Era uma vez… A Resiliência Publicado em 15 de maio de 2015 Por Ute Creamer, pedagoga Waldorf, fundadora da Associação Comunitária Monte Azul e fundadora da Aliança pela Infância no Brasil. Era uma vez sete filhas – somente filhas – de um rei e uma rainha. Tendo sido declarada guerra a seu reino, o pai perdeu a guerra e o trono, sendo feito prisioneiro. Enquanto o rei estava na prisão, a família passava muito mal. Para economizar, a rainha deixou o castelo e todos se recolheram a uma cabana. Tudo saía errado, mas como por milagre eles encontravam alguma coisa para comer.Um belo dia passou por ali um vendedor de frutas, e a rainha o chamou para comprar alguns figos. Enquanto ainda estava a comprálos, passou uma anciã pedindo esmola. _ Ai, boa mãe! – disse a rainha. – Se eu pudesse, não vos daria apenas uma esmola; mas eu também sou apenas uma pobre alma, e nada tenho. _ E o que houve para serdes tão pobre? – perguntou a mulher. _ Não o sabeis? Eu sou a rainha da Espanha, e caí em desgraça por causa da guerra que empreenderam contra meu marido. _ Pobre alma, tendes razão. Mas sabeis também por que tudo vos fracassa? Tendes em casa uma filha que é perseguida pela desgraça. Enquanto mantiveres a moça convosco, jamais podereis ter sorte. _ Então devo mandar embora uma de minhas filhas? – Sim, senhora. _ E qual delas é essa filha desgraçada? _ Aquela que dorme com as mãos cruzadas. À noite, quando elas estiverem dormindo, acendei uma vela e observai-as. Aquela que encontrardes com as mãos cruzadas é a que deveis mandar embora; só assim podereis reaver vosso reino perdido. À meia-noite, a rainha pegou uma vela e se colocou frente às camas de suas filhas. Todas dormiam: uma com as mãos juntas, outra com as mãos embaixo do rosto e a terceira com as mãos embaixo do travesseiro. Chegando até à última, que era a mais nova, viu que ela dormia com as mãos cruzadas. _ Ai, minha querida filhinha! Justamente tu é quem tenho de mandar embora! Enquanto assim dizia, a pequena acordou. Viu a mãe com a vela na mão e os olhos cheios de lágrimas. _ Mamãe, o que tendes? _ Nada, minha filhinha. Passou por aqui uma idosa mulher prevendo que eu não voltaria a ter sorte senão quando mandasse embora a desgraçada filha que dorme com as mãos cruzadas … e essa infeliz és tu. – É por isso que chorais? – perguntou a filha. – Vou logo vestir-me e ir-me embora. Então vestiu-se, atou suas coisas numa trouxa e deixou a casa. Ela andou e andou, e por fim chegou a uma relva deserta onde só havia uma única casa. Ao aproximar-se dela, ouviu as batidas de um tear e avistou mulheres tecendo. – Queres entrar? – perguntou uma das mulheres. – Sim, boa mulher. – Como te chamas? -Azarenta. – E queres servir-nos? – Sim, boa mulher. E ela começou a varrer e a fazer o trabalho de casa. À tarde as mulheres lhe disseram: – Escuta, Azarenta, à noite nós deixaremos a casa e te fecharemos à chave pelo lado de fora, e tu a trancarás por dentro. Ao voltarmos, abriremos pelo lado de fora e tu abrirás pelo lado de dentro. Tens de cuidar para que não nos roubem a seda, os debruns e o pano de linho tecido. E com isso partiram.A meia-noite estava chegando, e a Azarenta ouviu o bater de tesouras. Pegou uma vela e chegou perto do tear. Viu uma mulher cortando com uma tesoura todo o pano de linho dourado do tear. Compreendeu que aquela mulher era a sua má sina, e que a havia seguido até ali. Na manhã seguinte, voltaram as tecelãs. Abriram do lado de fora, e a moça do lado de dentro. Mal haviam entrado, viram a desgraça no chão. – Oh, que impertinente! É esta a recompensa que recebemos por dar-te abrigo? Vai embora imediatamente! Fora! E expulsaram-na com um pontapé. Azarenta continuou peregrinando pelo campo. Antes de chegar a uma aldeia, deteve-se diante de um armazém de pão, verduras, vinho e outras coisas. Pediu uma esmola; a dona lhe deu pão e um copo de vinho. Nisso, entrou o marido dela. Ele teve pena da moça e disse que ela poderia passar a noite com eles, dormindo sobre os sacos, no armazém. Os donos dormiam em cima. Durante a noite, eles ouviram um barulho e se levantaram; os batoques dos tonéis haviam sido abertos, e o vinho corria por toda a casa. Quando viu a desgraça, o homem procurou a moça; ela estava deitada sobre os sacos e gemia, como em sonho. – Impertinente! Só tu podes ter feito isso! Pegou uma vara e bateu nela. Depois a pôs na rua. Ela não sabia para onde se dirigir, e afastou-se chorando. Ao amanhecer o dia encontrou no campo uma mulher lavando roupa. – Por que olhas dessa maneira? – perguntou-lhe a lavadeira. – Não sei para onde ir. – Sabes lavar? – Sim, boa mulher. – Então fica aqui e ajuda-me a lavar; eu ensabôo a roupa e tu a enxáguas. Azarenta começou enxaguando a roupa e pendurando-a no varal. Quando já estava seca, retirou-a de lá. Então a remendou, engomou e, por fim, passou-a a ferro. É bom sabermos que a roupa era do filho do rei. Quando o príncipe a viu, pareceu-lhe, deveras, maravilhosamente limpa. – Dona Francisca – disse ele -, jamais me lavastes a roupa tão bem! Desta vez merecestes uma gorjeta. – E lhe deu dez pratas. Com as dez pratas, Dona Francisca vestiu Azarenta da mais bela maneira, comprou um saco de farinha e assou pão. Junto com os outros pães, entretanto, fez dois bolos redondos com bastante anis e gergelim, os quais pareciam dizer: “Come-me! Come-me!” Disse então a Azarenta: – Com estes dois bolos, vai à beira-mar e chama por minha sina da seguinte maneira: “Aaah! Sina de Dona Franciscaaal” E faze-lo três vezes. Na terceira vez minha sina aparecerá. Tu lhe entregarás um dos bolos e lhe farás saudações por mim. Depois pedirás informações sobre onde mora a tua sina e procederás da mesma maneira com ela. Depressa, Azarenta foi à beira-mar. – Aaah! Sina de Dona Franciscaaa! Aaah! Sina de Dona Franciscaaa! Aaahl Sina de Dona Franciscaaal” – e a sina de Dona Francisca apareceu. Azarenta transmitiu a mensagem e entregou-lhe o pão. Depois perguntou: – Sina de Dona Francisca, poderia Vossa Excelência ter a bondade de explicar-me onde mora a minha sina? – Escuta: segue um trecho desta trilha da praia, até chegar a um forno. Ao lado do buraco para o esfregão do forno, está sentada uma velha bruxa. Seja especialmente amável com ela e dá-lhe o bolo. Ela é a tua sina. Verás que ela não quererá aceitá-lo e te tratará rudemente. Contudo, deixa o bolo com ela e prossegue teu caminho. Azarenta chegou ao forno e encontrou a velha. Quase passou mal quando a viu, tão suja, remelosa e fedorenta que era. – Querida Dona Sininha, não quereis dar-me a alegria de aceitar este presente? – bajulou, oferecendo-lhe o bolo. E a velha: – Despacha-te! Quem te pediu pão? – E virou as costas para Azarenta. Esta, todavia, depositou o bolo e voltou para a casa de Dona Francisca. No dia seguinte, uma segunda-feira, era dia de lavar roupa. Dona Francisca pôs a roupa de molho, Azarenta a esfregou e enxaguou; quando estava seca, ela a remendou e passou a ferro. Depois de passada, Dona Francisca a colocou numa cesta e a levou ao castelo. Quando o príncipe a viu, exclamou: – Dona Francisca, a mim não podeis enganar; roupa como esta, jamais me entregastes. E deu-lhe dez pratas de gorjeta. Dona Francisca novamente comprou farinha, assou mais dois bolos e enviou Azarenta com eles para as Donas Sinas. No próximo dia de lavar, o príncipe – que queria se casar e dava muita importância a que a roupa estivesse bem limpa – deu a Dona Francisca uma gorjeta de vinte pratas. E desta vez ela não comprou apenas farinha para dois bolos; comprou, para a Dona Sina de Azarenta, uma bela blusa com renda e uma combinação, delicados lenços e um pente, creme para o cabelo e outras quinquilharias. Azarenta foi até o forno. – Querida Dona Sininha, eis um bolo para vós. Dona Sina, que entrementes se havia tornado um pouco mais meiga, achegou-se resmungando, para receber o pão. Então Azarenta se lançou sobre ela, agarrou-a e começou a lavá-la com esponja e sabão, a penteá-la e a vestir a velha, da cabeça aos pés, com roupa nova. A velha, que inicialmente se havia torcido como uma cobra, mudou seu comportamento a olhos vistos ao ver como brilhava de tanto asseio. – Escuta, Azarenta – disse ela -, por teres sido tão boazinha comigo, dou-te esta caixinha. – E lhe deu uma caixinha tão pequena quanto uma caixa de fósforos. Azarenta correu de volta para a casa de Dona Francisca e abriu a caixinha. Nela estava um pequenino pedaço de debrum. As duas ficaram um pouco desapontadas. – Oh, ela realmente foi muito generosa – concluíram, e guardaram o debrum na última gaveta de uma cômoda. Quando, na semana seguinte, levava a roupa ao castelo, Dona Francisca encontrou o príncipe de péssimo humor. A lavadeira, que estava bem familiarizada com o príncipe, perguntou-lhe: – O que se passa, príncipe? – O que se passa? Devo casar-me e agora se verifica que no vestido de noiva falta um pequenino pedaço de debrum, e em todo o reino não é possível encontrar debrum do mesmo modelo. – Esperai, Majestade! – disse Dona Francisca. Correu para casa, procurou na cômoda e levou ao príncipe o pedaço de debrum. Compararam-no então com o debrum do vestido de noiva e viram que ambos coincidiam exatamente. O príncipe disse: – Como me salvastes de tal constrangimento, quero pagar o debrum a peso de ouro. Buscou uma balança e num dos pratos colocou o debrum, colocando no outro o ouro. Porém o ouro nunca era suficiente. Experimentou o processo mais uma vez numa balança romana: o mesmo resultado. – Dona Francisca – disse ele à lavadeira -, dizei-me a verdade. Como é possível que um pedaço de debrum pese tanto? De quem o ganhastes? Dona Francisca, quisesse ou não, teve de contar tudo, e o príncipe quis ver Azarenta. A lavadeira aconselhou-a a vestir-se de modo a ficar muito bonita (com o tempo, elas haviam guardado algumas peças); depois levou a moça ao castelo. Azarenta entrou nos aposentos do príncipe e fez diante dele um gesto de grande cortesia; afinal era filha de um soberano, e decerto não lhe faltava uma boa educação. O príncipe a saudou e, oferecendo-lhe um lugar, perguntou-lhe: – Quem és tu, em verdade? – E Azarenta respondeu: – Sou a filha mais nova do rei da Espanha, que foi expulso de seu trono e feito prisioneiro. Minha má sina obrigou-me a vaguear pelo mundo e a suportar grosserias, desrespeito e pancadas. – E contou-lhe todas as suas experiências. Primeiro o príncipe mandou buscar as tecelãs, das quais a má sina havia cortado a seda e o debrum. – Qual foi o vosso prejuízo? – Duzentas pratas. – Aqui tendes as duzentas pratas. Sabeis que esta moça em que batestes é uma princesa? Não o esqueçais! Sumi-vos daqui, depressa! Depois mandou buscar os donos do armazém, dos quais a má sina havia derrubado os tonéis. – E qual foi vosso prejuízo? – Trezentas pratas … – Aqui tendes as trezentas pratas. Da próxima vez, porém, pensai duas vezes antes de surrar uma princesa. Fora daqui! A seguir desmanchou o noivado com a primeira noiva e se casou com Azarenta. Como dama de honra, deu-lhe Francisca. Entreguemos os noivos à sua felicidade e alegria, e voltemos à mãe de Azarenta. Quando sua filha a deixara, a roda sorte começara a girar a seu favor: um belo dia, seu irmão e seus sobrinhos chegaram à frente de um poderoso exército e reconquistaram o reino. A rainha voltara com suas filhas para o castelo, onde novamente tinham todo o conforto. O que a atormentava, todavia, era a lembrança de sua filha mais nova, de quem ela mal sabia. O príncipe, no entanto, chegou a saber que a mãe de Azarenta tinha reavido seu reino. Enviou seus mensageiros até ela, mandando-lhe dizer que a filha se casara com ele. Encantada, a mãe pôs-se a viajar, acompanhada de cavaleiros e damas honra. Elas se encontraram na fronteira e abraçaram por muito tempo. Muito comovidas, as seis irmãs acompanharam a cena. A seguir houve, nos dois reinos, uma grande festa. Trad. do italiano para o alemão por Lisa Rüdiger e do alemão para o português por Heinz Wilda