XXII CONFAEB Arte/Educação: Corpos em Trânsito
29 de outubro à 02 de novembro de 2012
Instituto de Artes / Universidade Estadual Paulista
JANELAS: Narrativa de um projeto fotográfico com estudantes de uma Escola
Pública de Arte.
Carla Marinho Brito
Mestranda do Programa Associado de
Pós-Graduação em Artes Visuais.
Universidade Federal da Paraíba- UFPB
Universidade Federal de Pernambuco- UFPE
[email protected]
http://lattes.cnpq.br/3086063515958069
RESUMO
Este texto aborda o desenvolvimento de uma proposta artística realizada no ano de 2008,
com estudantes de uma Escola Pública de Artes, na cidade de Macapá-AP. A referida
proposta foi concebida a partir de diálogos teóricos e práticos ocorridos durante a disciplina
Estética acerca de questões como: imagens, visualidades e vivências de experiências
estéticas no cotidiano. Para isso foi utilizado a fotografia como suporte artístico. A realização
da proposta permitiu o desenvolvimento de processos criativos e reflexivos pelos
estudantes. E o projeto foi dividido em vários momentos dentre eles: aulas teóricas em sala
de aula, exibição e debate de imagens e filmes, o registro fotográfico do cotidiano, seleção e
análise da produção fotográfica feita pelos próprios estudantes e a exposição das
produções, na mostra expositiva da escola que se realiza sempre no final de cada semestre.
Palavras-chave: estética; fotografia; visualidades.
SOMMAIRE
Cet article traite de l'élaboration d'une proposition artistique faite en 2008, avec des élèves
d'une école publique des arts dans la ville de Macapa-AP. Cette proposition a été effectuée à
partir de dialogues théoriques et pratiques qui se produisent au cours d'esthétique sur des
questions comme: des images, des Visualities et les expériences esthétiques dans la vie
quotidienne. Pour cela nous avons utilisé la photographie comme un support artistique. La
réalisation de la proposition a permis le développement des processus créatifs et réflexions
par les étudiants. Et le projet a été divisé en plusieurs moments parmi eux: cours théoriques,
la discussion des images et des vidéos, l'enregistrement photographique du quotidien, de la
sélection et de l'analyse de la production photographique réalisé par les élèves eux-mêmes
et l'exposition dans l’école qui a toujours lieu à la fin de chaque semestre.
Mots-clés: esthétique; photographie; visualities.
1- Minha Janela se abre para um mundo enredado de imagens1.
1
Os subtítulos deste artigo foram adaptados tendo como base algumas estrofes do poema “A arte de ser feliz”
de Cecília Meireles. O mesmo aborda de maneira poética o olhar da narradora acerca do cotidiano a partir da
observação de uma janela. http://www.poesiasonline.com/felicidade/a-arte-de-ser-feliz--cecilia-meireles.html
Acesso em 28 ago 2012.
Atualmente, vive-se num tempo em que nossas relações socioculturais cada
vez mais são influenciadas por diversas imagens que são produzidas e também
absorvidas pelos sujeitos sociais (eu, tu, eles/as, nós). Como podemos perceber em
Nascimento (2011, p.215): “qualquer imagem, tanto no processo de produção
quanto no de recepção, é envolta por práticas discursivas e não-discursivas”.
Ainda a par deste fato Martins e Tourinho (2012) comentam:
Abordadas como artefatos educativos, as imagens podem articular
informações, significados e valores que influenciam e até mesmo
orientam/direcionam as pessoas a se posicionar em relação às ideias, a
formar opinião sobre problemas e situações e, principalmente, a construir
algum tipo de interação e compreensão sobre o mundo em que vivem.
Podemos dizer que as práticas contemporâneas do ver e ser visto,
caracterizadas pelo intenso convívio e exposição às imagens, são uma
espécie de intercâmbio ou troca, de relação sensório-visual que pressupõe
e exige algum tipo de negociação de informação, prazer e conhecimento.
(MARTINS; TOURINHO, 2012, p.11)
No
que
tange
a
produção
de
imagens,
verifica-se
nas
práticas
contemporâneas, artistas visuais e profissionais de áreas correlatas produzindo
imagens (muitas vezes hibridizadas de maneira sinestésicas) que provocam
estranhamentos, questionamentos e ainda “afastamento, repulsa, acolhimento, nojo,
culpa, compaixão, entre outros sentimentos e pensamentos.” (CUNHA, 2012, p.106).
Ou seja, as imagens produzidas pelos artistas contemporâneos, em sua maioria,
não se restringem mais a somente levar ao público a uma experiência estética de
contemplação do “belo” correlativo a ideia de cânones clássicos.
[...] a Arte contemporânea que muitas vezes expõe, critica, ironiza, reforça
práticas sociais/culturais vivenciadas pelos estudantes, porém, com
frequência, ausente nas salas de aula, talvez devido ao fato das
2
professoras não terem contato e familiaridade com tais produções e/ou
acharem que as temáticas enfocadas pela Arte Contemporânea não sejam
adequadas aos estudantes.
(CUNHA, 2012, p.103)
Neste sentido, ressalto que minha prática docente é de certa maneira
influenciada também pela minha vivência artística como produtora de imagens. E
com frequência percebo em minhas aulas a presença de imagens e narrativas
visuais da arte contemporânea; por permitir, como já exposto, possibilidades de
diálogos correlacionados ao próprio cotidiano e também a outras imagens
circundantes desse universo sociocultural. Dessa maneira, recordo-me que um dos
questionamentos iniciais em minhas reflexões antecedentes ao início daquele 2º
2
- A autora utiliza o termo professora por entender que a maioria das educadoras são mulheres. (CUNHA, 2012,
p.99)
semestre do ano letivo de 2008, era: Quais possibilidades de abordar, na disciplina
Estética, propostas que envolvessem arte contemporânea?
2- Minha Janela se abre para uma Escola Pública de Arte.
A escola na qual a disciplina estética foi ministrada por mim, naquele ano, é
ainda conhecida como Escola de Artes Cândido Portinari3. É vinculada ao Governo
do Estado do Amapá, Secretaria de Estado da Educação. A referida instituição foi
idealizada na década de 60 do século XX pelo artista plástico R. Peixe 4.
A Escola de Artes Cândido Portinari, foi idealizada em 1963 pelo Artista
Plástico R. Peixe, no início foi chamada por seu idealizador de Escola de Arte
Pablo Picasso, e devido a criação da Instituição ter ocorrido no período da
Ditadura Militar o nome da Instituição não foi aprovado [...] passou a ser
chamada de Escola de Artes Cândido Portinari. Funcionou a princípio em
vários locais [...] em 1983, ganhou prédio próprio.
(CRUZ; BARRETO; DIAS et al, 2008, p.10)
É uma instituição que atende uma clientela variada, pois em seu
funcionamento há oficinas de artes semestrais que atendem público: Criança, jovens
e adultos. E os cursos de desenho e pintura (estes anuais), que atendem ao público
jovem e adulto.
Atende a uma clientela bastante diversificada com escolaridade que varia
do primeiro segmento do ensino fundamental a universitários e pessoas
graduadas. A idade, também é variada, pois trabalha com uma clientela a
partir dos 09 anos de idade até adultos com mais de 60 anos. Atende mais
de 1014 alunos ao ano, aos quais são oferecidos os cursos anuais de
desenho e de pintura e semestralmente diversas oficinas como: Cerâmica,
Escultura em Argila e em Madeira, Pintura Amazônica, Pintura Livre,
Pigmentos Naturais, Pintura Moderna e Iniciação Artística para crianças e
adultos. Oferece ainda Oficinas de Artes Cênicas, Desenho Criativo e
História em Quadrinhos.
(CRUZ; BARRETO; DIAS et al, 2008, p.10-11)
E mais, a instituição é uma referência à sociedade amapaense, de acordo
com o Projeto Político Pedagógico – PPP.
A Escola de Arte Cândido Portinari, hoje Centro de Educação Profissional
em Artes Visuais Cândido Portinari, desde o início de suas atividades, em
1963, vem contribuindo para o desenvolvimento artístico-cultural do Estado,
oferecendo diversas oficinas e cursos livres na área de artes plásticas. É
importante ressaltar que a Instituição é a única instituição pública na região
norte do país que oferece cursos de Arte regulares e gratuitos. A Instituição
3
- Em 22 de fevereiro de 2008, a escola foi transformada em Centro de Educação Profissional em Artes Visuais
Cândido Portinari, através da Lei Estadual nº 1189/2008 (CRUZ; BARRETO; DIAS et al, 2008, p. 11). Apesar da
mudança, a sociedade, sobretudo da cidade de Macapá, em sua maioria ainda utiliza o nome antigo: Escola de
Artes Cândido Portinari.
4
Já falecido, porém muito reconhecido no Estado do Amapá, sobretudo, por suas pinturas com características
impressionistas que retratam a cidade de Macapá, principalmente na década de 40 do século passado.
atende à comunidade dos municípios de Macapá, Santana, Mazagão além
dos distritos de Fazendinha, Igarapé da Fortaleza e APA do Curiaú.
(CRUZ; BARRETO; DIAS et al, 2008, p. 14)
No entanto, apesar dos dados expostos no PPP da instituição. Faz-se
necessário informar que atualmente, apesar da escola ter se tornado Centro de
Educação Profissional; e do projeto (plano de curso) expor toda necessidade de
estrutura física e material para o funcionamento de um Centro Profissional de Artes.
O que se percebe é que a mudança foi feita somente na legislação. A realidade
encontrada hoje é de um Centro sem o seu edifício 5 próprio, funcionando em prédio
particular alugado (com instalações inapropriadas para uma escola de artes) e com
constante ameaça de despejo devido os atrasos de aluguéis, por parte do Governo
Estadual, ao proprietário do imóvel.
3- Minha Janela se abre para inquietações e reflexões na disciplina estética.
O curso de desenho da instituição, como já abordado no subtítulo anterior, é
anual e possui uma estruturar curricular, tendo disciplinas teórico/práticas diversas a
respeito da área. Dentre as disciplinas possui: História da Arte e Estética6;
consideradas pela maioria dos estudantes como “aulas chatas”. E durante reuniões
pedagógicas docentes, os/as professores/as que já haviam ministrado essas
disciplinas informavam as ausências constantes dos estudantes quanto a frequentar
as aulas.
Neste contexto, além dos questionamentos, como o ressaltado no primeiro
subtítulo em torno da arte contemporânea. Também ocorriam inquietações em
minhas reflexões, dentre elas era: Como tornar as aulas de estéticas mais
prazerosas aos estudantes? Devido os relatos dos docentes, e também por ser a
primeira vez que eu trabalharia com a disciplina. Ou seja, também seria uma
vivência nova para eu experimentar em sala de aula, e que mesmo com o
planejamento antecipado de minhas ações poderia acontecer uma experiência não
tão satisfatória para mim e para os estudantes.
4- Minha Janela se abre para um projeto fotográfico.
5
O referido prédio foi embargado pela defesa civil, por riscos provocados por infiltrações. Porém já faz mais de
três anos que o Governo Estadual não se posiciona a respeito quanto à situação. E o edifício encontra-se
abandonado.
6
A ementa da disciplina Estética consiste em: Provocar reflexões sobre as concepções estéticas da arte, sobre
o mundo das imagens construídas, avaliando suas funções, forma e conteúdo, e compreendendo o papel da
criação artística na produção cultural.
Com o decorrer das aulas, apesar de meus esforços, fui percebendo que nas
duas turmas7 do 1º turno, a qual eu ministrava as aulas de estética, a ausência e a
falta de motivação dos estudantes em frequentar a disciplina estavam ocorrendo
(fato que me angustiava e me fazia lembrar os relatos dos demais colegas
docentes). Dessa forma, comecei a refletir em possibilidades de propostas para que
os estudantes pudessem vivenciar experiências estéticas e artísticas no cotidiano
fora de sala de aula.
Neste período, vinham ocorrendo na mídia da cidade as divulgações iniciais
de um evento religioso que já se tornou uma manifestação popular no Estado: O
Círio de Nossa Senhora de Nazaré8. Este evento chamou minha atenção como
possibilidade de desenvolver um projeto com os estudantes. Mas não com intenção
religiosa e sim numa postura artística e crítica de perceber as imagens e
visualidades que aquele evento traria consigo.
Contudo questionamentos novamente retornaram, dentre eles: Como iniciar a
sensibilização dos estudantes para participarem de um evento (de caráter religioso
católico) num olhar estético e crítico independente de questões religiosas? Como
incentivá-los a participar de uma ação que ocorreria num dia atípico aos seus dias
de aula?9 Como incentivá-los para vivenciar uma experiência num enfoque de
estética relacional?10
A educação estética é um processo de sensibilização do ser. Trata-se de
permitir a formação de sensibilidade e de capacidade crítica, através da
experimentação de uma relação com o sensível. Cabe ao professor de arte
distinguir a que somos hoje sensíveis, a que seus alunos são sensíveis.
Cabe passar pelo conhecimento das técnicas onipresentes: acessar e dar
aos meios de produção para conhecê-los.
(MEDEIROS, 2005, p.82)
Dentre as propostas de sensibilização para aguçar o olhar estético dos
estudantes podemos destacar como um dos momentos a exibição do filme Central
7
Das duas turmas: DA-1AII e DA-1BII, ressalta-se que a turma DA-1AII, frequentava com assiduidade a
disciplina de perspectiva técnica, na qual eu também ministrava, mas se ausentavam da disciplina estética.
8
O Círio de Nossa Senhora de Nazaré é conhecido em todo Brasil por sua realização na cidade de Belém- PA,
ocorrendo no mês de outubro. No entanto, pelo fato do Estado do Amapá ter sido por um longo período território
do Pará e até hoje ter em sua população um grande número de católicos e um número relativo de paraenses o
Círio, na cidade de Macapá, tem adquirido a cada ano relevância considerável mobilizando um número elevado
de pessoas e devotos em sua realização.
9
O Evento ocorreu no dia 12 de outubro de 2008 (numa manhã de domingo).
10
A estética relacional é muito frequente em propostas artísticas contemporâneas. Segundo Bourriaud (2009,
p.23) “A arte contemporânea realmente desenvolve um projeto político quando se empenha em investir e
problematizar a esfera das relações”. E ainda, segundo o autor “uma boa obra de arte sempre pretende mais do
que sua mera presença no espaço: ela se abre ao diálogo, à discussão [...]” (BOURRIAUD, 2009, p.57).
do Brasil11. O mesmo traz em seu roteiro questões que envolvem temáticas como:
família, movimento migratório, analfabetismo, gênero, sexualidade, religiosidade
(esta última evidenciada em discursos visuais como os objetos dos cenários e
discursos não visuais como frases e nomes de algumas das personagens).
Após exibição do filme, foi realizado um diálogo com os estudantes sobre
questões acerca do próprio filme; questões sobre estética; questões sobre quais
imagens e visualidades destacavam-se na fotografia do filme; questões sobre quais
relações socioculturais abordadas no filme se evidenciavam com o cotidiano dos
estudantes, entre outros. Após o diálogo foi solicitado aos mesmos que fizessem
uma análise crítica textual do filme expondo suas considerações a respeito.
(Imagem: 1)
Imagem 1-Cena filme Central do Brasil (fonte:
http://www.adorocinema.com/filmes/filme19250/fotos/detalhe/?cmediafile=19911024 Acesso 25 ago 2012
Outro momento que se ressalta são as análises visuais acerca de obras
fotográficas contemporâneas que foram feitas verificando as possibilidades de
11
- Dora (Fernanda Montenegro) trabalha escrevendo cartas para analfabetos na estação Central do Brasil, Rio
de Janeiro. A escrivã ajuda um menino (Vinícius de Oliveira), após sua mãe ser atropelada, a tentar encontrar o
pai que nunca conheceu, no interior do Nordeste. Dirigido por Walter Salles. Com: Fernanda Montenegro,
Vinicius de Oliveira, Marília Pera. Nacionalidade Brasil, França. Ano: 1998. Gênero: Drama, Comédia dramática.
http://www.adorocinema.com/filmes/filme-19250/ Acesso 25 ago 2012.
produção de imagens pelo suporte fotográfico12; as temáticas socioculturais
abordadas pelos autores, etc. Com destaque as obras: Cenas da ausência da artista
Daniele Marx- RS (exposta no 4º Salão de Artes do SESC Amapá) e a obra Red
Sofá da artista Melissa Berbery- PA (exposta no 6º Salão de Artes do SESC
Amapá). Foi durante esse momento de diálogo (sobre as imagens fotográficas) em
uma das turmas, que uma estudante expressou em sua fala a proximidade de
enquadramento entre as duas propostas, e que pareciam “pequenas janelinhas”.
Surgindo assim, o título do projeto fotográfico: Janelas13 (Imagens: 2 e 3)
Imagem 2- Daniele Marx- RS. Cenas da ausência II e III (fonte: catálogo
do 4º Salão de Artes do SESC Amapá, 2002).
Imagem 3- Melissa Barbery- PA. Red Sofá (fonte: catálogo do 6º Salão
de Artes do SESC Amapá 2006)
No decorrer dos encontros, ainda em sala de aula, sobre a ação que seria
feita no dia do evento. Inicialmente, houve por parte de alguns estudantes certas
restrições em não quererem participar. Entretanto, fui percebendo o envolvimento do
grupo conforme se aproximava o dia da ação de experimentação estética e artística.
Definido o recurso material que seria utilizado (equipamento digital máquina
fotográfica) houve o momento de como seriam feitas as referidas “janelas” de cada
estudante/artista participante. Num momento de interação entre os discentes
ocorreram falas espontâneas, de cada um sobre qual seria seu nome artístico
(pseudônimo), e de como seriam suas propostas. Alguns diziam que levariam
12
- A intenção de utilizar a fotográfica possuía dentre os objetivos: Gerar descoberta de novos olhares dos
integrantes do grupo que fariam parte da ação quanto à experimentação de outro suporte artístico além dos
habituais que eles vivenciavam no cotidiano da escola.
13
Segundo dicionário Aurélio: “Janela sf 1. Abertura na parede dum edifício para deixar que nele entre a luz e o
ar. 2. Inform. Em interfaces gráficas, região retangular na tela do computador onde são exibidas as informações
de um processo de execução”. (FERREIRA, 2008, p. 494).
objetos coletados em casa, outros/as que fariam suas janelas com papéis de
gramaturas grossas, ou que decidiriam no momento da ação com possíveis
materiais do próprio evento e ainda, utilizando possibilidades com partes do próprio
corpo, etc. Assim, chegou o dia do evento religioso e popular.
5- Minha Janela se abre para os momentos dos registros fotográficos.
No dia do Círio, marcou-se um local para o encontro do coletivo de artistas14
(eu e os estudantes). O grupo não era grande15, muitos estavam ansiosos, outros/as
não demonstravam ou não relatavam o que estavam achando. Uma das orientações
feitas ao coletivo é que cada um poderia seguir o Círio sozinho ou acompanhado
para fazer seus registros fotográficos, e que no final do evento o coletivo se
encontraria novamente em um local estabelecido. No entanto, por escolha
majoritária do coletivo ficou definido que seguiriam em duplas. Porém cada um
registraria sua proposta própria. Outro ponto definido, é que se evitasse fazer o
registro fotográfico em que evidenciassem os rostos das pessoas por conta de
questões de direito de imagem.
Assim, o coletivo de artista partiu para seus registros fotográficos com suas
“janelas” e suas máquinas digitais. Dentre os tipos de materiais utilizados pelo
coletivo, para os suportes de suas janelas, verificou-se que os diálogos anteriores
realizados em sala foram postos em prática. Pois havia: papéis cartões (alguns com
interferências, ao serem raspados em paredes de concreto antes de serem
utilizados;
outros
com
aberturas
de
formas
geométricas
que
lembravam
representação simbólica: como sagrado coração, cruz, estrela, etc.), madeira, partes
do corpo dos integrantes do coletivo, frestas entre as fitas milagrosas, santinhos
diversos e também leques que estavam sendo distribuídos ao povo (devido o calor
da região), estes contendo inclusive propaganda de empresas de diversos tipos que
aproveitavam o evento religioso/cultural para realizarem divulgações de seus
produtos e serviços. (Imagens: 4, 5, 6, 7).
14
Terminologia que expliquei, em aulas antecedentes, aos estudantes e como eu chamava para definir o grupo e
nossas ações.
15
O total incluindo a professora (eu), éramos 09 pessoas. Apenas um dos estudantes faltou no dia. Faz-se
necessário ressaltar que na instituição há uma evasão da clientela durante os semestres. Os motivos mais
justificados pela clientela que se evade são: empregos, estágios, vestibular, ou outras atividades “mais
prioritárias” que o curso, que surgem em seus cotidianos.
Imagem 4-Autora: Izi. (fonte: arquivo de Carla Marinho)
Imagem 5- Autor Olije (fonte: arquivo de Carla Marinho)
Imagem 6- Autor: Ed. (fonte: arquivo de Carla Marinho)
Imagem 7- Autora: Suyllan. (fonte: arquivo de Carla Marinho)
Após a ação realizada no evento e de volta a sala de aula, ocorreu o
momento das falas dos estudantes sobre a experiência estética de cada um e ainda
o momento de curadoria no qual as imagens produzidas por cada pessoa eram
projetadas no computador e os próprios produtores das imagens selecionavam suas
melhores propostas e relatavam porque a escolheram e o que os levou a ter tal
visualidade sobre determinada cena.
Sobre o significado da experiência para os estudantes segue os comentários
de uma das participantes da ação do coletivo16.
Quanto aos pontos relevantes:
“Izi: bom o projeto foi interessante, por causa que a gente saiu das quatro
paredes da sala de aula e foi possível tirar fotos na multidão, num espaço aberto, o
que é bastante inspirador para quem vai tirar fotos. E a arte não pode ficar somente
entre quatro paredes. Nunca tinha tido essa experiência de trabalhar com arte fora
16
No ano de 2008, além dos comentários orais sobre a realização da proposta, cada estudante redigiu um texto
sobre sua vivência na ação e também destacando os pontos relevantes e deficitários. No entanto, os referidos
textos foram devolvidos aos mesmos no final do semestre. Como forma de resgatar as opiniões dos estudantes
tentou-se, neste ano de 2012, entrar em contato com o grupo, que hoje não se encontra mais na instituição.
Porém, conseguiu-se somente o relato de uma das estudantes, em entrevista feita no dia 05 set 2012.
da sala de aula. Teve uma vez, uma aula de desenho, era fora de sala de aula, mas
tava dentro do espaço da escola.
Quanto aos pontos deficitários:
“Izi: Bom, o negativo não vejo muito, mas acho que a gente tirou as fotos sem
ter tanta técnica. Mas é só essa parte, ter tido um pouco mais de técnica. Talvez as
fotos ficariam melhores, pois acho que as fotos tiradas por mim ainda tinham meio
que intuição”.
Vale ressaltar que antes da realização prática do projeto in loco, o que chegou
a ser cogitada por mim é que nas imagens produzidas pelos estudantes iria
predominar o “olho estético”, devido essa abordagem ser muito trabalhada na
instituição. Contudo, verificou-se, no momento da curadoria das imagens, que além
do “olho estético” também havia muitas visualidades, presentes nas imagens, com
proposta de um “olho antropológico”17. Ou seja, além dos elementos formalistas de
uma imagem, os estudantes, segundo suas imagens produzidas e alguns de seus
comentários durante a curadoria, procuram captar também as questões relacionais,
sociais e culturais das pessoas que participavam do evento18.
E finalmente, após os demais momentos, ocorreu a exposição das fotografias
(Imagem: 8, e 9), juntamente com as demais propostas produzidas, em aulas
anteriores, pelos estudantes. A mostra semestral ocorre ao final de cada semestre e
a mesma é planejada e montada pelos docentes e discentes da instituição. Naquele
ano, ficou aberta ao público durante o período de uma semana. Durante a abertura
de cada exposição há sempre a presença dos funcionários da instituição, estudantes
acompanhados de seus pais e/ou responsáveis, amigos e demais público visitante.
No que diz respeito à quantidade de obras expostas, não foi possível expor
muitas fotografias, pois o recurso financeiro conseguido para a revelação das
imagens foi reduzido, e também pelo fato que na instituição há uma postura que
17
Segundo Illeris e Arvedsen (2012, p. 302), “olho estético” concerne às formas, linhas e cores do ambiente,
enquanto que o “olho antropológico” refere ao envolvimento colaborativo na vida dos usuários regulares do
ambiente.
18
Foram captadas cenas como: pagadores de promessas que mesmo cansados demonstravam devoção e fé
caminhando a pés descalços ou de joelhos, portando objetos simbólicos; os milhares de romeiros que
disputavam cada pedaço da corda que serve de proteção à berlinda (muitos inclusive machucados pelas
tentativas de conquistar um espaço naquele local); as pessoas que doavam água, frutas, alimentos, para os
devotos. Além das manifestações de fé, houve registro fotográfico de imagens de empresas, instituições cujas
visualidades continham mensagens como: institucionais (temáticas - Círio), os votos/ homenagens e a dos seus
produtos ou serviços. E ainda a captação de imagens de políticos que circulavam no meio do povo (o evento
antecedia as eleições municipais de 2008).
estabelece a quantidade máxima de trabalhos a serem expostos por cada estudante,
devido à questão do espaço expositivo.
Imagem 8- Após montagem da exposição. (fonte: arquivo de Carla Marinho)
Imagem 9- Abertura da exposição para o público. (fonte: arquivo de Carla Marinho)
6- Minha Janela se abre para uma trajetória sempre em construção.
Socializar uma experiência de ensino de arte, através deste artigo, não possui
a intenção de se enquadrar como possível “receita pronta” sobre como ensinar arte.
Pois, a experiência relatada foi efetivada em torno de êxitos, mas também
equívocos. A intenção visa oportunizar questionamentos e reflexões sobre a prática
docente e sobre os processos criativos dos estudantes (criado possibilidade de
instigar criticidade em suas próprias vivências e experimentações). Saliento também,
que ao abordar questões de educação estética é importante uma prática educativa
que não se restrinja a questões teóricas e conceitos ocidentalizantes do termo. Pois
segundo Pereira (2004):
Os caminhos que percorremos todo o dia, de casa ao trabalho, às compras,
pela cidade; o corte e arrumação do cabelo, as roupas, os adereços; a
escolha ativa de músicas do rádio, programas de TV, livros e revistas; os
rituais de romance, de amizade, de relacionamento com pais, alunos,
subalternos, superiores, parceiros; as escolhas, opções, vivências e
aprendizagens; enfim, nossa vida tem uma forma de ser vivida, uma
singularidade, uma identidade, uma estética! Como lê-la? Como
compreendê-la? Como construí-la?
(PEREIRA, 2004, p. 224)
Questionamentos estes, feitos pelo autor, que eu não possuo a intenção de
respondê-los, mas sim deixar em aberto para possibilidades de outras reflexões para
outras práticas educativas em arte.
Referências
BOURRIAUD, Nicolas. Estética relacional. São Paulo: Martins, 2009 (Coleção Todas as
Artes)
CRUZ, Joana Silva da. BARRETO, Aida Pereira. DIAS, Ronne F. C. (et al). Projeto Político e
Pedagógico: Fazendo Arte no Amapá. Governo do Estado do Amapá Secretaria de Estado
da Educação. Centro de Educação Profissional em Artes Visuais Cândido Portinari.
Macapá- AP, 2008.
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Cultura das imagens: desafios para a arte e para a educação. Santa Maria: Ed. Da UFSM,
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(orgs.) Cultura das imagens: desafios para a arte e para a educação. Santa Maria: Ed. Da
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MARTINS, Raimundo. TOURINHO, Irene. Entrevidas das imagens na arte e na educação.
In:MARTINS, Raimundo. TOURINHO, Irene. (orgs.) Cultura das imagens: desafios para a
arte e para a educação. Santa Maria: Ed. Da UFSM, 2012.
MEDEIROS, Maria Beatriz de. Formação para a sensibilização da aisthesis. In: OLIVEIRA,
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NASCIMENTO, Erinaldo Alves do. Singularidades da educação da cultura visual nos
deslocamentos das imagens e das interpretações. In: MARTINS, Raimundo. TOURINHO,
Irene. (orgs.) Educação da cultura visual: Conceitos e contextos. Santa Maria: Ed. da
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PEREIRA, Marcos Villela. Educação Estética e Interdisciplinaridade. In: CORRÊA, Ayrton
Dutra. Ensino de artes: múltiplos olhares. Ijuí: Ed. Unijuí, 2004.
Carla Marinho Brito
Docente de Artes Visuais, artista Visual. Graduação em Licenciatura Plena em Educação
Artística (Habilitação em Artes Plásticas) pela Universidade Federal do Amapá. Especialista
em Metodologia do Ensino das Artes pela Faculdade Internacional de Curitiba - FACINTER PR. Mestranda no programa de pós-graduação Ensino das Artes Visuais no Brasil pelas
Universidades Federais de Paraíba e Pernambuco (PPGAV UFPB/UFPE).
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