1 Discurso do Ministro do Trabalho, João Goulart, em São Paulo (20 de agosto de 1953) Ao deixar pela primeira vez a capital da República, desde a minha investidura na pasta do Trabalho, não posso ocultar a grande emoção de que me sinto possuído, pois finalmente encontro oportunidade de satisfazer o propósito, que há muito alimento, de um contato mais íntimo com o nobre e valorizo povo de São Paulo. Esta minha visita ao estado – só por si motivo de natural alegria – adquire para mim especial significação, quando ocorre justamente na ocasião em que se reúnem os trabalhadores para assistir à solenidade da posse do novo titular a Delegacia Regional do Trabalho. Agradecendo os serviços a ela prestados pelo doutor Ênio Lepage, entrego sua direção neste momento ao doutor Mário Pimenta de Moura, homem digno e honrado, que saberá, por certo, corresponder não somente à confiança dos trabalhadores, como ainda a expectativa das forças produtoras. Quero, contudo, aproveitar este grato ensejo para fazer um veemente e sincero apelo a empregados e empregadores, sem qualquer distinção, no sentido de que procurem trazer sempre para esta Casa os problemas e as dificuldades comuns, pois só assim, examinando-as à luz da Justiça e com patriotismo, dentro da mais pura inspiração de harmonia social, esta Delegacia poderá cumprir, efetivamente, um dos seus mais importantes objetivos. Eu não estaria aqui, trabalhadores bandeirantes – avesso que sou, por temperamento, às festas e solenidades – se esta dependência do Ministério do Trabalho, fosse apenas, como seria talvez o agrado de alguns, órgão a serviço de outras finalidades que não os sagrados interesses da comunidade paulista. E é por isso que me sinto à vontade para formular aquele apelo, tanto mais quanto o seu atendimento implica em tornar mais estreitos os laços de respeito recíproco e fraternal compreensão em que nenhum instante deve deixar de existir entre empregados e patrões, a fim de que São Paulo – berço de nossa emancipação política e econômica - prossiga mais firme e decidido na sua luta por um Brasil mais forte e feliz. Não ignoram os trabalhadores de São Paulo e do Brasil inteiro que, à frente do Ministério do Trabalho, venho envidando todos os esforços ao meu alcance no sentido de propiciar ao operário nacional um tratamento mais digno, mais humano e mais condizente com o espírito cristão do nosso povo. Esse meu propósito, todavia, apesar de exposto e defendido às claras, além de inspirado no mais sadio patriotismo, vem sendo infelizmente combatido a ferro e fogo por conhecidas correntes da oposição, cujos interesses se alimentam, via de regra, no infortúnio e no sacrifício popular. Os nossos adversários, trabalhadores paulistas, ou simplesmente os instrumentos a seu serviço, laboram em engano se porventura imaginam que nos abateremos diante das suas 2 campanhas de infâmias e de calúnias. Muito ao contrário, a cada injúria, a cada impropério, novas energias hão de somar, na luta que enfrentamos ao lado dos mais fracos e dos mais necessitados. No que me respeita, posso dizer que diariamente retemperam-se o espírito e revigoram-se as energias as calorosas mensagens de confiança e solidariedade que recebo de todos os recantos do país, enviados por trabalhadores humildes que espontaneamente se incorporam à causa justa que com idealismo e coragem defendemos. Mas deixando à margem essas razões de ordem sentimental, tão profundas na sua significação, quero ainda salientar a cooperação sincera que também venho recebendo de destacados representantes das classes produtoras. Sabem, aliás, os homens da indústria e do comércio, notadamente os de São Paulo, que o fato de se pretender a elevação do nível de vida dos trabalhadores não implica em combater ou entravar as suas iniciativas. Ao contrário, a melhoria do padrão de existência do povo só poderá resultar em benefícios para aqueles empreendimentos, já que o êxito ou o fracasso deles, dependem sobretudo do mercado interno – cujas flutuações estão na ordem direta do poder aquisitivo das grandes massas obreiras da nossa Pátria. Trabalhadores. Na ânsia doentia de tudo destruir, usando quase sempre processos menos recomendáveis, desejam os nossos adversários fazer crer que o Ministério do Trabalho, sob a minha direção, pretende aniquilar a indústria e o comércio. Mais uma vez repetirei, e agora especialmente ao bravo povo bandeirante, que sempre estarei disposto a aplaudir e a estimular o capitalismo sadio que faz da sua força econômica um meio legítimo de reproduzir riquezas, emprestando às suas iniciativas um sentido humano, cristão, social e patriótico. Combaterei, porém, com o mesmo vigor e o mesmo desassombro, quer como titular da pasta do Trabalho, quer como dirigente do partido, o capitalismo sem escrúpulos que só contribui para criar maiores desajustamentos e mais graves inquietações. Aqueles, porém, que norteiam os seus empreendimentos pela sagrada observância aos superiores interesses da comunidade, bem como ao progresso material, moral e espiritual do país poderão sempre, em qualquer momento, contar com o decidido apoio do Ministério do Trabalho, da Indústria e do Comércio. Jamais poderia prestigiar – desejo insistir – aqueles que representam o capitalismo prepotente e sem patriotismo, que se diz fraco e indefeso quando se cogita de melhoria de salários para os trabalhadores, mas que adquire arrogância e coragem, quando empenhados em manobras especulativas de lucro fácil e imediato. Não, meus senhores, jamais praticaremos o crime de cruzar os braços diante de qualquer injustiça movida contra o povo e, principalmente, contra as classes trabalhadoras. Lá atrás, 3 sepultada nos anos, ainda que assim não queiram alguns, ficou a época em que a realidade popular, a realidade operária, digamos assim, era apenas uma variação intelectual ou mesmo espiritual da burguesia. O problema das grandes multidões, hoje em dia, precisa ser examinado sob novos ângulos, sob pena de margas e talvez irremediáveis surpresas no futuro. Da minha parte, não me importa mesmo os ataques à minha honra e à minha dignidade, pois sinto a consciência tranqüila na ação honesta que venho desenvolvendo à frente da pasta que me foi confiada pelo eminente Presidente Vargas. E é por isso, meus senhores, que não pretendo modificar a orientação que venho seguindo, tanto mais quanto ela encontra amparo nos mais rígidos postulados que regem os destinos do Brasil. Custe o que custar, doa a quem doer, não farei da Secretaria de Estado que dirijo um instrumento para a satisfação de privilegiados. Sou muito moço ainda, de passado modesto, porém ilibado, para curvar a espinha ao interesse de certos poderosos. Sei que mais cômodo seria pactuar com determinadas correntes de opinião, pois, entre outras compensações, estaria agora sendo elogiado certamente por muitas das mesmas fontes que diariamente atiram ou mandam atirar contra a minha pessoa e contra a minha administração. Mas acontece que não tenho vocação para cortejar poderosos, muito menos tenho para trair aqueles que em mim depositaram suas esperanças. A verdade, trabalhadores paulistas, é que não é possível deixar de perceber a lição dos tempos e dos fatos que estão a mostrar, em cores cada vez mais vivas, a necessidade de que se examine com maior cuidado os inúmeros problemas que afligem e desesperam o povo brasileiro. Não é admissível que enquanto alguns se afogam em lucros extraordinários, existam ainda trabalhadores percebendo salários mensais de 500 cruzeiros, que com descontos às vezes se reduzem a 300, como ocorre, por exemplo, na capital do Rio Grande do Norte. E se formos um pouco mais adiante, no interior de alguns estados, veremos esse salário mínimo fixado por lei em bases ainda mais inferiores. Ora, esses trabalhadores, chefes de família que o são, desejam também, senão para si próprios, ao menos para os seus, um mínimo de conforto e decência que a qualquer cidadão é lícito aspirar. Posso informar que, ao assumir o Ministério do Trabalho determinei urgentes providências no sentido de uma revisão das tabelas atuais de salários mínimos em todo o território nacional. Esses estudos se processam em ritmo acelerado, de maneira a que possam oferecer resultados concretos no mais breve espaço de tempo possível. Mas já imagino que, com essas medidas de elementar justiça, tornarei ainda mais acesa a campanha que se desencadeia contra o Ministério que dirijo, a exemplo das restrições que se levantaram até mesmo quando determinei a paralisação de 4 alguns serviços que funcionavam às expensas do Fundo Social Sindical, a fim de impedir que os dinheiros descontados compulsoriamente aos magros orçamentos dos trabalhadores fossem desviados para outras finalidades que não em seu próprio benefício. Agora mesmo, no Distrito Federal, levanta-se nova onda de protestos, só porque, no uso das minhas atribuições, determinei providências visando a rigorosa fiscalização e cumprimento das leis de trabalho. Quero dizer, no entanto, que todas as Delegacias Regionais recomendei as mesmas providências – e no que se refere a São Paulo eu o faço neste momento – pois enquanto for ministro jamais a Consolidação das Leis do Trabalho serão apenas um rótulo demagógico num conteúdo inoperante. Avalio perfeitamente, trabalhadores de São Paulo, o pesado tributo que pagarei por isso, pelo crime de zelar pelo cumprimento das leis e de ficar ao lado dos desafortunados. Mas tenho a consciência tranqüila, pois até esta data nenhum ato pratiquei, quer como ministro de Estado, quer como chefe de partido ou mesmo como simples cidadão, que não tivesse rigorosamente dentro das leis e das nossas instituições democráticas. Daí porque conclamo os trabalhadores a ficar alerta, não contra o seu ministro, que afinal nunca se afastou da legalidade e da moral, mas sim contra aqueles que, à sombra da própria Constituição da República fomentam a intranqüilidade social visando o enfraquecimento ou quem sabe até mesmo um colapso do regime em que vivemos. É verdade que, algumas vezes, tenho sido intransigente na defesa dos direitos operários, sem entretanto nunca deixar de ser justo. Ainda recentemente, aqui mesmo em São Paulo, só não ganhei a simpatia de certo grupo porque não concordei em que uma empresa ferroviária, que solicitara majoração de tarifas para atender ao aumento salarial, destinasse parte dessa majoração para outro fim que não fosse aquele especificamente determinado. Quando também defendi com ardor as justas reivindicações dos portuários de Santos, ou ainda quando contrariei forças políticas para determinar a medida da intervenção na Caixa de Aposentadoria e Pensões dos Servidores Públicos de São Paulo, é evidente que novas antipatias devo ter conquistado. Para mim, contudo, esse é o detalhe menos importante da questão, pois ao proceder como procede, não visava aplausos de ninguém, senão apenas corresponder à confiança de milhares de trabalhadores cujos direitos à confiança me impunha defender. Além dos casos diretamente relacionados à terra bandeirante, outros poderia ainda citar, para dizer que se às vezes sou obstinado na salvaguarda dos interesses dos trabalhadores, jamais essa minha obstinação ultrapassou de um milímetro sequer os limites das minhas atribuições legais. Sou daqueles - e o digo desafiando contestações - que acreditam sinceramente que o trabalhador 5 brasileiro, para solucionar os seus problemas, não necessita recorrer à violência ou à ilegalidade, bastando apenas exercitar as prerrogativas que lhe conferem o próprio regime democrático vigente no país. Trabalhadores de São Paulo, autoridades e demais presentes. Não me afastarei uma polegada sequer da orientação que venho seguindo no exercício da investidura com que me honrou o preclaro senhor Presidente da República. Tenho absoluta certeza de que outra não será também a orientação do doutor Mário Pimenta de Moura à frente da Delegacia Regional do Trabalho, em perfeita sintonia com o pensamento de todos quantos desejam realmente o progresso e o bem-estar do povo de São Paulo. Cumprindo a lei e fazendo com que os patrões e empregados a cumpram em toda a sua extensão, contará sempre o novo Delegado Regional com o meu apoio e, tenho certeza, com o apoio também do eminente e honrado governador do Estado, bem como dos dignos representantes que constituem o Executivo e o Legislativo, quer do estado, da capital ou dos municípios da gloriosa terra bandeirante. Estando ao lado das mais puras tradições políticas e cristãs do povo brasileiro, nada temos a recear. Não nos amedrontam, portanto, os nossos adversários, que na realidade são menos nossos do que do próprio regime em nome da qual acobertam suas manobras inconfessáveis. E ao finalizar, conclamo mais uma vez os trabalhadores paulistas – esses denotados pioneiros do movimento de emancipação do povo brasileiro – a cerrar fileiras em torno dos seus sindicatos, que são órgãos legítimos de expressão de sua vontade e de defesa dos seus interesses profissionais e econômicos. Da minha parte, não haverá recuo ou desfalecimentos, esteja eu onde estiver, sejam quais forem as circunstâncias, pois não sou homem de voltar sobre meus próprios passos. A valorosa gente de São Paulo, e especialmente aos trabalhadores, renovo aqui a certeza da minha incondicional solidariedade como ministro e como cidadão, e os meus mais ardentes votos para que juntos continuemos nossa gloriosa caminhada pela conquista de melhores dias para o povo brasileiro. O Radical. Rio de Janeiro, 21 de agosto de 1953, p. 1 e 5.