entrevista Maria João Pinto-Coelho O lighting design em Portugal Por Maria Clara de Maio Foto: Andrés Otero HÁ MUITAS RAZÕES PARA REALIZAR E PUBLICAR UMA ENTREVISTA com Maria João Pinto Coelho. Além de pioneira em seu país – Portugal, no que se refere a projetos de iluminação, a arquiteta e lighting designer possui vasta experiência em projetos de iluminação arquitetônica e urbana, tendo implantado, em diversos centros e monumentos históricos, uma nova dimensão pela luz. Titular da Lightmotif.arquitectura, primeira empresa de lighting design e arquitetura portuguesa, Maria João graduou-se na Faculdade de Arquitetura da Universidade Técnica de Lisboa em 1985, e fez mestrado em Luz e Iluminação “Light and Lighting” na Escola Bartlett de Arquitetura, na Universidade de Londres, como bolsista da fundação Calouste Gulbenkian. Entre 1992 e 1996, com uma concessão da Fundação Nacional para a Pesquisa Científica e Tecnológica, realizou pesquisa na iluminação urbana e ambiental, obtendo seu Phd. na Faculdade de Arquitetura da Universidade Técnica de Lisboa, em 1996, com a tese intitulada “A importância da iluminação na imagem da cidade: opções axiais e configuração urbana”. Nesta entrevista, a arquiteta nos conta um pouco de seu trabalho e revela o quanto ainda é incipiente a atividade de lighting design em seu país. Para quem quiser ter o prazer e a oportunidade de partilhar mais de seu conhecimento, vale lembrar que Maria João estará no Brasil para uma palestra no Multilux 2007, segundo Seminário Internacional de Iluminação em Belo Horizonte, em setembro. 6 Lume Arquitetura: Nós gostaríamos de conhecer um pouco sobre planeamento urbano, pós-graduação em conservação e restauro o início de seu envolvimento com a iluminação arquitetônica, sua de monumentos e edifícios antigos. Em iluminação, não tinha história e seus objetivos profissionais. qualquer preparação. Não sabia o que era uma lâmpada! Maria João: Estudei Arquitetura na Universidade Técnica de Fundei a Lightmotif.arquitectura, em 1° de janeiro de 2000 Lisboa, fiz um mestrado em Luz e Iluminação “Light and Lighting” primeira empresa portuguesa de lighting design e arquitetura que na Escola Bartlett de Arquitetura, em Londres. A oportunidade desenvolve exclusivamente projetos de iluminação para atender as de estudar um tema completamente desconhecido foi o que me expectativas levantadas por projetos de arquitetura, as demandas aliciou para integrar este curso. Tinha já formação na área do de clientes ou específicas para as necessidades urbanas. L U M E ARQUITETURA Lume Arquitetura: Como a iluminação é de atuação neste mercado, em cresci- pode estar cometendo erros nos primeiros considerada em Portugal, sob o ponto de mento pelo mundo, tem levado alguns passos de uma formação profissional mais vista dos profissionais e de projetos. Há arquitetos graduados há algum tempo ou continuada. A respeito dos workshops da alguma entidade que concentre os inte- recém-formados, a fazerem cursos fora do ELDA [Associação Européia de Lighting resses de profissionais e/ou as empresas País. Para quem está em Portugal, cursos Designers, hoje denominada PLDA, Pro- do ramo? promovidos pelas associações de lighting fessional Lighting Design Association], Maria João: Não existe uma associação designers na Europa não seriam uma nenhum português até agora freqüentou de profissionais de design de iluminação opção viável? Ou a falta de interesse na qualquer um deles, possivelmente pela em Portugal. O que existe é uma associa- área está diretamente ligada a falta de va- falta de informação. Em 2005 estive como ção que reune fabricantes e distribuidores lorização do projeto de iluminação, como palestrante em um workshop da ELDA, e de produtos de iluminação. Isso se deve elemento indispensável da arquitetura? nenhum estudante português participou. ao fato de não existirem lighting designers Neste momento os grandes proble- independentes de interesses comerciais, mas em Portugal são os distribuidores e para criar uma associação. O que eventualmente existe são profissionais que não exercem de forma independente esta Os arquitetos portugueses ainda fabricantes que se intitulam profissionais não perceberam a importância do cliente, qualquer exigência com relação atividade. Nós, atualmente, temos a Lightmotif como única empresa de design de iluminação que trabalha exclusivamente os conceitos de design de iluminação, não associado a nenhum fabricante, a nenhum distribuidor, nem a nenhuma instituição privada ou pública. Sou a única lighting designer membro profissional da IALD em toda a Península Ibérica! Isto revela bem o caminho a percorrer... Lume Arquitetura: Por que poucas pes- soas atuam como lighting designer em Portugal? Maria João: Primeiro, porque há um que fazem projetos, e não haver, por parte à capacitação do projetista e à qualidade e necessidade que um projeto de arquitetura exige nesta espe- do projeto. Os arquitetos portugueses, os paisagistas portugueses, ainda não perceberam a importância e necessidade cialidade que é a iluminação. que um projeto de arquitetura exige nesta Por isso é muito difícil criar uma ção. Quando isso acontece, passa a ser dinâmica que estimule os estudan- le os estudantes, que estimule uma nova tes, uma nova geração a aderir a uma especialização em lighting design. especialidade que é o design de iluminamuito difícil criar uma dinâmica que estimugeração a aderir a uma especialização em lighting design. E aí só há benefício para quem vende, distribuidor e fabricante. Eles são os grandes beneficiados da ignorância generalizada. Lume Arquitetura: O que você conhece problema de formação. Em Portugal não sobre o mercado brasileiro de ilumina- existe formação na área desta especialidade, portanto raras são as oportunidades Maria João: Em Portugal existiu um mes- ção? para que as pessoas percebam que esta trado de Desenho Urbano, que aconteceu Maria João: Muito pouco. O que conheço é uma especialidade para se desenvolver durante quatro anos consecutivos, de 2000 tem sido através de vocês. Aliás, lembro e exercer. Eu diria que esta é a razão a 2004. Uma disciplina que eu ministrava que no início da revista escrevi um e-mail, principal. Também o fato de não haver a ensinava iluminação urbana e ambiental, pois despertou minha admiração a Lume exigência de um especialista nesta área no âmbito deste mestrado. Essa foi a Arquitetura. Também conheço pessoal- para resolver os problemas de iluminação, primeira formação básica que existiu em mente de eventos internacionais, o lighting é um desestímulo para quem trabalha na nosso país. Depois disso também dei um designer Gilberto Franco, de São Paulo, e área pela falta de exigência que isso acaba único curso de 30 horas para arquitetos, Mônica Lobo e Inês Benévolo, do Rio de por gerar. Não existindo a exigência, não paisagistas, engenheiros e outros profis- Janeiro, que encontrei há dois anos nos existe a motivação de profissionais para sionais sobre conceitos fundamentais de EUA. Também conheço uma jovem profis- se especializar nesta área. É um ciclo que iluminação. Hoje em dia o que recente- sional, Diana Joels, que atua em design de tem que ser quebrado. mente existe é um curso questionável na iluminação e que neste momento não está Faculdade de Arquitetura. Digo questio- no Brasil, está trabalhando em Barcelona. Lume Arquitetura: No Brasil há alguns nável, porque a meu ver, possui bases e Ela esteve na Lightmotif durante um mês, cursos de pós-graduação, e a perspectiva conceitos incertos, e que, eventualmente, ano passado, e participou de um workshop L U M E ARQUITETURA 7 da ELDA e no workshop que decorreu em vantagem, devido ao conhecimento dentro da iluminação, parece pouco, mas é em Torres Vedras, em Portugal, nos quais aprofundado de sua formação, e esta uma grande conquista. Consegui introduzir estive presente como palestrante. aproximação que o permitiu rapidamente o conceito de iluminação de monumentos assumir o papel como designer de ilumina- históricos, adotado como estratégia de Lume Arquitetura: E o que você acha ção, não especificamente neste contexto, iluminação para todo o centro histórico, do trabalho dos profissionais brasileiros mas nesta forma de ver e nesta forma de permitindo assim integrar o conceito de e do mercado que você pôde vislumbrar estar. iluminação urbana e ambiental. Aprovei- através da nossa revista? O conceito resultou do fato de não tando a exigência de intervir em centros Maria João: Eu acho que há de tudo um concordar com a separação, que sempre históricos classificados como Patrimônio pouco. Ou seja, há muitos projetos que se faz, entre a iluminação pública e a Mundial, o conceito foi melhor assimilado focam mais a instalação, e que denun- iluminação de monumentos! A imagem permitindo, assim, iniciar este processo. ciam uma dependência com fabricantes da cidade só pode ser verdadeiramente Consegui implantar o conceito “programa e há trabalhos mais profissionais, feitos encarada quando consideramos o espaço de iluminação”, um termo meigo, mas realmente por designers de iluminação. Há muito defensável e fácil de ser aceito muita coisa, pois o país é muito grande e como uma primeira fase, em termos de minha informação é feita a uma distância considerável. Não seria justo eu fazer grandes dissertações sobre o assunto. A imagem da cidade só pode ser iluminação de um sítio histórico. Hoje em verdadeiramente encarada quando dar um ar mais importante à questão. Eu Mas eu fiquei muito impressionada pela quantidade de trabalho já desenvolvido e acho que vocês estão muito à frente de nós, anos-luz. Lume Arquitetura: Gostaríamos de tratar de uma de suas especialidades agora. O que propõem os conceitos da Iluminação Urbana e Ambiental? É um conceito seu? acho mais honesto a palavra “programa” consideramos o espaço urbano como um todo, como um master visual piece, produto de uma para um centro histórico. Sendo que este programa deve, sim, fazer parte de um plano de preservação, de um plano de pormenor, de um plano de intervenção com vários outros componentes. ser construída de acordo com seu em Portugal alguns programas de ilumi- E, efetivamente, consegui desenvolver nação para centros históricos, dos quais próprio potencial urbano. para pesquisar a minha forma de estar na muitos foram aprovados pelas respectivas prefeituras (Évora, Sintra, Arraiolos), mas iluminação em espaços públicos. Portanto que só um conseguiu realizar o conjunto define abordagem e a minha forma de ver urbano como um todo, como um master de projetos significativos ao fim de 10 anos e de produzir visualmente em determinado visual piece, produto de uma intervenção de trabalho! Depois dessas experiências, espaço, a cidade. Define minha cultura de global e integrada a ser construída de fui convidada, pelo arquiteto e lighting iluminação. É um termo que sintetiza todo acordo com o próprio potencial urbano designer mexicano Gustavo Avilés, para um hábito projetual. Pela minha formação traduzido pelas relações axiais do siste- concorrermos e depois realizarmos – uma como arquiteta, o termo sintetiza o fato de ma onde a atividade comercial, social e vez que vencemos a concorrência – o que a cidade tem que ser vista como um política se desenvolve e manifesta. plano de iluminação para a cidade de San todo, como um sistema em que os projetos Luis Potosí, no México, cujo projeto foi feito arquitetônicos não podem ser dissociados Lume Arquitetura: Você conseguiu em e instalado. O projeto de San Luis Potosí dos espaços em que se inserem. algum espaço urbano colocar em prática revela, para mim, a maturidade de percur- esta sua tese de mestrado? so, porque me permitiu exercer durante um objetos arquitetônicos da cidade, que é um Maria João: Com o tempo eu consegui período muito curto, algo que em Portugal sistema complexo, um sistema dinâmico, várias coisas. Numa primeira fase, o inte- não tem sido possível, devido a demora da de três dimensões. É um sistema que tem ressante é que ninguém tinha noção do execução dos projetos. No caso de San hierarquia, que tem proporção, que tem que era design de iluminação. Ou seja, Luis Potosí, o nítido interesse da câmara uma escala. Todas estas lições só são pos- conceitualmente, defender projetos de e do próprio governador em colocar San síveis de serem entendidas e revogadas iluminação de edifícios, como se a praça Luis Potosí no cenário mundial levou o por um arquiteto. O arquiteto está sempre ou o entorno também fizesse parte da área projeto adiante. Fazer este trabalho, que Há a necessidade de contextualizar os 8 para classificar a estratégia de iluminação intervenção global e integrada a Maria João: Este conceito, com a minha tese de doutorado, foi o termo que criei dia, as pessoas chamam de “plano” para L U M E ARQUITETURA L U M E ARQUITETURA 9 eu adorei, é um bom exemplo de viabi- continuaremos a detectar o nosso espaço nas cidades potenciando a sua identida- lidade e realização de um programa em público como se fosse um tabuleiro em de, a sua imagem a sua história urbana. pouco tempo, e com empenho de tanta que tem haver uma necessidade X para gente. Foi um exemplo que superou um uma necessidade Y, necessidade esta Lume Arquitetura: Ao iluminar um problema comum a estes programas, que é do carro, uma vez é do pedestre, monumento e seu entorno, corre-se o geralmente atrelados a decisões políticas, para o entendimento de quem conduz e risco de frustrar aqueles que buscam o e que normalmente demandam tempo não para o entendimento de quem usufrui destaque singular pela luz, especialmente para serem consolidados. ou se apropria do espaço urbano. Tudo governantes eleitoreiros. Sem o desta- isso são conceitos. que, a opção será apenas pelo caráter Lume Arquitetura: Como a Iluminação 10 ambiental? Urbana e Ambiental pode agir como ins- Lume Arquitetura: Então qual seria a Maria João: Normalmente os clientes trumento modelador do espaço urbano melhor forma de equacionar a ilumina- gostam de vivenciar luz pela quantidade, noturno? ção de uma cidade cosmopolita, onde pela exuberância, pela cor, pela intensi- Maria João: Tendo como base o sis- as exigências de iluminação consideram dade, porque acham que isso revela sua tema artificial da cidade, podemos e variáveis como segurança, visibilidade, capacidade, seu poder de intervir nesta devemos definir a iluminação através regulamentações...? cidade. Só que os eleitores também não destas relações espaciais que podem ser Maria João: Uma coisa é uma cidade são parvos. Começam a saber distinguir estudadas para cada cidade. Existe uma como São Paulo, por exemplo, uma entre o desnecessário excesso e a inteli- metodologia que permite fazer a análise grande cidade com grandes vias rápidas gência do subtil. do espaço público para que a iluminação e de circulação, que são elementos fun- possa aproveitar esta leitura para melhor damentais de ligação que encontramos Lume Arquitetura: Gostaríamos de saber “instalar” o espaço público. A iluminação nelas. E claro que estas vias são um sua opinião sobre um tema recorrente no pública, ou seja, de via pública, é ainda ponto crucial no entendimento de cidade, lighting design, que é a quem pertence muito métrica, completamente divorciada porque faz parte da escala desta cidade, esta atribuição... dos edifícios, e da arquitetura, de seu e essa quantidade é vista, é sentida e é Maria João: Acho que um lighting designer entorno e de seu uso, de relação espacial vivida. Quando tratamos das cidades da que tenha uma formação na área de arqui- e de hierarquia com a área urbana. Com Europa,este tipo de cidade não existe tetura está sempre em vantagem. Isto não tudo de abstrato que isso contém, esta nestes termos. Até mesmo Londres não quer dizer que outros não possam fazer o falta de entendimento da cidade provoca é assim, Paris não é assim. São cidades trabalho, de forma diferente certamente, desequilíbrios espaciais graves. que pertencem muito mais ao pedestre, como o cenógrafo tem o entendimento da Para modelar o espaço público é inseridas na escala do pedestre. Portanto cidade de uma maneira completamente preciso lidar com elementos contrários a há vários níveis de escala. Mas, indepen- diferente do arquiteto, ou o engenheiro isso tudo. Não é arranjar linhas métricas dente destes níveis, acho que o conceito que terá também um entendimento com- definidas em plantas, que nem duas é pertinente em ambas situações, res- pletamente diferente de um arquiteto. Não dimensões têm! Devem-se ver primeira- guardando suas diferenças. quer dizer que eles não possam fazer. mente as funções que tomem a cidade Também vale lembrar que as cidades Logicamente o arquiteto ganha vanta- como uma unidade, como um espaço crescem e têm núcleos mais consolida- gem na sua formação pelo entendimento onde há relações visuais e espaciais entre dos em termos arquitetônicos, portanto que ele tem da cidade, do que contém eles, para a iluminação se tornar clara ao em varias áreas de extensão há áreas esta cidade, pela proximidade que ele tem observador, ao tempo, ao desempenho, residenciais, comerciais, e cada uma em lidar com este contexto, por todo um a quem usufruir desse espaço. delas tem forma própria de ser vivida, conjunto de apreciação e conhecimento O grande choque cultural neste âm- de ser criada, tem sua hierarquia, sua que lhe é fácil adquirir sobre a cidade. En- bito é pensar em iluminação da cidade escala própria. Um plano de iluminação quanto para os outros, isso será sempre e não em iluminação pública. Quando não só identifica isso como encontra as uma dificuldade. Não se pode condenar métrica, e não vendo a cidade como uma funções para cada uma dessas áreas. isso, porque a formação das pessoas é unidade, é atribuição de um engenheiro Ou seja, a solução de uma área não é preciosa para o que elas são e para o que elétrico, que entende isso. Você tem que exatamente aceitável em outra área. Um elas fazem. A cada um deve se encontrar exigir das pessoas certas. A exigência plano identifica problemas e desenvolve a melhor forma de utilizar sua formação. tem que ser feita, porque, do contrário, soluções para a diversidade que existe L U M E ARQUITETURA