VALÉRIA MARIA PEREIRA ALVES DA SILVA O “ART NOUVEAU” EM BELÉM Escola de Engenharia de São Carlos - EESC Universidade de São Paulo São Carlos, 2005. ii VALÉRIA MARIA PEREIRA ALVES DA SILVA O “ART NOUVEAU” EM BELÉM Trabalho apresentado Engenharia de São Universidade de São à Escola Carlos Paulo, de da como requisitos para obtenção da creditação da disciplina Habitação, Metrópole e Modos de Vida, ministrada pelo o Prof. Dr. Marcelo Tramontano. Escola de Engenharia de São Carlos – EESC Universidade de São Paulo São Carlos, 2005. iii SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO 3 2 CRONOLOGIA DAS ÉPOCAS E DOS ESTILOS 7 3 O “ART NOUVEAU” EM BELÉM 8 3.1 PALACETE PINHO 21 3.2 PALACETE BOLONHA 22 3.3 PALACETE FACIOLA 25 3.4 PALACETE VICTOR MARIA DA SILVA 26 3.5 LOJA PARIS N’AMÉRIA 29 4 CONCLUSÃO 32 5 BIBLIOGRAFIA 33 iv LISTA DE FIGURAS Figura 1 – Ornamentos florais na cama............................................................................................... 11 Figura 2 - Mesa de bronze Figura 3 - Mesa de bronze ..................................................................................................................... 12 Figura 4 - Mesa de bronze Figura 5- Mesa de bronze ...................................................................................................................... 12 Figura 6 – Porta Retrato em Bronze..................................................................................................... 13 Figura 7 – Portas jóias em bronze........................................................................................................ 14 Figura 8– Peças em bronze................................................................................................................... 14 Figura 9 – Peças em bronze.................................................................................................................. 14 Figura 10 – Peças em bronze. .............................................................................................................. 15 Figura 11 – Peças em bronze. .............................................................................................................. 15 Figura 12 – Fivelas Figura 13- Peças de Toucador .............................................................................................................. 15 Figura 14 - Peças em prata. Figura 15 – Peças em prata. ................................................................................................................. 16 Figura 16 - Palacete Pinho antes de sua demolição quase que completa..................................... 21 Figura 17 - Palacete Bolonha ................................................................................................................ 22 Figura 18 Figura 19 - Painel de azulejo do Palacete Bolonha ........................................................................... 22 Figura 20 – Sala de banho do Palacete Bolonha ............................................................................... 23 Figura 21 – Mercado de Ferro do Ver-o-Peso .................................................................................... 24 Figura 22 – Bar do Parque..................................................................................................................... 24 Figura 23 – Palacete Faciola ................................................................................................................. 25 Figura 24 Figura 25 Figura 26 – Plafonier (Daum) do Palacete Faciola. ........................................................................... 26 Figura 27 – Brasão da Familia V.M.S. ................................................................................................. 26 Figura 28 – Figura executada por Boulanger Figura 29 – Figura executada por Boulanger...................................................................................... 27 Figura 30 Figura 31 Figura 32 – Painéis executados por Boulanger.................................................................................. 28 Figura 33 – Fidalgo Portugues do século XVII executado por Boulanger...................................... 28 Figura 34 Figura 35 – Marinha executados por Boulanger. ............................................................................... 28 Figura 36 Figura 37 – Flor de Chagas e Parreiras. Painéis executados por Boulanger. ............................... 29 Figura 30 – Fachada da Loja Paris n’ América................................................................................... 29 v Figura 31 – Lustre de bronze e cristal da Loja Paris n’América....................................................... 30 Figura 32 - Escada da Sala Principal da Loja Paris n’América ........................................................ 30 Figura 33 – Detalha da estatua em bronze.................................................................................31 Introdução 1 INTRODUÇÃO Após mais de meio século de Historicismo e de exasperado Ecletismo, a ultima década do século XIX assiste ao desenvolvimento, não só na Europa, de uma tendência modernista ligada a todas as manifestações artísticas – desde a arquitetura à arte aplicada, da pintura à ilustração, da escultura às artes gráficas publicitárias – que respira uma renovação total, reivindicando a definição de “novo” estilo. Embora se encontre com nomes em diversos países, é historicamente definido com a designação francesa Art Nouveau, que no nosso país, Brasil, é Arte Nova. A característica principal deste estilo e a linha, que tão depressa é lenta como rápida, com um andamento quase sempre assimétrico e envolvente, passando de frágeis motivos decorativos a elementos estruturais vigorosos. A decoração geralmente inspirada em motivos florais (campânulas, rosas, folhas e rebentos), ou do reino animal (borboletas, libélulas e galgos), não serve apenas para realçar a beleza de objetos e móveis, mas também como um meio para chegar à forma. A par desta Arte Nova exuberante existe uma versão feita de equilíbrio e de rigor elegante, caracterizada por uma decoração simples e por formas que se exprimem através de figuras geométricas elementares como quadrado, o círculo e o retângulo, preferindo as superfícies planas às esculpidas, as linhas verticais às sinuosas. Cronologia das épocas e dos estilos 7 2 CRONOLOGIA DAS ÉPOCAS E DOS ESTILOS Tabela 1 – Cronologia das épocas e dos estilos. 1450 FRANÇA Gótico Internac 1500 Renascimento ESPANHA Barroco Barroco Barroco Regência Barroco Barroco Isabelino Jacobino Stuart Rococó 1760 Luis XV 1780 Directório 1800 1820 1840 1860 Império Restauração Luis Filipe Ecletismo Império Restauração Albertino Ecletismo Império Isabelino Ecletismo Ecletismo 1880 1900 Arte Nova Floreale Arte Jovem 1920 Movimento Moderno Art Déco e Racionalismo Estilo Internacional Movimento Moderno Art Déco e Racionalismo Estilo Internacional Movimento Moderno Art Déco e Racionalismo Estilo Internacional Rococó Chip Pen Dale Rococó Rococó Chip Pen Dale Neoclássico Neoclássico Neoclássico Império Biedermeier Historicismo Historicismo Regência Jugendstil Fonte: Livro Guia de Historia do Mobiliário E.U.A Colonial Primitivo Georginano Primitivo Rococó ou Barocchetto Rococó e Neoclássico Neoclássico 1960 INGLATERRA Gótico Tudor Mudéjar Barroco 1740 1840 ALEMANHA Gótico Internac Renascimento 1550 1600 1625 1650 1675 1700 1720 ITÁLIA Renascimento e Maneirismo Movimento Moderno Art Déco e Racionalismo Estilo Internacional Vitoriano Historicismo, Arts and Crafts e Movimento Estético Liberty Liberty Movimento Moderno Art Déco e Racionalismo Estilo Internacional Barroco Barroco Holandês Colonial Georginano Primitivo Chip Pen Dale Federal Primitivo Federal Tardo Ecletismo Ecletismo Movimento Moderno Movimento Moderno Art Déco e Racionalismo Estilo Internacional O Art Nouveau em Belém 8 3 O “ART NOUVEAU” EM BELÉM A Revolução Industrial propiciou o desenvolvimento econômico do mundo contemporâneo, mudando qualitativamente os processos produtivos e, entre outras coisas, provocando o aparecimento da grande industria, a expansão do comercio mundial, o surgimento da burguesia industrial, de novas doutrinas sociais e econômicas, de rivalidades mais profundas entre nações etc. Assim, o poder econômico e social deixou de pertencer somente ao circulo do capital mercantil e seus dominadores passando, agora, a outras classes, isto é, a todos os que fizessem fortuna, independentes, portanto de sua origem, de seu nascimento. Sob esse clima de poderio econômico, a efêmera sociedade burguesa dos fins do século XIX, já refinada culturalmente, eufórica e despreocupada em si mesma, necessitou de uma arte que refletisse essa euforia ilusória, provocada pela relativa paz social e pelo avanço da tecnologia, e que satisfizesse ás suas exigências praticas e “culturais. Daí esse final de século ser marcado pelo aparecimento de um novo, elegante e refinado estilo, coerente sobretudo com modus vivendi dessa sociedade e que se liga, fundamentalmente, à arte decorativa, quer seja interior ou exterior. Os artistas, sentindo que o vertiginoso desenvolvimento industrial facilitava a produção de obras em série, procuraram, através de uma herança de origem romântica criar, uma forma artística – O Art Nouveau, forma espontânea e original, que também satisfizesses á sua criação individual, ao seu desejo pessoal, afastando-se inclusive do modernismo, num esforço O Art Nouveau em Belém 9 indiscutível de renovação, e que fosse adaptada aso novos materiais impostos pelo desenvolvimentos tecnológico. Sofrendo, como se sabe, a influência dos pré-rafaelistas, do simbolismo, e revelando certo gosto pela japonaiserie, (esta, também descoberta na época pela Europa e Estados Unidos) a origem e os postulados estéticos do Art Nouveau prendem-se a vários países, de onde a variedade terminológica com que esse estilo é conhecido. Na Inglaterra recebe o nome de Modern Style; na Alemanha, Jugesdstil, tirado da revista Jugend, que o propagou; na França o já mencionado Art Nouveau, que é talvez, o mais difundido e o que se fixou no Brasil; na Itália, Style Liberty, ou Stile Nuovo; nos Estados Unidos, Style Tyffani, homenagem prestada ao seu principal representante nesse país, Louis Comfort Tyffani, na Espanha, Modernista, Arte Jovem ou Stile Gaudí, também homenagem a Antônio Gaudí, inovador r divulgador do estilo no começo do século. Vale ressaltar que, afora esses nomes, o movimentos artístico em referencia é conhecido, ainda, por outras denominações, as quais penetram na linguagem corrente por um processo de derivação conforme esclarece Chapigneulle1.Além disso essa nova estética é já de si bastante diversificada, assumindo características próprias de acordo com o país a que esteja vinculada. 1 CHAMPIGNEULLE, B.A. Art Nouveau. São Paulo. Verbo, ed. Da Universidade de São Paulo, 1976. p.10 ( Trad. Maria Jorge Couto Viana). O Art Nouveau em Belém 10 A influência mais direta, porque mais próxima talvez, foi a da arte utilitária de William Morris, escritor, poeta, pintor r desenhador inglês2. Sua arte, com razão assim denominada, explorava a arquitetura doméstica e a decoração interior, de caracter artesanal, pretendendo substituir tudo aquilo que se relacionasse á fria objetividade da maquina por objetos artísticos, isto é, por utilidades feitas com arte, ao contrario, fundamentalmente subjetiva, em que, o artista, com simplicidade, aliado o belo ao útil, adaptasse de maneira harmoniosa matéria e espirito. Seguindo esse método, ao compor seus trabalhos, os novos artistas utilizavam a própria natureza como a mais importante fonte de inspiração – vista não pela ótica impressionista3, que tentava captá-la a partir das sensações luminosas momentâneas que o mundo exterior despertasse na visão dos homens – mas pela ótica cientifica, para em seguida deformar essa própria natureza, isto é, transformá-la, estetizando-a nas mais variadas formas, mesmo obedecendo ás exigências do mercado financeiro e às encomendas particulares e oficiais, que punham, de certa forma, um obstáculo, um freio, à sua imaginação criadora. O aproveitamento temático da natureza é feito de maneira especial. Os artistas misturam a flora e a fauna aquática e terrestre para que ambas, fundidas e confundidas, produzam certos efeitos expressivos, tais como a mobilidade, a flexibilidade, a fragilidade etc., conforme o que aqueles 2 JANSON, H. W. História da Arte; Panorama das Artes Plásticas e da Arquitetura da Pré História à Atualidade. Lisboa. Fundação Calouste Gulberkian, 1979. P. 612-613. ( Trad. J. A. Ferreira de Almeida e de Maria Manuela Rocheta Santos). 3 CHAMPIGNEULLE, B.A. Art Nouveau. São Paulo. Verbo, ed. Da Universidade de São Paulo, 1976. p.32 ( Trad. Maria Jorge Couto Viana). O Art Nouveau em Belém 11 pretendam evidenciar. Assim, árvores de pequeno ou grande porte como o Castanheiro, com suas folhagens e suas flores de formas anatômicas femininas, a papoula, a íris, o lírio, ou ainda caules, trepadeiras, dormideiras, musgos etc., ou mesmo a vegetação marinha com sua enorme variedade de algas, de nenúfares, estes aproveitados por suas belíssimas e amplas flores e folhas, tudo isso constitui os motivos ornamentais. Por outro lado, as aves, como o avestruz, o cisne, o pavão, os patos selvagens, os falcões etc., ou animais aquáticos em especial os peixes, ou ainda os repteis como os lagartos e certos tipos de cobras, ou mesmo os anfíbios como os sapos, rãs, salamandras, e os insetos como as libélulas e as borboletas, são também aproveitados por seus coloridos, suas sinuosidade e seus caracteres ornamentais. Figura 1 – Ornamentos florais na cama. Fonte: Livro O Art Nouveau em Belém. Coleção de Helena Matos e Boulhosa O Art Nouveau em Belém 12 Figura 2 - Mesa de bronze Fonte: Livro O Art Nouveau em Belém. Coleção de Helena Matos e Boulhosa Figura 3 - Mesa de bronze Fonte: Livro O Art Nouveau em Belém. Coleção de Helena Matos e Boulhosa Figura 4 - Mesa de bronze Fonte: Livro O Art Nouveau em Belém. Coleção de Helena Matos e Boulhosa Figura 5- Mesa de bronze Fonte: Livro O Art Nouveau em Belém Coleção de Célia Bassalo O Art Nouveau em Belém 13 Todos esses elementos conjugados associam-se em particular com as figuras femininas, constituindo este um dos pontos relevantes do Art Nouveau. As mulheres e as flores são tematizadas e estetizadas nas mais diversas composições e, quando se combinam, estas servem para realçar a graça, a leveza, a suavidade e o sensualismo descontraído daquelas, em que os vestidos compridos, finos transparentes, e os longos cabelos, modelam e acompanham as linhas e os volumes dos corpos, numa elegância diferente da provocada pelos antigos e duros espartilhos. Encarando-se e descrevendo o fenômeno do Art Nouveau como um todo, independentemente, portanto, de influências sofridas e de suas origens e postulados estéticos, tem-se observado haver esse estilo deixando sua marca também no mobiliário, na ornamentação em ferro batido, na tipografia, na tapeçaria, nos tecidos, nos papeis de paredes, na ourivesaria, na cerâmica, sobretudo a porcelana, no vidro, especialmente o cristal. Em toda essa variedade de materiais e de trabalhos, porém, o traço característico do novo estilo dado pelos padrões lineares, pelas formas curvilíneas, ondeadas, sinuosas etc., assinalando a verdade que se evidencia e se afirma na época – o movimento. Figura 6 – Porta Retrato em Bronze. Fonte: Livro O Art Nouveau em Belém. Coleção de Helena Matos e Boulhosa O Art Nouveau em Belém 14 Figura 7 – Portas jóias em bronze. Fonte: Livro O Art Nouveau em Belém. Coleção de Helena Matos e Boulhosa Figura 8– Peças em bronze. Fonte: Livro O Art Nouveau em Belém. Coleção de Helena Matos e Boulhosa Figura 9 – Peças em bronze. Fonte: Livro O Art Nouveau em Belém. Coleção de Helena Matos e Boulhosa O Art Nouveau em Belém 15 Figura 10 – Peças em bronze. Fonte: Livro O Art Nouveau em Belém. Coleção de Helena Matos e Boulhosa Figura 11 – Peças em bronze. Fonte: Livro O Art Nouveau em Belém. Coleção de Helena Matos e Boulhosa Figura 12 – Fivelas Fonte: Livro O Art Nouveau em Belém. Coleção de Helena Matos e Boulhosa Figura 13- Peças de Toucador Fonte: Livro O Art Nouveau em Belém Coleção de Célia Bassalo O Art Nouveau em Belém 16 Figura 14 - Peças em prata. Fonte: Livro O Art Nouveau em Belém Coleção de Célia Bassalo Figura 15 – Peças em prata. Fonte: Livro O Art Nouveau em Belém Coleção de Célia Bassalo Considerando um caso à parte na História da Arte, o fenômeno Art Nouveau tem despertado polemica entre os estudiosos do assunto, de vez que alguns deles tentam concebê-lo sob uma estratificação artística, considerandoo, pois, um estilo menor4. De qualquer modo, o estilo afirmou-se como um movimento estético e, equivocadamente foi tomado como vanguardista do final do século XIX e inicio do XX, estendendo-se para além da Europa e tornandose, pois, um fenômeno de caráter universal, numa época em que a elite social vivia sob o mesmo clima espiritual, condicionado pelo capitalismo industrial e, consequentemente, pela elegância da belle époque. Dessa época brilhante as artes em geral nos legaram nomes expressivos como Emille Gallé, Louis Majorelle, René Lalique, August e Antonin Daum, Antônio Gaudí, Henry Van de Velde, Gustav Klimt, e outros, os quais contribuíram para a divulgação desse fenômeno dentro e fora do continente europeu. 4 BASSALO, Célia Coelho. O “Art Nouveau” em Belém. Editora Grafisa. Belém, 1984. p. 8. O Art Nouveau em Belém 17 O Brasil também não escapou a essa influências e manifestações, embora, é claro, em menor escala, de vez que aqui elas representavam uma projeção do gosto burguês europeu. Na Amazônia, à altura da primeira metade do século XIX, a extração da borracha já constituía o pólo mais dinâmico da economia local. O extrativismo da hévea (borracha) recolocava, por assim disser a Amazônia na esfera do capitalismo mundial, definindo o papel a região como fornecedora, sobre tudo, dessa matéria-prima, na divisão internacional do trabalho. A economia da borracha tem sido o objeto de continuas estudos, tanto no plano da pesquisa econômica, como no da social5, representando, ainda, um campo de grande potencialidade para outros trabalhos, considerando-se, principalmente, a complexidade da dinâmica interna e externa própria do extrativismo do látex. Ressente-se a história social, entretanto de trabalho que procurem recuperar, em termos mais amplos, as diversas representações de que se serviu a ideologia do ciclo da borracha, entendida a ideologia como um conceito operacional no universo das ciências sociais. Assim, se de um lado percebe-se as formas de pensamento dominantes na Amazônia durante o período de mais expressão hévea (1870-1910), de outro constata-se a falta de levantamento e de tratamento científico sobre as tendências culturais e estéticas presentes na Amazônia nesse momento da historia regional. 5 SANTOS, Roberto Araújo do oliveira. História Econômica da Amazônia;1800-1920. São Paulo. TAQ, Editor, Ltda. 1980. O Art Nouveau em Belém 18 A borracha estabeleceu, sem dúvida, novas relações de dependência entre a Amazônia e os centros hegemônicos do capitalismo mundial, então representados principalmente pela grande industria européia e norteamericana. Na primeira metade do século XIX, essas relações de dependência se orientavam em função do capitalismo comercial, com influencias configuradas sobre a região, colocando Belém mais próxima de Lisboa do que do Rio de Janeiro ou de outros centros comerciais do país. Posteriormente, tais relações – agora com o capitalismo industrial – aproximavam Belém de Londres, Paris e Boston. Considerando-se que a subordinação se processou tanto no plano econômico, como no intelectual percebe-se que os componentes da ideologia presentes na Amazônia da borracha reproduziram em diversas instâncias, os níveis configurados da dependência estrutural da região àqueles centros hegemônicos do capitalismo industrial. Assim, o francesismo que dominou o panorama intelectual da Amazônia durante o referido ciclo, e que parecia buscar a construção de uma Paris tropical, surgira como uma projeção dessa sujeição econômica, estando implícita e explicitamente identificada com os interesses e com as predileções da classe dominante regional. A importância de padrões estéticos para a Amazônia da segunda metade do século XIX, desse modo, não refletiu, apenas, uma questão de gosto mas, antes, uma dada situação de dependência estrutural. A arquitetura – tão distanciada das necessidade ecológicas do trópico -, as concepções urbanismo e de paisagismo, os modismos, as tendências literárias e estéticas, chegam da Europa e preenchem as necessidades mundanas e intelectuais da elite regional que se nutre, sobre tudo, do comercio O Art Nouveau em Belém 19 de exportação da borracha dessa forma, a sociedade que se organizou nos dois maiores centros urbanos regionais (Belém e Manaus) em torno da goma elástica, operou, através de sua elite, a aproximação e a identificação, segundo a metodologia de história social de Pierre Bourdieu6, entre os campos econômicos e intelectual. A dependência econômica condicionava a dependência intelectual, permitindo e possibilitando o consumo de varias formas de representações das tendências literárias e estéticas dominantes na Europa fin de siècle7. A belle époque, enquanto materialização diversificada de uma estética de imediata aceitação por parte da burguesia européia, afigura-se como uma contradição dotada de peso especifico quando observada no mundo tropical da borracha. Primeiro, porque transplantava para uma cultura de padrões próprios elementos e valores contrastantes com os componentes básicos de nossa organização cultural esta alicerçada em função das necessidades e dos condicionamentos do homem regional; segundo, porque tais representações estéticas eram inerentes a um estágio cultural vivido pela Europa – a construção do mundo burguês sobre os pilares da industrialização – alheio a uma Amazônia exportadora de matérias-primas, e na qual não estavam presentes a razão e a visão de mundo da classe média européia em expansão. Em outras palavras, a importância do gosto burguês europeu para a Amazônia da borracha caía no artificial e no superficial, pois não havia correspondência 6 BOURDIEU, Pierre. A Economia das Formas Simbólicas. São Paulo, perspectiva. 1974. 361 p. (Introd. Org. e Seleção de Sérgio Miceli) 7 BASSALO, Célia Coelho. O “Art Nouveau” em Belém. Editora Grafisa. Belém, 1984. p. 10. O Art Nouveau em Belém 20 direta e clara entre o estágio de desenvolvimento social da região e as representações estéticas geradas pelo mundo burguês da Europa industrializada. O gosto da elite regional, cujos os membros eram educados na Europa, manteve atuante esse tipo de comportamento intelectual, reproduzindo, no trópico, as instancias de ideologia impostas pelas relações de dependência da Amazônia em relação ao capitalismo industrial. O teatro, a música, a literatura, as artes plásticas e decorativas, assim como as boas maneiras dimensionavam a visão do mundo dos seringalistas8(então seringueiros), dos grandes exportadores de borracha e dos prósperos comerciantes em geral. Dessa forma, Belém reflete esse estado de coisas. No plano residencial, por exemplo, avultam, entre outros, os Palacetes Pinho, Bolonha, Faciola, Montenegro, Virgilio Sampaio, Carlos Brício da Costa, além da casa de Victor Maria da Silva, casa essa de tão requintado bom gosto quanto aqueles, sobretudo no que diz respeito à decoração interior e exterior. Todos, embora guarnecidos com motivos e peças Art Nouveau não eram, entretanto, na sua estrutura orgânica, tipicamente, Art Nouveau, mas refletiam o Ecletismo então vigente, o qual se estendia, também, para as casas comerciais, como por exemplo o “Paris n’América” e para os próprios governadores. Para uma compreensão melhor de tudo o que já foi dito, será feito, superficialmente, uma apresentação de alguns costumes do Palacete Pinho, a absorção e emprego de padrões estéticos europeus por Francisco Bolonha, a 8 COELHO, Machado. “ Seringalista, Palavra Nova”. A Província do Pará. 02-07-1955. O Art Nouveau em Belém 21 sensibilidade artística de Antônio Faciola e de Victor Maria da Silva e, finalmente a visão intuitiva do comerciante Francisco de Castro. 3.1 PALACETE PINHO Figura 16 - Palacete Pinho antes de sua demolição quase que completa. Fonte: http://www.icam2004.org/upload/pap0178.pdf#search='palacete%20pinho' Em meados de 1897, o Comendador Antônio José de Pinho inaugurou o seu palacete residencial. Na inauguração desse solar a cidade assistiu a um de seus mais belos saraus, onde desfilou a moda parisiense e londrina, importadas com exclusividade para a elite elegante de Belém, tanto a feminina como a masculina. Em seus salões reuniram-se com freqüência orquestras, artistas nacionais e estrangeiros, para promover concertos de cravo e piano, grandemente concorridos. À moda da época, não faltaram também declamações, para não falar dos bailes e jantares suntuosos de que o Palacete foi palco, com suas mesas exibindo iguarias e bebidas do mais apurado gosto. Atualmente esta em plena reconstrução e restauração. O Art Nouveau em Belém 22 3.2 PALACETE BOLONHA Figura 17 - Palacete Bolonha Fonte: http:/www.fumbel.com.br/patrimonio3.htm Com falecimento, precoce, do herdeiro do Comendador e com a crise econômica sofrida com a queda da borracha no mercado internacional, o solar extinguiu-se espiritualmente e, por assim dizer, materialmente. Figura 18 e Figura 19 - Painel de azulejo do Palacete Bolonha Fonte: Livro O Art Nouveau em Belém O Art Nouveau em Belém 23 Figura 20 – Sala de banho do Palacete Bolonha Fonte: Livro O Art Nouveau em Belém Francisco Bolonha, em 1900 visitou Paris, de onde trouxe padrões estéticos lá vigentes. Chegando em Belém, empregou tanto nas construções feitas para o Governo do estado como para particulares o traço arquitetônico europeu. Adotou em Belém, como a quase generalidade dos construtores e estetas de seu tempo, os recursos decorativos do Art Nouveau, a começar por sua residência particular, o Palacete Bolonha, hoje transformado em uma repartição pública do Governo do Estado do Pará. O interior e o exterior do palacete são exemplos de variado aproveitamento desse estilo decorativo. Essa linha de decoração estendeu-se ás de mais construções de Bolonha, haja vista os dois Mercados de Ferro, destinados à venda de carne e de produtos do mar, situados no Ver-o-Peso e noa quais sobressaem, naquele, os gradis, as mãos francesas, as escadas em espiral, feitos em ferro forjado, ao azulejos. Além desses mercados ainda tem a construção do mercado de São Braz, em O Art Nouveau em Belém 24 vários quiosque, hoje demolidos em nome do “progresso” urbano, com exceção do “Bar do Parque”, quiosque localizado na praça da Republica, ponto de encontro dos boêmios. Além de ter feito o projeto de reservatórios de água em ferro, muitos hoje demolidos. Como se vê, as construções de Bolonha trazem a marca obrigatória desse elegante tipo de decoração. Figura 21 – Mercado de Ferro do Ver-o-Peso Fonte : http://www.cabano.com.br/Veropeso2.htm Figura 22 – Bar do Parque Fonte: http:/www.pa.gov.br/hostite/ciriodenazare/s_agenda_004.asp O Art Nouveau em Belém 25 3.3 PALACETE FACIOLA Destino oposto ao Palacete Pinho é o que se verificou no Palacete Faciola. Figura 23 – Palacete Faciola Fonte: http://www.oliberal.com.br/oliberal/interna/default.asp?modulo=248&codigo=32253 Ele foi, verdadeiramente, um museu, das mais variadas peças de arte. Nele encontraram-se uma enorme variedade de louças, vasos, lustres, plafoiniers, bronze, etc., assinados por Émille Gallé, August e Antonin Daum, A. Larroux, Félix, Charpentier, etc., artistas consagrados desta época que surgiram no mercado europeu e internacional9. Falando. Alias, sobre os objetos de arte e mobiliário do Palacete Faciola, escreveu-se Machado Coelho que tais objetos foram adquiridos em Paris e que, no final do século, um antiquário, iludido pelo porte, dinheiro e bom gosto do comprador, tomou-o por um príncipe russo, na época homens que reuniam essas três características apontadas pelo o vendedor de antigüidades. 9 BASSALO, Célia Coelho. O “Art Nouveau” em Belém. Editora Grafisa. Belém, 1984. p. 12. O Art Nouveau em Belém 26 Figura 24, Figura 25 e Figura 26 – Plafonier (Daum) do Palacete Faciola. Fonte: Livro O Art Nouveau em Belém. Hoje encontra-se em reconstrução e restauração, pois somente sua fachada se encontrava de pé. 3.4 PALACETE VICTOR MARIA DA SILVA Figura 27 – Brasão da Familia V.M.S. Fonte: Livro O Art Nouveau em Belém. Victor Maria da Silva, deixou em sua residência a marca dessa sensibilidade. Seu palacete guardava oito painéis de azulejos criados por A. Arnoux e feitos por Boulanger &Cie., além de um outro painel contendo o O Art Nouveau em Belém 27 brasão da família. As grades das janelas, as cantoneiras, que servem e ornamentam o pátio interno, os lustres, o portão de entrada são em ferro fundido, todos contendo características Art Nouveau. O revestimento das paredes e do forro da primeira saleta que compõe o hall de entrada, assim como o forro da varanda, é feito em folhas de Flandres, com relevo e motivos, também, Art Nouveau. Nessa mesma saleta há dois painéis do mesmo material, aplicados à direita e a á esquerda simbolizando duas estações do ano: Primavera e Outono. Figura 28 – Figura executada por Boulanger Figura 29 – Figura executada por Boulanger Fonte: Livro O Art Nouveau em Belém. Fonte: Livro O Art Nouveau em Belém. O Art Nouveau em Belém 28 Figura 30, Figura 31 e Figura 32 – Painéis executados por Boulanger. Fonte: Livro O Art Nouveau em Belém. Figura 33 – Fidalgo Portugues do século XVII executado por Boulanger. Fonte: Livro O Art Nouveau em Belém. Figura 34 e Figura 35 – Marinha executados por Boulanger. Fonte: Livro O Art Nouveau em Belém. O Art Nouveau em Belém 29 Figura 36 e Figura 37 – Flor de Chagas e Parreiras. Painéis executados por Boulanger. Fonte: Livro O Art Nouveau em Belém. 3.5 LOJA PARIS N’AMÉRIA Figura 38 – Fachada da Loja Paris n’ América Fonte: http://www.nautilus.com.br/~araujo/ferro/loja.htm O Art Nouveau em Belém 30 Figura 39 – Lustre de bronze e cristal da Loja Paris n’América Fonte: http://nautilus.com.br/~araujo/ferro/lustre.htm Figura 40 - Escada da Sala Principal da Loja Paris n’América Fonte: http://nautilus.com.br/~araujo/ferro/escada.htm O Art Nouveau em Belém 31 Figura 41 – Detalha da estatua em bronze Fonte: Livro O Art Nouveau em Belém Das casa comerciais, destacamos apenas uma, Paris n’América, loja de tecido e aviamentos, por ser a que melhor traduz as características desse estilo. Seu proprietário o prospero comerciante português Francisco de castro, importou de Paris o projeto de sua imponente casa comercial e ao mesmo tempo residencial. Seu interior é decorado sobre tudo por uma escadaria monumental, feita em ferro fundido e ela foi importada da Europa. Além da escada a loja possui uma decoração requintada importada, principalmente, da França. Conclusão 32 4 CONCLUSÃO A existência da burguesia que gravitava em torno da exportação da borracha, criou na Amazônia um tipo de comportamento social que, sob certos aspectos, pode ser identificado com o que se verificou em são Paulo em relação a “nobreza do café”. Em ambos os casos , o rápido enriquecimento da elites locais possibilitou a importação e o cultivo da padrões estéticos da Europa, muitos dos quais dominantes na sociedade e, mesmo, na cultura brasileira regional. A intensidade com que a elite da Amazônia cultivou as regras emanadas da belle époque, e mesmo os monumentos arquitetônicos, como também as demais representações estéticas peculiares à transição vivida no mundo contemporâneo (passagem do século XIX ao XX) não bastaram para esconder o artificialismo presente na adoção desses modelos pela elite regional. A superação histórica do extrativismo da borracha, com a conseqüência marginalizarão da Amazônia, provocou a queda dessa elite, e com ela, a estrutura simbólica que sustentava, de forma tênue, a “Paris” tropical. Dessa forma, as folias do látex deixaram marcantes impressões de melancolia. Da mesma maneira como a efêmera sociedade desse final de século foi, rigorosamente, marcada e sufocada pela proporia exaustão, o Art Nouveau ultimo e gracioso estilo, extinguiu-se prematuramente e não deixou “descendentes”. Bibliografia 33 5 BIBLIOGRAFIA BASSALO, Célia Coelho. O “Art Nouveau” em Belém. Editora Grafisa. Belém, 1984. 56 p. BOURDIEU, Pierre. A Economia das Formas Simbólicas. São Paulo, perspectiva. 1974. 361 p. (Introd. Org. e Seleção de Sérgio Miceli) CHAMPIGNEULLE, B.A. Art Nouveau. São Paulo. Verbo, Editora da Universidade de São Paulo, 1976. 309 p. (Trad. Maria Jorge Couto Viana). COELHO, Machado. “Os Gallé de Antônio Faciola”. A Província do Pará. 2902-1972, Série; Belém Artística, I. Belém-Pará. ________________. “ Vida, Morte e Ressurreição do Art Nouveau”. A Província do Pará. 07-03-1976, Série; Belém Artística, II. Belém-Pará. ________________. “ Seringalista, Palavra Nova”. A Província do Pará. 02-071955. JANSON, H. W. História da Arte; Panorama das Artes Plásticas e da Arquitetura da Pré História à Atualidade. Lisboa. Fundação Calouste Gulberkian, 1979. 766p. (Trad. J. A. Ferreira de Almeida e de Maria Manuela Rocheta Santos). SANTOS, Roberto Araújo do oliveira. História Econômica da Amazônia;18001920. São Paulo. TAQ, Editor, Ltda. 1980. 358