DO: UM CAMINHO PARA A ESCOLA Rosana Fabrin Lindorfer¹ Lucélia Amaral Gomes² André Luis Ramos Soares³ Introdução - O que é o Aikido? A arte marcial de origem japonesa denominada Aikido foi criada por Morihei Ueshiba, que pode ser traduzida de uma forma simplista da seguinte maneira: Ai = harmonia; Ki= energia; Do= caminho. Esta arte alia técnica e disciplina como objetivo de transformação pessoal. Ueshiba sistematizou diversas artes marciais em uma só, como o Daitou-ryu jutsu, o Jo-jutsu e o Ken-jutsu, e registrou esta arte com o nome de Aikido em 1942, servindo como um exercício físico, psicológico e espiritual e não apenas como uma arte de guerra e destruição para abater um oponente. O Aikido é umas das únicas artes marciais que não possui competições, pois segundo sua filosofia, as competições são feitas para testar a capacidade do praticante perante outras pessoas, muitas vezes apenas para engrandecer o ego. No Aikido, essas capacidades são testadas pelas atitudes tomadas frente a um agressor potencial ou um problema qualquer da vida diária. A única competição que existe é aquela contra si mesmo pelo autoconhecimento e autocontrole. Além disso, nunca se vai contra a força do atacante, mas aprende-se a usar esta força contra ele mesmo, e os golpes são executados principalmente contra articulações, como o pulso, cotovelos e ombros, no objetivo de evitar o confronto (UESHIBA, 1994). As aulas são realizadas no Dojo, que não se resume apenas ao local onde são realizados os exercícios, mas um lugar de desenvolvimento pleno, de busca pela harmonia do corpo com a técnica, onde cada um procura desenvolver a melhor forma, não em comparação com os demais alunos, mas consigo mesmo. O Aikido tem uma raiz filosófica que deriva da conversão religiosa do ________________ ¹Autora, Aluna de Graduação em Ciências Sociais UFSM. ²Co-autora, Aluna de Graduação em Serviço Social UFSM. ³Orientador, professor do curso de História UFSM. fundador para a religião Oomoto, uma derivação do Xintoísmo. Neste sentido a compreensão de não violência e harmonia com todos os seres senscientes, associados à experiência militar da ocupação da ilha de Hokkaido, fazem com que a prática do aikidoca possua profunda conotação espiritual, de harmonia consigo mesmo e com o universo. Ueshiba, conhecido como O-sensei (grande professor) foi militar e participou de diversas guerras, como a ocupação da Manchúria e tomada de Hokkaido, o que influenciou diretamente para compreender a inutilidade da guerra e da violência, partindo para a criação de uma arte marcial que tem como objetivo primeiro o desenvolvimento do ser humano em sua totalidade. Objetivos do projeto O projeto de Aikido, voltado para adolescentes de escolas carentes do bairro Camobi, em Santa Maria, busca desenvolver nesses adolescentes valores éticos e demonstrar outras possibilidades que a prática de esportes pode significar em sua vida diária. Através da compreensão da conduta correta, da disciplina e da moral, estabelecer novas relações em seu cotidiano. Através de estudos já realizados se torna claro que é possível que as artes marciais possam auxiliar de forma positiva no comportamento de adolescentes, tornando viável que o adolescente que apresente hiperatividade ou timidez, por exemplo, se integre à sociedade de maneira favorável e pacífica, tendo aplicação tanto na arte marcial em si como em outras áreas que incluem escola, família, sociedade e trabalho (ANTÔNIO, CALABRE, CAVALIERE e FEITOSA, 2008). O ensino de Aikido tem propósitos simples a serem desenvolvidos com adolescentes: ensinar a eles valores morais, éticos e espirituais, bem como o respeito aos mais velhos, crescimento psicológico, determinação para a obtenção de metas pessoais e disciplina. As artes marciais estão sempre ligadas a uma filosofia de vida que privilegia o respeito aos outros e a autodefesa como meta, pois trabalha o corpo e a mente de forma indissociável, sobretudo buscando o desenvolvimento pleno do indivíduo (FUNAKOSHI, 2002). Perfil das escolas As escolas que o projeto de Aikido atendeu foram: Escola Municipal de Ensino Fundamental Julio do Canto, Escola Municipal Vicente Farencena, Escola Municipal de Ensino Fundamental Renato Nocchi Zimmermann e Escola Estadual Professora Margarida Lopes, que são em geral escolas periféricas que atendem a alunos residentes em Camobi. Pela falta de estrutura física de algumas delas percebemos que o projeto seria bem sucedido ao ser apresentado como uma atividade extraclasse que afastaria os alunos das ruas e que estaria lhes repassando valores éticos, além de lhes mostrar outra opção de atividade física. A atuação nessas escolas se justificou ainda pela falta de projetos sociais que visem à utilização de valores éticos como critérios de melhoria de condição sociocultural de alunos de escolas periféricas e em situação de risco. Metodologia A metodologia aplicada é de aulas expositivas sobre a origem da arte marcial denominada Aikido, seguida de aulas práticas. As aulas práticas são baseadas em modelos pré-existentes em academias filiadas ao Instituto Shimbukan, que tem sede em Ribeirão Preto, São Paulo. A proposta pedagógica para o ensino dos valores da arte marcial (valores éticos, morais e de conduta social) e do ensino da prática marcial é adaptado a partir de iniciativas de academias que desenvolvem projetos sociais e acadêmicos com adolescentes em situação de risco no Brasil e experiências de Aikido para adolescentes em outros países. Para quantificar de forma estatística os resultados obtidos com os alunos, de forma que se possa expor claramente o diferencial no comportamento dos adolescentes estudados, será utilizado o modelo de questionário proposto por Antônio, Calabre, Cavaliere e Feitosa (2008) utilizando os indicadores para avaliação da agressividade, hiperatividade, comportamento, violência, sociabilidade, condicionamento físico, nervosismo, concentração, desinteresse, psicomotricidade, assimilação da cultura japonesa, entre outros. Relato das aulas As aulas iniciaram no final do mês de março de 2012 e ocorreram duas vezes por semana. Desde o início das atividades a mudança comportamental dos alunos no Dojo foi notável: além da integração e relações de amizade já estabelecidas entre os participantes, foi muito visível que a dispersão, risos e conversas paralelas diminuíram gradativamente, a precisão na execução dos exercícios e a seriedade com que encaram a arte marcial foi percebida logo nos dois primeiros meses. As regras de etiqueta relacionadas ao Aikido foram encaradas como parte do ritual, como o cumprimento no início e término dos treinos, a constante preocupação com o bem estar do colega para que não houvesse sequelas e dores posteriores aos golpes, gentilezas e agradecimentos após a execução dos exercícios. Todos apresentaram respeito ao Sensei (professor), respeitando, silenciando e prestando atenção durante as explicações e demonstrações. Entre os aspectos que mais chamaram a atenção para as acadêmicas e o professor da arte marcial, é que os alunos, inicialmente resolviam todo tipo de discussão com formas de agressão física ou verbal. Ao decorrer das aulas, foi percebido que o ambiente lúdico e de não competitividade exerceu influência no sentido de que as discussões não ocorreram mais, além de que a camaradagem foi incorporada no cotidiano do Dojo. Este fato é mais bem percebido quando, no início do projeto, as meninas não desejavam praticar com os meninos, situação que não acontecia mais nos treinos semanais. No geral, a turma era calma e não foi observado de imediato possíveis situações problemáticas em que o Aikido lhes pudesse ser útil, mas ao conversar com os pais e responsáveis dos alunos foi possível perceber que alguns destes conseguiram levar os valores repassados nos treinos para as suas vivências diárias e que muitas mudanças positivas aconteceram, como no caso da aluna Thainá, 14 anos. Sua mãe disse que desde que ela iniciou as aulas de Aikido diminuiu consideravelmente as brigas com sua irmã mais nova e estava bem mais calma, e quando questionada individualmente a aluna disse ter sido essa a principal diferença que viu em si também e que realmente tentava ter mais paciência com a irmã. O aluno João, 14 anos, possuía pouca força física e nos primeiros meses foi percebido como seu desempenho foi melhorando devido à participação nas aulas e o esforço em tentar sempre efetuar os rolamentos e golpes mais precisamente. No caso da Esther, 12 anos, que possuía problemas de comunicação com os demais colegas por causa de sua timidez, sua mãe explicou que com as aulas de Aikido ela se tornou mais comunicativa e expressiva, a interação estimulada no Dojo foi importante neste ponto, bem como para a aluna Denise, 15 anos, sua mãe acompanhou um dos treinos e se impressionou por ela estar rindo e interagindo, pois era muito tímida. No caso da Franciane, 14 anos, já se mostrava comunicativa, mas admite que sua força e elasticidade melhoraram gradativamente com os treinos e que quando faltava a algumas aulas as dores ao alongar voltavam, por isso tentava não faltar a nenhum treino. Jhenyffer e Jéssica, ambas com 15 anos, encontraram nas aulas de Aikido uma atividade para ocupar o tempo livre e como complemento das aulas de Street Dance que sua escola disponibilizava, ajudando assim na atividade física, elasticidade e equilíbrio. Segundo suas mães, o aikido era uma atividade saudável que as mantinha fora das ruas. Para a mãe de Eduardo, 11 anos, o Aikido como arte marcial que repassa calma e autocontrole se tornou uma ótima forma de conter nele os impulsos e o nervosismo. Um pouco abalado por problemas familiares costumava perder o controle em determinadas situações e com o Aikido ela constatou que ele aprendeu a ser mais equilibrado. Muitos alunos passaram pelo Dojo nos últimos 18 meses, alguns com histórias de descaso familiar na sua formação e boa conduta. Jaderson era um aluno que se mostrava interessado nas aulas e bem comunicativo, mas desistiu a partir da terceira aula, na escola a vice-diretora informou que ele mora em uma casa com mais 13 familiares e apresenta indícios claros de um sério problema de déficit de atenção, chegando a não conseguir nem acompanhar um diálogo feito com ele, quando questionado do porque ter abandonado o Aikido ele somente disse que não quis mais, foi perguntado inclusive se havia não gostado de algo e ele disse que era bem legal, mas não quis. A mãe alega que ele já é grande o suficiente e que não tem tempo para perder com esses problemas. Jaderson tem 12 anos. Outros participantes que acabaram por abandonar as aulas apenas gostariam de um esporte mais competitivo, como a Tassiane, 13 anos, e seu irmão Bruno, 11 anos, que participaram de aproximadamente cinco treinos e preferiram o Judo, que também era oferecido aos alunos. Conclusão A realização do projeto de extensão “Aikido: um caminho para a transformação social” proporcionou aos participantes aprendizados como valores éticos, disciplina, respeito ao próximo e aos mais velhos. Como foi observado, houveram casos em que a timidez de alguns alunos atrapalhava no cotidiano e, por meio dos treinos, pode ser superada, facilitando suas interações no ambiente escolar e social. A técnica da arte marcial promoveu um aprendizado que possibilitará aos alunos, quando deparados com situações de risco, a autodefesa. Além alongamentos e exercícios semanais permitiram um disso, os aprimoramento do condicionamento físico no intuito de diminuir o sedentarismo. Essas melhorias puderam ser percebidas pelos pais e responsáveis dos alunos. O projeto foi importante para, além dos participantes, que as acadêmicas da Universidade Federal de Santa Maria, tivessem a oportunidade de um maior entendimento da realidade social das escolas periféricas do Bairro Camobi e de como se tornam necessários projetos que insiram valores éticos e culturais na vivência dos estudantes, pois se acredita que a transformação social não é feita apenas de ascensão material, mas também de acúmulo cultural e de valores que agreguem positivamente o crescimento pessoal. Referência bibliográficas ANTÔNIO, Claudio, CALABRE, Elson A.V., CAVALIERE Ezio e FEITOSA, Rubens S. As Artes Marciais no Auxilio do Controle do Comportamento em Adolescentes Praticantes. Rio de Janeiro, Centro Universitário Celso Lisboa, 2008. BUL, Wagner J. Aikidô, caminho da sabedoria. Pensamentos, 1992. FUNAKOSHI, Gichin. Karate-Do: o meu modo de vida. São Paulo, Cultrix, 2002 UESHIBA, Kishomaru. O espírito do Aikidô. Cultrix, 1994.