UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
CENTRO DE BIOCIÊNCIAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ECOLOGIA
DIVERSIFICAÇÃO EVOLUTIVA DE GOBÍDEOS NO LITORAL BRASILEIRO:
PADRÕES CITOGENÉTICOS E ECOMORFOLÓGICOS
Paulo Augusto de Lima Filho
Natal-RN
2011
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
CENTRO DE BIOCIÊNCIAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ECOLOGIA
DIVERSIFICAÇÃO EVOLUTIVA DE GOBÍDEOS NO LITORAL BRASILEIRO:
PADRÕES CITOGENÉTICOS E ECOMORFOLÓGICOS
Paulo Augusto de Lima Filho
Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação em
Ecologia da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte, como parte
dos requisitos para a obtenção do título de
mestre em Ecologia.
Orientador: Dr. Wagner Franco Molina
Natal-RN
2011
Catalogação da Publicação na Fonte. UFRN / Biblioteca Setorial do Centro de Biociências
Lima Filho, Paulo Augusto de.
Diversificação evolutiva de gobídeos no litoral brasileiro:
ecomorfológicos / Paulo Augusto de Lima Filho. – Natal, RN, 2011.
padrões
citogenéticos
e
90 f. : Il.
Orientador: Prof. Dr. Wagner Franco Molina.
Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de Biociências.
Programa de Pós-Graduação em Ecologia
1. Gobiidae – Dissertação 2. Evolução cariotípica – Dissertação. 3. Morfometria geométrica –
Dissertação. I. Molina, Wagner Franco. II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. IV. Título.
RN/UF/BSE-CB
CDU 597.556.33
“Aprender é uma coisa
que nuca se cansa,
nunca se tem medo e
nunca se arrepende”
(Leonardo da Vinci)
“Dedico aos meus pais, familiares,
amigos e colegas, pelo apoio,
confiança e paciência”
AGRADECIMENTOS
Não só nesta trajetória, mas durante toda minha vida, agradeço a Deus, pois
me presenteou com a vida, a força e a coragem.
Agradeço a minha família pelo apoio, compreensão, carinho e paciência
demonstrado. Maior gratidão devo aos meus pais, Paulo Augusto de Lima, Maria da
Conceição Dutra de Andrade e minha “boa drasta” Geovana da Silva Nascimento,
pela palavra sempre oportuna.
À meus tios e tias dedico gratidão adicional por ter me apoiado neste sonho,
Dailva, Hugo, Dedé, Neide e Gracinete me acolhendo e auxiliando durante toda esta
trajetória no Rio Grande do Norte.
Agradeço também aos meus irmãos, Henrique, Ricardo, Isaura e Tatiane que
me deram forte base familiar, meus sobrinhos e primos.
A minha querida Dayse, agradeço pela ajuda neste projeto, pelo carinho,
apoio e compreensão estando sempre presente ao meu lado.
Agradeço aos meus antigos amigos e aos novos, que conquistei nesta
jornada, desde o Cursinho da Poli, CEDAP, graduação e pós-graduação na
Universidade Federal do Rio Grande do Norte, colegas residentes das republicas
que fiz parte, especialmente a Rogerson Rodrigues, grande amigo que me apoiou e
incentivou durante toda minha peregrinação acadêmica.
Agradeço
a
todas
as
pessoas
que
realmente
me
ajudaram
no
desenvolvimento deste trabalho, os quais considero como amigos e colegas de
ofício. A meu ver, verdadeiramente praticaram ciência, democratizando o
conhecimento e trabalhando em equipe.
Sou grato aos meus amigos de trabalho no laboratório, pelo ambiente que
promoveram e pelos ensinamentos que melhoraram decisivamente minha pesquisa:
Clóvis, Pantera, Gideão, Amanda, Emanuel, Uedson, Calado, Pablo, Eurico,
Washington, Layse, Alyson e Guinga.
Agradeço ao meu orientador, professor Dr. Wagner Franco Molina, por
acompanhar e contribuir no meu desenvolvimento acadêmico, orientando-me com
liberdade e exigência, permitindo o meu desenvolvimento científico e a realização
deste trabalho.
Agradeço ao programa de Pós-Graduação em Ecologia, pela oportunidade de
mestrado, sua equipe de funcionários e docentes pelo apoio e conhecimentos
adquiridos durante o decorrer deste trabalho.
Agradeço a Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), ao Centro
de Biociências (CB) e ao Departamento de Biologia Molecular e Genética (DBMG).
Agradeço a CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de nível
Superior), pela bolsa de estudos oferecida. Ao CNPq (Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico) pelo financiamento deste trabalho, sob
processo de número: Nº556793/2009-9 e ao IBAMA pela autorização de coleta das
espécies (Processo Nº 19135/1).
SUMÁRIO
Lista de Figuras
VIII
Lista de Tabelas
XI
Lista de Abreviaturas
XII
Resumo
XIII
Abstract
XIV
1. INTRODUÇÃO
1
1.1. Principal componente vertebrado marinho
1
1.2. Aspectos citogenéticos da família Gobiidae
3
1.3. A evolução refletida na morfologia
5
2. OBJETIVOS
8
3. MATERIAL E MÉTODOS
9
3.1. Material
9
3.2. Métodos
11
3.2.1. Técnica de estimulação mitótica
11
3.2.2. Técnica de obtenção de cromossomos mitóticos
11
3.2.3. Preparação das lâminas
12
3.2.4. Análises cromossômicas
12
3.2.5. Detecção de regiões organizadoras de nucléolos (RONs)
12
3.2.6. Detecção da heterocromatina constitutiva (Banda-C)
14
3.2.7. Coloração com fluorocromos base-específico
14
3.2.8. Análises por morfometria geométrica (MG)
14
4. CAPÍTULOS
15
4.1. Caracterização da diversidade na família Gobiidae por meio da
citogenética e morfometria geométrica
15
4.2. Análises citogenéticas e morfométricas interpopulacionais no
peixe marinho Bathygobius soporator (Gobiidae - Perciformes)
44
5. CONCLUSÕES
61
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
71
LISTA DE FIGURAS
Figura 1.
Desenho morfológico esquemático de Gobiidae (gênero Bathygobius).
Em destaque (a) nadadeiras dorsais separadas, primeira nadadeira
dorsal com raios, olhos grandes, ausência de linha lateral; (b) nadadeiras
pélvicas fusionadas presentes na maioria das espécies
2
Figura 2.
Mapa com pontos de coleta dos exemplares da família Gobiidae. Litoral
do Maranhão (MA), Rio Grande do Norte (RN), Bahia (BA) e Atol das
Rocas.
9
Figura 3.
Espécies analisadas no presente estudo: a. Ctenogobius smaragdus, b.
Ctenogobius boleosoma, c. Bathygobius soporator, d. Bathygobius
mystacium, e. Coryphopterus glaucofraenum.
10
CAPÍTULO I
Figura 1.
Imagem digitalizada de Coryphopterus glaucofraenum retratando os 11
landmarks utilizados nas análises morfológicas interespecífica em
Gobiidae. Descrição esquemática dos landmarks. 1. Ponto distal do osso
pré-maxilar; 2. Origem da primeira nadadeira dorsal; 3. Término da
primeira nadadeira dorsal; 4. Origem da segunda nadadeira dorsal; 5.
Término da segunda nadadeira dorsal; 6. Término da nadadeira anal; 7.
Origem da nadadeira anal; 8. Origem da nadadeira pélvica; 9. Margem
anterior ocular; 10. Margem posterior ocular; 11. Base superior da
nadadeira peitoral. Barra=0,5cm.
20
Figura 2.
Cariótipo de Ctenogobius smaragdus a partir de coloração convencional
(a) bandamento C (b). Em destaque (c) o par organizador nucleolar (1º)
corado com impregnação argêntea, CMA3 e DAPI. Barra=5µm.
22
Figura 3.
Cariótipo de Ctenogobius boleosoma a partir de coloração convencional
(a). Em destaque (b) o par organizador nucleolar (1º) corado com
impregnação argêntea, CMA3 e DAPI. Barra=5µm.
22
Figura 4.
Metáfase de C. smaragdus (a) e C. boleosoma (b), exibindo marcações
+
CMA3 na maior parte dos cromossomos em posição centromérica e
terminal. Barra=5µm.
22
Figura 5.
Cariótipo de Bathygobius soporator a partir de coloração convencional (a)
e bandamento C (b). Em destaque (c) o par organizador nucleolar (4º)
corado com impregnação argêntea, CMA3 e DAPI. Barra=5µm.
23
Figura 6.
Cariótipo de Bathygobius mystacium a partir de coloração convencional
(a) e bandamento C (b). Em destaque (c) o par organizador nucleolar (5º)
corado com impregnação argêntea, CMA3 e DAPI. Barra=5µm.
23
Figura 7.
Cariótipo de Coryphopterus glaucofraenum a partir de coloração
convencional (a) e bandamento C (b). Em destaque (c) o par organizador
nucleolar (1º) corado com impregnação argêntea, CMA3 e DAPI.
Barra=5µm.
24
Figura 8.
Distribuição dos padrões corporais das cinco espécies de Gobiidae
analisadas ao longo da primeira e segunda Variável Canônica.
25
Figura 9.
Gride de deformação a partir da primeira Variável Canônica, os vetores
indicam a direção da deformação sofrida por cada landmark na
representação espacial comparativa das cinco espécies de Gobiidae
analisadas.
26
Figura 10. Análise morfométrica comparativa entre B. mystacium e B. soporator, a
26
Figura 11. Análise morfométrica comparativa, entre as espécies do gênero
26
partir da variável canônica 1. Ponto médio central representa B.
mystacium e o desvio vetorial à espécie B. soporator.
Ctenogobius, à partir da variável canônica 1. Ponto médio central
representa C. boleosoma e o desvio vetorial a espécie C. smaragdus.
CAPÍTULO II
Figura 1.
Imagem digitalizada de B. soporator retratando os 09 landmarks definidos
para análises morfológicas interpopulacionais. Descrição esquemática
dos landmarks. 1. Ponto distal do osso pré-maxilar; 2. Origem da
primeira nadadeira dorsal; 3. Término da primeira nadadeira dorsal; 4.
Origem da segunda nadadeira dorsal; 5. Término da segunda nadadeira
dorsal; 6. Término da nadadeira anal; 7. Origem da nadadeira anal; 8.
Origem da nadadeira pélvica; 9. Base infra-ocular medial. Barra=1,5cm.
49
Figura 2.
Cariótipo de B. soporator para populações contientais (MA, RN e BA) à
partir de coloração convencional (a) bandamento C (b). Em destaque (c)
o par organizador nucleolar (4º) corado com impregnação argêntea,
CMA3 e DAPI. Barra= 5µm.
50
Figura 3.
Cariótipo de B. soporator população do Atol das Rocas, a partir de
coloração convencional (a) bandamento C (b). Em destaque (c) o par
organizador nucleolar (1º) corado com impregnação argêntea, CMA3 e
DAPI. Barra= 5µm.
50
Figura 4.
Distribuição das amostras de B. soporator ao longo da primeira e
segunda variável canônica (63,5% e 30,5% da variância
respectivamente), a partir das variáveis morfométricas.
52
Figura 5.
Distribuição das populações continentais amostradas de B. soporator ao
longo da primeira e segunda variável canônica (76,2% e 23,5% da
variância respectivamente). Os símbolos em destaque indicam a média
morfométrica de cada população.
52
Figura 6.
Gride comparativo entre população continental e insular de B. soporator,
a partir da variável canônica 1. Ponto médio central representa população
do RN e o desvio vetorial população do Atol das Rocas.
53
Figura 7.
Gride comparativo entre populações continentais de B. soporator, a partir
da variável canônica 1. Ponto médio central representa população do RN
e o desvio vetorial população do Maranhão.
53
Figura 8.
Gride comparativa entre populações continentais de B. soporator, a partir
da variável canônica 1. Ponto médio central representa população do RN
e o desvio vetorial população da Bahia.
54
LISTA DE TABELAS
CAPÍTULO I
Tabela 1.
Número de indivíduos
citogenéticos.
Tabela 2.
Dados citogenéticos das cinco espécies de Gobiidae analisadas.
21
Tabela 3.
Resultados post-hoc ANOVA a partir de procrustes, classificadas com a
média do centróide, efeito individual, para todos os espécimes em estudo
e espécies dos gêneros Bathygobius e Ctenogobius.
24
Tabela 4.
Dados citogenéticos disponíveis da família Gobiidae (Perciformes).
28
utilizados
para
estudos
morfométricos
e
19
CAPÍTULO II
Tabela 1.
Número de indivíduos coletados, seus respectivos pontos de coleta e sua
utilização para estudos morfométricos e citogenéticos.
48
Tabela 2.
Porcentagem de indivíduos alocados para cada população e suas
interfaces baseados na CVA.
51
Tabela 3.
Resultados post-hoc ANOVA a partir de procrustes, classificadas com a
média do centróide, efeito individual, entre as populações continentais.
51
LISTA DE ABREVIATURAS
a – Acrocêntrico
AgNO3 – Nitrato de prata
Ag-RONs – Regiões organizadoreas de nucléolo evidenciadas pela impregnação
com nitrato de prata
ANOVA – Análise de variância
AR – Atol das Rocas
AT – Adenina e Timina
BA – Bahia
BC – Bandamento C
BRA - Brasil
CMA3 – Cromomicina A3
CVA – Análise de variáveis canônicas
DAPI – 4`4’,6-diamidino-2-fenilindol
DNA – Ácido desoxirribonucléico
EUA – Estado Unidos da América
GC - Guanina e Citosina
LGRM – Laboratório de Genética de Recursos Marinhos
m – Metacêntrico
MA – Maranhão
MANOVA – Análise multivariada de variância
MG – Morfometria geométrica
NE – Nordeste
NF – Número de braços cromossômicos
N-S – Norte Sul
p – Probabilidade estatística do teste
RN – Rio Grande do Norte
sm - Submetacêntrico
st – Subtelocêntrico
UFRN – Universidade Federal do Rio Grande do Norte
VC – Variável canônica
RESUMO
Os peixes da ordem Perciformes caracterizam-se como um modelo importante para
o entendimento da estrutura genética de populações marinhas, pois apresentam
tanto exemplos de conservação cromossômica como de diversificação cariotípica
para alguns grupos. Gobiidae é a família mais especiosa no ambiente marinho. Entre
seus representantes, muitas espécies fazem parte de uma fauna críptica pouco
percebida e estudada, apresentando ampla distribuição com características
comportamentais e reprodutivas que as tornam propícias à ação de barreiras
biogeográficas. Morfologicamente esta família apresenta estruturas corporais
reduzidas através de simplificações e regressões. Dados citogenéticos, apesar da
importância em inferências evolutivas, são incipientes frente sua diversidade de
espécies, sobretudo para espécies do Atlântico Ocidental. Visando estimar a
diversidade evolutiva em Gobiidae foram desenvolvidas análises citogenéticas e dos
padrões corporais, através de morfometria geométrica, em cinco espécies presentes
no litoral brasileiro, Coryphopterus glaucofraenum, Bathygobius mystacium, B.
soporator, Ctenogobius smaragdus e C. Boleosoma. Os dados obtidos demonstram
marcante diversidade cariotípica e morfológica entre as espécies. As inversões
pericêntricas e fusões desempenham papel importante na evolução cromossômica
desta família, ocasionando diferenças cariotípicas estruturais e numéricas em todas
as espécies. Comparações cariotípicas e morfológicas entre amostras geográficas
de B. soporator provenientes do litoral do Maranhão, Rio Grande do Norte e Bahia
evidenciaram padrões citogenéticos comuns, mas padrões morfológicos diferentes.
Uma amostra proveniente do Atol das Rocas revelou conspícua diferenciação
cariotípica e morfológica das demais populações continentais, confirmando a
presença de uma nova espécie insular. As abordagens empregadas revelam
diversificações compatíveis com um grupo com características de baixa vagilidade e
amplamente sujeito a seleção ambiental decorrente de exigências ecológicas
peculiares.
Palavras-Chave:
Gobiidae,
evolução
Coryphopterus, Bathygobius, Ctenogobius.
cariotípica,
morfometria
geométrica,
ABSTRACT
The fishes of the order Perciformes are characterized as an important model for
understanding the genetic structure of marine populations, because besides they
present examples of conservation chromosomal, also they present the karyotype
diversification for some groups. Gobiidae family is the most specious in the marine
environment. Among its representatives, many species are part of a cryptic fauna
little noticed and studied, a wide distribution with behavioral and reproductive
characteristics, that make them conducive to the action of biogeographical barriers.
Morphologically this family presents reduced body structures through simplification
and regressions. Despite their importance in evolutionary inferences, cytogenetics
data are incipient facing their species diversity, especially with western Atlantic
species. In order to estimate the evolutionary diversity in Gobiidae, it were developed
cytogenetic analysis and the standards body, through geometric morphometrics in
five species on the Brazilian coast, Coryphopterus glaucofraenum, Bathygobius
mystacium, B. soporator, Ctenogobius smaragdus e C. Boleosoma. The data show
significant karyotype and morphological diversity among the species. The pericentric
inversions and mergers play an important role in chromosomal evolution of this
family, causing karyotypic structural and numerical differences in all species.
Karyotypic and morphological comparisons among geographic samples of B.
soporator from the coast of Maranhão, Rio Grande do Norte and Bahia showed
cytogenetics patterns commons, but different morphological patterns. A sample from
the Atol das Rocas revealed conspicuous morphological and karyotypic
differentiation of another continental populations, confirming the presence of a new
island species. The approaches done reveal diversification consistent with
characteristics of a group of low vagile and largely able to environmental selection
due from peculiar ecological requirements.
Keywords: Gobiidae, karyotype evolution, geometric morphometry, Coryphopterus,
Bathygobius, Ctenogobius.
1
1.
INTRODUÇÃO
1.1 Principal componente vertebrado marinho
Os peixes constituem um grupo polifilético com certa de 28.000
espécies, o que corresponde a mais da metade das formas vivas de
vertebrados. Deste total, cerca de 60% vive no ambiente marinho e a sua
maioria habita as zonas costeiras (Nelson, 2006). Representam o grupo de
vertebrados com maior êxito em termos de diversificação devido à grande
variabilidade de habitats presentes no meio marinho e dulcícola.
A ordem Perciformes com 10.033 espécies é a mais diversificada de
todas as ordens de peixes, dominantes nos oceanos e em muitos ambientes
dulcícolas tropicais e subtropicais. Dentre os Perciformes a subordem
Gobioidei possui um número estimado de aproximadamente 2.211 espécies,
distribuídas em 270 gêneros, correspondendo a aproximadamente 22% dos
Perciformes (Pezold, 1984; Nelson, 2006). Nesta subordem, a família Gobiidae
é a que apresenta maior número de espécies (Robertson, 1998; Nelson, 2006),
considerada monofilética, possui 210 gêneros e um número estimado de 1.950
espécies (Pezold, 1984; Tracker, 2003; Nelson, 2006), o que corresponde a
cerca de 88% da subordem Gobioidei (Pezold, 1993).
Gobiidae compartilha características crípticas, tanto morfológicas,
biológicas e comportamentais, que aliadas a grande quantidade de espécies e
ao número insuficiente de informações biológicas existentes, contribui para a
imprecisão em algumas caracterizações taxonômicas.
Anatomicamente
apresentam
suas
nadadeiras
pélvicas
fundidas
formando um disco de sucção que auxilia o animal em seu posicionamento no
ambiente, além disso, exibem nadadeiras dorsais separadas, primeira
nadadeira dorsal com espinhos, olhos grandes e ausência de linha lateral
(Nelson, 2006) (Figura 1). A maior parte das espécies é bentônica, vivendo em
tocas ou esconderijos em ambientes marinhos e estuarinos. Contudo, algumas
formas exibem inúmeras adaptações ecológicas, como por exemplo, formas
nectônicas ou habilidade para respirar o oxigênio atmosférico (Robertson,
2
1998; Tracker, 2003).
Quanto
aos
aspectos
biogeográficos,
este
grupo
demonstra-se
amplamente distribuído podendo ser encontrado ao longo do Atlântico, Pacífico
e Índico em áreas tropicais, subtropicais e temperadas (Menezes & Figueiredo,
1985; Mendes, 2000; Tracker, 2003; Nelson, 2006). Apresenta representante
em habitats estuarinos e dulcícolas, freqüentemente sendo os mais abundantes
em água doce no interior de ilhas oceânicas (Nelson, 2006).
a
b
Figura 1. Desenho morfológico esquemático de Gobiidae (gênero Bathygobius). Em destaque
(a) nadadeiras dorsais separadas, primeira nadadeira dorsal com raios, olhos grandes,
ausência de linha lateral; (b) nadadeiras pélvicas fusionadas presentes na maioria das
espécies (adaptado de Nelson, 2006).
Os
Gobídeos
representam
elementos
dominantes
em
habitats
bentônicos nos recifes tropicais, podendo ser morfologicamente crípticos em
relação a membros da própria família e outras como Labrisomidae, Blenniidae
(Sale, 1991; Galvão, 2006) e Eleotridae, em áreas estuarinas. A maior parte
das espécies apresenta tamanho reduzido, não ultrapassando 10 cm de
comprimento, seu maior representante Glossogobius giuris, atinge cerca de 50
cm e o menor Trimmatom nanus corresponde ao menor vertebrado existente,
uma fêmea madura atinge 8-10mm (Nelson, 2006).
Seus hábitos alimentares são diversos, sendo em sua maioria carnívoros
e onívoros, com alguns representantes herbívoros. Muitas espécies que vivem
próximas a costa, se alimentam principalmente de invertebrados bentônicos e
algas. Em contraste a esta situação, espécies em habitats recifais podem
apresentar hábitos alimentares mais especializados. Diversas espécies são
semi-pelágicas e se alimentam de copépodas planctônicos. Espécies
3
dulcícolas muitas vezes se alimentam de diatomáceas e microalgas
(Emmanuel & Ajibola, 2010). É comum uma estreita associação entre
diferentes espécies de gobídeos com outros animais, como esponjas, moréias,
camarões e ouriços do mar. Espécies de pequeno porte podem estar
associadas a peixes maiores, alimentando-se de ectoparasitas e realizando a
limpeza destes (Colin, 1975).
Os representantes de Gobiidae apresentam considerável importância
ecológica e comercial, sua elevada abundância em determinadas localidades
os tornam um componente fundamental na cadeia alimentar (De Sylva, 1975).
Várias espécies são pescadas e comercializadas de forma significativa, onde
são utilizados como iscas na pesca de peixes de maior porte (Emmanuel &
Ajibola, 2010). Em diversos países Ocidentais devido suas cores exuberantes,
comportamentos peculiares e tamanhos apropriados, algumas espécies são
intensamente comercializadas no segmento da aquariofilia, compondo de 5 a 7
% das vendas no mercado mundial de peixes ornamentais marinhos (Wabnitiz
et al., 2003). No Brasil a espécie Elacatinus figaro já foi uma das mais
importantes no comércio de exportação de peixes ornamentais marinhos do
país (Gasparini et al., 2005), mas atualmente encontra-se na lista de espécies
ameaçadas de extinção, resguardada do extrativismo (IBAMA, 2004).
A diversidade de espécies, amplo padrão de distribuição, características
ecológicas e comportamentais peculiares, evidenciadas por representes da
família Gobiidae demonstram a grande capacidade adaptativa dos peixes que a
compõe, cuja carência de informações existentes para o grupo, os torna
importante modelo para análises evolutivas no ambiente marinho.
1.2 Aspectos citogenéticos da família Gobiidae
Os
Perciformes
apresentam
tanto
exemplos
de
conservação
cromossômica, compartilhada por muitas espécies, quanto de diversificação
cariotípica em alguns grupos (Brum & Galetti, 1997), dos quais, polimorfismos
cromossômicos numéricos e estruturais, além de vários sistemas sexuais
recorrentes (Galetti et al., 2000). Aproximadamente 8% das espécies de
Perciformes foram cariotipadas (Galetti et al., 2000; Afonso & Galetti, 2005;
4
Galetti et al., 2006; Molina & Bacurau, 2006). Apesar da maioria dos seus
representantes serem marinhos, neste ambiente apenas 2% das espécies
apresentam dados citogenéticos (Almeida-Toledo et al., 1993; Brum, 1996).
Cerca de 60% dos Perciformes estudados até então, apresentam um
cariótipo caracterizado por 48 cromossomos monobraquiais, o que faz acreditar
que este seja um caráter plesiomórfico para o grupo (Galetti et al., 2000). As
informações
cariotípicas
disponíveis
para
Perciformes
marinhos
têm
confirmado esta hipótese (Klinkhardt et al., 1995; Brum & Galetti, 1997), o que
demonstra para estas espécies que a especiação em alguns grupos, parece
não ter sido seguida por diferenciação cariotípica significante.
A família Gobiidae destaca-se por apresentar grande diversidade
cariotípica (Galetti et al., 2000), com cariótipos variando de 2n=30, em
Neogobius euricephalus (Ene, 2003), a 2n=52, em Gobius niger (Vitturi &
Catalano, 1989). Apesar da grande diversidade cariotípica, a família exibe com
maior freqüência espécies que apresentam valores diploides com 44, 46 e 48
cromossomos (Ene, 2003). Dados cromossômicos estão disponíveis para
aproximadamente 4,5% das espécies da família Gobiidae (Klinkhardt et al.,
1995), sendo a sua maioria restrito a identificação dos valores diplóides e da
macroestrutura cariotípica (Caputo, 1998). No litoral brasileiro são encontradas
cerca de 40 espécies de Gobiidae (Menezes et al., 2003), destas apenas duas
possuem dados citogenéticos, Bathygobius soporator, com 2n=48 e Awaous
strigatus, com 2n=46 (Brum et al.,1996; Souza et al., 1998; Cipriano et al.,
2002).
Para representantes da ordem Perciformes, um dos mecanismos que
permite explicar a existência de diversificação cromossômica estrutural, é a
ocorrência
de
inversões
pericêntricas,
que
constituem
os
rearranjos
cromossômicos mais frequentes nessa ordem (Cano et al., 1982; Galetti et al.,
2000; Ueno & Takai, 2000; Molina & Galetti, 2004). A variabilidade numérica
derivada de processos de fissão e fusão tem sido relatada em algumas famílias
como Pomacentridae, Labridae, Apogonidae, entre outras (Molina & Galetti,
2002; Sena & Molina, 2007; Araújo et al., 2010). Em Gobiidae rearranjos
Robertsonianos estão entre os principais mecanismos de diferenciação
cromossômica (Thode et al., 1988; Amores et al., 1990; Vasil’ev & Grigoryan,
1993; Caputo et al., 1997; Galetti et al., 2000; Ene, 2003).
5
A presença de variabilidade cariotípica intra e interpopulacional foram
constatadas em algumas espécies da família como, por exemplo, Aphia minuta
que apresentou cinco citótipos distintos em uma população de onze indivíduos
presentes na costa de Ortona, Itália (Caputo et al., 1999). Espécies do gênero
Gobius, como G. niger e G. paganellus, exibem populações cariotipicamente
monomórficas (Klinkhardt, 1992; Vasil'ev & Grigoryan, 1992; Caputo et al.,
1997) e populações com polimorfismo acentuado, envolvendo vários tipos de
rearranjos cromossômicos (Vitturi & Catalano, 1989; Amores et al., 1990;
Caputo et al., 1997).
As modificações frequentes e complexas na estrutura cariotípica dos
Gobídeos parecem estar ligadas ao padrão evolutivo deste grupo (Caputo et
al., 1997). Embora os estudos cromossômicos em gobídeos estejam longe de
ser completos, sua abrangência as espécies do oeste do Atlântico contribuirá
substancialmente para o conhecimento da diversidade cariotípica e seus
mecanismos regentes nesta região, o que até então é desconhecido.
1.3 A evolução refletida na morfologia
Pesquisas relacionadas ao formato corporal dos organismos assumem
importante papel em estudos biológicos, uma vez que podem refletir
experiências biológicas e evolutivas (Bookstein, 1991; Zelditch et al., 2004),
tendo como base o conceito de que o fenótipo apresentado por um organismo
decorre da interação existente entre um dado genótipo e o meio ambiente em
que se encontra (Ricklefs & Miles, 1994) e que a evolução de um mesmo
fenótipo em populações naturais pode ser evidência de seleção natural e
adaptação (Mcguigan et al., 2005).
Em
contrapartida,
variações
morfológicas
podem
afetar
o
comportamento e interação ecológica dos organismos, principalmente se
levarmos em conta características físicas e químicas do ambiente (Webb,
1984). Assim, o formato corporal pode ter relevância evolutiva e ecológica para
um dado organismo (Klingenberg et al., 2003). Diante disto, análises de
estruturas morfológicas como as morfométricas podem ser de grande valia
6
(Schluter, 1993), sendo utilizada em distintas abordagens biológicas durante
anos (Monteiro et al., 2002; Rosenberg, 2002).
A morfometria é a análise da forma do corpo em relação ao tamanho
através de métodos numéricos, propiciando a interpretação e comparação dos
padrões de variação de caracteres quantitativos (Blackith & Reyment, 1971;
Cavalcanti & Lopes, 1993).
Historicamente, o estudo da variação corporal consistia em medidas
relativas de estruturas anatômicas que eram analisadas por meio de arranjos
canônicos, componentes principais e outros recursos estatísticos multivariados,
configurando a técnica denominada de morfometria tradicional (Monteiro et al.,
2002).
A
morfometria
geométrica
(MG)
é
um
conjunto
de
técnicas
computacionais e estatísticas, que no estudo da forma de estruturas biológicas
possibilita, além de analisar e quantificar, visualizar graficamente a variação de
forma
da
estrutura
estudada,
considerando
simultaneamente
várias
características de uma estrutura corporal complexa, em que são utilizados
marcos anatômicos ou landmarks (Rohlf, 1993; Monteiro & Reis, 1999). A
utilização de landmarks comuns às amostras analisadas permite identificar as
variações de forma entre as mesmas estruturas morfológicas nos diferentes
exemplares em estudo.
Na superposição de marcos anatômicos, a variação de forma é estudada
nas próprias coordenadas dos mesmos, após a retirada dos efeitos de
tamanho, orientação e posição. Logo, se as configurações estão centradas em
um ponto comum, proporcionalizadas de forma que tenham o mesmo tamanho
e rotacionadas, as coordenadas encontradas localizam um ponto no espaço de
forma (Shape Space), chamado de espaço da forma de Kendall (Kendall,
1984;1989; Dryden & Mardia, 1998; Rohlf, 1999).
Esta nova abordagem permite a descrição da variabilidade usando uma
análise estatística robusta bem como a utilização de Thin-plate spline (TPS)
para ilustrar e descrever os resultados em termos de deformações. Uma das
principais inovações da MG foi a reformulação das idéias de D’Arcy Thompson,
que visualizava as formas biológicas como distorções de um sistema de
coordenadas geométricas (Thompson, 1917).
7
O
estudo
da
morfometria
tem
interessado
diversas
áreas
do
conhecimento mostrando-se de grande importância na compreensão da
biologia evolutiva dos organismos (Blackith & Reyment, 1971). É considerada
uma
ferramenta
muito
útil
na
sistemática,
descrição
de
estruturas
populacionais, identificação de estoques pesqueiros, dimorfismo sexual e
fornecimento de conhecimento sobre o grau de variação intra e interespecífico
(Fonteles Filho,1989; Peres, et al., 1995; Ehliger, 1991; Vidales et al., 1997;
Fairbairn, 1997; Baras, 1999; Silva, 2000; Fulford & Rutherford, 2000; Rapp PyDaniel & Cox Fernandes, 2005; Aguirre & Shervette, 2005).
No caso dos peixes da família Gobiidae, que representam um
excepcional exemplo de especiação e diversificação, com alto índice de
endemismos nos recifes tropicais, o conhecimento do grau de variação
morfológico, seja ele interespecífico, intrapopulacional e interpopulacional,
associada a ferramentas citogenéticas e de genética molecular, pode nos
auxiliar na identificação dos mecanismos evolutivos atuantes na diversificação
desta família.
8
2. OBJETIVOS
2.1 Objetivo geral
Diante das informações disponíveis o presente trabalho se propôs
investigar aspectos de diversificação na família Gobiidae, analisando espécies
do Atlântico, por meio de análises citogenéticas resolutivas, aliadas a análises
dos padrões corporais existentes em níveis inter e intraespecíficos a fim de
identificar a presença de processos evolutivos neste peculiar grupo de peixes.
2.2
Objetivos específicos
·
Analisar citogeneticamente as espécies Bathygobius mystacium, B.
soporator, Ctenogobius smaragdus, C. boleosoma e Coryphopterus
glaucofraenum, utilizando coloração convencional, bandamento C,
impregnação por nitrato de prata e coloração com fluorocromos baseespecíficos (CMA3 e DAPI);
·
Estabelecer uma comparação dos padrões morfológicos das espécies
Bathygobius mystacium, B. soporator, Ctenogobius smaragdus, C.
boleosoma e Coryphopterus glaucofraenum, por meio da técnica de
morfometria
geométrica,
com
fins
de
aferição
ecomorfológica,
taxonômica e sistemática;
·
Analisar possíveis estruturações populacionais na espécie Bathygobius
soporator ao longo do litoral brasileiro (MA, RN e BA) e Atol das Rocas,
através da associação de características citogenéticas entre as
populações dessas localidades e os padrões corporais de cada
população.
9
3. MATERIAL E MÉTODOS
3.1 Material
Os exemplares da família Gobiidae, foram coletados ao longo do litoral
brasileiro no litoral dos estados do Rio Grande do Norte, praia de Búzios
(5°41'57.41"S,
35°11'34.71"O)
e
Barra
do
Cunhaú
(6°19'15.50"S,
35°2'29.31"O), da Bahia, cidade de Salvador (13° 0'39.61"S, 38°31'27.21"O),
do Maranhão, cidade de São Luís (2°28'14.06"S, 44°15'49.15"O) e Atol das
Rocas (3º51’’S, 33º49’’W) (Figura 2), com o auxílio de rede de confecção
própria e sacos plásticos.
Figura 2. Mapa com pontos de coleta dos exemplares da família Gobiidae. Litoral do
Maranhão (MA), Rio Grande do Norte (RN), Bahia (BA) e Atol das Rocas.
10
As espécies utilizadas nas análises foram Bathygobius mystacium
(Ginsburg, 1947), n=23; Bathygobius soporator (Valenciennes, 1837), n=170;
Ctenogobius smaragdus, (Valenciennes, 1837), n=04; Ctenogobius boleosoma,
(Jordan e Gilbert, 1882), n=29 e Coryphopterus glaucofraenum (Gill, 1863),
n=13 (Figura 2). As mesmas foram identificadas a partir da chave de
classificação de Bohlke & Chaplin (1993) e Hoese & Murdy (2002).
a
b
c
d
e
Figura 3. Espécies analisadas no presente estudo. a. Ctenogobius smaragdus, b. Ctenogobius
boleosoma, c. Bathygobius soporator, d. Bathygobius mystacium, e. Coryphopterus
glaucofraenum. Barra=1 cm.
Os espécimes utilizados para estudos morfológicos e citogenéticos
foram mantidos em aquários aerados até serem fotografados e submetidos ao
processo de estimulação mitótica.
Exemplares testemunho de cada espécie se encontram preservados em
formol 5% no Laboratório de Genética de Recursos Marinhos, para posterior
depósito no Museu de Ciências Morfológicas da UFRN.
11
3.2 Métodos
3.2.1 Técnica de estimulação mitótica
Os exemplares foram estimulados mitoticamente através da técnica
preconizada por Molina (2001) e Molina et al. (2010), que faz uso de complexos
de antígenos do ar, bacterianos e fúngicos (Munolan® e Aminovac®). Este
procedimento consiste na inoculação intramuscular de solução do composto (2
comprimidos/1ml de água destilada); na proporção de 1ml/50g de peso
corporal, por um período de 24 a 48 horas. Decorrido este tempo, os
exemplares foram anestesiados com óleo extraído de cravo (Syzygium
aromaticum) (Eugenol) e posteriormente sacrificados para extração do rim
cefálico.
3.2.2 Técnica de obtenção de cromossomos mitóticos
A técnica de obtenção de cromossomos mitóticos adotada seguiu o
método preparação in vitro descrito por Gold et al. (1990). Os exemplares
tiveram o rim anterior (cefálico) e posterior removidos e utilizados para
obtenção de suspensão celular. Estes foram colocados em 9 ml de meio de
cultura RPMI 1640 e dissociados com ajuda de seringas de vidro, transferindo
o material logo em seguida para tubos falcon de 15ml, completando o volume
até 10ml do mesmo. Foi adicionada solução de colchicina 0,025% por 30
minutos, para cessar a divisão mitótica, deixando agir em temperatura
ambiente. Em seguida o material foi centrifugado por 10 minutos a 900rpm.
Após o excedente ser removido acrescentamos 9 ml de solução hipotônica de
KCl (0,075M), por 28 a 30 minutos em temperatura ambiente, ao término
novamente centrifugado por 10 minutos. Solução fixadora de metanol e ácido
acético (3:1) foi utilizada para fixação do material em três ciclos de
centrifugação por 10 minutos, sendo o material conservado à -20ºC em tubos
de 1,5ml com tampa para análises posteriores.
12
3.2.3 Preparação das lâminas
Um total de três ou quatro gotas de suspensão celular foram gotejadas
sobre uma lâmina recoberta com um filme d’água destilada aquecida à 60 oC,
após secar ao ar, foi corada com solução Giemsa 5%, diluído em tampão
fosfato pH 6,8, por um período de 08 minutos, posteriormente lavada com água
destilada e seca ao ar.
3.2.4 Análises cromossômicas
Lâminas previamente preparadas com as suspensões celulares de cada
indivíduo foram analisadas através de microscópio óptico, sob o aumento de
1000 vezes. Uma média de 30 metáfases foi analisada para cada exemplar,
visando o estabelecimento do valor diploide modal para cada espécie e a
definição dos tipos cromossômicos. As melhores metáfases foram fotografadas
em fotomicroscópio de epifluorescência (OlympusTM BX50), sob aumento de
1000X, por meio de sistema digital de captura (DP70, Olympus), com o uso dos
software DPController, v. 1.2.1.108 (Olympus Optical Co. Ltd.) e utilizadas na
definição
da
fórmula
cromossômica
e
construção
do
cariótipo.
Os
cromossomos foram definidos quanto à posição dos centrômeros em
metacêntricos (m), com a razão entre o braço maior e menor (RB) variando de
1,00 a 1,70; submetacêntricos (sm), RB = 1,71 – 3,00; subtelocêntricos (st), RB
= 3,01 – 7,00; e acrocêntricos (a), RB > 7,01 (Levan et al., 1964).
3.2.5 Detecção das Regiões Organizadoras de Nucléolos (RONs)
As regiões organizadoras de nucléolo (RONs) foram evidenciadas de
acordo com a técnica descrita por Howell e Black (1980), com pequenas
modificações. Uma solução gelatinosa contendo 1g de gelatina incolor
acrescido de 50 ml de água e 0,5ml de ácido fórmico foi depositada na lâmina,
misturada a quatro gotas de nitrato de prata (Ag-NO3) 50%, cobrindo-a em
seguida com lamínula. Logo após foi incubada em estufa a 60ºC entre cinto a
oito minutos, até que uma coloração âmbar aparecesse. Ao término do
13
processo a lâmina foi lavada com água destilada, seca ao ar e analisada ao
microscópio.
3.2.6 Detecção de Heterocromatina Constitutiva (Banda-C)
A observação de regiões de heterocromatina constitutiva foi realizada de
acordo com o método desenvolvido por Summer (1972) com pequenas
alterações, visando uma melhor qualidade das preparações. Inicialmente as
lâminas foram imersas em HCl 0,2 N à temperatura ambiente, por 14 minutos,
lavando-a logo em seguida em água destilada e seca ao ar. Após isto, as
lâminas foram incubadas numa solução saturada de Ba(OH)2.8H2O, à 5%,
durante um período de 1 à 2 minutos à 42ºC. Após incubação foram expostas à
HCl 0,2N rapidamente, lavadas com água destilada e mantidas em solução de
2xSSC à 60ºC por uma hora, sendo posteriormente coradas com solução à 5%
de Giemsa diluído em tampão fosfato, pH 6,8 por 6 minutos e visualizadas ao
microscópio.
3.2.7 Coloração com Fluorocromos base-específicos
Para a dupla coloração com os fluorocromos CMA3 e DAPI, as lâminas
foram envelhecidas por três dias, coradas com 30 µL de CMA3 0,5 mg/mL por 2
horas, e em seguida coradas com 30 µL de DAPI 2 µL/mL por 30 minutos,
segundo metodologia preconizada por (Carvalho et al., 2005), com algumas
modificações. Posteriormente as lâminas foram montadas em tampão glicerolMcIlvaine pH 7,0 (1:1), preservadas em câmara escura, por três dias e então
analisadas. As metáfases foram fotografadas em fotomicroscópio de
epifluorescência (OlympusTM BX50) com filtros apropriados em aumento de
1000X.
3.2.8 Análises por Morfometria Geométrica
Para a análise da morfometria geométrica, imagens no formato JPEG
com dimensão 3264x2448, foram obtidas da face lateral esquerda dos
14
espécimes, com escala métrica, utilizando-se uma câmera digital Sony H10
(8,1 megapixels) acoplada a um tripé VF WT3540.
O programa tpsUtil foi utilizado para ordenar as imagens dos espécimes
num único arquivo com o formato TPS, possibilitando o acesso às imagens
pelos demais programas da série. O software tpsDig2 (Rohlf, 2006) foi utilizado
para localizar os landmarks ou marcos anatômicos nas imagens, que
posteriormente foram utilizadas nas análises morfométricas. Os landmarks
foram escolhidos segundo a classificação de Bookstein (1991), sendo nove
utilizados para estudos interpopulacionais e onze para distinção de espécies.
As coordenadas referentes ao posicionamento espacial de cada landmark
foram sobrepostas utilizando-se o software CoordGen6.
Com a utilização do software CVAGen6, análises das variáveis
canônicas (VC) e MANOVA permitiram comparações morfométricas entre as
espécies, populações e testes de alocação. O programa MorphoJ 1.02b
possibilitou a quantificação do discernimento morfológico através da distância
de Mahalanobis, ANOVA e a formação dos grides de deformação à partir da
variável canônica que se mostrou mais significativa.
15
4.1 Capítulo I
Caracterização da diversidade na família Gobiidae por
meio da citogenética e morfometria geométrica
Lima Filho, P. A. & Molina, W. F.
Resumo
A família Gobiidae é a mais especiosa no ambiente marinho, apresenta
características morfológicas com simplificações e perdas em estruturas
corpóreas. Tamanha diversidade parece ter sido acompanhada por alterações
cromossômicas significativas quando comparada a outros representantes da
Ordem Perciformes com elevado conservadorismo cromossômico. Poucas
informações citogenéticas estão disponíveis para espécies sul-americanas.
Neste trabalho cinco espécies de gobídeos do Atlântico foram caracterizadas
citogeneticamente por meio de coloração convencional com Giemsa,
bandamento C, identificação de cístrons ribossomais pela técnica de Ag-RONs,
coloração com os fluorocromos CMA3/DAPI e comparadas morfologicamente
por meio da morfometria geométrica. Identificou-se uma marcante diversidade
cariotípica entre as espécies Coryphopterus glaucofraenum (2n=40; 2sm+38a;
NF=42), Ctenogobius smaragdus (2n=48; 2sm+42a; NF=50), Ctenogobius
boleosoma (2n=44; 2sm+42a; NF=46), Bathygobius mystacium (2n=48;
2m+4st+42a; NF=54) e Bathygobius soporator (2n=48; 2m+6st+40a; NF=56).
Quanto aos padrões morfológicos todas as cinco espécies apresentam perfis
morfológicos distintos, contudo exibem maior proximidade morfológica entre
espécies cogenéricas. Os dados cromossômicos ressaltam o papel das
inversões pericêntricas, fusões e fissão na evolução cariotípica do grupo. A
diversidade cariotípica e morfológica presente nesta família sugerem uma
dinâmica na evolução compatível com grupos dulcícolas sujeitos a intensas
fragmentações populacionais, aliado a diversificações morfológicas adequadas
a exploração de habitats peculiares.
Palavras-chave: Gobiidae; diversidade cariotípica; morfometria geométrica;
citogenética de peixes.
16
Characterization of the diversity of Gobiidae family by
cytogenetics and geometric morphometrics
Lima Filho, P. A. & Molina, W. F.
Abstract
Gobiidae family is the most specious in the marine environment, it shows
morphologic features with simplifications and losses on body structure. Such
diversity seems to have been accompanied by chromosomal changes
significantly when compared to others representatives of the order Perciformes
with high chromosomal conservatism. Few cytogenetic informations are
available for South American species. In this study five species of Atlantic
gobídeos were characterized cytogenetically by conventional Giemsa staining,
C banding, identification of ribosomal cistrons by the technique of Ag-NORs,
staining with the fluorochromes CMA3/DAPI, and also compared
morphologically and by means of geometric morphometry. It was identified a
remarkable karyotypic diversity among species Coryphopterus glaucofraenum
(2n=40; 2sm+38a; NF=42), Ctenogobius smaragdus (2n=48; 2sm+42a;
NF=50), Ctenogobius boleosoma (2n=44; 2sm+42a; NF=46), Bathygobius
mystacium (2n=48; 2m+4st+42a; NF=54) e Bathygobius soporator (2n=48;
2m+6st+40a; NF=56). Against to the morphologic patterns, all five species
have distinct morphological profiles, but exhibit greater proximity among
morphological species co-generics. Chromosomes data underscore the role of
pericentric inversions, merges and fission in karyotype evolution of the group.
The karyotypic and morphological diversity present in this family suggests a
dynamic evolution compatible with freshwater groups vulnerable to intense
population fragmentation, morphological diversification with appropriate
exploration of peculiar habitats.
Keywords:
Gobiidae,
cytogenetics of fishes.
karyotypic
diversity,
geometric
morphometrics,
17
Introdução
Os peixes da família Gobiidae estão distribuídos nas regiões tropical,
subtropical e temperada em habitats costeiros e dulcícolas. Com cerca de
1.950 espécies, representam a maior família de peixes marinhos (Nelson,
2006), componente importante e predominante da fauna de peixes em
ambientes recifais. Devido à ocorrência de espécies morfologicamente crípticas
e de difícil amostragem, a biologia deste grupo permanece pouco estudada
(Thacker, 2003). Na costa brasileira existem cerca de 40 espécies (Menezes et
al., 2003), sendo a sua maioria compartilhada com a fauna caribenha.
Contrastando com outros grupos de Perciformes marinhos, a família
Gobiidae apresenta elevada diversidade cariotípica, o que a torna um modelo
particularmente importante para o entendimento da estrutura genética de
populações marinhas (Brum & Galetti, 1997). No que diz respeito aos aspectos
citogenéticos, a maioria das informacões para este grupo estão resumidas
prioritariamente a descrições numéricas e de morfologia cromossômica que
apesar da pouca ajuda no esclarecimento de relações filogenéticas (Ene, 2003;
Caputo et al., 1997), contribui substancialmente para o conhecimento da sua
diversidade para família (Vasil’ev & Grigoryan, 1993). Estudos citogenéticos
demonstraram uma tendência à ocorrência de translocações Robertsonianas
para a família, com demonstrações de variações cromossômicas intra e interpopulacionais (Ene, 2003).
A dificuldade em classificar e identificar representates da família
Gobiidae, ocorre devido às características morfológicas escassas e marcante
variação morfológica interpopulacional (Springer, 1983; Winterbottom, 1984),
gerando para muitas espécies confusões taxonômicas e de nomenclatura
(Kottelat, 1997). No entanto, o uso de análises por morfometria geométrica já
utilizada com sucesso em diversos grupos de peixes (e. Ibañez et al., 2007;
Maderbacher et al., 2008; Chizinski et al., 2010), que permite identificar
variações geométricas da forma, com base numa configuração de pontos
anatômicos com redução dos efeitos inerentes ao tamanho, a localização e a
posição estrutural ocupada (Monteiro et al., 2002; Parsons et al., 2003), não foi
aplicada em espécies desta família com vistas a estabelecer comparações
ecomorfológicas e identificar diferenciações entre populações e espécies.
18
Em alguns grupos de peixes a estrutura cariotípica parece ter sofrido
poucas mudanças evolutivas quando comparadas às mudanças morfológicas
(Molina et al., 2002; Motta Neto & Molina, 2010). Não está claro se entre os
Gobiidae, diferentemente de inúmeras outras famílias de Perciformes (Molina,
2006),
existem
divergências
nas
taxas
evolutivas
entre
os
padrões
cromossômicos e morfológicos.
Neste sentido, a fim de se obter melhor compreensão da diversificação
cromossômica e mofológica desta família, aqui são apresentados os primeiros
registros citogenéticos de cinco espécies do Oeste do Atlântico, cujos padrões
são comparados citogeneticamente em associação com seus caracteres
ecomorfométricos.
Material e métodos
Foi coletado um total de 119 exemplares de cinco diferentes espécies de
Gobiidae (Tabela 1) provenientes do litoral do Estado do Rio Grande do Norte
(RN) (Praia de Búzios - 5º 46’ S, 35º 12’ W) e estuário de Barra do Cunhaú
(6°19'15.50"S, 35°2'29.31"O), NE do Brasil. Deste total apenas a espécie
Ctenogobius smaragdus foi coletada no estuário de Barra do Cunhaú e as
demais proveniente da praia de Búzios. Os espécimes foram capturados com
uso de rede de confecção própria, transferidos às dependências do laboratório
de Genética de Recursos Marinhos na UFRN e mantidos em aquários aerados
até serem fotografados para análises morfológicas e se procedesse à
realização de preparações cromossômicas.
Análises citogenéticas
Precedente aos métodos de obtenção de cromossomos metafásicos, os
exemplares foram submetidos à estimulação mitótica, “in vivo” com duas
aplicações intramuscular/peritoneal de Aminovac® (complexo de antígenos
bacterianos e fúngicos) na razão de um comprimido diluído em 0,5 ml de água
na proporção de 100 g de peso do animal (Molina et al., 2010).
Os cromossomos mitóticos foram obtidos a partir de células do rim
anterior, segundo Gold et al. (1990). Cerca de trinta metáfases foram
19
analisadas de cada exemplar para se estabelecer o número modal, sendo que,
as melhores metáfases foram fotografadas em um microscópio Olympus TM
BX50, (1000x), acoplado à uma câmera digital (Olympus, modelo DP70), e
utilizadas na confecção do cariótipo. A morfologia cromossômica foi
determinada de acordo com Levan et al. (1964). As regiões heterocromáticas
foram evidenciadas a partir da metodologia desenvolvida por Sumner (1972),
enquanto que a detecção das Ag-RONs foi realizada conforme a técnica
descrita por Howell & Black (1980). A coloração com os fluorocromos CMA 3 e
DAPI seguiu o protocolo de Carvalho et al. (2005).
Tabela 1. Número de indivíduos utilizados para estudos morfométricos e citogenéticos.
Análises
Análises
citogenéticas
morfométricas
Coryphopterus glaucofraenum
(05♀, 03♂)
13
Ctenogobius boleosoma
(02♀, 03♂)
29
Ctenogobius smaragdus
(02♀, 02♂)
04
Bathygobius mystacium
(02♀, 02♂)
23
Bathygobius soporator
(09♀, 11♂)
50
41
109
Espécies
Total
Análises morfológicas
Para as análises por morfometria geométrica (MG), imagens no formato
JPEG com dimensão 3264x2448, foram obtidas da face lateral esquerda dos
espécimes, com escala de métrica, utilizando-se uma câmera digital Sony H10
(8,1 megapixels) acoplada a um tripé VF WT3540.
O programa tpsUtil foi utilizado para ordenar as imagens dos espécimes
num único arquivo com o formato TPS. O software tpsDig2 (Rohlf, 2006) foi
utilizado para localizar 11 landmarks nas imagens (Figura 1), escolhidos
segundo a classificação de Bookstein (1991). As coordenadas referentes ao
posicionamento espacial de cada landmark foram sobrepostas utilizando-se o
software CoordGen6.
20
Com a utilização do software CVAGen6, análises das variáveis
canônicas (VC) e MANOVA permitiram comparações morfométricas entre as
espécies, testes de alocação e agrupamentos. Para realizar o teste estatístico
ANOVA, D2 (distância de Mahanalobis) e gerar matrizes (Gride) de deformação
comparativa, utilizou-se o programa MorphoJ 1.02b®.
Figura 1. Imagem digitalizada de Coryphopterus glaucofraenum retratando os 11 landmarks
utilizados nas análises morfológicas interespecífica em Gobiidae. Descrição esquemática dos
landmarks. 1. Ponto distal do osso pré-maxilar; 2. Origem da primeira nadadeira dorsal; 3.
Término da primeira nadadeira dorsal; 4. Origem da segunda nadadeira dorsal; 5. Término da
segunda nadadeira dorsal; 6. Término da nadadeira anal; 7. Origem da nadadeira anal; 8.
Origem da nadadeira pélvica; 9. Margem anterior ocular; 10. Margem posterior ocular; 11. Base
superior da nadadeira peitoral.Barra=0,5cm.
Resultados
As análises citogenéticas realizadas nos gobídeos C. glaucofraenum, C.
boleosoma, C. smaragdus, B. mystacium e B. soporator, indicaram um número
diplóide que variou de 40 a 48 cromossomos, com diferentes números
fundamentais,
e
cariótipos
constituídos
por
elementos
metacêntricos,
submetacêntricos, subtelocêntricos e na sua maioria acrocêntricos (Tabela 2).
Em todas as espécies analisadas pôde-se observar Ag-RONs simples
em posição terminal no braço curto de um dos maiores pares do cariótipo. A
única exceção foi observada em B. mystacium, cujos sítios ribossomais
ocupam posição intersticial. A coloração com os fluorocromos evidenciou um
padrão CMA3+/DAPI- verificando-se a presença de regiões ricas em bases GC
nas porções correspondentes às regiões organizadoras de nucléolos para
todas as espécies. Regiões heterocromáticas ricas em GC (CMA 3+/DAPI-)
21
estavam presentes na maioria dos cromossomos nas regiões centroméricas e
terminais, das duas espécies do gênero Ctenogobius (Figura 4).
O bandamento C revelou a presença de blocos heterocromáticos
evidentes nas espécies C. smaragdus, B. soporator e B. mystacium e
reduzidos em C. glaucofraenum, preferencialmente localizados na região
centromérica da maioria dos cromossomos, com a presença de alguns blocos
em regiões terminais para todas as espécies e em posição pericentroméricas
em alguns cromossomos de B. mystacium.
A
espécie
C.
glaucoraenum
apresentou
seus
primeiros
pares
acrocêntricos com tamanhos relativamente superiores (Figura 7), que configura
a seu cariótipo uma redução desequilibrada de tamanho cromossômico,
diferente do padrão de redução proporcional apresentado pelas demais
espécies analisadas.
Tabela 2. Dados citogenéticos das cinco espécies de Gobiidae analisadas.
Espécies
2n
Fórmula
Cariotípica
NF
Coryphopterus glaucofraenum
40
2sm+38a
Ctenogobius boleosoma
44
Ctenogobius smaragdus
+
Ag-RONs
Banda
C
CMA3
DAPI
42
Simples (1º T)
CeT
1º T
2sm+42a
46
Simples (1º T)
-
Múltiplas
48
2sm+46a
50
Simples (1º T)
CeT
Múltiplas
Bathygobius mystacium
48
2m+4st+42a
54
Simples (5º I)
C, T e I
5º I
Bathygobius soporator
48
2m+6st+40a
56
Simples (4º T)
CeT
4º T
Tipos cromossômicos, m=metacêntrico, sm=submetacêntrico, st=subtelocêntrico, a=acrocêntrico;
T=terminal, C=centromérica, I=intersticial, NF= número fundamental, - técnica não disponível.
22
a
b
c
1º
CMA3
DAPI
Figura 2. Cariótipo de Ctenogobius smaragdus a partir de coloração convencional (a) bandamento
C (b). Em destaque (c) o par organizador nucleolar (1º) corado com impregnação argêntea, CMA3 e
DAPI. Barra=5µm.
b
a
1º
CMA3
DAPI
Figura 3. Cariótipo de Ctenogobius boleosoma a partir de coloração convencional (a). Em destaque
(b) o par organizador nucleolar (1º) corado com impregnação argêntea, CMA3 e DAPI. Barra=5µm.
a
b
+
Figura 4. Metáfase de C. smaragdus (a) e C. boleosoma (b), exibindo marcações CMA3 na maioria
dos cromossomos em posição centromérica e terminal. Barra=5µm.
23
a
b
c
4º
CMA3
DAPI
Figura 5. Cariótipo de Bathygobius soporator a partir de coloração convencional (a) e bandamento
C (b). Em destaque (c) o par organizador nucleolar (4º) corado com impregnação argêntea, CMA3 e
DAPI. Barra=5µm.
a
b
c
5º
CMA3
DAPI
Figura 6. Cariótipo de Bathygobius mystacium a partir de coloração convencional (a) e bandamento
C (b). Em destaque (c) o par organizador nucleolar (5º) corado com impregnação argêntea, CMA3 e
DAPI. Barra=5µm.
24
a
c
b
1º
CMA3
DAPI
Figura 7. Cariótipo de Coryphopterus glaucofraenum a partir de coloração convencional (a) e
bandamento C (b). Em destaque (c) o par organizador nucleolar (1º) corado com impregnação
argêntea, CMA3 e DAPI. Barra=5µm.
O teste de MANOVA utilizando as variáveis canônicas demonstraram
alto poder discriminante onde as variáveis 1 e 2 explicaram a maior parte da
variação morfológica observada (53%) para as espécies. A variação
morfológica foi significante (Wilks’ Lambda=0.0002; X2=496.9974; df=72;
p<0,001; distância de Mahalanobis >6.0) entre as espécies, permitindo ainda
agrupar com total precisão todos representantes das cinco espécies (Figura 8).
Obteve-se maior proximidade morfológica entre as espécies cogenéricas
pertencentes
aos
gêneros
Bathygobius
e
Ctenogobius
(Mahalanobis
equivalente a 8,36 e 14,24, respectivamente), no entanto, significativamente
distintas para Bathygobius. As espécies destes dois gêneros são discriminadas
entre si ao longo da variável canônica 1. Os exemplares de C. Glaucofraenum
são perfeitamente discriminados de B. soporator e B. mystacium pela variável
canônica 2.
Tabela 3. Resultados post-hoc ANOVA a partir de procrustes, classificadas com a média
do centróide, efeito individual, para todos os espécimes em estudo e espécies dos
gêneros Bathygobius e Ctenogobius.
Grupos
p
F
df
Todos os espécimes
<0,0001
23,55
4
Bathygobius
<0,0001
47,58
1
Ctenogobius
0,36*
0,88
1
* Valor não significativo.
25
O gride de deformação das cinco espécies (Figura 9) evidencia
variações entre todos landmarks, com modificações mais expressivas quanto
ao posicionamento da boca e altura corporal. No gride referente as diferenças
morfológicas entre espécies do gênero Bathygobius (Figura 10), verificamos
maiores modificações quanto ao posicionamento da boca, altura corporal e
base superior da nadadeira peitoral. O gride comparativo entre espécies do
gênero Ctenogobius (Figura 11), demonstrou variações quanto ao tamanho do
olho, posição da boca, altura corporal e tamanho da nadadeira anal.
Figura 8. Distribuição dos padrões corporais das cinco espécies de Gobiidae analisadas ao longo da
primeira e segunda Variável Canônica.
26
CV1
Figura 9. Gride de deformação a partir da primeira Variável Canônica, os vetores indicam a
direção da deformação sofrida por cada landmark na representação espacial comparativa das
cinco espécies de Gobiidae analisadas.
CV1
Figura 10. Análise morfométrica comparativa entre B. mystacium e B. soporator, a partir da
variável canônica 1. Ponto médio central representa B. mystacium e o desvio vetorial à espécie B.
soporator.
CV1
Figura 11. Análise morfométrica comparativa, entre as espécies do gênero Ctenogobius, á partir
da variável canônica 1. Ponto médio central representa C. boleosoma e o desvio vetorial a espécie
C. smaragdus.
27
Discussão
Os gobídeos analisados demonstraram marcante diversidade cariotípica,
tanto numérica exibido por C. boleosoma (2n=44) e C. glaucofraenum (2n=40),
quanto estrutural entre as espécies C. smaragdus, B. mystacium e B.
soporator, que apresentam mesmo número cromossômico (2n=48), mas
divergências quanto ao número de elementos bibraquiais (NF=50, 54 e 56).
As espécies já analisadas citogeneticamente da família Gobiidae
demonstram cariótipos altamente variáveis (Galetti et al., 2000). Através do
levantamento de dados citogenéticos disponíveis para o grupo (Tabela 4),
encontram-se descrições citogenéticas de 81 espécies, o que corresponde a
4,15%, referente ao total de espécies da família, destas os números diplóides
mais frequentes correspondem a 2n=44 e 46, ambos com frequência
aproximada de 33%, seguido por 2n=48, com cerca de 10%. Acompanhado da
diversificação numérica, identifica-se notável variação na macroestrutura
cariotípica identificada por largos valores de variação para o número de braços
cromossômicos (NF= 38 a 98), com valor modal de 24,7% para espécies com
NF=46.
Os estudos cromossômicos em gobídeos estiveram concentrados nas
décadas de 70-90, desenvolvidos basicamente no continente europeu e
asiático. Diante das metodologias vigentes na maioria dos casos se
restringiram ao estabelecimento dos valores diplóides e macroestrutura
cariotípica,
oferecendo
informações
limitadas ao
uso
de
abordagens
filogenéticas (Caputo, 1998). Apesar disso, os dados disponíveis sugerem
diferentes mecanismos envolvidos na diferenciação cariotípica deste peculiar
grupo de peixes. Os principais mecanismos são as inversões pericêntricas,
fissões e fusões cêntricas, comum a muitos grupos de peixes (Amores et al.,
1990; Phillips & Rab, 2001), estes últimos responsáveis pelas intensas
divergências numéricas em Gobiidae (Cataudella et al., 1973; Thode et al.,
1985; Amores et al., 1990, Klinkhardt, 1992; Caputo et al., 1996, 1997).
Entre os rearranjos cromossômicos, as fusões robertsonianas têm sido
apontadas
como
um
dos
mecanismos
mais
comuns
envolvidos
na
diferenciação cariotípica deste táxon (Thode et al.,1988; Galetti et al., 2000),
responsável por modificações no número e estrutura cromossômica, relatado
28
para várias espécies de Gobiidae presentes no Mar Negro e Mediterrâneo
(Ene, 2003).
Tabela 4. Dados citogenéticos disponíveis para a família Gobiidae (Perciformes).
Subfamília Espécie
Amblyopinae
Odontamblyopus rubicundus** (=Gobioides
rubicundus)
O. rubicundus
Trypauchen vagina
Oxudercinae
Apocryptes bato
Boleophthalmus boddarti
B. glaucus
B. pectinirostris
Periophthalmus modestus**
(=Periophthalmus cantonensis)
Pseudapocryptes elongatus** (=Apocryptes
lanceolatus)
Sicydiinae
Sicyopterus japonicus
Gobiinae
Acentrogobius pflaumi
Amblygobius albimaculatus
Aphia minuta1
“
“
“
“
Bathygobius fuscus
B. mystacium
B. soporator
“
B. soporator
Coryphopterus glaucofraenum
Elacatinus macrodon** (=Gobiosoma
macrodon)
E. zebrella** (=Gobiosoma zebrella)
2n
Fórmula cariotípica
NF
Referências
46
2m+26sm+10st+8a
84
Manna & Prasad (1974)
46
46
4m+16sm+26st/a
12m+6sm+10st+18a
66
74
Arai & Sawada (1975)
Khuda-Bukhsh (1978)
46
24m+10sm+12a
80
46
46
46
46m/sm
12m+20sm+2st+12a
46st/a
92
80
46
Nayak & Khuda-Bukhsh
(1987)
Subrahmanyan (1969)
Manna & Prasad (1974)
Arai & Sawada (1975)
46
18m+12sm+16st/a
76
“
38
14m+22sm+2st
76
Nayak & Khuda-Bukhsh
(1987)
44
10m+10sm+24a
64
Arai & Fujiki (1979)
50
44
44
43
42
42
41
48
48
48
“
48
40
48m/sm+2st/a
2m+42st/a
44a
42a+1st
1m+1st+40a
1M+1m+40a
2M+1st+38a
48a
2m+4st+42a
2m+46a
2m/sm+46a
2m+6st+40a
2sm+38a
98
46
44
42
44
44
44
48
54
50
50
56
42
Nogusa (1960)
Nishikawa et al. (1974)
Caputo et al. (1999)
“
“
“
“
Arai & Sawada (1975)
Presente estudo
Brum et al. (1996)
Cipriano et al. (2002)
Presente estudo
Presente estudo
38
38a
38
Musammil (1974)
38
38a
38
“
Glossogobius fasciatopunctatus
G. giuris
Gobiodon citrinus
“
G. quinquestrigatus
G. rivulatus
Gobius bucchichi
G. cobitis
G. cruentatus
G. fallax1
“
“
“
“
“
“
G. niger1
“
“
“
G. paganellus1
Gobiusculus flavescens
Mesogobius batrachocephalus
Neogobius melanostomus** (=N.
cephalarges)
N. fluviatilis
44
46
44
43
44
44
44
46
46
38
39
40
40
41
42
43
52
51
50
49
48
46
30
10m+28sm+2st+4a
46a
2m+42st/a
1m+42st/a
44a
44a
2sm+42a
46a
2st+44a
8m/sm+30a
7m/sm+32a
6m/sm+34a
7m/sm+33a
5m/sm+36a
4m/sm+38a
3m/sm+40a
2m+4sm+16st+30a
3m+4sm+16st+28a
4m+4sm+16st+26a
5m+4sm+16st+24a
2sm+46a
6m/sm+40a
16m+14a
84
46
46
44
44
44
46
46
48
46
46
46
47
46
46
46
74
74
74
74
50
52
46
Fei & Tao (1987)
Rishi & Singh (1982)
Arai & Sawada (1974)
“
Arai & Fujiki (1979)
“
Thode & Alvarez (1983)
Caputo et al. (1997)
Thode & Alvarez (1983)
Thode et al. (1988)
“
“
“
“
“
“
Vitturi & Catalano (1989)
Caputo et al. (1997)
“
“
“
Klinkhardt (1992)
Ivanov (1975)
46
46a
46
Vasil’ev (1985)
46
46a
46
N. gymnotrachelus1
46
46a
46
N. melanostomus
N. rhodioni
46
46
46a
46a
46
46
“
Vasil’ev &
Grogoryan(1992)
Vasil’ev (1985)
Vasil’ev & Vasilieva (1994)
29
Padogobius bonelli** (= P. martensi)
46
1m+3sm+2st+40a
52
Cataudella et al. (1973)
37
46
46
“
32
46
3m+12sm+10st+12a
4m+16sm+20st+6a
4m+16sm+16st+10a
18sm+18st+10a
10m+10sm+8st+4a
22m/sm+12st+12a
62
86
82
82
60
80
Webb (1980)
Klinkhardt (1989)
“
“
Webb (1980)
Klinkhardt (1992)
42
4m/sm+38a
46
Vasil’ev & Vasilieva (1994)
36
--
--
“
32
12m+2sm+18a
46
Ene (2003)
31
30
13m+2sm+16a
14m+2sm+14a
46
46
Ene (2003)
“
46
46a
46
Vasil’ev (1985)
46
46a
46
Rab (1985)
44
--
--
Nogusa (1960)
46
2m/sm+44a
48
Caputo et al. (1996)
46
46a
46
Vasil’ev (1985)
“
Gobionellinae
Acanthogobius lactipes** (=Aboma lactipes)
45
1st+45a
47
“
40
40a
40
Arai & Sawada (1974)
A. flavimanus
“
“
44
“
“
44st/a
36st+8a
10m/sm/st+34a
44
80
54
Awaous grammepomus
46
46st/a
46
A. strigatus
“
46
45
(♀) X1X1X2X2
(♂)X1X2Y
---
A. tajasica
46
46a
46
Chaenogobius annularis
“
“
Gymnogobius castaneus**
(=Chaenogobius castaneus)
G. isaza**(=Chaenogobius isaza)
44
“
“
18sm+26st/a
36m/sm+8a
44a
62
80
44
“
Arai & Kobayashi (1973)
Arai & Sawada (1975)
Khuda-Bukhsh & Barat
(1987)
Souza et al. (1998)
“
Stange & Passamani
(1986)
Arai & Sawada (1975)
Arai et al. (1974)
Nogusa (1960)
44
36m/sm/st+8a
80
Nishikawa et al. (1974)
44
12sm+32st/a
56
Arai & Sawada (1975)
44
--
--
Nogusa (1960)
“
Chaenogobius annularis** (=Chasmichthys
dolichognatus)
Chasmichthys gulosus
“
Ctenogobius boleosoma
C. smaragdus
C. shufeldti** (=Gobionellus shufeldti)
42
14sm+28a
56
Yamada (1967)
44
44st/a
44
Arai & Sawada (1975)
44
“
44
48
44st/a
16m/sm/st+28a
2sm+42a
2sm+46a
44
60
46
50
“
Nishikawa et al. (1974)
Presente estudo
Presente estudo
48
48a (♀)
48
Pezold (1984)
“
Mugilogobius abei** (=Gobius abei)
47
46a+1m (♂)
48
“
46
--
--
Nogusa (1960)
Gillichthys mirabilis
Luciogobius grandis
L. guttatus
Pterogobius elapoides
P. zonoleucus
Quietula guaymasiae
Q. y-cauda
Rhinogobius brunneus
R. flumineus
R. flumineus** (=Tukugobius
flumineus)
44
44
44
44
44
42
42
44
44
12sm+32a
--14sm+30st
14sm+30st
6m+4sm+32a
42a
44a
44a
56
--88
88
52
42
44
44
Chen & Ebeling (1971)
Arai (1981)
Arai & Kobayashi (1973)
“
Arai & Sawada (1975)
Cook (1978)
“
Nishikawa et al. (1974)
Arai & Kobayashi (1973)
44
44a
44
Nadamitsu (1974)
R. giurinus
Tridentiger obscurus
T. trigonocephalus
44
44
44
44a
10m/sm+34a
28m/sm/st+16a
44
54
72
Nishikawa et al. (1974)
Arai et al. (1974)
Arai et al. (1973)
Pomatoschistus lozanoi
P. microps
P. minutus
“
P. norvegicus
P. pictus
Ponticola constructor** (=Neogobius
constructor)1
P. cyrius** (=Neogobius cyrius)1
P. eurycephalus** (=Neogobius
eurycephalus)1
“
“
P. kessleri** (=Neogobius kessleri)
Proterorhinus marmoratus
Rhinogobius similis** (=Gobius similis)
Zosterisessor ophiocephalus (=Gobius
ophiocephalus)1
Z. ophiocephalus
G. urotaenia** (=Chaenogobius urotaenia)
30
“
Yongeichthys criniger** (=Ctenogobius
criniger)
46
16sm+6st+24a
68
Fei & Tao (1987)
50
34m/sm+6st+10a
90
Arai & Sawada (1974)
1
**Nomenclatura válida para a espécie; Espécies que apresentam polimorfismos
cromossômicos decorrentes de fusão Robertsoniana.
Os
rearranjos
cromossômicos
aparentemente
envolvidos
na
diversificação de Gobiinae (e. B. soporator, B. mystacium e C. glaucofraenum)
e Gobionellinae (e. C. boleosoma e C. smaragdus) são as inversões
pericêntricas, mecanismo de diversificação mais frequente em Perciformes
(Molina & Galetti, 2004), e fusões em tandem ou robertsonianas.
Sugere-se um cariótipo basal para Gobiidae caracterizado por 2n=46
cromossomos acrocêntricos, a partir do qual o aumento do número de
cromossomos bi-braquiais representaria cariótipos mais derivados (Vasil’ev &
Grigoryan, 1993). Apesar de C. glaucofraenum apresentar 2n=40, número
inferior ao considerado basal, os primeiros pares acrocêntricos apresentam
tamanho superior de forma desproporcional em relação aos demais, indicando
a ocorrência de fusão em tandem para a formação dos mesmos, mecanismo
comum observado na diversificação cariotípica de outros gobídeos como G.
paganellus (Amores et al., 1990).
Apresentando cariótipos caracterizados por 2n=48, as espécies C.
smaragdus, B. mystacium e B. soporator, possuem padrões cariotípicos
considerados derivados para família, com possibilidade de ação de diferentes
processos à estruturação cromossômica dessas espécies. É provável que
inversões pericentroméricas seguidas de fissões cromossômicas, tenham
fornecido um passo crucial no estabelecimento do valor diplóide destas
espécies e influenciado à formação dos valores diplóides presentes nas
espécies Yongeichthys criniger (Arai & Sawada, 1974), Ctenogobius shufeldti
(Pezold, 1984), Gobius niger (Vitturi & Catalano, 1989) e G. paganellus (Caputo
et al., 1997).
As divergências na macroestrutura cariotípica entre B. mystacium
(2n=48; 2m+4st+42a) e B. soporator (2n=48; 2m+6st+40a), podem ser
explicadas pela ocorrência de uma inversão pericentromérica, envolvendo as
regiões portadoras dos sítios ribossomais. A presença de um número maior de
elementos acrocêntricos no cariótipo de B. mystacium (NF=54) poderia indicar
a ocorrência de um cariótipo basal em relação ao de B. soporator (NF=56).
31
Entretanto a presença de RONs intersticiais em um par cromossômico
acrocêntrico em B. mystacium (5o par) indica que inversões pericêntricas
ocorreram tanto em cromossomos acrocêntricos como, neste caso, podem ter
ocorrido em cromossomos bibraquiais.
Outras
espécies
de
gobídeos
têm
demonstrado
marcações
cromossômicas de Ag-RONs intercaladas a regiões heterocromáticas ricas em
bases GC (Mandrioli et al., 2001; Ene, 2003), fato observado para as espécies
C. glaucofraenum, C. boleosoma, C. smaragdus, B mystacium e B. soporator,
podendo favorecer a ocorrência de rearranjos envolvendo os pares portadores
destas regiões (Vicari et al., 2003).
É provável que o cariótipo mais basal dentre as espécies analisadas,
seja o de C. boleosoma (NF=46), o qual apresenta RONs em cromossomos bibraquiais, como as demais apresentam cariótipos considerados derivados para
o grupo, é possível que esta localização de RONs seja uma característica
plesiomórfica entre as espécies analisadas.
Registros de RONs disponíveis para gobídeos são escassos, entretanto
indicam diferentes padrões de disposição (Ene, 2003). Caputo (1998)
identificou quatro fenótipos de RONs para gobídeos: (1) posição terminalcentromérica
em
braços
acrocêntricos/subtelocêntricos
curtos
em
de
G.
um
fallax
par
(Thode
de
cromossomos
et
al.,
1983),
Potamoschistus minutus (Klinkardt, 1992; Caputo, 1998), P. pictus (Klinkardt,
1992), P. marmoratus (Caputo, 1998); (2) braços curtos de dois pares de
cromossomos submetacêntricos em Gobiusculus flavescens (Klinkardt, 1992)
(3) porção terminal no braço longo em Zosterisessor ophiocephalus (Caputo,
1998) e (4) intersticial/pericêntrica em um par de cromossomos acrocêntricos
Gobius cobitis (Caputo, 1998). Ene (2003) aponta mais dois possíveis
fenótipos, que corresponderia: (5) região pericentromérica em um par
acrocêntrico
Proterohinus
marmoratus
(Ra´b,
1985)
e
(6)
posição
pericentromérica em cromossomo metacêntrico N. eurycephalus (Ene, 2003).
Apesar da constatação de RONs múltiplas em Gobius fallax (Thode et
al.,1983), G. paganellus (Caputo, 1998), Gobiusculus flavescens (Klinkardt,
1992) e Gobius niger (Mandrioli et al., 2001) o padrão encontrado caracterizado
por marcações do tipo simples nas espécies analisadas é considerado um
caráter comum não apenas aos teleósteos, como também para a maioria dos
32
vertebrados (Ameniya & Gold, 1986).
Mesmo com total distinção entre as espécies, a partir da macroestrutura
cariotípica, o mapeamento de regiões heterocromáticas, heterocromatinas GCricas e cístrons ribossomais, fornece indícios da existência em algum grau de
homeologias cromossômicas entre as espécies. A presença destas regiões
associadas configurando marcações simples em cromossomos de tamanho e
configuração semelhante pode ser indício de uma provável manutenção de
regiões cromossômicas sintênicas ao longo da diferenciação de linhagens
filéticas para família Gobiidae.
A presença de grandes blocos heterocromáticos nas porções terminais
dos cromossomos como nos cariótipos das espécies de Gobiidae, poderia ter
um papel facilitador em eventos de fusões em tandem ou robertosonianas.
Nesta família, heterocromatinas heterogêneas tem sido identificadas em
diversas espécies, como G. paganellus, G. niger, G. cobitis e Zosterisessor
ophiocephalus (Caputo et al., 1997), o que associa a variabilidade
cromossômica
encontrada
no
grupo
às
características
estruturais
e
composicionais das heterocromatinas centroméricas e teloméricas.
A existência de heterocromatinas GC-ricas localizadas em posição
centromérica e terminal dos cromossomos das espécies do gênero
Ctenogobius, C. boleosoma e C. smaragdus, é similar aquelas encontradas na
maioria dos cromossomos mono e bi-braquiais de Neogobius eurycephalus,
que exibe cariótipos com 2n=30, 31, 32 e mesmo número de braços
cromossômicos (NF=46), resultado de múltiplas fusões entre elementos monobraquiais (Ene, 2003).
Para os peixes marinhos, onde o isolamento geográfico é menos comum
que em sistemas de água doce, o surgimento de cromossomos sexuais pode
ter desempenhado um papel decisivo no processo de especiação (Galetti et al.,
2000), sendo gerados frequentemente por eventos robertsonianos (Almeida &
Toledo, 1984; Brum et al., 1992). Em outras espécies do gênero Ctenogobius,
como C. shufeldti o mecanismo de translocação robertsoniana está envolvida
na origem de um sistema sexual múltiplo X1X1X2X2\X1X2Y (Pezold, 1984). De
forma
geral
a
presença
de
heterocromatinas
ricas
em
bases
GC
equilocalmente à sítios ribossomais, têm sido também apontadas como
precursoras de rearranjos em outras espécies (Vicari et al., 2003).
33
Diferentemente de outros grupos Perciformes (Molina, 2006), em
Gobiidae existe uma estreita relação entre rearranjos cromossômicos e
processo de especiação. Um fator decisivo para grande diversidade
cromossômica que a família Gobiidae apresenta, parece estar relacionado à
sua diversidade ecológica e evolutiva que propiciou ocupação de múltiplos
habitats. A maioria dos membros desta família são bentônicos, habitantes de
recifes de corais cuja alta produtividade (Fraser & Currie, 1996), elevada
complexidade espacial (Lingo & Szedlmayer, 2006) e complexidade ecológica
tem sido implicada nos altos níveis de diversidade (Bellwood & Wainwright,
2002). Estes fatores associados levam a uma alta taxa de cladogênese que
aliado a eventos vicariantes paleogeográficos favorecem a especiação dos
peixes residentes (Alfaro et al., 2007).
Adaptações ecológicas se traduzem em modificações morfológicas
substanciais. Muitas espécies de peixes apresentam grande variação
morfológica, entretanto possuem cariótipos crípticos (Molina et al., 2005).
Análises citogenéticas e de morfometria geométrica em cinco espécies da
família
Haemulidae, demonstraram elevada
constância
citogenética, e
completa diversidade morfológica relacionada a adaptações ecomorfológicas
funcionais para cada espécie (Motta Neto & Molina, 2010). Associadas,
técnicas genéticas e de comparações morfológicas vêm sendo crescentemente
utilizadas na família Gobiidae (Taylor & Hellberg, 2003; Tornabene et al., 2010),
auxiliando na compreensão dos processos envolvidos na diversificação
filogenética de diferentes espécies.
A perfeita distinção dos padrões corporais entre as cinco espécies,
associada a cariótipos conspicuamente diversos indica que o processo de
especiação na família atrelou processos adaptativos a eventos alopátricos em
populações capazes de fixar novos rearranjos. Esta diversidade cariotípica
presente associada à morfológica, sugerem uma dinâmica na evolução
cariotípica compatível com grupos dulcícolas (Cipriano et al., 2008) sujeitos a
intensas fragmentações populacionais, aliado a diversificações morfológicas
adequadas a exploração de habitats peculiares (Pouilly et al., 2003; Freitas et
al., 2005; Ready et al., 2006; Concheiro-Pérez et al., 2007).
Morfologicamente as modificações encontradas entre as espécies estão
relacionadas à altura corporal, posicionamento da boca e posição da nadadeira
34
peitoral. Alterações no posicionamento da nadadeira peitoral e aumento da
altura, refletem adaptações relacionadas ao processo de natação, com
implicações diretas sobre o uso de habitat (Wainwright et al., 2002) e
interações bióticas (Werner, 1977). As demais adaptações, referentes ao
posicionamento
ou
tamanho
da
boca,
indicam
diferentes
graus
de
especialização alimentar para as espécies, podendo estar relacionado ao
tamanho potencial da presa (Piorski et al., 2005). Espécies do mesmo gênero
demonstraram maior proximidade morfológica como B. soporator/ B. mystacium
e C. smaragdus/ C. boleosoma, sendo as últimas não significantemente
discriminadas entre si.
Os perfis ecomorfológicos para Bathygobius e Ctenogobius, sugerem
diferenças no padrão alimentar, devido a modificações no posicionamento da
boca e características natatórias, com diferenças no posicionamento das
nadadeiras peitorais, responsáveis pela elevação da parte anterior do corpo por
estar à frente do centro de gravidade (Gosline, 1971) e altura corporal menor,
garantindo a B. mystacium e C. boleosoma maior maneabilidade, agilidade
(Breda et al., 2005) e estabilidade local (Horn & Gibson, 1988).
Os representantes da família Gobiidae estudados demonstraram
diversidade cariotípica e morfológica, evidência para o grupo de relação entre
processo especiativo
e modificação cromossômica.
Devido a
grande
diversidade de espécies e imprecisões taxonômicas, a utilização de
ferramentas citogenéticas e de morfometria geométrica associadas, podem
auxiliar a identificação da composição real desta família e processos evolutivos
que permitiram tamanha diversificação.
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44
4.2 Capítulo II
Análises citogenéticas e morfométricas interpopulacionais no
peixe marinho Bathygobius soporator (Gobiidae - Perciformes)
Lima Filho, P. A. & Molina, W. F.
Resumo
Bathygobius soporator, também conhecido como amboré, espécie bentônica
de baixa vagilidade, habitante de zonas intertidais apresenta uma extensa
distribuição anfi-Atlântica. Diante de condições propícias ao fracionamento
populacional e indícios de ausência de coesão genética em toda sua área de
distribuição, persistem dúvidas sobre o real status desta espécie. Aqui são
comparadas por meio de técnicas citogenéticas e de morfometria geométrica
quatro populações geograficamente distribuídas em largo espaço oceânico, ao
longo do litoral brasileiro, no Maranhão (MA), Rio Grande do Norte (RN), Bahia
(BA) e Atol das Rocas (AR), único atol do Atlântico. Exceto para a amostra do
AR, todas as amostras exibiram um cariótipo similar, com 2n=48 cromossomos,
composto por 2m+6st+40a (NF=56). As Ag-RONs são simples localizadas em
posição terminal no braço curto do 4o par (st). Blocos heterocromáticos estão
distribuídos em regiões centroméricas e terminais da maioria dos pares
cromossômicos. A população do AR exibe uma fórmula cariotípica diferenciada
(2n=48; 28st+20a; NF=76) com ausência do par metacêntrico característico de
outras populações da espécie. Os sítios ribossomais nesta amostra se
apresentam sobre o braço curto do 1o par cromossômico (st).
Morfologicamente as populações continentais (MA, RN e BA) apresentam
médias significativamente distintas, com alguma sobreposição em parte da
amostra, entretanto exibem total distinção com a população do AR. A
combinação de dados citogenéticos e morfométricos sugere que as populações
continentais aparentemente se encontram respondendo a regimes seletivos
distintos, mas sem indicações de divergências cromossômicas dentro do nível
de análise empregado, por outro lado, os padrões conspicuamente diversos na
população do Atol das Rocas, parecem confirmar a existência de uma nova
espécie.
Palavras-chave:
Gobiidae;
citogenética
morfometria geométrica; nova espécie.
de
peixes;
Atol
das
Rocas;
45
Cytogenetics and morphometric analyses interpopulation in
marine fish Bathygobius soporator (Gobiidae – Perciformes)
Lima Filho, P. A. & Molina, W. F.
Abstract
Bathygobius soporator, also known as Amboró, benthic specie of low vagile, it
lives in intertidal zones and it has an extensive distribution amphi-Atlantic.
Given the conditions conducive to population fragmentation and lack of
evidence of genetic cohesiveness throughout its distribution area, there remain
doubts about the real status of this species. Here, they are compared by means
of cytogenetic techniques and geometric morphometric four populations
geographically distributed in wide ocean, along the Brazil's coast: Maranhao
(MA), Rio Grande do Norte (RN), Bahia (BA) and Atol das Rocas (AR), the only
atoll in the Atlantic. Except for the sample from AR, all samples showed a
similar karyotype with 2n=48 chromosomes, consisting by 2m +6 st +40 a
(FN=56). As Ag-RONs are simply located in terminal position on short arm of 4 o
pair (st). Heterochromatic blocks are distributed in centromeric regions and
terminals of the most of the chromosomes pairs. The population from AR
displays dinstinctive karyotype (2n=48; 28st+20a; NF=76) without metacentric
pair, characteristic of the populations from the specie. The ribosomal sites in
this sample are presented on the short arm from chromosome first pair (st).
Morphologically, the continental populations (MA, RN and BA) have significantly
different averages, with some overlap in the sample, however they show total
distinction from AR population. The combination of cytogenetic and
morphometric data suggests that continental populations are apparently
responding to different selective regimes, but there are not indications of
chromosomal differences within the analysis level considered, on the other
hand, conspicuously different patterns in the population from Atol das Rocas ,
seem to confirm the new specie existence.
Keywords: Gobiidae; fishes cytogenetics; Atol das Rocas, geometric
morphometrics, new specie.
46
Introdução
A família mais especiosa presente no ambiente marinho, Gobiidae é
composta por indivíduos de pequeno porte presentes em todos os mares
tropicais e subtropicais, sendo constituída por cerca de 1.950 espécies (Nelson,
2006). Dentre os gobídeos a espécie Bathygobius soporator (Valenciennes,
1837), apresenta distribuição anfi-atlântica, no oeste do Atlântico distribui-se da
Flórida (EUA) ao Rio Grande do Sul (BRA) (Cervigo´n, 1966; Robins & Ray,
1986; Miller & Smith, 1989; Burns et al., 2010), e no Atlântico leste, pode ser
encontrado na costa da África, do Senegal a Angola (Cervigo´n, 1966; Miller &
Smith, 1989; Afonso et al., 1999).
Apesar da ampla distribuição geográfica, B. soporator apresenta
deslocamento limitado, é uma espécie bentônica sedentária, euritérmica,
eurialina (Fanta, 1997). Litorâneo residente (Demartini, 1999), pode ser
encontrado em poças de maré na zona intertidal de regiões costeiras e ilhas
oceânicas. Apresenta acentuado comportamento de homing (Gibson &
Yoshiyama, 1999) e provavelmente quando em habitat adequado se limite a
uma área reduzida por toda sua vida, uma vez que os adultos exibem
fidelidade à poça ou toca (Martins et al., 2006).
A princípio, tamanha distribuição geográfica pode ser explicada pela
difícil caracterização de barreiras físicas absolutas no ambiente marinho, que
associado a fase larval livre natante e influência de correntes marinhas, altas
taxas de dispersão seriam promovidas (Imron et al., 2007), ocasionando
conectividade entre as populações marinhas e possibilitando processos
genéticos evolutivos interdependentes (Luttikhuizen, 2003). No entanto, com o
deslocamento limitado de B. soporator associado a características reprodutivas
como ovos adesivos, curto período pelágico larval (Tavolga, 1953; Peters,
1983) e características ambientais locais, sua capacidade de dispersão e
efetivação em fluxo gênico torna-se questionável e o isolamento de
populações, seguido de especiação, possível.
Diante de condições propícias ao fracionamento populacional, não pode
ser descartada a possibilidade que B. soporator constitua um complexo de
espécies, como muitas outras marinhas, que a princípio detinham de grande
distribuição geográfica, e foram consideradas sob um exame minucioso,
47
complexos
morfologicamente
similares,
mas
geneticamente
distintas
(Knowlton, 2000).
Uma vez que a família Gobiidae apresenta elevada diversidade
cariotípica (Galetti et al., 2000), e que especiações são frequentemente
associadas a rearranjos cromossômicos (Mandrioli et al., 2001), visando
identificar possíveis diferenciações populacionais cariotípicas e morfológicas, o
presente trabalho compara populações de B. soporator geograficamente
distribuídas no atlântico sul, ao longo do litoral brasileiro e no Atol das Rocas,
por meio de técnicas citogenéticas e de morfometria geométrica.
Material e métodos
Foram coletados um total de 170 exemplares de Bathygobius soporator
provenientes de quatro áreas da costa nordeste brasileira, praia do Araçagi, em
São Luís (MA) (2°28'14.06"S, 44°15'49.15"O), praia do Farol da Barra, em
Salvador (BA) (13°0'39.61"S, 38°31'27.21"O), praia de Búzios, em Nísia
Floresta (RN) (5°41'57.41"S, 35°11'34.71"O) e Atol das Rocas (3º51’’S,
33º49’’W) (Tabela 1). Os espécimes foram capturados com uso de rede de
confecção própria, submetidos aos protocolos de obtenção de cromossomos
mitóticos e fotografados em campo, ou acondicionados em sacos plásticos com
água e oxigênio e transportados às dependências do Laboratório de Genética
de Recursos Marinhos na UFRN, sendo mantidos em aquários aerados até
serem fotografados para análise morfológica e se procedesse à realização de
preparações cromossômicas. Para identificação taxonômica utilizou-se a chave
de classificação de Bohlke & Chaplin (1993).
Preparações cromossômicas
Precedente aos métodos de obtenção de cromossomos metafásicos, os
exemplares foram submetidos à estimulação mitótica, “in vivo” com duas
aplicações intramuscular/peritoneal de Aminovac® (complexo de antígenos
bacterianos e fúngicos) na razão de um comprimido diluído em 0,5 ml de água
na proporção de 100g de peso do animal (Molina et al., 2010).
Os cromossomos mitóticos foram obtidos a partir de células do rim
48
anterior, segundo Gold et al. (1990). Cerca de trinta metáfases foram
analisadas para cada exemplar para se estabelecer o número modal, sendo
que, as melhores metáfases foram fotografadas em um microscópio OlympusTM
BX50 (1000x), acoplado à uma câmera digital (Olympus, modelo DP70), e
utilizadas na confecção do cariótipo. A morfologia cromossômica foi
determinada de acordo com Levan et al. (1964).
As regiões heterocromáticas foram definidas segundo Sumner (1972), a
detecção das marcações Ag-RONs foi realizada conforme a técnica descrita
por Howell e Black (1980). A coloração com os fluorocromos CMA 3 e DAPI
seguiu o protocolo de Carvalho et al. (2005).
Tabela 1: Número de indivíduos coletados, seus respectivos pontos de coleta e sua
utilização para estudos morfométricos e citogenéticos.
Análises
morfométricas
50
Análises
citogenéticas
14 (09♀ / 05♂)
Rio Grande do Norte
50
20 (09♀ / 11♂)
Bahia
50
16 (10♀ / 06♂)
Atol das Rocas
20
10 (06♀ / 04♂)
Total
170
60
Pontos de Coleta
Maranhão
*Todos os espécimes coletados foram utilizados para análises morfométricas.
Análises morfológicas
Para as análises por morfometria geométrica (MG), imagens no formato
JPEG com dimensão 3264x2448, foram obtidas da face lateral esquerda dos
espécimes, com escala métrica, utilizando-se uma câmera digital Sony H10
(8,1 megapixels) acoplada a um tripé VF WT3540.
O programa tpsUtil foi utilizado para ordenar as imagens dos espécimes
num único arquivo com o formato TPS. O software tpsDig2 (Rohlf, 2006) foi
utilizado para localizar nove landmarks nas imagens (Figura 1), escolhidos
segundo a classificação de Bookstein (1991). As coordenadas referentes ao
posicionamento espacial de cada landmark foram sobrepostas utilizando-se o
software CoordGen6.
Com a utilização do software CVAGen6, análises das variáveis
canônicas (VC) e MANOVA permitiram comparações morfométricas entre as
49
populações, testes de alocação e agrupamentos. Para realizar o teste
estatístico ANOVA, D2 (distância de Mahanalobis) e gerar matrizes (Gride) de
deformação comparativa utilizou-se o programa MorphoJ 1.02b®.
Figura 1. Imagem digitalizada de B. soporator retratando os nove landmarks definidos para
análises morfológicas interpopulacionais. Descrição esquemática dos landmarks: 1.
Extremidade distal do osso pré-maxilar; 2. Origem da primeira nadadeira dorsal; 3. Término da
primeira nadadeira dorsal; 4. Origem da segunda nadadeira dorsal; 5. Término da segunda
nadadeira dorsal; 6. Término da nadadeira anal; 7. Origem da nadadeira anal; 8. Origem da
nadadeira pélvica; 9. Base infra-ocular medial. Barra=1,5cm.
Resultados
As populações de B. soporator provenientes da costa brasileira (litoral do
MA, RN e BA) apresentaram características citogenéticas semelhantes, com
2n=48, e fórmula cariotípica consistindo de 2m+6st+40a (NF=56).
Sítios Ag-RONs foram localizados no braço curto do quarto par
cromossômico subtelocêntrico (Figura 2). Estas regiões se mostraram
heterocromáticas apresentando um padrão CMA3+ DAPI-. Além destas, o
bandamento
C
evidenciou
segmentos
heterocromáticos
em
regiões
centroméricas na maioria dos cromossomos e terminal em alguns, estendendose nos braços curtos de cromossomos subtelocêntricos.
Os espécimes provenientes do Atol das Rocas demonstraram 2n=48,
estrutura cariotípica de 28st+20a (NF=76) e padrões diferenciados quando
submetidos aos diferentes bandamentos, comparados aos apresentados pelas
demais populações. A impregnação com nitrato de prata revelou sítios AgRONs em posição terminal no braço curto do 1º par cromossômico (Figura 3),
intercalado a blocos heterocromáticos ricos em GC (CMA3+/DAPI-). O
50
bandamento C revelou a presença de conspícuos blocos heterocromáticos em
posição centromérica em grande parte dos cromossomos, de forma mais
evidente em braços curtos em todos os cromossomos subtelocêntricos.
a
b
c
4º
CMA3
DAPI
Figura 2. Cariótipo de B. soporator para populações contientais (MA, RN e BA) à partir de coloração
convencional (a) bandamento C (b). Em destaque (c) o par organizador nucleolar (4º) corado com
impregnação argêntea, CMA3 e DAPI. Barra= 5µm.
a
b
c
1º
CMA3
DAPI
Figura 3. Cariótipo de B. soporator população do Atol das Rocas, a partir de coloração convencional
(a) bandamento C (b). Em destaque (c) o par organizador nucleolar (1º) corado com impregnação
argêntea, CMA3 e DAPI. Barra= 5µm.
51
As
populações
continentais
exibiram
médias
morfométricas
significativamente diferentes (Figura 5), embora apresentem indivíduos com
morfologia intermediária entre os grupos (Tabela 2). A população do Atol das
Rocas por sua vez, apresentou total distinção morfológica (distância de
Mahalanobis >4,9) em relação a todas as populações continentais (Figura 4).
Tabela 2. Porcentagem de indivíduos alocados para cada população de B. soporator e suas
interfaces baseados na CVA.
Origem da População
Identidade comum*
Intermediários**
N
Pop. MA
76%
24%
50
Pop. RN
90%
10%
50
Pop. BA
82%
18%
50
Pop. Atol das rocas
100%
0%
20
*Porcentagem de indivíduos da população que compartilham um morfotipo comum;
**morfótipos correspondentes a outras populações.
Através de MANOVA, as variáveis canônicas 1 e 2 utilizadas para o
estudo mostraram-se significativas para F (p<0,0001), explicando cerca de
63,5% e 30,5% respectivamente, da variação morfológica observada para as
populações. Os resultados da ANOVA a partir de análises procrustes
confirmaram a distinção morfológica das populações continentais (Tabela 3).
Tabela 3. Resultados post-hoc ANOVA a partir de procrustes, classificadas com a média do
centroide, efeito individual, entre as populações continentais.
População
p
F
df
RN x MA
< 0, 0001
25,69
1
RN x BA
< 0, 0001
33,15
1
MA x BA
< 0, 0001
390,24
1
52
Figura 4. Distribuição das amostras de B. soporator ao longo da primeira e segunda variável
canônica (63,5% e 30,5% da variância respectivamente), a partir das variáveis morfométricas.
Figura 5. Distribuição das populações continentais amostradas de B. soporator ao longo da
primeira e segunda variável canônica (76,2% e 23,5% da variância respectivamente). Os
símbolos em destaque indicam a média morfométrica de cada população.
Ao verificarmos os grides de deformação comparativos, a partir da
primeira variável canônica entre as populações, verificamos modificações em
todos os landmarks. O gride comparativo formado para populações do RN x
53
Atol das Rocas (Figura 6) demonstra um morfotipo para espécies do AR com
significativa redução no conjunto de nadadeiras dorsais e anal estabelecendo
modificações no seu posicionamento, aumento corporal e da região anterior.
Entre as populações do RN x MA (Figura 7) observa-se para a população do
MA redução na altura corporal e modificações no posicionamento da boca e
base infra-ocular medial. A comparação entre as populações RN x BA (Figura
8) aponta modificações expressivas na altura corporal, região anterior mais
fusiforme e alterações no posicionamento da nadadeira anal e pélvica para
população da BA.
Figura 6. Gride comparativo entre população continental e insular de B. soporator, a partir da
variável canônica 1. Ponto médio central representa população do RN e o desvio vetorial
população do Atol das Rocas.
Figura 7. Gride comparativo entre populações continentais de B. soporator, a partir da variável
canônica 1. Ponto médio central representa população do RN e o desvio vetorial população do
Maranhão.
54
Figura 8. Gride comparativa entre populações continentais de B. soporator, a partir da variável
canônica 1. Ponto médio central representa população do RN e o desvio vetorial população da
Bahia.
Discussão
Os dados citogenéticos para as populações continentais monstraram-se
coincidentes, com 2n=48 e fórmula cariotípica consistindo de 2m+6st+40a
(NF=56). No entanto a população do Atol das Rocas com 2n=48 apresentou
estrutura caríotipica 28st+20a (NF=76) e total distinção morfológica (distância
de Mahalanobis >4,9) com as populações continentais, estes novos dados
associados à distinção molecular constatada (Lima et al., 2005), deixa claro a
existência de uma nova espécie para o gênero Bathygobius presente no oeste
do Atlântico.
Teleósteos marinhos apresentam baixa variabilidade no número de
cromossomos e alta uniformidade na macro-estrutura cariotípica (Cipriano et
al., 2008), entretanto representantes da família Gobiidae demonstram
cariótipos altamente variáveis (Caputo, 1998; Ene, 2003) e uma estreita relação
entre rearranjos cromossômicos e processo de especiação (Cap. I), que auxilia
a identificação de espécies crípticas através de caracteres cromossômicos e
marcadores citotaxonômicos.
As diferenças encontradas na estrutura cariotípica das populações
continentais e AR podem ser atribuídas a diferentes mecanismos de
modificação cromossômica como eventos de inversões pericêntricas frequente
55
em Perciformes (Molina & Galetti, 2004), fissão cromossômica e fusões
Robersonianas, são importante fonte de diversificação cariotípica não apenas
para família Gobiidae (Cataudella et al., 1973; Thode et al., 1985; Vitturi &
Catalano, 1989; Amores et al., 1990; Klinkhardt, 1992; Caputo et al., 1996;
1997), como para Pomacentridae (Ojima & Kashiwagi, 1981) e Cichlidae
(Martins et al., 1995).
O gênero Bathygobius apresenta 26 espécies (Eschmeyer, 2010),
destas apenas quatro possuem descrição citogenética B. mystacium (Cap. I),
B. soporator litoral brasileiro (Brum et al., 1996; Cipriano et al., 2002), B.
soporator presente no AR e B. fuscus (Arai & Sawada, 1975) costa japonesa.
Estas espécies compartilham 2n=48 cromossomos, caracterizado como padrão
aos Perciformes (Galetti et al., 2000), indicativo de derivação cariotípica para
representantes da família Gobiidae, que considera 2n=46 cromossomos
(NF=46) cariótipo ancestral/basal (Vasil’ev & Grigoryan, 1993). Este aumento
no número cromossômico pode ser decorrente de inversões pericêntricas
seguidos de fissão cromossômica, processos aparentemente comum ao
gênero e ocasional a família, presentes em Yongeichthys criniger (Arai &
Sawada, 1974), Ctenogobius shufeldti (Pezold, 1984), C. smaragdus (Cap. I),
Gobius niger (Vitturi & Catalano, 1989), G. paganellus (Caputo et al., 1997).
A
quantidade
de
heterocromatina,
assim
como
seus aspectos
composicionais possuem um papel importante na diversificação cariotípica de
muitos peixes (Caputo et al., 1997; Canapa et al., 2002; Molina et al., 2002;
Molina & Galetti, 2002). A análise da heterocromatina constitutiva presente no
cariótipo da população do AR aponta blocos conspícuos, deflagrando a
ocorrência de um cariótipo mais sujeito à macro mudanças cariotípicas. É
provável que a ocorrência de inversões pericêntricas tenha configurado tais
mudanças, justificado pelo elevado número de cromossomos bi-braquiais com
braços curtos completamente heterocromáticos, que normalmente é apontado
como resultado de inversões cromossômicas (King, 1993).
A heterocromatina constituiva apresentada em populações continentais
dispõe de posição centromérica e terminal em alguns pares cromossômicos,
com blocos na sua maioria pouco heterocromáticos, distintos do padrão
apresentado pela população AR. Entretanto seu posicionamento levanta
indícios da ocorrência de fusão Robertsoniana à formação dos cromossomos
56
metacêntricos, devido sua ocupação em posição centromérica evidente e
diferencial aos demais blocos heterocromáticos. Estudos realizados nos
gobídeos G. niger e N. eurycephalus com polimorfismo cromossômico,
apontam características estruturais e de composição da heterocromatina
centromérica
GC-ricas,
como
facilitadoras
a
ocorrência
de
fusões
Robertsonianas (Caputo et al.,1997; Ene, 2003).
O uso de Ag-RONs constitui um efetivo marcador citotaxonômico para
peixes (Affonso, 2000). Sua utilização tem ajudado a formular hipóteses
filogenéticas em alguns grupos (Cross et al., 2006) e na identificação de fauna
críptica, como aqui apresentado. A presença de único par portador de sítios
compartilhado às populações continentais e AR, localizadas em posição
terminal-centromérica
em
braços
curtos
de
cromossomos
submetacêntricos/subtelocêntricos é comum a diferentes espécies de Gobiidae
como Potamoschistus minutus (Klinkardt, 1992; Caputo, 1998), P. pictus
(Klinkardt, 1992), P. marmoratus (Caputo, 1998) e idicativo de possível
característica plésiomórfica às espécies presentes no litoral brasileiro (Cap. I).
A associação entre RONs e heterocromatina CMA3+ observada nas
populações analisadas, é freqüentemente descrita em peixes (Ameniya & Gold,
1986; Almeida-Toledo et al., 1996), sendo as regiões GC-ricas propensas a
uma alta taxa de recombinação que pode favorecer processos de fusões ou
fissões cêntricas (Redi et al., 1990), e quando adjacentes, sobrepostas ou
intercaladas às RONs pode favorecer rearranjos aos pares portadores (Vicari et
al., 2003).
Apesar da proximidade do AR com a costa brasileira, sua colonização
pela espécie B. soporator é proveniente da região caribenha e parece ter
ocorrido após as espécies da costa brasileira e caribenha terem se separado
(Lima et al., 2005). As diferenças apresentadas na macroestrutura cariotípica,
posicionamento dos sítios Ag-RONs equilocais à heterocromatinas ricas em
bases GC evidenciadas pela dupla coloração apresentando um padrão
CMA3+/DAPI- e blocos heterocromáticos, entre populações continentais e AR
são significativas e podem ser utilizadas como indicativo carioevolutivo à
espécies do gênero Bathygobius, presentes na província biogeográfica
caribenha e brasileira.
57
Estudos citogenéticos realizados em populações localizadas na baía de
Paranaguá, Paraná e litoral do Rio de Janeiro apresentaram cariótipos com
2n=48 cromossomos, 2m+46a (NF=50) (Brum et al., 1996; Cipriano et al.,
2002). Apesar da diferença ao padrão encontrado no presente trabalho, a não
detecção de cromossomos submetacêntricos pode ser atribuída ao menor grau
de condensação cromossômica e não utilização de técnicas citogenéticas para
detecção das regiões organizadoras de nucléolos (Ag-RONs), heterocromatina
constitutiva (Banda C) e coloração com os fluorocromos CMA3 e DAPI.
No ambiente marinho barreiras físicas entre populações de peixes são
difíceis de caracterizar (Joyeux et al., 2001), a fase larval pelágica garante
potencial à dispersão (Palumbi, 1994; Mora & Sale, 2002) e pode promover
conectividade entre populações. Entretanto, a identificação de quebra
filogeográfica entre populações de gobídeos no mar do Caribe, com retenção
local de larvas ao redor das ilhas (Taylor & Hellberg, 2005; 2006) traz indícios
da possibilidade de especiação na presença de barreiras geográficas
transitórias ou fracas.
Análises moleculares em diferentes populações continentais de B.
soporator demonstraram alta estruturação populacional, sugerindo níveis
limitados no fluxo gênico desta espécie ao longo da costa brasileira (Lima et al.,
2005). A presença de deslocamento limitado associado a características
reprodutivas como ovos adesivos, curto período pelágico larval (Tavolga, 1953;
Peters, 1983) e eventos vicariantes históricos, podem ter contribuído com este
cenário de redução do fluxo gênico.
Espécies do gênero Bathygobius presentes na costa atlântica americana
são consideradas altamente conservadas morfologicamente, o que dificulta a
determinação do número de espécies válidas para o gênero, usando apenas
caracteres morfológicos (Tornabene et al., 2010). Caracteres merísticos
tradicionais usados em chaves taxonômicas não são capazes de distinguir as
amostras populacionais de B. soporator presente no Atol das Rocas e da costa
brasileira (Lima et al., 2005). Entretanto, a análise utilizando morfometria
geométrica evidenciou total distinção morfológica entre estas duas populações,
o que demonstra eficácia e sensibilidade à técnica para o reconhecimento de
58
fauna críptica e aplicabilidade a resolução de problemas taxonômicos presente
para o gênero Bathygobius.
A associação de técnicas genéticas e morfométricas vêm auxiliando
extensivamente no reconhecimento de espécies crípticas de gobídeos e seus
mecanismos evolutivos atuantes. Evidências de especiação simpátrica
(ecológica) foram demonstradas no gênero Gobiodon, onde a separação em
nível de espécie não seguia a geografia, mas a mudanças no coral anfitrião
(Munday et al., 2004). Taylor & Hellberg (2003) analisando o gobídeo
Elacatinus evelyna, evidenciaram uma abrupta descontinuidade genética entre
populações separadas por apenas 20 km, com diferenças nos padrões de
coloração por habitat, os quais teriam desempenhado papel importante em sua
diversificação.
Análises morfométricas apontaram distinção à população AR de B.
soporator, que demonstrou apresentar estrutura corporal mais fusiforme com
região anterior e altura corporal maiores, modificações no posicionamento da
boca e do olho e redução nas nadadeiras anal e dorsais, em relação à
população continental do RN. Estas modificações morfológicas em conjunto
podem garantir maior velocidade de locomoção (Breda et al., 2005),
estabilidade na natação (Bond, 1979) e especialização alimentar (Piorski et al.,
2005), adaptações estas que podem estar relacionadas às condições
ecológicas peculiares dessa região insular.
Morfologicamente
as
populações
continentais
de
B.
soporator
apresentam médias corporais significantemente distintas. A principal variação
morfológica relaciona-se a altura corporal, que demonstra elevação progressiva
conforme o aumento da latitude. Embora a variação térmica entre as
populações distribuídas não seja visivelmente drástica (média anual 57 anos:
MA 26,3ºC e BA 25,2ºC) (EMBRAPA, 2003), ela pode estar relacionada ao
aumento da altura média do corpo das populações distribuídas no sentido
Norte-sul. Esta distribuição clinal se adequa a regra de Bergman que associa o
aumento da latitude/diminuição da temperatura com um aumento do volume
corporal do organismo (Gaston et al., 2008), descrita para diversos grupos de
vertebrados (Lomolino et al., 2006) inclusive peixes (Macpherson & Duarte,
1994; Smith & Brown, 2002) na costa brasileira, como pomacentrídeo
Abudefduf saxatilis (Molina et al., 2006).
59
O gobídeo B. soporator é uma espécie encontrada principalmente em
áreas intertidais habitando poças de maré, com alta capacidade de reação a
mudanças rápidas, desenvolvendo ao longo de sua evolução estratégias
fisiológicas para sobreviver em ambientes variáveis (Fanta, 1997). Estas
características evitam que a espécie tenha que se deslocar, o que associado
ao comportamento reprodutivo e limitação no fluxo gênico, sugerem a seleção
de morfótipos melhores adaptados a cada área.
Em função de características ambientais, muitas espécies de peixes
apresentam considerável plasticidade fenotípica que as permite aumentar sua
aptidão em determinado ambiente (Mérona et al., 2009), sugere-se que a
capacidade de um padrão genotípico, produzir múltiplos fenótipos em resposta
a variações no meio ambiente (Pfennig et al., 2010), seja uma importante
estratégia de adaptação à populações que enfrentam ambientes varáveis
(Stearns, 1989; Scheiner, 1993), desempenhando um papel importante na sua
diversificação (West-Eberhard, 1989).
As variações intrapopulacionais e interpopulacionais identificadas na
espécie são comuns em peixes. A variação morfológica intrapopulacional é
normalmente relacionada ao habitat dos indivíduos (Smith & Skúlason, 1996),
onde a competição intraespecífica atua na correlação entre a morfologia e
escolha do habitat (Wilson & Turelli, 1986). Variações morfológicas do tipo
interpopulacionais normalmente estão relacionadas à disponibilidade de
recursos e competição com outras espécies (Lindsey, 1981; Lavin & McPhail,
1985, 1986; Magnan, 1988; Mittelbach et al., 1992; Walker, 1997).
Apesar das variações no posicionamento da boca nas populações
continentais de B. soporator, análises alimentares em três populações
distribuídas ao longo da costa brasileira, Pará (Norte), Bahia (Nordeste) e São
Paulo (Sudeste), evidenciaram semelhanças tróficas caracterizando um hábito
onívoro, com consumo principal de crustáceos e algas (Lopes & Oliveira-Silva,
1998; Corrêa & Uieda, 2007; Oliveira-Raiol et al., 2011), discernível ao padrão
exibido pela espécie na costa da Nigéria, Atlântico Oriental (Lawson & Thomas,
2010). Estas características ecológicas diferenciadas ao longo da extensa
distribuição geográfica de B. soporator, quando associadas ao reduzido fluxo
gênico apresentado por suas populações ao longo da costa brasileira, sugerem
uma distinção marcante de B. soporator nas porções Leste e Oeste do
60
Atlântico. Estudos genéticos e morfométricos são indicados para auxiliar esta
possível imprecisão taxonômica.
A combinação de variação genética e morfológica tem sido aplicada no
esclarecimento do padrão evolutivo de gênero Bathygobius. Análises utilizando
ambas as abordagens realizadas em representantes da costa da Flórida (EUA)
à Venezuela e áreas insulares, como Bahamas e Belize, permitiram identificar
duas novas espécies para o gênero, Bathygobius geminatus e Bathygobius
antilliensis, presentes no oeste do Atlântico (Tornabene et al., 2010).
A diversidade encontrada na família Gobiidae tem sido explicada
principalmente por processos vicariantes levando à alopatria (Huyse et al.,
2004). Os dados cromossômicos aliados as análises morfológicas parecem
corroborar um cenário evolutivo de fragmentações populacionais e adaptação a
novos habitats como promotores da extrema diversidade presente no grupo.
61
5. CONCLUSÕES
·
Os gobídeos analisados demonstram marcante diversidade cariotípica e
morfológica,
evidenciando
estreita
relação
entre
rearranjos
cromossômicos e processo de especiação para família;
·
Rearranjos cromossômicos envolvidos na diversificação de B. soporator,
B. mystacium, C. glaucofraenum, C. boleosoma e C. smaragdus são as
inversões pericêntricas, mecanismos fissão e fusão cromossômica;
·
A diversidade cariotípica e morfológica sugere uma dinâmica na
evolução cariotípica, compatível com grupos dulcícolas sujeitos a
intensas fragmentações populacionais;
·
A utilização da citogenética e morfometria geométrica demonstra
eficiência à identificação das espécies da família Gobiidae, mesmo
quando crípticas como B. soporator e B. mystacium;
·
Os dados citogenéticos e morfométricos para populações continentais e
AR de B. soporator confirmam a existência de uma nova espécie para o
gênero Bathygobius presente no oeste do Atlântico;
·
As populações de B. soporator provenientes da costa brasileira (litoral
do MA, RN e BA) apresentam morfotipos distintos. A principal variação
morfológica relaciona-se a altura corporal e se adequa a regra de
Bergman;
·
Os dados cromossômicos aliados as análises morfológicas corroboram
um cenário evolutivo de fragmentações populacionais e adaptação a
novos habitats como promotores da extrema diversidade presente na
família.
62
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Paulo Augusto de Lima Filho