Edézio Teixeira de Carvalho [email protected] (31)32622722; 32210325 GEO-HIDROLOGIA DO SÃO FRANCISCO Geocentelha 175 O São Francisco é um rio notável por várias características, mas não pela vazão (quantidade de água que passa por uma dada seção na unidade de tempo). Neste aspecto, é insignificante perto do Amazonas, bem menor que o Paraná e muito menor que o Tocantins, que tem bacia hidrográfica pouco maior (setecentos e tantos mil contra seiscentos e tantos mil quilômetros quadrados. A diferença é grande: cerca de 2.800 m3/s para o São Francisco em Pão de Açúcar, próximo à foz, contra mais de 8.000 para o Tocantins em Tucuruí. Isto dá uma vazão específica para o São Francisco de 4,6 litros por segundo por quilômetro quadrado de bacia hidrográfica e para o Tocantins 11,4 litros por segundo por quilômetro quadrado. A diferença de vazão específica média entre dois rios tem sua primeira explicação na pluviosidade das bacias. Se outros fatores não fossem relevantes, a pluviosidade média do Tocantins teria de ser duas vezes a do São Francisco, o que não ocorre (deixo por duas vezes, porque em país civilizado quem não tem troco arredonda por baixo). Outros fatores entretanto pesam, entre eles a evapotranspiração média (evaporação direta da água do solo e principalmente dos grandes espelhos d’água, como as represas de Três Marias e Sobradinho no São Francisco e Tucuruí no Tocantins, mais a transpiração das plantas). Aqui é necessário chamar atenção para fato pouco citado – a floresta original ou plantada, embora possa cobrar alto preço hidrológico na transpiração durante a seca, beneficia muito, por sua rugosidade elevada, a infiltração na estação chuvosa, o que equilibra seus efeitos. A geo-hidrologia do São Francisco é muito peculiar por apresentar em larga faixa da bacia desde próximo as cabeceiras até o centro norte da Bahia o mais extenso conjunto de formações calcárias da plataforma brasileira, depositadas em mar epicontinental do Proterozóico (é difícil para o leigo, mas para os gestores seria imperdoável desconhecer elementos básicos de geo-hidrologia). Além desses calcários, são importantes como rochas-armadilhas os arenitos mesocenozóicos dos extensos tabuleiros do divisor de águas do Tocantins com o São Francisco nas divisas de Minas e Bahia com Goiás e Tocantins. Os calcários podem ter estado emersos, e então sido submetidos a drenagem e então carstificados (formação de grutas) e hoje poderiam estar escondendo um pouco de vazão do São Francisco (escoamento subterrâneo), mas meus colegas geólogos diriam, e com boa dose de razão, que se a bacia calcária proterozóica termina antes do mar, ela teria de restituir essa vazão em algum ponto antes da foz. São fatores geo-hidrológicos antrópicos a profunda dissecação representada pelas grandes voçorocas das regiões dos altos rios das Velhas (Cachoeira do Campo), Paraopeba (São Brás do Suaçuí e Contagem), e Pará (Oliveira) que representaram a perda de dezenas de milhões de metros cúbicos de reservatório geológico e outros milhões de metros cúbicos dos reservatórios formados pelas barragens, através do assoreamento em Três Marias, Sobradinho e outros. Essas interferências antrópicas na bacia hidrográfica afetam o regime dos rios, em especial as vazões de cheias e as vazões ditas de base, da estação seca. Em princípio não interferem na vazão média. Pode, contudo, interferir sensivelmente na vazão média o incremento da evaporação a partir das represas grandes e pequenas (que no conjunto somam grandes espelhos d’água) e dos sistemas de irrigação por aspersão e por inundação, contrariamente à irrigação ponto a ponto, que conduz a água essencialmente às raízes das plantas que precisam dela. Em particular o devastador assoreamento conseqüente à erosão linear (voçorocas) e laminar (remoção da película superficial de solo), além de tomar espaço à água reduzindo a capacidade desses reservatórios, repentinamente deixou de chegar ao mar e este, diante da impotência do rio, diante da falta de sedimento de que depende a estabilidade da linha de costa, avança sobre a terra em transgressão tecnogênica de considerável envergadura, destruindo parte de uma cidadezinha sergipana. A deficiência de suprimento da cadeia alimentar pode também ter reduzido o estoque de peixes e outros componentes da fauna marinha na região da foz. Colocar resíduos inertes nas voçorocas certas, capturando água, e valorizar como recurso mineral o material de assoreamento, para tijolos e bases viárias, são medidas imprescindíveis de revitalização. Belo Horizonte, 10/03/04 _______________________ Edézio Teixeira de Carvalho Geólogo