MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDO
ANO
3 • N º 6 • OUTUBRO 1995
Tiragem da 1a edição: 37.000 exemplares
OUTUBRO
95
1
MUNDO
geopolítica da escravidão
Navio negreiro, segundo Rugendas
“Tinir de ferros... estalar de açoite... / Legiões de
homens negros como a noite / Horrendos a dançar...”
Óleo de Manoel Victor
A tragédia da África Negra atual tem sua raiz na deportação, como escravos, de
pelo menos 11 milhões de pessoas para a América, entre os séculos XVI e XIX. O tráfico
de negros, praticado principalmente por Portugal, causou a hecatombe demográfica e
estimulou rivalidades étnicas que impedem a estabilização social, econômica e política do
continente.
Os que sobreviveram à dura travessia do Atlântico, nos porões fétidos dos navios
negreiros, foram levados aos territórios que viriam a formar os Estados Unidos, o Brasil
e os micro-países antilhanos. Ali, enfrentaram os mais diversos tipos de racismo -do
apartheid consagrado em lei até os anos 60 nos EUA ao apartheid ‘‘cordial’’ praticado no
Brasil. Em alguns momentos, os negros conseguiram se organizar contra o opressor: foi o
caso do Quilombo dos Palmares, liderado por Zumbi no séc. XVII, ou o da revolução dos
escravos do Haiti, liderada por Toussaint L’Ouverture, em 1801. Mas o racismo jamais
permitiu sua plena integração ao ‘‘mundo dos brancos’’.
Págs. 4-5
trabalha, negro !
Geografia e Política Internacional
M.C. Escher
V E S T I B U L A R
Esta edição de Mundo é especialmente dedicada ao Vestibular. Para facilitar ao leitor
uma sistematização dos estudos, preparamos, nas páginas
de 8 a 11, uma síntese de alguns dos principais temas do
ano, com perguntas e respostas. Também organizamos, à
pág. 2, um índice geral de tudo
o que foi publicado em Mundo durante 1995, de tal forma
que você poderá otimizar a sua
leitura adotando uma região
econômica e / ou geográfica.
Mundo deseja a todos os candidatos uma boa sorte!
Zumbi
(1636 - 95)
Texto & Cultura
Há 300 anos, em 20 de novembro de 1695, a morte de Zumbi dos Palmares
encerrou a mais importante revolta de escravos da história do Brasil. O legendário
líder negro se transformou em símbolo da luta contra a opressão racial, que no
Brasil assume uma forma disfarçada, sob o manto mitológico da ‘‘harmonia
racial’’. Apesar de marginalizados, os negros exerceram uma enorme influência
na cultura nacional. Introduziram as tradições africanas no idioma, na culinária, na vestimenta, na religião e na música, deram-nos o mais universal de
nossos escritores (Machado de Assis), o mais intenso dos nossos poetas simbolistas
(Cruz e Souza) e o mais famoso de nossos atletas (Pelé).
50 anos da ONU, 50 anos da bomba
Págs. 6 e 7
OUTUBRO
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MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDO
2
MUNDO
“É preciso mudar o Mundo!”
Dois momentos na vida de
Geografia e Política Internacional
Índice Geral de MUNDO - 95
Você encontra, abaixo, o índice geral de tudo o que foi
publicado no boletim Mundo - Geografia e Política
Internacional em 1995. Na primeira parte do índice, os
assuntos são listados segundo o número da edição do
boletim em que aparecem. Na segunda parte, o índice é
organizado por região econômica e / ou geográfica. Os
números em negrito (fora dos parêntesis) indicam o número
da edição do boletim; dentro dos parêntesis, indicam as
páginas. Por exemplo: Oriente Médio - 2: (1-6-7) 5: (9-10)
assinala que o assunto será encontrado em Mundo nº 2, às
páginas 1, 6 e 7 e também em Mundo nº 5, às páginas 9 e 10.
Número 1 - março 1995
• O colapso do México e a economia mundial
• Crise mexicana ameaça futuro do Nafta
• A Internet e a geopolítica da informação
• Peru e Equador guerreiam na Amazônia
• Milton Santos discute o Mercosul e a cultura
• O Meio e o Homem: água e política no Oriente Médio
• Diário de Viagem: as três Chinas
Número 2 - abril 1995
• Turquia atua como pilar do Ocidente no mundo islâmico
• Balcãs e África do Norte: duas faces de uma crise
• A Alemanha e a Europa, há 50 anos de 1945
• A Perestroika e o mundo, 10 anos depois
• A APEC, 20 anos depois da Guerra do Vietnã
• J. B. Natali comenta as eleições francesas
• O Meio e o Homem: Dien Bien Phu, guerra na selva
• Diário de Viagem: México
Número 3 - maio 1995
• A China depois de Deng Xiaoping
• Guerra balcânica ingressa em nova etapa
• A Anistia Internacional diante de FHC
• Argentina em crise reelege Carlos Menem
• Ariovaldo de Oliveira escreve sobre a Amazônia e o Sivam
• O Meio e o Homem: geopolítica dos estreitos marítimos
• Diário de Viagem: Japão
Número 4 - agosto 1995
• Entrevista exclusiva: Luiz Felipe Lampreia
• A política externa brasileira diante dos EUA
• “Grande Sérvia” e “Grande Croácia” emergem nos Balcãs
• Anistia Internacional divulga relatório anual
• Wagner da Costa Ribeiro discute Convenção do Clima
• O Meio e o Homem: A Chechênia e a guerra nas cidades
• Diário de Viagem: Cuba
Número 5 - setembro 1995
• EUA-Japão: o eixo assimétrico do mundo
• A Conferência da Mulher e os rumos do feminismo
• O Quebec e a unidade do Canadá
• As redes mafiosas internacionais
• Newton Carlos analisa a autonomia palestina na Cisjordânia
• Diário de Viagem: Israel e a Palestina
O MAPA DE Mundo
• Europa Ocidental - 2:(3-4)
• Europa Oriental - 2:(8) 3:(3) 4:(4-5)
• CEI - 2:(5) 5:(4)
• Estados Unidos/Canadá - 1:(3-9) 5:(1-5-6-7)
• América Latina - 1:(1-4-5-6-7-8) 2:(10) 3:(9) 4:(10) 5:(4)
• Brasil - 3:(4-5) 4:(1-6-7-8)
• Oriente Médio - 2:(1-6-7) 5:(9-10)
• África do Norte - 2:(8)
• Ásia Meridional - 2:(9)
• Oriente e Pacífico - 1:(10) 3:(1-6-7-8-10) 5:(8)
Como o mundo, Mundo muda. Em
1993, o boletim foi lançado com oito páginas,
que virariam doze no ano seguinte. Em 1995,
a novidade foi o caderno Texto & Cultura,
quatro páginas que se somaram às doze do já
tradicional caderno de Geografia e Política
Internacional. Todas essas mudanças
tiveram um sentido: aprimorar a qualidade
do boletim, contribuir para a formação de
seus leitores, investir na idéia de que é
possível e desejável uma reflexão crítica e
sofisticada sofre os fatos da vida
contemporânea.
Acreditamos, com o poeta, que
navegar é preciso, e por isso rejeitamos a
tentação de repetir, a cada novo ano, receitas
consagradas no passado -por mais que elas
tenham se mostrado acertadas. Foi isso que
nos levou, em primeiro lugar, a lançar
Mundo, e, numa segunda fase, a criar T&C.
Assumimos o desafio de tratar os fenômenos
da Geopolítica, da Gramática, da Literatura e
da Cultura em geral como algo vivo, processo
em permanente mutação, muitas vezes
contraditório, mas sempre enriquecedor.
A avaliação que os nossos leitores
fazem de nosso desempenho pode ser
rigorosamente medida: o número de
assinantes de Mundo pulou de 5 mil no
início de 1993 para 30 mil no final de 1995.
Ficamos honrados, mas sentimos o peso da
responsabilidade. O que mais nos anima é a
resposta positiva que recebemos de nossos
colegas professores e dos alunos que nos lêem,
escrevem e participam dos debates. O que
mais nos preocupa é estar à altura das
expectativas.
Mas o importante, mesmo, é que
Mundo consiga contribuir, ainda que
minimamente, para o processo de formação de
cidadãos brasileiros. A realização ou não
dessa imensa pretensão é que medirá, no
longo prazo, o valor de nossa empreitada.
(*) Os dados apresentados ao lado foram
obtidos mediante consulta realizada em
agosto junto aos professores de
Comunicação e Expressão das escolas
conveniadas. Publicamos apenas parte
dos resultados, por uma questão de
espaço e porque outras questões tinham
natureza mais técnica, de menor
interesse para o conjunto dos leitores.
Pela mesma razão, só publicamos as
alternativas que tiveram índice
significativo (igual ou superior a 5%).
Com chuva e engarrafamento, 450 leitores de Mundo
lotaram o anfiteatro da Faculdade de Geografia da
USP, em 19 de setembro, para discutir Política
Externa Brasileira (foto superior). Mundo também
teve a honra de oferecer uma palestra aos professores
que participaram do encontro Fala Professor,
promovido pela Associação dos Geógrafos Brasileiros
em Presidente Prudente (SP), em julho.
Na mesa (foto inferior), os professores
Demétrio Magnoli (editor de GePI, à esq.)
e Nelson Bacic (editor cartográfico)
Professores aprovam
Texto & Cultura (*)
1) Com relação ao objetivo de ajudar o aluno a
formar um repertório cultural, T&C é:
a) ótimo 65% b) bom 35%
2) O índice de leitura de T&C entre os seus alunos é:
a) alto 20% b) médio 80%
3) Na sua avaliação pessoal e profissional, T&C é:
a) ótimo 55% b) bom 45%
4) Você utiliza T&C em sala de aula:
a) sempre 40% b) às vezes 55% c) nunca 5%
5) T&C é utilizado como:
a) estímulo para redação 55% b) material de
trabalho 60% c) material de prova 45%
6) O nível de linguagem adotado por T&C é:
a) difícil mas compreensível 35% b) adequado 65%
7) Os temas abordados por T&C são:
a) oportunos e interessantes 80% b) interessantes, mas
sem relação com as prioridades didáticas 20%
OK, Karl! Você venceu!!!
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Seitas milenaristas
Apocalypse now
Shoko Asahara, o ‘‘venerável mestre’’ da seita
Verdade Suprema, levita e se comunica com
ETs; você emprestaria seu dinheiro a esse
sujeito?
O
observador distraído pode até achar
que o ‘‘venerável mestre’’ Shoko Asahara é um
cidadão comum. Pura ingenuidade! Na verdade, ele é um sábio, um sujeito misterioso
que em vidas passadas reinou na região celestial
de onde vêm os discos voadores. Ele pode levitar, curar e enxergar coisas invisíveis ao comum dos mortais. Seu cacife no além é tão
alto, que no dia do Juízo Final ele vai interceder junto a Deus em defesa dos integrantes de
sua seita, Aum Shinrikyo (Verdade Suprema).
Os demais, infiéis, arderão no inferno. E o
fim está próximo. A ‘‘guerra mundial definitiva’’ -diz Asahara- começará em 1997. A principal arma será o letal gás sarin, que ataca o
sistema nervoso.
Fiel e piedoso, Asahara quis dar uma
‘‘mãozinha’’ a Deus na tarefa de aniquilar a
humanidade. No final de março, armou um
atentado no metrô de Tóquio com o sarin,
que matou dez pessoas e afetou 5 mil. Em
abril, o profeta foi preso. A polícia encontrou,
nos depósitos da seita, ingredientes em quantidade suficiente para produzir 50 toneladas
de sarin (uma gota pura mata um ser humano). O dinheiro para comprar esse material e, obviamente, para assegurar uma vida confortável a Asahara- foi doado por cerca de 30
mil asaharistas, espalhados, principalmente,
por Tóquio, Moscou e Nova Iorque.
Terminava, assim, mais um capítulo
de uma longa novela envolvendo seitas
milenaristas -para quem o fim do mundo se
aproxima junto com o ano 2000. O número
de seitas apocalípticas se multiplica mundo
afora. Brasília, for exemplo, é tida por numerosos ‘‘esotéricos’’ como ponto de convergência de ‘‘energias cósmicas’’ e escapará ao
Armagedon de que fala a Bíblia. Até aí, tudo
bem. Cada um tem o direito de acreditar naquilo que quiser. Os problemas começam
quando as seitas tentam provar a verdade de
suas profecias, como fez Asahara, e se transformam em grupos de fanáticos terroristas ou
de adeptos da ‘‘solução final’’, o que inclui a
prática de suicídio coletivo.
Há vários exemplos recentes: o suicídio em massa promovido pelo Templo Solar,
na Suíça, em 1994, e a imolação dos seguidores de David Koresh, cuja sede, em Waco
(Texas), foi incendiada durante um cerco promovido pelo FBI (polícia federal dos Estados
Unidos), em 1993. Mas o número recorde de
suicídio de adeptos foi estabelecido em 1978,
quando o ‘‘reverendo’’ americano Jim Jones,
criador e chefe de uma comunidade na
Guiana, levou mais de 900 seguidores à autoaniquilação.
O que leva alguém a se associar a esse
tipo de grupo? Não há uma resposta única,
mas certamente a angústia em relação ao futuro, a ansiedade causada pela crise econômica, a sensação de falência moral e cultural que
marca a sociedade contemporânea -tudo isso
contribui para fazer com que uma pessoa abrace um ideal que, aparentemente, lhe dá respostas e, melhor ainda, lhe salvará do
apocalipse. É um princípio semelhante ao que
faz com que as pessoas acreditem nas seitas
evangélicas televisivas. A proximidade do fim
do milênio apenas oferece maiores oportunidades para que ‘‘pastores’’ impressionem e
engabelem suas ‘‘ovelhas’’.
Nesse sentido, o homem contemporâneo não é muito diferente daquele que presenciou a passagem do ano 1000. À época,
profetas buscavam nos céus -no deslocamento das estrelas e dos planetas, na passagem de
cometas, na forma das nuvens, na luz dos raios e no som do trovão- os augúrios que confirmariam a proximidade do fim. Na noite de
entrada do ano 1000, crentes enlouquecidos
se arrastavam em procissões à luz de tochas,
seguindo os messias que indicavam o caminho da salvação. Mil anos depois, mudaram
os meios e as técnicas, mas não o conteúdo.
Mas nem só de suicidas potenciais vivem as seitas milenaristas. Ao contrário, multiplicam-se grupos fortemente armados, como
no caso do iluminado Asahara. Os fanáticos
religiosos -não importa se católicos, protestantes, muçulmanos, judeus, budistas,
hinduístas ou de crenças mais exóticas- têm
tudo para ser os primeiros entre os diversos
grupos terroristas a utilizar armas de destruição em massa. Quando a tecnologia da morte
se une ao delírio sagrado, qualquer demência
é possível.
Assim caminha a humanidade.
E
D
I
T
O
R
I
A
L
A Escola de Comunicações e Artes da USP decidiu aplicar, este ano, o exame de Geografia para os candidatos a Jornalismo na 2ª fase do vestibular da Fuvest. Esta medida, que
revoga uma decisão adotada em 1994 (a qual abolia a Geografia na segunda fase), deve ser saudada como um grande avanço. Espera-se que o eventual futuro jornalista seja capaz de
desenvolver reflexões sobre os fenômenos que marcam o mundo contemporâneo: conflitos étnicos e movimentos migratórios (Geografia Humana), alterações de fronteira (Cartografia e
Geografia Política), guerras nas quais as condições do relevo e
clima têm importância crucial (Geografia da Natureza), o advento dos megablocos e os novos cenários em que se desenvolvem os vínculos entre os Estados (Geopolítica). A Redação
de Mundo aplaude, hoje, a decisão da ECA, com a mesma intensidade com que a criticou em maio de 1994 (à pág. 3, no
Editorial).
A nova postura da ECA não é, felizmente, um fenômeno
isolado. Ao contrário, reflete uma preocupação central daqueles que elaboram o vestibular. É exemplar, nesse sentido, uma
entrevista concedida ao jornal OESP (21.ago.95, p. A11) por
Atílio Vanin, vice-diretor da Fundação Fuvest. “O vestibular da
Fuvest -diz Vanin- contempla o cotidiano, o dia-a-dia. Este ano,
por exemplo, temos o aniversário da bomba de Hiroshima e
Nagasaki. Certamente poderá suscitar questões em Geografia,
Física, Química, Matemática, História e até em Português. É
muito importante que o aluno esteja ‘ligadão’, não deixe de
assistir aos filmes do momento, ler jornais e revistas.” Para
enfatizar sua preocupação, Vanin afirmou, também, que “a
maior média em Geografia foi obtida por alunos de Medicina.
Com certeza, não vamos ter, a partir deste vestibular, médicos
que não saibam identificar a Bósnia, ou que não consigam localizar os Alpes suíços. O vestibular começa a atender requisitos pedagógicos e sociais como nunca atendeu antes.”
Nem todos os departamentos da USP adotaram essa
perspectiva. Por exemplo, a FAU persiste na prática de ignorar
a Geografia na 2ª fase -como se fosse possível formar arquitetos competentes embora impermeáveis às oscilações do mundo. Aparentemente, se dependesse só da FAU, arquitetos poderiam continuar ignorando a Bósnia. Mas a tendência apontada por Vanin é irreversível. A excessiva especialização na formação do estudante, resultado de um corporativismo rude, é
incompatível com o tipo de profissional de que o mercado necessita hoje. Se isso é verdade em geral no mundo, mais ainda
no Brasil -onde todo e qualquer problema ‘‘técnico’’ esbarra
imediatamente na ‘‘questão social’’.
E
X
P
E
D
I
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T
E
MUNDO - Geografia e Política Internacional é uma publicação de Pangea - Edição e Comercialização
de Material Didático LTDA.
Redação: José Arbex Jr. (Editor Geral), Demétrio Magnoli (Geografia e Política Internacional),
Nelson Bacic Olic (Cartografia), Paulo César de Carvalho (Texto & Cultura)
Jornalista Responsável: José Arbex Jr. (MT 14.779)
Diretor Comercial: Arquilau Moreira Romão
Projeto e editoração eletrônica: Wladimir Senise
Endereços: São Paulo: Rua Romeu Ferro, 501. CEP 05591-000 - Fone e Fax: (011) 211-9640
Ribeirão Preto: Espaço Cultural Tantas Palavras - Rua Floriano Peixoto, 989 CEP 14.025-010 Fone: (016) 634-8320 Fax: 623-5480.
Belém: J.M.C. Morais, Av. Augusto Montenegro, conj. Morada do Sol, pr. Sol Nascente, aptº 403 Belém (PA) CEP 66000-000 Fone: (091) 216-8018
Colaboradores: Newton Carlos, J.B. Natali, Nicolau Sevcenko, Rabino Henry I. Sobel, Carlos A. Idoeta (Anistia
Internacional), Guilherme Fiuza (Greenpeace), Hassan El Emleh (Federação Palestina do Brasil).
A Redação não se responsabiliza pela opinião ou informação veiculadas em matérias assinadas.
Assinaturas: Por razões técnicas, só oferecemos assinaturas coletivas para escolas conveniais. Pedidos
devem ser encaminhados aos endereços acima. Exemplares individuais podem ser obtidos nos seguintes
endereços, em SP:
• Associação dos Geógrafos Brasileiros (AGB), na Faculdade de Geografia da Universidade de SP (USP).
• Banca de jornais Paulista 900, à Av. Paulista, 900.
• Em Ribeirão Preto: na Sucursal (v. endereço acima)
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MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDO
geopolítica da escravidão
Tráfico de negros
construiu a
riqueza das
potências e a
tragédia da
África
Regina Araujo
Especial para Mundo
Entretanto, o tráfico de negros para
as plantations americanas, realizado principalmente pelos portugueses, mas também
por ingleses, holandeses e franceses, teve um
significado muito mais profundo na história do continente africano. A África Negra
jamais se recuperou da hecatombe
demográfica e rivalidades étnicas fomentadas pelos quatro séculos de tráfico de sua
população para as colônias da América.
Zumbi dos Palmares
Berlim (1885), no qual as potências européias partilharam o território africano e
proibiram o tráfico de escravos no continente. Ainda assim, persistiram os ódios
étnicos fundados na existência de etnias
escravocratas e escravizadas. As fronteiras
coloniais surgidas no Congresso de Berlim
-traçadas de acordo com o poderio de cada
uma das potências (França, Grã-Bretanha,
Alemanha, Portugal) e não de acordo com
as realidades etnoculturais da África- separaram, muitas vezes, a mesma etnia em dois
ou três territórios controlados por potências diferentes, ou unificaram em uma mesma região inimigos históricos.
Mais tarde, com a descolonização,
as antigas possessões européias se transformaram em Estados independentes marcados por violentos conflitos interétnicos. A
falta de coesão nacional atua como um dos
principais entraves ao desenvolvimento econômico, e constitui um dos fatores estruturais da disseminação da miséria na África. A rivalidade étnica também repercute
na vida política de grande parte dos atuais
países da África negra. Os diferentes partidos políticos não se agrupam em torno de
idéias, mas correspondem a grupos étnicos
que disputam o controle do Estado. Mesmo na jovem democracia sulafricana, onde
a luta contra o apartheid poderia ter funcionado como fator de união dos negros considerados não-cidadãos até as eleições
de 1994-, os conflitos interétnicos ameaçam a estabilidade econômica e política.
Assim, o tráfico negreiro e as
EVOLUÇÃO DA POPULAÇÃO AFRICANA
milhões
Ilustração Ohi
800
700
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500
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300
1650
Fonte: ONU
H
1950
1970
2000
▼
100
1900
A deportação de milhões de negros
oriundos de incontáveis comunidades
etnoculturais africanas para as plantations
americanas assinalou, de maneira trágica,
o início da modernidade. Os negros africanos foram os primeiros viajantes em massa, prenunciando os grandes movimentos
populacionais e a mistura de culturas, raças e religiões que caracteriza o mundo
moderno.
Mas eles não foram os primeiros
escravos. O mundo greco-romano da Antigüidade Clássica, por exemplo, foi movido pela energia dos escravos. Em algumas
regiões do Império Romano, a produção
agrícola em larga escala, realizada com trabalho escravo, prenunciou a forma de exploração da terra que viria a se tornar dominante em grande parte do território colonial americano. Mas o abastecimento das
civilizações escravocratas da Antigüidade
Clássica acontecia dentro -ou, no máximo,
muito próximo- do limite de suas próprias
fronteiras. Tampouco foram as potências
coloniais européias que inventaram a escravidão na África. O tráfico de cativos africanos era praticado muito antes das Grandes
Navegações e da conquista da América. A
escravização de tribos inimigas ou de derrotados nas guerras sempre existiu no continente. Nos séculos VIII e XIX, as populações negras das fronteiras meridionais do
Saara e das costas do oceano Índico foram
objeto de comercialização em larga escala
pelos mercadores árabes, que abasteciam os
regiões islamizadas do Mediterrâneo e Oriente Médio.
Estima-se que a deportação para a
América tenha atingido 11 milhões de negros entre os séculos XVI e XIX, e que só
as possessões portuguesas tenham recebido entre 3 e 5 milhões de cativos nesse intervalo. Ao contrário dos mercadores árabes, que preferiam as mulheres destinadas
aos haréns, o tráfico europeu valorizava
mais os homens, devido à sua força para o
trabalho na terra. O despovoamento e o
desequilíbrio sexual implicaram uma prolongada estabilidade demográfica no continente africano, só rompida no século XX
(v. o gráfico, no box abaixo).
Mesmo no auge do tráfico negreiro, poucos comerciantes europeus se aventuraram a penetrar no território da África
para capturar escravos. Na maior parte dos
casos, como já havia acontecido durante o
tráfico árabe, o trabalho de caça e de captura era realizado pelos próprios negros, que
vendiam os escravos para os europeus nas
feitorias costeiras. As etnias negras mais
poderosas chegaram a organizar aparelhos
negreiros, que atacavam as tribos onde viviam etnias menores ou desorganizadas.
Aparelhos negreiros rivais não raro se envolviam em guerras pelo controle do tráfico intra-africano.
O tráfico de escravos para a América declinou após o Congresso de Viena
(1815), graças à ação do governo britânico. Mas, os aparelhos negreiros continuaram em funcionamento, comercializando
escravos dentro do território africano. Essa
prática só acabou após o Congresso de
763
4
▼
OUTUBRO
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(a)
(a) Previsão do Banco Mundial.
á 300 anos, em 20 de novembro de 1695, a morte de Zumbi dos Palmares encerrava a mais importante revolta de escravos da
história do Brasil. O legendário líder se transformou em símbolo da luta contra a opressão racial. O Quilombo de Palmares começou a
nascer numa revolta ocorrida em um grande engenho da Capitania de Pernambuco, provavelmente no fim do séc. XVI. Armados de
foices e paus, os negros atacaram e dominaram feitores e senhores de engenho, fugindo para a inóspita região de Palmares, na Serra da
Barriga (atual Estado de Alagoas). Nos decênios seguintes, Palmares receberia negros foragidos de outras revoltas. Estima-se que as
aldeias que compunham o Quilombo em seu apogeu abrigaram até 30 mil pessoas, incluindo negros, mestiços pobres e índios.
A comunidade iria resistir durante um século a uma das maiores e mais cruéis campanhas bélicas da história colonial do Brasil:
pelo menos 30 expedições organizadas pelos mais experientes militares. Mas sucumbiu ao bandeirante paulista Domingos Jorge Velho,
especialista no massacre de índios. A cabeça de Zumbi, morto no último assalto da luta, foi espetada em um poste no centro de Recife.
MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDO
geopolítica da escravidão
plantations, ao desorganizarem a economia
tribal de subsistência, escreveram os capítulos da iniciais da atual tragédia africana.
Para os milhões de negros que sobreviveram à travessia do Atlântico e foram levados aos territórios que viriam a formar os
Estados Unidos, o Brasil e os micro-países
antilhanos, porém, uma outra história estava apenas começando. Parte dessa história se reflete no mapa ao lado.
As várias faces do racismo
O general Collin Powell é um dos
principais personagens do cenário político
dos Estados Unidos. Sua recém-lançada
autobiografia, Uma Jornada Americana,
transformou-se em best-seller. Pesquisas préeleitorais o apontam como sério candidato
à sucessão de Bill Clinton. Powell é negro.
Mas é pouco provável que ele fosse considerado negro se vivesse no Brasil. Aqui, no
máximo, seria mulato. Caso tivesse sido
recenseado pelo IBGE, seria enquadrado na
genérica categoria dos “pardos”, um espécie de “outros” dos censo brasileiro, que
engloba a população mestiça.
Como explicar, então, essa diferença na forma de encarar a cor do general?
Como vimos, o tráfico de escravos despejou milhões de seres humanos na entrada
de serviço do continente americano. Mesmo se oriundos de distintos grupos étnicos
e lingüísticos, foram igualados pela cor da
pele e pela escravidão. Entretanto, a
integração dos negros nos diversas sociedades nacionais que viriam a se formar na
América trilhou caminhos muitos diferentes. Nosso espanto em reconhecer um negro em um mulato reside nessa diferença.
Os negros são 12,1% da população
dos EUA, isto é, cerca de 30 milhões de
pessoas. Não há estatísticas para “mulatos”.
O que conta não é o fenótipo mas o
genótipo: se a pessoa tiver sangue negro ela
será negra, mesmo se tiver a pele mais clara. No Brasil, os negros são pouco menos
de 5% da população, enquanto os “pardos”
são mais de 40%. Nesse caso, o que conta
é a autoidentificação: são negros aqueles que
se identificam como tal durante o recenseamento. Assim, as clivagens e choques entre os grupos étnicos são muito mais visíveis nos EUA.
Até meados do século XX, a segregação impregnava a legislação de muitos
Estados do Sul, que ainda concentravam a
maior parte da população negra dosEUA.
Os negros eram obrigados a ocupar os últimos lugares dos ônibus, e, caso este estivesse cheio, a ceder seu assento aos brancos. Nas escolas, bibliotecas, parques e hospitais públicos os negros não podiam se
misturar aos brancos. O protesto dos negros contra a discriminação não raro pro-
vocava batalhas travadas com milícias brancas fortemente armadas. Durante a Segunda Guerra, paradoxalmente, o país que lutou na Europa contra os horrores do nazismo mantinha, oficialmente, a discriminação em seu próprio território.
A luta pela fim da segregação nos
EUA ganhou fôlego a partir da década de
50, com o crescimento do ativismo negro.
A dispersão espacial dos negros pelo território norte-americano e a formação de minorias negras significativas nas principais
metrópoles imprimiram uma dimensão
nacional à “questão negra”, e ajudaram a
ampliar a mobilização em favor da igualdade perante a lei. Em 1963, 260.000 pessoas (negros e brancos) participaram da famosa marcha sobre Washington liderada
pelo pastor Marthin Luther King, exigindo providências do governo federal. No ano
seguinte, o Congresso iria aprovar uma legislação de direitos civis (Civil Rights Acts),
conferindo aos negros e brancos igualdade
jurídica. King seria assassinado em 1968.
O Brasil dos ‘‘pardos’’
No Brasil, a “questão negra” jamais
mobilizou a sociedade. O “racismo cordial” brasileiro nunca se explicitou em leis de
segregação: a evidente marginalização econômica, política e cultural dos negros não
precisou delas. A elevada mestiçagem da
população é freqüentemente associada a
uma suposta harmonia racial, que
distingüiria o Brasil dos EUA (v. Texto &
Cultura). Na realidade, a mestiçagem é
apenas um reflexo da forma como se deu a
colonização do país. A maioria dos portugueses que aqui desembarcaram não trouxe família, pois esperava enriquecer e voltar para casa. Como vieram muito mais
homens que mulheres, é fácil entender a
intensa miscigenação entre brancos e negras.
É muito difícil aferir dados reais
sobre a cor da população brasileira. Nos
censos do IBGE, por exemplo, milhões de
negros e mulatos ao serem inquiridos sobre sua cor optam por um “tom” o mais
perto possível do modelo tido como superior (branco). Em um dos últimos censos,
o IBGE listou uma lista de mais de 120
“cores” utilizadas por negros e mulatos para
se autoidentificar, tais como acastanhada,
agalegada, alva-escura e alva-rosada. Todos
foram recenseados como “pardos”. A identificação da população negra com a sua própria cor é uma das principais bandeiras dos
movimentos negros do país.
“Nèg rich sé mulat’’
Se ao invés de ter nascido nos Estados Unidos ou no Brasil, Collin Powell tivesse nascido no Haiti, ele seria negro ou
mulato conforme sua posição na estrutura
OUTUBRO
95
5
Distribuição étnica em alguns países das Américas
EUA
80,3%
CUBA
12,1%
7,6%
66,0%
12,1%
21,9%
HAITI
0,1%
95,0%
4,9%
R. DOMINICANA
15,0%
15,0%
70,0%
BRASIL
55,0%
Composição étnica
5,0%
40,0%
Brancos
Negros
Mestiços e outros
Texto no Vestibular
1) (Unicamp 95 -2ª Fase / História - adpatada) Durante o processo de Independência da América
Latina, diferentes significados foram atribuídos à idéia de liberdade. Explique o significado da
liberdade para:
a) Simón Bolívar, um dos líderes da Independência da América espanhola b) Toussaint Louverture
e Dessalines, líderes da independência do Haiti
c) Zumbi, líder do Quilombo dos Palmares e Pedro I, imperador do Brasil
2) (Unicamp 95 -2ª Fase / História) Ao exaltar o imperialismo inglês, Rudyard Kipling escreveu
em um de seus poemas:
“Aceitai o fardo do homem branco, / Enviai os melhores dos vossos filhos, / Condenai vossos filhos ao
exílio, / Para que sejam os servidores de seus cativos.”
a) Como esses versos de Kipling explicam o imperialismo inglês? b) Quais as áreas mais cobiçadas
pelo imperialismo inglês e por quê?
de classes. Um ditado popular haitiano diz
que “nèg rich sé mulat, mulat póv sé nèg”
(negro rico é mulato, mulato pobre é negro). O Haiti, nascido na colonização francesa na porção ocidental da ilha Hispaniola,
protagonizou a primeira revolução de escravos do mundo. Em 1801, o negro
Toussaint L’Ouverture derrotou os franceses e declarou extinta a escravidão. Foi capturado por um Exército enviado por
Napoleão, mas logo depois uma segunda
onda de revoltas expulsou definitivamente
os franceses.
A revolução dos escravos parecia
indicar um caminho novo na história da
opressão racial na América. Mas, as disputas territoriais com a República
Dominicana (1820-44), o domínio norte
americano (1905-34) e um longo ciclo de
ditaduras (1957-86) destruíram a economia do país, hoje o mais pobre da América. A Revolução do Haiti foi inspirada nos
ideais da Revolução Francesa, mas gerou
apenas o despotismo da nova elite, negra e
mulata, que assumiu o poder. A nova classe dominante - assentada na propriedade
da terra e no controle do aparelho de Estado- vive na capital, cultiva o francês e a religião católica. Os negros miseráveis, imensa
maioria da população, sobrevivem da agricultura familiar em posses minúsculas, falam o créole e praticam os ritos do vodu.
Regina Araujo é professora, doutoranda
em Geografia na USP e co-autora, com
Demétrio Magnoli, de vários títulos
didáticos
MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDO
Dossiê especial: o mundo entre a diplomacia e a bomba
ONU chega aos 50 anos dividida entre os ideais e a Razão de Estado
2) As bombas atômicas lançadas pelos Estados Unidos em
Hiroxima e Nagasáki, representaram para o Japão o fim de
um projeto e o ponto de partida de outro. Explique o significado dessa frase.
3) Qual a postura do Brasil em relação a atual estrutura do
Conselho de Segurança da ONU?
4) A criação da ONU foi resultado de uma conferência internacional, logo após o término da Segunda Guerra Mundial. Essa conferência foi a de:
a) São Francisco b) Yalta c) Potsdam d) Nova Iorque
e) Berlim
‘‘Pensem nas crianças / mudas
telepáticas / pensem nas
meninas / cegas inexatas /
pensem nas mulheres / rotas
alteradas
Pensem nas feridas / como
rosas cálidas / mas oh, não se
esqueçam / da rosa da rosa /
da rosa de Hiroxima / a rosa
hereditária / a rosa radiativa
/ estúpida e inválida / a rosa
com cirrose / anti-rosa
atômica / sem cor sem
perfume /
sem rosa sem nada’’
(‘‘A Rosa de Hiroxima’’ Vinicius de Moraes)
‘‘O Japão já estava derrotado em 1945. As bombas que lá
explodiram tinham como endereço a União Soviética.’’
(Joseph Roblat, físico inglês, 83 anos, integrante, até 1944, do Projeto
Manhattan -que idealizou, projetou e detonou a primeira bomba
atômica, em julho de 1945, em teste realizado no deserto de
Alamogordo, EUA - Estado de S. Paulo, 03.out.95, pág. A-10)
Criança de
Hiroxima afetada
pela radiação
A bomba que foi
jogada sobre
Hiroxima
Considere, atentamente, todos os elementos iconográficos, estéticos e as informações históricas contidos acima.
Faça, em seguida, um texto que discuta as mais importantes implicações geopolíticas, culturais e éticas do lançamento da
bomba atômica sobre Hiroxima (em 06 de agosto de 1945) e Nagasáki (em 09 de agosto de 1945) .
Resposta:
1) Em outubro de 1995, a ONU completou 50 anos de
existência. Quando de sua fundação, a organização contava
com 51 países membros. Hoje, este número ultrapassa os
180. Vários organismos compõem o “setor político” da
ONU. Entre eles, destaca-se o Conselho de Segurança (CS)
integrado por delegados de 15 países. Cinco desses representantes são permanentes; os outros dez são eleitos a cada
dois anos. Os cinco permanentes têm poder de voto e de
veto; os demais só participam das discussões. Os cinco membros permanentes do CS são:
a) Japão, EUA, Rússia, Canadá e Grã-Bretanha b) Índia,
China, Brasil, EUA e França c) EUA, Brasil, África do Sul,
Índia e Alemanha d) EUA, França, Grã Bretanha, Rússia e
China e) EUA, Alemanha, Japão, Grã Bretanha e França.
Texto no Vestibular
1) d
MUNDO no Vestibular
Da mesma forma como entre os homens o eu pressupõe a existência do não-eu, entre os
Estados é igual. O Estado só é potência para se manter ao lado de outras potências
igualmente independentes (...). A soberania, no sentido jurídico - a completa independência
do Estado com relação a qualquer outra potência existente no mundo - pertence de tal forma
à essência do Estado que constitui o critério da sua natureza (...). A soberania não pode ser
partilhada, nem pode haver graus de soberania. É ridículo falar de um Estado superior ou
inferior. Gustavo Adolfo dizia: “Não reconheço ninguém acima de mim, a não ser Deus e a
espada do vencedor.” Uma vez mais, o futuro da humanidade não pode estar na união sob a
autoridade de um único Estado; o ideal será instituir uma sociedade de povos que, por meio
de tratados concluídos livremente, limite a soberania sem a suprimir.
(Heinrich von Treitschke, Politik, 1897)
2) O projeto que se findava com a derrota japonesa teve seu início na segunda metade do século XIX, quando da Restauração Meiji, que estabeleceu um governo central único para o país. Desde essa época, até 1945, o Japão desenvolveu um
projeto de modernização econômica que resultou, do ponto de vista geopolítico, num expansionismo territorial sobre
amplas áreas do Extremo Oriente e Sudeste Asiático. Com a derrota do país na Segunda Guerra Mundial, criou-se, inicialmente, uma total dependência econômico-militar do Japão para com os EUA. A dependência econômica tornu-se cada vez
mais tênue, à medida que o tempo passava; hoje, o Japão é um dos maiores concorrentes dos EUA no contexto econômico
internacional. Do ponto de vista militar, o país ainda hoje tem sua integridade territorial garantida pelos EUA.
O chanceler brasileiro, Luiz Felipe Lampreia, de acorforça para impor uma vontade geopolítica. O fracasso da
do com a tradição, pronunciou, a 25 de setembro, o discurLiga das Nações derivou precisamente da reafirmação da
so de abertura da 50ª Assembléia-Geral da ONU. Ele desoberania do Estado na esfera do direito de fazer a guerra.
fendeu uma ampla reforma no Conselho de Segurança (CS),
Em 1933, a Alemanha de Hitler e o Japão imperial retiraatravés da inclusão, como membros permanentes, “de novam-se da Liga, em 1937 era a vez da Itália de Mussolini,
vas potências econômicas” -leia-se: Alemanha e Japão- e “de
em 1940 a União Soviética era expulsa. Assim, a Liga redupaíses em desenvolvimento com projeção global” -leia-se,
ziu-se formalmente ao que sempre foi, realmente: um consobretudo, o Brasil. Segundo Lampreia, a reorganização do
domínio franco-britânico.
CS nessas bases asseguraria a sua “legitimidade” e
A ONU já tem duas vezes e meia a idade da Liga e,
“representatividade”, refletindo “a diversidade de visões de
apesar das crises trágicas ou patéticas que a acometem, não
mundo”.
parece próxima da morte. Quais as causas da “durabilidaEm seguida, falou o secretário de Estado americano.
de” excepcional das Nações Unidas, se comparada à sua inWarren Cristopher mencionou de passagem a necessidade
feliz antecessora?
de que “todas as regiões” do mundo tenham representantes
O motivo não pode ser buscado na coerência de prinno CS, mas reafirmou a conhecida posição de Washington
cípios, já que a Carta da ONU repete, com algumas nuances
segundo a qual apenas Alemanha e Japão devem se qualifie maiores cuidados, as ilusões pacifistas e legalistas do Pacto
car como novos membros permanentes. A reforma conserda Liga. A duplicidade entre a palavra e o gesto exprime-se
vadora proposta pelos Estados Unidos -que já foi alcunhana própria estrutura orgânica das Nações Unidas, que fixa o
da de “quick fix”, algo como “remendo rápido”, no jargão
princípio da igualdade dos Estados na Assembléia-Geral diplomático- congela o Conselho na sua velha condição de
onde cada membro possui um voto- e o renega na composiclube das grandes potências.
ção e direito de veto do Conselho de Segurança. O alicerce
Lampreia e Cristopher personificam, casualmente,
da sobrevivência da ONU não se encontra nela, mas no
os pólos entre os quais oscila o pêndulo da ONU, desde a
ambiente exterior: a situação de “equilíbrio do terror” visua fundação, no encergente desde o fim da Segunda Guerramento da Segunda
ra. A dissuasão mútua dos arsenais
o equilíbrio do terror revelou eficácia muito
Guerra (1939-45). No
nucleares das superpotências da
maior do que as iniciativas idealistas que
discurso do chanceler do
Guerra Fria evitou a guerra total,
tentaram
pôr
a
guerra
fora
da
lei
Brasil, ouvem-se os ecos
revelando eficácia muito maior que
dos ideais de igualdade
as iniciativas idealistas que tentaram
entre os Estados que tepôr a guerra fora da lei. Nesse ambiceram uma declaração seminal: a Carta das Nações Unidas,
ente tenso -no qual evitar a guerra devastadora tornou-se
aprovada pela Conferência de São Francisco a 26 de junho
prioridade da política externa das potências- a ONU funcide 1945. No discurso do secretário americano, encontramonou como moldura para um diálogo entre inimigos.
se articulados os conceitos da política de poder: as relações
Durante a Guerra Fria, as esferas de influência das
internacionais dependem da força e dos recursos que dissuperpotências definiram os direitos e limites para o uso da
tinguem as potências dos demais Estados.
força: a ONU nada fazia de prático contra as invasões soviA idéia de limitar a soberania dos Estados pela
éticas na Europa Oriental (como na Tchecoslováquia, em
edificação de uma sociedade internacional só deixou a teo1968) ou as invasões americanas no Caribe (como na
ria para ingressar no mundo real em função do trauma da
Guatemala, em 1954). O fim da Guerra Fria conferiu a
Primeira Guerra (1914-18). A Liga das Nações, efêmera
Washington um novo poder sobre a ONU, mas esse poder
antecessora da ONU criada em 1920, foi desde o início
não é tão absoluto como pareceu há poucos anos. Na Gueraprisionada pela contradição entre o idealismo retórico e a
ra do Golfo (1990-91), enquanto a URSS se esfacelava, os
política prática de poder. O Pacto da Liga, seu documento
Estados Unidos cobriram-se com a bandeira da ONU para
de fundação, estabelecia a obrigação dos Estados de renunformar a coalizão contra Sadam Hussein. Já na Guerra da
ciar ao uso da força e estabelecer relações baseadas “na justiBósnia (1991-95), a Rússia tem se revelado capaz de impor
ça e na honra”. Porém, a própria Liga ergueu-se sobre o
limites mais ou menos rígidos ao envolvimento da ONU e
Tratado de Versalhes, de 1919, que sintetizava o direito da
da Otan no combate direto aos sérvios.
força das potências européias vencedoras da guerra, humiNo pós-Guerra Fria, por duas vezes, a ONU foi à
lhava a Alemanha e rejeitava a “paz sem vencedores” proguerra. Essa novidade, contudo, não expressa um maior
posta pelo presidente Wilson, dos Estados Unidos, nos seus
poder das Nações Unidas, mas uma distribuição diferente
célebres 14 Pontos.
do poder no ambiente exterior. De novo, e mais uma vez, o
Colocar a guerra fora da lei -essa foi uma noção muito
poder soberano dos Estados: é ele que se reflete no espelho
repetida pelo pacifismo idealista do entre-guerras. No final
da ONU. A proposta americana do “quick fix” quer reforda década de 20, o pacto Briand-Kellog, inspirado pelos
mar o espelho, a fim de que possa reproduzir com fidelidaEstados Unidos e reverberando ainda os 14 Pontos de Wilde a estrutura do poder mundial depois da Guerra Fria. A
son, proclamava, solenemente, a ilegalidade da guerra. Tais
proposta brasileira quer quebrar o espelho, instaurar a igualiniciativas buscavam limitar a soberania dos Estados naquidade e colocar a guerra fora da lei. Todos sabem o fim da
lo que ela tem de mais essencial e definitivo: o recurso à
história.
3) O Brasil considera que o CS da ONU está ultrapassado, e gostaria que ele fosse mais representativo. Isso aconteceria, na
perspectiva do Itamaraty, se novos membros permanentes fizessem parte do CS, e se países do Terceiro Mundo estivessem
lá presentes (é claro que o Brasil se considera um sério candidato a uma das possíveis vagas).
6
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4) a
OUTUBRO
95
Mururoa agita
fantasma da “eurobomba”
Newton Carlos
Da Equipe de Colaboradores
Estaria a caminho uma eurobomba? O deputado trabalhista David Clark, ministro da Defesa do “shadow
cabinet’’ -o governo paralelo do principal partido de oposição inglês-, garante que seus país e os EUA estão envolvidos, por meio de acordo secreto, com os testes nucleares
franceses. A denúncia foi publicada no Guardian, o jornal
liberal de Londres. O ministério do Exterior inglês negou,
como era previsível, mas admitindo ser “crescente” a cooperação com a França, “em questões atômicas” -o que se ajusta às informações recolhidas por Clark em Genebra, onde
funciona a comissão da ONU encarregada de preparar acordo de proibição total dos testes.
Londres comprometeu-se a cobrir parte das despesas do programa “relançado” por Paris, em troca do acesso
aos dados levantados no atol de Mururoa. Segundo o
Guardian, os laboratórios inglês de Aldermaston e americanos de Los Alamos e Livermore já começaram a estudar o
que ensinam as explosões no Pacífico sul, condenadas mundialmente, inclusive por Washington. Oficialmente, elas são
feitas para tornar a bomba mais segura. Na realidade
“redefinem” modelos de armas de destruição maciça. As
potências atômicas ocidentais incrementam seus arsenais
antes que os testes sejam proscritos.
Com medo de proliferação “horizontal” -países do
Terceiro Mundo com armas atômicas e foguetes-, as potências querem colocar um ponto final nas explosões, sobretudo depois de terem condições de desenvolver e velar pela
eficiência de seus engenhos por meio de demonstrações em
laboratórios. Falando na ONU, o presidente Bill Clinton
disse que “a prioridade mais urgente é atacar a disseminação das armas de destruição maciça, sejam nucleares, químicas ou biológicas”. Sem isso, advertiu, “nenhuma democracia estará segura”. O secretário de Defesa americano,
William Perry, calcula que vinte países, no mínimo, já têm
ou procuram ter meios de desenvolver e de também disparar estas armas.
Especialistas concordam. Acrescentam, no entanto,
que é igualmente perigosa a proliferação “vertical” -a multiplicação e modernização dos arsenais nucleares das potências, em violação ao Tratado de Não Proliferação (TNP) assinado em 1970 e prorrogado indefinidamente em 1995.
Para que a prorrogação fosse aprovada, os cinco membros
permanentes do Conselho de Segurança da ONU prometeram livrar-se gradativamente de suas bombas e foguetes e
assinar a proibição total dentro de um ano. Mas não se tratou de “permissão temporária” para que novos testes fossem
realizados e sim de prazo necessário às negociações, sem mais
avanços.
A França, já se sabe, está montando um novo sistema de armas e partindo para mudanças estratégicas. A
dissuasão “absoluta”, baseada em represálias nucleares maciças contra centros urbanos, perdeu sentido diante do colapso da União Soviética e criação da União Européia. Agora é preciso preparar-se para intervenções militares, “se necessário com armas nucleares”, em qualquer ponto da Terra
onde estejam em jogo interesses franceses. Entram em ação
em novo submarino, o Trionphant, um novo foguete, o M
45, e uma nova ogiva, a Tn-75. Os estrategistas franceses
simplesmente acompanham “atualizações” no restante das
potências. O Japão, porta-voz natural da oposição às bombas, como primeira vitima, fala de “traição à confiança dos
países não nucleares que aprovaram, sob condições, a prorrogação do TNP”.
Há ainda, em cima do Japão, a agressividade da
China, palco de duas explosões este ano. Em maio, ela tes-
tou pela primeira vez um foguete de longo alcance. As incursões no mar da China, rico em petróleo, fortalecem falcões de direita, que querem “independência” nuclear para o
seu país. Pouco se fala do avanço japonês em tecnologia de
satélite. Em março foi lançado, com êxito, o míssil 112, de
potência equivalente à do Titan 3-D, um dos intercontinentais mais eficazes dos EUA. Pode transportar carga útil
de quatro toneladas -e as implicações bélicas são óbvias-,
enquanto o programa civil atômico japonês enfrenta controvérsias. Adquiriu quantidade “notáveis’’ de material físsil,
que pode ser usado com objetivo militar, segundo Selig
Harrincon, do Carnegie Endowment for International Peace,
de Washington.
Juntem-se as incertezas nucleares criadas pelo fim
da URSS, cujo espaço geográfico foi tomado por repúblicas
em conflito, algumas herdeiras de formidável arsenal atômico. Não só questão de segurança, também de descontroles, envolvendo contrabando de materiais físseis. Calcula-se
que em 40 anos a ex-União Soviética produziu 170 toneladas de plutônio de uso bélico e mil toneladas de urânio
enriquecido. Filme recente, tendo como estrela submarino
americano de última geração, substitui os choques da falecida Guerra Fria pela guerra na Chechênia e a ação de dissidentes russos, que tomam uma base com engenhos de destruição maciça e ameaçam dispará-los contra os EUA, se
não forem atendidas exigências suas. Situação possível, dizem especialistas.
Quanto à proliferação “horizontal”, dois sustos, os
resultantes de programas secretos do Iraque e Coréia do
Norte. O problema não se encerra, no entanto, com o Iraque
sob supervisão da ONU e a assinatura de acordo entre Coréia
do Norte e Estados Unidos aposentando reatores de atividades duvidosas. A partir de Reza Pahlavi, o monarca que o
Ocidente quis transformar em chefe fiel da maior potência
do Golfo, o Irã pensa em armas nucleares. Desde 1988, os
dirigentes do Irã fundamentalista defendem abertamente o
desenvolvimento da bomba islâmica. “Os muçulmanos precisam de armas nucleares como contrapeso a Israel”, declarou um alto funcionário iraniano ao The New York Times.
O Paquistão já teria condições de fabricar a bomba, de olho
tanto em Israel como em seu vizinho e inimigo, a Índia,
também na corrida.
Israel, que continua se recusando a assinar o TNP,
juntamente com Paquistão, Índia, Irã e também Brasil, é a
falsa grande incógnita e elemento perturbador para potências, como os Estado Unidos, que lhes dão cobertura e combatem a proliferação “horizontal”. Com a ajuda da França,
começou em programa nos anos 50. Em 1974, a própria
CIA manifestou suspeitas de que ele já produzisse a bomba.
Em 1986 um técnico israelense, Mordechal Vanunu, cumprindo pena de prisão perpétua depois de raptado na Itália
e condenado como traidor, revelou ao Sunday Times, de
Londres, que seu país tinha plutônio suficiente para fabricar 100 ou mesmo 200 bombas. “Israel pode ser considerada a sexta potência nuclear”, garantiu em seu livro Danger
and Survival, McGeorge Rundy, ex-assessor de segurança
nacional dos EUA.
SERVIÇO ESPECIAL:
Matérias de Mundo sobre a 2ª Guerra e a ONU nº 2, pág. 4 - Vontade de potência,
50 anos depois de Hitler
nº 4, págs. 6-7 - Entrevista: L.F. Lampreia
OUTUBRO
95
7
MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDO
8
Bacia do Pacífico
Incerteza e tensão convivem com crescimento
na Ásia do Pacífico
MUNDO no Vestibular
A parte do texto que fala das desigualdades regionais poderia
ser aplicado atualmente para a China?
2) Pode-se afirmar que a República Popular da China vem passando por importantes reformas liberalizantes tanto na economia como na política? Justifique sua resposta.
Ilustração Laís Guaraldo
3) Leia o seguinte texto:
“O desafio deste país insular em nível regional consiste em, talvez,
liderar politicamente a zona econômica do Pacífico. Para que isso
efetivamente venha ocorrer, o país em questão precisa superar as
desconfianças de países vizinhos que, num passado não muito remoto foram por ele ocupados.”
O país a que se refere o texto é:
a) a China b) o Japão c) a Coréia do Sul d) a Rússia e) o
Vietnã
4) Leia o seguinte texto:
Nos últimos dias do mês de abril de 1975, terminava um dos conflitos mais dramáticos e sangrentos do século XX. Esse confronto bélico,
que envolveu diretamente uma superpotência e teve um saldo trágico de pelo menos 2 milhões de mortos. Depois de 20 anos de embargo
econômico por parte da superpotência, enfim, as relações econômicas
e diplomáticas entre o país em questão e o seu adversário de duas
décadas atrás foram retomadas.
O país em questão a que texto se refere é:
a) o Afeganistão b) Cuba c) a Coréia d) a Nicarágua e) o Vietnã
Respostas
1) Leia com atenção o seguinte texto:
“Na mesma medida em que tamanho e grandeza de um país desempenham um papel crítico na significação desse país no contexto
mundial, as diferenças internas são essenciais ao equilíbrio e à própria viabilidade do país. Contudo, formas exageradas de concentração, tanto no que se refere à concentração de riqueza ao longo de
hierarquia de pessoas, como nas unidades regionais do país, são
fóco de instabilidade social e, por via de consequência, de instabilidade política. Isso quer dizer que um objetivo nacional fundamental e permanente, que é o de assegurar a estabilidade social
interna, para garantir o progresso geral do país, é afetado, em suas
próprias bases, por ventuais excessos de concentração.”
1) Sim. A China apresenta grandes desigualdades regionais
entre a porção leste (litorânea) e o oeste. Essa desigualdade é
bastante antiga, mas se acentuou com a criação das Zonas
Econômica Especiais, as ZEEs junto à fachada litorânea do
país.
A macrozona da Bacia do Pacífico tem
como vértices o Japão -a segunda potência econômica global- e a China -a maior potência
demográfica do planeta. No ano que se encerra, a incerteza minou os dois principais
Estados do Pacífico.
No Japão, a fonte da incerteza é econômica. O cinqüentenário das bombas de
Hiroxima e Nagasáki assinalou o encerramento dos tempos de crescimento e euforia: o arquipélago conhece o mais longo período de
estagnação desde a Segunda Guerra. A valorização do iene frente ao dólar e a profunda crise do sistema bancário dissolvem a crença nas
virtudes do modelo exportador nipônico. Simultaneamente, as pressões comerciais dos
Estados Unidos anunciam profundas reviravoltas, com a abertura do mercado interno e a
redução do papel do Estado no planejamento
econômico (v. Mundo nº 3, pág. 10 e Mundo
nº 5, págs. 6 a 8).
Na China, a fonte da incerteza é política. O debilitamento terminal da saúde do
líder Deng Xiaoping inaugura um período de
transição, que pode mergulhar o país em terríveis convulsões e no desgoverno, enquanto
a elite comunista se digladia pela sucessão. A
introdução da chamada “economia socialista
de mercado” aprofunda o fosso entre as regiões comerciais e industriais litorâneas, que se
abrem para o mundo exterior, e o interior camponês e miserável. A reativação das tensões
com o governo nacionalista chinês de Formosa e a aproximação da reincorporação da colônia britânica de Hong Kong (em 1997) amplificam os focos de instabilidade (v. Mundo
nº 1, pág. 10 e Mundo nº 3, págs. 6 a 8).
Nada disso impede a continuidade do
movimento de modernização das economias
do leste e sudeste asiático, que se integram cada
vez mais intensamente ao mercado mundial.
As reformas econômicas liberalizantes no
Vietnã -inspiradas no modelo da China, um
tradicional inimigo geopolítico- apontam para
a emergência de um novo “tigre asiático”, cuja
economia registrou crescimento de mais de
8% no ano, atrás apenas da China e de
Cingapura. Japão e Estados Unidos abrem a
disputa pelos investimentos no recém-chegado. Em agosto, o reatamento de relações diplomáticas americano-vietnamitas, duas décadas depois do fim da guerra, foi saudado
pelo secretário de Estado Warren Cristopher:
“Nós vemos o Vietnã como um país, não uma
guerra”.
2) Do ponto de vista econômico sim, e isso pode-se notar no
crescimento econômico que vem ocorrendo nas ZEEs. Do
ponto de vista político não acontece nenhuma abertura. Isso
pode ser comprovado pela forma como o Partido Comunista
Chinês dirige o país. Em suma, se quisermos fazer uma analogia com as reformas impulsionadas nos anos 80 na União
Soviética a China fez sua perestroika mas não a sua glasnost.
OUTUBRO
95
MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDO
9
Europa
Potências recriam esferas de influência no
pós-Guerra Fria
MUNDO no Vestibular
1) Ao longo do ano de 1995, ocorreram algumas mudanças
territoriais, tanto na Bósnia quanto na Croácia. Sendo assim,
responda:
a) Como era a situação territorial da Croácia no final de 1994
e aquela dos dias atuais? b) Como era a situação territorial da
Bósnia no final de 1994 e na atualidade?
2) Em que consistia a proposta internacional da partilha da
Bósnia divulgada ao final de 1994?
3) Durante o ano de 1995, a França sofreu alguns atentados
terroristas. Além disso, seu governo foi objeto de intensas pressões internacionais em função de certas experiências que o país
levou a cabo no Pacífico Sul. Com base nesses fatos e em seus
conhecimentos sobre o assunto, responda:
a) Qual a origem e a causa dos atentados terroristas em solo
francês? b) Em que consistem essas experiências francesas no
Pacífico Sul?
4) c
3a) A origem desses atentados está ligada a grupos de
fundamentalistas islâmicos de origem argelina. As ações desses grupos pretendem mostrar o seu desacordo com o auxílio
quase incondicional dado pelo governo francês ao regime argelino que esses fundamentalistas tanto combatem.
3b) As ações da França no Pacífico Sul dizem respeito às experiências nucleares no atol de Mururoa.
4) Leia atentamente o seguinte texto:
“No atual panorama do continente, o país pode ser caracterizado
como uma nação muito próspera, democrática e que tem uma série de responsabilidades: com a própria sociedade, até há pouco
dividida, com os demais países que fazem de uma comunidade
econômica comum e, é claro com o sistema global. O “anão político” da Guerra Fria é hoje a maior potência econômica do continente e os novos tempos exigem que ela represente um novo papel
no contexto mundial.’’.
O país descrito pelo texto é:
a) o Japão b) a China c) a Alemanha d) a Grã Bretanha
e) a Irlanda.
2) A proposta internacional consistia em se criar dois Estados
na Bósnia. A federação muçulmano-croata, que ficaria com
51% do território, e um Estado sérvio, com 49%. A capital
da Bósnia, Sarajevo, devido à sua grande importância para as
três comunidades étnicas que habitam o país, seria administrada pela ONU.
1a) No final de 1994, cerca de 30% do território da Croácia
estava em mãos da minoria sérvia que habita o país. Eles eram
cerca de 11% da população e se concentravam especialmente
junto às fronteiras da Sérvia e Croácia (região da Eslavônia
Oriental) e junto às fronteiras da Croácia com a Bósnia
(Eslavônia Ocidental e Krajina). Em maio e agosto de 1995,
essas duas últimas regiões foram ocupadas por forças croatas.
Restaram, sob o controle sérvio, cerca de 10% do território
original.
1b) No final de 1994, cerca de 70% do território da Bósnia
estava em mãos da minoria sérvia da Bósnia e, o restante dominado por forças da federação muçulmano-croata. Ao longo do segundo semestre de 1995, tropas muçulmano-croatas
recuperaram parcelas importantes de territórios em poder dos
sérvios.
Respostas
Ilustração Laís Guaraldo
OUTUBRO
95
Há seis anos, a queda do Muro de
Berlim e a desagregação do bloco soviético na
Europa Oriental desestruturaram o equilíbrio
geopolítico europeu da Guerra Fria. Há quatro anos, a implosão da União Soviética e da
Iugoslávia redesenhou as fronteiras no leste
europeu e nos Bálcãs, introduzindo novos
enigmas sobre o futuro do continente. Em
1995, sob o fogo da Guerra na Bósnia, começaram a se delinear as opções estratégicas das
potências européias no complexo cenário do
pós-Guerra Fria.
A guerra balcânica dissolveu as luminosas esperanças depositadas no futuro das relações entre a Rússia e o Ocidente. O governo
de Boris Yeltsin -que encara a perspectiva das
eleições parlamentares de dezembro e das presidenciais de junho de 1996- reafirmou a aliança tradicional com a Sérvia, depois de esmagar a revolta separatista na Chechênia. O
governo de Bill Clinton -fragilizado pela vitória esmagadora dos republicanos nas eleições
parlamentares de 1994 e confrontado com o
isolacionismo da nova maioria - procurou retomar a iniciativa diplomática, combinando
bombardeios e negociações de paz. A guerra
balcânica parece aproximar-se do encerramento com a bipartição, na prática, da Bósnia
multiétnica: a Grande Sérvia e a Grande
Croácia emergem como peões regionais da
rivalidade entre as potências (v. Mundo nº 3,
pág. 3 e nº 4, págs. 4 e 5).
Ao mesmo tempo, a evolução do projeto de expansão da Otan (Organização do
Tratado do Atlântico Norte) rumo ao leste
europeu -com a anunciada integração, nos
próximos anos, pelo menos da Polônia,
Hungria e República Tcheca- crispa os ânimos russos. No lugar da antiga “cortina de
ferro”, um novo front geopolítico parece estar
sendo erguido, separando a CEI (Comunidade de Estados Independentes) do restante da
Europa. Uma “paz fria” contamina a Europa
e se insinua no espaço vazio deixado pelo fim
da Guerra Fria. Nessa moldura, as explosões
nucleares francesas no atol de Mururoa,
mantidas mesmo diante da onda mundial de
protestos contra Jacques Chirac, ganham todo
o seu significado. A França do pós-Guerra Fria,
inferiorizada economicamente face ao parceiro alemão, busca os meios de conservar a condição de vértice estratégico da UE (União
Européia). Não é outro o sentido da proposta
francesa de extensão do seu “guarda-chuva
nuclear” para a defesa da Alemanha.
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10
África
Radicalismos, fome e miséria persistem
no “continente esquecido”
MUNDO no Vestibular
3) (FGV-95) Para responder a esta questão considere o
texto e os ítens apresentados abaixo.
“Durante os anos 60, as secas afetaram 18,5 milhões de pessoas a cada ano; durante os anos 80, 24,4 milhões. E apenas
no ano de 1985, no mínimo 30 milhões de pessoas sofreram
com as secas só na África.”
O problema apresentado no texto pode ser explicado,
entre outros motivos, da seguinte forma:
I- Pelo uso indevido dos solos em países tropicais do Terceiro Mundo II- Pelo processo de desertificação, que
depende da forma de como a terra é tratada antes da seca
III- Pela desertificação, que está em processo em todas as
áreas temperadas e tropicais do mundo IV - Pela não
utilização do uso intensivo da irrigação, que é uma das
maneiras de reduzir os efeitos da seca em áreas com tendência à desertificação V - Pela desertificação, que é um
fenômeno natural que independe de ação humana.
Estão corretos apenas:
a) I e II b) I e III c) I, IV e V d) II, III e IV
e) II, IV e V
1) O letal vírus EBOLA assim foi batizado porque as primeiras
pessoas que mostravam sintomas da doença por ele causada
moravam junto às margens do rio que deu o nome ao vírus.
Esse rio está localizado na porção central da África. Sendo assim, provavelmente esse curso fluvial faz parte da bacia
hidrográfica:
a) do rio Nilo b) do rio Congo ou Zaire c) do rio Niger
d) do rio Orange e) do rio Volga
2) Além de enormes dificuldades de ordem sócio-econômica
(pobreza, desemprego, queda nos preços das principais exportações), os países da Africa do Norte vêm passando por um
outro desafio. No Egito e na Argélia, esse problema atingiu
graves dimensões. Esse grave problema que afeta os dois países
refere-se:
a) à ameaça de se esgotarem rapidamente as reservas petrolíferas b) à possibilidade de eles serem recolonizados pelos países
europeus c) à ameaça deles serem invadidos pelos países da
Liga Árabe d) ao crescimento da oposição religiosa armada
que pretende tranformar os países em repúblicas islâmicas e) à
ameaça do aumento da desertificação, por conseqüência da má
utilização do solo
POLÍTICA E ECONOMIA NA ÁFRICA AUSTRAL
QUÊNIA
População
(milhões)
40,8
10,3
1,4
1,0
1,9
10,7
15,3
1,5
0,8
28,8
8,9
10,9
BURUNDI
TANZÂNIA
ANGOLA
IS. COMORES
Í
LAU
MA
PIB
(bil. US$)
África do Sul
118,1
Angola
6,0
Botsuana
3,6
Ilhas Maurício
2,6
Lesoto
1,3
Malauí
2,0
Moçambique
1,4
Namíbia
2,6
Suazilândia
0,9
Tanzânia
2,5
Zâmbia
3,2
Zimbabue
5,8
ZAIRE
ZÂMBIA
UE
IQ
MA
LG
AX
E
País
RUANDA
B
AM
Ç
MO
CANAL DE
MOÇAMBIQUE
ZIMBABUE
NAMÍBIA
BOTSUANA
SUAZILÂNDIA
REPÚBLICA
SUL AFRICANA
LESOTO
BLI
CA
Produto Interno Bruto (PIB) e
População dos Países componentes
do C.D.A.A.
GABÃO
ICO
ÂNT
ATL
ANO
OCE
ILHAS
MAURÍCIO
OCEANO ÍNDICO
Fonte: Economist e Almanaque Abril
Componentes do C.D.A.A.
(Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral)
Respostas:
1) b 2) d 3) a
Foram poucas as boas notícias da África em
1995. Na porção norte do continente, área integrante do chamado mundo árabe-muçulmano, os principais problemas estiveram ligados ao crescimento do
fundamentalismo religioso, especialmente em dois
países: Egito e Argélia. No primeiro, a ação dos Irmãos Muçulmanos é bastante antiga, sendo essa organização a responsável, neste ano, pelo fracassado
atentado contra a vida do presidente Hosni Mubarak.
Na Argélia, os fundamentalistas travam, desde 1992, uma verdadeira guerra civil contra o governo do país, acusado de impedir que os partidos
islâmicos tomassem o poder, por eles conquistado
através do voto. A Frente Islâmica de Salvação (FIS) e
o Grupo Armado Islâmico (GIA), escolheram como
método de luta o assassinato de estrangeiros, especialmente os de origem francesa (a França é o país que
mais decisivamente tem apoiado o atual regime argelino).
Mas não é só: este conflito, que nos últimos
três anos já vitimou mais de 40 mil pessoas, respingou sobre a Europa. Os recentes atentados terroristas
em Paris foram reinvindicados por fundamentalistas
argelinos. O fundamentalismo que cresce na região,
e em outras áreas do mundo muçulmano, é uma resposta à falência de modelos estranhos ao Islã em promover o fim da miséria.
Na África Ocidental, Central e Oriental, a
fome, a miséria os conflitos tribais e as epidemias continuam compondo o quadro desolador desta parte
infeliz do planeta, onde a presença do colonialismo,
até há bem pouco tempo, mostrou sua face mais cruel. Não se repetiram, em 1995, os massacres como
aqueles que se verificaram em Ruanda durante 1994.
Contudo, em países como a Libéria, Somália, Sudão,
Burundi e ainda em Ruanda, “mini-massacres” vez
por outra voltaram a acontecer.
Na África Austral, pelo menos o cenário é um
pouco mais otimista. O governo de Nelson Mandela,
na África do Sul, vem conseguindo, com muita dificuldade, equacionar de forma razoável o complexo
problema social do país. Em Angola, após 20 anos de
guerra civil, a guerrilha que combate o governo resolveu se sentar à mesa de negociações.
A distensão na política regional permitiu a
reativação da Comunidade para o Desenvolvimento
da África Austral, organização composta por 12 países da região (v. o mapa), que pretende, até o ano
2000, criar uma Zona de Livre Comércio. Não há
dúvida de que esse mercado comum tem na República Sul Africana seu foco principal, já que a sua economia é três vezes maior que todos os demais países
juntos.Talvez, o eventual sucesso dessa iniciativa poderá abrir novos horizontes para o sofrido continente
africano.
REP
Ú
OUTUBRO
95
Países que tiveram até recentemente conflitos internos
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11
América Latina
Catástrofe social ameaça planos de
“reajuste” da economia
MUNDO no Vestibular
1b) O México não poderia ser considerado um global trader
porque grande parte de seu comércio exterior (cerca de 75%)
é feito exclusivamente com os EUA.
1a) Sim, o Brasil poderia ser considerado um global trader já
que mantém relações comerciais razoavelmente equilibradas
com vários países e blocos econômicos do mundo. A União
Européia, os EUA, os países da América Latina, especialmente a Argentina e o Japão, por exemplo, são importantes parceiros comerciais do Brasil.
Ilustração Laís Guaraldo
Respostas
4) Pode-se afirmar que os ajustes estruturais aplicados
pelos países latino americanos resolveram todos os seus
intrincados problemas? Justifique sua resposta.
2) Um dos aspectos dessa instabilidade é a crise que vem se
verificando na região de Chiapas desde o início de 1994 e que
até agora não encontrou solução. A outra é a divisão que vem
ocorrendo no PRI, partido que há mais de 60 anos exerce o
poder no país. Esse “racha” no PRI pode ser evidenciado pela
crise que envolveu o ex-presidente Carlos Salinas de Gortari e
o atual, Ernesto Zedillo.
3) A selva amazônica foi palco de uma confrontação bélica entre dois países latino americanos no início de 1995.
Os países que se envolveram nesse conflito foram:
a) EUA e México b) Peru e Equador c) Argentina e
Chile d) Venezuela e Colômbia e) EUA e Cuba
3) b
2) Dentre os vários fatores que contribuiram para a recente crise mexicana, alguns dizem respeito a instabilidade da política interna do país. Aponte e comente dois
apectos dessa instabilidade.
4) Não. Os ajustes estruturais conseguiram dar uma certa estabilidade à economia mas, não conseguiram tocar num problema grave e fundamental: as grandes disparidades sociais,
que já eram enormes e se ampliaram ainda mais na última
1) Nos últimos tempos, o noticiário econômico passou a
usar o temo GLOBAL TRADER, para designar países
que mantêm um leque bastante variado de parcerias comerciais. Partindo-se dessa definição, responda:
a) O Brasil pode ser considerado um global trader? Justifique. b) Esse termo poderia também ser aplicado para
o México? Justifique.
OUTUBRO
95
Desde o seu início, 1995 anunciou grandes
sobressaltos na América Latina. Começou com a crise mexicana, que ameaçou lançar à bancarrota não só
o México mas todas as chamadas ‘‘economias emergentes’’ -países que desde o início dos anos 90 vinham sustentando o “boom” das exportações dos
países ricos (v. Mundo nº 1, págs. 6 e 7). Além disso,
a revolta no Estado mexicano de Chiapas dava mostras de estar fora de controle, a situação econômicosocial de Cuba continuava se deteriorando (v. Mundo nº 4, pág.10), e, finalmente, eclodiu o patético
conflito fronteiriço entre Peru e Equador (v. Mundo
nº 1, pág. 5).
A crise econômica mexicana -sem dúvida o
fato mais importante do ano na América Latina- só
não se transformou numa catástrofe completa em
virtude de um ‘‘pacote’’ financeiro de emergência
aprovado pelo presidente Bill Clinton. Washington
cedeu ao México novos empréstimos (em troca, é claro, de duras condições) para evitar o colapso do sistema financeiro mundial. Para muitos, essa crise inevitavelmente se irradiaria para a Argentina e Brasil. O
chamado “efeito tequila” acabou não se verificando,
mas revelou que a estabilidade econômica obtida nos
últimos anos através da aplicação dos chamados ajustes estruturais, é ainda extremamente frágil.
Paradoxalmente, os resultados das eleições
realizadas nos últimos dois anos em vários países latino-americanos mostraram que estabilidade econômica -em outras palavras, baixos índices de inflação- tem
um grande poder de sedução sobre o eleitorado. Senão, como compreender a vitória de FHC no Brasil,
a nova vitória eleitoral do Partido Revolucionário
Institucional no México (v. Mundo nº 2, pág.10), a
de Menen na Argentina (v. Mundo nº 3, pág.9) e a
de Fujimori no Peru?
Todavia, a cada dia que passa fica mais evidenciado que os ajustes estruturais não têm conseguido dar respostas mínimamente satisfatórias às graves disparidades sociais em todos os países da América Latina. Mesmo no Chile, onde os ajustes estruturais foram aplicados há mais tempo, e a estabilidade
econômica parece mais sólida, o número de excluídos no conjunto da população é cada vez maior. O
cientista político argentino Guilhermo O’Donnel, em
recente reunião sobre problemas latino americanos
afirmou: ‘‘A situação social na América Latina é um
escândalo. Hoje há mais pobres do que em 1970.” O
jornalista Robert Samuelson, num artigo da revista
Newsweek, completou: “A guerra contra a pobreza
acabou, e os pobres perderam.”
Se, para muitos a catástrofe econômica da
década perdida já é coisa do passado, os anos 90 estão cada vez mais perdidos do ponto de vista da maior igualdade social.
MUNDO
Encarte
• PANGEA
do Boletim
• MUNDOMundo
• PANGEA
Geografia
• MUNDO •ePANGEA
Política
• MUNDO
Internacional.
• PANGEA • Não
MUNDO
pode
• PANGEA
ser vendido
• MUNDOseparadamente.
• PANGEA • MUNDO
ANO
3 • N º 6 • OUTUBRO 1995
Tiragem da 1a edição: 37.000 exemplares
Roy Lichtenstein
MUNDO
Texto
&
Cultura
300 anos de Zumbi
Ilustração Laís Guaraldo
OUTUBRO
95
“existe um povo
que a bandeira empresta...”
“O Brasil não nos quer! Está farto de nós! /
Nosso Brasil é no outro mundo.
Este não é o Brasil. / Nenhum Brasil existe.
E acaso existirão os brasileiros?”
(Carlos Drummond de Andrade, Hino Nacional)
N
a gestação de uma etnia nova, unificaram-se, na língua e nos costumes, os
índios desengajados de seu viver gentílico, os negros trazidos da África e os europeus aqui
querenciados: era o brasileiro que surgia, construído com os tijolos dessas matrizes. Para o
antropólogo Darcy Ribeiro, somos a promessa de uma civilização repleta de singularidades -a tropicalidade índia somada à branquitude lusitana e ao tempero africano-, que nos
fazem parecer exóticos diante dos olhos europeus. O processo de formação do povo brasileiro é tão atípico quanto a feijoada, prato típico tupiniquim: índio mais português mais
negro -combinação insólita de couve, laranja, farofa, feijão e partes de porco. Na preparação deste quitute, o primeiro a entrar no caldeirão foi o índio (com rigor, sendo autóctone, já estava no caldeirão) e, em seguida, o lusitano. De acordo com Ribeiro, resulta deste
experimento uma “protocélula luso-tupi”, que recebeu depois a especiaria “africanidade”.
Mexendo sem parar por vários anos, o resultado, enfim, é o nosso povo, a nossa cara,
reflexo curioso que o espelho acusa. Somos fruto de um estilo de colonização batizado de
“barroco”, já que marcado pela fusão das diferenças (para Darcy, “caldeamento”), pelo
assimilacionismo de culturas distintas, por uma “pororoca” étnica.
De um lado cana-de-açúcar,/ do outro lado cafezal,/ ao centro senhores sentados,/
vendo a colheita do algodão branco,/ sendo colhido por mãos negras.../ Eu quero ver
quando Zumbi chegar : lembrando com este trecho do negro Jorge Ben os 300 anos de
morte do negro Zumbi, destacamos alguns aspectos da presença negra na cultura nacional. Amontoados em fétidos porões de navio, os negros trazidos ao Brasil eram, sobretudo, da costa ocidental africana. Pertenciam a três grupos culturais: sudaneses, principalmente os Yoruba (nagô); africanos islamizados, como os Mandinga; e os congo-angoleses,
das tribos Bantu. Sofriam já aqui com a diversidade lingüística e cultural de origem (a
África é uma “torre de Babel”), o que dispersava, de certa forma, o legado africano -havia
uma política para evitar a concentração de escravos da mesma etnia na mesma proprieda-
de. Foram desalojados de seus lares, privados do direito sobre o próprio corpo, transformados em mercadoria -mas resistiram bravamente. Foram despojados do amor, da família, do sexo -mas resistiram bravamente. Tinham os dedos mutilados, os dentes quebrados, os seios furados, a pele queimada, o lombo açoitado -mas resistiram bravamente.
Trabalhavam 18 horas por dia, durante os 365 dias do ano -mas resistiram bravamente.
É isso o que mais impressiona: como resistiram à selvageria da mais cruenta violência da empresa escravista? Como conseguiram preservar ecos da rica cultura africana?
As cores mais marcantes do “amálgama cultural brasileiro” atestam o seu poder de resistência, assim como os cabelos duros, lábios volumosos e narizes grossos que transitam
principalmente pelas áreas que foram o nordeste açucareiro e as zonas de mineração do
centro do país. Apesar dos pesares, resistiram bravamente: é por isso que hoje usamos
tererês e tranças, vestimos cores fortes, comemos feijoada, ouvimos samba, blues, funk e
rap... E -ironia das ironias!- os sinais que os negros, apesar de tudo, deixaram na cultura
são interpretados pela elite branca brasileira como a ‘‘prova’’ de que no país há democracia
racial -como mostra, à pág. 2, o historiador Nelson Schapochnik.
Prende-os a mesma corrente/ -Férrea, lúgubre serpente-/ Nas roscas da escravidão... Finalmente, uma estranha coincidência poderia servir de emblema à colonização
“barroca”: o poeta branco e preconceituoso Gregório de Matos nasceu junto com o negro
revolucionário Zumbi -1636-, e morreu no ano em que este foi assassinado -1695. À
pág. 3, o professor de literatura José de Paula Ramos Jr. destaca o negro como autor e
tema em nossa literatura. Em Texto no Vestibular, questões envolvendo o poeta simbolista Cruz e Sousa, autor negro que desejou a elevação espiritual do branco (já no nome, é
Cruz -nome escravo herdado dos pais- buscando ser Sousa -nome emprestado dos brancos pais adotivos), e o poeta romântico Castro Alves, autor branco que lutou pela emancipação do negro.
OUTUBRO
95
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Casa Grande & Senzala
e.2
O mito da democracia racial
Morar no patropi tem suas vantagens. Apesar do desemprego, do analfabetismo e da alta taxa de mortalidade infantil, os brasileiros não se ressentem de alguns males que afligem outros povos. Não
temos terremotos nem vulcões, a terra é
fértil e em se plantando tudo dá. Não existe preconceito racial, e em fevereiro tem
carnaval. O povo brasileiro é feliz.
Leitor hipócrita, meu irmão, você
não levou a sério estas palavras. Calma lá,
isto é apenas uma estratégia para provocálo e persuadi-lo a continuar a leitura deste
ensaio.
Se hoje em dia é raro encontrar alguém que ainda acredita no mito da ‘‘felicidade dos brasileiros”, muitos dizem que
no país do carnaval e do futebol há ‘‘irmandade’’ racial. Mas o preconceito existe e revela-se em metáforas de uso cotidiano. Expressões como “preto de alma branca”, respostas do tipo “eu não tenho preconceito,
até tenho amigos negros”, ou anedotas
cretinas como a que diz “preto, quando não
faz na entrada...” revelam, todas, o racismo que impregna a vida e distorce a noção
de democracia na esfera da cultura.
Vamos ilustrar um pouco mais essa
questão. Alguém já pensou, seriamente, na
hipótese de que Cristo era preto (os judeus,
ao menos, admitem que Salomão era negro...)? Ou por quê nunca existiu uma
fadinha negra? A imagem oficial do Brasil
da classe média -o Brasil branco, no melhor estilo de Hollywood-, prevalece nas
“paquitas” loirinhas (nada contra, aliás, a
beleza branca) e nas donas-de-casa da propaganda de TV. Hoje em dia, ‘‘pega bem’’,
é ‘‘politicamente correto’’ ter algum ator
negro nas telenovelas. Ou, no caso de uma
atriz ou top model negra, como Naomi
Campbell, ela é ‘‘vendida’’ como ‘‘exótica’’,
e os traços mais valorizados são aqueles que
as tornam mais assimiláveis a um padrão
branco de beleza.
Mas é no carnaval do Rio contemporâneo -apoteose da demagogia sobre a
“alegria racial”- que o preconceito aparece
em sua forma mais cínica. Supostamente,
o carnaval deveria ser um momento de reconhecimento da contribuição do negro
para a cultura. Mas, na avenida, o negro é
transformado em mero figurante, pretexto
para a exibição de atrizes e atores globais,
que fazem prevalecer espacialmente sua
superioridade hierárquica: estão sempre no
Racistas otários, nos deixem em paz / pois as famílias pobres não
agüentam mais / (...) / e de repente o nosso espaço
se transformou num verdadeiro inferno / reclamar nosso direito,
de que forma / se somos meros cidadãos
e eles o sistema? / A desinformação é o maior problema
(Rap Racista Otário, do Racionais MC’s)
André Arruda/AJB
Nelson Schapochnik
Especial para T&C
Baile funk no Rio: expressão cultural legítima do modo de vida do negro pobre brasileiro, ou
simples cópia do ‘‘modelo americano’’?
topo da pirâmide, ou, neste caso, sobre os
carros alegóricos, enquanto lá em baixo fica
a “massa” com o samba no pé (tal e qual na
vida real, aliás). A exceção é a alta visibilidade do mestre-sala e da porta-bandeira ‘‘vitrine’’ legitimadora da farsa.
Mesmo nas estatísticas oficiais, os
negros têm participação quase “clandestina” na população. Há uma tremenda confusão quando se trata de caracterizar a cor
do recenseado pelo Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (v. GePI, págs. 4 e
5). Em muitos casos, o cidadão, com complexo de inferioridade, não se reconhece
como negro, preferindo “amenizar” sua cor
dizendo-se “mulato”, “marrom”, ‘‘pardo’’,
“moreno”, “escurinho”, “sarará”. O Brasil
não sabe quantos são os seus negros. Se-
gundo o IBGE, o Brasil é constituído por
maioria branca (54%), ao passo que para o
Datafolha (junho de 1995) os negros são
58%. A confusão poderia sugerir que a democracia é tanta que as cores se confundem. Mas, ao contrário, a confusão serve à
idelologia da elite branca, que não reconhece a existência de uma questão racial.
Isso pode ser claramente percebido
pelas festas e datas cívicas -isto é, pela forma através da qual a elite conta e comemora a história e as tradições do Brasil. O que
se festeja, por exemplo, no 13 de maio? A
abolição da escravidão. Isto é fato. Mas,
MR. VESTIBA
‘‘Ai meu Deus, que bom seria / Se voltasse a escravidão / Eu comprava essa mulata / E botava no
meu coração / E depois o delegado é quem resolvia a questão’’
(Ataulfo Alves)
‘‘Na verdade a mão escrava passava a vida limpando / o que o branco sujava / mesmo depois de
abolida a escravidão / negra é a mão de quem faz a limpeza / lavando a roupa encardida, esfragando
o chão / negra é a mão da limpeza
(Gilberto Gil)
‘‘Sara cura / dessa doença de branco / de querer cabelo liso / já tendo cabelo louro / cabelo duro é
preciso / que é prá ser você crioulo’’
(Gilberto Gil)
Nos trechos acima, dois compositores negros cantam de forma distinta as relações entre negros e brancos. Faça um texto para discutir a perspectiva explorada por cada um dos trechos,
à luz do mito da ‘‘harmonia racial’’ brasileira.
neste caso, o ‘‘fato’’ oculta uma realidade
social cruel. Fomos o último país do globo a abolir o comércio de seres humanos.
Além disso, a suposta igualdade civil decorrente da Abolição nunca existiu.
Emancipados da terra em que haviam trabalhado por quase quatro séculos, os negros viram-se condenados a errar pelos
campos e cidades, bestializados pelo preconceito, pela falta de oportunidades e
instrução, e recebendo menos do que o
branco pelo mesmo trabalho -coisa que,
obviamente, tem significado econômico.
Dado esse quadro, a questão se
impõe: de onde, então, surgiu o mito da
democracia racial? Sua origem deve ser
procurada no processo de construção de
uma interpretação racial sobre o Brasil, a
qual serviria para compor a imagem de
um Estado nacional moderno. Na perspectiva romântica do século XIX, ela apareceu sob a forma do elogio de uma suposta alma nacional que seria fruto da
miscigenação de brancos, negros e índios, conforme o ensaio de Von Martius
(1839) escrito para o Instituto Histórico
e Geográfico Brasileiro. É o Brasil de José
de Alencar, em que o índio -na figura de
Peri- mais parece um herói do romance
de cavalaria, e a índia Iracema (anagrama
de América) é uma ‘‘virgem dos lábios de
mel’’ ... que só poderia existir na imaginação cristã.
Retemperado por uma nova matriz teórica, - o darwinismo social, segundo o qual numa democracia governa a raça
mais capaz-, o mito da ‘‘alma nacional brasileira’’ reaparece na obra de Sílvio
Romero no final do século XIX, atingindo sua plenitude com a obra Casa Grande & Senzala (1933), de Gilberto Freyre.
Casa Grande pretende provar ‘‘cientificamente’’ que no Brasil há democracia
racial. Funciona como uma espécie de
emblema da ideologia senhorial das elites, segundo a qual o Estado brasileiro é a
expressão institucional harmônica -acima
das fissuras, conflitos e contradições de
raça e de classe- de uma nação
miscigenada.
Apesar de tudo, e até como uma
dessas peças que a história resolve pregar,
este país, que persegue avidamente a sorte grande, só acertou duas vezes na loteria. Foi com dois negros: Machado de
Assis e Pelé. A ararinha azul pode se considerar extinta, o mico leão dourado idem.
Negros, mestiços e brancos continuarão.
Quem viver, verá.
MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDO
“pérola negra, te amo, te amo”
e.3
O negro na literatura brasileira
José de Paula Ramos Jr.
Especial para T&C
As primeiras manifestações propriamente literárias do Brasil datam do século
XVII. Nelas, o negro já comparece, como
tema. Padre Antônio Vieira (1608-97) deplorou, várias vezes, a escravidão nos engenhos de açúcar. Vieira se mostra indignado
com o tratamento desumano a que eram
submetidos os africanos. No entanto, padre Vieira, por mais que lhe repugnasse a
brutalidade do cativeiro, procurava consolar os escravos, dizendo-lhes que os sofrimentos seriam passaporte para a alforria, na
vida eterna; aconselhava-lhes paciência e
obediência aos senhores; argumentava que
eram escravos no corpo, mas não nas almas.
O grande poeta barroco Gregório
de Matos e Guerra (1636-95) não tinha a
compaixão de seu amigo Vieira, mostrando-se preconceituoso. Mulheres negras e
mulatas aparecem em sua poesia como objetos sexuais, enquanto os homens são abordados de forma degradante. No entanto,
Gregório deve muito de sua originalidade
à cultura negra, quer pela incorporação de
vocabulário afro-brasileiro à sua poesia, que
enriqueceu a língua portuguesa, quer pelo
registro de elementos pitorescos, como a
culinária, que contribuem para a constituição de uma crônica poética vívida da Bahia
seiscentista.
Como autor, o negro começou a se
manifestar no século XVIII. O mulato carioca Domingos Caldas Barbosa (1740?1800), conhecido como Lereno, foi um dos
primeiros. Sua poesia singela, geralmente
associada à música, gozou de imensa popularidade em Portugal e no Brasil. Viveu
na metrópole dos 23 anos até a morte. Foi
protegido dos aristocratas conservadores,
que aplaudiam suas modinhas e lundus.
Estes últimos se valem da fortuna cultural
afro-brasileira. A negritude, na obra de
Lereno, é domesticada, apresentada como
elemento exótico, para deleite da cortesania
branca; aliás, a maior parte das produções
de Lereno é constituída de lugares-comuns
do arcadismo mais amaneirado, com suas
pastorinhas de tranças loiras e faces cor de
rosas e jasmins. Na melhor poesia brasileira do século XVIII, o negro é, praticamente, um mero elemento cenográfico.
Com o Romantismo, a literatura
brasileira inicia nova etapa de sua evolução, dita nacional. A poesia da primeira
geração romântica encontra seu expoente
em Gonçalves Dias (1823-64). Mestiço de
Machado de Assis
branco, negro e índio, o autor dos Cantos
idealizou o ameríndio como emblema de
nacionalidade, omitindo quase completamente os motivos afro-brasileiros. Na literatura da época, essa omissão era generalizada. Sílvio Romero assim a assinalou:
“Era uma coisa a ser observada e
notada por toda a gente: na literatura brasileira a raça negra, apesar de ter contribuído com um grande número de habitantes
deste país, de ser o principal fator de nossa
riqueza, de se ter entrelaçado imensamente na vida familiar pátria, de estar por toda
a parte em suma, nunca foi assunto predileto de nossos poetas, romancistas e dramaturgos”.
Ainda segundo Sílvio Romero, coube a Trajano Galvão (1830-1864), poeta
medíocre, o mérito de ser o primeiro a introduzir o negro em nossa poesia. Mas, ainda em tempos do Romantismo, a negritude
e o tema da escravidão passaram a ser mais
freqüentes e significativos, em obras como
Demônio familiar e Mãe, dramas de José de
Alencar (1829-77), e Escrava Isaura, romance de Bernardo Guimarães (1825-84). Este,
talvez involuntariamente, apesar da intenção abolicionista, deixa transparecer uma
série de lugares-comuns racistas, insultos à
etnia. Coube a Castro Alves (1847-71) o
privilégio de dar maior ressonância à
temática abolicionista. Poemas como “Vozes d’ África” e “Navio Negreiro” impressionam pela vibração indignada e fúria justiceira, no estilo grandiloqüente do
condoreirismo hugoano.
A obra de estréia do romance realista-naturalista, O mulato, de Aluísio Azevedo (1857-1913), é uma vigorosa denúncia do preconceito racial. Ao lado desse,
outros romances do período registraram a
presença negra, como O bom crioulo, de
Adolfo Caminha (1867-97) e Rei negro, de
Coelho Neto (1864-1934). Porém, o mai-
or prosador do período e de toda a Literatura Brasileira, Machado de Assis (18391908), que era mulato, praticamente excluiu o motivo negro de seus romances. No
entanto, o capítulo “O vergalho”, das Memórias póstumas de Brás Cubas, contém uma
cena de agudíssima observação humana,
que demonstra como o racismo se pode
eclipsar perante a distinção de classe. Brás
Cubas andava pelo Valongo, quando viu
um negro chicotear outro, brutalmente. O
algoz era Prudêncio, escravo alforriado de
Brás Cubas, que, livre, tornara-se proprietário de uma quitanda e daquele negro
supliciado. As reflexões de Brás Cubas sobre o episódio sugerem como numa sociedade escravista não é suficiente ser livre, é
necessário ser senhor. Prudêncio, para se
desbancar da antiga condição, comprara
um escravo, negro como ele, e lhe dava o
mesmo tratamento aviltante que havia recebido dos brancos.
Na poesia parnasiana, não há o que
destacar. Mas, no Simbolismo, surge a
maior personalidade da literatura negra
brasileira: Cruz e Sousa (1861-98). Há
quem veja na obsessão do cromatismo branco, presente em sua poesia, sinais de rejeição da própria condição racial. Nada mais
equivocado. Não há, na literatura brasileira, obra mais “negra” do que a dele. Poucos
poemas registram o engajamento do autor
na causa abolicionista, mas o soneto
“Escravocratas” elimina qualquer dúvida.
Em Cruz e Sousa, a negritude não se revela
na epiderme temática; ela vive no âmago
do sentimento estético, consubstanciado na
dor que perpassa toda a sua obra, e que
desvela a grandeza da alma negra, na corrente sanguínea dos versos.
OUTUBRO
95
Lima Barreto (1881-1922) é a voz
que se destaca no pré-Modernismo. Mulato pobre, transfigurou literariamente sua
própria experiência de vítima do preconceito. Desde seu romance de estréia, Recordações do escrivão Isaías Caminha, sua
obra denuncia as barreiras que se erguem
contra negros e mestiços.
Na primeira geração modernista,
Mário de Andrade (1893-1945) desenhou
o perfil da brasilidade, na simbiose racial e
cultural de Macunaíma; Manuel Bandeira
(1886-1968), em poemas como “Irene no
céu”, “Cantiga” e “D. Janaína” incorporou
organicamente a negritude, para construir
monumentos literários. Na prosa da segunda geração, destaca-se Jorge Amado (1912);
na poesia, Vinicius de Moraes (1913-80),
que se autodenominou “o branco mais negro do Brasil”, merece ser lembrado pela
sua tragédia em versos Orfeu da Conceição.
Mas, entre os modernistas, destaca-se Jorge de Lima (1893-1953) como o grande
poeta da negritude. Esse alagoano branco,
filho e neto de senhores de engenho, nos
livros Novos poemas e Poemas negros, por
exemplo, ultrapassa o registro pitoresco e
folclórico, assimila o cerne da cultura afronordestina e demonstra que a barreira racial é nada perante a universalidade da poesia.
José de Paula Ramos Jr. é poeta e professor
de Literatura, autor de A ilustre casa de
Ramires - roteiro de leitura (Ática, SP)
MR. VESTIBA
I - ‘‘E quando ouvir o silêncio sorridente de São Paulo / diante da chacina / 111 presos
indefesos, mas presos são quase todos pretos / ou quase pretos, quase brancos quase pretos
de tão pobres / e pobres são como podres / e todos sabem como se trata os pretos’’
(Caetano Veloso, na música Haiti)
II - ‘‘As reflexões de Brás Cubas sobre o episódio sugerem como numa sociedade escravista
não é suficiente ser livre, é necessário ser senhor’’
(José de Paula, nesta página)
III - ‘‘Toda alma livre é imperatriz’’
(Machado de Assis, em Esaú e Jacó)
Nos trechos acima, os autores discutem a questão da liberdade. Faça um texto comparando
as análises, levando em conta, e relacionando os distintos contextos históricos
O poeta Cruz e Souza, em charge da época
1a) O poeta é Cruz e Sousa, o “Cisne Negro” ou “Dante Negro” (note-se, em II e IV, outras
perífrases: “Negro Sublime” e “Divino Negro”). Escreveu obras importantes como Broquéis (o
poema destacado, Antífona, é a abertura deste livro), Faróis (citado no poema de Alcêu Wamosy,
conterrâneo sulista) e Missal.
b) A escola literária a que o autor pertence é o Simbolismo. Criado na França, em fins do
século 19, reuniu autores da envergadura de Rimbaud, Verlaine e Mallarmé. No Brasil, além
de Cruz e Sousa, há o nome de Alphonsus de Guimaraens.
c) Tematicamente, trata da loucura, dos desejos da carne que dificultam a sublimação espiritual, da busca de uma integração cósmica, do sonho (o poeta simbolista é um “nefelibata”, alguém que caminha sobre as nuvens). Nenhum tema, porém, tem um sentido facilmente
identificável. Verlaine, em Arte Poética, ao defender a liberação dos sentimentos mais profundos do inconsciente, contra a ordem, diz: “Toma a eloqüência e torce-lhe o pescoço!”. Para Mallarmé,
outro inimigo da objetividade das definições, “nomear um objeto significa suprimir três quartos
do prazer da descoberta gradual de sua verdadeira natureza. Sugerir, eis o sonho.”. A atmosfera
mística e vaga é criada mediante o uso de sinestesias (mistura de percepções sensoriais: visuais,
olfativas, gustativas) e de figuras de linguagem portadoras de musicalidade, como aliterações e
assonâncias.
2) Os dois fragmentos são do poema Antífona, nome litúrgico que se refere ao versículo que
antecede um salmo: o título indicia a atmosfera mística desta poética. O problema colocado
por Leminski (mestiço de negro e polonês) exige mais do que uma leitura racional, sociológica,
da complexa obra deste artista, que conjugou questões expressivas (subjetividade típica do
Romantismo) com preocupações construtivistas (objetividade emprestada do Classicismo).
“Brancas” e “negras” podem sugerir muito mais que o comentário de Leminski: a atmosfera,
no contexto, é vaga, fluida (“incensos” em “aras” -altares- de templos). Assim, a oposição
entre as cores pode sugerir a adversidade entre dois pólos: o céu e o inferno. “Brancas” -o céu,
as nuvens- pode sugerir a busca da elevação espiritual, de Deus, da cultura “civilizada”: Deus
é “branco”. “Negras”-o inferno, as fumaças-, pode sugerir a baixeza material, o “demônio”, a
brutalidade do homem “negro”, a cultura “primitiva”. O passaporte social para o negro é a
aquisição da “alma branca”.
3a) O adjetivo “cristalinas” é derivado, por sufixação (derivação sufixal), do substantivo “cristal”. b) Também por meio do processo de derivação sufixal, podem ser criados os substantivos abstratos (neste caso, nomeando qualidades) “alvura”, “brancura” e “claridade”.
Questão 4- Em que medida os fragmentos acima, de um importante autor brasileiro do século XIX, podem ser
evocados para lembrar os 300 anos de
Zumbi?
Negras mulheres suspendendo às tetas /
Magras crianças, cujas bocas pretas /
Rega o sangue das mães. / Outras, moças... mas nuas, espantadas, / No turbilhão de espectros arrastadas / Em ânsia
de mágoas vãs.”
“Era um sonho dantesco... O tombadilho,
/ Que das luzernas avermelha o brilho,
/ Em sangue a se banhar. / Tinir de
ferros... estalar de açoite... / Legiões de
homens negros como a noite / Horrendos a dançar...
■■■
Questão 3 (PUC-SP/ adaptada)- O adjetivo “cristalinas”, em I, é uma forma derivada de um
substantivo.
a) Diga qual é o substantivo de que ele deriva e qual o processo de derivação. b) Pelo mesmo
processo de derivação ocorrido em “cristalinas” derive, agora, um substantivo de cada um dos
adjetivos seguintes: “alvas”, “brancas”,
“claras”.
Questão 2- De acordo com o depoimento do poeta e crítico Paulo Leminski, como podem ser
relacionados os trechos destacados em I?
(Alcêu Wamosy)
III
“A afinidade de Wamosy com (...) estava apenas no plano metafísico do espírito. A mesma novidade
vocabular, a mesma fuga do trivial, a mesma vigorosa imaginação. Mas Wamosy nunca chegaria àqueles transbordamentos de volúpia do Divino Negro, que trazia diluídos no sangue todos os sóis da velha
África.”
(Manoelito de Ornellas)
IV
“Não deixa de haver muito mistério no fenômeno de serem negros, oriundos da raça mão-de-obra, o
maior prosador da literatura brasileira, Machado de Assis, e, sob certos aspectos, nosso mais fundo e
intenso poeta. (...) Anomalia sociocultural no Brasil do Segundo Império, exceção, desvio, (.....) superou
o dilaceramento entre os antagonismos de ser negro no Brasil (mão-de-obra) e dispor do mais sofisticado
repertório branco de sua época (o “Espírito”).”
(Paulo Leminski)
Questão 1- O autor de I, homenageado em II, é alvo de menção e comentário, respectivamente,
em III e IV. Responda: a) De que poeta se trata? b) A que escola literária pertence? c) Quais suas
principais características estéticas?
4) Os fragmentos são do poema Navio Negreiro, de Castro Alves, principal expoente da terceira geração do Romantismo no Brasil. Representam as preocupações sociais da época, centradas
neste autor republicano e abolicionista. O eixo temático é o tráfico de escravos (a obra é posterior às leis que extinguiram este comércio, de 1850 e 1854). O drama do negro é indiciado
como “sonho dantesco”, ou seja, as imagens da realidade parecem pesadelos do “Inferno”de
Dante Alighieri. Interpelando a Deus (“Senhor Deus dos desgraçados!/ Dizei-me vós”) e olhando
para os miseráveis nos porões infectos, o poeta denuncia a queda vertiginosa do ser humano
(do céu para o inferno, da sociedade para seus subterrâneos). Inquieto, polêmico, apaixonado,
converteu-se em uma espécie de mentor político do povo, de condutor dos anseios da coletividade. Fez do “condor” (nasce daí o termo “Poesia Condoreira”) o símbolo de sua luta pela
abolição da escravatura, como Picasso fez da pomba o símbolo da paz no século XX. Revolucionário, transformou sua pena em ágil baioneta (como o poeta russo Maiakóvski). Castro Alves
e Zumbi constituem forças contra o jugo selvagem do homem branco: “a praça é do povo como
o céu é do condor” e o Quilombo de Zumbi -resistência em nome da Liberdade!
e.4
OUTUBRO
95
Sacerdote genial da Liturgia / Do grande Sonho, límpido e legítimo! /
Rouxinol dos países da harmonia! / Feiticeiro do Som! Mago do Ritmo!
Flores negras do tédio e flores vagas / de amores vãos, tantálicos, doentios... /
Fundas vermelhidões de velhas chagas / em sangue, abertas, escorrendo em rios...”
II
“Negro Sublime! Glória de uma Raça! / Peregrino rapsodo dos Faróis! /
Pelo teu verso cintilante, passa / Uma esquisita luz de estranhos sóis!
I
“Ó Formas alvas, brancas, Formas claras / de luares, de neves, de neblinas!... /
Ó formas vagas, fluidas, cristalinas... / Incensos de turíbulos das aras...
Leia com atenção os seguintes trechos e responda as questões de 1 a 3:
Texto
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no
no
no
no
Vestibular
Vestibular
Vestibular
Vestibular
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no
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no
no
Vestibular
Vestibular
Vestibular
Vestibular
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(Chico Buarque, 1944)
Se ao te conhecer / dei pra sonhar, fiz tanto
desvarios / rompi com o mundo, queimei
meus navios / me diz pra onde
é que ainda posso ir
Seção Papo Cabeça
“... o céu é do condor”
Paulo César de Carvalho
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