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Abril 2010
Catástrofe Inevitável ou Gestão Urbana Catastrófica?
Luiz Cesar de Queiroz Ribeiro
Professor Titular do Instituto de Pesquisa
Planejamento Urbano e Regional – IPPUR/UFRJ e
Coordenador do INCT Observatório das Metrópoles – CNPQ/FAPERJ
Os últimos acontecimentos no Rio de Janeiro nos interpelam. Muitos incidentes climáticos têm assolado
as nossas cidades brasileiras nos últimos tempos. Chuvas, inundações, deslizamentos, engarrafamentos
maiores do que os normais, mortes, desabrigados, enfim inúmeros infortúnios vêm assolando as nossas
cidades. Diante das chocantes e até mesmo dantescas cenas mostradas em tempo real pela televisão, as
autoridades são convocadas para explicações. Invariavelmente as razões alegadas são as mesmas: a
combinação de eventos climáticos incomuns, fora dos padrões previstos, uma um meio geográfico
também considerado incomum para a existência de uma cidade (montanhas, rios, lagoas e, no caso do
Rio de Janeiro, praia) e a irracionalidade da população que teima ocupar áreas impróprias ao uso
residencial e não cuidar adequadamente dos resíduos sólidos dos seus lixos. Prefeitos e Governadores
mostram-se chocados e tratam de acalmar a população fazendo funcionar de maneira emergencial a
máquina administrativa da assim chamada Defesa Civil. São realizadas verdadeiras operações
semelhantes às situações de exceção, como nas guerras, nos atentados terroristas e outras situações de
calamidade pública. Engenheiros, bombeiros, policiais e outros corpos técnicos de emergência são
mobilizados de maneira excepcional pelas autoridades públicas para diminuir os estragos e, de alguma
forma, acalmar o natural sentimento de desamparo da população.
Se o estado de emergência se faz obviamente necessário, onde está o problema? Não é novidade para
ninguém que as nossas cidades são organizadas por práticas totalmente à margem da regulação pública,
dos planos diretores, das leis de uso e ocupação do solo urbano, dos códigos de construção e de
posturas. Um verdadeiro laissez faire impera como fundamento da “irracionalidade” mencionada pelas
autoridades. “Irracionalidade” que não está presente apenas nos territórios das classes populares. Em
todas as cidades brasileiras também encontramos as elites residindo em artefatos imobiliários
(condomínios-fechados e seus congêneres) construídos em áreas ambientalmente vulneráveis de
acordo com uma lógica especulativa. No Rio de Janeiro, por exemplo, 69,7% das áreas ocupadas acima
dos 100 metros de altitude (cota 100) no município - um total de 11,7 milhões de metros quadrados estão nas mãos das classes média e alta, segundo dados do Instituto Pereira Passo (IPP). Por outro lado,
apenas 30% são de favelas. Em termos populacionais, a relação se inverte: 73,5% são moradores de
favela. Os territórios dos ricos e dos pobres compõem conjuntamente o mosaico da desordem urbana.
Os fenômenos climáticos, por sua vez, são hoje previstos com a precisão e antecipação que permitiriam
a adoção de ações preventivas pelos governos municipais e estaduais que poderiam senão evitar
algumas destas catástrofes, pelo menos minimizar bastante os custos materiais e humanos. Conhecendo
a vulnerabilidade das áreas ocupadas através de mapeamentos por satélites e sabendo com
antecedência a ocorrência dos incidentes climáticos, as Prefeituras e os Governos Estaduais poderiam
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ter planos de emergência de defesa civil que protegessem a população. Advertindo as pessoas que
moram nestas áreas dos eventos previstos e oferecendo alternativas de moradias, formas de evacuação
de áreas, etc. Da mesma maneira, a circulação viária poderia ser alterada por um sistema de alerta
preventivo, evitando que as pessoas saindo ou indo para o trabalho fossem surpreendidas pelo
transbordamento de canais, rios e lagoas.
Mas não se tem um sistema de defesa civil que proteja efetivamente a população. A razão decorre da
lógica de gestão das nossas cidades. Os governos municipais e estaduais são hoje comandados por elites
que se orientam por uma concepção gerencial, que pretendem tratar as cidades como se fossem
empresas. Na maioria dos casos, esta orientação se materializa na constituição de bolsões de gerência
técnica, diretamente vinculados aos chefes do executivo e compostos por pessoas recrutadas fora do
setor público. Este modelo de empresariamento urbano, que se pretende mais eficiente, implica no
abandono e mesmo desvalorização da organização burocrática cuja função é, de um lado, a aplicação
dos mecanismos de regulação da produção da cidade, portanto o planejamento do funcionamento e
crescimento da cidade. Os salários dos funcionários são aviltados, suas carreiras perdem prestígios, não
são capacitados, os cadastros são abandonados e mesmo a base técnica dos órgãos públicos é
fragilizada. Por outro lado, como ela é também responsável pela provisão de serviços urbanos básicos
para a população, mobiliza recursos e é titular de competências de grande utilidade na viabilização da
gramática política do clientelismo, do cartorialismo e do corporativismo que sustenta em termos
político-eleitoral os projetos de empresariamento urbano comandado pelas novas elites políticas.
Recursos e competências desta burocracia são usados como moeda de troca nas transações que dão
sustentação política a estas elites modernizantes, na forma de favores, omissões, proteções, cargos,
prebendas, etc.
Se é verdade, portando, que estas catástrofes são geradas por incidentes climáticos fora do comum, os
seus efeitos resultam de um padrão muito comum de gestão das nossas cidades, onde o planejamento,
a regulação e a rotina das ações são substituídos por um padrão de operações por exceções, com
organismos públicos fragilizados tentando responder casualmente aos efeitos sobre a população de uma
cidade em situação de indefesa permanente. Estamos diante dos resultados de uma catastrófica gestão
urbana.
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