trabalhadores que se submete a qualquer esquema perverso de exploração e remuneração a fim de garantir sua precária subsistência. Considerando essa questão em estudo realizado no Sudoeste da Bahia Souza, S. T. (2008, p. 304) acrescenta que: 26 Em uma espécie de seleção, onde os mais “fortes” e “aptos” para garantir um trabalho mais “eficiente” são escolhidos. Esse processo vem ocorrendo em várias regiões do país, a exemplo do monocultivo da cana-de-açúcar em Minas Gerais, em que os trabalhadores mais “produtivos” são colocados como exemplo para os demais trabalhadores que devem alcançar a mesma quantidade de toneladas no corte da cana. Essas condições aviltantes de trabalho são denunciadas por Maria Aparecida Morais Silva, no livro Errantes do Fim do Século. 116 (...) o discurso da “mão-de-obra” pouco qualificada, aliado a um exército de reserva crescente, provoca o rebaixamento da remuneração paga, além do aumento da carga horária de trabalho, levando os latifundiários e as empresas a garantirem consideráveis fatias de renda e lucro. Assim, o que chamam de “evolução tecnológica” ao invés de produzir tão destacado “desenvolvimento” encontra ecos na precarização do trabalho, quando estas relações não chegam à semi-escravidão e a escravidão. Exemplos de flagrantes de trabalho escravos nos grotões do agronegócio brasileiro não faltam – na cana, na produção de gado, na soja, etc. O desempregado se generaliza nas regiões em estudo e corresponde a realidade de muitos trabalhadores, e mesmo daqueles que só conseguem trabalho em determinados períodos do ano, com destaque para funções precarizadas em que não se tem garantia dos direitos trabalhistas mínimos. Esses trabalham na colheita, outros na enxertia (durante o verão), dentre outras atividades. Já os poucos entrevistados que trabalham nas propriedades, recebem uma média de R$ 100 por semana. No que se refere à jornada diária de trabalho, ela pode variar bastante, pois alguns trabalham como fixos, outros como diaristas e alguns também por produção (ou seja, por caixa de laranja colhida). Assim, neste último caso, sobretudo em período de colheitas, os trabalhadores chegam a trabalhar 10, 12 horas por dia e até mais. Quanto aos diaristas e trabalhadores fixos a média é de 8 a 9 horas de trabalho diário, de acordo com as informações prestadas durante as entrevistas. Por conta da intensa precarização do trabalho agrícola, parte significativa dos trabalhadores entrevistados (cerca de 70%) e mesmo camponeses que mantém pequenos pedaços de terra afirmam buscar em outras atividades uma complementação da renda, a fim de assegurar a subsistência familiar. Assim, eles desempenham funções de tratoristas, pulverizadores, 117 limpadores de outras roças, criadores de animais de pequeno porte (principalmente galinhas), estudantes, carregadores de caminhões, coletores de madeira e esterco; além de ajudantes de pedreiro (em cidades e povoados próximos), vendedores de animais e produtos agrícolas. Entre os filhos dos camponeses e trabalhadores a busca de trabalhos nas cidades acaba levando a mobilidade intensa desses jovens que trabalham nos serviços domésticos, ajudantes de pedreiro, dentre outros serviços que por não necessitar de maior qualificação se reverte em uma baixa remuneração para esses trabalhadores. Ao se considerar tal questão, não se está aqui defendendo que as atividades agrícolas perderam importância ou que o emprego no campo tem sido viabilizado por meio de atividades não-agrícolas, como preconizam os teóricos do Novo Rural27. Para nós, mais que isso a luta pelo trabalho, seja no campo ou nas cidades, vem a representar as dificuldades concretas para a sobrevivência da classe trabalhadora, que muitas vezes têm que desempenhar dupla ou tripla jornada de trabalho para garantir a sobrevivência. Portanto, representa novas investidas do capital sobre o trabalho e formas crescente de extrair desses maistrabalho com menor remuneração. Quanto ao estabelecimento de atividades pluriativas no meio rural, cabe destacar que conforme apontam diversos teóricos sobre o campesinato como Teodor Shanin (1980), Henri Mendras (1980), Ariovaldo Oliveira (2001) e Larissa Bombardi (2004) o campesinato, ao longo de sua trajetória histórica, sempre desenvolveu atividades pluriativas, mas essa se faz como uma estratégia de reprodução dessa classe. Isso não significa dizer que a terra perde a importância, muito pelo contrário, essa continua sendo 27 A exemplo da José Graziano da Silva e na Bahia o economista Vítor de Athayde. 118 central, como forma de manutenção da família, por meio do trabalho. Sobre isso, Souza, S. T. (2008, p. 304) arremata que: Com isso, se de um lado o discurso da pluriatividade aponta para uma maior disponibilidade de tempo do agricultor para realizar atividades não agrícolas, para nós, mas parece um aumento da precarização do trabalho, aliada a realização de jornada dupla de trabalho, o que permite concluir que agora o trabalhador rural não mais consegue se reproduzir socialmente apenas com o trabalho agropecuário (frente ao rebaixamento dos salários, maior exploração, etc.) sendo obrigado ainda (ou seus filhos e outros membros da família) a realizar dupla jornada de trabalho em atividades não agrícolas. Portanto, para além de representar uma nova opção para o trabalhador, representa, exatamente, o contrário – novas formas de sujeição a que os trabalhadores estão expostos. Nessa leitura o trabalho, condição fundamental de reprodução social do operariado, passa a ser visto como “ocupação”, dando indicativos para se justificar a precarização das relações de trabalho realizadas no campo. Quanto aos acidentes de trabalho, foram relatados pelos trabalhadores entrevistados alguns problemas devido ao uso indiscriminado de produtos químicos (agrotóxicos) provocando intoxições, hipertensão, alergia, ploblemas de vista, dentre outros. O manuseio de equipamentos como a grade, facão ou machado e tratores (no caso dos tratoristas) também são constantes motivos de incidentes relatados pelos trabalhadores. Também detectamos casos de trabalhadores que se acidentaram ao se deslocar para as propriedades em caminhões superlotados e sem nenhuma segurança, lembrando que o transporte é feito pelos gatos, donos de turma, conforme já destacado anteriormente. No referente às providências tomadas, todos dizem terem sido socorridos pelos patrões, gerentes ou donos de turmas e levados a postos médicos e hospitais, onde foram atendidos. Tais atitudes, entretanto: 119 (...) não minimizam os riscos constantes a que estão expostos os trabalhadores rurais da região, e não isentam os atravessadores, alguns proprietários e, sobremaneira, o Estado, na garantia das condições mínimas de segurança e dignidade que devem ser asseguradas a qualquer ser humano (DINIZ DOS SANTOS, 2004, p. 143). Sujeitados a todos esses obstáculos: baixa remuneração, incerteza no trabalho, risco nos transportes e até nas propriedades, periodicidade da safra, cuidados no cultivo e tratos culturais, problemas causados pelo uso de agrotóxicos, os sujeitos – proletários rurais almejam algumas melhorias para as suas condições de vida e de suas famílias, principalmente: melhorias salariais, concretização do sonho da aposentadoria, do desejo de comprar um carro e se tornar dono de turma, do anseio de ter um pedaço de terra para produzir; Ele também deseja trabalhar para si próprio, arrumar emprego para si e para os parentes, formar-se e buscar melhor situação na vida. Octávio Ianni (1984) afirma que à medida que se desenvolvem as forças produtivas e as relações de produção, tanto se forma ou expande a grande empresa como se desenvolvem as classes sociais. Desenvolvem-se – econômica e politicamente – tanto a burguesia de base agrária (com ou sem vínculos na cidade) como o proletariado rural. As classes sociais e a empresa capitalista passaram a ser elementos essenciais da sociedade agrária. É claro que de modo variável, conforme a área, o Estado ou a região do país. Em um mesmo Estado encontramse freqüentemente desenvolvimentos desiguais desses elementos. Esse processo de proletarização é evidente nas regiões do Centro-Sul de Sergipe e Litoral Norte da Bahia e se processa, de forma mais efetiva, a partir da década de 1970. Mesmo com o deslocamento de camponeses do Centro-Sul de 120 Sergipe para o Litoral Norte da Bahia pode-se dizer que esse não impede o processo de proletarização e a mobilidade do campo em direção as cidades. No entanto, diferente das “promessas da modernidade” que parte das análises sobre o urbano aponta, na realidade os trabalhadores das regiões em estudo não “tiveram essa opção”, na medida em que foram expulsos do campo pela redução dos postos de trabalho ou por que perderam suas terras de trabalho. Por outro lado, as difíceis condições de vida encontradas por grande parte desses trabalhadores na cidade, pode ser considerada o embrião da luta pela terra nesses locais, fato que se consolida, de modo mais concreto, a partir da década de 1990. Os proletários, por seu turno, seguem sua luta incessante pelo trabalho, em que algumas expressões concretas desse processo nas regiões do Centro-Sul de Sergipe e Litoral Norte da Bahia podem ser visualizadas nas fotos 19 e 20 a seguir. Foto 19 e 20 – Colhedores de laranja em transporte irregular. Boquim/SE. Fonte: Trabalho de Campo, jul. de 2008. Um dos graves problemas verificados nas áreas estudadas é o transporte irregular de proletários rurais que estão, constantemente, sujeitos a danos à saúde e até mesmo acidentes no trânsito. Inexiste uma fiscalização mais efetiva nesse 121 sentido, fazendo com que essas práticas criminosas se perpetuem. Nas fotos acima, por exemplo, os proletários rurais são transportados em cima da carga de laranja, sem nenhuma segurança. São esses que, com o suor de seu trabalho produzem a riqueza dos laranjais baianos e sergipanos, e conforme já apontado por Marx (2004), quanto mais produzem a riqueza mais pobres ficam, quanto mais trabalham, mais alienados se tornam. Essa é uma realidade no país e nos locais de pesquisa. Por outro lado, não podemos perder de vista, conforme destacado por Thomaz Junior (2004) que o trabalho é a base fundante “do autodesenvolvimento da vida material e espiritual” (p. 21). Assim sendo, a luta pelo trabalho representa a própria luta pela existência, em que, ainda que mutilados os trabalhadores não podem abrir mão de almejar. Nas regiões do Litoral Norte da Bahia e Centro-Sul de Sergipe essa luta pelo trabalho pode ser observada por meio de diversas alternativas buscadas pela classe trabalhadora, que muitas vezes cria formas “periféricas” de se integrar a “rede” de produção da laranja, seja montando pequenos comércios nas beiras da estrada a fim de negociar a laranja para o consumo in natura, seja carregando os caminhões que escoa a produção ou comercializado a laranja e outros produtos nas feiras da região, dentre outras expressões. Para aqueles que não possuem a terra, uma das formas de sobreviver por meio do trabalho tem sido a ocupação das áreas públicas localizadas nas margens das estradas, onde praticam uma agricultura tipicamente camponesa voltada a subsistência da família. Não pode desconsiderar que essa “alternativa”, na realidade representa o processo de expropriação da terra de grande parte dos trabalhadores e camponeses da região, bem como o controle privado sobre as mesmas, em sua maioria nas mãos das classes dominantes no campo. As fotos 21, 122 22, 23 e 24 demonstram algumas das formas de trabalho buscadas pelos trabalhadores da região. Foto 21 e 22 – Barracas nas margens da BR 101 Fonte: Trabalho de Campo, Nov. de 2008 Foto 23 e 24 – Produção de cultivos de subsistência nas margens da BR 101 Fonte: Trabalho de Campo, Jun. de 2008. É importante ressaltar que a comercialização da laranja in natura, principalmente a verificada em barracas nas margens das estradas, muitas vezes, acaba por representar uma alternativa frente à sujeição às indústrias, cujos preços pagos são bem mais abaixo do que para o consumo in natura. Além disso, o proletariado busca se inserir, precariamente, nas mais diversas atividades vinculadas à produção de laranja desenvolvendo funções de carregadores, colhedores ou por meio de trabalho esporádico ou não nas 123 beneficiadoras e fábricas de refrigerantes existentes na região. Essas indústrias se valem da infraestrutura já montada para a produção desse cultivar e se aproveitam, a baixo custo, da laranja que é rejeitada para o comércio in natura. A dura realidade vivida por parte significativa dos trabalhadores nas regiões do Litoral Norte da Bahia e Centro-Sul de Sergipe pode ser observada no depoimento do trabalhador E. S. de 30 anos que trabalha como carregador há 20 anos em beneficiadoras no município de Umbaúba/SE, cuja jornada de trabalho se estende das 6:30 – 7h da manhã até às 21-22h. Trabalha na empreitada, recebendo R$ 10,00 para cada tonelada de laranja descarregada, e se diz um aventureiro (já que vive, constantemente, na luta pelo trabalho). Não é sindicalizado e não possui nenhum direito trabalhista. Apesar disso, destaca o desejo de se sindicalizar, pois para ele o sindicato pode criar as condições para que receba um salário, bem como de atuar em casos de acidentes de trabalho. Já sofreu acidente de trabalho e não foi assistido e destaca que muitos trabalhadores perdem a vida em cima dos caminhões, fato que se agrava pela deficiente ou inexistência de fiscalização. Declara que o que ganha “dá apenas para garantir o pão de cada dia”. Para conseguir esses serviços, os trabalhadores ficam, geralmente, nas portas das beneficiadoras, até aparecer os caminhões de compradores. Outros já dispõem de contato com estes últimos e realizam o trabalho mediante preço combinado. Também é muito comum encontrá-los nos postos de gasolina. O carregamento é uma atividade bastante incerta, em que os trabalhadores passam boa parte do ano sem conseguir nenhuma remuneração. (DINIZ DOS SANTOS, 2004). Além disso, destaca-se a grande quantidade de força física gasta pelo trabalhador e o excesso de peso que repercute em problemas de saúde no futuro. 124 As Fotos 25 e 26 destacam trabalhadores em atividade em beneficiadoras da região. Foto 25– Carregadores em /Rio Real-BA. Foto 26 – Trabalhadores após descarregar caminhão. Fonte: Trabalho de Campo, Dez. de 2003. Fonte: Trabalho de Campo, Nov. de 2008. Nas funções de gerente, encarregados de embalagens ou mesmo alguns carregadores, os trabalhadores entrevistados declaram possuir carteira assinada e parte dos direitos trabalhistas. A remuneração varia de um salário mínimo (R$ 415,00) a R$ 600,00 quando fazem hora-extra. No geral apontam o salário como sendo baixo frente às dificuldades para a manutenção da família. Constatou-se, nessas entrevistas realizadas entre os anos de 2008 e 2009 uma significativa mobilidade do trabalho, tendo em vista que alguns trabalhadores já desempenharam vários tipos de trabalho no campo e nas cidades, desde agricultores e trabalhos em supermercados, postos de combustível nas várias cidades da região e até mesmo deslocamento maiores já realizados para o Estado de São Paulo, verificando-se trabalhadores que já chegaram a se deslocar mais de 5 vezes para esse estado. Demonstrando essas contradições entre capital versus trabalho, entre a produção da riqueza e da pobreza, um dos trabalhadores entrevistados destaca que 125 Boquim é conhecida como “a terra da laranja”, “o que dá a impressão que esse município é rico, no entanto há um empobrecimento da população.” A partir dessa afirmação, pode-se acrescentar que tal realidade não foge à regra do cenário encontrado nas outras áreas agrícolas do país, em que os industriais e latifundiários conseguem acumular, com todas as facilidades, e atrair a grande parcela da produção regional, em contraponto com a realidade dos trabalhadores e camponeses que passam dificuldades. Os trabalhadores entrevistados denunciam ainda que os mediadores entre patrão e empregado, que são os atravessadores (também conhecidos na região como gatos) vêm lucrando bastante no processo produtivo, se apropriando de parte do produto do trabalho gerado pelos que labutam sem grandes esforços. Esses atravessadores – donos de turmas – são responsáveis por reunir os trabalhadores, providenciar o transporte (geralmente caminhões) e levá-los até a propriedade. São eles que se responsabilizam em coordenar os trabalhos na colheita. Nesse processo, constantemente, conseguem desviar da fiscalização – exercida pelo Ministério do Público e da Polícia Rodoviária Federal. O papel exercido por esses atravessadores poupa os proprietários fundiários e os empresários do meio rural de assumirem os encargos trabalhistas, adequado-se à lógica do trabalho flexibilizado, precarizado – característica do processo de reestruturação produtiva que se mundializa e também ganha contornos nas áreas pesquisadas. Para o proletariado, a precarização significa que esse tem que trabalhar mais a fim de que parte do seu trabalho possa tanto sustentar as classes proprietárias no campo quanto os atravessadores. Ao relatarem as condições de trabalho nesses locais os proletários rurais entrevistados afirmam não contar com alojamento ou local para cozinhar e realizar 126 as necessidades fisiológicas. Geralmente dormem em galpões, garagens ou acampamentos improvisados. Cozinham em latas o que levam, sem as mínimas condições de higiene. Alguns conseguem colher mais, outros menos, a depender da agilidade na colheita e da disponibilidade do produto. Chegam a conseguir, no máximo (nas épocas de safra), de R$ 40,00 a 50,00 por dia. Entretanto, nos períodos de crise não conseguem nem R$ 15,00. Pinto (1996) ao analisar o trabalho temporário na citricultura no CentroSul de Sergipe esclarece que a citricultura Sergipana está associada do processo de mundialização da economia, na qual os espaços agrários são incorporados pelo capital e, portanto, passam a ser explicados tanto no lugar em si, como decorrente de relações comerciais estabelecidas a quilômetros de distância, acirrando os conflitos entre capital versus trabalho. Para isso, fundamenta-se nas categorias de análise da Geografia, com ênfase no espaço, território, paisagem e lugar e a partir de então, busca aplicá-los na lógica de desenvolvimento capitalista, de forma desigual e combinada, se faz presente no Centro-Sul de Sergipe desde a incrementação da citricultura, enquanto atividade econômica principal na região. Assim, baseando-se em Santos (1994) destaca que: (...) a racionalidade capitalista tomou um maior impulso a partir da 2ª Guerra Mundial, com grande desenvolvimento da ciência e da tecnologia e sua aplicação no campo da produção. Esse desenvolvimento, dá-se tutelado pelo Estado que cria condições necessárias para a atuação das grandes corporações multinacionais de capital monopolista, que acirraram a luta por mão-de-obra, matéria-prima e mercado consumidor, subordinando as mais longínquas parcelas do espaço, através da criação de formas geográfica artificiais. Esse processo culminou com a mundialização das relações de produção, na tentativa de unificar a natureza e transformando o lugar no lócus de interesses 127 mundiais e locais. Acrescenta-se a isso o fato desses “trabalhadores temporários”, serem totalmente previsíveis ao processo de acumulação capitalista, já que tratamse de trabalhadores constantemente disponíveis ao trabalho. Esses, na realidade, ainda que considerados esporádicos, não desempenham um serviço temporário, portanto sem continuidade, quando estão constantemente submetidos à lógica da exploração. Essa “flexibilidade” e degradação das condições de trabalho impulsionada pelo trabalho eventual tem sido amplamente criticado pelo Ministério Público do Trabalho de São Paulo e pelo Ministério Público Federal, na sentença para Cooperativas Rurais Fraudulentas. (...) a terceirização da colheita de laranja pela primeira requerida é ilegal, como também é ilegal a atuação das cooperativas requeridas na alocação de mão-de-obra para a colheita de laranja, denunciando, outrossim, os elementos de convicção destes autos, que as demandadas e os produtores rurais de laranja agem em conluio, objetivando fraudar direitos assegurados constitucionalmente aos trabalhadores rurais. Conforme pode-se verificar as investidas do capital sobre o trabalho são evidentes no Centro-Sul de Sergipe e Litoral Norte da Bahia e representa uma luta constante da classe proletária não apenas para se manter no processo produtivo, no trabalho explorado, na alienação, como também no sentido de buscar melhorias em suas condições de vida. O processo de “modernização” do território, representado pela expansão do monocultivo da laranja apresenta-se permeado de contradições, uma vez que propiciou o controle das terras, em sua maioria, nas mãos dos proprietários fundiários que vivem da renda da terra como também dos grupos empresarias que contando com recursos públicos passam a se instalar nessas regiões, valorizando e concentrando a terra e, por sua vez, promovendo o processo de expulsão de grande parte dos camponeses que viviam da agricultura 128 de sequeiro, desenvolvendo cultivos voltados a reprodução das famílias, a proletarização e a precarização das condições de trabalho. Instalando, a ordem capitalista. Por outro lado, pensando o território enquanto expressão material das contradições existentes entre as classes sociais antagônicas, considera-se que ainda que tenha ocorrido uma expansão das relações capitalistas de produção essas não destroem por completo, até porque se apropriam, a produção camponesa. Além disso, a expropriação promovida pelo capital e o crescimento significativo de uma superpopulação relativa recria as possibilidades de enfrentamento contra essa “lógica dominante” em que a luta pela terra via movimentos sociais podem ser considerada. Assim sendo, contrariando a lógica do capital que busca negar o trabalho, esse se reafirma enquanto condição ontológica do homem, enquanto sobrevivência para milhares de trabalhadores. Assim, a agricultura nos estados de Sergipe e da Bahia, não só viveu um período de expansão de área, como também passou por um profundo processo de mudança, tanto na forma de utilização do solo, como na base técnica da produção e nas relações sociais de trabalho. 2.3 O processo de reprodução camponesa nas contradições do capital Ao analisar a realidade verificada nas regiões do Centro-Sul de Sergipe e Litoral Norte da Bahia há que se considerar que o capital avança no campo tanto promovendo o processo de proletarização, expropriando os trabalhadores e transformando-os em força de trabalho disponível ao assalariamento, quanto reproduz e busca se apropriar do produto do trabalho gerado nas unidades de 129 produção familiar, aqui consideradas camponesas. Nesse sentido, concordamos com Thomaz Junior quando esclarece a necessidade de se refletir sobre a classe trabalhadora hoje, e no Brasil, quando essa não se restringe ao operariado fabril mas a esses, trabalhadores terciários, camponeses, indígenas, seringueiros, etc. Desse modo, retoma-se os estudos realizados por Luxemburgo (1985) quando aponta que em seu desenvolvimento o capital promove a proletarização, ampliando as relações capitalistas de produção (assalariadas) sem contudo destruir as relações não-capitalistas de produção, mas buscando dessas relações se apropriar. No âmbito do próprio marxismo, verificam-se significativos embates teóricos sobre esse processo. De um lado a leitura de Lênin que em O desenvolvimento do Capitalismo na Rússia, publicado no ano de 1899, apontava que devido à expansão capitalista verificada naquele momento histórico existia uma tendência a proletarização, tão logo a divisão da sociedade em duas classes sociais: capitalistas – donos dos meios de produção e trabalhadores – donos de sua força de trabalho. Alguns anos depois, Rosa Luxemburgo, em A acumulação do Capital, considera que o capital tanto promove o processo de proletarização como reproduz as relações não capitalistas de produção. Esse pensamento passa a influenciar pensadores do mundo inteiro e se referenda na existência de uma ampla população camponesa em vários países. Na América Latina, por exemplo, essa é uma realidade concreta. São seguidores da matriz de pensamento elaborada por Luxemburgo o russo Teodor Shanin, o francês Henri Mendras e no Brasil destacam-se José de Souza Martins e na Geografia Ariovaldo Umbelino da Oliveira, que tem publicado diversas pesquisas sobre o assunto. Esses autores consideram que o processo de reprodução camponesa e a luta historicamente desses para permanecerem na 130 terra, bem como para entrarem na terra por via da atuação nos movimentos sociais faz desses uma classe social. Outros autores buscam a partir da realidade da reprodução camponesa e de outras formas de luta pelo trabalho ampliar o conceito de classe trabalhadora, considerando os camponeses como parte dessa classe. Essa é a leitura realizada na Geografia, por exemplo, por Thomaz Junior. Nesse sentido, pode-se concluir que nas relações capitalistas a mediação entre proletários e capitalistas se dá pela venda/compra da força de trabalho; já nas relações ditas não Capitalistas esta ocorre pela renda da terra. Entretanto, conforme destaca Oliveira (1986) o limite entre essas relações não podem ser tratadas de forma simplista, já que as relações ditas não capitalistas, na verdade, seriam “(...) apenas aparentemente não capitalista, mas que na essência de fato é capitalista”. (p.66). Assim, concordamos com o autor, na medida em que entendemos que tanto as relações capitalistas de produção, quanto àquelas ditas como não capitalistas, estão no bojo do processo de consolidação e expansão do modo capitalista de produção no campo, com profundos reflexos no trabalho. Octávio Guilherme Velho (1979) apresenta a expropriação dos pequenos agricultores, no caso do capitalismo autoritário, e afirma que os mesmos não são destruídos pelo desenvolvimento capitalista (a não ser em parte), mas são mantidos sob uma forma subordinada de produção e acumulação primitiva. Para ele, o Estado foi forçado, nos países com esta característica, a assumir o comando de um processo de modernização e transformação da sociedade a fim de não submergir. Ariovaldo Umbelino de Oliveira demonstra as contradições no campo brasileiro (2001, p.11) destacando que: Se, de um lado, o capitalismo avançou em termos gerais por todo território brasileiro, estabelecendo relações de produção especificamente capitalistas, promovendo a expropriação total do trabalhador brasileiro no campo, colocando-o nu, ou seja, 131 desprovido de todos os meios de produção; de outro, as relações de produção não capitalistas, como o trabalho familiar praticado pelo pequeno lavrador camponês, também avançaram mais. Essa contradição tem nos colocado frente a situações em que a fusão entre a pessoa do proprietário da terra e a do capitalista; e também frente à subordinação da produção camponesa, pelo capital, que sujeita e expropria a renda da terra. E, mais que isso, expropria praticamente todo excedente produzido, reduzindo o rendimento do camponês ao mínimo necessário a sua reprodução física. A persistência da pequena produção, com o desenvolvimento capitalista na agricultura, aparece de forma clara na interpretação da articulação no modo de produção capitalista (FAURE, 1978) ou da possibilidade de coexistir nas diversas formas de organização da produção, como mecanismos utilizados basicamente à reprodução. Explica-se a persistência da pequena produção (familiar) mercantil pela especificidade das relações de produção da unidade familiar, pelos mecanismos de subordinação que se reproduzem segundo a lógica da própria reprodução do capital e das relações sociais em seu conjunto. Isto é demonstrado por Martins (1998, p. 21) quando afirma que: A produção capitalista de relações não capitalistas de produção expressa não apenas uma forma de reprodução ampliada do capital, mas também a reprodução ampliada das contradições do capitalismo – o movimento contraditório não só de subordinação de relações pré-capitalistas, mas também de criação de relações antagônicas e subordinadas não capitalistas. Aqui, busca-se um esforço teórico no sentido de verificar a ação integradora dos pequenos agricultores de laranja à indústria de suco e as novas formas de gestão e controle do trabalho, dada expansão do trabalho terceirizado, subcontratado e hifenizado que passa a caracterizar também a região em estudo. A partir daí, enfatizamos o processo da dominação do capital através do entendimento das relações sociais subjacentes a unidade familiar e dos mecanismos de 132 integração à produção social, destacando os elementos externos que atuam ao nível da organização e da transformação do processo imediato de produção. Nesse momento assiste-se uma tendência do camponês transformar-se em trabalhador assalariado, como também de criar formas de permanência na terra enquanto lócus da reprodução da vida; ou através da organização da luta pela terra por meio dos movimentos sociais. Acentuando a heterogeneidade das formas de organização da produção como um dos mecanismos fundamentais à reprodução do capital, Amin e Vergopoulos (1978) e Faure (1978) destacaram a permanência e a capacidade de adaptação dos pequenos agricultores, que foram definidos como trabalhadores a domicílio ou trabalhadores para o capital, a partir das novas formas de subordinação do trabalho ao capital. Por outro lado não se pode negar que mesmo subordinados ao capital o camponês salvaguarda características fundamentais que o difere do trabalhador expropriado, assalariado. No geral esses detêm pequenas frações de terra e controlam parte dos instrumentos de produção que utilizam. Apesar disso, não se trata de considerá-lo como um sujeito autônomo, independente das contradições do capital. Assim, conforme aponta Marques (2002) o capital o subordina, mas não o organiza. Desse modo, busca-se compreender o processo de reprodução camponesa no Centro-Sul de Sergipe e Litoral Norte da Bahia e quais as formas que esses, ao mesmo tempo em que se subordinam ao capital, buscam desenvolver para se manterem no campo e com isso não se proletarizar por completo. Consideramos que o processo de reprodução do campesinato nas regiões em estudo ocorre tanto na permanência de centenas de famílias camponesas na terra de trabalho, conforme pode-se verificar nos vários municípios 133 e comunidades rurais visitadas, através da relação de meia, em que aqueles que perderam suas terras se sujeitam praticando relações não capitalistas de produção (com base na renda em produtos, em espécie ou em dinheiro) e por meio da luta pela terra que adquire uma dimensão mais ampla a partir da década de 1990 em diante devido ao grande contingente de trabalhadores empobrecidos existentes no campo e nas periferias da cidade sem trabalho, portanto, sem ter as condições para garantir a reprodução social. Assim, trata-se de compreender que a reprodução camponesa nas regiões em estudo tanto se faz por meio da permanência na terra quanto por conta da resistência através dos movimentos sociais de luta pela terra, em que o conflito entre classes antagônicas no campo se evidencia. Nesse momento da pesquisa, trataremos de demonstrar que apesar da expansão capitalista no campo verificada nas áreas do Centro-Sul de Sergipe, a partir da década de 1960 e posteriormente Litoral Norte da Bahia da década de 1980 em diante, esse não destrói, por completo, a unidade de produção camponesa. Considera-se que apesar do processo de valorização das terras e apropriação de grande parte dessas por grupos capitalistas ou mesmo da incorporação de terras não contínuas por grupos latifundiários da região e de fora prevaleceu, no tempo e no espaço, prevalece uma significativa quantidade de pequenas propriedades, que não ultrapassam 50 hectares e até mesmo unidades muita pequenas, denominadas minifúndios originárias, muitas vezes, da fragmentação da terra de família. Os dados referentes à estrutura fundiária de municípios do Litoral Norte que vivenciaram nas últimas décadas a expansão do cultivo da laranja, bem como do município de Itapicuru, localizado no Nordeste da Bahia, mas próximo do Litoral 134 Norte, atestam essa realidade contraditória presente no campo brasileiro. Esses podem ser observados nas tabelas 08 e 09 que se seguem. Tabela 08 – Evolução do índice de Gini e da Estrutura Fundiária em municípios do Litoral Norte e do município de Itapicuru/BA, 1920-1995/6. Municípios ANO 1920 1940 1950 1960 1970 1975 1980 1985 1996 Jandaíra 0,956 0,726 0,804 0,864 0,878 0,871 0,856 0,887 0,869 Rio Real 0,897 0,621 0,783 0,776 0,803 0,789 0,774 0,842 0,840 Inhambupe 0,918 0,630 0,675 0,762 0,819 0,838 0,875 0,887 0,917 Itapicuru 0,676 0,733 0,701 0,793 0,767 0,800 0,848 0,789 0,978 Fonte: IBGE, 1920, 1940, 1950, 1960, 1970, 1975, 1980, 1985, 1996. Elaboração: Projeto GeografAR/UFBA Adaptação: Janio Roberto Diniz dos Santos. Os municípios dessa região em estudo apresentam considerável concentração fundiária, classificados como de forte a muito forte, sendo que no município de Inhambupe essa concentração classifica-se entre muito forte a absoluta, fato que significa o controle quase absoluto nas mãos de poucos donos. No geral verifica-se que na década de 1920 todos os municípios apresentavam uma concentração fundiária entre muito forte e absoluta, possivelmente em função dessas não terem sido efetivamente ocupadas até esse momento. Posteriormente, já na década de 1940 já se verifica uma diminuição nesse índice de Gini, que, contudo volta a crescer nas décadas posteriores, sendo que no ano de 1996 tem-se uma concentração fundiária significativa em todos os municípios analisados. Para visualizar melhor esses dados podemos observar a tabela 09. 135 Tabela 09 – Concentração Fundiária em municípios do Litoral Norte da Bahia e no município de Itapicuru/BA, 1995/6 Propriedades com até 50 ha Municípios Estabel. Estabel. Área Estabel. (unidade) (ha) (%) (%) (unidade) (ha) (%) (%) Jandaíra 369 3257 82,56 7,7 6 15891 1,56 37,6 Rio Real 2473 17362 93,96 27,91 9 21149 0,34 34,02 Inhambupe 2120 11931 95,46 16,07 8 46638 0,37 62,79 Itapicuru 26434 92,48 33,24 6 12174 0,17 15,31 3351 Área Propriedades com 1000 ha a mais Área Estabel. Área Fonte: IBGE/Censo Agropecuário, 1995/96. Elaboração: Jânio Roberto Diniz dos Santos. Considerando os dados referentes às propriedades com até 50 ha e aquelas com 1000 ha ou mais, a desigual distribuição da terra nesses municípios estudados torna-se evidente. Reafirma-se a concentração fundiária classificada como muito forte a absoluta no município de Inhambupe quando apenas 8 estabelecimentos rurais detinham 46.638 hectares. Em termos percentuais esses 0,37% dos estabelecimentos detinham 62,79% da área no ano de 1996. Nesse mesmo município duas grandes propriedades somavam 33.814 ha, o correspondente a 0,99% dos estabelecimentos, mas controlavam 45,52% da área total do município. No município de Rio Real 5 propriedades detinham uma área de 14.206 ha, correspondendo a 0,19% dos estabelecimentos, mas controlando 22,85% da área. Dentre os motivos destacados pelos camponeses entrevistados nos municípios da região, em Sergipe: Umbaúba, Lagarto, Boquim, Cristinápolis, Salgado, Riachão do Dantas, Arauá, Pedrinhas e na Bahia: Inhambupe, Indiaroba, 136 Santa Luzia do Itanhy, Itapicuru, Acajutiba e Rio Real28, para a permanência na terra destacam-se o fato desses viverem a muito tempo nessas, muitos com mais de 30, 40, 50 anos, tendo sido a terra dos pais, onde criaram os filhos; bem como a impossibilidade da vida nas cidades, porque sempre viverem e produziram na terra, porque apesar das dificuldades gostam de viver na roça, dentre outras questões. Vê-se, portanto, o apego a terra, compreendida por esses camponeses como lugar de vida e de trabalho. A maioria desses camponeses possui baixo nível de escolaridade e destacam não saberem realizar outro trabalho que não o na terra. Claramente, verifica-se que esse apego a terra, a reprodução dos valores camponeses acabam por garantir, em grande medida, a permanência dessas famílias nas mesmas. Entre os filhos desses camponeses, destaca-se uma considerável mobilidade do trabalho em direção a cidade ou mesmo a outros estados do país. Dentre os motivos que levam a essa realidade destaca-se o fato da terra ser pequena para atender as demandas de toda família, que em geral é numerosa, assim como para estudar ou em busca de empregos urbanos. Por outro lado, entre os camponeses mais novos destaca-se o fato desses já terem desenvolvido vários tipos de trabalho, tanto no campo quanto nas cidades e devido à impossibilidade de permanecerem nesses espaços acabam retornando ao campo. Apesar de se verificar essa “permanência” de grande parte dos camponeses nas regiões em estudo na terra não se pode negar que esses sofreram mudanças significativas em suas formas de organização social e produtiva, principalmente em função da expansão da citricultura voltada aos interesses capitalistas no campo. 28 É preciso salientar que também realizamos entrevistas e visitas e outros municípios que se destacam na produção citrícola como Sapeuçu, Cruz das Almas, Santo Antonio de Jesus, no Recôncavo Baiano. 137 Em pesquisas anteriores constatou-se que antes da expansão citrícola nessas pequenas propriedades prevalecia um cultivo mais variado, voltado, principalmente, para a satisfação básica como as plantações de mandioca, milho, feijão e outros. Com o processo de expansão da monocultura da laranja voltado aos interesses do capital agrário e industrial (sem esquecer da dependência dos produtores via capital financeiro) ocorre um processo de inserção significativa desses pequenos e médios na produção citrícola. Para tanto, há que se destacar o papel desempenhado pelos estados de Sergipe e da Bahia, bem como do Governo Federal que via incentivos creditícios e dotação de uma infraestrutura voltada à criação de órgãos de pesquisa e extensão rural, acaba por “englobar” esses camponeses que sonham com a melhoria das condições de vida. Na prática, o que ocorre é um processo de inserção subordinada, visto que o endividamento dos pequenos produtores torna-se significativo. Através de dados coletados em campo, diversas famílias entrevistadas relatam encontrar-se em dívidas com os bancos, principalmente o Banco do Nordeste da Brasil (BNB) e Banco do Brasil e que, por isso tem dificuldades de continuar recebendo tais recursos. Como o cultivo da laranja é custoso e a dependência dos produtos químicos é significativa, repercute para esses em uma produção sem qualidade e em preços baixos na comercialização. Aqueles camponeses mais pobres que se mantêm na terra destacam não possuir mais acesso ao crédito bancário, que os insumos necessários são caros e que por isso a produção de laranja é pequena. Para se manter na terra, vêm buscando produzir junto com a laranja os cultivos voltados à subsistência da família. Essa é uma estratégia desenvolvida por esses camponeses para continuarem sobrevivendo. Plantam a laranja para comercializar e os demais produtos, muitas 138 vezes consorciados, nas ruas da laranja. Como e terra é pequena o uso dessa é intenso e insuficiente para garantir o sustento de todos da família. Como grande desses camponeses são antigos, vivem na terra há muito tempo e já possuem mais de 50 anos a aposentadoria acaba funcionando como um complemento da renda familiar e os filhos, geralmente, trabalham fora. Vivo na terra com a esposa e 4 filhos. Trabalho com a laranja desde 2000. O sítio de Itapicuru é todo com laranja e no de Rio Real tenho 14 ha (o total da propriedade é de 44ha). Além da laranja planto mandioca, feijão, milho, sorgo, maracujá, batata e outros que são para o consumo da família. Parte da laranja vendo paras indústrias (TropFruit e Marata) outra parte vai para os atravessadores, que levam, em parte, para a feira. Por meio da Associação (CEALNOR) buscamos um preço justo para a produção. (D. C. D. – Camponês, município de Rio Real, outubro de 2008). Trabalho com laranja há 25 anos, mas também tenho roça de coco, tangerina, pecuária de corte, galinhas (...). Vendo a laranja tanto para o consumo in natura quanto para a Tropfruit. (...) Nos períodos de dificuldades apelo para a produção de mandioca, milho, feijão, amendoim, maracujá. O custo com a laranja é alta, tem controle de pragas, investimento em controle biológico, etc. Aumento minha renda com o beneficiamento da mandioca nas casas de farinha da região de olho D’água. Lá tem 7 casas de farinha que pertence as famílias mesmo. Uma é mecanizada e as outras manuais. (J. D. S. – Camponês, município de Rio Real, julho de 2008). Pelo depoimento dos camponeses entrevistados nota-se que, em primeiro lugar, apesar da sujeição dos camponeses à indústria da laranja essa não ocorre por completo, posto que, no geral, esses também participam do mercado in natura, ainda que, na maioria das vezes fique dependente dos atravessadores – que nesse caso é quem se apropria de parte de sua renda. Em outras entrevistas os camponeses relatam que eles mesmos levam a produção para vender, principalmente nas feiras livres da região que acabam funcionando com importante local de compra e venda de produtos para essas famílias. O segundo ponto e se considerar é que se por um lado o camponês se subordina a produção da laranja, por outro não deixa de desenvolver outros cultivos 139 fundamentais a reprodução social de sua família, alternando ainda com a criação de alguns animais de grande porte, com destaque a pecuária bovina, como também a criação de galinhas, voltadas as necessidades das famílias. Assim sendo, não abrem mão da roça diversificada, ainda que tenha no cultivo da laranja o principal produto voltado à comercialização. A produção de mandioca também tem representado uma alternativa econômica para os produtores diretos. Dessa forma, buscam formas de enfrentar às dificuldades da produção da laranja e os altos custos exigidos para manter a produção com o mínimo de qualidade, além dos efeitos da crise e os preços baixos conseguidos. Outra forma de comercializar a laranja ocorre nas fábricas de refrigerantes (conhecidas como sukiteiras) existentes na região, em que as exigências com a qualidade do produto não é tão efetiva. “Sempre vendo parte da laranja para uma sukiteira de Sergipe, que fica a 40 Km daqui de Acajutiba” (R. S. S.- Camponês/Município de Acajutiba/BA, Outubro de 2008). No entanto, é inegável a importância da laranja enquanto cultivo comercial nessas áreas em estudo. No caso dos municípios do Centro-Sul de Sergipe como a expansão do cultivo da laranja iniciou-se há mais de 40 anos, esses camponeses trabalham nesse cultivo há décadas, como demonstra os depoimentos a seguir. Trabalho na laranja desde 7 anos de idade. Comecei com meu pai que foi pioneiro na região, ele começou em 1945. Foi um dos primeiros sítios pequenos. Depois trabalhei nos sitos grandes da região. Os grandes eram José Fontes, Euclides Melo, Germiniano da Fonseca (já morreram). Hoje quem dá continuidade é Jorge da Fonseca. As terras de Dr. Euclides foram vendidas pela família para Antonio de Gileno. Já nas terras de José Fontes quem dá continuidade é Horário Fontes. (Depoimento de L. R. Pereira – Camponês – Município de Boquim/SE). (...)Trabalhava na lavoura. No tempo em que era mais novo tinha algodão, depois mandioca. Tinha milho, café, coco, depois comecei 140 a plantar fumo. No tempo do fumo plantava maniva no mesmo terreno. Nesse mesmo terreno plantei laranja. Continuou laranja a mandioca isso já há mais de 37 anos. (Depoimento de J. P. dos Santos – Camponês/Município de Boquim/SE.) Também nos municípios do Litoral Norte da Bahia, com destaque para Rio Real os camponeses entrevistados declararam ter mais de 20 anos de experiência no cultivo da laranja, ambos também influenciados pela chegada das indústrias processadoras na região. Pode-se concluir que “a febre da laranja” atingiu de maneira geral os proprietários rurais da região, desde os grandes proprietários fundiários aos camponeses com pequenas porções de terra. Porém, em período prolongado de crise da produção essas acabam por atingir de forma mais evidentes esses camponeses que possuem poucos recursos financeiros. Os grandes proprietários da região investem em outros tipos de cultivo e criação, a exemplo da pecuária – bastante significativa nos municípios estudados. Além disso, nessas propriedades contam com sistemas modernos de irrigação, que permite a esses programar a produção para os períodos de maior escassez do produto aumentando sua renda da terra. No caso desses produtores prevalece à opção pelo cultivo comercial, em que as propriedades são destinadas, em grande parte, totalmente ao cultivo da laranja. Isso pode ser evidenciado em entrevista realizada com um proprietário que possui uma área de mais de 1000 ha e declara que toda essa área é destinada para o cultivo da laranja. Esse também produz suas próprias mudas, em viveiro telado localizado em outra propriedade que possui no município de Cristinapólis, que possui 300 mil plantas; situação bem diferente dos pequenos agricultores que tem que comprá-las. Na comercialização da produção esse faz diretamente uma vez que dispõe de caminhões para isso. Também conta com amplo sistema de 141 crédito disponibilizado pelo BNB e destaca que os prazos dados são acessíveis. Filho de um dos maiores produtores da região declara ser sócio de uma indústria – a Tropfruit do Nordeste e para essa destina a produção para o processamento auferindo renda da terra e lucro. Durante trabalho de campo realizado nos vários municípios da região constatou-se, em todos os locais visitados, a presença preponderante do cultivo da laranja. Conforme já apontado apesar de nas pequenas propriedades os agricultores alternarem com outros cultivos a laranja ainda é predominante. Esses destacam que apesar do baixo custo do produto e das dificuldades existentes na produção possuem mercado certo para esse cultivo. Como não dispõem de formas para escoar a produção, acabam vendendo para atravessadores – que se apropriam de parte da renda camponesa. Mesmo com todas as dificuldades decorrentes da sujeição desses camponeses as indústrias de suco da região, percebe-se, por outro lado, que ele não perde sua essência camponesa, no cultivo de produtos destinados a sua subsistência, na manutenção de sua terra de trabalho. Tenho uma terra de 10 hectares e seis filhos (três vivem aqui). Cheguei aqui há 30 anos mais ou menos. Meu pai tinha terra no Brejo, mais tinha 8 filhos e a terra não dava para todo mundo. Tenho 4 hectares plantados com laranja. Na outra parte crio galinhas e planto feijão, milho, mandioca. Prefiro vender a laranja para indústria, porque apesar de ser mais barato paga certo. Quando a safra é boa colho 60 toneladas, quando não fica em 30, 33. Não quero financiamento de banco, para o saldo ficar devagar. Na terra sempre temos como trabalhar. (...) As mudas eram boas, mas ai criaram as leis. (A. C. – Camponês – Santa Luzia do Itanhy, outubro de 2008). Essa situação se agrava para aqueles que não possuem a terra e por isso tem que viver na luta por conseguir um pedaço de terra para plantar através do sistema de meia ou do arrendamento de pequenos lotes de terra. Nesses casos, os 142 camponeses sem terra trabalham em terra de outros e tem que pagar por isso, tanto por meio de um aluguel (arrendamento) quanto entregando parte da produção, do seu trabalho, ao proprietário da terra. (ver fotos 27 e 28 a seguir). Assim, para garantir o sustento da família precisam trabalhar em dobro. Se não conseguem um pedaço de terras nessas condições ou não dispõe de um recurso para arrendá-la, acabam migrando a fim de desenvolver trabalhos nas cidades, ou mesmo no campo, na condição de assalariado. Trabalham na colheita, como vaqueiros, no serviço que encontrarem. Foto 27 – Família Sem Terra (Meeiros) Foto 28 – Trabalhadores meeiros Fonte: Trabalho de Campo, Nov. 2008. Fonte: Trabalho de Campo, Nov. de 2008. Essa realidade reafirma o que Thomaz Junior (2004) aponta a plasticidade do conceito de classe trabalhadora que desenvolve vários tipos de trabalho para sobreviverem. Contudo, na essência consideramos que esses trabalhadores não deixam de ser camponeses, na medida em que o que almejam é obter um pedaço de terra que acreditam ser condição fundamental para a superação da escravidão a que encontram-se submetidos. Essa situação se agrava ao considerar-se a concentração fundiária e a valorização das terras da região inacessíveis as condições concretas desses trabalhadores. Apesar do “discurso oficial” difundido pelos órgãos públicos e associações rurais que declaram a inexistência de grandes disparidades quanto aos 143 tamanhos das propriedades da Região do Centro-Sul de Sergipe, o que também acontece no Litoral Norte da Bahia, foi-nos possível identificar casos de produtores minifundistas (onde a propriedade é menor que o módulo fiscal), até aqueles com propriedades rurais que, juntas, ultrapassam seis mil hectares (esses possuem, geralmente, propriedades em vários municípios, englobando, inclusive, municípios sergipanos e baianos). Assim, o “mito” que se prega da “reforma agrária natural”, não corresponde à realidade das regiões em estudo. Nesse sentido, buscou-se o contato com diversos destes produtores, desde aqueles considerados como minifundistas (muitos desses dispõem de menos de um hectare de terra, sendo necessário complementar a renda da família com a venda da sua força de trabalho em outras propriedades rurais, ou outras funções exercidas inclusive nas cidades), até os pequenos, médios e grandes proprietários que controlam 4, 6 mil hectares e até mais. Sai em 1974, trabalhei em São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo, mas não estava mais tendo emprego. Voltei em 1988 e comecei a trabalhar com a laranja. Minha terra tem 12 ha. Planto laranja na maior parte. Nas outras planto maracujá, limão e coisas para casa mesmo. Também tenho 25 cabeças de gado. No trabalho na roça chego a ganhar R$ 600 a R$ 700, em média por mês. (D. V. – município de Itapicuru/BA, fevereiro de 2009). Uma característica forte observada nas famílias camponesas entrevistadas é a presença de filhos desses na propriedade, muitos presentes nos momentos da entrevista. Esses, geralmente, já nasceram na terra e trabalham com a laranja, assim como os cultivos voltados a subsistência há muito tempo. Ao se perguntar a esses jovens o porquê se mantêm na terra, são unânimes em afirmar que nessas têm como viver, como trabalhar, além do apoio da família. No geral, já realizaram fluxos migratórios na busca do emprego, inclusive nas cidades e por falta 144 de garantirem a reprodução social nesses espaços retornam para o campo. Como os pais são pequenos proprietários, a fragmentação da propriedade é uma realidade, daí encontrarmos famílias que sobrevivem em áreas muito pequenas e fazendo uso intensivo das mesmas. Alguns desses entrevistados também se deslocam, mas hoje muito mais em curto período de tempo e para locais mais próximos, a fim de realizar algum tipo de trabalho em períodos onde a produção e os recursos são mais escassos. Apesar das dificuldades na manutenção da produção da laranja e dos altos custos (controle de pragas, doenças) aliado aos preços baixos verificados nos últimos anos, para esses produtores que viveram a realidade do desemprego nas cidades o trabalho no campo ainda consegue manter a família. Como são pequenos proprietários e por não terem como vender diretamente a produção ainda que possuam uma renda mensal baixa para os padrões urbanos, cabe salientar que na roça à economia monetária, do dinheiro, soma-se à lógica camponesa que corresponde a tudo que retiram da terra com o trabalho que acaba por funcionar como um complemento da renda familiar. Da mesma forma, os “incentivos” disponibilizados para aqueles que produzem a laranja ocorrem de forma diferenciada. Primeiro porque a maioria desses recursos são abocanhados pelos que detém o controle sobre grandes porções de terra – os latifundiários e as próprias empresas capitalistas. Segundo porque quando esses recursos voltam-se aos pequenos agricultores isso se faz de forma totalmente inadequada a sua lógica camponesa de existir. Os camponeses não objetivam o mercado, a lógica do lucro como ocorre na agricultura capitalista. Ele se insere nessa na perspectiva de melhorar suas condições de vida, mas não abrem mão de manter a terra e a produção para as necessidades da família. 145 Almejam melhorias para a família, uma escola para os filhos, fartura na casa, não o lucro da lógica capitalista. Também não vivem da extração da renda da terra, uma vez que trabalham com a família e para essa. Se contratam trabalhadores de fora isso ocorre esporadicamente, principalmente nos períodos de colheita quando contratam 2 a 3 trabalhadores. Nas propriedades maiores e com melhores condições esse número pode chagar a 8, 10 trabalhadores. Também, por vezes, tendo em vista as dificuldades de tocar a produção acaba se assalariando. A essa lógica camponesa busca se impor a lógica de mercado que quer fazer desse camponês um produtor exclusivo da laranja, de forma que fique totalmente subordinado as indústrias. Em outros casos, o agricultor, pelas dificuldades em que se encontram, opta por vender a produção no pé, em que a contratação dos trabalhadores fica a cargo dos empreiteiros (os donos de turma), que passam a controlar a colheita e comercialização a partir de então. O crédito disponibilizado para grande parte dos entrevistados advém do Pronaf, que destina recursos específicos para pequenos agricultores. Além disso, declaram contar, esporadicamente, com orientação técnica dos órgãos públicos de extensão rural existentes na região, mas esse volta-se, principalmente, para o cultivo da laranja, demonstrando todo um direcionamento e interesse na difusão desse tipo de produção. Como não dispõem das mesmas condições objetivas dos latifundiários e grupos capitalistas que atuam no campo, logicamente, essas desigualdades acabam se reproduzindo na qualidade da produção, no retorno ao produtor direto, endividamento dos mesmos e na constante ameaça da perda terra. Por conta disso, ao mesmo tempo em que esses camponeses se vêm na luta constante por crédito, 146 de forma que consiga produzir, igual e contraditoriamente buscam negar essa condição de dependência com o capital financeiro, representada pelo temor de contrair a dívida e com isso perder a terra. Por isso, diversas famílias entrevistadas, apesar da vida bastante precária declaram que não desejam o crédito, pois não querem dívidas. Para aqueles que estão com dívidas destacam os juros abusivos cobrados e as dificuldades que tem para pagar, outros não conseguiram pagar e encontram-se devedores com os bancos. Uma estratégia desenvolvida pelo camponês para continuar na terra, que pode ser observada em trabalho de campo, é a migração para áreas que sofreram de forma menor a “febre da laranja” promovida pelas indústrias. Um desses exemplos é tratado por Kolming (2005) quando destaca que o cultivo de mandioca tem representando a garantia da reprodução das unidades de produção familiar em comunidades que se reproduzem no entorno do povoado Treze, no município de Lagarto/SE, frente a todo incentivo voltado à citricultura. Destaca que essas comunidades não aceitaram a submissão ao monopólio laranja e permanecem na agricultura voltada para os interesses da família, portanto, tipicamente camponesa. Assim, Conceição (2007, p. 92) afirma que: Quando a produção é insuficiente para a manutenção da unidade de produção familiar, comercializam frutas como manga, banana e jaca, que demandam pouco investimento em insumos e menor apropriação de parte da renda da terra camponesa pelo capital. A venda direta nas feiras livres é a estratégia para evitar que o capital comercial se aproprie de sua renda. Assim, permanecem camponeses. (p. 92). Outra estratégia de luta pela terra camponesa, a terra de trabalho, vem sendo impulsionada pelos movimentos sociais que começam a se organizar na 147 região a partir da década de 1990. Esses movimentos podem ser considerados produto da expropriação sofrida pelos camponeses e pelos trabalhadores do campo e das cidades. A ocupação de terras e a reivindicação dessas para fins de reforma agrária além de questionar a hegemonia do latifúndio e do predomínio dos projetos do capital em curso no campo, buscam a construção de um novo campo voltado aos interesses daqueles que vivem do trabalho. As expressões territoriais da luta pela terra nas regiões em estudo serão discutidas no capítulo 4 desta tese. 148 3. O AVANÇO DO CAPITAL NO CAMPO E AS INVESTIDAS SOBRE O TRABALHO Certamente, estamos diante de um processo histórico que contradiz de forma radical o período do surgimento do movimento sindical e operário no Brasil, no início dos anos 1980. O amálgama de posições conciliadoras hegemoniza – a sociabilidade presente no universo sindical brasileiro, repercutindo no cenário eleitoral, plasmando interesses outrora radicalmente divergentes, mas com sintonia fina na busca do resultado do pleito. É ao que se assiste diante das alianças que se processam entre o Partido dos Trabalhadores e os demais partidos conservadores e liberais e, por via de conseqüência, entre a CUT e a Força Sindical. (THOMAZ JÚNIOR, 2004, p. 17). Conforme já apontando ao longo dessa pesquisa de tese é a partir da incorporação da região do Centro-Sul de Sergipe à lógica produtiva da laranja, nas décadas de 1960 em diante, que se espalha para o Litoral Norte da Bahia a partir da década de 1980, que se tem a ampliação das relações capitalistas de produção nesses espaços. Considera-se que é a partir desses momentos que essas regiões, dotadas de significativa infraestrutura pelo Estado, passam a interessar ao capital. Assim, o desenvolvimento desigual desse modo de produção vai se apropriando daqueles espaços que lhes permita a garantia do maior lucro. É preciso considerar as condições para a apropriação desses espaços de forma a garantir a expansão do agronegócio da laranja. De acordo com entrevistas realizadas com agricultores antigos dessas regiões (em destaque no Centro-Sul de Sergipe) a produção da laranja inicia-se anteriormente à década de 1960 e se efetiva em uma produção mais voltada ao atendimento do mercado local. Essas condições aliadas às necessidades de expansão do capital no campo, quando o discurso nesse período histórico efetivava-se na “necessidade” de modernizar o campo acaba despertando o interesse por essa área. Para tanto, o papel desempenhado pelo Estado torna-se fundamental, já que é ele que vai criar todas 149 as condições tanto no sentido de difundir a produção desse cultivar quanto na criação da rede de infraestrutura necessária ao escoamento dessa. A atuação dos órgãos de pesquisa e extensão rural torna-se fundamental na criação e difusão de verdadeiros pacotes tecnológicos que passam a ser colocados para os produtores locais como possibilidade concreta de melhoria das condições em que viviam. Além disso, cabe ao Estado dotar a região das condições necessárias ao escoamento da produção, tendo em vista que às empresas capitalistas não interessa imobilizar parte do seu capital para isso. Tais ações garantiram que a “região” se tornasse “atrativa” para o capital. Nesse processo, compreender as transformações ocorridas no Centro Sul de Sergipe significa considerá-la como parte do processo de “modernização da agricultura” que começa a se efetivar no país a partir da então. Essas intervenções voltadas aos interesses capitalistas internamente vão promover mudanças significativas nas regiões em estudo, posto que altera o foco da produção, valoriza e concentra a terra, altera as relações de trabalho praticadas até então, promove um considerável êxodo rural que repercute no crescimento das cidades, dentre outras questões. Portanto, diferente do discurso da modernização colocada como sinônimo de desenvolvimento, o que se observa é a apropriação dessas áreas para o atendimento das demandas capitalistas mundiais que nos locais onde desenvolve-se acaba por favorecer as classes dominantes locais. Essa é uma realidade no Centro-Sul de Sergipe, posto que as elites locais se apropriam de grande parte das terras, dos vultosos recursos disponibilizados via capital financeiro para a produção da laranja, não raro se aliando com o capital industrial que também passa a se territorializar na região e a se apropriar de grande parte da produção local. 150 Esse processo de apropriação do capital, posteriormente passa a se expandir para outros municípios e encontra no Litoral Norte da Bahia condições favoráveis a sua ampliação. Primeiro porque com a apropriação de grande parte das terras do Centro-Sul de Sergipe para o monocultivo da laranja e outros por grandes latifundiários da região e o processo de expulsão de muitos camponeses que viviam em pequenas áreas, muitos sem a titulação legal das mesmas são expulsos da terra ou, para os que detinham a propriedade legal, a pressão para vendê-las. Com isso, muitos desses agricultores sergipanos migram para outras áreas onde os efeitos da ação capitalista não são tão evidentes, em que puderam adquirir terras mais baratas; assim, municípios do Litoral Norte da Bahia passam a ser uma alternativa. As transformações fomentadas pelo capital no espaço citricultor desencadearam mudanças na vida social e econômica do pequeno produtor. A mobilidade foi um dos recursos utilizados pelos citricultores para sair da crise. Para esses produtores, o deslocamento representava a possibilidade da reestruturação da própria vida e da continuidade da cultura de citros. Já para o capital, o caminhar simbolizava a expansão da citricultura para um novo espaço rural que atendesse à sua própria lógica de reprodução. (...) assim (...) o capital atuou no processo de desterritorialização e na conseqüente mobilização dos pequenos citricultores sergipanos em direção à fronteira SE/BA. (...) promoveu a expropriação dos pequenos produtores do seu espaço de vivência. (PEREIRA, 2002, p.8). Assim, esses agricultores carregaram na “bagagem” toda experiência de plantio da laranja. Por outro lado, essa produção passa a despertar o interesse das indústrias, principalmente por meio da sujeição da renda da terra. Assim como no Centro-Sul de Sergipe também no Litoral Norte da Bahia o Estado torna-se fundamental na criação da infraestrutura necessária a expansão da produção, bem como para o escoamento da mesma; não deixando, entretanto, de repercutir na 151 valorização das terras e consequentemente expulsão de grande parte desses camponeses. Posteriormente, a partir da década de 1990, verifica-se na região, principalmente em função dos interesses do capital industrial instalado via indústria processadoras de suco concentrado e congelado de laranja, que atende, principalmente o capital europeu, a necessidade de ajustes na produção de forma a reduzir os custos e aumentar a margem de lucro, que se concretiza na alteração das relações de trabalho praticadas até então. A flexibilização, o desrespeito a legislação trabalhista, a desregulamentação nessas relações, características da reestruturação produtiva do capital como resposta desse a crise estrutural ganha contornos também na região em estudo. Essa reestruturação capitalista agrava as condições de trabalho, em que a realidade verificada no Centro-Sul de Sergipe e Litoral Norte da Bahia não encontra-se dissociada. Assim sendo, as dificuldades para a classe trabalhadora se acrescem, tendo em vista a investida do capital sobre o trabalho. No que se refere às regiões em estudo dois processos são evidentes: a mobilidade como forma de garantia ao trabalho, ainda que precarizado, e a luta pela terra e pelo trabalho via movimentos sociais, assuntos que abordaremos nesse terceiro e no quarto capítulo dessa tese. Na compreensão da expansão capitalista nesses locais, cabe a compreensão do papel desempenhado pelo Estado, na criação de toda infraestrutura necessária, através de órgãos de pesquisa e extensão; as indústrias de suco que se territorializaram na região a fim de se beneficiar de toda uma produção já existente e de uma infraestrutura montada; os produtores mais capitalizados e viveiristas; e as associações e cooperativas criadas no intuito de 152 organizar a produção e melhorar as condições de vida dos citricultores. Essas questões serão tratadas ao longo desse capítulo. 3.1. Crise do capital, reestruturação produtiva e precarização do trabalho no campo. Assume-se, nesse trabalho, a perspectiva de que o capital atingiu seu zênite de realização, e conforme apontado por Mészáros (2002), encontra-se em uma crise estrutural que se arrasta desde o final de década de 1960. Como resposta a essa crise, vem buscando reestruturar-se a fim de garantir adiantar os efeitos mais catastróficos da mesma. Para tanto, as investidas sobre o trabalho tornam-se evidentes, conforme veremos a seguir. De acordo com Antunes (2002) o processo de reestruturação do capital consiste em reestruturar o padrão produtivo estruturado sobre o binômio taylorismo/fordismo de modo a repor os padrões de acumulação existente nos períodos anteriores, especialmente no pós 45. Assim, tratava-se para o capital de reorganizar seu ciclo reprodutivo, passando desse modelo produtivo do taylorismo/fordismo para a acumulação flexível. O padrão taylorista/fordista que comandou a indústria no século 20 tinha por base a produção em massa de mercadoria, uma produção mais homogeneizada e verticalizada. Nesse era necessário racionalizar as operações realizadas pelos trabalhadores através da redução do tempo e aumento do ritmo de trabalho, visando intensificar as formas de exploração e a redução do desperdício. Seu processo produtivo, segundo Antunes (2002) pode ser compreendido como parcelar e fragmentado, com divisão de tarefas e repetição de atividades. Essa conversão do 153 trabalho em apêndice da máquina-ferramenta garantia ao capital a intensificação na extração do sobretrabalho, consolidando a subsunção real do trabalho ao capital. Nesse padrão rígido, definia-se o tempo e o ritmo necessários ao trabalho, mesclando a produção em série fordista com o cronômetro taylorista e resultava em uma atividade de trabalho mecânica e repetitiva. O padrão de acumulação intensivo fundamentava-se em uma produção em massa executada por operários predominantemente semiqualificados. Pode-se dizer que junto com o processo de trabalho taylorista/fordista erigiu-se, particularmente durante o pós-guerra, um sistema de “compromisso” e de “regulação” que, limitado a uma parcela dos países capitalistas avançados, ofereceu a ilusão de que o sistema de metabolismo social do capital pudesse ser efetiva, duradoura e definitivamente controlado, regulado e fundado num compromisso entre capital e trabalho mediado pelo Estado. (ANTUNES, 202, p. 38). Para o autor, esse compromisso era resultado de vários elementos posteriores à crise de 30 e da gestação da política kenesiana que tinha como intermediadores os sindicatos e partidos políticos – que se colocavam como representantes oficiais dos trabalhadores e do patronato, e o Estado pode ser compreendido como o elemento “arbitral”, mas que, efetivamente, servia aos interesses do capital. Ideologicamente, esse projeto do capital em aliança com o Estado buscava delimitar o campo da luta de classes, em que se “concedia” algum direito aos trabalhadores em troca do abandono de seu “projeto histórico-societal”, garantindo assim enorme exploração do trabalho. No entanto esse modelo atinge seu limite nos anos de 1960 e os levantes operários contra ele se intensificam. Esses passam a questionar a expropriação intensificada do operário-massa, destituído de qualquer participação na organização do trabalho. Além disso, aponta-se como outro problema desse padrão de produção 154 a contradição entre produção e consumo. A partir daí, as forças do capital se reorganizam, introduzindo novos problemas e desafios para o mundo do trabalho. De acordo com Mészáros (2002) apud Antunes (2002, p. 45): (...) Os capitalistas compreenderam então que, em vez de se limitar a exploração da força de trabalho muscular dos trabalhadores, privando-os de qualquer iniciativa e mantendo-os enclausurados nas compartimentações estritas do taylorismo e do fordismo, podiam multiplicar seu lucro explorando-lhes a imaginação, os dotes organizativos, a capacidade de cooperação (...). (...) implantando o tayotismo, a qualidade total e outras técnicas de gestão (...). (...) Cada trabalhador pode realizar um maior número de operações (...). Assim, o capital deflagrou uma série de mudanças no processo produtivo, constituindo as formas de acumulação flexíveis, buscando assim, reorganizar suas formas de dominação. Ideologicamente, tal projeto ancora-se no culto ao subjetivismo e individualismo, contra as formas de coletividade e solidariedade. Essa nova forma de organização industrial entre capital e trabalho possibilitou o advento de um trabalhador mais qualificado, participativo, multifuncional, polivalente. Assim, o trabalhador deve estar apto a desempenhar várias funções no processo produtivo, poupando ao capitalista um maior investimento em força de trabalho, promovendo a eliminação, transferência, terceirização e enxugamento de unidades produtivas. De acordo com Francesconi (2005, p. 04): As profundas transformações que tem ocorrido nas últimas décadas como resposta à crise do capital e do sistema produtor de mercadorias resultou em respostas e enfrentamentos por parte do capital. Entre estas ações, o intenso processo de reestruturação da produção e do trabalho durante as décadas de 80 e 90 nos países centrais e na década de 90 no Brasil busca – ao lado de outros – dotar o capital de instrumental necessário para repor os patamares de expansão anteriores. As evidências desse processo de reorganização do capital e de seu sistema ideológico e político de dominação foram o advento das políticas neoliberais, conjunto de medidas, ações que incluem a privatização de empresas estatais, a 155 desregulamentação dos direitos do trabalho e o desmonte do setor produtivo estatal e a expansão dos capitais financeiros especulativos. Os fundamentos desse padrão de acumulação flexível sustentam-se no discurso da qualidade total (Mészáros, 2002, assinala a intensificação da taxa de utilização decrescente do valor de uso das mercadorias) e da empresa enxuta, como estratégias fundamentais da valorização do capital. A imposição do tempo de vida útil das mercadorias visa aumentar a velocidade do circuito produtivo, portanto a velocidade da produção de valores de troca, que no invólucro da aparência aprimora o consumo do supérfluo, levando ao que Meszáros (2002) chama de “lógica de produção destrutiva”. Esse padrão produtivo vai promover a intensificação da exploração do trabalho, a eliminação dos postos de trabalho, aumento da produtividade e a “qualidade total”. Assim, segundo Antunes (2002), tem como resultados para o mundo do trabalho: a desregulamentação dos direitos do trabalho, o aumento da fragmentação no interior da classe trabalhadora, a precarização e a terceirização da força humana que trabalha, a destruição do sindicalismo de classe e sua conversão em um sindicalismo dócil. Ao considerar-se a realidade verificada no Centro-Sul de Sergipe e Litoral Norte da Bahia, evidencia os efeitos de tal processo de reestruturação produtiva no território, dada precarização das relações de trabalho nas indústrias processadoras de suco e mesmo no campo, em que explora-se mais o trabalhador com a desculpa de sua não qualificação. Esses são desprovidos dos direitos trabalhistas, em vivem em condições crescentes de alienação do seu trabalho. Assim, a especificidade verificada nas áreas em estudo não pode acontecer dissociada da totalidade em 156 que ocorre a difusão dessas formas precarizadas de trabalho como parte do processo de reestruturação do capital. Sobre isso, Francesconi acrescenta que: No mundo do trabalho as evidências desse processo de reorganização constituem no aumento do desemprego estrutural e na precarização do trabalho. O desemprego estrutural responde à utilização das inovações tecnológicas e reestruturação organizacional e produtiva enquanto a precarização do trabalho recebe o nome de flexibilização do trabalho. (FRANCESCONI, 2006, p. 04) Assim, para a autora trata-se de compreender as transformações em curso no mundo do trabalho em suas conseqüências territoriais. Se de um lado o capital através do discurso da qualificação garante poucos postos de trabalho melhor remunerado, por outro se vale da “falta” dessa qualificação para garantir a precarização total dos trabalhadores “desqualificados” ampliando suas margens de mais-valia. Ao apontar as principais bases nas quais se sustenta o toyotismo, que se constitui em uma forma de organização do trabalho que nasceu na Toyota, no Japão pós-45, Antunes (2002, p. 54/55) esclarece que: 1) é uma produção muito vinculada à demanda, visando atender às exigências mais individualizadas do mercado consumidor, diferenciando-se da produção em série e de massa do taylorismo/fordismo. Por isso, sua produção é variada e bastante heterogênea, ao contrário da homogeneidade fordista; 2) fundamenta-se no trabalho operário em equipe, com multivariedade de funções, rompendo o caráter parcelar típico do fordismo; 3) a produção se estrutura num processo produtivo flexível, que possibilita ao operário operar simultaneamente várias máquinas (...) alterandose a relação homem/máquina na qual se baseava o taylorismo/fordismo; 4) tem como princípio o Just in time, o melhor aproveitamento possível do tempo de produção; 5) funciona segundo o sistema de kanban, placas ou senhas de comando para reposição de peças e de estoque. No toyotismo, os estoques são mínimos quando comparados ao fordismo; 6) as empresas do complexo produtivo fordista, inclusive as terceirizadas, têm um estrutura horizontalizada, ao contrário da verticalidade fordista. Enquanto na 157 fábrica fordista aproximadamente 75% da produção era realizada no seu interior, a fábrica toyotista é responsável por somente 25% da produção (...). (...) prioriza o que é central (...) no processo produtivo (...) e transfere a “terceiros” grande parte do que antes era produzido dentro de seu espaço produtivo. Essa horizontalização estende-se às subcontratadas, às firmas terceirizadas, (...)flexibilização, tercerização, subcontratação, CCQ, controle de qualidade kanban, just in time, kaizen, team work, eliminação do desperdício, “gerência participativa”, sindicalismo de empresa (...). Acrescenta ainda que nesses Círculos de Controle de Qualidade (CCQ)os trabalhadores são instigados pelo capital a discutir seu trabalho e desempenho, visando a melhoria da produtividade do mesmo. Assim, os ganhos salariais encontram-se vinculados ao aumento da produtividade. Considerando a realidade brasileira Thomaz Junior (2004) assinala que é a partir dos anos de 1980 que o país se inicia o processo de reestruturação produtiva, atingindo maior amplitude na década de 1990, quanto às inovações técnicas são difundidas pelo circuito produtivo de diversos setores econômicos. Nesse processo, a produção toyotista passa a mesclar-se (no Brasil como em diversas partes do mundo) com as objetivações nacionais, em um contexto de racionalização do trabalho. Para ele, trata-se de um processo contraditório de continuidade-descontinuidade com o taylorismo-fordismo, buscando atender as novas necessidades da acumulação capitalista. Destaca ainda que esse processo de reestruturação produtiva que repercute diretamente sobre o trabalho produz resultados diferentes para o conjunto dos países e no caso do Brasil destaca a posição subalterna desse. Para compreender a dimensão espacial dessa reestruturação, cabe, portanto, considerar que o capital, ao longo do seu processo de realização, age de forma desigual e combinada, selecionando lugares, de forma diferenciada a fim de que esses assumam um determinado papel da divisão social 158 (internacional) do trabalho. Em linhas gerais Thomaz Junior (2004, p. 19) aponta como elementos fundamentais dessa reestruturação produtiva: 1) a desproletarização do trabalho industrial fabril, típico do fordismo; 2) a ampliação do assalariamento no setor de serviços; 3) o incremento das inúmeras formas de subproletarização, decorrentes do trabalho parcial, temporário, domiciliar, precário, subcontratado, “terceirizado”, informal; 4) verifica-se, também, que todas essas formas que redimensionam a heterogeneização do trabalho têm na crescente incorporação do trabalho feminino no interior da classe trabalhadora, expressão especial, quando se pensa em termos da expansão do trabalho precarizado, “terceirizado”, subcontratado, part-time, etc.; 5) intensificação da superexploração do trabalho, através da extensão da jornada; 6) a exclusão de trabalhadores jovens e “velhos” (acima de 45 anos), do mercado de trabalho; 7) expansão do patamar de trabalho infantil, em especial nas atividades agrárias e extrativas. Esses elementos podem ser observados nas áreas em estudo, na redução do trabalho fabril, se considerado o número de empregos diretos que geravam há 20 anos e a quantidade que geram hoje. De acordo com entrevistas realizadas no Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias de Estância, realizada em outubro de 2008, em 1989 as indústrias processadores de suco geravam, em média 1000 a 1200 empregos direto cada uma. Hoje são 100, 200 trabalhadores no máximo. Por outro lado a capacidade produtiva da empresa se acresce com o emprego crescente de extratoras com capacidade para processar, em menos tempo, uma quantidade maior de frutos. A ampliação do assalariamento no setor de serviços é relativa e não consegue atender a quantidade daqueles que lutam pelo trabalho nas regiões em estudo. O trabalho parcial, temporário, precarizado, subcontratado é uma realidade e se agrava no campo e nas cidades. Um dos exemplos desse é que grande parte dos trabalhadores não possuem vínculo empregatício nem qualquer direito, são contratados pelos empreiteiros, isentando 159 os proprietários de qualquer obrigação trabalhista, e recebem de acordo a quantidade de laranja colhida, ou seja, por produtividade. Ainda assim, o índice de desemprego é elevado nas regiões em estudo e evidencia-se no fato de todos os entrevistados estarem desempregados ou possuírem familiares desempregados. Nesse contexto, a luta pelo direito ao trabalho, ainda que precarizado é uma constante e se expressa, por exemplo, na ampliação da luta pela terra, em que pode-se observar dezenas de assentamentos e acampamentos de trabalhadores. É por dentro da dinâmica da luta de classes que nos propomos apreender os desdobramentos da reestruturação produtiva do capital no campo sobre o trabalho, particularmente, os limites que obstaculizam a “leitura” orgânica do trabalho, para além da fragmentação territorial, que restringe o universo da classe trabalhadora aos rígidos limites do estranhamento das corporações e associativas. Ou seja, o exercício do poder do capital se estende para todo o tecido social, impactando, portanto, não somente as relações específicas à atividade laborativa, mas todas as esferas do ser que trabalha, ultrapassando o momento da produção, ganhando a dimensão da reprodução da vida, a subjetividade da classe trabalhadora, as formas de organização política (THOMAZ JUNIOR, 2004, p. 10). Assim, o Estado ao mesmo tempo em que mantém sua aliança com as classes dominantes no meio rural, implementa a ofensiva destrutiva do capital sobre o trabalho, por meio de reformas trabalhistas, bem como atua no sentido de frear a mobilização dos trabalhadores envolvidos na luta pela terra. Alia-se a esse fato a criminalização dos movimentos sociais impulsionada pelo poder juridiciário, assim como as ações insignificantes no que se refere ao assentamento de população no campo que tem se constituído o governo Lula da Silva. Assim, o Estado quando atua nos conflitos capital x trabalho o faz como forma de espaçar esses conflitos adiando a luta de classes. 160 Por tudo isso, Menezes (2007) aponta que “o processo de acumulação de capital é, também, um processo de acumulação de contradições”, que se afirma no acirramento da luta de classes, estabelecendo, assim, seus limites históricos. As investigações direcionadas para apreendermos os desdobramentos territoriais da reestruturação produtiva do capital no campo, tem nos indicado o conteúdo das ações do capital e do Estado, e os desdobramentos para o trabalho e para a classe trabalhadora: intensificações da mecanização, política de desenvolvimento rural em detrimento da Reforma Agrária, novas formas de gestão e controle do trabalho pelo capital, políticas públicas para a agricultura, novas formas de contratação e de pagamento (THOMAZ JUNIOR, 2004, p. 16) Ao analisar a expansão do capital no campo e seus reflexos na questão agrária aponta os índices alarmantes de perseguições, violência e assassinatos praticados contra trabalhadores e camponeses, fato que demonstra a barbárie praticada pelo capital e pelos latifundiários, as classes dominantes que atuam no campo, e pelos órgãos repressivos do Estado, situação que se agrava com a parcialidade da justiça em favor do latifúndio. As dificuldades para a permanência dos trabalhadores no campo, por outro lado, são concretas e se evidenciam a partir dos dados apresentados pela CPT, que demonstra que apenas no ano de 2003, aproximadamente 2.500.000 postos de trabalho foram encerrados no campo, se equiparando aos elevados índices urbanos. Nesse processo, Thomaz Junior (2004) resgata a dimensão fundamental do trabalho, enquanto “base fundante do autodesenvolvimento da vida material e espiritual” (p. 21). Por isso, discorda da tese do fim do trabalho ou da perda de sua centralidade, destacando que enquanto perdurar a sociedade capitalista será impossível se pensar na eliminação da classe trabalhadora. 161 3.2. A mobilidade como possibilidade de garantia do trabalho. Para compreender as investidas no capital, principalmente via produção de laranja, e seus rebatimentos sobre o trabalho no Centro-Sul de Sergipe e Litoral Norte da Bahia a que se considerar uma dimensão importante para aqueles que lutam pelo trabalho – a mobilidade espacial. Para tanto, nos ancoramos na leitura de Gaudemar (1977) que retomando as diversas formas de interpretação sobre a mobilidade do trabalho opta pela compreensão dessa através do processo de acumulação capitalista. Assim, a mobilidade do capital, ao longo de seu processo de realização histórica, vai promovendo a mobilidade da força de trabalho, que expressa a luta daqueles que precisam trabalhar. Essa leitura é retomada por N. Silva (2003) ao analisar a mobilidade de jovens sergipanos para outros estados em determinados períodos do ano. Esses, no geral, são filhos de camponeses ou de assalariados, e como não conseguem garantir sua reprodução social nos locais em que vivem se deslocam para vender a força de trabalho em diversos locais da Brasil, com destaque para o estado de São Paulo, onde trabalham, principalmente, no campo. A mobilidade do trabalho como forma de, mesmo na precarização de tais relações, buscar garantir a reprodução social é também tratada por M. Silva (1999) ao analisar a trajetória dos migrantes do estado do Piauí para trabalhar na colheita de cultivos voltados ao agronegócio nos estados de Minas Gerais e São Paulo. Essa relata as condições de trabalho aviltantes que são disponibilizadas para esses migrantes, inclusive o estabelecimento de uma hierarquia na exploração desses trabalhadores que opõe os do lugar aos migrantes, que acabam por desempenhar as piores funções. Nesse trabalho M. A. Silva (1999) aponta que a 162 complexidade da exploração do trabalho na atualidade, em destaque no campo, faz com que se considere junto à condição de classe que são (classe trabalhadora) também a dimensão de gênero (já que o trabalho feminino é geralmente menor remunerado), étnico-racial e o local de onde advêm os trabalhadores (pois esses são, constantemente, discriminados). Em pesquisa realizada no Sudoeste da Bahia Souza (2008) aponta que nas comunidades camponeses verifica-se uma intensa mobilidade do trabalho, principalmente quando as dificuldades com a produção são maiores. Isso se acresce nas localidades semi-áridas, posto que como as famílias vivem da agricultura de sequeiro o período de estiagem causa um prejuízo concreto. Para sobreviverem, parte dessas famílias camponesas, ou determinados membros, realizam deslocamentos durante determinados meses do ano e posteriormente retornam antes do período de chuva na região para fazerem suas roças. Analisa que ocorrem nessas comunidades dois tipos de deslocamentos: um voltado para outros estados, em destaque São Paulo, em que os trabalhadores declararam realizar diversos tipos de trabalho, principalmente no campo, nos cultivos de café e cana, por exemplo; e o outro na própria região, em que os trabalhadores saem da caatinga para trabalharem na colheita de café nos municípios de Vitória da Conquista e Barra do Choça, em que passam dois, três meses durante o ano. Destaca ainda que dos trabalhadores que migraram para outros estados nas décadas de 1960 a 1980 muitos permaneceram nesses locais desenvolvendo atividades diversas de trabalho. Já os mais recentes vivem na constante mobilidade, posto que não mais encontram emprego certo nesses locais para onde se deslocam. 163 Assim, Souza S. T. (2008) aponta que se por um lado a mobilidade do trabalho acaba funcionando como uma alternativa de sobrevivência para muitos trabalhadores não se pode desconsiderar a constante exploração do trabalho a que esses encontram-se submetidos e como esses acabam contribuindo para aumentar as divisas do agronegócio brasileiro. Analisando o processo migratório nas regiões do Centro-Sul de Sergipe em direção ao Litoral Norte da Bahia o trabalho realizado por Pereira (2002) mostra a forma como o capital se apropriou historicamente do espaço agrário brasileiro, sob o viés da “modernização”; e promoveu intensas mudanças no espaço citrícola no país e na região, subordinando-o aos interesses do capital que sempre contou com o apoio do Estado. Segundo a autora, no momento em que o capital se apropria do espaço citrícola sergipano e passa a subordinar a lógica produtiva para exportação, muitos produtores (sobretudo os pequenos) são condenados, já que não conseguem elevar sua produção de acordo com os ditames do mercado, tornando-se devedores e passando, supostamente, a serem expropriados pelo capital. Daí por diante, os produtores são atraídos por novos espaços, na fronteira SE/BA, cuja expansão pode ser explicada pela subordinação ao capital financeiro. Desta forma, eles se desterritorializam dos espaços sergipanos e passam a buscar uma nova territorialização nos espaços baianos. Tal fato pôde ser observado em pesquisa de campo, que constatou uma presença freqüente de citricultores sergipanos que migraram para municípios do Litoral Norte da Bahia, especificamente para Rio Real, sobretudo a partir do final da década de 1970, com um fluxo bastante intensificado na década de 1980. Acrescenta-se a isto, o fato desses produtores sergipanos terem sido fundamentais 164 na consolidação da produção citrícola no Litoral Norte baiano, já que levaram toda experiência de décadas adquiridas no plantio da laranja. Trabalho com a laranja desde 1962, quando comprei uma propriedade em Lagarto, depois vendi e vim para a Bahia, em 1981, mas era tudo mato e só comecei a plantar em 1983. Os primeiros que vieram de Sergipe foram Antonio Gago (de Lagarto) e Zé Dias (de Boquim), na década de 70 mais ou menos. Vim para cá com a previsão de olhar para frente, já plantei fumo, algodão e depois laranja. (Depoimento de J. X. R. – Camponês, residente no Povoado de Loreto/Rio Real-BA). O entrevistado aponta ainda que muitos produtores que chegaram no início da expansão citrícola em Rio Real conseguiram apoios creditícios, agronômicos e tecnológicos, sobretudo do Banco do Nordeste do Brasil e do Banco do Brasil, da EMBRAPA e da EBDA. Assim, parte destes agricultores tornaram-se médios e grandes produtores, inclusive produzindo mudas de laranja para comercializar. Porém, nem todos conseguiram se inserir no processo produtivo e, os que vieram depois, já encontraram uma maior valorização da terra, além de sofrerem de forma mais intensa os efeitos da crise da laranja, no fim da década de 1980 e durante a década de 1990, tornando-se produtores empobrecidos ou mesmo trabalhadores. Assim, o sonho de “ter um bom pedaço de terra” vai se tornando cada vez mais distante da realidade. Assim, a mobilidade desses trabalhadores pode ser explicada pela expropriação desses dos espaços sergipanos, que buscam nos espaços baianos uma possibilidade de se apropriar de um pedaço de terra; e não, simplesmente, pelas vantagens oferecidas a esses produtores diretos, nesse constante movimento desigual e combinado do capital. Entretanto, esses camponeses não se libertam da lógica de mercado, continuando subordinado a ela, buscando se enquadrar nas 165 suas exigências e ao mesmo tempo tendo nos cultivos diversificados uma possibilidade de continuar sobrevivendo do trabalho na terra. Conceição (2007) ao analisar a mobilidade do trabalho no campo em várias regiões do estado de Sergipe, em destaque o Centro-Sul considera que no movimento do capital a classe trabalhadora vem, constantemente, sendo expulsa de seu local de origem, tanto no campo quanto nas cidades. Nas cidades esses trabalhadores geralmente ocupam os espaços das favelas “que revela o contraste do urbano a partir de uma paisagem/local marcada pela materialização dos barracos da miséria” (p. 79). No campo, o discurso da modernização, reforçado pela monopolização e territorialização do capital expulsa os camponeses de suas terras de trabalho, permitindo o processo de subsunção do trabalho ao capital. Na periferia da periferia as políticas da SUDENE irão reforçar a mobilidade crescente de jovens ao urbano, aumentando aceleradamente as populações urbanas, ao tempo que vão “engrossando” o estoque das fileiras do exército de reserva industrial latente. Parte da população rural encontra-se continuamente na iminência de transferir-separa o urbano. Seu fluxo constante para as cidades pressupõe uma contínua superpopulação latente no próprio campo. (CONCEIÇÃO, 2007, p. 80). Por isso, aponta que em Sergipe até a década de 1990 a população urbana duplicou em relação à população rural, de onde centenas de jovens camponeses partiram acompanhando o movimento internacional da relação capitaltrabalho. Ainda a autora ao analisar a mobilidade do trabalho no ciclo da mudança no e do capital em diversas regiões de Sergipe, em destaque a mesorregião de Lagarto (município de Lagarto) e a mesorregião de Boquim (municípios de Boquim e Salgado) aponta que 43,7% dos jovens entrevistados por sua pesquisa se deslocam para o estado de São Paulo seguindo “a trilha da citricultura” tanto por já 166 terem experiência nesse cultivo quanto pelo fato desse não demandar força de trabalho qualificada. É preciso observar que a citricultura corresponde ao interesse da inserção do capital mundial no Brasil, via processo de modernização no campo, com a introdução da tecnologia, ou melhor, com a subordinação da pequena produção à indústria de insumos (...). (...) Em 2002-2003 a cultura de cítricos representava o maio domínio da cultura permanente com uma área colhida de 103,4 mil hectares. A laranja concentrava 50,7 mil hectares, seguida pelo côco-da-baía representavam, na média, 94% da área colhida de culturas permanentes. (CONCEIÇÃO, 2007, p. 90-91). Por outro lado, ao passo em que se verifica o predomínio da cultura de citros, em destaque a laranja nas mesorregiões de Lagarto e Boquim, a autora destaca a permanência de cultivos voltados à subsistência como: mandioca, milho, batata-doce e feijão. Ao analisar o novo padrão de acumulação capitalista a autora aponta que o trabalho deixa de ser fixo para se tornar móvel, disponível ao tempo cíclico curto da “produção, distribuição e circulação do capital” (p. 95), destacando que na contramão do modelo modernizante da organização da produção e do trabalho o capital cria as formas de manter sua reprodução ampliada. Nesse contexto, os jovens se submetem aos baixos salários atendendo aos interesses do lucro, em que a perda dos direitos trabalhistas e o desemprego favorecem a “desrealização do ser na condição de sujeitos asujeitados ao capital” (p. 95). Essa realidade do movimento do capital e suas investidas sobre o trabalho se reproduzem no Centro-Sul de Sergipe e Litoral Norte da Bahia, locais em que a precarização do trabalho industrial e a existência de uma superpopulação de sujeitos expropriados dos meios de produção garantem as condições para a precarização das relações de trabalho, quer sejam no campo ou nas cidades. A 167 montagem de todo aparato pelo Estado para a garantia da reprodução do capital evidencia essa realidade, assunto que trataremos a seguir. 3.3. O Estado e a montagem da infraestrutura para a garantia da reprodução do capital e da renda da terra De acordo com documentos consultados a introdução da laranja em Sergipe inicia-se na década de 1920, sendo influenciada pela produção já existente nos municípios de Alagoinhas, Salvador (atual bairro Cabula) e do Recôncavo Sul Baiano, com destaque para municípios como Cruz das Almas e Sapeaçu. Por meio de entrevistas concedidas por agricultores antigos que vivem nas regiões em estudo, constatamos experiências com esse cultivar anterior a valorização promovida pelo mercado a partir da década de 1960. Dessa forma, considera-se que os investimentos do Estado no sentido de dotar o Centro-Sul de Sergipe e Litoral Norte da Bahia posteriormente se valeram de uma experiência já acumulada por essas famílias e da possibilidade concreta de ampliar essa nos moldes dos interesses do mercado. Manoel Rodrigues dos Santos (Sr. Manolo) começou a plantar laranja em Boquim, lá não tinha muita laranja, era mais fumo, que era levado de burro para comercializar. Ele tem quase perto de 80 anos. Ele começou em 1948-1950. Manolo comprou a laranja e começou a plantar lá. Hoje, ele compra muda em Rio Real – Zé Dias e Antonio Gago são os vendedores de mudas. (Pesquisa de campo – Depoimento de J. X. R – Camponês, Município de Rio Real-BA). No ano de 1960, adquirindo dimensão de cultivo comercial os municípios do Centro-Sul de Sergipe já possuíam 960 hectares plantados. Nas décadas 168 posteriores, continua se expandindo e incorporando espaços agrícolas ao capital nos diversos municípios da região. Mesmo com a crise vivenciada na década de 90, a área plantada continuou crescendo, chegando a atingir 50.000 hectares, de acordo com os dados do IBGE. fato que evidencia toda uma política voltada para a difusão desse cultivar. De acordo com dados do IBGE no ano de 2006 a produção total de laranjas no estado de Sergipe, que se concentra nos municípios do CentroSul, foi de 753.191, equivalendo a 4% da produção nacional. Acrescenta-se a esse fato uma tendência ao abandono da atividade citrícola por parte dos pequenos produtores, por conta das dificuldades de acompanhar os altos custos necessários a produção desse cultivar, ancorado no uso intenso de produtos químicos, além do controle na produção de mudas que acabou por agravar as condições desses agricultores e, por outro lado, e a incorporação de propriedades em espaços não contínuos pelos médios e grandes produtores, que adquirem terras em diversos municípios do Centro-Sul de Sergipe, como Cristinápolis, Umbaúba e Itabaianinha, quanto no Litoral Norte da Bahia, nos municípios de Rio Real, Inhambupe, Esplanada e Entre Rios; além de Itapicuru, na região Nordeste da Bahia. Posteriormente, a atividade citrícola no Estado de Sergipe começa a incorporar outros espaços à produção – a exemplo do Platô de Neópolis, localizado no Baixo São Francisco, sobretudo a partir da década de 1990, quando começa a ser viabilizada uma série de experimentos e tecnologias visando o cultivo irrigado de laranja. Mais uma vez, assiste-se à incorporação de novos espaços ao capital, com a expansão de novas áreas plantadas. Durante realização de trabalho de campo, tivemos a oportunidade de observar opiniões divergentes quanto às possibilidades de ampliação do cultivo da laranja para essa região. De um lado há 169 os que consideram inviável a produção de laranja irrigada no Platô de Neópolis (opinião de alguns agrônomos, preocupados com os efeitos, inclusive ambientais deste processo) e os que consideram essa região viável para esse tipo de produção (com destaque para os empresários industriais e grandes proprietários da região, na busca de novos espaços para expandir a produção) na garantia de maior lucro e extração da renda da terra. Os últimos afirmam que os experimentos já começam a dar algum tipo de retorno. Com a mudança da produção de laranja para escala comercial as terras dos municípios do Centro-Sul de Sergipe passa por uma considerável valorização, fato que leva muitos camponeses mais pobres a saírem de suas terras, mediante especulação ou vendê-las, migrando para outros locais. Muitas famílias, aproveitado-se da proximidade com municípios do LiItoral Norte da Bahia, a exemplo de Rio Real, se deslocam para esses locais adquirindo pequenas porções de terra. Nesses locais iniciam a produção de laranja, recriando as condições para que o capital, representado pelas primeiras indústrias que passam a se instalar nas regiões despertem o interesse em se apropriar dessa produção também. A partir da década de 1980 em diante, o governo do estado da Bahia e o governo federal passam a dotar a região de infraestrutura necessária a expansão nos moldes comerciais capitalistas. A valorização das terras torna-se evidente assim como a dificuldade dos pequenos agricultores continuarem seus espaços de reprodução social. Dessa forma, a Região do Litoral Norte, com destaque para o município de Rio Real, Inhambupe e além de Itapicuru, passa a representar os novos espaços agrícolas do capital, incorporando-lhes outra lógica de reprodução social. De acordo com dados fornecidos por técnicos da EBDA (2003), em 170 pesquisa de campo, a área de produção de laranja dos referidos municípios possui em torno de 25 mil, 7 e 5 mil hectares respectivamente. Os dados disponibilizados pelo IBGE (2006) apontam que nesse ano o estado produziu 916.521 toneladas, o equivalente a 5% da produção nacional. Destaca-se o fato do município de Rio Real ser o maior produtor do Estado, concentrando quase a metade da produção estadual. Cabe considerar que o Brasil atualmente é o maior produtor de laranja. Dessa produção, o Estado de São Paulo concentra 80% do total, obtendo uma produção de 14.367.011 toneladas. Apesar disso, em entrevistas disponibilizadas por técnicos vinculados a órgãos públicos e pesquisadores esses destacam as possibilidades concretas na ampliação da produção do eixo Centro-Sul de Sergipe e Litoral Norte da Bahia dada a “disponibilidade” de terras ainda ser elevada nessas regiões. Questiona-se esse raciocínio na medida em que desconsidera-se essas encontram-se efetivamente “ocupadas”. A presença de uma significativa quantidade de unidades de produção familiares cuja lógica, predominantemente, camponesa volta-se ao atendimento dos mercados locais e das necessidades concretas das famílias que produzem. Destaca-se ainda a cooptação do poder público pelo capital, na medida em que o projeto de “desenvolvimento regional” passa a ser implementado com toda sua estrutura financiada pelo estado, ou seja, recursos públicos voltados para a garantia da reprodução do capital. O Estado é responsável por toda rede necessária ao escoamento da produção como também a criação de órgãos de pesquisa e extensão rural cujo objetivo central é difundir o cultivo de citros nessas regiões. Assim, verifica-se a montagem de um aparato financeiro, técnico e científico, representado pela presença dos bancos (Banco do Brasil e Banco do 171 Nordeste do Brasil), além de empresas de pesquisas, extensão e fiscalização (Embrapa, EBDA e ADAB). Nesse processo de expansão da fronteira citrícola em direção ao Litoral Norte da Bahia e ao município de Rio Real, alguns aspectos locacionais e infra-estruturais devem ser enfatizados. É o caso da abertura e do asfaltamento da BR-101, que favoreceu a incorporação de alguns povoados agrícolas à produção da laranja, a exemplo do Povoado de Loreto. Essa rodovia possibilitou ainda o acesso à cidade de Rio Real, por intermédio da BA 396, conforme destaca o diagnóstico realizado pelo Banco do Brasil, em parceria com a Prefeitura Municipal de Rio Real e a EBDA, em 1995. Com o asfalto da BR 101 por volta de 1965 e a abertura da rodovia BA-396 que liga Loreto a Rio Real, o crescimento apareceu aliado a chegada dos sergipanos, a partir de 1968, com a formação dos primeiros pomares de laranja (200 tarefas) pelo Sr. José dos Santos, conhecido como Antonio Gago. Nesse diagnóstico desenvolvido pelo Banco do Brasil e EBDA fica evidente que o objetivo era promover os interesses do próprio capital viabilizando não apenas a expansão do cultivo da laranja, mas as vias de circulação para que o produto chegasse a seu mercado. Não se pode negar, contudo, a importância do asfaltamento dessa rodovia para a população local, contudo esse não aconteceu tendo como objetivo central promover melhorias para aqueles que viviam nesses espaços. Acrescenta-se a isso que é pela BR 101 que circula grande parte da produção de laranja, inclusive do suco concentrado e congelado produzido pelas indústrias que por meio da rodovia chega ao Porto de Salvador (principalmente) e é exportado para os mercados europeus. 172 Mediante a montagem de toda infraestrutura em que vultosos recursos públicos foram investidos29 verifica-se no território a consolidação da laranja enquanto cultivo comercial predominante, algo que adquire maior significado em fins da década de 1970 e no decorrer da década de 1980, período em que ocorre o boom econômico na região, somado à chegada das primeiras indústrias processadoras de suco, de acordo com informações fornecidas pelo Chefe do órgão local da EBDA – Rio Real. Ele destaca ainda que, em 1988/89, foram conseguidos preços razoáveis para a laranja, os quais começaram a cair, na década de 1990, encontrando seu ponto mais crítico entre os anos de 1997/1998 (quando a crise se agravou). A partir de 2000, os preços começaram a reagir, apresentando, desde então, perspectivas de superação da “crise”. Cabe salientar, contudo, que a “crise” da produção da laranja acompanha o próprio movimento do capital em nível mundial. Do ponto de vista daqueles produtores de laranja nas regiões em estudo, evidencia-se que esses acabam ficando “sujeitos” aos preços das indústrias, vinculada ao movimento do capital mundial. Para aqueles agricultores capitalizados essas questões embora lhe afete, não o impede de programar a produção, investir em outros cultivos e criações em escala comercial, etc. Para os pequenos agricultores mais pobres verifica-se a sujeição completa, o endividamento e, muitas vezes a perda da terra. Por outro lado, esses também buscam formas de reagir a lógica única do mercado, o como reflexo mais evidente dessa dificuldade na produção da laranja, passaram a viabilizar alternativas para sobreviver da/na terra, diversificando os cultivos (com o exemplo do coco e do maracujá) e investindo na criação de animais 29 Sobre isso cabe lembrar o que Martins (1981) se ancorando na leitura de Marx destaca, que ao capital não interesse despender dinheiro com infraestrutura que garanta sua reprodução, posto que isso promoveria a imobilização de parte do seu capital, daí a importância do papel desempenhado pelo Estado, posto que é esse quem assume tais gastos infraestruturais que garantem a reprodução do capital. Essa realidade é evidente no Centro-Sul de Sergipe e Litoral Norte da Bahia. 173 – principalmente o gado bovino; associando a produção voltada a subsistência da família. No entanto, a partir do momento em que os preços da laranja começam a apresentar sinais de recuperação, entre 1999/2000, os produtores retomam seu cultivo. A partir do ano de 2000 após alguns anos de queda crescente nos preços da laranja e mediante os primeiros sinais de melhoras nesse, verifica-se todo o interesse dos agricultores em retomar e ampliar essa produção. Com isso, associado ao processo de valorização das terras, verifica-se a expansão citrícola, principalmente nas grandes e médias propriedades, em virtude da compra de novas áreas, realidade enfatizada pelo Coordenador da EBDA de Rio Real: Agora estão querendo expandir por causa dos preços, o preço está favorável, então o pessoal está comprando e inflacionando o valor da tarefa/hectare. Uma tarefa hoje vale em torno de 4 mil reais a depender da idade dos laranjais. Um sítio plantado com laranja – 3 a 4 mil reais. Se a laranja for mais velha, é mais barato. Há alguns anos (3 anos) atrás era 800 a 900 reais a tarefa, podendo chegar a 1.200 reais. (Pesquisa de Campo, depoimento de J. Leoni Coordenador da EBDA de Rio Real – BA). Essa realidade repercute, negativamente, para aqueles poucos camponeses que resistem na terra, pois passam a ser, constantemente, pressionados para vender suas terras para empresas e grandes latifundiários, promovendo o agravamento dos condições sociais já existentes nessas regiões. Desprovidos da sua condição de sobrevivência – a terra, esses camponeses desterritorializados passam a engrossar o considerável exército de reserva. O processo de “modernização” nas regiões citrícolas do Centro-Sul de Sergipe e Litoral Norte da Bahia, se efetiva mediante a seleção dos produtores de laranja, impulsionado pelo Estado para atender as demandas das grandes 174 empresas do agronegócio. Nesse processo, separam-se os que podem pagar o preço dessa inserção produtiva dos que não podem e, por isso, perdem suas terras, ou são abandonados à própria sorte. Frente a essa realidade, evidencia a necessidade de se fazer uma revisão na política agrícola do Estado brasileiro, com uma reforma na sua estrutura fundiária, buscando organizar a base produtiva camponesa dos pequenos proprietários e proletários rurais, adequando-os às necessidades estabelecidas do módulo fiscal de cada área definida pelo MDA/INCRA. Deve-se estimular a organização dos pequenos proprietários e trabalhadores rurais com o fortalecimento das cooperativas, associações e sindicatos, mesmo porque isso não tende a acontecer espontaneamente no desenvolvimento do modo de produção capitalista na agricultura. Compete ao Estado aparar as desigualdades entre o capital e o trabalho, estabelecendo regras que coloquem os envolvidos no processo produtivo em condições moralmente aceitáveis, para que não haja o aviltamento do pequeno proprietário e do proletário rural dentro do processo produtivo, em face da supremacia do poder econômico. A produção de laranja se transformou, nesses últimos 40 anos, numa das principais atividades econômicas voltadas para a exportação, incorporou um extenso número de intermediários, um mais amplo jogo de interesses contraditórios, a adaptação dos padrões de racionalidade e de produtividade, impostos em grande parte por relações que são totalmente externas aos produtores agrícolas. Diversos estudos destacam a expansão da atividade citrícola no país, que toma novo rumo no Estado de São Paulo, no início do século 20, embora seja dinamizado a partir da década de 50 e, posteriormente, há um redirecionamento em outros Estados do país, inclusive nos Estados do Nordeste – como Sergipe e Bahia. 175 A partir de então o país se consolida como o maior produtor de laranja e, posteriormente passa a ocupar o posto de maior exportador de suco concentrado do mundo. Segundo a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura – FAO –, o Brasil é o maior produtor mundial de laranja, contribuindo com mais de 30% da oferta global. Esta posição foi alcançada principalmente em função dos rigorosos invernos nas décadas de 60 e 80 – ocorridos na região da Flórida (...); do aparecimento de cancro cítrico que provocaram sérios danos aos laranjais dos Estados Unidos, reduzindo a oferta deste país e elevando sua demanda pelo suco brasileiro e também da política cambial adotada pelo Governo para exportações. As condições internas favoráveis para a expansão dessa cultura como terras, créditos e os elementos modernizadores contribuíram para essa posição alcançada pelo Brasil. (SANTOS, 1990, p. 23). Contraditoriamente, essa realidade não significa o total desaparecimento das pequenas unidades de produção, mas o processo de sujeição dessa renda camponesa ao capital. Wanderley (1988) indica que uns dos fatores que explicam a persistência da sujeição dos pequenos produtores de laranja a rede de intermediação e exploração a que estão expostos em Sergipe e na Bahia, são as relações de dependência e subordinação em relação ao capital industrial e financeiro. Essas relações de dependência variam desde pequenas encomendas, informações, até o repasse de crédito e transportes. A história econômica da região dos laranjais de Sergipe e sua expansão para o Litoral Norte da Bahia esteve ligada a produção de cana-de-açúcar, algodão, fumo, pecuária, a agricultura de subsistência (feijão, milho, amendoim, batata-doce, criação de galinhas e outros) e, a partir da década de 60, surge indícios de um movimento de especialização da citricultura, fato que mais tarde proporcionou a 176 implantação das indústrias de suco concentrado para fins de exportação. (SANTOS & ANDRADE, 1980). Apesar da persistência de pequenos produtores na região citrícola do Centro-Sul de Sergipe e Litoral Norte da Bahia Akcelrud (1987), Oliveira (1996) e Gonçalves Neto (1996) destacam que o modelo econômico implantado a partir de 64 acentuou o quadro de concentração fundiária existente, agravou as desigualdades sociais no campo, aumentou o poder e a penetração do grande capital e estimulou a expulsão de contingentes enormes de trabalhadores rurais das terras que ocupavam, o que não foge a regra do que aconteceu em todo país. Contra a necessidade econômica, contra a aspiração social e a mobilização política pela democratização da terra, o modelo pós-64 favoreceu mais do que nunca, a grande propriedade e os grandes capitais agroindustriais, aspectos que podem ser observados na região em estudo; por outro lado, verifica-se o acirramento dos conflitos dos trabalhadores, na busca do emprego que lhes garanta a sobrevivência e a reprodução da família o que ocasiona na precarização das condições de trabalho na região, na subordinação dos camponeses ao capital industrial e financeiro e nos conflitos por terra. Ao tratar do processo de expansão das indústrias no campo, em que não foge a regra a realidade verificada na região citrícola baiana e sergipana, destacamos o estudo realizado por Mazzali (2001) que evidencia o papel desempenhado pelo Estado no sentido de promover o “desenvolvimento” regional, a partir do qual verificou-se um processo de reorganização agroindustrial, sobre a forma de redes, com ênfase na mobilidade dessas indústrias que representam novas estratégias de acumulação e reestruturação do capital. Esse afirma que: 177 A flexibilidade (ou fuga da rigidez) foi o princípio orientador desse processo de reestruturação. Como um desdobramento, a reformulação das formas de organização das atividades produtivas e da estrutura administrativa esteve na base da estratégia de reestruturação da “agroindústria processadora”. Nesses termos, as empresas tiveram por objetivo fundamental a aquisição de maior mobilidade, visando ao aumento da capacidade de resposta aos novos contornos – internacionais e nacionais –, no centro dos quais situam-se profundas mudanças macroeconômicas e tecnológicas (p.12). Sobre a política de incentivos as médias e grandes propriedades e os cultivos destinados ao mercado externo, Andrade (1986) avaliou que as agências de desenvolvimento como a Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE) criaram facilidades às atividades econômicas voltadas para exportação. Afirma que isso provocou alterações no processo de produção com agregação de tecnologias modernas e também a “destruição” das formas de relações de trabalho tradicionais. As formas tradicionais de exploração da força de trabalho rural passam a dar lugar a novas formas de produção, em que a mais-valia relativa e a capacidade de capitalização da pequena produção se transformam no centro de reestruturação das relações de produção. Considerando esse realidade e seus rebatimentos no Centro-Sul de Sergipe e Litoral Norte da Bahia pode-se considerar que as investidas das empresas capitalistas e latifundiários locais, que mediante valorização das terras promoveram a expulsão de muitas famílias camponesas, por outro lado não promoveu sua extinção por completo, tendo em vista que em trabalho de campo realizado nessas regiões conseguimos constatar a permanência de muitas dessas unidades. Contudo, essas sofrem transformações, são constantemente influenciadas a inserirem-se, de forma subordinada, a rede da produção da laranja. Nesse processo, o capital não expropria o camponês, mas cria formas de se apropriar de sua renda. 178 No estudo das regiões do Litoral Norte da Bahia e Centro-Sul de Sergipe, nota-se que o impacto causado pelas modificações recentes implantadas no campo via difusão da tecnologia, se por um lado proporcionou o aumento na área e produção de laranja, por outro, não se reverteu em melhoria das condições de vida e valorização do homem nordestino. O que se constata é justamente o contrário: um quadro de abandono, em que crianças e adolescentes vivem ávidas de algum tipo de trabalho a fim de suprir a carência de seus familiares. A situação de miséria e abandono social está presente tanto na cidade como no campo dessas duas regiões “promissoras” para a lógica do capital. Uma forma encontrada na mudança, em que se procura manter o estado em que se encontram as coisas, seja pela adaptação na mudança das relações de trabalho, seja pela alteração no cotidiano dos que precisam vender sua força de trabalho ou pelas formas de sobrevivência impostas na vida das pessoas no mundo rural ou urbano. Tudo isso faz com que se acentue as disparidades econômicas e as desigualdades sociais. Toda essa realidade brasileira e da América Latina, se reflete nos espaços urbanos e rurais por causa da introdução de modelos insustentáveis para a promoção do homem e do lugar: desterritorização, mudança e intensa mobilidade em busca do elo perdido, tempo da técnica, tempo do trabalho árduo, espaço do trabalho e espaço para não se permitir o trabalho. Eis um processo de urbanização com anomalias e rugosidades, em que se perde o respeito pelo próximo, pela natureza e pela vida. As relações sociais se modificam e o mundo rural e urbano se torna confuso, complexo, na aparência e na essência. A custa de uma realidade social aviltante para aqueles que vivem do trabalho, o capital amplia seus tentáculos no território. A produção da laranja é crescente, assim como a degradação da condições de trabalho e a sujeição dos 179 camponeses ao capital. A figura 02 apresenta a área colhida da laranja nos dois estados do Nordeste Brasileiro, com destaque para os municípios pesquisados que se localizam na fronteira. Figura 02 Estado da Bahia e Sergipe Área colhida da laranja por município em 2007 Fonte: FIBGE, Out 2008. Dados 2007. 180 Figura 03 Estado da Bahia Municípios: área colhida em hectares de laranja 2007 Fonte: FIBGE, Out 2008. Dados 2007 181 Figura 04 Estado de Sergipe Municípios: área Colhida em hectares de laranja de Sergipe 2007 Fonte: FIBGE, Out 2008. Dados 2007. 182 A figura 03 apresenta a produção de laranja no estado da Bahia. Pode -se observar uma produção mais significativa no município de Rio Real, maior produtor desse estado, seguido dos municípios de Inhambupe e Itapicuru, localizado na região Nordeste da Bahia. A figura 04 destaca a produção de Laranja no estado de Sergipe, que se concentra, principalmente, nos municípios do Centro-Sul. O maior produtor do Estado é o município de Itabaianinha, seguido dos municípios de Cristinápolis, Lagarto, Boquim, Salgado, Arauá e outros. A seguir, a tabela 10 demonstra a área colhida dos municípios do Centro-Sul de Sergipe entre o período de 1987-2007. Considerando o crescimento da área colhida de laranja nos municípios do Centro-Sul de Sergipe, no período de 1987-2007, pode-se observar esses dados na tabela 10 a seguir. Tabela 10 - Estado de Sergipe – Região Citrícola Área Colhida Com Laranja Por Município, 1987-2007 ÁREA COLHIDA/ em hectares MUNICÍPIO 1987 1991 1994 1997 2001 Arauá 2.951 3.496 3.616 3.703 3.944 Boquim 5.576 5.616 5.685 5.785 5.132 Cristinápolis 631 1.896 2.363 2.545 5.209 Estância 633 1.190 1.395 1.807 2.254 Indiaroba 108 608 1.198 1.824 2.209 Itabaianinha 2.554 3.362 3.662 3.700 5.808 Itaporanga Dájuda 430 552 633 817 822 Lagarto 4.556 4.981 5.350 5.745 5.291 Pedrinhas 1.494 1.561 1.573 1.588 1.389 Riachão do Dantas 2.959 3.163 3.280 3.430 3.430 Salgado 3.920 4.280 4.374 4.584 4.510 Santa Luzia do Itanhy 401 629 892 1.667 1.996 Tomar de Geru Umbaúba Área da região(A) Área do Estado(B) Relação % A/B 551 2.350 29.114 29.462 98,82 958 2.668 34.960 35.539 98,37 1.243 2.745 38.009 39.195 96,97 Fonte: FIBGE – Produção Agrícola Municipal, 1987-2007. 183 1.361 2.886 41.422 42.270 97,99 2007 4.331 4.934 5.919 2.622 2.873 7.366 1.292 5.400 1.420 3.500 4.600 2.603 2.947 3.106 3.107 3.417 48.048 53.383 49.764 55.272 96,55 96,58 De acordo com os dados da tabela 10, observa-se que o município de Boquim, no ano de 1987, apresentou a maior área colhida da região, o correspondente a 5.526 hectares, dos 29.114 da região, o que equivale a 19% da produção da região e 18% da produção estadual respectivamente. Boquim foi seguido de Lagarto, onde encontra-se localizada a Cooperativa Mista dos Agricultores do Treze – COOPERTREZE, com 4.556 hectares (ou 16% da produção regional e 15% da produção estadual); Salgado, com 3.920 hectares (ou 13% da área colhida regional e estadual respectivamente) e Arauá com 2.951 hectares (o equivalente a 10% da área da região e do Estado). Quanto à participação da região na área colhida do estado, ela passa de 29.114 hectares, o equivalente a 98,82% no ano de 1987, para 53.383 hectares (dos 55.272 hectares, que corresponde a toda a área colhida do estado), equivalente a 96,55% no ano de 2007. Este pequeno decréscimo na área colhida estadual pode ser explicado pela expansão da atividade citrícola sergipana em direção a região do Platô de Neópolis, especialmente os municípios de Neópolis, Santana do São Francisco e Pacatuba, na década de 1990. Estes municípios representam novos projetos de expansão do capital, a partir da difusão de tecnologia para plantios irrigados. Ainda assim, torna-se visível a concentração do cultivo da laranja no estado de Sergipe nos municípios do Centro-Sul. Em 2001, a área colhida no município de Boquim foi superada pela expansão ocorrida nos municípios de Itabaianinha, com 5.808 dos 48.048 hectares colhidos na região (ou 12% da área colhida) e dos 49.764 hectares colhidos no estado (ou um percentual de 11%); Lagarto, com 5.291hectares colhidos (ou 11% da área plantada regional e 10% da área plantada estadual); e Cristinápolis, com 5.209 hectares colhidos (ou 10% da área da região e do Estado) – nesse último 184 município, destaca-se o fato de o maior produtor da região dispor de várias fazendas, o que elevou a sua participação na área colhida regional e estadual. Alguns municípios, onde a expansão citrícola se deu posteriormente à disponibilidade de áreas agrícolas, foram, rapidamente, incorporadas à lógica produtiva. Em 2001, Boquim ocupava a posição de quarto lugar em área colhida regional e estadual, com 5.132 hectares colhidos (cerca de 10% da área colhida). Em 2007, como resultado do programa de revitalização da citricultura sergipana, Boquim reduz sua área colhida com a erradicação de muitos pés velhos e plantio de novos. Nos demais municípios citrícolas da região houve um aumento da área colhida. De acordo com o discurso oficial difundido pelos órgãos públicos atuantes na região tal crescimento pode ser explicado pelos resultados alcançados pelo programa de revitalização iniciado em 2004 pelo estado de Sergipe. No entanto, para nós, tomando por base dados coletados em trabalho de campo essa expansão significou a incorporação do novas terras a lógica produtiva do capital que se refletiu na concentração de terras nas mãos de latifundiários e empresas rurais como também por meio da sujeição camponesa ao capital. Os dados do IBGE referentes a área colhida de laranja (figura 05) no ano de 2007 e da produção de laranja em toneladas para esse mesmo ano (figura 6) podem ser observados a seguir. 185 Figura 05 Considera-se que o Programa de Revitalização da Citricultura teve como objetivo central selecionar os citricultores, causando graves problemas sociais na região, tendo em vista a perda da terra para muitas famílias e o endividamento ou mesmo a impossibilidade dos camponeses que permanecem em suas terras de participar do processo produtivo. Assim, fica evidenciado que a área citrícola se distribuiu com o fortalecimento de outros municípios da região, passa a ter nova dinâmica a “região citrícola” do Centro-Sul sergipano, demonstrando a predominância dessa atividade na sua economia, ou seja, na especialização da 186 produção, em montão com a pecuária extensiva dos médios e grandes proprietários do estado de Sergipe. Figura 06 A partir da expansão da laranja e baseando-se em critérios ecológicos, estudos elaborados por técnicos da SUDAP, (atualmente EMDAGRO), apresentam uma divisão da região que é identificada em quatro zonas: Zona I – Boquim, Pedrinhas e Riachão do Dantas – Área tradicional; Zona II – Arauá e Itabaianinha – Área tradicional; 187 Zona III – Lagarto, Salgado e Itaporanga D’Ajuda – Área de expansão; Zona IV – Umbaúba, Cristinápolis, Santa Luzia do Itanhy , Tomar do Geru, Estância e Indiaroba – Área de expansão. Atualmente, as zonas III e IV, caracterizadas, no momento, como áreas de expansão, foram, de fato, incorporadas pela atividade citrícola. Essa divisão pode ser observada na figura 07 a seguir. Figura 07 Fonte: EMDAGRO e SEI, 2003. Organização: Altemar Amaral Rocha, 2009. 188 Com relação à Região do Litoral Norte da Bahia, verifica-se que o município de Rio Real concentra a maior parte da área colhida de laranja. Entretanto, é visível uma tendência à expansão em direção a outros municípios como Itapicuru, Entre Rios, Esplanada, Inhambupe, que representam as novas possibilidades de expansão dos grandes proprietários produtores de laranja e do capital na região. Os dados referentes à expansão da área colhida, entre os anos de 1990 e 2007, podem ser observados na tabela 11. Tabela 11 Estado da Bahia – Região do Litoral Norte Área colhida com Laranja por Município, 1990-2007 MUNICÍPIOS ÁREA COLHIDA/ em hectares 1990 1994 1997 1999 2001 2007 Acajutiba 300 400 250 250 250 180 Alagoinhas 1.605 1.200 1.312 1.180 1.000 1.150 Aporá 80 112 112 30 75 75 Araçás 60 60 60 60 40 40 Aramari 75 75 160 160 150 150 Cardeal da Silva 4 60 60 60 60 60 Catu 24 24 24 24 24 34 Conde 200 Entre Rios 400 800 860 750 650 650 Esplanada 200 285 38 38 38 1.200 Inhambupe 1.265 3.500 5.400 5.400 5.350 5.350 Itanagra 23 25 20 10 5 Jandaíra 200 660 800 800 800 800 Mata de São João 60 47 50 28 37 7 Ouriçangas 22 22 22 22 22 22 Pedrão 2 10 10 10 10 5 Pojuca 14 16 12 9 3 28 Rio Real 10.800 20.000 25.000 23.000 23.000 23.000 São Sebastião do Passe 120 120 120 120 84 14 Sátiro Dias 8 10 300 100 40 100 Total da Região (A) 15.262 27.426 34.615 32.051 31.638 33.065 Total do Estado (B) 28.691 42.748 54.150 49.270 49.449 54.213 Relação % A/B 53,19 64,15 63,92 65,05 63,98 60,99 Fonte: IBGE – Produção Agrícola Municipal 1990 – 2006 No ano de 1990 a Região do Litoral Norte foi responsável por 15.262 hectares colhidos de laranja, do total de 28.691 hectares de todo o estado da Bahia, o que corresponde a 53,19% da área colhida. Neste mesmo ano, Rio Real foi responsável por 10.800 hectares, ou cerca de 71% da área colhida regional e 38% 189 da estadual. Em 1997, período de crise na citricultura, o município de Rio Real obteve 25.000 hectares colhidos, o que correspondeu a 72% da área colhida regional e 46% da estadual. Entre os anos de 1990 e 1997, o município de Rio Real alcançou um crescimento de mais de 112% na sua área citrícola, tornando-se o maior município em área colhida de laranja do Nordeste e segundo do Brasil. Para que essa expansão ocorresse em um período tão rápido, atraindo o capital nacional e internacional. Destaca-se o papel desempenhado pelo Governo do estado da Bahia, na criação de órgãos de pesquisa e programas voltados para estimular a citricultura na região. Nos anos posteriores, entretanto, com a crise que se abateu sobre a citricultura, os municípios do Litoral Norte da Bahia apresentaram quedas consideráveis nas suas produções. Apesar disso, o município de Rio Real continuou apresentando a maior área colhida da região, do estado e da Região Nordeste do país. Assim, no ano de 2001 e 2007, respectivamente, esse município foi responsável por 23.000 hectares colhidos, do total de 31.638 e 33.065 na região (ou 73% e 69,55% de toda a área colhida nos anos de 2001 e 2007) e dos 49.449 e 54.213 hectares colhidos no estado nesses anos (ou seja, 46,5% e 42,42 da produção estadual). Com relação à participação da Região do Litoral Norte nas áreas citrícolas no estado da Bahia, ela salta de 53,19% em 1990, para 63,98% em 2001 e reduz para 60,99%, ainda assim sobressaindo-se em relação a municípios com tradição na citricultura no estado da Bahia, como Cruz das Almas e Sapeaçu, no Recôncavo Baiano. Cabe-nos destacar que para além dos dados, os principais motivos que levaram a expansão e especialização da produção não foram simplesmente uma tendência natural ou a tradição dessa região para tal cultivo, mas os interesses do 190 capital (sobretudo industrial e financeiro) em difundir essa produção e se apropriar dos resultados do produto do trabalho realizado pelos camponeses e trabalhadores da laranja, contando, com isso, com todo incentivo por parte do Estado e tendo nos latifundiários da região seus aliados diretos. A aliança Estado-Capital-Latifúndio pode ser observada na medida em que, embora personifique realidades distintas, muitas vezes se confundem na mesma pessoa. Assim, o latifundiário se associa a indústria, passando a auferir renda da terra e lucro, ou fazem parte da estrutura do estado, e ocupando cargos públicos promovem projetos voltados para benefícios próprios, dentre outras relações. Para se obter uma visualização do processo de apropriação dos espaços nos estados da Bahia e de Sergipe para a produção citrícola, compreendido apenas como uma representação que, em momento algum substitui os processos históricos pode-se observar na figura 08 . Acrescenta-se que além das regiões denominadas Litoral Norte (em destaque os municípios de Rio Real e Inhambupe), Nordeste (principalmente o município de Itapicuru) e Recôncavo Sul (com municípios tradicionais na produção de laranja como Cruz das Almas, Sapeaçu, Santo Antonio de Jesus e outros), no estado da Bahia e o Centro-Sul no estado de Sergipe, acrescenta-se as novas experiências voltadas para esse cultivar no Platô de Neopólis, no Baixo São Francisco, que conforme já apontado constitui-se em possibilidades futuras para a apropriação capitalista. No estado de Sergipe, destaca-se produção dos municípios do Centro-Sul do estado, que no mapa pode ser observados, mais ou menos, tomando por base a margem direita do Rio VazaBarris na região agreste e litoral sul. 191 Figura 08 – Regiões produtoras de Laranja nos estados da Bahia e de Sergipe, 2009. Fonte: SEI, IBGE e SEC/SE; Elaborado por Altemar Amaral Rocha, UESB-DG, 2009. 192 A localização das principais áreas dos pomares na Bahia está entre os municípios do Agreste de Alagoinhas, Litoral Norte e Recôncavo, superior a 1.500 Km² ou o equivalente a 150.000 hectares disponíveis para a citricultura. Passos (1998) apresenta uma classificação levando em consideração as atividades ecológicas e a tradição agrícola para a citricultura: Zona I – Rio Real, Jandaíra, Inhambupe, Entre Rios, Acajutiba e Alagoinhas. Zona II – Catu, São Sebastião do Passé, Pojuca e Mata de São João. Zona III – Feira de Santana, Conceição do Jacuípe, Amélia Rodrigues, São Gonçalo dos Campos, Conceição de Feira, Santo Amaro (parte). Zona IV – Santo Amaro (parte), Cachoeira, São Felix, Muritiba, Governador Mangabeira, Cruz das Almas, Sapeaçu, Castro Alves. Zona V – Conceição do Almeida, São Felipe, Santo Antônio de Jesus, São Miguel das Matas, D. Macedo Costa, Muniz Ferreira, Jaguaribe. Zona VI – Elísio Medrado, Amargosa e Lage. Entre essas “zonas” destacam-se as de número I consideradas atualmente as maiores produtoras do estado, englobando municípios do Litoral Norte do estado e IV enquanto áreas de produção antiga e conta com determinados equipamentos e órgãos de fomento a esse tipo de produção, com destaque a EMBRAPA e a Escola de Agronomia no município de Cruz das Almas da UFBA. Acrescenta-se que a fronteira atual da produção da laranja o Estado espalhou-se para a região Nordeste tendo no município de Itapicuru um dos maiores produtores do estado. Assim, considera-se que o capital não tem fronteira fixa, e a partir de seu desenvolvimento desigual e combinado se instala onde encontra as condições concretas de se reproduzir. 193 Considerando tal expansão, acrescenta-se que no ano de 2007 o estado de Sergipe apresentou uma área colhida de laranja de 55.272 hectares e o estado da Bahia 54.213 hectares (IBGE, 2007). Assim, o total de área plantada, multiplicado por 100 pés de laranja por hectare, fica em torno de 5.400.000 de pés para cada estado. Além disso, o eixo da laranja está mudado, saiu de Boquim e espalhou-se para Itabaianinha, Lagarto, Umbaúba e Cristinápolis, esses dois últimos favorecidos pela localização geográfica, pois por esses municípios passa a BR – 101, que os tem beneficiado, mais recentemente, no processo de comercialização e circulação da laranja. Essa mesma realidade é visível em Rio Real, que além de grande produtor, se tornou o principal centro para beneficiamento e comércio da laranja dos municípios produtores do Litoral Norte da Bahia, passando a ser o principal ponto de convergência e intermediação da Região. Nessa expansão, não se pode desconsiderar as contradições inerentes a apropriação desse espaços pelo capital esse se reproduz na precarização das condições de trabalho e na sujeição dos camponeses que se mantêm na terra. Os trabalhadores da laranja, conforme observado em trabalho de campo são precarizados, não possuem direitos trabalhistas, realizam jornadas extensivas de trabalho e em diversos momentos do ano sequer tem acesso a esse direito. Na indústria, por exemplo, deixam de receber parte das horas-extras que fazem e que são suas por direito para receber um salário no período em que a indústria encontra-se fechada. Ou seja, para não se constituir um ônus para os capitalistas, esses mesmos são os que precisam garantir o salário quando os capitalistas não obtêm o lucro no processo produtivo. No campo a precarização se expressa na presença do empreiteiro que garante a flexibilização das condições de trabalho. Nas 194 cidades, as fileiras de trabalhadores buscam o trabalho nas beneficiadoras da região, no comércio local e no mercado informal de trabalho. A população desempregada é significativa e a existência dessa, por outro lado, acaba por realimentar as condições aviltantes do trabalho. A tais condições de trabalho somase a inoperância dos órgãos competentes para a fiscalização e o crescente desemprego estrutural que acaba por engessar uma atuação mais efetiva dos sindicatos na luta pelos direitos dos trabalhadores. O imperartivo do empresariado com relação à "flexibilização" e "terceirização" não pode influenciar a ordem jurídico-trabalhista até então vigente, pois a classe proletária é prejudicada devido a tais ‘inovações’. O ministério público Federal declarou ilegal a terceirização de mão-de-obra destinada à colheita de laranja em todas as propriedades rurais que desenvolvem atividade agrícola, pessoalmente ou através de prepostos. No entanto os resultados efetivos ainda não são visualizados nas regiões em estudo. A justiça do trabalho considera em suas sentenças e declara em suas decisões que o programa constitucional de nosso Estado de Direito deve-se buscar o pleno emprego, e não a prática do pleno trabalho, melhor ajustando-se essa última meta aos regimes escravocratas. Além da precarização do trabalhador rural expropriado, não se pode desconsiderar a situação dos camponeses que, com sacrifício, busca desenvolver estratégias de permanecer na terra. Impulsionados a plantar a laranja (já que sem isso não teriam acesso aos parcos recursos oferecidos pelo estado) acabam nas mãos das indústrias processadores, sendo ainda parte de sua renda apropriada pelos atravessadores que intermediam a comercialização do produto. Caso o produto (a laranja) seja levada para as beneficiadoras outra parte da renda camponesa fica nas mãos dos donos de beneficiadoras, atravessadores locais. Por 195 fim, o camponês acaba ficando com uma parcela mínima do que produziu por meio do trabalho. O exemplo do camponês pequeno produtor de Boquim, reflete o que acontece com a maioria das pequenas unidades de produção de laranja não só de Sergipe, mas também da Bahia: A situação aqui é precária, dividi e deixei um pouco a laranja e depois plantei também banana, quero plantar batata e milho. Dividindo assim, fica só para o consumo não dá mais para vender nada, pois a área é de apenas um hectare. (Depoimento de M. l C. Santos – Camponês de Olho D’água – Povoado de Boquim/SE). Ainda que tenham dificuldades concretas de permanecerem na terra, esses camponeses vêem no cultivo de produtos voltados a subsistência, aliado ao cultivo comercial da laranja uma possibilidade de continuarem resistindo. Outros tantos se endividam e perde as terras, se proletarizando, conforme já destacando anteriormente. Como a maioria dos pequenos produtores de laranja encontra-se nessa situação, fica difícil imaginar uma “lógica empreendedora”, sem uma alteração da estrutura fundiária. É por conta dessa realidade que nas regiões em estudo o processo de luta pela terra via movimentos sociais adquire significativa proporção, assuntos que veremos no capítulo 4 desta tese. O depoimento do trabalhador sem terra, a seguir, espelha essa realidade, vivenciada por proletários rurais e pequenos proprietários no País. Tenho 42 anos, mas não agüento dar comida a meus cinco filhos. Os filhos são menores, não podem trabalhar. (...) Um dos meus filhos tem 17 anos e não pode trabalhar. Tanto ladrão devia ser punido, o trabalhador não. Se o trabalhador não levar alimento para a cidade, quem vai levar? (...) vivo passando necessidade, dois dos meus filhos tem bolsa escola e recebem R$ 30,00 por mês. Ano passado eles receberam R$ 30,00 e eu gastei R$ 70,00 de material para a escola. (...) Quando meu pai ficou doente eu sustentei a casa. Hoje meu filho não pode trabalhar para me ajudar. (...) a gente 196 trabalha 12 meses no ano e não tem um dia de alegria. Vivo no veneno, com problema de vista. Meu patrão não conhece um pé de laranja mais do que eu. (Depoimento de A. J. dos Santos no ano de 2003– proletário rural de Arauá/SE). Este proletário rural, no momento da entrevista, estava aplicando produto químico para matar formiga, sendo esse altamente tóxico. Como não utilizava os equipamentos necessários, o produto estava em contato direto com as suas mãos, reclamava de problemas com a sua visão, além da fadiga provocada pelo excesso de trabalho. Sabe-se que o referido produto, quando entra em contato com a pele, adentra a corrente sangüínea, provocando danos à saúde de forma generalizada. Os camponeses e os proletários rurais são as principais vítimas do uso generalizado dos formicidas, herbicidas e fungicidas, difundidos pelo modelo perverso e globalizante. Destaca-se ainda que o modelo econômico implantado na lavoura se fundamenta em uma mentalidade extremamente equivocada, de negação do trabalho e das formas de organização simples e comunitária para o desenvolvimento do homem em sua totalidade. Com isso, a generalização da perda da propriedade trabalhista tem provocado anomalias e distorções que repercutem nas formas estabelecidas do processo de produção e reprodução do espaço social, que está presente e que produz tanta riqueza através de um trabalho árduo e honesto, razão de ser do homem nordestino. A produção do espaço se faz por meio do resultado da propriedade do trabalho, do que o trabalhador executou e se revela como um momento intimamente ligado ao ser e estar no espaço. É o resultado do trabalho. (SILVA, 2001: 53). A perda da propriedade do trabalho através de mecanismos de expropriação se intensifica em nome dos novos tempos, com uma prática tão antiga de reger o território. Isso provoca não apenas a perda da propriedade, mas também 197 da possibilidade de ter acesso a um sistema de troca de experiência no campo da saúde, da educação, da dignidade humana e do próprio fortalecimento das verdadeiras raízes do Brasil. Além da nossa origem nativa da América, somos descendentes de Africanos, Asiáticos, Europeus e, sobretudo, latinos, portanto, devemos valorizar a nossa emoção em trabalhar, que é muito superior a cultura da razão tecnificante que os governantes e dirigentes do Estado capitalista insistem em nos impor (DINIZ DOS SANTOS, 2004). 3.3.1 Órgãos atuantes: as políticas públicas para o “desenvolvimento regional” Para entender o processo de expansão da atividade citrícola, no CentroSul de Sergipe e posteriormente no Litoral Norte baiano e entorno, deve-se entender o papel desempenhado pelo Governo Federal e Governos Estaduais – de Sergipe e da Bahia – na montagem de todos os incrementos infraestruturais, tecnológicos, creditícios e agronômicos, com a instalação de bancos, abertura de estradas, instalação de órgãos de pesquisa e extensão rural nestes estados; órgãos de fiscalização, estações experimentais, mercados de produtores, dentre outras medidas, que fizeram com que essas regiões se tornassem atrativas para o capital nacional e internacional. A partir deste aparelhamento, destaca-se a territorialização de diversas indústrias, que vão promover alterações na base produtiva, selecionando os produtores e modificando social e espacialmente a realidade das regiões em estudo. Neste sentido, é mister enfatizar o papel dos órgãos de pesquisa e extensão e dos órgãos de fiscalização instalados no Centro-Sul de Sergipe e Litoral 198 Norte da Bahia e saber qual a participação de cada um deles na organização espacial e produtiva da citricultura. Os principais órgãos atuantes na pesquisa e extensão rural nas regiões do Centro-Sul de Sergipe e Litoral Norte da Bahia são tanto órgãos da esfera federal como a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária – EMBRAPA, quanto órgãos estaduais, destacando-se no estado da Bahia a Empresa Baiana de Desenvolvimento Agropecuário – EBDA e, no Estado de Sergipe, a Empresa de Desenvolvimento Agropecuário de Sergipe – EMDAGRO. Na esfera federal as pesquisas realizadas pela EMBRAPA acabam chegando aos locais em estudo, mesmo que não se tenha um escritório da referida empresa. Apesar disso, apontamos em pesquisa anterior que EMBRAPA – vem atuando na região do Centro-Sul de Sergipe e Litoral Norte da Bahia, na atividade citrícola, a partir de três principais unidades, uma localizada em Sergipe: a EMBRAPA Tabuleiros Costeiros, com sede em Aracaju, capital do Estado; uma localizada no Estado da Bahia: a EMBRAPA Mandioca e Fruticultura, com sede em Cruz das Almas (que desenvolve pesquisas específicas voltadas ao cultivo da laranja); e a terceira, a EMBRAPA-CPATSA (Centro de Pesquisas Agropecuárias do Trópico Semi-Árido) localizada em Petrolina, Estado de Pernambuco, embora ligada ao Estado da Bahia – através de pesquisas nas áreas de fruticultura irrigada envolvendo os municípios de Juazeiro-BA/Petrolina-PE. Apesar da distância, a EMBRAPA-CPATSA tem contribuído para as pesquisas da região, principalmente com as experiências desenvolvidas sobre viveiros telados, que vêm sendo difundidos nas áreas citrícolas (como a área de estudo desta pesquisa). Estes viveiros são colocados por essa empresa como “uma alternativa” para o controle de pragas e doenças que têm afetado os laranjais. 199 Na Região do Centro-Sul sergipano destaca-se ainda a participação da EMBRAPA Tabuleiros Costeiros, que tem desenvolvido parceria com os órgãos estaduais como a EMDAGRO, no controle de pragas e doenças como a CVC e a Orthésia. Na Bahia, há a atuação da EMBRAPA Mandioca e Fruticultura, que vem, junto a EBDA e a ADAB, desenvolvendo diagnósticos sobre a citricultura na Bahia e disponibilizando uma série de pesquisas e experimentos em porta-enxertia, controle de pragas e doenças, dentre outros. Assim, percebe-se, claramente, uma interrelação entre as esferas Federal e Estadual que, juntas, passam a trabalhar em parceria a fim de possibilitar a expansão citrícola nos referidos Estados, atraindo o capital nacional e internacional. Esse mesmo esforço não se destina, por exemplo, aos cultivos típicos da subsistência dos camponeses, na condução de um independência, ainda que relativa, desses produtores diretos. De acordo com informativos e entrevistas disponibilizadas por pesquisadores e técnicos a Empresa Baiana de Desenvolvimento Agropecuário – EBDA –, localizada em Rio Real-BA, trabalha com a elaboração e acompanhamento de projetos agropecuários, dando suporte no que se refere à assistência técnica, extensão rural e organização social. Sua atuação também se dá por meio de cursos de capacitação de mão de obra, de atividades de extensão, bem como métodos demonstrativos em campo e unidades de demonstração, principal via pela qual os conhecimentos são repassados aos produtores. Esses cursos visam introduzir novas tecnologias e buscar o aperfeiçoamento das áreas existentes. Sua atuação procura, principalmente, atender o pequeno e médio produtor. Desenvolve um sistema de produção integrada de citros (PIC), transferindo novas tecnologias e adaptando outras: adequação do controle de 200 pragas e doenças; manejo do solo; incentivo à adubação morta e verde; e construção de um perfil de amostras. Apesar de todas as pesquisas desenvolvidas para a “dinamização da produção”, os técnicos da EBDA asseveram que “a produtividade ainda é baixa”, 15 ton/ha. Esses números variam de produtor para produtor a depender das suas condições de produção, dos cuidados nos cultivos, dos incrementos tecnológicos utilizados, dentre outros, podendo, portanto, chegar a 32 ton/ha. Com relação aos “pequenos produtores”, entretanto, os entrevistados na pesquisa de campo afirmam que a média de produtividade está na faixa de 15 ton/ha, permanecendo abaixo das expectativas da EBDA. Essas informações deixam claro quais os reais objetivos impregnados na ação desse órgão, o “aumento da produtividade da laranja”, dessa forma questionamos: a quem, de fato, o aumento da produtividade da laranja vai servir? Essa até pode melhorar um pouco a renda do produtor direto, mas, certamente, se reverterá em lucros significativos para as indústrias. A lógica da inserção subordinada acaba por se sobrepor a experiências concretamente voltadas para a melhoria de vida dos camponeses. Ainda sobre a produção, os técnicos dizem que existe uma variação durante o ano, com destaque para o período situado entre maio e setembro, quando acontece a maior safra da região. Além desse, há o período que vai de novembro a dezembro, e de fevereiro a março, quando ocorrem as safras saroia e temporã. Já os meses de março e abril são caracterizados como de repouso. Mesmo assim, o período que vai do final de janeiro a maio é considerado da safrinha ou temporã. Para eles um dos graves problemas que tem repercutido negativamente na produção e produtividade da região são os constantes ataques de pragas e 201 doenças, requerendo dos produtores constantes investimentos a fim de controlálas, aumentando, assim, a dependência em relação aos defensivos químicos e prejudicando a economia desses proprietários, principalmente dos pequenos produtores, que já dispõem de poucos recursos creditícios. As principais pragas que têm atacado os laranjais na região são: o acáro da face da ferrugem, a larva minadora, a orthésia, o purgão, a cochonilhas, dentre outras. Em se tratando de doenças, destaca-se uma: a Clorose Variegada de Citros (CVC), que desperta a preocupação por causa do declínio provocado pela morte súbita dos citros no Sudeste do país. Ainda que se considere a necessidade da EBDA atuar no controle das pragas e doenças que atingem os laranjais, há que se destacar que os principais problemas existentes nas regiões em estudo diz respeito a concentração da terra e da renda, a inserção subordinada dos camponeses ao processo produtivo, as relações precarizadas de trabalho, o desemprego estrutural que atinge grande quantidade de trabalhadores, dentre outros aspectos. Portanto, não se trata da produção da laranja em si, mas de que modo a difusão desse cultivar por empresas capitalistas vão promovendo em série de questões sociais nas regiões repercutindo na formação de espaços da riqueza versus espaços da pobreza. No controle dessas pragas e doenças, diversos procedimentos têm sido realizados pela EBDA, dos quais pode-se destacar a coleta de amostras que são remetidas para institutos de pesquisas e universidades do país, a fim de não apenas identificá-las, mas também de apontar uma possibilidade de tratamento das mesmas. Com relação à utilização de adubos químicos, os técnicos da EBDA afirmam que grande parte dos produtores utiliza-os por conta própria, sendo o mais 202 usado o NPK. Normalmente, não são feitas análises de solo, ou, quando são realizadas, os produtores passam 2 a 3 anos sem adubar, a depender da conjuntura, o que acaba interferindo na produtividade da planta. A partir do ano 2000, com as melhorias ocorridas nos preços da laranja e conseqüente melhoria financeira para o citricultor, houve um maior investimento na produção. No entanto, os altos investimentos no uso de produtos que devem ser feitos pelos produtores, já que os produtos têm custos altos e geralmente a quantidade utilizada é excessiva, na faixa de 1 a 2kg para cada planta, o que encarece os custos da produção e, principalmente, em período de crise, torna-se mais uma dificuldade a ser vencida pelos produtores, mormente aqueles com piores condições financeiras Os técnicos entrevistados da EBDA apontam ainda a pouca quantidade de funcionários para atuar em campo, fato que dificulta a assistência técnica, “beneficiando” alguns poucos produtores, em detrimento da grande maioria que, sequer, tem acesso às orientações e tecnologias desenvolvidas por esse órgão. Além disso, os técnicos afirmam que não há atendimento individualizado, mas, apenas, por meio de associações, o que inviabiliza o atendimento aqueles mais pobres. O atendimento individualizado só é oferecido quando se trata de aplicação de créditos, já que é preciso fiscalizar, verificar se está sendo adequado, já que é um contrato a ser cumprido pela empresa. Ou seja, é do interesse do capital financeiro. Essa fiscalização é também realizada pelo BNB e Banco do Brasil, embora tenha de constar o seu aval. Nesse sentido, cabe-nos criticar as ações do banco e do próprio estado, já que a maioria dos débitos advindos por intermédio dos créditos bancários ocorre, sobretudo, por parte dos grandes produtores. A “solução”, de acordo com técnicos da EBDA, para melhorar as questões referentes ao aumento da “produção e da produtividade” na região, é 203 viabilizar a difusão dos viveiros telados, para a produção de mudas livres de pragas e doenças, uma tecnologia cara e inacessível para os mais pobres. De acordo com pesquisas realizadas por Santos (2004) e Oliveira (2007) a implantação dos viveiros telados voltou-se para os médios e grandes produtores da laranja, que além de produzirem suas próprias mudas comercializam. Para os agricultores mais pobres a “imposição” das mudas teladas repercutiu negativamente na produção, uma vez que impediu os mesmos de produzirem suas próprias mudas, adequadas as suas condições concretas de vida. O Ministério da Agricultura e a ADAB são os órgãos responsáveis pela fiscalização das atividades agropecuárias no Estado da Bahia. A Agência de Defesa Agropecuária da Bahia (ADAB) é um órgão responsável pela fiscalização e controle das mudas produzidas e em circulação. Ela emite certificados de produção de mudas para o mercado interno e externo, atendendo às exigências do Serviço de Defesa Sanitária Vegetal, do Ministério da Agricultura e do Abastecimento. Tem por objetivo verificar a existência e os impactos das doenças em pomares cítricos. Dentre as ações desenvolvidas por este órgão, destacam-se o controle de pragas, o controle na utilização de agrotóxicos e a educação sanitária, de acordo com a legislação vigente. Em Sergipe, a montagem do aparelho estatal, voltado para a dinamização agropecuária na Região Centro-Sul de Sergipe, corresponde, temporalmente, ao processo de expansão e consolidação da produção de citros (especificamente a laranja) enquanto cultivo econômico, direcionado ao mercado externo. Assiste-se também à chegada das indústrias processadoras de suco, que se instalam no Distrito Industrial de Estância – uma das principais cidades da região. A partir de então, é possível entender o interesse do Estado de Sergipe na criação de órgãos de pesquisa e extensão voltados para a “dinamização da agricultura”, com base na 204 “modernização da produção e aumento da produtividade”. Automaticamente, tais pesquisas passam a se concentrar nos chamados “cultivos estratégicos”, em detrimento dos ditos cultivos básicos, que servem para abastecer os mercados locais e regionais. Com esse propósito, a Empresa de Desenvolvimento Agropecuário de Sergipe (EMDAGRO) é criada, em 1962, com o nome de ANCARSE, constituindose como a entidade precursora da execução das atividades de Extensão Rural no Estado de Sergipe. Em 1976, passa a operar com o nome de EMATER-Sergipe, mantendo os trabalhos voltados para a Extensão Rural. Por fim, em 1991, é criada a EMDAGRO, que, segundo informações dos técnicos da Empresa, passa a englobar as atividades agropecuárias como um todo, visando ao desenvolvimento rural. Esta empresa é vinculada à Secretaria da Agricultura, do Abastecimento e da Irrigação do Estado de Sergipe. A fotografia 29 mostra a sede da EMDAGRO de Boquim. Foto 29 – Sede da EMDAGRO/ Boquim - SE, 2003. De acordo com informações prestadas pelos dirigentes dessa empresa, a sua principal tarefa é educativa, ou seja, tem-se o propósito de “estimular os produtores a melhorar a produtividade agropecuária e suas condições de vida”, 205 respeitando o ambiente, a partir de pesquisas desenvolvidas nas linhas de: Assistência Técnica e Extensão Rural, Pesquisa Agropecuária, Fomento à Produção Rural, Defesa Agropecuária, Estudos Agroeconômicos e Programas Especiais. Percebe-se, assim, que há uma diferença nas competências dos órgãos de pesquisa e defesa de Sergipe e da Bahia. No caso do Estado da Bahia, cabe à EBDA (Empresa Baiana de Desenvolvimento Agropecuário) todo tipo de pesquisa e experimentos em extensão rural; enquanto que a parte de defesa e fiscalização pertence à ADAB. No Estado de Sergipe, todas essas ações cabem à EMDAGRO, o que, segundo os técnicos entrevistados, ocasiona o excesso de trabalho, posto que o quadro de funcionários é bastante limitado. Os técnicos afirmam que os trabalhos são voltados prioritariamente para pequenos produtores e suas famílias. Junto a esses produtores os agrônomos buscam desenvolver “modelos alternativos”, visando o desenvolvimento rural. Além disso, cabe à EMDAGRO assessorar as atividades agropecuárias, incentivar a produção de alimentos e o fortalecimento das estruturas comunitárias – como o cooperativismo e outras formas de organização – que permita ao produtor viver com dignidade. Entretanto, essa dita dignidade, está cada dia mais ligada aos interesses do capital industrial e financeiro, via sistema de créditos. A qualidade da produção e baixa, fato que não afeta a produção industrial que se vale desse fato para rebaixar os preços. Para o produtor direto, no entanto torna-se um problema concreto, já que o produto do seu trabalho é desvalorizado. Assim, a indústria passa a dominar os produtores, impondo os preços e, de certa forma, impedindo a melhoria na produção, na renda camponesa e nas condições de vida. 206 A sede da EMDAGRO localiza-se em Aracaju (SE) e está presente em diversos municípios sergipanos através de 40 Unidades Locais, 4 Unidades Regionais, nove Postos Fixos e 4 Postos Móveis. Os principais “parceiros” da EMDAGRO, no cumprimento dos seus objetivos são: o Ministério da Agricultura, o Ministério do Desenvolvimento Agrário, a EMBRAPA, o INCRA, a CODEVASF, o Banco do Brasil, o Banco do Nordeste, o BANESE, as Prefeituras Municipais, as Universidades, as Organizações Rurais, as Secretarias de Estado, o SENAR, a Escola Agrotécnica, o SEBRAE, a FAESE, as Associações de Criadores, a FETASE e o Ministério Público. Dentre os principais programas e projetos desenvolvidos e compartilhados pela EMDAGRO, destacam-se: a) O Programa Nacional da Agricultura Familiar (PRONAF), realizado em parceria com o Governo Federal, através do Banco do Nordeste e Banco do Brasil. Esse programa visa à propiciação de condições para o aumento da “capacidade produtiva”, da “geração de trabalho e renda no campo”, contribuindo para a “melhoria da qualidade de vida e para a ampliação do exercício da cidadania dos agricultores familiares”; b) O PRÓSERTÃO, que atua em 17 municípios da região, atendendo unidades de produção com até 50 hectares, permitindo que os proprietários tenham na agricultura sua principal fonte de renda. Considerando os objetivos apresentados por esse órgão não resta dúvida ao considerá-lo um dos canais de sujeição dos camponeses à indústria. A leitura fundamenta-se na via da agricultura familiar, da inserção subordinada ao capital e não na agricultura camponesa onde se pense em uma reprodução das unidades de produção familiar com o mínimo de autonomia. Assim, a produção e a produtividade passam a ser perseguidos, voltados para cultivos destinados ao mercado – nesse 207 caso a laranja. O campo é visto como possibilidade de geração de emprego e renda e não como lócus de agricultores camponeses que tem na terra sua principal condição de vida, por via do trabalho nessa empregado. Desse modo a via apresentada para os mais pobres é a proletarização, e a terra deve ser destinada aqueles com melhores condições de atender os padrões de produção e produtividade estabelecidos pelo mercado. De acordo com técnicos da EMDAGO de Arauá, em entrevista concedida em novembro de 2008, o principal objetivo dessa empresa é investir em assistência técnica voltada à agricultura familiar. Por outro lado, reconhece que há uma plena ocupação da terra para o cultivo da laranja e criação por parte de médios e grandes produtores, ficando os agricultores mais pobres que cultivam produtos destinados a subsistência com pouca ou nenhuma terra para desenvolver tal produção. Esses, geralmente, não possuem acesso a linhas de crédito e quando são contemplados por algum projeto não tem terra e condições suficientes para fazê-lo, efetivamente, funcionar. Destaca ainda as desigualdades no sistema de crédito a exemplo do PRONAF, viabilizado através do Banco do Brasil e BNB, quando os produtores mais pobres só podem ter acesso a um recurso pífio de R$ 1.500,00 e os com melhores condições financeiras podem receber até R$ 30 mil. Quanto as pragas e doenças destaca que hoje fazem controle biológico, químico e que tem se conseguido conviver com essas, que felizmente na região não se tem casos de problemas mais graves como acontece nos pomares paulistas. Acrescenta-se a isso, todo aparato disponibilizado pelo estado para controlar e garantir a produção. Destaca ainda o processo de erradicação do pomares antigos e a renovação do plantio, fato que propiciou o crescimento da produção no estado de Sergipe nos últimos anos. Contudo, trabalhos como os realizados por Santos 208 (2004) e Oliveira (2007) apontam que nesse processo centenas de camponeses perderam sua terras por não poderem arcar com os custos da tal renovação. Mais recentemente, mediante os efeitos de crise mundial, verifica-se as regiões em estudo uma preocupação dos produtores mais capitalizados em expandir a atividade e não obter os resultados desejados. Como resultado desse crise, o técnico da EMDAGRO de Arauá destaca que já houve uma redução do 30% do consumo de suco em caixa nos Estados Unidos e países da Europa, refletindose na produção das regiões em estudo. 3.4 Territorialização do capital por meio das Indústrias de suco De acordo com Oliveira, Vanessa D. (2007) a formação do Complexo Agroindustrial do Estado viabilizado a partir da instalação das indústrias processadoras de suco, “marcou uma nova etapa no desenvolvimento da citricultura do Estado”, mediante a alteração da laranja para o suco concentrado congelado. Sobre a estratégia do capital na escolha e localização das indústrias que funcionaram na região, sabe-se que essas utilizaram-se muitos recursos da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE), do Fundo de Investimento do Nordeste (FINOR), de matérias-primas a preços bem mais baixos (em relação a São Paulo, por exemplo) e da força de trabalho barata disponível nas regiões em estudo. Passados os 10 anos de isenção fiscal a que tinham direito, parte dessas indústrias abandonaram a região, buscando novos espaços para as suas necessidades de acumulação. 209 Assim, após a mobilidade, o capital deixa enormes prejuízos financeiros ao patrimônio público. Segundo informações coletadas em campo e também publicada pelo Jornal Cinform de Sergipe, a Frutos Tropicais foi vendida por R$ 5 milhões, mas a dívida deixada (de ICMS), junto ao Banco do Nordeste do Brasil, Banco do Brasil, INSS e Estado de Sergipe, ultrapassava esse valor. Muitas denúncias foram feitas quanto à utilização dos enormes recursos financeiros injetados nas indústrias, quando muitos empresários tradicionais no ramo da fruticultura, valendo-se de prestígio político (e dos altos cargos que ocupavam), conseguiram, assim, viabilizar uma série de incentivos para benefícios próprios. (JORNAL CINFORM, 2002) Com base em documentos da Junta Comercial de Aracaju, essas indústrias começaram a se instalar em Sergipe, no Distrito Industrial de Estância, na década de sessenta, do século 20, com o objetivo de produzir suco, mediante uma produção da laranja já existente e em franca expansão, mas só vieram a se consolidar, de fato, em 1978 e 1980. Na década de 1960, grupos industriais, muitos políticos de Boquim e outros municípios fizeram a constituição da indústria de suco que, só vinte anos depois, passou a operar para a produção de suco concentrado para exportação. Após 10 anos de estabelecida, quando acabaram os incentivos fiscais, a empresa fechou. Com essa mobilidade se desterritorializam e vão buscar outros espaços, onde possam adquirir novas vantagens locacionais, creditícias e dispor de força de trabalho barata. O volume de dinheiro que a SUDENE injetou e o próprio montante que o Governo do Estado investiu, além do volume de dinheiro movimentado, não justifica a imensa dívida que essas indústrias deixaram para com o Banco do Nordeste do Brasil (BNB), Banco do Brasil (BB), com o Instituto Nacional de Seguridade Social 210 (INSS) e com o próprio Governo do Estado (através do Imposto de Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS). Por isso, não se pode deixar de chamar a atenção para a política de industrialização implantada no país, principalmente após a década de 1950. No que se refere ao Centro-Sul de Sergipe, considera-se que com a intensificação da produção citrícola, indústrias processadoras de suco passaram a funcionar nessa a partir do final da década de 1970. Na década de 1980, tais indústrias, por sua vez, começaram a impulsionar a expansão da atividade citrícola em direção ao Litoral Norte da Bahia, incorporando novos espaços as suas demandas produtivas. Nesse aspecto, destaca-se o papel do Estado que criou todas as condições para que as indústrias processadoras de suco concentrado se instalassem na região, como uma extensão das indústrias paulistas, em busca de novos mercados produtores. Nesse momento, tais indústrias passam a contar com todo incentivo, que consistia na total isenção fiscal e investimentos governamentais, além da matéria-prima e da força de trabalho barata disponível na região. Entretanto, passado o período de carência, essas indústrias se desterritorializaram, deixando enormes dívidas junto aos cofres públicos. Acrescenta-se a estrutura dessas indústrias processadoras de laranja a criação de industrias produtoras de fertilizantes que vão se difundidas nos pomares de laranja. Sobre isso, a pesquisa realizada por Rocha (2007) aponta a difusão dessas indústrias de insumos básicos utilizados na agricultura, com destaque para o Pólo Petroquímico da Camaçari (BA), Cloroquímico (BA), Cloroquímico (AL) e da produção de fertilizantes potássicos e nitrogenados em Sergipe A indústria Frutos Tropicais, por exemplo, deixou abandonada a área que funcionava, com equipamentos enferrujando, fato que despertou via Sindicato dos 211 trabalhadores das indústrias, o interesse em ocupar essas instalações e levar adiante o processo produtivo. Para tanto o Sindicato propunha um contato com as associações de citricultores e dos pequenos produtores em geral. Com isso, os pequenos produtores de laranja, que produzem com dificuldade (a maior parte da produção acaba sendo destinada à indústria), poderiam contar com preços melhores pela verticalização e com o controle de uma parte da produção nos dois estados nordestinos. No entanto, essa luta foi em vão, tendo em vista que atualmente foi a Maratá Sucos quem incorporou, via leilão realizado recentemente, essas instalações, como forma de ampliar seu capital. Segundo operários sindicalizados entrevistados, desde que a Tropfruit começou a operar, tem havido um pequeno aumento nos preços oferecidos ao produtor, devido à competição que começa a se estabelecer entre as indústrias de Sergipe. Por outro lado, a atuação dessas empresas causou muitas frustrações aos trabalhadores das indústrias e aos citricultores de forma generalizada, já que o número e trabalhadores absorvidos foi irrisório em relação à quantidade de desempregados na região. Essa realidade é explicitada no depoimento do Presidente do SINDISA a seguir: (...) Nós temos aqui um exército de trabalhadores preparados para as indústrias de sucos, ao longo desses anos (...) a Frutos Tropicais teve 1.200 empregos diretos. (...) Hoje esses trabalhadores estão ociosos, na feira, fazendo bico, aqui e ali. Então foi uma parcela pequena que foi ocupada. (Depoimento de J. D. S, Presidente do SINDISA/Estância-SE). Verifica-se, portanto, que o processo de “modernização” ou de “tecnificação” que atinge o campo brasileiro ocorre também no Centro-Sul de Sergipe e Litoral Norte da Bahia, caracterizando uma dispensa da força de trabalho 212 sem precedentes e levando a fome e a segregação de uma parte significativa de trabalhadores e camponeses dessas regiões. Atualmente, a Indústria Maratá Sucos possui uma média de 200 trabalhadores, número que pode ser aumentado em períodos de safras. Na época de aumento da produção, os trabalhadores operam ininterruptamente, de domingo a domingo, em um sistema de rodízio. Entretanto, eles só recebem 50% das horas extras que fazem, sendo os outros 50% destinados ao banco de horas, para compensar o período da entressafra, acordo feito com o sindicato para evitar demissões. A indústria TropFruit do Nordeste S/A tem uma média de 130 trabalhadores que, no período de safra, trabalham de domingo a domingo. Eles, também, só recebem 50% das horas extras, direcionando os outros 50% para o banco de horas, conforme acordo firmado entre as indústrias e o sindicato. Embora esse acordo funcione como estratégia possibilitando parte do operariado manter-se no processo produtivo, isso ocorre a partir da intensificação da exploração e da precarização do trabalho, representando perdas substanciais para os trabalhadores. Quanto a rede de empregos indiretos vinculadas à indústria destacam-se o trabalho precarizado realizado pelos carregadores, selecionadores, motoristas, descascadores, dentre outros. Além disso, o Presidente do Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias de Suco (SINDISA) destaca que as parcas “conquistas trabalhistas” foram conseguidas com muita luta, a exemplo do piso salarial de 1,4 salário mínimo, em que uma das indústrias se recusava a assinar o contrato. 213 Nós resistimos, fomos para a delegacia do trabalho, questionamos, brigamos e aí, conseguimos que a Maratá assinasse o acordo, cumprindo com aquilo que já tinha, já existia com outros acordos assinados com a Frutene, com a própria Tropfruit também. Então uma das grandes conquistas nossa é a questão do piso salarial, porque o piso ele regulamenta todas as outras categorias, todas as outras faixas de salários (Depoimento de José Domingos dos Santos, Presidente do SINDISA/Estância-SE). Deve-se frisar que, embora se reconheça a atuação combativa do Sindicato de Trabalhadores da Indústria de suco de Sergipe, essa atuação se enquadra também em um contexto de mudança e de certo predomínio de idéias flexibilizadoras e desregulamentadoras do direito do trabalho no Estado Brasileiro. Por isso, estamos de acordo com Thomaz Júnior (2007) ao considerar o processo de redefinições e de mudanças de papéis e de expressões sociais, em um contexto de lógica predominante neoliberal, em que se torna fundamental, entender os conteúdos espaciais, os nexos e os significados territoriais da luta de classes e a riqueza de conteúdos sociais da classe trabalhadora, em que esta seja capaz de redefinir seus próprios rumos, com base nos interesses concretos daqueles que vivem do trabalho. Os grupos que controlam as indústrias de suco da região Nordeste utilizam mecanismos que asseguram seu abastecimento, estabelecendo funcionamento periódico, que se mesclam com períodos do ano em que essas mantêm-se fechadas, cedendo a lógica do mercado nacional e internacional; e os produtores de laranja procuram garantir a sua sobrevivência. Os produtores rurais em geral não estão preocupados com a subordinação ao capital industrial e a rede de intermediários que atuam nesse setor e sim, com a possibilidade de serem excluídos das mínimas condições de produção. Essa possibilidade está representada sempre pela ameaça da perda total da terra, que se constitui 214 basicamente, no principal meio de produção, numa agricultura amplamente desfavorável aos pequenos produtores. Sobre os citricultores capitalizados, pode-se considerar que a alternativa encontrada por esse grupo, em determinados momentos, é um certo distanciamento frente à indústria e a rede de intermediários. A outra possibilidade de comercialização se dá a partir das vendas em feiras e CEASAS para o consumo "in natura". A Maratá Sucos do Nordeste Ltda. localiza-se na Avenida João Lima da Silveira S/N, na BR 101, no município de Estância. Possui cadastro na Junta Comercial do Estado de Sergipe desde 12 de Maio de 2000. Sua natureza jurídica é de sociedade empresarial limitada e ocupa a área onde funcionou a Frutene. Na comercialização com o produtor, possui um sistema de pagamento à vista a ser depositado em conta corrente, no ato da compra. Apresenta um critério para enquadramento da fruta padrão Maratá com ratio entre treze e vinte e dois, brix superior a 10, com o refugo máximo de 10%, a ser descontado no peso total da produção. As frutas verdes não podem exceder 5% do total da carga, e o percentual de suco na fruta não deve ser inferior a 52%. Não permitem impurezas, galhos, pedras na carga. Antes da compra, efetuam três análises no caminhão e três durante a descarga. Por causa destes padrões de exigências, estabelece preços diferenciados, a depender da “qualidade” da produção.. Além da laranja a indústria processa ainda outras frutas como maracujá, manga e abacaxi, que adquirem em outros estados como Paraíba e Bahia. No entanto é no processamento da laranja que se concentra maior parte da produção. O suco concentrado, após todo processo produtivo é colocado nos tonéis e congelados. A maior parte da produção é escoada pelo Porto de Salvador, já que em Sergipe os navios-galpões só realizam viagens com grande quantidade de 215 carga, e, dificilmente, consegue-se a quantidade exigida, por isso, a opção é mesmo o porto de Salvador, que transporta a produção para a Europa em navios menores. Possui grande potencial de processamento de laranja, contando com mais de 15 extratoras e absorvendo uma parte significativa da produção no CentroSul de Sergipe e no Litoral Norte da Bahia, agregando produtores associados ou individuais. Os principais mercados importadores do suco concentrado são Áustria, Inglaterra, Espanha, Rússia, mercado asiático, dentre outros. Para os Estados Unidos, atualmente, a empresa não exporta por causa da barreira comercial imposta pelos norte-americanos, que protegem o seu mercado interno e o NAFTA. Além disso, vem investindo na substituição dos maquinários fato que se por um lado aumenta a capacidade processadora da indústria promove a dispensa da força de trabalho necessária. Processa diversos frutos como a laranja (comprada na própria região e litoral Norte da Bahia), o abacaxi (do Estado da Paraíba), o maracujá (que adquire na região e em outros locais do Nordeste), além da acerola e da goiaba (que adquire na Região Sudoeste da Bahia – Brumado, Vitória da Conquista, Livramento de Brumado e em outras regiões). Além da Marata Sucos, encontra-se instalada no Distrito Industrial de Estância, na quadra 3 e 5, A TropFruit do Nordeste S/A, localizada as margens da BR 101. Trata-se de uma sociedade anônima fechada, com cadastro na Junta Comercial do Estado de Sergipe, desde 02 de Fevereiro de 1988. Na constituição dessa sociedade, teve-se por objetivo o processamento de frutos e outras partes botânicas dos vegetais, visando à produção de sucos, conservas, pastas, doces, vegetais total ou parcialmente desidratados, em forma líquida, sólida ou 216 pulverizada, pigmentos de origem vegetal, proteínas e outras substâncias químicas obtidas a partir de vegetais e de uso alimentício, cosmético e farmacêutico, algo que não se efetivou, tendo a indústria atualmente se dedicado ao processamento da laranja para produção de suco concentrado e congelado. Essa indústria começou a operar na cidade de Estância no início de janeiro de 2000, iniciando a produção em 24.01.2000, com apenas três extratoras, com capacidade de 300 toneladas ao dia ou 9.000 toneladas ao mês. Atualmente, muitos maquinários foram substituídos por outros com maior capacidade de processamento. Assim, hoje, a indústria conta com 12 extratoras. De acordo com informações obtidas por meio de entrevistas realizadas nas instalações da indústria, um total de 12 toneladas dos frutos (no equivalente a 280 caixas do fruto no caso da laranja) corresponde à produção de uma tonelada de suco concentrado. Para tanto a indústria retira toda água da laranja, concentrando apenas o suco. Esse suco concentrado, nos mercados compradores, são novamente desconcentrados, quando os compradores colocam água, açúcar aditivos químicos, etc., necessários a comercialização do mesmo nos mercados europeus. Outra estratégia desenvolvida pelas indústrias de suco de laranja da região, como forma de aumentar sua margem de lucro, ocorre por meio de contratos com indústrias paulistas como a Cargill e a Coimbra-Frutesp em que vendem suco a granel. Essas indústrias vêm pegar o suco concentrado em Sergipe, com suas carretas frigoríficas. De acordo com um dos compradores (das indústrias paulistas), entrevistado, as carretas possuem uma garrafa térmica, e o suco é colocado a uma temperatura de -5ºC, o que faz com que o produto chegue ao seu 217 destino final em perfeito estado de conservação. A Tropfruit abastece também as fábricas de refrigerantes da Região Nordeste. A Tropfruit abastece, também, as indústrias de refrigerantes da região, mas este fornecimento representa apenas algo em torno de 5% da produção da indústria, que destina 95% para o mercado externo. A casca da laranja é utilizada para a produção de ração animal, atendendo ao mercado pecuarista da região. Da casca da laranja, também, há a pretensão de extrair óleo. Verifica-se, de um modo geral, a constante substituição dos equipamentos dessas indústrias como forma de aumentar a capacidade produtiva, em detrimento do número de trabalhadores diretos. Essa realidade se expressa na pequena quantidade de trabalhadores empregados por essas, insuficiente para atender o significativo exército de reserva existente na região. Para se ter uma noção concreta da tendência decrescente ao emprego da força de trabalho industrial na região, o Presidente do SINDISA, em entrevista realizada recentemente aponta que as indústrias na década de 1990 empregavam mais de 600 trabalhadores cada. De acordo com o gerente da indústria os trabalhadores empregados não necessitam de experiência no ramo e fazem o treinamento interno, realizado na própria empresa. Alguns dos equipamentos utilizados pela indústria Tropfruit podem ser observados nas fotos 30 e 31. Foto 30 – Extratoras da Tropfruit do Nordeste, 2003. Foto 31 – Torres da indústria Tropfruit, 2003. 218 O processo de concentração do suco de laranja, bem como a embalagem do suco nos tonéis para serem, posteriormente levado as câmaras frigoríficas e ao mercado europeu podem ser observados nas fotos 32 e 33 a seguir. Foto 32 – Análise química do suco de laranja. Foto 33 – Suco concentrado em tambores para exportação Fonte: Trabalho de Campo, 2003. Fonte: Trabalho de Campo, 2003 No ano de 2000, em um período de oito meses, a Tropfruit chegou a processar 51.866 toneladas de laranja, com destaque para os meses de julho, agosto e setembro (período de maior oferta da laranja na região, quando se tem a maior safra). Após pouco mais de dois anos de funcionamento, essa indústria triplicou seu potencial de processamento, o que, de acordo com um dos proprietários entrevistados, deu-se por causa do início da recuperação da atividade citrícola na região, bem como por sua expansão em direção ao Litoral Norte da Bahia e Platô de Neópolis, aumentando os preços da laranja, o que, associado ao contato com mercados externos, despertou o interesse da indústria em dinamizar a produção. No ano de 2008, o gerente da Tropfruit do Nordeste afirmou que a capacidade de processamento da indústria é de mais de 200 mil toneladas, sendo essa produção mas significativa nos períodos de maior safra, que corresponde aos 219 meses de junho a março. Nos meses de abril e maio, quando o processamento para é realizada a manutenção das mesmas, de modo que no mês posterior as mesmas possam dar continuidade a produção, garantindo o lucro da empresa. Para os operários é nesse período de descanso que se tem dificuldades mais concreta e podem, finalmente, receber 50% das horas extras que realizam nos demais períodos do ano sob a forma de salário. O ano de 2007 foi quando a indústria obteve a maior produção, que foi de 210 mil toneladas. De lá para cá essa produção vem caindo ficando em 180 mil toneladas em 2008 e a previsão para 2009 é de 150 mil tonelada. Essa diminuição da produção, conforme já apontado ocorre pelos efeitos diretos da crise e a diminuição do consumo desse suco nos mercados consumidores da Europa, Ásia e América do Norte.. O salário dos trabalhadores entrevistados variam de 1,4 a 2 salários míninos. Os operários (operadores de máquina) recebem 1,4 salário mínimo, chegando a remuneração do Gerente a 2 salários. Além desses a empresa conta com eletricistas, mecânico, químicos (que por possuírem melhor qualificação ganham um salário melhor), dentre outros. Observando esses salários cabe-nos considerar que os mesmos são muito baixos, garantido a empresa uma considerável extração de mais-trabalho, de mais-valia. A produção para processamento é garantida tanto por atravessadores que chegam ao pátio da fábrica quanto nas propriedades, onde a indústria desloca uma equipe de campo para selecionar os frutos. No geral apontam que não se tem muitas exigências na compra, que praticamente toda produção e aproveitada. Apesar do Sindicato apontar que a jornada de trabalho nessas empresas é de 8 horas para cada trabalhador, verificou-se trabalhadoras que declararam trabalhar mais que isso, todos os dias da semana, inclusive aos domingos, fato que 220 torna o trabalho ainda mais árduo. Assim, conforme apontado por Silva, Lenira (2001) os trabalhadores tornam-se, cada vez mais mutilados. Trabalham mais, ganham baixos salários e não se apropriam, não se reconhecem no que produzem. Esses, ao final da jornada recebem o salário e o proprietário das máquinas que nada produz é o verdadeiro dono daquilo que os trabalhadores produziram. Eis, concretamente, nas regiões em estudo as investidas do capital sobre o trabalho e a degradação desse último como condição a reprodução do capital industrial. Além disso, esses trabalhadores destacam realizar diversas atividades na fábrica, adequando-se à flexibilização do trabalho, que caracteriza esse momento atual do capitalismo em nível mundial. 3.5 Outros sujeitos e entidades que fazem parte da rede da laranja 3.5.1 Os Compradores de laranja Conforme já destacado anteriormente, apesar dos investimentos realizados pelos Governo Federal e Estaduais (Bahia e Sergipe) a produção nacional da laranja é concentrada no estado de São Paulo, responsável por cerca de 80% do total de laranja produzida no país. Assim sendo, concentração dos equipamentos referentes a produção indústria é muito mais efetiva nesse estado, assim como o processo de reprodução do capital. Em períodos de diminuição da produção nesse estado, ou mesmo de queda na produção, alguns compradores se deslocam para municípios do Litoral Norte da Bahia e Centro-Sul de Sergipe para comprar a laranja a manter o processamento das indústrias produtoras de suco. De acordo com entrevistas realizadas junto a compradores de laranja, o principal destino do produto que eles compram é o Estado de São Paulo. Em 221 pesquisa anterior realizada em 2004, tivemos a oportunidade de conversar com alguns compradores de laranja que vem de outros estados do país, basicamente do estado de São Paulo, que destacaram que nos meses de dezembro de 2002 a janeiro de 2003, um dos aspectos que fizeram com que boa parte da laranja comprada em Sergipe e Litoral Norte da Bahia fosse escoada para São Paulo foi a falta de chuva enfrentada pelos paulistas, o que prejudicou a produção; assim sendo, as indústrias processadoras passaram a comprar laranjas em outras regiões produtoras, a fim de cumprir seus contratos externos. Com isso, os produtores diretos enfatizam a melhora nos preços oferecidos pelos paulistas, bastante acima dos oferecidos pela indústria sergipana, o que torna-se uma alternativa desses se apropriarem de uma maior renda da terra. Nesses períodos de entressafra, os preços para compra da laranja ficam em torno de R$ 300,00/ton, ou até mais mas elas são revendidas em São Paulo por uma média de R$ 500,00/ton. Para efetivar o negócio com São Paulo, entretanto, os compradores destacam o aumento com as despesas na colheita, com o carregamento e o transporte da produção. Nos períodos de safra, que ocorre entre os meses de junho e julho, os preços caem para R$ 180,00 e R$ 200,00, podendo chegar até a metade desse valor. Na venda para o comércio in natura, os compradores admitem haver um maior retorno econômico, porém, no caso da venda para a indústria, a produção é absorvida com maior facilidade. Assim, a produção de laranja e do próprio suco de Sergipe e da Bahia passa a abastecer a indústria paulista, e a ser transportada pelos intermediários desse estado, que absorvem grande parte dos lucros advindos da valorização do produto. O transporte de suco de laranja, para realizar a 222 mesclagem com o suco de laranja paulista, de modo a atender as exigências dos mercados europeu, asiático e norte-americano pode ser observado na fotografia 34. Foto 34 – Indústria paulista transportando suco de laranja de Sergipe, 2003. Em determinados períodos intensifica-se o fluxo dos compradores paulistas, que passaram a se instalar em Sergipe e no Litoral Norte da Bahia para transportar laranjas para São Paulo, adquirindo nesse processo lucros consideráveis, dada a vulnerabilidade das indústrias sergipanas e baianas. Entretanto, conforme já destacado anteriormente, quem dispõem de laranjas nesses períodos de menor oferta do produto são justamente os grandes produtores, uma vez que os incrementos tecnológicos (e principalmente a irrigação) permitem programar a produção, adquirindo os melhores preços do ano; já os pequenos agricultores, geralmente, não dispõem de produção para vender. Ainda sobre as indústrias paulistas, os compradores destacam que a produção de laranja é controlada por cinco indústrias, que constituem um verdadeiro cartel (Citrosuco, Cutrale, Cargill, Coimbra e a Citrovita – do grupo Votorantim). Elas decidem os preços a serem pagos pela laranja, reduzem o preço do comércio, manipulando, portanto, todo comércio de laranja no país. Assim, “quem faz o preço da laranja é a indústria. O mercado in natura acompanha a 223 indústria” (Depoimento de S. L. A. – Economista, viveirista e comprador de laranja, fornecedor das indústrias paulistas). Fica evidenciada a partir desta declaração, mais uma vez, a subordinação a que grande parte dos agricultores brasileiros estão submetidos em relação à indústria e ao mercado externo. Isso espelha toda a política favorável à exportação, em detrimento do mercado interno, já que os produtores encontram-se, cada vez mais, acuados diante do efeito “modernizador”, muitas vezes se submetendo aos seus ditames ou sobrevivendo com uma série de dificuldades, ou ainda, sendo expulsos da condição de agricultores por não terem condições de acompanhar as intensas mudanças no processo produtivo. Para demonstrar a supremacia da indústria em relação ao comércio in natura e seu poder de articuladora de todo mercado citrícola brasileiro, um dos compradores de laranja destaca que, atualmente, dos 400 milhões de caixas de laranja que são produzidas no país, apenas 100 milhões são destinadas ao mercado in natura, já os outros 300 milhões são direcionados às indústrias processadoras. Desta forma, pode-se dizer que o consumo interno é relativamente baixo, na faixa de ¼ da produção nacional, enquanto a maioria, cerca de 75% da produção, é destinada ao mercado externo. A fim de reforçar seu papel no comércio nacional e internacional de laranjas no país, as indústrias têm partido para a produção própria, adquirindo grandes propriedades, como a Citrosuco, que esmaga 90 milhões de caixas por ano, sendo que 35 milhões de caixas são produzidas em suas próprias fazendas. Essa tendência se aplica também às outras indústrias, que vêm adquirindo fazendas em áreas citrícolas. Tal comportamento garante a essas empresas um papel de peso na produção, pois unidas, elas passam a comandar as regras produtivas e distributivas no país. 224 O peso das indústrias paulistas, muitas vezes, subordina as próprias indústrias de Sergipe, consideradas pequenas, já que, geralmente, quando a produção é pouca, os sergipanos preferem mandá-la para São Paulo, pois os preços oferecidos lá compensam a produção para exportação, tendo em vista todos os gastos realizados no processo de concentração do suco, manutenção em câmaras frigoríficas, dentre outros. Reiteradamente, o fato de a produção nas indústrias sergipanas serem insuficientes para atender os padrões internacionais, faz com que essas estabeleçam acordos com as indústrias paulistas, a fim de cumprir os contratos e garantir os mercados. O Brasil, como um todo, e a Região do Centro-Sul de Sergipe e o Litoral Norte da Bahia, segundo os compradores entrevistados, dispõem de grandes potenciais para expandir a produção, inclusive para abrir possibilidades junto ao mercado asiático, com destaque para a China (país mais populoso do Mundo). Várias áreas estão sendo incorporadas à produção citrícola, como as regiões de Avaré e São Manuel, em São Paulo, Umbaúba e Cristinápolis, em Sergipe e Rio Real e Itapicuru, na Bahia; isso para que se possa atender às novas demandas externas. 3.5.2 Os Viveiristas As necessidades de expandir a produção de laranja a fim de atender as demandas das indústrias locais e do agronegócio mundial tem levado os governos dos estados da Bahia e Sergipe com a apoio do governo federal a criar medidas que garantam um melhor desempenho a produção da laranja, tanto incentivando a renovação dos laranjais quanto o controle de pragas e doenças que tem afetado 225 essa produção (medidas pontuais que acabam atendendo apenas aos produtores mais “competitivos”, ou seja, capitalizados que apresentam as condições concretas definidas). Nesse propósito, desenvolve-se o Programa de Revitalização da Citricultura, que pode ser considerado como produto da reestruturação da produção capitalista. Um dos pontos chaves para se entender a produção de mudas em viveiros telados é a constante ameaça de pragas e doenças na produção citrícola. De acordo com um dos viveiristas entrevistados, tais problemas têm se tornado constantes, sobretudo nos pomares paulistas, mas já começam a dar sinais de difusão nos laranjais baianos e sergipanos. Por isso, verifica-se toda uma participação do poder público, citricultores e órgãos de pesquisas no sentido de produzir mudas isentas de pragas e doenças, utilizando os viveiros telados. Essa parceria, que envolve a EMBRAPA, a EMDAGRO e viveiristas, pode ser observada na fotografia 35. Foto 35 – Viveiro Telado, Boquim-SE. Fonte: Trabalho de Campo, 2003. De acordo com Oliveira, Vanessa D. (2007), em pesquisa realizada no município de Lagarto que passa a concentrar parte significativa dos viveiros telados do estado de Sergipe (50 das 65 do estado), e ainda considerando o especificado 226 no Programa de Revitalização da Citricultura seus principais objetivos eram: erradicar os viveiros “clandestinos” e os pomares envelhecidos, construir viveiros telados, selecionar os produtores de mudas, cadastrar os produtores de laranja, a produção de sementes para as mudas e a produção de borbulhas. A autora considera que a proibição das mudas “tradicionalmente produzidas” ocorreu através da Portaria n. 34 de 20 de maio de 2002 da Delegacia Federal da Agricultura do Estado de Sergipe, que determinou a produção de mudas somente através dos viveiros telados, ocasionou dificuldades para os produtores diretos mais pobres. Assim, a essa produção realizada por centenas de produtores, com destaque os camponeses, cedeu lugar a alguns produtores capitalizados, “sob a lógica da ‘moderna’ produção de mudas com tecnologia inovadora” (p. 145). Por outro lado, não se pode deixar de entender certas questões como produto de um modelo “tecnificado” “globalizante”, implementado na agricultura brasileira, sobretudo após a década de 1950, o que proporcionou novas formas e ritmos na incorporação de espaços agrícolas pelo capital. Tais modelos, baseados na difusão de tecnologias e incrementos químicos, alteraram os ciclos da natureza, criando graves desequilíbrios. Esse problema foi evidenciado pó rMilton Santos (1996) segundo o qual: “em tempos de globalização” a produção toma outros contornos e novas formas de relação entre a sociedade e a natureza são verificadas. Por isso é que o referido autor também afirma que: É nessas condições que a mundialização do planeta unifica a natureza (...) ao alcance dos mais diversos capitais. (...) Mas não é mais a Natureza Amiga, e o Homem também não é mais seu amigo. (...) Ontem a técnica era submetida. Hoje, conduzida pelos grandes atores da economia e da política é ela que submete. Onde 227 está a Natureza servil? Na verdade é o homem que se torna escravizado, num mundo em que os dominadores não se querem dar conta de que suas ações podem ter objetivos, mas não têm sentido. (SANTOS, 1996, p. 18-24). Nesse propósito, os viveiros telados começam a ser implementados, promovendo um processo de seleção dos agricultores, em que os grandes e médios produtores selecionados além de auferir renda da terra tornam-se comerciantes de mudas. Conforme apontado por Oliveira, Vanessa .D. (2007) essas mudas produzidas seriam adquiridas pela Secretaria de Estado da Agricultura (SEAGRI) que repassaria aos produtores. Nesse processo o estado subsidia 50% do valor das mudas, que em 2008 correspondia a R$ 1,50, sendo o valor da muda repassado aos produtores de R$ 1,50, totalizando o valor de R$3,00. Conforme apontado pelo o discurso oficial do Estado a difusão dos viveiros telados ocorre para controlar as pragas e doenças, mas por trás desse verifica-se novos investimentos públicos aplicados para a garantia da reprodução do capital, beneficiando ainda alguns agricultores locais, que agora se tornam comerciantes de mudas. De acordo com os produtores que estão passando por esta experiência, os custos são considerados relativamente mais altos, além do trabalho e cuidados constantes. As mudas têm que ficar a 30 cm do chão, onde se faz uma bancada com substrato. Elas são irrigadas e em 9 meses estão prontas para plantar, tendo certificado emitido pelo Ministério da Agricultura e do Abastecimento, Secretarias Estaduais de Agricultura, Delegacias Federais da Agricultura (DFAs) da Bahia e de Sergipe, todas dividindo a responsabilidade de implementação e fiscalização com a EBDA, ADAB e EMDAGRO. No processo de seleção os agricultores contemplados 228 deveriam “auferir aproximadamente R$ 33.000,00 de empréstimos nos Bancos para custeio anual da produção de mudas” (OLIVEIRA, 2007, p. 155). Em São Paulo, conforme já destacado, para se recuperar toda a área da laranja, existe uma base de replante de vinte milhões de mudas ao ano. Entretanto, a média de pés hoje produzida está em torno de 5 milhões ao ano, assim, pretendese aumentar este percentual gradativamente. Dessa forma, calcula-se ainda algum tempo para que os laranjais paulistas se recuperem. Por outro lado, a falta de chuvas tem se tornado uma nova ameaça aos produtores de citros. Apesar desse cenário, os produtores destacam que a atividade citrícola, a cada dia, torna-se mais seletiva, logo quem vai ficando são os produtores com melhores condições para investir na produção. Um dos exemplos dessa seletividade está nos custos de produção de uma muda em São Paulo, que fica em torno de US$ 10,00; assim, para plantar 10.000 mudas, o produtor necessitaria de US$ 100.000. Além disso, os resultados só aparecem a partir de 4 anos, caso haja algum retorno, o que faz com que o produtor necessite de um razoável capital de giro e não exija um retorno rápido; tais condições tornam este empreendimento viável, portanto, para poucos. A partir do projeto de viveiros telados, espera-se controlar os ataques de pragas e doenças, pricipalmente no Centro-Sul de Sergipe e Litoral Norte da Bahia, como o CVC – conhecido como amarelinho, que constitui-se na principal ameaça aos pomares da região. Trata-se de uma bactéria transmitida por uma cigarrinha que se alimenta das folhas novas da laranjeira. Ela entra pelo caule da planta e entope “as veias” de produção da laranja, impedindo que a seiva possa atingir a fruta, deixando os frutos amarelados. Com isso, a planta não desenvolve, fica pequena e não apresenta potencial de comercialização. Para controlar a CVC, a 229 “alternativa” é o viveiro telado, pois ele impede a entrada da cigarrinha, que é o transmissor da bactéria causadora da doença. Outra forma de combate ao CVC é a utilização de produtos químicos, principalmente o Temix. Mas há as repercussões negativas, pois este produto é usado em excessivas quantidades, prejudicando a saúde humana. O Temix leva uma média de 90 dias para ser eliminado dos frutos ou das plantas e requer várias aplicações, encarecendo bastante os custos da produção. Isso repercute na morte de vários animais silvestres, inclusive os passarinhos que, segundo entrevistados, desapareceram da região. Também não se descarta a contaminação dos rios, dos animais e das pessoas pelo produto. Além disso, na comercialização, as indústrias fazem análise, e se detectarem produtos prejudiciais à saúde humana não adquirem a produção. Em São Paulo, existem algumas experiências de controle biológico em que eles colocam um hospedeiro que não chega aos pés de laranja. Entretanto, em Sergipe e na Bahia, não se tem registro dessas experiências. (...) Na natureza quando você elimina uma formiga que você acha que não tem função nenhuma, você está muito enganado, porque ela está levando aquela coisinha ali, está alimentando uma outra coisa. Olha a natureza é perfeita. (Depoimento de S. L. A – Viveirista e comprador de laranja para as indústrias de São Paulo). Fica nítido que, quando se trata dos ritmos e demandas do mercado, sobretudo do mercado internacional, o equilíbrio ambiental acaba relegado a segundo plano, ou seja, acaba-se criando a natureza hostil (SANTOS, 1994). Os pacotes tecnológicos, bastante difundidos, não se adequam à realidade da região estudada, promovendo profundos impactos na natureza e na saúde da população. 230 Por outro lado, os órgãos competentes, como o IBAMA, acabam tendo uma atuação bastante tímida, para não dizer, inexistente. Dentre as principais finalidades em função das quais os produtores buscaram acesso ao crédito, ressalta-se: a plantação de laranja, produção de mudas de laranja, plantação de maracujá, fumo, mandioca e inhame; também adubação, investimento em máquinas, construção de viveiros e pequenas barragens. Por outro lado, prevalece grande percentual de produtores que, além de estarem devendo ao banco, não dispõem das mínimas condições de pagá-lo, por conta dos juros abusivos cobrados por estas instituições. Assim, um dos produtores entrevistados diz que: “peguei R$ 35 mil, paguei R$ 70 mil e ainda estou devendo R$ 50 mil” (Depoimento de S. C. – Viveirista da Colônia Treze/ Lagarto). Com o pequeno produtor, a situação não é diferente, o que pode ser comprovado pelo seguinte depoimento: “peguei R$ 1.300 e estou devendo R$ 8 mil, não tive como pagar” (J. B. – Camponês/ Boquim). De acordo com entrevista realizada com técnico da EMDAGRO localizada no município de Arauá, os problemas com a produção de viveiros telados tende a acrescer na medida em que o governo está diminuindo recursos para subsidiar uma parte do custo das mudas, pois essas são caras e, por isso, vão se tornar, ainda mais inacessíveis a grande parte dos produtores da região. Esses recursos para subsidiar a aquisição de mudas no primeiro ano foi de 700 mil plantas, diminuindo para 500 mil plantas, com tendência a cair ainda mais. Assim, o governo cria a estrutura e posteriormente repassa todos os custos para os produtores. Para os que não possuem recursos, a tendência pode repercutir, até mesmo, na impossibilidade desse se manterem produzindo laranja. 231 Frente a essa realidade os agricultores mais pobres não possuem alternativa a não ser continuar produzindo mudas clandestinas, essa produção, por outro lado pode ser considerada uma tentativa desses, em geral camponeses pobres, resistirem a imposição do estado, para atender os interesses do capital. Para além das preocupações com as pragas e doenças a preocupação imediata desses agricultores é garantir a sobrevivência. 3.5.3 Os proprietários rentistas Os proprietários rentistas correspondem aqueles grandes proprietários fundiários que com o propósito de ampliar seus cultivos comerciais, nesse caso, em destaque a laranja, se apropriam de grandes porções de terras, em vários municípios do Centro-Sul de Sergipe como no Litoral Norte e Nordeste da Bahia. Parte dessas fazendas são administradas pelos filhos ou parentes dos proprietários ou técnicos agrícolas e agrônomos. De acordo com um dos administradores entrevistados, em cuja fazenda o produtor dispõe de uma média de 1.200.000 (um milhão e duzentos mil) pés de laranja, em vários municípios da Região do Centro-Sul de Sergipe e Litoral Norte da Bahia, com destaque para os municípios de Umbaúba, Cristinápolis, Boquim, Itapicuru e Rio Real, há uma tendência para a expansão da produção entre vários municípios, pois naqueles mais tradicionais a disponibilidade de terras atualmente é bastante limitada. Assim, a produção se expandiu de Boquim, por exemplo, em direção a outros municípios, muitos hoje ultrapassando-o em área plantada, como é caso Rio Real, Cristinápolis, Itabaianinha e Umbaúba. Boquim hoje não tem mais como crescer (...) já estagnou. Não tem mais área. Em Cristinápolis e Umbaúba ainda tem áreas novas 232 para se plantar, ainda mais agora que a laranja reagiu. (Depoimento de E. S. – Administrador de Fazendas no Centro-Sul de Sergipe e Litoral Norte da Bahia, 2008). Apresenta-se também a possibilidade de expansão para municípios baianos como Entre Rios e Esplanada, onde se verificam novas áreas com plantio de laranja. Os entrevistados destacam a grande oferta de terras existentes nessa região, o que a torna viável para a expansão citrícola, ou seja, a incorporação à monocultura da laranja. Entretanto, cabe-nos considerar que a expansão da citricultura dos grandes proprietários tem se dado em detrimento dos pequenos produtores, considerados não competitivos, que cedem lugar aos produtores com melhores condições financeiras. Grande parte da produção das grandes propriedades destina-se às indústrias da região e, por vezes, de São Paulo, confirmando o que já foi dito anteriormente. O comércio in natura é considerado mais rentável, já que a laranja é vendida a um preço melhor, mas a indústria tem a vantagem de aceitar o fruto sem cobrar tantas exigências. Isso, na verdade, caracteriza um processo perverso de exploração durante a comercialização, em que a indústria reforça uma baixa de preço se justificando a partir de uma suposta “baixa qualidade” da produção, aumentando seus lucros. Além disso, a produção de laranja sofre muitas oscilações durante o ano, sendo que nos períodos de safra, os preços não são tão convidativos, dado o fato de a oferta ser maior. Entre os meses de dezembro e março, há um relativo aumento nos preços, por causa da queda na produção (período de entressafra ou safrinha); assim, quem tem produção, aproveita esses momentos para adquirir melhores preços. 233 No período de crise, em meados dos anos 90 até 2000, uma das alternativas encontradas pelos grandes produtores foi a criação de gado. A partir de 2000, entretanto, com a retomada da laranja enquanto cultivo principal, eles continuam com a criação, que se desenvolve nas áreas íngremes, já que as áreas planas e de tabuleiros são destinadas à citricultura, dadas as facilidades em passar o trator, colher os frutos, dentre outros. Quanto aos principais produtos cultivados destaca-se a laranja pêra (com mais de 90% da produção citrícola), seguida da tangerina, limão e laranja lima. Referente às dificuldades na produção, os proprietários e administradores30 destacam a constante ameaça das pragas e doenças, uma vez que o controle exige muito trabalho, investimentos, mão-de-obra capacitada, assistência técnica e agronômica. Quando se trata de grandes áreas, existe uma maior utilização de maquinários na produção e o uso de produtos químicos como o handup, para limpeza da área. Assim, praticamente não se utiliza mais mão-de-obra nesse tipo de serviço, o que acaba por agravar o já elevado índice de desemprego existente na região, sem falar nos danos causados à saúde humana, com a contaminação dos rios, dos solos e da fauna. Assim, os proprietários e administradores entrevistados afirmam que, a cada ano, vem crescendo o número de produtos químicos utilizados na lavoura. Os mais antigos declaram que há 20, 30 anos atrás, o produtor plantava a laranja e esperava crescer, o máximo que se utilizava era veneno de formiga. Hoje, 30 Destaca-se o fato de aos buscarmos entrevistar esses proprietários fundiários nos deparávamos com a dificuldade de encontrá-los nos locais. Isso ocorre, principalmente pelo fato desses terem várias propriedades, não ficando UEM apenas uma delas. Assim, as informações referentes a produção de laranja eram prestadas pelo administrador da fazenda, que conforme já destacado eram filhos ou parentes dos proprietários. 234 contudo, “os solos estão contaminados, se não pulverizar o laranjal não desenvolve, graças as ameaças de pragas e doenças”. É um ciclo vicioso. A prática dos grandes proprietários fundiários em adquirir diversas fazendas, por sua vez, acaba repercutindo na estrutura fundiária dos municípios trabalhados, em que se verifica desde propriedades com mais de 10 mil hectares a pequenos minifúndios com menos de 1 hectare. Essa situação se agrava ao considerar que os proprietários possuem várias fazendas, monopolizando parte das terras da região, como forma de extrair maior renda em detrimento de uma quantidade significativa de trabalhadores sem-terra. O controle privado sobre a terra, por sua vez, ao passo que agrava as condições sociais da região acaba por representar as condições de maior exploração do trabalho por parte daqueles que detém a renda. 3.5.4 As Beneficiadoras de laranja As beneficiadoras desempenham funções referentes à classificação e limpeza da laranja, além de polimento nos frutos, a fim de deixar a carga preparada para a comercialização. Esse processo é realizado, principalmente, para os frutos destinados ao comércio in natura que encontram mercado nas principais redes de supermercados do Nordeste, em destaque nos diversos municípios da Bahia e Sergipe, a exemplo das capitais Salvador e Aracaju. Como grande parte da produção da laranja é comprada pelos atravessadores, geralmente são eles que levam a carga para beneficiar. Alguns passam a investir em sua própria beneficiadora, buscando evitar gastos nos custos de beneficiamento. Outros proprietários de beneficiadoras são comerciantes ou 235 produtores rurais, comumente grandes produtores que, além de beneficiar sua produção, prestam serviços também a outras propriedades. Assim, considerando o importante papel desempenhado por essas beneficiadoras nas regiões em estudo é que foram coletados dados nos municípios de Rio Real, Umbaúba, Cristinápolis, Boquim, Lagarto, Salgado, Arauá e Pedrinhas. Constatou-se, entretanto, em entrevistas com técnicos, agrônomos e industriais, que o beneficiamento realizado na região não tem sido considerado insuficiente para o mercado, já que trata-se apenas de uma lavagem (muita vezes mal feita) e um polimento para melhorar a aparência do fruto, a fim de aumentar o poder de barganha durante a comercialização. Nesse processo, destaca-se a perda de parte significativa da produção durante o beneficiamento, em que os frutos acabam sendo machucados e descartados na comercialização. Aliado a isso, os técnicos dos órgãos públicos entrevistados afirmam que a maioria das beneficiadoras existentes na região estão defasadas, com equipamentos ultrapassados, não atendendo, portanto, aos “padrões estabelecidos pelo mercado”. Por conta disso, alguns compradores de laranja estão preferindo beneficiar a produção em outros locais, sobretudo nas capitais: Recife, Fortaleza, Rio de Janeiro e Belo Horizonte, onde já se dispõe de melhores equipamentos e maiores cuidados, já que a laranja, inclusive, é embalada para comercialização, valorizando bastante o produto e protegendo os frutos no processo de escoamento da produção. Tais questões passam a constituir uma ameaça ao funcionamento de grande parte das beneficiadoras da região, posto que muitas já fecharam e outras estão funcionando precariamente. Há ainda o risco de aumentar as estatísticas de desemprego, o que constitui um grave problema. Durante trabalho de campo constatou-se que ainda que as condições de trabalho não seja tão boas, as beneficiadoras acabam sendo única 236 alternativa de trabalho para uma parte da população desempregada existente na região. Verificou-se durante trabalho de campo, que parte da produção beneficiada na região são destinadas às indústrias de São Paulo, quando os preços compensam os custos do beneficiamento e transporte. Em diversos momentos tivemos a oportunidade de verificar carregamentos de laranja cujos destinos eram as indústrias paulistas como a Cutrale. O custo para o beneficiamento, em outubro de 2008 era de R$ 15,00/tonelada para o beneficiamento comum, sem cera, que consiste, basicamente, na lavagem do produto. No caso do beneficiamento com cera, que dá uma espécie de brilho ao produto, esse valor se eleva para R$ 50,00/tonelada. Para os trabalhadores que atuam no beneficiamento da laranja, e mesmo no carregamento e descarregamento da carga, verifica-se que embora esses “empregos” sejam precarizados, quando recebem baixos salários, ampla jornada de trabalho, acabam por representa a única oportunidade de venda da força de trabalho para esses. O depoimento que se segue demonstra a situação de um dos trabalhadores entrevistados. É, só o que pode melhorar é a própria pessoa procurar empenhar mais para conseguir uma coisa melhor, né. É o que eu estou fazendo no momento. Mas aqui para melhorar é difícil. É sempre a mesma coisa aqui (...). Não muda não, é sempre a mesma rotina. Mas a pessoa sempre se empenha para arrumar uma coisinha melhor, né. No momento, é o que eu estou fazendo. E já está cansativo demais a rotina. É a Semana toda, de segunda-feira à sábado (...) Ai é muito pesado. Sábado trabalho das 7 às 14, 15 horas. (J. B. S. – Trabalhador de Beneficiadora em Pedrinhas). Para os carregadores essas condições de trabalho são piores pois a carga é muito pesada, ocasionando sérios problemas de saúde para aqueles que trabalham. Esses trabalhadores disponíveis nem sempre são selecionados para o 237 trabalho e os mais fortes acabam obtendo “maiores vantagens” na seleção dos carregadores. (...) Porque aqui a gente fica na pedra, tipo assim o que passar não é fixo, ai chega ali, tem uma turma ali para carregar, ai o povo vai atrás, ai a gente vai (...). Não tem certo, NE (...) Ai chama (...) o que fica na pedra, e o que aparecer primeiro vai. (...) Tem dia que é um dia para carregar, tem vezes que em 6 horas carrega. Depende da mercadoria. Tem vezes que você passa mais de 2 dias, dependendo da mercadoria. Às vezes tem umas melhores, às vezes tem outras mais fracas. Eu acho que aqui não tem condição fixa. Se a pessoa tivesse um serviço melhor, porque aqui é mais serviço pesado. A pessoa tem que pegar um caixote que é 50 quilos. Ai a pessoa tendo um serviço melhor, fixo, assalariado, todo o mês certo ali, é melhor né? No tempo aqui da safra é bom, porque a pessoa ganha bastante. (P. S. O. – Carregador. Colônia Treze – Lagarto, novembro de 2008). O desejo do trabalho fixo, assalariado, que garanta algum tipo de estabilidade passa a ser o grande sonho dos trabalhadores da laranja, espelhando a realidade da classe trabalhadora brasileira e mundial. Contrariando essa “necessidade”, a realidade verificada nas beneficiadoras da região é a diminuição do número de trabalhadores “necessários” tendo em vista a diminuição da produção a ser beneficiada. Isso pode ser observado no depoimento de trabalhador de beneficiadora entrevistado quando destaca que: Agora não tá chegando (.....) mas, já teve tempo da gente ir até 4, 5 horas da manhã, 6 h. Na época que começou esse negócio de máquina, a gente amanhecia o dia, virava a noite. (...) a gente tinha duas turmas, uma parava, comia e voltava, a outra ia, comia e voltava. Porque lá era um galpão com 2 máquinas dentro (...). Nós terminava, quando saia cá fora, ainda tinha uma fila de carro danada para passar (...). Agora a laranja tá pouca né, a gente termina mais cedo, a gente vai até 10: horas, 11:00 da noite. (...) Quando a safra tá segura, vai até 1, 2, 3, 4 horas da manhã. A máquina na cera, tem uma lá em Pedrinhas, tem uma em Arauá, Rio Real também o pessoal tem uma na cera. (E. S. – Encarregado/Trabalhador de Beneficiadora, Boquim). 238 3.6 As cooperativas e associações: expressões da luta dos agricultores ou inserção subordinada ao capital? As cooperativas e associações nas Regiões do Litoral Norte da Bahia e Centro-Sul de Sergipe, têm por objetivo organizar os produtores na busca por incentivos creditícios, re-negociação de dívidas, comercialização da produção, acesso a pesquisas e tecnologia, principalmente disponibilizadas pelos órgãos federais e estaduais – a exemplo da EMBRAPA, EBDA e EMDAGRO; também melhoras no que se refere às condições impostas pelo mercado e às estratégias encampadas pelos produtores. Por outro lado, não se verifica nas ações dessas uma atuação política no sentido de criar condições para os produtores diretos disporem de melhores condições na produção, o que perpassa pela autonomia, ainda que relativa, e o enfrentamento as imposições que não correspondem com suas realidades concretas. Muitas vezes, a aproximação dos agricultores a tais organizações se faz mediante a possibilidade de terem acesso a recursos creditícios, ou mesmo para terem direito de contarem com uma superficial assistência técnica por parte dos órgãos públicos, que como já mencionado só atende a agricultores associados ou cooperados. As próprias condições precárias de existência a que parte dos agricultores, sobretudo camponeses mais empobrecidos, encontram-se submetidos acaba por imperrar um processo de conscientização política voltada para a reais necessidades desses. Como são obrigados os agricultores acabam por participar das associações e cooperativas para não se tornarem ainda mais segregados do processo produtivo. Essa realidade é observada no município de Umbaúba/SE quando dois técnicos agrícolas da EMDAGRO Boquim/Arauá relatam que nesse 239 município a criação de uma central de cooperativas vem sendo encabeçada pela prefeitura local, através do atual secretário de agricultura, que também é produtor, demonstrando preocupações quanto ao destino da mesma, na medida em que aos objetivos dos agricultores não podem estar vinculados ao que o poder local define. Assim sendo, mais do que nunca torna-se necessária a organização de Associações e Cooperativas voltadas aos interesses dos produtores diretos, principalmente os mais pobres, de modo que esses possam se apropriar de uma maior renda da terra, a partir do trabalho despendido nessa, bem como ter acesso aos recursos e programas financiados com recursos públicos, cuja aplicação é seletiva a voltada apenas para aqueles com melhores condições financeiras; além da luta política, de classe na possibilidade de não apenas se sujeitar à lógica do capital, mas enfrentá-la. Conforme já destacado os municípios produtores da laranja contam com dezenas de associações e cooperativas, tornando-se , para nós impossível dar conta de todo o universo; assim sendo analisaremos as estratégias implementadas pela Central de Associações do Litoral Norte da Bahia, que atualmente criou sua própria cooperativa a COPEALNOR, com sede no município de Rio Real/BA; a Associação dos Citricultores da Bahia (ASCIBA), com sede também em Rio Real/BA e a Cooperativa Agrícola do Povoado do Treze (COPERTREZE) com sede no município de Lagarto/SE. 3.6.1 A Central de Associações do Litoral Norte (CEALNOR) e a COOPEALNOR É CEALNOR composta por 22 associações comunitárias na Região do Litoral Norte da Bahia, sendo a maioria localizada no município de Rio Real (que é responsável por 70% da produção regional) e alguns assentamentos, em 240 municípios como Conde, Esplanada e Itapicuru. Desses assentamentos alguns são originados do Programa Cédula da Terra (implementado pelo Governo Federal – representando a reforma agrária de mercado), outros constituídos por recursos próprios. A eleição da direção da entidade envolve todos os associados. Existem candidatos para concorrer a cargos de presidente, vice-presidente, secretário, tesoureiro, enfim há uma diretoria que é oriunda dos agricultores ligados a CEALNOR. Ela funciona com um gerente comercial, que tem a função de coordenar tudo que é referente à comercialização. É um trabalho realizado com a ajuda do gerente de campo. A comercialização da produção é a atividade principal da CEALNOR, fato que se justifica pelos baixos preços conseguidos na produção da laranja, levando muitas vezes o produtor direto a auferir uma renda mínima ou mesmo não dispor de nenhuma renda para garantir a continuidade do trabalho na terra. A central Possui um convênio com uma ONG Belga – BISOP, especialista em agroecologia, que desenvolve um programa com os produtores a fim de que esses recebam certificado orgânico da produção e possam assim valorizá-la perante os mercados (sobretudo internacionais). Para desenvolver esse programa, a CEALNOR conta com a parceria do Governo Federal, que disponibiliza o crédito para montar a infraestrutura necessária. Pelas informações fornecidas pela presidência da CEALNOR nota-se claramente que o objetivo da mesma é estimular os associados a tornarem-se “competitivos” de forma a disputar o mercado. Não se tem, em princípio, uma crítica quanto a organização para melhorar os preços da comercialização, ou mesmo compreender que a sujeição ao mercado é uma realidade para os citricultores. A 241 questão por nós levantada é que a luta dos agricultores não pode se limitar a isso. Torna-se necessário buscar formas de, ainda que subordinado ao mercado, reproduzir a existência com um mínimo de autonomia, ou seja, atendendo os interesses concretos dos produtores, principalmente os pequenos e médios, que é o foco central da CEALNOR. A CEALNOR possui uma rede de relações que envolve as regiões em estudo o país e mesmo diversos países do mundo. Possui como um dos objetivos centrais a comercialização do chamado “suco justo” (com um acordo entre as partes – a CEALNOR, a ONG Capina e a indústria Maratá-Sucos, na busca de um mercado solidário, em que se dê garantias da qualidade do suco, a partir da colheita no período certo de maturação e rátio dos frutos, sem utilização de agrotóxicos), em parceria com a indústria Maratá Sucos, que abastece vários países da Europa, principalmente a Alemanha, a Suíça, a Áustria e a Bélgica. Os associados são pequenos produtores que têm em média propriedades com quatro hectares. A comercialização não é feita em nome da CEALNOR, ela apenas presta serviço ao produtor e tem por finalidade apoiar e intermediar desde o processo de produção até a circulação dos produtos por empresas estabelecidas nos países europeus. Da parceria que estabelece com a Indústria Maratá Sucos, resulta o esmagamento da laranja e o desenvolvimento do processo de concentração do suco, como também a embalagem nos tonéis. A partir da parceria que mantém com os países importadores, o suco concentrado é transformado em novos produtos, embalados e comercializados com a marca e garantia agroecológica da CEALNOR. De acordo com a representante da CEALNOR, esta entidade existe com o objetivo de resolver os problemas relacionados à produção e comercialização que 242 vinham afetando os pequenos produtores rurais do Litoral Norte da Bahia. Assim, destaca os constantes calotes a que esses pequenos produtores estavam submetidos, fato que resultou na decadência e perda da terra para muitos, que já se encontravam bastante dependentes dos atravessadores, os quais compram a laranja nos pés. Revela que a CEALNOR representa a tentativa de juntar os pequenos produtores para que, unidos e dispondo de um peso na produção regional, pudessem buscar outras possibilidades de mercado. A partir de então, os produtores passaram a buscar apoio dos órgãos públicos federais, estaduais e municipais como a EMBRAPA (a partir do PIC – Produção Integrada de Citros), a EBDA e a Prefeitura Municipal (com a Secretaria de Agricultura e Meio Ambiente), na perspectiva de melhorar a produção. Também, a partir do apoio da ONG Belga – BISOP – passaram a desenvolver programas voltados para agroecologia, valorizando a produção que, por sua vez, conquistou maior aceitabilidade no mercado internacional. Grande parte das associações que compõem a CEALNOR encontram-se em dificuldades atualmente, uma vez que a maioria surgiu em função dos créditos bancários, a que o pequeno produtor só tem acesso se associado. Assim, os produtores associados passariam a ser avalistas uns dos outros. A partir dessa realidade, surgiram as associações e os conselhos municipais na região, contando com o apoio da CAR (Companhia da Ação Regional), do Governo do Estado da Bahia, que tem por finalidade desenvolver projetos que viabilizem a promoção do “desenvolvimento regional”. Com isso, muitos produtores se associaram visando conseguir “benefícios” para eletrificação, construção de casas de farinha comunitárias e outros. Apenas posteriormente é que os produtores – os que permaneceram na terra – começaram a desenvolver a consciência associativista, 243 enquanto outros perderam o interesse pelas associações, pois só se buscavam “benefícios imediatos”, o que se constitui num problema para as associações na região. A comercialização é feita a partir de pequenos produtores, com pequenos volumes que se juntam, por via das associações. Essas, por sua vez, unem-se à CEALNOR e, a partir daí, buscam aumentar as possibilidades do mercado. Além disso, é preciso manter os mercados previstos (após anos de parceria com a CEALNOR), intensificando os laços de solidariedade, sobretudo com os europeus. Vê-se , portanto que toda a lógica que fundamenta a ação da CEALNOR é a empresarial, apenas possuindo o interesse de “burlar” os atravessadores, que acabam se apropriando da parte da renda dos produtores diretos. Contudo, apropriação de parte da renda continua a se extraída pelas indústrias européias, que por meio desse mercado “direto” pode garantir maiores lucros. Para assegurar tais mercados, a questão fundamental é manter a “qualidade da produção” (fato que já seleciona os produtores associados), estabelecer relações de “fidelidade” (o que pode ser visto como um aprisionamento, ou seja, a perda de liberdade por parte dos associados) e adquirir a confiança dos compradores. Antes, ainda, é preciso estabelecer laços de “fidelidade” com os produtores, estimular a importância da cooperação entre eles, bem como “preparálos para se adequar às exigências do mercado”. Acrescentam-se a esse fato outras dificuldades vivenciadas pelo produtor, já que, mesmo produzindo com pouca qualidade, precisa escoar a produção e garantir a sua subsistência, assim vê nas indústrias processadoras um mercado em potencial, uma vez que elas não estabelecem grandes exigências em termos de qualidade, na medida em que os preços pagos são menores, diminuído a renda do 244 produtor. Para esse mercado, os produtores comercializam laranjas passadas, verdes, enfim, de diversas qualidades. No caso da laranja para o “suco justo”, as exigências do mercado externo é que a laranja esteja madura, com um determinado padrão de rátio. Para atingir “o padrão CEALNOR” os produtores tem que empregar muitos recursos no processo produtivo, muitas vezes se endividado, assim sendo, o padrão “europeu” torna-se inacessível a grande parte dos agricultores. Por isso, a CEALNOR passa por muitas dificuldades, diminuição dos associados, etc. Para minimizar os impactos causados pelo desperdício decorrente do transporte da produção, a CEALNOR está iniciando o processo de transporte da laranja embalada em caixas, o que também tem sido implementado por parte dos grandes e médios produtores da região; com isso, busca-se evitar os prejuízos e perdas causadas pelo transporte inadequado. Ao final do processo de comercialização quem acaba lucrando com o produto são as indústrias que adquirem essa produção. Apesar do trabalho desenvolvido pela CEALNOR, ainda é muito comum a presença dos atravessadores da região, bem como, em alguns períodos, atravessadores paulistas (quando falta produção em São Paulo); já que as indústrias têm que manter seus contratos comerciais, eles se deslocam para comprar laranja especialmente em Rio Real, na Bahia e no Centro-Sul de Sergipe. Com isso, os produtores acabam sempre dispostos a vender a produção, pois os preços oferecidos são superiores aos de costume. Por outro lado, para a CEALNOR, isto torna-se uma dificuldade, pois é preciso manter os contratos estabelecidos com os mercados, o que é inviabilizado em função das constantes ofertas das indústrias paulistas, que acabam seduzindo o produtor. Para o produtor, 245 principalmente os pequenos, com piores condições econômicas, não importa a quem vai vender a produção, mas vendê-la e assim garantir a reprodução da família, por isso pouco importa a quem estão sujeitados, se a indústria ou o atravessador. Apesar das dificuldades enfrentadas pela Central, acredita-se na importância de buscar incentivar o pequeno produtor para o associativismo, como uma forma de fortalecer a produção agrícola, promover o desenvolvimento local/regional e a melhoria das condições de vida das famílias envolvidas. Assim, reforça-se o trabalho de base junto ao pequeno produtor, para que ele se mantenha associado, enfrentando os problemas que por ventura venham a acontecer. Também é objetivo da CEALNOR incentivar um trabalho de produção voltado para a agroecologia, pregando uma agricultura mais saudável e ambientalmente menos degradante, valorizando a produção e minimizando os efeitos causados pelo uso abusivo de produtos químicos em produtores e trabalhadores rurais. Outro desafio é a busca por incentivos viabilizados a partir de políticas públicas, a fim de que se possa ter condições de competitividade local, regional, nacional e internacional. Cabe-nos destacar que tais produtos “agroecológicos”, nas condições atuais, são bastante valorizados no mercado, principalmente europeu. Como forma de atingir esses objetivos a CEALNOR cria no ano de 2007 a Cooperativa Agrícola do Litoral Norte da Bahia – COOPEALNOR, que a partir de então passou a assumir as questões referentes a comercialização da produção dessa Central de Associações. Para viabilizar o escoamento da produção a Cooperativa conta com serviços terceirizados, adequando-se a lógica da flexibilização da economia. Dando continuidade a política de “valorização da 246 produção orgânica”, valorizada pelo mercado, estabelece critérios de fiscalização, as quais os associados tem que se “enquadrar”. Para tanto já conseguiram o selo do Instituto Biodinâmico, que atesta a organicidade dos produtos. Deixam claro a existência de uma parceria com as indústrias, portanto não se trata de interesses divergentes, mas perfeitamente “harmônicos” . Por meio dessa parceria “terceirizam” a produção de suco, e a indústria paga ao produtor o preço do mercado. Assim, a indústria também amplia as possibilidades de se apropriar de parte da renda camponesa, via associações e cooperativas que deveriam representar os interesses dos trabalhadores. Quanto ao perfil dos associados da COOPEALNOR a presidente da mesma, em entrevista realizada em novembro de 2008 afirma que: (...) É bem misto. (...) A grande maioria são pequenos produtores né, produtores de laranja e maracujá, e que já vem de uma historia de associação, de luta. Associações que já foram filiadas a CEALNOR. (...) E temos também médios produtores que já tem uma visão mais empresarial da coisa, e sabe que através da cooperativa eles podem vir a alcançar alguns mercados, que eles, sozinhos enquanto produtores não conseguiriam. (.....). Agora na parte comercial temos algumas dificuldades. Não vou dizer todos, mas 50% deles ainda não tem noção de como é que funciona essa coisa e estão muito acostumados com essa coisa de vender na mão dos atravessadores ou direto. (...) Então, a princípio, eles também gostariam que a COPEAONOR fosse assim também. “Olha aqui tá meu produto, vocês agora vendem”. Não gostam de se envolver (....). E a gente trabalha diferente, que todos estejam envolvidos, que todos estejam sabendo como as coisas acontecem. (J. A. – Presidente da COPEALNOR) A fim atingir seus objetivos a COOPEALNOR visa aumentar a produção orgânica, de modo a ampliar as relações com o mercado europeu, que valoriza bastante esse tipo de produção. Apresenta ainda a necessidade de dar “sustentabilidade financeira” aos associados, algo distante de imaginar tendo em 247 vista toda uma rede de sujeição que envolve a produção de laranja e o mercado industrial europeu, em que não se verifica uma atuação mais voltada as garantias de autonomia, ainda que relativa, aos associados, ou mesmo um processo de conscientização política, que para nós seria imprescindível. 3.6. 2 Associação dos Citricultores da Bahia (ASCIBA). A Associação dos Citricultores da Bahia (ASCIBA) foi fundada em 26 de abril de 1994, com o objetivo de organizar os produtores de laranja do Estado, mas após 15 anos de existência encontra-se em dificuldades de desenvolver o processo de organização dos produtores de laranja da região. Em pesquisa realizada no ano de 2003 constatamos que a Associação contava com três mil associados em toda a Bahia, número que caiu para mais da metade em 2008. A maioria desses associados são do Litoral Norte da Bahia, que se constitui na principal região produtora de laranja do estado d Bahia. Inicialmente estabelecida na cidade de Cruz das Almas, no ano de 1995 transferiu-se para Rio Real, principal município produtor do estado. Conta com muitos associados no Litoral Norte e em outras regiões da Bahia, com destaque para os municípios de Rio Real, Itapicuru, Acajutiba, Jandaira, Entre Rios, Alagoinhas, Inhambupe, Piritiba, Santa Luzia, Itaquara e outros. De acordo com entrevista realizada com o Presidente da ASCIBA, as principais dificuldades enfrentadas pelos associados se relaciona ao acesso a créditos rurais, já que quando esses são liberados, isto só acontece, na maioria das vezes, quando não se mais possível aplicá-los devidamente. Ele destaca que o Banco do Nordeste promete o crédito para determinado período e não cumpre, então o produtor da laranja atrasa seu custeio, não adubando no tempo certo e não empregando o dinheiro corretamente, o que implica em grandes prejuízos. Tal fato 248 faz com que os produtores não consigam arcar com os compromissos assumidos junto ao banco, o que os tornam devedores. Outro aspecto fundamental a ser considerado é a dificuldade encontrada para a comercialização da produção, o que, de acordo com o Presidente da ASCIBA, se fazia de qualquer forma, de maneira imediatista, já que o produtor visava um retorno rápido, não tendo, portanto, os cuidados necessários com a produção (colhendo de qualquer jeito, machucando o fruto, colhendo o fruto verde, dentre outras coisas). Isto implicava queda nos preços conseguidos e venda da produção a pessoas estranhas, tornando os calotes constantes. Assim, um dos primeiros desafios da ASCIBA foi buscar a conscientização dos produtores, tentando convencê-los a não vender fiado nem tirar a laranja verde. Cabe considerar no entanto que as fragilidades do produtor ocorre devido, na maioria das vezes, a precariedade das condições de vida a que estão submetidos. A partir destas ações, a produção atualmente é comercializada a dinheiro, tanto por parte das indústrias, quanto dos compradores da região, que escoam a produção para diversos locais do Brasil. Desse modo, declara o Presidente da ASCIBA, praticamente não há mais na região comercialização sem ser a vista. A exceção são os produtores, que dispõem de acordos para fornecimento de mercado. Para esses últimos, perder alguns caminhões não representaria grandes prejuízos, o que não acontece no caso do pequeno produtor, que poderia se desequilibrar economicamente ou, até mesmo, perder sua terra. Alem disso, é preciso estimular a confiança do produtor de laranja na cooperação e promover uma comercialização eficiente com os mercados, a fim de garantir melhores preços ao produto. Enquanto essa questão não for resolvida, permanece forte a figura do atravessador e a desinformação total dos produtores. 249 Outro problema referente à produção diz respeito à escassez de água, agravado por longos períodos de estiagem – de 5 a 6 meses dependendo de cada localidade. Na organização cooperada dos produtores destaca-se o papel desempenhado pelo mercado do produtor, que representa uma das ações do PROCITROS (Programa de Recuperação da Citricultura Baiana) e trata-se de uma iniciativa realizada a partir da parceria entre Governo do Estado da Bahia e os citricultores, identificados na ASCIBA. Dentre os seus principais objetivos destacase a permissão para o produtor expor sua laranja (estocar se for o caso), possibilitando a compra diretamente pelo consumidor, enfraquecendo, portanto, o atravessador que, sem muitos esforços, acaba abocanhando grande parcela da renda dos produtores. De acordo com o presidente da ASCIBA o preço da laranja vendida por via desse mercado é em média R$ 10,00 a 15,00 por tonelada maior que os preços conseguidos nas propriedades rurais. Assim, o mercado foi feito para facilitar a vida dos associados e dos produtores de um modo geral. Novamente, é visível a leitura da associação como possibilidade de inserção na lógica do capital. Os grandes produtores têm uma participação muito pequena em relação ao número de produtores que compõem a ASCIBA, já que muitas vezes preferem vender sua produção por conta própria, através de uma rede já articulada de consumidores. Pode-se considerar que 70% dos produtores associados da ASCIBA são pequenos, que possuem até 50 hectares. Cerca de 20% é composto de médios produtores (aqueles que possuem de 50 até 100 hectares) e por fim, os 10% restantes podem ser classificados como grandes produtores (com áreas acima de 100 hectares). 250 Um dos grandes desafios da Direção da ASCIBA é organizar o produtor para lutar junto aos bancos pelo acesso a créditos rurais, renegociando dívidas existentes. Para isso, a ASCIBA vem desenvolvendo “parcerias com o Governo da Bahia”, que, via bancos de financiamentos e agências de desenvolvimento (Desembanco e BNB), viabilizou, no ano de 2003, recursos na ordem de R$ 64 milhões, a serem liberados em oito anos – como parte das ações do programa de revitalização da citricultura. Obviamente que o interesse do Governo do estado da Bahia é a dinamização da produção na perspectiva de inserir economicamente a região no eixo da economia internacional, especializada na citricultura, com novos espaços baianos sendo incorporados. Através do estado, a ASCIBA tem buscado também o apoio da EBDA, no que diz respeito à assistência técnica. Apesar dos poucos técnicos de que dispõem, a EBDA tem buscado resolver os problemas dos citricultores, sobretudo no que se refere ao controle de pragas e doenças, erradicando plantas afetadas e lutando para “aumentar a produtividade”. O principal desafio é o controle da orthésia, contra a qual a EBDA tem trabalhado junto a ADAB, para não permitir que ela se alastre nos laranjais baianos. Neste controle, destaca-se a parceria com as indústrias de suco, como a Maratá e com o Governo e a Prefeitura de Rio Real. O grande interesse da indústria justifica-se em função da sua própria manutenção, que necessita da matéria-prima constante e com menores preços. A aliança entre Associação, Estado e Capital é visível e não tem por princípio romper a exploração a que os pequenos produtores estão submetidos. Além disso, não se pode considerar as demandas dos produtores com condições financeiras diferentes como homogêneas. Da mesma forma não se pode considerar 251 com as mesmas necessidades aqueles que tem pequenas porções de terra com os grandes produtores rentistas, posto que personificam realidades diferenciadas. 3.6.3 Cooperativa Mista dos Agricultores do Treze (COOPERTREZE) Em 1960, mais de oitenta agricultores sem terra foram selecionados por uma comissão composta por representantes de diversos órgãos públicos e contemplados com lotes de três hectares, doados por um antigo proprietário em Lagarto. Eles receberam a escritura pública e tiveram acesso ao crédito do Banco do Brasil, com aval desse antigo produtor, para construção de casas, custeio de suas lavouras – principalmente fumo (explorado comercialmente) e mandioca (para subsistência da família). Os órgãos públicos como o INDA (atual INCRA), a SUDENE e o CONDESE (depois Secretaria de Planejamento) criaram um grupo de trabalho para analisar a situação dos produtores assentados. O grupo decidiu pela criação de uma cooperativa que pudesse minimizar a crise social e econômica pela qual passava a região. De acordo com o Relatório de Gestão da Organização das Cooperativas do Estado de Sergipe (OCESE), realizado em 2001, a Coopertreze foi fundada em 1962, a partir de reunião, onde compareceram 21 agricultores, a chamada Cooperativa dos Agricultores do Treze, que, em 23 de dezembro do mesmo ano, passou a ser chamada de Cooperativa Mista dos Agricultores do Treze Ltda. Após 40 anos de existência, em 2002, a COOPERTREZE contava com 528 associados vindos de outras regiões do entorno e municípios vizinhos. Essa Cooperativa possui sua sede localizada na Colônia Treze, no município de Lagarto, Centro-Sul de 252 Sergipe, um dos maiores produtores de laranja do Estado. Conforme informações apresentadas por Oliveira (2007, p. 88): A coopertreze foi utilizada pelo Estado como instrumento para viabilizar a modernização, sobretudo na produção de laranja, tanto no que se refere à aquisição de terras, bem como na atração de capital adotando inovações tecnológicas a serviço da extensão técnica rural e acesso ao crédito. Conforme estabelece o Estatuto Social da COOPERTREZE, reformado em 26.11.98, em seu artigo 1º, “A Cooperativa mista dos agricultores do Treze COPERTREZE - rege-se pelos valores e princípios do cooperativismo, disposições legais, pelas diretrizes da autogestão e por este estatuto, tendo: a) sede administrativa na Colônia Treze, município de Lagarto, no Estado de Sergipe; b) área de ação, para fins de admissão de cooperados, abrangendo os municípios de Lagarto, Salgado, Riachão do Dantas, Boquim e Simão Dias, todos no Estado de Sergipe; c) prazo de duração indeterminado e ano social compreendido no período de 01 de janeiro a 31 de dezembro de cada ano”. Quanto aos principais objetivos da Cooperativa, o estatuto destaca o de congregar agricultores de sua área de ação, realizando os seus interesses econômicos através das seguintes ações: a) industrializar e comercializar a produção de seus cooperados, nos mercados locais, regionais, nacional e internacional, registrando suas marcas, se for o caso; receber, transportar, classificar, padronizar, armazenar e beneficiar; b) adquirir e repassar aos cooperados bens de produção e insumos necessários ao desenvolvimento de suas atividades; c) prestar assistência técnica ao quadro social, em estreita colaboração com órgãos públicos atuantes no setor; d) fazer, quando possível, adiantamento em dinheiro sobre o valor dos produtos recebidos dos cooperados ou que ainda 253 estejam em fase de produção; e) obter recursos para financiamento de custeio da produção e investimentos dos cooperados; f) promover, com recursos próprios ou convênios, a capacitação cooperativista e profissional do quadro social, funcional, técnico, executivo e diretivo da Cooperativa; g) fornecer assistência aos cooperados no que for necessário para melhor executar o trabalho de produção; h) prestar outros serviços relacionados com a atividade econômica da Cooperativa; i) realizar, em benefício dos cooperados interessados, plano de saúde e seguro de vida coletivo e de acidente de trabalho. Entretanto, a partir de entrevistas realizadas com os citricultores associados da COOPERTREZE, percebe-se que uma das principais dificuldades enfrentadas por ela, são os problemas de organização interna, o que é reflexo de questões relacionadas à própria situação econômica do país e do descaso com a agricultura praticada nas unidades de produção familiar. Isto em muito tem afetado as Cooperativas de pequenos produtores, fazendo com que elas tornem-se, cada vez mais, desacreditadas, desestimuladas, dificultando a busca de caminhos para resolver os problemas. Muitos dos empecilhos existentes dizem respeito a determinados encaminhamentos referentes ao emprego dos financiamentos. Por causa disso e de problemas de gestão, a COOPERTREZE (com mais de 40 anos de existência) encontra-se com sérias dificuldades para se manter, estando quase em estado de falência. A atual Sede da Cooperativa Agrícola Mista do Treze pode ser observada na foto 36. No início, o principal cultivo comercial dos produtores era o fumo, que foi, gradativamente, sendo substituído pela laranja, dada valorização desse produto no mercado. Dentre as razões que fizeram com que o primeiro entrasse em decadência, destacam-se os problemas internos da cooperativa, já que muitos 254 produtores vêem nela apenas uma possibilidade de obter recursos, não trabalhando de forma cooperativada; há também os problemas relacionados ao mercado externo e à queda nos preços, o que fez com que os produtores passassem a investir em outro cultivo (a laranja), impulsionados pela incorporação deste espaço agrícola ao mercado nacional e internacional. Foto 36 – Atual Sede da Coopertreze, Lagarto, 2003. Assim, no início da década de oitenta, a laranja torna-se o cultivo mais importante da região. Nesse período, a Cooperativa cresceu bastante, atraindo muitos associados, aumentando seu poder de barganha e obtendo muitos recursos para dinamizar a produção. Diversos equipamentos e uma gama de serviços organizacionais foram adquiridos, escritórios de venda, caminhões, tratores, fábricas de rações, fábrica de beneficiamento de fumo, postos de gasolina, beneficiadora de laranja, supermercados, além de postos de venda nas grandes cidades do Nordeste - São Luis, Fortaleza, Recife, dentre outras. Entretanto, para um dos produtores associados, a maioria dos sócios só estava preocupada em adquirir recursos e tocar sua produção, não se interessando em participar efetivamente da cooperativa. Com isso, em fins dos anos 80 e início da década de noventa, quando a produção da laranja começa a enfrentar problemas relacionados 255 à queda nos preços e a difusão de pragas e doenças, a Cooperativa, que muitas vezes estocava a produção, passou a assumir os prejuízos. Muitos dos produtores associados, portanto, abandonaram-na, agravando ainda mais as dificuldades que ela vinha enfrentando. A reivindicação principal do associado é que haja financiamento, o que muitas vezes cria problemas entre cooperativa e cooperados, tendo em vista o fato de grande parte dos membros encontrarem-se com dívidas nos bancos de financiamentos – como o Banco do Brasil e o BNB - dívidas essas já renegociadas. Assim, os bancos têm tentado reaver o recurso investido, cobrando muitas vezes judicialmente ao produtor, que acredita que a Cooperativa tem que resolver a situação. Tais questões intensificam, cada vez mais, a separação entre produtor e cooperativa. Assim, muitos se afastam, passam a vender sua produção fora da Cooperativa, geralmente por meio de atravessadores, o que prevalece na região atualmente. Além dos problemas relacionados ao distanciamento de parte dos associados, a COOPERTREZE acabou perdendo, praticamente, todo seu patrimônio, contando atualmente com apenas uma pequena sede, onde funciona o escritório, e uma loja para venda de insumos agrícolas. Sua função atual tem-se limitado à comercialização da produção (ou parte dela) e aluguel de seus galpões de beneficiamento. A produção é escoada pelo próprio comprador ou em caminhões alugados, considerando-se que a Cooperativa não possui caminhão (possuía doze caminhões no passado). Outro grave problema que vem afetando a citricultura regional é a constante ameaça das pragas (principalmente a Orthésia;) e também a prevenção do CVC (conhecido na região como amarelinho). Essa preocupação tem requerido 256 dos citricultores o emprego de grandes quantias em dinheiro, dificultando ainda mais a inserção no processo produtivo. Para reestabelecer-se, as principais estratégias da Cooperativa é preciso resolver os problemas internos, a contabilidade e renegociar as dívidas; em segundo lugar, lutar para levar a Cooperativa até os associados e retomar a sua confiança, além de buscar uma consciência coletiva quanto ao papel da cooperativa e dos seus membros – fazendo com que eles possam se sentir verdadeiramente parte da instituição. Outro aspecto a ser destacado é o estabelecimento de parcerias que a COOPERTREZE tem buscado estabelecer com órgãos de pesquisa e assistência técnica como a EMDAGRO, junto ao governo do Estado. Atualmente, a Cooperativa não tem condições de oferecer ao produtor esses serviços. Por isso, os produtores entrevistados dizem que a assistência técnica tem deixado a desejar, pois o número de técnicos é bastante reduzido, não conseguindo, portanto, atender a todos. Até o ano de 1999/2000, a Coopertreze encontrava-se bastante endividada junto ao Governo Federal, tendo perdido parte do seu patrimônio (prédios) para pagar parcela da sua dívida. Entretanto, a partir de 2001, a Cooperativa passou a contar com o apoio de um programa do Governo Federal – o RECOPE – voltado para a revitalização da produção e das cooperativas agrícolas. Este programa foi criado a partir da medida provisória nº 1771/5 de 31 de janeiro de 1999, no referido decreto nº 2936. Tal programa prevê o cumprimento das seguintes etapas: 1) renegociação das dívidas, reorganização da infra-estrutura das cooperativas (escritório, beneficiadora e outros); 2) reorganização dos associados, criação de fóruns de debate entre os associados para envolvê-lo enquanto parte da 257 Cooperativa; 3) organização da produção – trabalhando a questão da produção, os problemas dos associados com relação à inserção do produto rural na economia, no trabalho, bem como acompanhando esta produção ano a ano. À medida em que a Cooperativa vai cumprindo essas etapas, o banco torna a repassar novos recursos, até chegar na 4ª etapa, que se refere à capacitação da assistência técnica, a partir da criação de setores internos na cooperativa. Os principais mercados consumidores da laranja dos associados da COOPERTREZE são os Estados do Norte e Nordeste do país – Ceará, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Pará e outros. Também, em épocas de escassez no Sudeste, parte da laranja é escoada para São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte. Ainda que se percebe na Coopertreze uma lógica mais voltada ao atendimento das demandas concretas dos cooperados, esses acabam engessados na estrutura do Estado, principalmente, devido as dívidas existentes. Por isso, buscam “soluções” dentro dessa lógica e as dificuldades em fortalecer a luta dos pequenos agricultores, com vias a um projeto mais independente de agricultura e de organização social acabam por serem suplantados pela constante tentativa de inserir os associados no processo produtivo. Essa realidade se acresce mediante o constante abandono dos agricultores de suas terras de trabalho, que aliado ao desemprego existente na região não apresenta oportunidade para aqueles que vivem do trabalho. Assim, a luta pela terra torna-se inevitável, assunto que trataremos no próximo capítulo desta tese. 258 4 DA APROPRIAÇÃO DO CAPITAL À BUSCA DE NOVAS FORMAS DE TRABALHO: A MATERIALIDADE DA LUTA DE CLASSES NO TERRITÓRIO A já longa luta dos trabalhadores que tem nos campos sua inserção para o trabalho e/ou a morada, ao colocar em questão o poder e o controle exercidos pelos proprietários de terra, latifundiários, capitalistas e o Estado, seja por meio das ocupações de terra, de prédios públicos, caminhadas, atos públicos, greves, paradeiros, etc, estão acrescentando ao aprendizado da luta de resistência e à qualificação da consciência de classe, novos elementos para a classe trabalhadora. (THOMAZ JUNIOR, 2004, p. 11). De acordo com as questões apontadas anteriormente as investidas do capital no Centro-Sul de Sergipe e Litoral Norte da Bahia vem sendo feita de todas as formas, assim ora o capital (em geral associado aos proprietários fundiários da região) ora os próprios latifundiários se apropriam da terra e aceleram o processo de proletarização, devido a intensa expulsão dos camponeses; ora essas classes dominantes no campo criam formas de subjugar o trabalho camponês a sua lógica produtiva, através da sujeição de sua renda, uma realidade muito concreta para aqueles poucos que se mantêm na terra. Por outro lado, ao passo que verifica-se a ampliação do exército de reserva, não se tem alternativas concretas de trabalho (no campo ou nas cidades), fato que intensifica a pobreza e a periferização nas cidades da região. A ampliação do exército de reserva, por sua vez, agrava as condições de trabalho ao tempo em que garante aos proprietários fundiários e as empresas capitalistas a possibilidade de se apropriar de maior renda da terra e lucro. Essa realidade não tem apontado alternativas concretas para os que trabalham ou pretendem trabalhar. Para os camponeses a busca por políticas públicas de financiamentos, viabilizada através da cooperativas e associações ao invés de representar uma possibilidade de melhorar as condições de vida, propiciando a apropriação de uma maior renda da terra, na realidade, engessa os 259 produtores diretos, inserindo-os de forma subordinada ao capital. Para os trabalhadores proletarizados a luta sindical apresenta seus limites, pois ainda que os sindicatos busquem atender os interesses dos trabalhadores não conseguem enfrentar os patrões, dado desemprego significativo na região. Engessados os sindicatos acabam por estabelecer uma relação de mediação entre patrão e empregado de modo a manter os empregos dos mesmos. Não se pode deixar de notar, contudo, a forte vinculação política de muitos sindicatos visitados, fato que também acaba por distanciá-los da questão central – a luta da classe trabalhadora. Desprovidos de outra possibilidade de reproduzir a vida esses trabalhadores encontram na luta via movimentos sociais as esperanças da luta pela terra, pelo trabalho ou por moradia, enfim por melhores condições de vida e trabalho. Nessa luta a questão central é o enfrentamento que promovem contra o Estado, através da política pública (inclusive de assentamento de população, etc.) e mesmo do capital e dos latifundiários que historicamente se reproduzem na exploração da classe trabalhadora. A fim de averiguar essas tentativas de luta implementadas pela classe trabalhadora buscamos acompanhar experiências de famílias acampadas e assentadas, que objetivam a terra, o trabalho ou a moradia, via movimentos sociais diversos, em destaque o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e o Movimento dos Trabalhadores Urbanos (MOTU), que atuam tanto no Centro-Sul de Sergipe quanto no Litoral Norte das Bahia. No que se refere à atuação do MST no Centro-Sul de Sergipe, destaca-se que nos últimos anos ocorreram várias ocupações. Essa realidade pode ser observada na figura 09, tomando por base as informações fornecidas pela Direção Regional do movimento. 260 Figura 09 Para tanto há que se considerar que mesmo mediante todas as investidas do capital os trabalhadores estão reagindo, buscando possibilidade não apenas de trabalhar, mas de se apropriar do produto do seu trabalho, questionando a ordem capitalista e o Estado. Assim, ao contrário daqueles que pregam o fim do trabalho, ao considerar as condições concretas dos milhares de trabalhadores no país, no mundo e nas regiões em estudo, reafirmamos a centralidade do trabalho enquanto condição fundamental de vida. Essa luta pelo trabalho concretizada na luta pela terra, pelo trabalho e moradia expressa a atualidade da luta de classes, de classes antagônicas, que se expressa, concretamente, no território. A leitura do território, portanto, vai nos permitir compreender a contradição na relação capital versus 261 trabalho que se expressa, por um lado, na expropriação, sujeição, subsunção, proletarização e, por outro, na busca de alternativa por parte da classe trabalhadora – na apropriação da terra, na labuta pelo trabalho e pela moradia, dentre outras questões. O quadro 02 aponta a quantidade de acampamentos e assentamentos do MST no Centro-Sul de Sergipe, em setembro de 2009. Quadro 02 – Assentamentos e acampamentos do MST no Centro-Sul de Sergipe, 2009 Municípios Acampamentos Assentamentos Arauá Carlos Gato Boquim Carlos Mariguela Cristinápolis São Francisco São Roque Paulo Freire II Estância Dionísio Cruz Rosa Luxemburgo Angélica de Oliveira Manoel Ferreira Apolônio de Carvalho Dom Helder Fusquinha 17 de Abril Geraldo Garcia Roseli Nunes Madre Cristina Caio Prado Biriba I Luiza Mahyna Biriba II Biriba III José Eduardo Irmã Dorothy Santa Rita de Cássia Luiz Carlos Bispo José Elisiário Edmilson Evaristo Nossa Senhora Aparecida Amigos para sempre Joélia Lima Indiaroba Traípu 7 Brejos 27 de Outubro Bela Vista Nicácio Rodrigues Luiz Silveira D’Ávila Sepé Tiarajú 5 de Janeiro Itabaianinha 15 de Janeiro Patativa do Assaré Pedrinhas Antonio Pinto Salgado Companheiros de Che Santa Luzia do Milton Santos Cleonice Alves Itanhy 8 de Agosto Mourão 3 de Julho Tomar do Geru Dom Oscar Homero 27 de Abril Umbaúba Guerrilha do Araguaia Campo Alegre Fonte: Trabalho de Campo, 2009. 262 Assim, o Centro-Sul de Sergipe e Litoral Norte da Bahia podem ser compreendidos como território da contradição capital versus trabalho, em que os trabalhadores questionam a hegemonia do capital e da produção citrícola, reafirmando a lógica camponesa da produção diversificada, bem como na luta por trabalhos e moradias urbanas. Nesse sentido, há que se considerar a centralidade da luta de classes que se expressa no campo brasileiro como um todo e nas áreas em estudo especificamente. Para tanto cabe compreender quem são essas classes e que papel desempenham na produção do território, quando e como seus interesses entram em conflito e a luta tornasse inevitável. Assim, diferente das leituras que apontam para a insuperabilidade do capital e a superação da luta de classes, considerando a realidade brasileira e mundial e, nesse propósito a análise do Centro-Sul de Sergipe e Litoral Norte da Bahia, reafirma-se a importância da luta de classes enquanto possibilidade concreta de demonstrar as contradições existentes na sociedade capitalista. Portanto, pensar o território é considerar tanto o movimento do capital quanto as resistências históricas implementadas por aqueles que são expropriados das condições concretas de sobrevivência. Tomando por base a leitura realizada por Marx (1984) os estudos realizados por Souza S. T.(2008) apontam que as classes sociais do capitalismo seriam três: os capitalistas que objetivam o lucro, o proprietário fundiário que almejam a extração da renda da terra e os trabalhadores que vivem do salário. Essas três classes constituem-se, para Marx (1984), “a fórmula trinária que compreende todos os segredos do processo de produção social” (MARX, 1984, p. 269). 263 É preciso, segundo a própria análise desenvolvida por Marx (1984) observar as contradições existentes entre o processo de reprodução social e de apropriação individual, quer dizer, de uma classe em relação à outra, o que remete a possibilidades constantes de conflitos, mas que necessita da tomada de consciência da classe dominada, para que esta possa modificar suas condições no processo produtivo. Isto requer, portanto, o fim da exploração de uma classe sobre a outra. (SOUZA, 2008, -p. 58). Essa “aparente relação de igualdade” estabelecida entre detentores e não-detentores dos meios de produção que se estabelece entre homens “livres” é para Martins (1981) apenas aparentemente igualitária, para tanto há que se considerar as contradições existentes no processo produtivo, ou que afirmou Marx (1984) no fato da produção ser socializada e a apropriação dos resultados da produção serem apropriados, privadamente, por uma classe que detém esses meios de produção. Assim sendo, aquilo que o trabalhador produziu ao longo da jornada de trabalho é muito superior do que recebe de volta sob a forma de salário. Essa riqueza produzida pelo trabalhador, porque produto de seu trabalho, na realidade, é apropriada pelos capitalistas, que se apropria do mais-trabalho, da quantidade a mais que o trabalhador produziu e que não se converte em salário para esse. Nessa relação destaca-se o papel desempenhado pelo Estado, na medida em que esse atua com o propósito de atenuar os conflitos entre essas classes antagônicas, quando os mesmos se tornam inevitáveis. Assim, adotando a concepção defendida por Engels (2002) o Estado é produto concreto das contradições da sociedade e constitui-se em uma instituição voltada para a manutenção dos interesses das classes dominantes, ainda que para isso tenha que se valer de diversas formas de repressão as demandas da classe trabalhadora, expropriada dos meios de produção. Essa realidade pode ser observada, por exemplo, no campo brasileiro nos conflitos fundiários que marcaram a história do 264 país, em que o Estado atua muito mais no sentido de reprimir os movimentos de luta pela terra, garantindo o direito inviolável à propriedade privada, do que promovendo políticas efetivas de distribuição de terras para aqueles que dessas precisam para trabalhar. Ainda ao analisar o campo brasileiro Martins (1981) afirma que uma característica muito evidente é o fato do capitalista tornasse também proprietário fundiário passando a auferir lucro e renda; mas ainda assim isso não significa a supressão de uma classe pela outra, pois personificam realidades diferentes: o capitalista que vive do lucro, resultado do trabalho não-pago, do mais-trabalho e o proprietário fundiário que vive da renda da terra. Assim o capitalista é personificado na coisa capital, o grande proprietário fundiário é coisificado na renda da terra e o trabalhador coisifica-se em o salário, que, na maioria da vezes, constitui-se uma parcela mínima do seu trabalho que lhe retorna sob a forma de salário a fim de que o mesmo possa assim garantir as condições mínimas de continuar sendo explorado no processo produtivo. Tomando por base a análise das classes sociais e sua relevância para compreender a produção do espaço geográfico L. R. Silva (2001, p. 51/52) aponta que: O homem sem posses ou propriedades de bens materiais está no espaço por meio da função natural-histórica da propriedade de sua força de trabalho: trabalho (...). O assalariamento é fruto da venda da coisa força de trabalho em qualquer atividade social, tradicionalmente produtiva (indústria, agricultura), ou não (comércio, serviços, dos mais sofisticados – a atividade intelectual – aos mais simples – lavagem de roupa manual, por exemplo, públicos ou privados (...). Os donos das riquezas e dos meios através dos quais eles colocam o trabalho da força de trabalho comprada para criar mais-valor estão no espaço. E estão no espaço não só pelas suas propriedades concretas como através da função abstrata de sua propriedade de trabalhar para ter mais, dirigir, mandar, administrar as formas de seus subordinados lhes garantirem, progressivamente, trabalho de graça, incorporado a todas as coisas criadas. (...) Todos estão no espaço pelo trabalho. Com a diferença de que os que consomem sua força de trabalho para si e os 265 proprietários dos meios de produzir estão inteiros e os outros estão mutilados Reconhecendo a importância da compreensão das classes sociais e das lutas históricas que essas classes antagônicas travaram, autores como Iasi (2007) e Thomaz Junior (2007) apontam a necessidade de buscar-se um esforço para compreender a leitura das classes sociais de Marx, bem como ampliar seu conteúdo atual em tempos de transformações intensas nas relações entre capital versus trabalho. Para Iasi (2007), por exemplo, existe um equívoco na forma que muitos autores das Ciências Sociais contemporâneas elaboram críticas a Marx, por não captarem a forma como esse autor trabalhava “conceitos” que não eram pensados de forma estática, mas expressavam um processo de transformação e desenvolvimento. Assim, argumenta que a análise de Marx sobre classes sociais não se restringe ao capítulo 52, livro 3, tomo 2 de O Capital, mas em vários momentos de sua vasta obra. Acrescenta ainda que o capítulo As classes encontrase inacabado, já que o autor o interrompeu no momento em que estava se debruçando sobre a construção do conceito. Desse modo, Iasi 2007, p. 106 arremata que: (...) quando afirmamos que o conceito de classe da sociedade capitalista engloba apenas os capitalistas, assalariados e os donos de terra, isso é verdade apenas se tomarmos por referência o momento de análise a que se refere esta conclusão; é um absurdo se tratarmos de uma formação social concreta uma vez que existem classes que não estariam de forma alguma englobadas nessas três categorias. Compreendendo essa realidade da totalidade viva do trabalho, vinculada mudanças na dinâmica geográfica da sociedade, Thomaz Junior (2007) aponta a 266 nova situação e plasticidade da classe trabalhadora, expressa no campo e nas cidades, ou nas diferentes formas de assalariamento (pura e/ou combinadas), as combinações entre formas de remuneração e de sujeição da renda da terra, no caso dos camponeses que vivem dupla relação com o capital, a sujeição pura, a sujeição do trabalho em sentido amplo e genérico, as formas autônomas em suas mais complexas formulações (p. 08). Assim, a racionalidade do capital procura sujeitar toda a sociedade, buscando negar qualquer outra possibilidade de inserção do trabalho fora da relação com a reprodução do capital. Por outro lado, a classe trabalhadora “multifacética” diferenciada em segmentos diversos acaba por dificultar a constituição de uma consciência de classe para si, no entanto essa consciência nunca se fez tão necessária. Debruçando-se sobre a questão da consciência de classe Lukács (2003)31 aponta que essa só se torna possível na medida em que a classe trabalhadora reconheça a exploração a que tem sido, historicamente, submetida e busque resolver esse conflito por meio da luta. Nesse objetivo Iasi (2007) retomando a análise de Kaustky, quando destacava que a “verdadeira consciência de classe” seria aquela expressa não pela consciência da “posição”, mas da “missão” da classe que assume a luta política contra o capital, na perspectiva de uma superação revolucionária da sociedade, afirma que: “se considerarmos a consciência de classe como movimento, ele não 31 (...) A relação como totalidade concreta e as determinações dialéticas delas resultantes superam a simples descrição e chega-se à categoria da possibilidade objetiva. Ao se relacionar a consciência com a totalidade da sociedade, torna-se possível reconhecer os pensamentos e os sentimentos que os homens teriam tido numa determinada situação da sua vida, se tivessem sido capazes de compreender perfeitamente essa situação e os interesses dela decorrentes, tanto em relação à ação imediata, quanto em relação à estrutura de toda a sociedade conforme esses interesses. Reconhece-se, portanto, entre outras coisas, os pensamentos que estão em conformidade com sua situação objetiva. (LUKÁCS, 2003, p. 141 apud SOUZA, S.T., 2008, p. 64). 267 estaria nem na consciência em si, nem na consciência para si, mas no movimento que leva de uma até a outra” (IASI, 2007, p. 112). Por outro lado, ao se observar as condições concretas da classe trabalhadora e a mutilação imposta pelo capital na garantia de maior exploração do trabalho, em seu processo de reestruturação produtiva, considera-se os desafios concretos colocados a classe trabalhadora na luta contra o capital. Nesse sentido Thomaz Junior (2007) aponta os rearranjos do metabolismo do capital em escala mundial, cujos reordenamentos não podem se restringir ao clássico conflito capital versus trabalho, mas envolvendo outras formas de dominação de classe, apontando novas formas de pensar do que é trabalhar o campo – quer seja na condição de assalariados ou camponeses ou nas cidades (assalariados, por conta própria ou mesmo informais), “sob distintas relações sociais de produção e de trabalho” (p. 09); desse modo, o universo do trabalho se complexifica e passa por redefinições. Assim, verifica-se a diminuição do proletariado industrial e o aumento das formas precarizadas de trabalho, seja essas industriais ou não, a aumento das formas imateriais de trabalho (mediante avanço da informação); além do aumento do desemprego e os excluídos do trabalho vivo, representando novas formas de subordinação, dominação, sujeição, exploração do trabalho ao capital (THOMAZ JUNIOR, 2007, p. 10), questões fundamentais que se pensar a dinâmica atual da luta de classes e a sua necessidade histórica. Estes são, pois, os elementos centrais das mutações que redefinem constante e intensamente as formas de uso, organização e controle do território pelo capital, que, por sua vez, redimensionam o sentido e a amplitude dos conflitos sociais, da luta de classes e da fragmentação da práxis social do trabalho, no mundo contemporâneo (p. 09). 268 Essa realidade pode ser observada nos estudos sobre o avanço do capital e seus rebatimentos sobre o trabalho no Litoral Norte da Bahia e Centro-Sul de Sergipe, na diminuição do trabalho industrial, na precarização do trabalho no campo e nas cidades, na apropriação das terras pelos latifundiários da região ou das empresas capitalistas que passam a atuar nas regiões em estudo, e que mediante a valorização das terras acaba por promover a expulsão de grande parte das famílias camponesas, acrescendo o exército de reserva da região que passam a ter nas periferias urbanas e nas vilas rurais seus novo lócus de reprodução social. Em outros casos os latifundiários locais se associam as indústrias processadoras de suco concentrado de laranja, auferindo renda e lucro, conforme já apontado. Por outro lado, o processo de proletarização não se processa completamente, quando parte dos camponeses se mantêm em suas terras, reafirmando que o capital em seu processo de realização não só redefine como se apropria do produto das relações não-capitalistas de produção, conforme apontado por Luxemburg (1985), Martins (1981), Oliveira (1998 e 2001) dentre outros autores. No caso das regiões em estudo, o capital efetivamente busca formas de se apropriar desse produto gerado pelas unidades de produção camponesa, através da sujeição da renda camponesa ao capital. Nesse processo, cria formas de, por meio de todo aparato disponibilizado pelos governos do estado da Bahia e de Sergipe e do governo Federal, conforme já apontado no capítulo 3, em que os camponeses acabam sendo impulsionados a plantarem a laranja, obtendo para isso incentivos creditícios e técnicos, além de contarem com mercado certo nas indústrias instaladas na região. Essas situações, por sua vez, rebate-se, negativamente, nas condições de trabalho verificadas nas regiões. 269 Desse modo, ao sujeitar-se ao capital industrial os camponeses passam a viver com dificuldades concretas, dependente da indústria processadora de suco e do capital financeiro, por conta dos financiamentos “necessários” para manter a produção, além das indústrias produtoras de insumos, sem os quais, muitas vezes, não conseguem produzir. Essas “dependências” acabam por funcionar como um esquema de seleção do camponeses, em que apenas aqueles com melhores condições podem permanecer na produção. Assim, as famílias camponesas pobres se vêm impulsionadas a saírem da terras e migrarem para as cidades – aumentando o exército de desempregados ou permanecem em pequenas frações de terra (geralmente minifúndios) tentando, no geral, alternar a produção de subsistência com o cultivo da laranja e algumas criações. Nesses casos, como as terras são pequenas e insuficientes para atender as necessidades de toda família e a mobilidade de parte da família tornasse uma realidade concreta. A fragmentação da unidade de produção familiar ao passo que se constitui em uma prática camponesa, por outro lado acaba tornando a terra insuficiente para garantir o sustento de toda família e a mobilidade de parte de seus membros, principalmente para as cidades pode ser verificado no estudo das regiões “citricultoras” da Bahia e de Sergipe. Essa mobilidade abarca, de forma mais evidente, os jovens, que em determinados períodos do ano chegam a fazer grandes deslocamentos, a exemplo para o estado da São Paulo, onde trabalham em várias funções, principalmente no campo, como no cultivo da laranja onde já possuem algum tipo de experiência. No caso do camponês que perde suas terras e migra para as cidades a realidade observada foi que esses por já terem uma idade, no geral, acima dos 40 anos dificilmente conseguem emprego, ainda que precarizados, como na colheita 270 da laranja, por exemplo, já que contando-se com uma população mais jovem, a escolha dos empreiteiros (donos de turma) acaba voltando-se para esses trabalhadores dadas possibilidades desses apresentarem maior produtividade. Vêse assim nas regiões em estudo uma característica muito peculiar desse processo de reestruturação produtiva, conforme apontado por Thomaz Junior (2004) anteriormente, que é a exclusão dos trabalhadores “velhos”. Nesses casos, os trabalhadores vivem a realidade do desemprego crônico ou são atendidos por programas assistenciais do governo e os mais velhos, geralmente, pela previdência social (aposentadoria). Assim, na periferia urbana esses trabalhadores sem perspectiva de vender sua força de trabalho acabam por se constituir grande parte dos trabalhadores que entram na fileira da luta pela terra, via movimentos sociais organizados, sejam esses camponeses ou não, algo observado nas entrevistas realizadas em assentamentos e acampamentos da região, quando a média de idade daqueles que estão na luta pela terra ultrapassa essa idade (40 anos). Apesar disso, nos últimos anos tem-se verificado uma participação de trabalhadores mais novos na luta pela terra, fato que demonstra a amplitude da degradação das condições de trabalho e mesmo o universo de trabalhadores que estão fora do processo produtivo. A atuação dos movimentos sociais nas regiões em estudo se faz tanto na luta pela terra quanto pelo trabalho e por moradia, com destaque para o papel desempenhado pelo Movimento Organizado dos Trabalhadores Urbanos (MOTU) e, no caso da luta pela terra o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Nesse processo de precarização do trabalho observado nas regiões em estudo destaca-se o papel desempenhado pelas mulheres trabalhadores e por 271 crianças menores de idade, posto que esses são, em geral, mais explorados já que recebem menores salários. Nas fábricas da região, por exemplo, o trabalho feminino é responsável por atividades de separação dos frutos, limpeza, etc., cabendo aos homens o papel de operar as máquinas, gerar a mais-valia, sendo, por isso mesmo considerados mais importantes, portanto melhores remunerados e contando com alguma garantia trabalhista. No campo a essas mulheres cabe o trabalho na colheita da laranja, assim como as crianças, que ainda mediante tantas denúncias de trabalho infantil e mesmo assassinatos de seus denunciantes continua a garantir maior renda da terra dos proprietários fundiários das regiões em estudo. Assim, nas dificuldades da permanência do campo, no trabalho precarizado no campo e nas cidades, na mobilidade do trabalho, dentre outras situações a classe trabalhadora busca formas de garantir sua reprodução social. Ora é camponês e se desloca para realizar algum trabalho assalariado – quer seja no campo ou na cidade; ora é filho de camponês e vêem na mobilidade do trabalho a possibilidade de vender a força de trabalho em um determinado momento, juntar algum dinheiro e retornar para terra da família e “fazer uma roça nova”. Em outros casos é proletário, trabalha uns dias nas roças de laranja, em outros momentos são ajudantes de pedreiro, dão uns dias nas indústrias, e lutam pelo trabalho nas beneficiadoras. Mediante as condições concretas de sobrevivência muitos desses proletários entram na luta pela terra e buscam por meio dessa garantir uma produção mais autônoma, para o sustento da família. Se camponês, se operário32, a 32 Em referência ao artigo publicado por Thomaz Junior (2006) no livro Geografia e trabalho no século XXI. Volume 2, intitulado Se Camponês, se Operário! Limites e Perspectivas para a Compreensão da Classe trabalhadora no Brasil. No artigo o autor aponta que: Então, a questão central permanece: o que entender do constante fluxo, e cada vez mais intenso de trabalhadores urbanos que realizam inúmeras tarefas/atividades nas cidades, e migram de categorias/corporações sindicais? E ainda, para alguns desses, ou para a maioria de seus ascendentes que um dia já foram 272 classe trabalhadora segue sua marcha em busca do trabalho. Nesse processo, o capital cria e recria formas de explorar de forma mais intensa o seu trabalho, seja no campo, nos serviços urbanos ou nas indústrias. Para os trabalhadores significa trabalhar sempre mais, desempenhar uma dupla ou tripla jornada de trabalho para garantir a sobrevivência, sendo mais explorados. Ainda assim, a organização social por via dos movimentos sociais desponta na região e leva centenas de trabalhadores a acreditarem em uma realidade diferente da que vivem. Por mais que se considere que os movimentos sociais não se constituem a margem das contradições da relação capital versus trabalho, no caso da luta pela terra, por exemplo, e a produção na terra da família, esses dispõem de um maior controle, ainda que relativo, do processo do trabalho, diferenciando do trabalhador proletarizado – expropriado dos meios de produção ou mesmo daqueles agricultores totalmente sujeitados aos interesses das indústrias de laranja. Essas questões serão analisadas a seguir. 4.1. A luta pela terra e as diversas formas de organização dos assalariados e camponeses. Conforme já apontado, considera-se nessa pesquisa de tese a luta pela terra enquanto expressão concreta do acirramento das contradições capital versus trabalho presentes no campo e nas cidades, com rebatimentos concretos para os que vivem do trabalho. Ao analisar essa realidade nas regiões em estudo, considera-se, com base em trabalho de campo realizado, que as ocupações de terra por parte de trabalhadores organizados adquire proporção significativa na última década dado avanço do capital no campo, a concentração fundiária camponeses, e que retornam ao campo, sobretudo vias as ocupações de terra, ou ainda as atividades realizadas nos centros urbanos por aqueles que de alguma maneira já estão no campo, e retiram parcialmente o sustento de sua família das atividades agrárias? (p. 133). 273 (conforme apontado nos capítulos anteriores da tese) e a impossibilidade de grande parte dos trabalhadores conseguirem vender a sua força de trabalho. Para tanto, acompanhamos algumas experiências desenvolvidas pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) que atua na região desde a década de 1990, mas cujas ações se intensificaram na atual década. Nesse propósito, participamos de algumas atividades desenvolvidas pelo movimento junto aos trabalhadores acampados e assentados, bem como o contato direto com algumas dessas localidades, a exemplo dos acampamentos: Santa Rita de Cássia (município de Estância), Brejo Grande (município de Rio Real), Paulo Freire (município de Itapicuru) e do assentamento José Emídio (município de Rio Real). As fotos 37, 38, 39 e 40 demonstram os acampamentos visitados. Foto 37 – Acampamento nas margens da BR 101 Foto 38 – Acampamento Santa Rita de Cássia Fonte: Trabalho de Campo, Novembro de 2008. Foto 39 – Entrevista com famílias acampadas Fonte: Trabalho de Campo, Novembro de 2008. Foto 40 – Acampamento Brejo Grande/Rio Real-BA Fonte: Trabalho de Campo, Novembro de 2008. 274 Fonte: Trabalho de Campo, Novembro de 2008. Por meio de contato com os trabalhadores que encontram-se acampados pode-se constatar essa dimensão da luta pelo trabalho, pois esses são compostos tanto por filhos de camponeses que perderam as terras (e no movimento pretendem adquirir, novamente, um pedaço de terra para trabalhar) quanto trabalhadores da laranja (em geral precarizados), desempregados (que representa a maioria dos trabalhadores entrevistados que por já terem uma idade mais avançada já não conseguem vender a força de trabalho), informais, trabalhadores “avulsos” que um dia trabalham como ajudantes de pedreiro, outros dias na colheita da laranja, entre outros serviços; ex-trabalhadores das indústrias de suco, que conforme apontamos no capítulo anterior tem diminuído a quantidade de seu operariado; extrabalhadores das beneficiadoras, fatigados pelo ritmo de trabalho pesado, dentre outras determinações. Entre esses trabalhadores identificou-se aqueles que estão na luta pela terra há mais de 10 (dez) anos, até aqueles que estavam há 2 (dois) meses na condição de acampado. Também entre os assentados, teve-se a oportunidade de conversar tanto com assentados há mais de 5 (cinco) anos – que já possuem um resultado concreto do trabalho com a terra até aqueles que estão vivendo a experiência do primeiro plantio em um assentamento de reforma agrária. Até os trabalhadores acampadas que vivem a incerteza de um local para fazer “um plantio”. Esses trabalhadores são oriundos, em sua maioria, das regiões em estudo e se encontravam, predominantemente, nas periferias das cidades ou vilas rurais, sendo atraídos para as ocupações e assentamentos por meio do trabalho realizado pelo setor de mobilização do MST. Mas também constatamos a presença de trabalhadores de outros estados (principalmente nordestinos) como Pernambuco e Alagoas, que se deslocaram já algum tempo em busca de empregos nessas 275 regiões; além de outros municípios da Bahia e de Sergipe mesmo como Condeúba, Itajuípe, Jacobina no caso do primeiro e Tobias Barreto, Simão Dias e Aracaju no caso do segundo. Os motivos que fizeram com que esses trabalhadores buscassem na terra as condições de se reproduzir socialmente foram, principalmente o desemprego (mais de 80% dos entrevistados fizeram menção a essa questão), a situação difícil nas cidades e o fato de terem sido expropriados da terra em momentos anteriores (camponeses e filhos de camponeses que perderam as terras por conta da valorização das mesmas). Desde oito anos trabalho no campo, roçando capim, fazendo de tudo. Meu sonho é ter a terra para trabalhar para mim mesmo. Já tava há 8 anos desempregado. No acampamento já melhorou, planto uma rocinha, levo alguma coisa para vender na cidade, uma banana, ma laranja, mandioca. Vim pra cá pela precisão, ter a roça e criar uns bichinhos. A terra dá tudo isso, quem não tem terra tem que ir a luta. Estou a 12 aos na luta pela terra. Já fiquei em outras áreas e não consegui. Espero conseguir agora. Quero sobreviver no território com meu próprio suor. (J. A. S. – Trabalhador acampado, outubro de 2008). As dificuldades apresentadas no depoimento do trabalhador acampado se reproduz para muitas outras famílias entrevistadas, ora trabalhadores rurais, ora desempregados, realizam bicos na cidade e vêem na luta pela terra a possibilidade de minimizar as condições de exploração a que são submetidos. Essa realidade expressa como observou Thomaz Junior a “plasticidade” da classe trabalhadora hoje, em que a luta pela terra passa a representar uma forma desses trabalhadores adquirirem uma certa unidade no trabalho a condição de serem camponeses. Por outro lado, a demora na imissão da pose da terra para fins de assentamento, realidade que se torna mais difícil com o endurecimento do atual governo federal para com as políticas de reforma agrária vem repercutindo na 276 desmobilização de grande parte das famílias que ingressam nessa luta e não conseguem resistir a tantos anos “debaixo da lona preta”33. Por isso, o depoimento de uma acampada entrevista espelha essa realidade: “na ocupação tinha 100 e tantas famílias, mas depois de dois despejos a maioria desanimou (L. A. S. – Acampada, Outubro de 2008). Morava na cidade, mas trabalhava na roça, em fazenda, com mandioca, abacaxi. Trabalhava na roça para ajudar a família, a vida toda com o pai, depois com marido e filhos. Na roça trabalhava 12 dias quando achava, limpando limão. Também já trabalhei na laranja, em Umbaúba e na Frutene, não tinha carteira assinada. Também já fiquei desempregada. Estou aqui há 4 anos. É a primeira vez que ocupo. Tinha muitas famílias na ocupação, algumas desistiram parque a terra demorou a sair.No despejo a gente saia da fazenda e vinha para pista. Saiu daqui para outro canto da estrada, depois voltamos para cá. Na fazenda não acampamos só plantamos. Planto macaxeira, batata, milho. As vezes vendo um saquinho de amendoim, de farinha para inteirar e comprar outra coisa. As vezes pego trabalho para ganhar por dia. Sempre tive vontade de ter uma terinha (M. S. P J. – Acampada, outubro de 2008. Vê-se pelo depoimento da trabalhadora um forte vínculo com a terra, na qual trabalhou a vida inteira e, na condição de expropriada da terra, migra para a cidade, onde realiza diversos tipos de trabalho, inclusive em indústria de suco. Nessas prevalece o trabalho precarizado, sem direitos trabalhistas, realidade mais forte para as mulheres trabalhadoras que não realizam as atividades voltadas mais diretamente a operação de máquinas, a geração da mais-valia, mas que indiretamente contribuem para a produção de riqueza apropriada pelos donos dos meios de produção. Sem alternativas os trabalhadores, na mobilidade do trabalho e 33 Expressão utilizada nos acampamentos e assentamentos rurais para expressar o período em que as famílias permanecem acampadas em barracos de lona, que geralmente apresentam condições de moradia muito precárias. Ao considerar-se agricultores entrevistados que já possuem mais de 8 anos na luta pela terra, isso significa que esse passou esse período todo vivendo nesses barracos. A mobilidade do acampamento é outra dificuldade na permanência das famílias em luta pela terra, pois com os despejos a montagem e remontagem dos barracos constitui-se em um grande transtorno as famílias, em geral com idades mais avançadas. 277 passando por longos períodos de desemprego vêem nos movimentos sociais uma possibilidade de mudar de vida e, mesmo mediante ameaças e despejos, não desistem do “sonho” de ter a terra. Enquanto não possuem uma definição da terra para fazerem suas roças de forma mais segura a família de uma trabalhadora entrevistada desenvolve a seguinte estratégia: ela cuida dos cultivos na pequena roça realizada na beira da estrada, o marido trabalha alguns dias fora, nas fazendas de outros, a filha trabalha de doméstica na cidade de Estância e no fim de semana fica no acampamento. Assim, consegue formar uma renda mínima para o sustento da família e almejam com “a conquista da terra” melhorar essas condições em que vivem. As fotos 41 e 42 destacam alguns plantios já realizados por famílias acampadas. Já produzo alguma coisa aqui, vendo, compro, faço os bicos na cidade. O ganha pão é esse, trabalho 1, 2 dias, não acho emprego mais que isso. (J. A.S. – Acampado, outubro de 2008). Na cidade tem casa, mas as vezes não tem quintal. Nasci e criei na roça. Meu pai trabalhava na roça. Plantava mandioca, milho, feijão, pescava. Fui morar na cidade com 20 anos a trabalhava nas casas dos outros. Trabalhei na fábrica Frutos Tropicais de 1977 a 1984 na produção de extrato de tomate (enchimento de copo). Quando a fábrica fechou saímos, fiquei mais de 10 anos em casa desempregada, em Estância, mas sempre quis a terra. Me aposentei em novembro mais o dinheiro é pouco para viver. Estou na luta pela terra há 6 anos, quero uma terra para plantar e trabalhar. (L. A. S – Acampada, Outubro de 2008). Foto 41 –Cultivos de subsistência em acampamento Foto 42 – Roça de mandioca Fonte: Trabalho de Campo, Novembro de 2008. 278 Fonte: Trabalho de Campo, Novembro de 2008. Em outros casos, identificamos trabalhadores sem terra que trabalharam a vida inteira em terras dos outros na condição de meeiros, em que plantavam vários cultivos e dividiam a resultado da produção com o dono da terra, que se apropriava de 50% de tudo que era produzido sem remunerar o trabalhador. Em outros casos o acordo entre proprietários da terra e parceiros se estabelecia no fato do segundo cuidar da laranja do proprietário e em troca adquirir o direito de plantar cultivos destinados a subsistência da família nas ruas de laranja, durante os primeiros anos do cultivo, conforme já apontado no capítulo 1 desta tese. Dos trabalhadores entrevistados destaca-se o fato de muitos terem passado parte da vida desempenhando trabalhos rurais, atividades que requerem grande dispêndio de energia e em geral sem os direitos trabalhistas assegurados; assim, muitos encontram-se doentes e devido a possuírem uma idade mais avançada não conseguem mais empregos nem nas cidades ou mesmo no campo. Estou acampado há 6 anos. Comecei em Santa Luzia do Itanhy, no acampamento Milton Santos e de lá mudei para outro lugar até chegar aqui.Trabalhei muitos anos na laranja, na colheita, no serviço braçal, em Boquim, em Umbaúba, na diária, em Pedrinhas e até hoje quando preciso. Também já fiz muita roça de mandioca, milho, feijão e outros. Trabalhai em firma. Fiquei 6 meses no Sul da Bahia trabalhando como vigilante. Na tinha mais saúde. Me aposentei, mas a terra é tudo que a gente quer. Faço minhas roças hoje. Não saio da terra de jeito nenhum. (J. C. – Acampado, novembro de 2008). No geral entre os trabalhadores entrevistados prevalece um baixo nível de escolaridade, sendo que mais de 50% desses declararam apesar assinar o nome ou terem estudado até 1° ano primário, mas, como alguns já começam a freqüentar as escolas do MST destacaram a vontade de retornarem aos estudos. “Vou estudar no acampamento, fazer alfabetização (L. A. S – Acampada, outubro de 2008). 279 No acampamento Brejo Grande, localizado no município de Rio Real/BA, que em novembro de 2008 tinha 8 meses de existência, verificou-se ainda uma quantidade significativa de famílias em luta pela terra, a exemplo de E. B. S, de 53 anos, filho de camponês que sempre morou na roça, e declarou está participando da luta pela terra porque estava passando necessidade com a família na cidade. Os filhos, mais jovens, ainda conseguem emprego na cidade, as filhas em casa de família. “A terra é tudo, hoje é tudo, tem planta e tem animal. Em sessenta dias de trabalho na terra comecei a ter resultado, hoje já vendo alguma coisa”. Outros entrevistados apresentaram a intensa mobilidade a qual já se submeteram, por várias vezes, em busca do trabalho, com deslocamentos longos ou curtos, e passando períodos diferenciados. Nos mais antigos percebeu-se que esses deslocamentos, que se realizavam para outras regiões brasileiras, em destaque São Paulo, duravam longos períodos chegando a mais de 10 anos, muitos com parentes nessas cidades e, tempos depois, retornavam para a terra natal pelas dificuldades de permanecerem nesses locais. Na atualidade, principalmente os filhos desses agricultores, se deslocam por um período mais curto, que no geral não excede 4 meses a fim de realizarem uma tarefa específica, período de colheita de algum produto, etc., esses já não almejam, no geral, o trabalho fixo, com carteira assinada, pois sabem que essa realidade está muito distante das condições concretas em que vivem. Só trabalhei com carteira assinada dos 17 aos 21 anos. Parei de contribuir com a Previdência porque não tive mais como pagar. Para sobreviver faço umas roçinhas e trabalho algum dia da semana fora. Ganho R$ 17, 18 por dia. No sábado faço a feirinha da semana. (J. B. C. F. – Acampado, Novembro de 2008). 280 No geral as famílias acampadas são “assistidas” por algum programa governamental, com destaque para o bolsa família e também recebem cestas básicas viabilizadas através de convênio estabelecido entre o MST e o INCRA, de modo a atender as famílias enquanto essas não possuírem, afetivamente, resultados concretos da produção. Essas cestas, contudo, demoram de chegar as famílias, as vezes dois, três meses, e considerando a precariedade das condições em que vivem, torna-se uma dificuldade grande para a subsistência das mesmas. Tais “políticas emergências”, contudo, não resolvem a situação desses trabalhadores que querem a terra para produzir. Essa produção só será possível quando as famílias tornarem-se assentadas, obtiverem, finalmente, um lote de terra e as condições efetivas para produzir. Através de contatos com a Direção Regional do MST constatou-se que, da mesma forma como ocorre em todo país, a um endurecimento para com a luta pela terra nas regiões em estudo e esse movimento não tem conseguido, efetivamente, garantir a desapropriação de terras para fins de Reforma Agrária, ainda que muitas dessas áreas sejam, comprovadamente, improdutivas. Assim, a crise social se agrava nessas regiões. Como estratégia de luta, esses acampados e assentados vem se mobilizando em torno de uma luta comum, pela terra, pelo trabalho. As fotos 43 e 44 destacam o Encontro Regional do MST realizado em Itapicuru/BA, realizado em novembro de 2008. Em algumas famílias percebe-se uma maior afinidade com o trabalho na terra, geralmente aqueles que sempre trabalharam nessa, quer seja como camponês ou trabalhador assalariado. Em outros casos, tratam-se de trabalhadores que viviam, predominantemente, de empregos (“bicos”) nas cidades e veem na terra a possibilidade de mudarem de vida. Entram nessa luta por que já não têm mais 281 condições de sobreviver nas mesmas. “Nunca fui fichado, vim tirar a carteira de trabalho esses dias, com 55 anos” (A. A. T. – Acampado, Nov de 2008). O depoimento do trabalhador expressa as dificuldades que sempre viveu. Ainda assim tem orgulho de agora possuir uma “carteira de trabalho”, o que só conseguiu depois de entrar em um movimento de luta pela terra, ainda que essa carteira nunca venha a ser, efetivamente, assinada. Foto 43 – Encontro Regional do MST/Itapicuru-BA Foto 44 – Realização da Mística Fonte: Trabalho de Campo, Novembro de 2008. Fonte: Trabalho de Campo, Novembro de 2008. As diversas facetas da luta pela terra na atualidade são destacadas por Souza (2008) quando aponta a necessidade de se fazer uma profunda reflexão sobre o que é ser camponês hoje, já que esse não é apenas aquele que sempre viveu na terra, mas aqueles que buscam na terra uma possibilidade de vida, de trabalho. E a realidade verificada nos movimentos sociais apontam essa perspectiva. “Não tinha interesse antes porque tinha emprego, agora não tenho opção, entrei na luta do movimento”. (R. F. J. – Acampada, Nov. de 2008). Espero que a terra saia para criar alguma coisa. Toda uma vida queria ter a terra, para não ver os meus filhos trabalharem para ninguém, para rico, ser escravo, não quero isso, quero que eles 282 trabalhem para eles ( R. F. J. – Acampada, Santa Rita de Cássia, Nov. de 2008). Trabalhei a vida inteira e nunca consegui comprar uma terrinha. AI vim para o sem-terra e hoje sou um deles. Trabalhei de meeiro vários anos, em Ribeira do Pombal, também já fui tratorista, mecânico (na cidade). Hoje sou militante do movimento. Estudei pelo movimento. Fui ajudado e hoje quero ajudar, fortalecer a luta. (N. B. S. – Acampamento Paulo Freire, Nov. 2008). Conforme apontado no depoimento da trabalhadora entrevistada verificase que a mesma possui a consciência de que foi a vida inteira explorada, da mesma forma que os filhos continuam sendo hoje, por isso almeja a terra para trabalhar por conta própria, não ter patrão, ter a liberdade de escolher o que plantar, em que a definição não se faz, necessariamente, no que define o mercado, mas, a partir das necessidades da família. Obviamente, é preciso observar que historicamente esses camponeses estabeleceram relação com o mercado, algo indispensável, inclusive, para sua reprodução nas contradições do capitalismo; porém ainda que subordinados ao mercado observa-se uma lógica diferenciada com relação a esse. Para o camponês é fundamental que, ainda que desenvolva algum cultivo “comercial”, não se perca o princípio central da produção camponesa que é a satisfação das necessidades da família. Contudo, o capital busca alargar todas as possibilidades de se apropriar de todo produto gerado por esses camponeses, convertendo-os em agricultores familiares, completamente sujeitados à suas demandas. Nessa luta entre classes com interesses antagônicos cabe aos assentados resistirem na luta pela terra, e posteriormente, na terra enquanto assentados e se organizarem para produzir aquilo que efetivamente possa garantir sua reprodução social, resguardando sua autonomia, ainda que relativa. Sem essa, toda luta pela terra perde seu significado político. 283 No que se refere as famílias já assentadas percebe-se uma mudança substancial em suas condições de vida, em se considerando a realidade que viviam antes da luta pela terra. Esses tem na terra a condição central de sua reprodução social. Trabalham com a família a já conseguem um excedente, ainda que pequeno, da produção, em que vendem nos mercados locais, com destaque as feiras livres, locais em que também adquirem os produtos que não dispõem. Esses, geralmente, reservam uma parte da terra e plantam laranja, inclusive porque já adquiriram uma experiência anterior com esse plantio (nos períodos em que trabalhavam nas roças de outros). Contudo, não deixam de plantar para a subsistência da família, alternando com a criação, principalmente de pequenos animais. “Tenho 625 pés de laranja, também mandioca, feijão (para o consumo), umas galinhas, 10 cabeças de gado. Meu filho trabalha comigo, é ele quem tira a laranja” (J. E. S. – Assentamento 17 de abril, outubro de 2008). Meu pai tem um sítio pequeno até hoje, Meus irmãos estudaram, mas eu sempre gostei da terra. Já fui comerciante de laranja, tirava e levava para vender. Vim para o movimento em busca da terra. Hoje planto maracujá, milho, feijão, mandioca, faço farinha, vendo umas coisas, outras é para o consumo. Quero plantar outras coisas também: graviola, coco, para a família e para vender. Eu mesmo levo, não fico na mão de atravessador. (M. C. P. – Assentamento José Emídio, Nov. de 2008). O depoimento apresentado demonstra, de forma explícita, o quanto um determinado controle no processo do trabalho pode, efetivamente, promover na melhoria nas condições de vida desses camponeses; contudo, grande parte dessas famílias ainda apresentam muitas dificuldades em adquirir uma produção que atenda as necessidades concretas dos mesmos, muitas vezes, se sujeitando a um cultivo mais comercial ou mesmo, mediante a impossibilidade de escoar a produção, ficando nas mãos dos atravessadores que se apropriam de parte de sua 284 renda. Esses são os desafios que devem ser colocados aos movimentos que atuam na luta pela terra, no sentido de que se promovam as condições efetivas de uma maior autonomia para esses sujeitos sociais que vêem na terra as condições concretas de trabalho, portanto de existência. Apesar disso, as tentativas de apropriação dessa produção camponesa tornam-se freqüentes, e as intervenções inclusive no que e como plantar acabam sendo definidas pelo sistema de créditos, em que, para ter acesso, esses assentados têm que se sujeitar, muitas vezes se endividado. É importante salientar que essa política de crédito é extremamente limitada para assentados rurais, viabilizada, principalmente, através do PRONAF, cujos recursos são pequenos, não ultrapassando R$ 1.500,00. Ainda assim, em pesquisa de campo constatou-se a dificuldade desses assentados quitarem dívidas assumidas, em que as fotos 45 e 46 demonstram a mobilização dos mesmos para conseguirem prorrogar a dívida junto ao BNB. Foto 45 – Assentados renegociando dívidas Foto 46 – Reunião assentados com BNB. Fonte: Trabalho de Campo, Novembro de 2008. Fonte: Trabalho de Campo, Novembro de 2008. 285 Por outro lado, Thomaz Junior (2007) ao analisar os fundamentos estruturais da formulação do Sistema Cooperativo dos Assentados (SCA) do MST/CONCRAB aponta que os princípios que regimentam o mesmo apontam para a necessidade da “superação da condição de camponês” e a “inserção desses sujeitos no mercado”, na condição de agricultores familiares, negando toda luta histórica desses camponeses e as contradições “inerentes” a própria reprodução do campesinato nas contradições do capital. Assim, de acordo à lógica definida por parte dos dirigentes do movimento, esses não teriam consciência de que são explorados; argumento contestado por Thomaz Júnior (2007, p. 17) quando acrescenta que: (...) o que constatamos, por meio de pesquisas diretas e dos resultados colhidos por outros pesquisadores dedicados ao tema, é que a maioria dos trabalhadores, contrariamente ao comando dos coordenadores nacionais do movimento, quer manter o controle do processo como um todo, identificando-se com a policultura, ainda que almejem alcançar o mercado. Essa perspectiva é apontada por diversos outros estudiosos do campesinato a exemplo de Conceição (1991) ao analisar os camponeses em Sergipe, Ariovaldo U.Oliveira (1998, 2001) em estudos realizados em São Paulo e Norte do Brasil), Mendonça (2004) no Cerrado brasileiro, Souza S. T. (2008) e Germani (2009) sobre o campesinato na Bahia, dentre outros estudiosos. Partem da perspectiva que ainda que se sujeitem ao mercado, esses camponeses não perdem a identidade de serem camponeses, de manterem a terra de trabalho da família, e muitas vezes de lutar contra o Estado e mesmo o capital, através de ações políticas concretas. 286 4.2 Luta pela moradia nas cidades e o acesso ao trabalho Além da atuação do MST tivemos a oportunidade de acompanhar algumas ações efetivadas por trabalhadores vinculados ao Movimento Organizado dos Trabalhadores Urbanos (MOTU) que atua no sentido da luta pela moradia urbana e aceso ao trabalho. Assim, a questão central para esses trabalhadores que no geral ainda conseguem manter alguns tipos de trabalhos nas cidades (geralmente precarizados) é a garantia de uma moradia onde possam se “livrar” do peso do aluguel que acaba por abocanhar parte da pequena renda familiar que recebem. Nesse propósito o MOTU vem organizando os trabalhadores para promoverem ocupações, como o acampamento Dandara (ver fotos 47 e 48), nas margens da BR 101, no seu trecho urbano Av. João Lima da Silveira, na cidade de Estância, onde mais de vinte famílias encontravam, em novembro de 2008, há dois meses acampadas. Foto 47 – Acampamento do MOTU/Estância-SE Foto 48 – Atividades realizadas em Acampamento. Fonte: Trabalho de Campo, Outubro de 2008. Fonte: Trabalho de Campo, Outubro de 2008. O objetivo central desses trabalhadores é conseguir a casa própria, e assim poderem melhorar as condições de vida da família. Entre os trabalhadores 287 entrevistados não se observou nenhum participando do mercado formal de trabalho com carteira assinada, sendo que esses, em sua maioria vivem de bicos na cidade, outros trabalham de pedreiro, ajudantes de pedreiro, e entre as mulheres os serviços mais comuns encontrados foram: empregadas domésticas e lavadeiras de roupas. Estou aqui na luta pela casa, a cidade trabalho como doméstica. Já participei dos Sem-Terra fiquei acampada mas sair para trabalhar no Rio de Janeiro. Só fiquei 6 meses, trabalhando no serviço de limpeza de uma empresa. Voltei. Não tinha como pagar aluguel e estou aqui. (M. S. – Acampada, novembro de 2008). Todos trabalhadores entrevistados declararam já ter passado períodos desempregados, desde os que alternam meses de desemprego com pequenos bicos até os que já passaram mais de 8 anos desempregados. Essa é um das causas principais que fizeram com que esses trabalhadores chegassem ao movimento, pois não tinham mais como pagar aluguel, alguns já tinham sido despejados das casas em que moravam, eram sem-teto, passavam períodos em casas de parentes e amigos, e almejam na “conquista da casa” para a família solucionar a questão da casa própria. Contudo, para além da casa própria as condições de trabalho a que esses trabalhadores se encontram é uma outra dificuldade concreta na vida desses. Verificamos ainda a presença de trabalhadores aposentados no acampamento, que por ganharem muito pouco também não conseguem atender as demandas de alimentação, saúde e moradia; nesses casos, a moradia pode vir a ajudar na economia familiar. O que fez com que eu viesse para aqui foi o sofrimento de morar em casa dos outros. Morei com a mãe, com a sogra. Estou desempregada, pego uns chinelos para vender, mas o dinheiro é pouco. Na cidade já fui doméstica, diarista, vendi fato na feira. 288 Espero ganhar a casa para viver com os filhos. (F. L. S. A. – Acampada, novembro de 2008). Esses acampados vieram dos mais variados lugares da região Boquim, Lagarto, Jandaíra, Simão Dias, de Estância mesmo, como também de outros estados como Pernambuco. Como possuem uma baixa escolaridade, a maioria dos entrevistados se declaram analfabetos ou apenas assinam o nome, e por isso acabam sujeitos as piores formas de trabalho e a salários muito baixos. Com sete anos comecei a quebrar pedra em Itaporanga. Depois vim com a família para Estância trabalhar na enxada com a laranja. Também trabalhei no sítio em Umbaúba. Sou sem teto e sem-terra vim para o movimento. Quero uma casinha para viver com minha família. (M. I. – Acampada, novembro de 2008). Não pude estudar porque trabalhava nas casas dos outros, em casa de família, para ajudar os irmãos mais novos. (M. C. M. – Acampada, novembro de 2008). Na trajetória histórica desses trabalhadores a mobilidade do trabalho, ao longo do tempo, foi uma das alternativas encontradas para a sobrevivência, a exemplo do Sr. Antonio O. S. que já trabalhou no corte da cana em Pernambuco, sendo por sete anos cortador de cacau (no Sul da Bahia), e estando a 12 anos em Estância já desempenhou diversas atividades relacionadas ao cultivo da laranja, plantou, cuidou, colheu, carregou e descarregou caminhões. Também já arrendou pequenos pedaços de terra, onde plantava cultivos de subsistência como: aipim, batata, milho, abacaxi. Como não possui aposentadoria e já tem maiores dificuldades de arranjar trabalho, principalmente pela idade avançada (mais de 60 anos) viu nos “sem-teto”34 uma possibilidade de resolver a questão da moradia. 34 Que é como os trabalhadores chamam o movimento, se reconhecendo também enquanto semteto. 289 Tenho 83 anos, luto pela terra desde os 10 anos de idade, quando meu pai perdeu a terra e eu passei a trabalhar pros outros.Trabalhei no trator em um sítio de Coqueiro/Jandaíra. Também trabalhei por dia na empreitada. Hoje sou aposentado, mas o dinheiro não dá. Vim com um amigo. Quero arrumar uma casa para deixar para a família. (E. F. S. – Acampado, novembro de 2008). Nota-se que a grande maioria das famílias entrevistadas possuem vínculo muito forte com a terra, alguns declarando que viveram parte da vida no campo com os pais, ou eram trabalhadores rurais, por isso declaram o desejo de ter também o acesso a terra. Por isso, em entrevista, muitas declararam está plantando uma “roçinha” nas imediações do acampamento, onde plantam cultivos de subsistência como: tomate, maxixe, coentro, mandioca e outros. Sou filha de Boquim, mas já estou aqui faz anos, limpando laranja, trabalhando na enxada. Também já lavei roupa na cidade. Tenho 55 anos não consigo mais fazer esses trabalhos pesados. Agora estou lutando para ter uma casinha e vou conseguir com fé em Deus. (M. H. A. S. – Acampada, novembro de 2008). Trabalhei na roça. Plantei mandioca, milho, trabalhava no sítio com meu avó em Indiaroba. (M. S. – Acampado, novembro de 2008). Uma experiência interessante que vem sendo desenvolvida pelo Movimento dos Trabalhadores Desempregados (MTD) é relacionar a luta pelo trabalho com a luta pela moradia e pela terra, dando maiores oportunidades as famílias que participam do movimento de terem a possibilidade de desempenhar trabalhos urbanos ou rurais e complementar a renda com a produção agrícola. Na região em estudo não se verificou a atuação desse movimento, que no Estado da Bahia tem uma atuação mais efetiva na região metropolitana de Salvador e no 290 Sudoeste da Bahia35. Acredita-se que ao inserir na luta pela moradia a luta por um pedaço de terra, ampliam-se as possibilidades dessas famílias conseguirem melhorar as condições de vida, principalmente para os que já têm a possibilidade de arranjar empregos fora. Assim, o marido pode trabalhar na terra tirando cultivos de subsistência complementando com a renda que a esposa consegue lavando roupas, etc. Como forma de garantir a permanência da luta pela moradia o MOTU vem buscando ainda na formação de militantes, que atuam nas áreas sob sua responsabilidade, a exemplo do acampamento Dandara, em que tivemos a oportunidade de conversar com um de seus coordenadores. Esse é também um sem-teto e está na luta pela moradia. Desempregado a 6 anos, desde que perdeu o emprego na Bahia Norte, em que atuava na derrubado de eucalipto, participou de uma reunião do movimento e nunca mais saiu dele. Desde que saiu da casa da mãe (onde convivia com mais 10 irmãos) luta para ter uma casa. Participou de todo processo de organização dos trabalhadores e a ocupação. Espera permanecer na área com os companheiros até conseguirem o objetivo central que é a casa, mas tem a clareza de que a luta deles é muito maior e deve se estender para uma luta pelo trabalho e por dignidade. Apesar da questão da luta pela terra não aparecer como central para os entrevistados desse movimento, na prática, por meio de contatos estabelecidos com as famílias verificou-se que uma das alternativas principais utilizadas pelas mesmas para sobreviverem é o plantio de cultivos de subsistência em áreas próximas, onde fazem suas “roçinhas”, consideradas fundamentais para a alimentação das famílias, bem como já falam em vender alguma coisa no futuro. Assim, a luta pela terra 35 Não trataremos aqui das questões referentes ao MTD, para conhecer melhor a luta desse movimento vale a pena consultar a dissertação de Mestrado de Sócrates Oliveira Menezes, defendida em 2007, que analisa a atuação do MTD no Sudoeste da Bahia. Ver referências. 291 acaba sendo fundamental para a reprodução social dessas famílias, posto que ainda que alguns trabalhadores consigam vender sua força de trabalho, essas atividades são esporádicas e de baixa remuneração. Aliando-se à questão da terra, pode-se, de fato, alargar o universo da luta do movimento, que repercutiria em possibilidades concretas de melhorias para aqueles que estão acampados. Vê-se, portanto, através da luta implementada pelos trabalhadores, via movimentos sociais, o desejo desses superarem a expropriação e a exploração que historicamente foram submetidos, apesar disso, em uma sociedade capitalista, os processos de sujeição são ainda visíveis, enquanto alternativa de sobrevivência desses. Assim, as contradições capital versus trabalho são consideradas centrais na compreensão da realidade verificada no Centro-Sul de Sergipe e Litoral Norte da Bahia, em que os trabalhadores buscam criar formas de resistir as investidas do capital, lutando por terra, trabalho e moradia, ainda que, contraditoriamente a esse subordinados. 292 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS Ao buscar analisar as contradições inerentes a expansão capitalista, nesse caso específico no Centro-Sul de Sergipe e Litoral Norte da Bahia, através do monocultivo da laranja, para atender os interesses do agronegócio mundial da laranja, pôde-se verificar seus rebatimentos sobre as relações de trabalho praticadas até então. Assim, considera-se que o capital inicia seu processo de apropriação desse território a partir da década de 1960 e posteriores, sobretudo mediante a instalação de indústrias processadoras de suco concentrado e congelado que, por sua vez, se valem de uma produção já efetivamente existente e das “potencialidades do lugar”, viabilizada por meio da atuação do Governo Federal e dos governos estaduais (Sergipe e Bahia) em montar toda infraestrutura para o capital garantir seu processo de reprodução ampliada, para tanto se valendo de um significativo exército de reserva sujeito a quaisquer condições de trabalho. Tomando por base o estudo realizado por Oliveira (1998) considera-se que, nas regiões em estudo, o capital tanto realiza um processo de territorialização quanto monopoliza a produção efetivada nas pequenas e médias propriedades, principalmente. Nesse processo promove tanto a expropriação dos camponeses e de trabalhadores assalariados no campo, mediante o processo de valorização e concentração das terras, quanto busca formas de se apropriar da produção daqueles que permanecem no campo, inclusive da produção dos camponeses, através da sujeição desses. As promessas de “desenvolvimento” impulsionadas pelo Estado não se efetivam nesse território, posto que apenas promove possibilidades do capital aumentar seu lucro e os grandes proprietários extrair maior renda da terra, 293 rebatendo-se, negativamente nas condições de trabalho via precarização. No campo isso se efetiva tanto na desregulamentação dos direitos trabalhistas quanto na total subsunção do trabalho ao capital. Desprovidos da terra e das condições concretas de sobreviverem com dignidade os trabalhadores se sujeitam ao trabalho precarizado, tendo, muitas vezes, que desempenhar diversos tipos de atividades, tanto no campo quanto nas cidades, sendo dupla ou triplamente explorados. Para os pequenos que continuam em suas terras cabe considerar dois processos: primeiro a interferência direta do capital por meio das tentativas de sujeitar esses camponeses ao plantio da laranja, seduzidos pelas possibilidades de um mercado “certo” que, por outro lado, acaba por fazer com que esses fiquem “nas mãos” das indústrias – que se apropriam da sua produção a custo baixo; e em segundo, a tentativa desses de permanecerem na terra diversificando a produção, alternando o cultivo comercial da laranja com cultivos voltados a subsistência da família. Assim, mais uma vez, a contradição se evidencia no território posto que, ao passo em que se verifica uma concentração das terras nas mãos de poucos produtores e não raro grupos capitalistas, observa-se também a permanência de pequenas unidades de produção, que ainda que subordinadas à produção para a indústria, conseguem se reproduzir, mesmo com maiores dificuldades. Nessa “permanência” cabe considerar a estratégia dessas famílias, na alternância da produção e entre essa a criação de gado, bem como a fragmentação da pequena propriedade, até que essa não seja mais suficiente para manutenção das necessidades mínimas da família, sendo a mobilidade de parte desses membros inevitável. Essa mobilidade pode ocorrer para a cidade ou o campo, nas regiões ou fora, passando esses sujeitos períodos diferenciados nos locais para onde se 294 dirigem em busca do trabalho. Nesse processo, seu trabalho é mais explorado e as condições de vida que lhes são disponibilizadas são degradantes. Na região, por exemplo, a instalação das Indústrias de suco de laranja e derivados não foram capazes de atender a demanda da crescente força de trabalho existente. A tendência a diminuição do proletariado fabril, que é outro elemento fundamental desse momento de reestruturação capitalista, também é verificado nas regiões em estudo. Nas periferias urbanas esses sujeitos sociais buscam formas de trabalhar: uns dias na colheita da laranja, outros nas beneficiadoras, nas fábricas; e entre as mulheres destaca-se também a realização de empregos domésticos e de lavagem de roupas. Para sobreviver a classe proletária passa a viver “de bicos” e o sonho do trabalho com carteira assinada torna-se cada vez mais distante. Nesse processo de precarização do trabalho verifica-se uma intensidade ainda maior quando se trata do trabalho feminino, desvalorizado na fábrica, nas cidades e no campo. A essas mulheres cabem os serviços mais “inferiorizados”, não diretamente geradores de mais-valia, e sem as garantias trabalhistas mínimas. Também o trabalho infantil, que há algumas décadas era generalizado nas regiões em estudo, e mesmo depois de tantas denúncias, ainda continua a acontecer, retirando desses o direito a infância, juventude e principalmente aos estudos. O capital ao se territorializar se alia aos interesses dos grandes proprietários fundiários da região e não raro se fundem na mesma pessoa. Esses contam com toda atuação do Estado fomentando a relação entre Estado-CapitalLatifundiário. Em outros casos não se torna proprietário, mas se apropria da produção na esfera da circulação. Assim, promove a concentração da renda, das terras, principalmente, mediante a expulsão das famílias camponesas, acrescendo os problemas sociais da região. Para tanto, contam com toda estrutura 295 disponibilizada pelos órgãos públicos sejam esses técnicos ou de pesquisas, que incentivaram a difusão do plantio de laranja fomentando, o que já nos referimos, a apropriação dos recursos públicos para fins privados. Por outro lado, essa intensificação das relações capitalistas de produção promove o seu revés, a luta daqueles expropriados da terra e do processo produtivo para participarem, ainda que minoritariamente, dos “resultados” dessa produção. Fazem isso na luta pelo trabalho e quando essa já não é possível através da organização via movimentos sociais, por meio dos quais buscam minimizar as precárias condições em que vivem. Assim sendo, a partir da década de 1990 verifica-se nas regiões em estudo a emergência de movimentos sociais de luta pela terra, pelo trabalho e por moradias. Esses não são “anomalias” no espaço, mas produto direto e concreto da expansão do capital na região. Buscam na terra a possibilidade de participarem da produção, de terem na terra a “certeza” de produzir prioritariamente para alimentar a família. Entre essas famílias percebe-se ainda o desejo de “se livrarem” do patrão. Contudo, não se pode pensar que essa luta pela terra, por si só, vá garantir a emancipação desses sujeitos sociais. Em geral o que se verifica, através de contatos com trabalhadores assentados na luta pela terra é uma sujeição diferenciada, posto que esses ainda que plantem a laranja diversificam seus cultivos e voltam-se as demandas da família. Essa também é uma realidade verificada em diversas unidades de produção camponesa que resistiram na terra, ainda que não vinculados aos movimentos sociais. A luta pelo trabalho é evidenciada em todos os trabalhadores entrevistados sejam camponeses desterritorializados, moradores das periferias urbanas, trabalhadores rurais, e mesmo entre aqueles “que estão trabalhando”, tendo em vista a insegurança em que vivem. No que se refere a luta pela terra, 296 pode-se considerar que a terra representa a própria condição de trabalho, para a garantia da família, ótica que se diferencia da leitura governamental da geração de empregos no campo. Para o camponês a terra é condição de vida, é terra de família e possibilidade freqüente de libertar-se das amarras do capital, ainda que contraditoriamente a esse subordinado. Na luta pela moradia verifica-se a estratégia dos trabalhadores em fugir do aluguel ou terem a oportunidade de conquistar o direito fundamental de “morar”, de ter “um teto” e assim, objetivam melhores condições de sobreviver com a pequena renda familiar que adquirem na precarização do trabalho (urbanos, rurais, informais) o que, geralmente, complementam com aposentadorias (para os mais idosos) ou acesso a parcos recursos viabilizados via projetos governamentais (bolsa família, etc.). Permanecem, contudo, na precarização e alimentam, contraditoriamente a reprodução capitalista no território. Acrescenta-se a isso a impossibilidade desses proletários poderem contar com entidades que defendam seus direitos. O enfraquecimento dos sindicatos é evidente, funcionando como mediador entre patrão e empregado, e a fiscalização dos órgãos públicos ineficiente. No caso dos agricultores, as associações e cooperativas acabam por engessá-los ainda mais a lógica capitalista. Ainda que a luta pela terra, pelo trabalho ou por moradia, não venham a representar uma ruptura com o capital, evidenciam as suas contradições. Apontam o conteúdo de classes, de classes antagônicas em disputa pelo/no território. Assim, compreender as contradições entre capital versus trabalho significa analisar como esses se materializam no território, realidade que se expressa no Centro-Sul de Sergipe e Litoral Norte da Bahia. 297 Assim sendo, reafirma-se nesta Tese que, ao contrário das abordagens voltadas para a negação do trabalho ou mesmo o fim da sociedade do trabalho, esse torna-se cada vez mais necessário, posto ser a própria condição ontológica do homem. Para tanto, a organização da classe trabalhadora na direção do trabalho “emancipador” torna-se fundamental. Desse modo, considera-se o trabalho como condição central de vida e como categoria analítica central na compreensão do processo de produção do espaço geográfico, que se estabelece, historicamente, através da relação sociedade x trabalho x natureza. Para tanto, se fez necessário a compreensão das discussões mais atuais referentes ao trabalho e a luta da classe proletária tanto para conseguir vender sua força de trabalho por meio do assalariamento bem com por meio de outras formas de sobrevivência a exemplo das relações não-capitalistas (não-assalariadas ou “assalariamentos disfarçados”) até a condição do camponês e dos movimentos sociais através da luta pela terra, moradia e trabalho. Estes almejam, ainda que parcialmente, uma determinada autonomia frente a lógica alienante capitalista. Acrescenta-se a importância da interpretação voltada para a classe proletária e camponesa levando em consideração as necessidades concretas daqueles que historicamente produzem a riqueza e contraditoriamente dessas não se apropriam no modo capitalista de produção . Assim, o território é compreendido como dimensão concreta dessa luta da classe proletária e do entendimento do campesinato que na subordinação busca criar formas de emancipação. Somente a partir de uma retomada social que tenha uma significação para a classe proletária e camponesa. 298 Unicidade de ações frente ao processo político no sentido de fortalecimento da consciência de classe é que pode-se almejar uma perspectiva de transformação da sociedade e romper com as amarras determinantes dos poderes constituídos pelo capital e do Estado burguês. Só a partir daí é possível se pensar numa leitura mais justa do território e da apropriação deste por parte daqueles que vivem do trabalho. Acredita-se em uma verdadeira emancipação da classe operária e camponesa. Advoga-se a abolição da propriedade privada e recriação de novas formas de viver (apropriação e controle coletivo) no campo e nas cidades. 299 6. REFERÊNCIAS AKCELRUD, Issac. O que Todo Cidadão Precisa Saber Sobre a Reforma Agrária: A Luta Pela Terra no Brasil. São Paulo: Global, 1987. AMIN, Samir. & VERGOPOULOS, Kostas. A Questão Agrária e o Capitalismo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, l978. 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Acajutiba 30 3 2 120 ha 120 a 1800 Alagoinhas 30 3 2 120 ha 120 a 1800 Aporá 30 3 2 120 ha 120 a 1800 Araçás 30 3 2 120 ha 120 a 1800 Aramari 30 3 2 120 ha 120 a 1800 Cardeal da Silva 30 3 25 120 ha 120 a 1800 Catu 7 2 2 28 ha 28 a 420 Conde 30 3 25 120 ha 120 a 1800 Crisópolis 30 8 2 120 ha 120 a 1800 Entre Rios 30 3 25 120 ha 120 a 1800 Esplanada 30 3 25 120 ha 120 a 1800 Inhambupe 30 3 2 120 ha 120 a 1800 Itanagra 30 3 25 120 ha 120 a 1800 Jandaíra 30 3 25 120 ha 120 a 1800 Mata de São João 7 2 2 28 ha 28 a 420 Ouriçangas 30 3 2 120 ha 120 a 1800 Pedrão 30 3 2 120 ha 120 a 1800 Rio Real 30 3 2 120 ha 120 a 1800 São Sebastião do Passé 30 2 3 120 ha 120 a 1800 Sátiro Dias 30 3 2 120 ha 120 a 1800 MF – Módulo Fiscal FMP – Fração Mínima de Parcelamento P. Prop. – Pequena Propriedade M. Prop – Média Propriedade G. Prop. Grande Propriedade Fonte: Ministério Extraordinário de Política Fundiária/ INCRA – Diretoria de Cadastro Rural/ Publicação de Índice Básico de 1997. 312 > 15 MF G. Prop. 1.800 ha 1.800 ha 1.800 ha 1.800 ha 1.800 ha 1.800 ha 420 ha 1.800 ha 1.800 ha 1.800 ha 1.800 ha 1.800 ha 1.800 ha 1.800 ha 420 ha 1.800 ha 1.800 ha 1.800 ha 1.800 ha 1.800 ha Anexo B – Cadastro Rural do INCRA/SE FAIXA DE ÁREA MUNICÍPIO Arauá Boquim Cristinápolis Estância Indiaroba Itabaianinha Itaporanga D’ajuda Lagarto Pedrinhas Riachão do Dantas Salgado Santa Luzia do Itanhi Tomar do Geru Umbaúba INCRA – Sistema Nacional de Cadastro Rural, 1997 1 ZP FMP 1a4 MF MF P. Prop. 45 3 4 180 ha 30 3 4 120 ha 35 3 4 140 ha 10 2 4 40 ha 10 2 4 40 ha 30 3 4 120 ha 10 2 4 40 ha 35 3 4 140 ha 30 3 4 120 ha 35 3 4 140 ha 30 3 4 120 há 10 2 4 40 ha 40 3 4 160 ha 14 2 4 56 ha 4 a 15 MF M. Prop. 180 a 675 120 a 450 140 a 525 40 a 150 40 a 150 120 a 450 40 a 150 140 a 525 120 a 450 140 a 525 120 a 450 40 a 150 160 a 600 56 a 210 MF – Módulo Fiscal FMP – Fração Mínima de Parcelamento P. Prop. – Pequena Propriedade M. Prop – Média Propriedade G. Prop. – Grande Propriedade Fonte: Ministério Extraordinário de Política Fundiária/ INCRA – Diretoria de Cadastro Rural/ Publicação de Índice Básico de 1997. 313 > 15 MF G. Prop. 675 ha 450 ha 525 ha 150 ha 150 ha 450 ha 150 ha 525 ha 450 ha 525 ha 450 ha 150 ha 600 ha 210 ha