Tolhida de espanto, perguntei:
– Não o espelho grande da sala? – meu Deus!
– Foi – respondeu Margherita. – Meu famoso espelho que trouxe da Itália. Herança
de algumas gerações.
– Oh... – exclamei horrorizada. – Meu filho!
E Margherita continuou:
– Na hora, esqueci deles, para chorar. Quando os procurei, alguém me contou que
haviam embarcado numa canoa para Cachoeiro.
Perguntei, preocupada:
– Tem certeza de que chegaram à fazenda?
– Tenho. Gaetanon esteve aqui depois.
– Sinto muito, Margherita. Creia que estou verdadeiramente transtornada.
– Isto teria de acontecer mais cedo ou mais tarde, Karina.
Vidro não é ferro.
– Sim. Mas não desse jeito.
Margherita calou-se e eu fiquei a pensar nas palavras do Pe. Cristovam.
Nessa mesma tarde escrevi a Lessandro, avisando-o da
minha chegada. Mandei um mensageiro especial levar a carta.
Uma semana depois tomávamos uma canoa e subíamos o Santa Maria até
Cachoeiro. Lá encontramos nossas montarias aguardando. Em Santa Thereza estava
Lessandro e aí pernoitamos.
No dia seguinte, grande surpresa: já montados para descer a serra vimos surgir,
de todos os lados, cavaleiros e amazonas, fazendo grande algazarra em torno de nós.
Iam levar-nos à fazenda.
Olhei, preocupada, para Lessandro. Ele sorriu:
– Há lugar para todos e comida também – disse, adiantando o animal que montava
e abrindo caminho.
Formou-se um longo cortejo atrás de nós. No alto do vale, antes de começar a
descida, parei para olhar. E bem dentro do meu coração, senti viver, mais que nunca, o
sentimento de gratidão pela terra que o destino dera como pátria a meus filhos. E nunca
o amor dominou o meu sentir com tanta vibração como nesse dia, ao ver-me recebida
por meus filhos à porta de casa. Bárbara a correr para mim de bracinhos abertos.
Marieta a entregar-me uma flor. Piero e Marco a saltar de alegria, Bianca e Bruna
a sorrir de olhar banhado.
Gaetanon, com seus olhos saltados, dentuça à mostra, a dar vivas à “parôna”. E
muita gente ao redor falando, rindo, dando vazão aos próprios sentimentos.
O almoço foi servido. Fiquei encantada ao ver a mesa. A toalha branca e bem
engomada, a sopeira azulada, de onde escapava um cheirinho “gostoso” de capeleti
ao caldo. Ao lado do prato, um guardanapo alvinho, ajeitado no copo, com um cravo
vermelho no centro que passava depois para a lapela do comensal ou para o vestido
da dama.
Todos elogiaram o bonito arranjo da mesa. E quando começaram a chegar, em
grandes travessas e já trinchados, perus, frangos, e leitoas, houve aplausos e vivas. O
bom vinho, legítimo italiano, passava continuamente das garrafas para os copos. E havia
cerveja para quem quisesse.
Uma alegria contagiante tomou conta de tudo. Pouco a pouco, aqui e ali, vozes
alegres iam soltando pedaços de canções, até que a canção do Bepino começou:
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Tolhida de espanto, perguntei: – Não o espelho grande da sala