Sociedade pós-moderna a dualidade de ser líder NA SOCIEDADE PÓS-MODERNA “Aos que se mantêm à parte, os celulares permitem permanecer em contato. Aos que permanecem em contato, os celulares permitem manter-se à parte.....” ZYGMUNT BAUMAN INTRODUÇÃO A “A dificuldade é contraprodutiva num regime flexível. Por um terrível paradoxo, quando diminuímos a dificuldade e a resistência, criamos as condições mesmas para a atividade acrítica e indiferente por parte dos usuários.” Google Images RICHARD SENNETT 50 R E V I S T A D A E S P M – JULHO / AGOSTO DE A frenética cidade de São Paulo onde vivo, encontro diariamente vários executivos, homens e mulheres das mais variadas idades, líderes em empresas nacionais, globalizadas, de pequeno, médio e grande portes. Converso rapidamente com muitos deles e, com outros, tenho conversas longas, durante coachings, workshops, aulas e contatos profissionais dos mais diversos. Seria quase impossível imaginar que exista alguma coisa em comum entre esses diferentes profissionais, no entanto algo os une – uma certa angústia demonstrada por seus risos irônicos, gestos nervosos, reclamações em relação ao tempo, ao cansaço e um sentimento de culpa pela falta que sentem e fazem na família. Essa angústia também se apresenta numa autocondenação silenciosa de nunca ser bom o bastante, nunca conseguir agradar a todos, sempre estar devendo para a empresa, para a família, para si próprio, enfim, um sentimento que 2008 Google Images Google Images reflexão a seguir tem como origem a Visão Gestadora, desenvolvida por Ramy Arany e Ramy Shanaytá, no Instituto KVT, do qual faço parte. Ilustração Fátima Motta A liderança abre espaços dentro de si para essa dualidade não questionada, ou melhor, às vezes nem pensada, ou, se pensada, omissa. conforto e segurança na relação entre empresa e empregados. A durabilidade dos produtos e das relações era maior, bem como a oferta por novidades menor. Por outro lado, imagino como era difícil viver sem estar “plugado” com o mundo, com milhares de amigos desconhecidos, com informações saltando aos olhos de segundo a segundo, com a possibilidade de falar em real time com qualquer país de qualquer continente e fazer compras a um simples toque de dedos em um teclado. Vivemos, então, um momento em que a tecnologia une pessoas distantes, agiliza o acesso a informações, a produtos, resumindo, torna tudo mais fácil e rápido. Toda essa facilidade deveria ter trazido mais paz, harmonia e tranqüilidade às pessoas e, às empresas, maior clareza e abertura nas relações. No entanto, nada disso ainda pode ser visto pela maioria das pessoas. Pelo contrário, os problemas de comuni- Ð incomoda, mas também propicia uma reflexão. Penso, então, como era mais calma a vida de nossos antepassados, sem celular, sem computador, sem internet, sem e-mails. Com certeza conversavam longamente com vizinhos, visitavam e eram visitados por amigos e principalmente as mulheres dedicavam-se à formação dos filhos, errando e/ou acertando, mas seguramente estando mais presentes. Claro que as dificuldades existiam, mas o tempo parecia ser mais longo. As empresas e as pessoas tinham outro ritmo e havia maior fidelidade, bem como um certo Google Images Google Images Penso, então, como era mais calma a vida de nossos antepassados, sem celular, sem computador, sem internet, sem e-mails. Toda essa facilidade deveria ter trazido mais paz, harmonia e tranqüilidade às pessoas e às empresas, maior clareza e abertura nas relações. No entanto, nada disso ainda pode ser visto pela maioria das pessoas. Google Images Sociedade pós-moderna Também é pedido que se cuide das pessoas, mas se os resultados não vierem... Nesse sentido, a liderança, por vezes pressionada, pressiona na mesma medida, é caça e caçador e, como conseqüência, o foco em resultados se sobrepõe ao foco nas pessoas. cação se avolumam, a falta de clareza em relação aos diversos papéis também permeia a dinâmica empresarial, com um cansaço que parece ser eterno, além de relações bastante tumultuadas, sejam pessoais, sejam profissionais, num mundo em que o consumo se potencializa, independentemente da real necessidade. Assim, os produtos, tanto como as relações pessoais tornam-se descartáveis, substituíveis, voláteis, sem que se desenvolva o sentido da responsabilidade humana perante as conseqüências desse consumo, seja de produtos, seja de relações. Tudo acontece e gira em torno do resultado, que precisa ser alcançado custe o que custar. Caso o resultado não aconteça, começa a caça aos culpados, as demissões e os descartes de pessoas. Essa dualidade marca a atuação da liderança que se vê o tempo todo frente a desafios, às vezes impossíveis de serem alcançados, de demandas incompatíveis, mas, como seu lugar é objeto de desejo de várias outras pessoas, talvez mais jovens e mais capazes, abre espaços dentro de si para essa dualidade não questionada, ou melhor, às vezes nem pensada ou, se pensada, omissa. Reprodução: Os Simpsons A DUALIDADE NA LIDERANÇA Como se pode buscar metas de longo prazo numa economia dedicada ao curto prazo? Como se pode manter lealdades e compromissos mútuos em instituições que vivem se desfazendo ou sendo continuamente reprojetadas? De Santis Por outro lado, sabemos que a globalização trouxe uma grande necessidade de centralização e uniformização de procedimentos, mas ao mesmo tempo pede-se flexibilidade e criatividade aos líderes e liderados. 52 R E V I S T A D A E S P M – JULHO / AGOSTO DE 2008 Google Images Nas empresas, então, foco no resultado é a palavra de ordem de toda liderança. Tudo acontece e gira em torno do resultado, que precisa ser alcançado, custe o que custar. Caso o resultado não aconteça, começa Fátima Motta Por outro lado, sabemos que a globalização trouxe uma grande necessidade de centralização e uniformização de procedimentos, mas ao mesmo tempo pede-se flexibilidade e criatividade aos líderes e liderados. Essa briga se instala no interior de cada líder. Os riscos as- sumidos serão compensados? Quais os caminhos a seguir? Será, então, que a flexibilidade requerida serve para seguirmos novos controles que chegam sem muita clareza? A impossibilidade de questionar esses controles vai trazendo uma fala engolida por parte dos profissionais que, pressionados pelo resultado, partem para a execução desenfreada, sem questionar, sem se posicionar, atuando por vezes de forma automática, fragmentada e alienada. FOCO NAS PESSOAS, UM DESAFIO Também é pedido que se cuide das pessoas, mas se os resultados não vierem... Nesse sentido, a liderança, por vezes pressionada, pressiona na mesma medida, é caça e caçador e, como conseqüência, o foco em resultados se sobrepõe ao foco nas pessoas. No entanto, do mesmo modo em que o líder é cobrado por Vivemos, então, um momento onde a tecnologia une pessoas distantes, agiliza o acesso a informações, a produtos, resumindo, torna tudo mais fácil e rápido. resultados, é cobrado também por gerir pessoas e o gap apresentado se torna uma carência de desenvolvimento. E é assim que alguns líderes chegam aos programas de liderança – sentindo-se incapazes de entender as pessoas, às vezes com dificuldades em reconhecer suas competências profi ssionais, com a auto-estima baixa e sem consciência clara do seu papel. Não percebem, com clareza, a dualidade em que se encontram envolvidos e se esmeram para desenvolver técnicas em gestão de pessoas e em liderança, sem se dar conta que a mensagem que a empresa passa também é dual e não equilibrada, quando reforça com vigor que o foco está nos resultados, nos números que precisam ser alcançados. Para conseguir esse foco, não dá tempo para olhar as pessoas, não Ð Nas empresas, então, foco no resultado é a palavra de ordem de toda liderança. Fotos: AT&T a caça aos culpados, as demissões e os descartes de pessoas. Em nome do resultado perde-se a visão da realidade maior, seja da empresa, seja das pessoas, seja do ambiente e, por vezes, os estragos causados são bastante significativos. Basta lembrar do lixo que produzimos, responsável pela poluição dos ares e dos mares do planeta Terra, fruto, com certeza, da busca por muitos resultados. No entanto, ao líder é pedido que pense de forma estratégica e sistêmica, mas que não perca o foco nos resultados. Então, se o pensar mais amplo coloca em risco planos que levem a resultados imediatos, é melhor não pensar ou ,se pensar, omitir-se. Sociedade pós-moderna imediatismo passa a fazer parte integrante da relação entre líder e liderados. Richard Sennett, em seu livro A Corrosão do Caráter, ajudanos com algumas perguntas: O ambiente, por sua vez, compõe-se de instituições com laços fracos, seja porque as pessoas são descartadas pelas empresas, seja porque as descartam, de tal forma, que, os vínculos mais duradouros são mais difíceis de serem constituídos. “Como decidimos o que tem valor duradouro em nós numa sociedade impaciente, que se concentra no momento imediato? Como Mas, como, então, criar laços duradouros com a equipe, se tudo precisa ser resolvido de forma rápida e imediata? Por outro lado, os líderes são clamados para que retenham talentos, que formem sucessores, convivendo por vezes com a geração Y, que apresenta, nitidamente, uma tendência à não-valorização de vínculos, profissionais que viram seus pais serem descartados depois de vários anos em uma mesma empresa. Google Images dá tempo para observar suas dificuldades, nem parar para dar um feedback. No máximo, críticas, para que logo o desempenho seja corrigido e o resultado alcançado. Nesse cenário, as pessoas olham para seus computadores e para seus celulares em tempo integral. Deixaram de olhar para olhos humanos e de enxergar as cores da vida. O Dominik Gwarek se pode buscar metas de longo prazo numa economia dedicada ao curto prazo? Como se pode manter lealdades e compromissos mútuos em instituições que vivem se desfazendo ou sendo continuamente reprojetadas?”1 54 R E V I S T A D A E S P M – JULHO / AGOSTO DE 2008 Mas, como, então, criar laços duradouros com a equipe, se tudo precisa ser resolvido de forma rápida e imediata? Por outro lado, os líderes são clamados para que retenham talentos, que formem sucessores, convivendo por vezes com a geração Y, que apresenta, nitidamente, uma tendência à não-valorização de vínculos, profissionais que viram seus pais serem descartados depois de vários anos em uma mesma empresa, talvez por incompetência, talvez pela idade, e que aprenderam que carreira é o caminho que se faz sozinho, de forma independente e individual. Assim, a liderança tem, por um lado, um foco volátil e, por outro, liderados Fátima Motta voltados a seus interesses individuais. O ambiente, por sua vez, compõe-se de instituições com laços fracos, seja porque as pessoas são descartadas pelas empresas, seja porque as descartam, de tal forma, que os vínculos mais duradouros são mais difíceis de serem constituídos. TRABALHO EM EQUIPE... E A COMPETIÇÃO? Essa tormenta piora quando o líder é cada vez mais conscientizado sobre a necessidade do trabalho em equipe. É imperiosa, uma vez que, face ao volume de informações, à competitividade, ao excesso de problemas a serem resolvidos, à necessidade de novas soluções, sabese que só com uma força coletiva consegue-se sobreviver a todos esses desafios. Na nossa sociedade, o isolamento conduz ao insucesso. No entanto, mais uma vez a contradição é denunciada nas empresas quando a maior parte dos prêmios, bônus etc. são dados aos indivíduos, por seus feitos isolados e competitivos e não à equipe. O trabalho em equipe, por sua vez, pressupõe abertura e confiança. Como confiar em quem é estimulado a competir? Como cooperar sem foco e sem comunicação direta? Como colaborar se não é claro o benefício? Qual a vantagem? Essas perguntas ficam por vezes sem resposta e a solidão vai tomando conta das relações nas empresas e na sociedade, que se distrai nos chats e nas diversas telas que enquadram nossa sociedade pós-moderna, num falso sentimento de proximidade. E assim, como diz Bauman2, “Quando a qualidade o decepciona, você procura a salvação na quantidade. Quando a duração não está disponível, é a rapidez da mudança que pode redimi-lo.” Quanto mais gente, melhor. Network é o que garante o pertencer, mas o pertencer superficial e descartável. A Stockphotos O trabalho em equipe, por sua vez, pressupõe abertura e confiança. Como confiar em quem é estimulado a competir? Como cooperar sem foco e sem comunicação direta? Como colaborar se não é claro o benefício? Qual a vantagem? busca frenética pela mensagem, pelo toque do celular, garantindo a possibilidade da não-resposta, mas com uma sensação permanente de conexão, sem importar com a qualidade da conexão, mas sim com a quantidade. Portanto, os laços dos relacionamentos podem ser frágeis e superficiais, facilmente desconectáveis, mas também múltiplos e passíveis de mudanças rápidas, desde que não satisfaçam o prazer imediato. O ISOLAMENTO DA CONEXÃO Esse mundo de tecnologia avançada traz outro dilema aos líderes, nas empresas IX: verdadeiros malabarismos precisam ser feitos para que, em vão, as pessoas fiquem focadas unicamente no trabalho. Isso já é absolutamente impossível, seja em função de toda gama de programas que conectam tudo a todos, seja os celulares com toda sorte de conexões. Ou seja, é uma conexão com tudo e com nada ao mesmo tempo. É o tudo superficial e o nada profundo, com conseqüente queda na qualidade do aqui e agora. É estar em uma reunião pensando no toque não atendido do celular, talvez o cliente − aquele de quem dependem os resultados, − a mensagem de algum conhecido chamando para um programa ou para uma balada, ou para um simples café, mas que não pode ficar sem resposta. Por outro lado, é o e-mail enviado para você, mas com cópia para dezenas de pessoas cujo assunto não interessa, mas interessa sua imagem denegrida, no conflito velado. A conexão é de dia e de noite. Não há mais o tempo de descanso, uma vez que esses aparelhos ficam grudados aos cintos, bolsas e pastas e exigem Ð Sociedade pós-moderna A conexão com tantas coisas faz com que, o foco se perca e essa dispersão se evidencia na atuação dos profissionais, que, por vezes, não ouvem e não se ouvem, vivendo em mundos isolados conectados. Conecta-se fora e não se conecta com o interno, seja esse interno as pessoas que fazem parte da mesma equipe, seja com o próprio interior de cada um, com suas forças e fraquezas, possibilidades, disponibilidades, vontade e escolha. Sendo assim, as pessoas acabam não se olhando e, portanto, não olhando as outras e as qualidades de Com a falta de um olhar interno, as pessoas acabam por não se reconhecerem, a ficarem na dependência do olhar do outro que nunca vem e que, quando vem, traz a necessidade da competência externa e não um reconhecimento da real competência do ser. Assim, trazendo para a realidade prática, os líderes apresentam, por vezes, grandes dificuldades de se reconhecerem como líderes, preferindo suas atribuições operacionais, mais fáceis, mais confortáveis. Por Desenvolver essas atitudes e comportamentos nos atuais líderes não é nada fácil, dado o foco no resultado e as inúmeras competências que são necessárias para a multifuncionalidade. exigida nos nossos dias. Orlandeli Sendo assim, as pessoas acabam não se olhando e, portanto, não olhando as outras e as qualidades de caráter que ligam os seres humanos acabam sendo corrompidas, uma a uma, gerando um imenso vazio e, não raramente, chegando a doenças físicas e emocionais. caráter que ligam os seres humanos acabam sendo corrompidas, uma a uma, gerando um imenso vazio e, não raramente, chegando a doenças físicas e emocionais. Entendo que caráter, como define Sennet3, são “os traços pessoais que damos valor em nós mesmos, e pelos quais buscamos que os outros nos valorizem”. Google Images uma resposta imediata e os olhos, de alguma forma viciados, não perdem nunca a possibilidade desse contato. outro lado, sentem imensa dificuldade em olhar para seus liderados, acompanhá-los e, sobretudo, dar feedback. E AINDA... FEEDBACK E QUALIDADE DE VIDA Vale a pena, nesse momento, relembrar um dos exercícios de feedback que aplico quando ministro programas de liderança. Nesse exercício os participantes ficam frente a frente para dar e receber feedback e a dificuldade se inicia pelo olhar para o outro. É uma situação desconfortável para a maioria dos participantes, e acredito que para cada um de nós também seria, porque não é usual olharmos para outro ser humano e de fato enxergarmos um outro ser que, tal como nós, tem dúvidas e medos, ansiedades 56 R E V I S T A D A E S P M – JULHO / AGOSTO DE 2008 Fátima Motta Google Images Na prática, a qualidade de vida é invertida pelo trabalho que se estende por horas e horas a fio após o fim do expediente, sábados e domingos, celulares e lap-tops conectados em tempo integral. Fica a pergunta: onde vamos parar? O que fazer diante disso? Respostas certas e definitivas, acredito que ninguém as tenha, mas podemos tecer algumas considerações. Google Images e talentos, ou seja, ver a humanidade no outro talvez seja ainda um grande desafio. Depois desse desafio ainda tem o de lembrar dos aspectos positivos e oportunidades de melhoria, que dependem fundamentalmente de uma observação acurada e acolhedora do outro, com uma intenção verdadeira de ajudar para que esse profissional seja ainda melhor do que é. Por fim, a coragem de falar de forma clara e amorosa o que foi observado. Desenvolver essas atitudes e comportamentos nos atuais líderes não é nada fácil, dado o foco no resultado e as inúmeras competências que são necessárias para a multifuncionalidade exigida nos nossos dias. Por outro lado, quem ouve o feedback, por vezes, tem sua atenção dispersa pelo volume de estímulos conscientes e inconscientes que o fazem compreensível em dimensões diferentes das esperadas e, como o vínculo não é dos melhores, a aten- lares e lap-tops conectados em tempo integral. Como conseqüência, percebemos um aumento significativo de afastamentos, seja por doenças físicas e/ou emocionais. E mais uma vez o líder, então, é cobrado por não oferecer condições saudáveis de trabalho, apontadas de forma bastante clara nas pesquisas de clima. No entanto ele também se sente pressionado e doente. E AGORA? O QUE FAZER? Após estas poucas reflexões, constatamos que este quadro já é bastante familiar e talvez fique a pergunta: onde vamos parar? O que fazer diante disso? Respostas certas e definitivas, acredito que ninguém as tenha, mas podemos tecer algumas considerações. Será que é um ser abstrato que nos joga nessa fogueira diária? Será que a culpa é das empresas? Será que a culpa é da tecnologia? ção ao ouvir, assim como a devida disposição para mudar, nem sempre se apresentam de acordo com a expectativa da liderança, que acaba tendo ainda mais motivos para desacreditar dessa técnica, em vez de entendê-la como vital para o desenvolvimento dos verdadeiros talentos, tão desejados nas empresas. Arrisco supor que, lendo a este texto, stress e uma pequena taquicardia já podem ser sentidas, mas, além de viver tudo isso, os líderes recebem outra pressão: precisam ter e propiciar qualidade de vida e equilíbrio emocional. Na prática, a qualidade de vida é invertida pelo trabalho que se estende por horas e horas a fio após o fim do expediente, sábados e domingos, celu- Seria muito mais fácil atribuir a culpa a algo externo e ficarmos isentos da responsabilidade. Isso nos tornaria também impotentes em relação à realidade que nos cerca. No entanto, talvez essa não seja uma boa alternativa para nenhum de nós, seres atuantes e conscientes. Cabe, então, à liderança se apropriar dessa dualidade em que vive e fazer escolhas verdadeiras, considerar os reais valores que pautam a relação entre as pessoas, restabelecendo sua própria dignidade e caráter. Uma escolha refere-se ao negócio e à empresa onde é posta a sua energia, a sua força de trabalho, suas emoções, seus pensamentos. É importante prestar atenção e observar se seus valores coincidem ou não com os valores da empre- Ð Google Images Sociedade pós-moderna sa, mas não os que estão na parede e sim os que são praticados. Nesse momento, talvez seja de fundamental importância identificar também a visão e a missão, sua e da empresa, avaliando se são coerentes. Se os profissionais fizessem escolhas mais conscientes, pelos valores e não pelo dinheiro, talvez pudessem começar a atuar no sentido de dar valor ao que tem, de fato, valor e com isso questionar a forma como o resultado é perseguido, as decisões tomadas, a finalidade pela qual os times são formados, os reconhecimentos efetuados e as relações estabelecidas. Com essa reflexão não minimizo a importância dos resultados, uma vez que todas as empresas dependem deles para sua continuidade, mas, sim, enfatizo a importância de se reavaliar a forma como vêm sendo perseguidos, para que se perceba, analise e atue com mais propriedade em todo, o processo que envolve sua execução, a complexidade das relações, o ambiente em que está inserido, bem como os impactos gerados. Outra escolha significativa é a de viver de acordo com valores humanos, como respeito, tolerância, lucidez, amor, acolhimento e paciência, valores esses que 58 R E V I S T A D A E S P M – JULHO / AGOSTO DE 2008 poderiam ajudar à real manutenção de vínculos com os liderados. Dessa forma, pode-se levar mais significado ao trabalho, que é sagrado, no sentido de possibilitar a realização das forças e competências individuais e coletivas e, com isso, atuar diretamente na auto-estima do líder e na dos liderados, trazendo maior comprometimento por sua contribuição para a humanidade. O resultado é conseqüência de toda essa postura e do trabalho que precisa ser desenvolvido. Assim, para que o líder consiga serenidade e lucidez, há necessidade de maior tempo livre para que a mente tenha tempo de se acalmar, olhar para dentro, reavaliar escolhas, objetivos, analisar os impactos de suas ações sobre os liderados, sobre o ambiente, sobre a sociedade em geral, possibilitando-lhe assumir seu papel de mestre, de orientador, ajudando os liderados a conhecer e reconhecer suas competências e facilitando sua expressão, para que os resultados pessoais e profissionais sejam alcançados como conseqüência e não como fim. Para isso, há de se resgatar a capacidade de direcionar o tempo para o desenvolvimento de relacionamentos com qualidade, vínculos produtivos e verdadeiros que incluam o olhar para o outro na intenção de reconhecimento das diferenças como complementares, potencializando o crescimento mútuo e a parceria que se estabelece além do resultado final a ser alcançado. Assim, temos, aqui, a importância das equipes, não só para fins imediatos e unilaterais, mas principalmente como uma fonte de crescimento e desenvolvimento do ser humano, que aprende a compartilhar, a ceder, a ouvir e a ter um mesmo objetivo. Então, o papel de Ser líder significa assumir e posicionar-se como tal, considerando pressões externas, sendo flexível para entender o ambiente, mas mantendo-se fiel aos seus valores e às suas escolhas. Enfim, deixar de ser guiado pelo automático, pelo imediatismo e por valores ilusórios, buscando o compromisso, a confiança e a lealdade a valores que restabeleçam um sentido mais humano e mais sagrado à missão que é a própria vida. Para isso, há de se ter coragem para posicionamentos nem sempre usuais e esperados. No entanto, fica para cada um de nós uma pequena reflexão, talvez uma provocação, no sentido de buscar o verdadeiro significado em Ser líder. ESPM NOTAS 1. Richard Sennett, A corrosão do caráter, 2003 pg. 10. 2. Zygmunt Bauman, Amor Líquido, 2004, pg. 77. 3.Richard Sennett, A corrosão do caráter, 1999, pg.10. BIBLIOGRAFIA ARANY, Ramy. Visão Gestadora – A Visão em Teia, São Paulo, Ed. KVT, 2008. BAUMAN, Zygmunt. Amor Líquido, Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2004. SENNET, Richard. A Corrosão do Caráter, 7a. ed., Rio de Janeiro: Record., 2003. FÁTIMA MOTTA Professora na Pós-Graduação da ESPM das matérias: Fator Humano, Gestão de Pessoas e Gestão de Mudanças. Sócia-diretora da F&M Consultores