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Classificação do artigo 2 mar 2015 O Globo
PAULO DELGADO Paulo Delgado é sociólogo [email protected]
Meu Deus! A quem me queixo?
Imagine o estrago que faz um juiz como esse do Rio de Janeiro no interior. O juiz de comarca, cano d’água,
higiene da sociedade
Ninguém pode deixar passar batido vendo a imprevisibilidade dos juízes impregnar tudo. E há os
procuradores e seu arsenal de direitos subjetivos. Os humoristas até podem se livrar dos processos desde
que expliquem direitinho de que e de quem estão rindo. Três consensos começam a aparecer: não temos
hierarquias espirituais; a autoridade é um artista constantemente atuando; não haverá outra perspectiva
para nossa história. As pessoas imaculadas sempre foram anjos opressores. O velho mundo dos únicos
está renascendo com seu insaciável prazer pela grandeza. Movida a água de bica, é ridículo achar que a
sociedade mete medo no juiz. A menos que seja um juiz singular, honesto, discreto e sem mérito para ser
promovido. E não são mais seus colegas, juízes e promotores, os mais tristes com essa distorção da
identidade e a desescalada emocional de um poder.
CAVALCANTE
Imagine o estrago que faz um juiz como esse do Rio de Janeiro no interior. O juiz de comarca, cano
d’água, higiene da sociedade. Ninguém quer ficar lá abandonado. É preciso se tornar um mau juiz,
multidão, adquirir motivos sólidos para odiar a Justiça e começar a palpitar no paraíso do privilégio sem
perder tempo com o ambiente à sua volta. Bom é ser parte entre o caso e o réu. Ser “o” juiz do processo,
não “a” Justiça da sociedade. A honestidade entre juízes estará severamente comprometida se a
sociedade continuar sem ideia de qual é o senso de missão e orgulho que enche a vida de um juiz. Claro,
há honestos e dedicados cujas convicções diminuem a esfera da justiça que praticam. E há também um
segredo estranho: juízes justos que nem sempre são predominantemente bons. Avança em cadência
rítmica a corporação oficial que se protege e toda manhã acorda se vendo no mesmo lugar, diante de mais
juiz, e menos justiça.
É irresistível o diagnóstico freudiano aplicado às autoridades e a influência química, biológica,
fisiológica, psicológica das suas decisões. O juiz federal criminal não conseguiu esconder sua motivação
subjetiva e a sensação vaga de oportunidade que brota do arbítrio. Mas se fosse dinheiro que estivesse sob
sua guarda, e não carro ou piano? Engraçado as coisas se deteriorarem mais quando diminui a privação. O
fardo de tornar intolerável a impunidade do juiz, essencial para que a sociedade se torne democrática,
infelizmente não virá da própria Justiça, ocupada com palácio, repartição, tribunal, vara. O poder parece
não saber mais a quem se dirige, nadando na tolerância repressiva que estimula na sociedade.
Nenhum juiz hoje é importante o suficiente se não for capaz de formar um cartel de influência que
intimide os deuses que nos abandonaram. E o Judiciário e o Ministério Público são cada vez mais uma
família, parecendo que o mundo da política entrou no mundo do juiz, pai do juiz, filho do juiz, mulher do
juiz, concurso, adicional, auxílio­ moradia, férias proporcionais, atrasados acumulados, tribunais, drible em
tetos salariais, auxílio­celular, auxílio­motorista, e a lista tríplice que tanto interessa ao poder para ajudar
a tirar de vez a venda dos olhos da Justiça.
Oh, Deus! A quem me queixo?, vale o povo dos fervorosos desabafos de Santa Terezinha.
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