HISTÓRIA, NARRATIVA E MEMÓRIA: A PRÁTICA CULTURAL
EDUCATIVA NO BAIXO SÃO FRANCISCO
BARRETO, Raylane Andreza Dias Navarro – Unit
[email protected]
SANTOS, Maria Florência dos – Unit
[email protected]
SANTANA, Vivia Santos – Unit
[email protected]
FREITAS, Rosane Souza – Unit
[email protected]
Eixo Temático: História da Educação
Agência Financiadora: Não contou com financiamento
Resumo
O objetivo deste artigo é compreender alguns dos desdobramentos da educação
sergipana no que tange aos dispositivos encontrados pelas famílias para que seus filhos
fossem educados, bem como os métodos utilizados para que a educação fosse
ministrada no território do Baixo São Francisco em meados do século XX. Para tanto,
elegemos como objeto de estudo os modos como foi educada e de como educou de uma
professora do referido território. Essa professora teve sua educação iniciada no final dos
anos de 1930 e inicio dos anos de 1940 e imediatamente começou a lecionar.
Utilizando-se da metodologia da história oral e tendo como técnica a entrevista, foi
possível, através de sua narrativa, materializar as experiências vivenciadas pela mesma
e as subjetividades que ela traz sobre sua formação e sua atuação. Assim, este trabalho
nos revelou que os modos de educar variam e podem ser influenciados pelos
acontecimentos sociais da conjuntura histórica, e que a finalidade do ensino também
está atrelada à realidade vivida na época, ou seja, aos costumes, à cultura e as tradições,
bem como às condições materiais das famílias que podiam ou não oferecer aos seus
filhos uma educação escolarizada. Tais aspectos nos proporcionaram o conhecimento de
fatos sociais elucidativos no que tange a história de vida da entrevistada e
conseqüentemente de uma parte da história da educação de Sergipe.
Palavras-chave: Modos de educar. Professor. Sergipe.
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Introdução
No presente artigo abordaremos um dos subprojetos que está no bojo do projeto
guarda-chuva intitulado “Memória Oral da Educação Sergipana” da professora Raylane
Andreza Dias Navarro Barreto, que tem como objeto de estudo a memória oral de
educadores sergipanos e busca compreender como foram educados e os seus modos
próprios de educar. O projeto segue a divisão realizada, em 2008, pela SEPLAN Secretaria de Estado do Planejamento, Habitação e do Desenvolvimento Urbano de
Sergipe - que dividiu o Estado em oito territórios. São eles: Sul sergipano; Centro-Sul
sergipano; grande Aracaju; Agreste Central sergipano; leste sergipano, baixo São
Francisco sergipano; médio sertão sergipano, alto sertão sergipano. Nesse artigo temos
como foco principal o território do baixo São Francisco, especificamente as cidades de
Propriá e de Cedro do São João.
Com o objetivo de entender como ocorreram às práticas educativas e a cultura
escolar no referido território, elegemos como objeto de estudo a memória oral de Tereza
Brito Neto, uma professora aposentada, da cidade de Propriá, nascida em 1930. Para
tanto fizemos uso da metodologia da história oral. Esta é uma metodologia de pesquisa
que utiliza a hermenêutica que é o colocar-se no lugar do outro para compreendê-lo
melhor e livra-se de preconceitos. Segundo Alberti (2004) as áreas de pesquisa que
podem ser utilizados por este método são: história do cotidiano, história política,
padrões de socialização e de trajetórias, histórias de instituições, biografias, história de
experiências, registro de tradições culturais, história de memória, e é justamente neste
foco que iremos nos deter para compreender os modos de educar no Baixo São
Francisco.
Através do uso da metodologia da história oral pudemos tornar objetivo àquilo
que está no subjetivo da entrevistada, isto é possível através da memória, pois na
medida em que a pessoa fala e narra acontecimentos da sua época e da sua vida ela nos
permite conhecer a história, a partir da sua versão, da sua visão e do seu entendimento,
pois ela seleciona o que acredita ser mais importante, e que ficou guardado na memória.
A entrevista é o recurso pelo qual se desenvolve a historia oral, considerada um
método que tem como condutor o entrevistador e como figura destacada e valorizada a
pessoa entrevistada. Esta, escolhida pelo conhecimento que possui da sua época e, pelas
condições lúcidas da sua memória, de lembrar-se dos momentos cruciais que
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repercutiram em sua história de vida. Tal recurso diferencia-se de outros, na medida em
que é caracterizada pela narração dos fatos acontecidos no decorrer de tempos
anteriores, considerados como históricos e que compõem sua trajetória de vida. O
método de entrevista deve ser procedido de maneira minuciosa com muita atenção,
considerando os mínimos detalhes, exigindo dessa maneira um preparo teórico do
entrevistador muitas vezes, para que possa conduzir a entrevista da melhor forma
possível aproveitando-a ao máximo.
Analisar fatos através da historia oral nos permite estudá-los sem se tornar
necessário abranger ou distinguir as diferenças sociais que perpassa a sociedade,
dividindo-a entre aqueles que detêm meios de produção e aqueles que possuem apenas
sua força de trabalho. A história oral, no nosso caso proporcionará ainda a concretização
de matéria disponível sobre métodos aplicados outrora no que tange a educação, bem
como sua aplicabilidade. Seus resultados podem, por certo, tornar possível fazer um
comparativo com os modos de educar contemporâneos e obter conclusões críticas e
construtivas na perspectiva da atualidade.
A utilização deste método de pesquisa proporciona ao pesquisador um fascínio,
porque entra na vida do outro, revela fatos muito pessoais, envolvendo até o emocional
do outro, e para Alberti:
Umas das principais vantagens em historia oral deriva justamente do fascínio
pelo vivido. A experiência histórica do entrevistado torna o passado mais
concreto, sendo por isso, atraente na divulgação do conhecimento. Quando
bem aproveitada, a história oral tem, pois, um elevado potencial de
ensinamento passado, porque fascina com a experiência do outro.
(ALBERTI, 2010, p. 22)
A Escola como espaço de execução de práticas e construção de cultura
A escola é um ambiente onde se desenvolvem relações sociais entre professores
e alunos através do processo ensino-aprendizagem, e estas relações variam de uma
época para outra, porque podem sofrer influências da conjuntura histórica. Por isso cada
instituição escolar desenvolve uma forma e uma maneira especifica e própria para
transmitir os conhecimentos ordenados pelas normas e leis referentes à educação, em
outras palavras, cada escola e cada professor em particular adapta os conteúdos e o
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programa a ser seguido, desenvolvendo uma forma pessoal para transmiti-lo aos alunos.
Sobre essa cultura escolar que se forma no interior das escolas, esclarece Juliá:
[...] uma conjunto de normas que definem conhecimentos a ensinar e
condutas a inculcar, e um conjunto de práticas que permitem a transmissão
desses conhecimentos e a incorporação desses comportamentos podem variar
segundo as épocas (finalidades religiosas, sociopolíticas ou simplesmente de
socialização). Normas e práticas não podem ser analisadas sem levar em
conta o corpo profissional dos agentes que são chamados a obedecer a essas
ordens e, portanto, a utilizar dispositivos pedagógicos encarregados de
facilitar sua aplicação, a saber, os professores primários e os demais
professores (JULIÁ, 2001, p. 10-11).
Percebemos que a cultura escolar envolve as normas, as leis e tudo que estas
mandam cumprir no processo educativo, envolvendo as disciplinas, o currículo, o
conteúdo, dentre outros elementos e que a forma como é concretizada no cotidiano
escolar pode variar de uma instituição para outra, e pode até estar divorciada das
reformas escolares, haja vista determinados itens das reformas são impossíves de serem
executados em determinadas realidades. A cultura escolar envolve, pois, as leis e
também o que realmente ocorre na prática da sala de aula, sejam os métodos, as
técnicas, e tudo mais o professor realiza e também tudo que o aluno desenvolve no
ambiente escolar, a exemplo de suas brincadeiras, seus namoros (se existirem), suas
rixas, disputas e comemorações alusivas as datas do calendário oficial, que constituem a
cultura escolar, seja pelos hábitos culturais, pela tradição desenvolvida, pela historia que
perpassa a realidade vivenciada, dentre outras formas que contribuem para a
constituição dessa cultura.
Estudar as práticas escolares se faz importante na medida em que traz uma
retomada histórica de métodos que foram eficazes no ambiente escolar, para uma
determinada época e lugar. Portanto, para se entender a realidade vivenciada no espaço
do processo educativo, temos, necessariamente que considerar esta como resultado das
melhorias, ou não, conquistadas ao longo do tempo e que expressam e são reflexos da
cultura escolar de tempos passados.
É importante considerar a dificuldade em encontrar material disponível sobre os
métodos escolares aplicados em outras épocas, já que é difícil encontrar, nos arquivos,
documentos referentes a tais assuntos, mas podemos contar com os documentos oficiais,
registros em diários, cadernos escolares de alunos que se preocupavam em guardar
elementos da cultura material. Podemos, ainda, fazer uso da memória oral de
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determinadas pessoas que ajudam a desvelar determinadas realidades. Tais elementos
foram, por muito tempo, desconsiderados pela historiografia, mas graças a história
cultural, alavancada pelo movimento da escola dos analles da França, nos anos de 1930,
hoje podemos contar com várias fonte e novos objetos. Assim, ressaltamos a
importância deste trabalho, pois entrevistar professoras aposentadas com mais de 70
anos, apropriando-se dos métodos de como foram educadas e como educaram é uma
forma de resguardar fontes valiosas de informações acerca do desdobramento e do
desenvolvimento dos métodos da educação no Estado de Sergipe.
Assim sendo, estudar como foram desenvolvidas as práticas e a cultura escolar é
uma atividade que exige uma parceria entre entrevistador e entrevistado, na medida em
o primeiro deve ajudar o segundo a lembrar de episódios passados, e para isto o
pesquisador deve utilizar um roteiro que serve como auxílio na condução da entrevista,
pois as perguntas não podem ser fechadas e sim flexíveis.
Em se tratando da escola que é uma instituição social, ela atua juntamente com a
família no processo de formação e socialização do indivíduo. Sabendo disto,
procuramos entender como ocorre no cotidiano escolar esse processo, pois as práticas
realizadas e desenvolvidas na escola podem ser influenciadas pelos acontecimentos
sociais de uma época específica e na visão de Faria Filho e Vidal (2004, p.151)
[...] tais práticas produzidas pelos sujeitos no seu dia-a-dia escolar, também
os produzem. Essas práticas têm sido concebidas por muitos pesquisadores
(Carvalho, 1998; Faria Filho, 2000; Vago, 1999; Paulilo, 2002) como
maneiras de fazer peculiar dos sujeitos da escola e que ocorrem no interior do
cotidiano escolar. Mas esse lugar ocupado por eles não tem sido entendido
enquanto um lugar próprio e, sim, como um lugar onde desenvolvem táticas,
isto é, ações calcadas que são determinadas pela ausência de um próprio,
como convém Certeau (2000, p. 100), que tem sido citado por muitos desses
estudiosos das práticas escolares.
A escola vai além da simples reprodução de normas estabelecidas fora dela. Ao
considerar que “[...] André Chervel advogava a capacidade da escola em produzir uma
cultura específica, singular e original [...] (CHERVEL apud FARIA FILHO, 2004, p.
144), percebemos através dos relatos ouvidos que de fato a escola produz uma cultura
própria que representa um tempo e um lugar. Através das disciplinas, por exemplo, e
especificamente da forma como eram trabalhadas na sala de aula é possível conhecer os
métodos utilizados pelos professores para ensinar e transmitir uma educação formal,
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pois além desta existe a educação informal, que é adquirida e aprendida fora do
ambiente escolar.
Trajetória de Vida: uma abordagem com a professora Tereza Brito Neto
Analisar a trajetória da professora entrevistada se torna importante porque nos
proporciona conhecer sua história pessoal, e esta é quem vai caracterizar os seus modos
de educar. Para Oliveira:
A narrativa de si nos faz adentrar em territórios existenciais, em
representações, em significados construídos sobre várias dimensões da vida,
sobre os trajetos, sobre os processos formativos, sobre a docência e, sobre as
aprendizagens construídas a partir da experiência (OLIVEIRA, 2006, p. 51).
E é justamente nestes “territórios existenciais” que procuramos adentrar quando
utilizamos a narrativa por meio da memória, pois através desta, procuramos conhecer a
história segundo a visão de Tereza Brito Neto, e como ocorreu sua trajetória de vida
pessoal e profissional.
A professora Tereza Brito Neto nasceu no ano de 1930, é natural da cidade de
Própria, Estado de Sergipe, terra natal de seus pais: Idelbrando Lubambo de Brito
autônomo e político e Maria Adália Martins de Brito, dona de casa, que, prendada,
vendia seus bordados e costuras.
Os primeiros passos como estudante foram dados aos dez anos de idade, na
cidade de Própria com uma professora particular, como, alias lembra, era costume na
época. A professora Serafina Junquera a ensinou até o quarto ano do primário, mas
antes de ingressar na escola já sabia ler e escrever, pois aprendeu em casa com sua mãe
através do método da repetição e da junção das sílabas. Segunda ela: “Ela juntava as
sílabas “ba” assim hoje é “b” amanhã é “c”, e assim vai...” (BRITO NETO, 2011).
Com tal afirmação, pudemos conjecturar nossa primeira analise, qual seja, a
preocupação que a sua mãe tinha com a educação dos filhos, pois além de ser dona de
casa, de costurar e de bordar, ainda tinha tempo para ensinar as primeiras letras e
alfabetizar os filhos. - Seria essa uma prática comum da época e do lugar ou seria uma
prática de determinada classe econômica ou cultural? – O que sabemos é que sua
família tinha condições de arcar com as despesas escolares. Tereza Brito pertencia a
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uma classe privilegiada, pois sua mãe tinha escolaridade e seu pai tinha os recursos para
matriculá-la em curso particular, mas isso necessariamente está atrelado a uma posição
social ou a vontade de que seus filhos tenham uma Carreira? - as respostas ainda não
foram encontradas.
Em relação ao método pelo qual foi ensinada, a nossa primeira entrevistada
relata que sua professora era excelente e que estranha o fato de muitas vezes o aluno
achá-la exigente, pois no seu caso era diferente, pois não pensava dessa forma, achava
sua professora Serafina uma ótima pessoa. Sobre seu método nossa personagem afirma:
[...] ela fazia copia, ela fazia caligrafia, eu tinha uma caligrafia excelente, eu
acho isso, eu devo isso [a ela], ela fazia caligrafia demais e quando eu
cheguei no Colégio [em Recife] todo mundo admirou minha letra (BRITO,
2011).
Os modos de educar desenvolvidos pela sua professora do primário para
transmitir o conhecimento formal abrangiam atividades como lição e caligrafia, e estas
são táticas (CERTEAU, 1994) utilizadas para facilitar no processo ensino-aprendizagem
da criança, pois tais métodos eram necessários para aperfeiçoar a leitura e a grafia do
aluno nesta etapa da alfabetização.
Nossa personagem estudou no Colégio, mas não cursou seus quatro anos
completos, foram apenas 3º e o 4º anos, pois o conhecimento que adquiriu com a mãe a
fez galgar alguns degraus na cronologia do ensino. Sobre o ensinamento de sua mãe, ela
ressalta:
[...] ela contava muita história sabe, ai pegava um caderno, eu sempre gostei
muito de escrever, ai ela pagava um caderno fazia A, B, C, D ai para eu
repetir, número 1, 2, 3, 4, eu repetir aquele número (BRITO, 2011).
Logo após o término do primário ela foi morar em Recife na casa de parentes e
fora matriculada no Colégio das Damas da Instrução Cristã, uma instituição de ordem
francesa e que exigia a aprovação do aluno perante um exame de admissão aplicado
pelo colégio. Tereza se submeteu ao exame e passou entre uma das melhores
classificadas, no entanto ficou muito preocupada em ter que sair de Propriá e estudar em
outro Estado, onde suspeitava ela “o estudo era muito diferente”.
Contava então com 11 anos e estava em outra cidade, morava com a avó, os tios
e a tia em uma casa próxima ao colégio, depois o tio comprou uma casa distante do
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colégio e a tia preocupada e tendo muito cuidado com seus estudos e com sua ida ao
colégio distante, providenciou um pensionato perto do colégio da diretora que era sua
amiga. Embora a idéia a principio resolvesse o problema da distância não se revelou,
para os tios, seguros, haja vista eles providenciaram sua internação no próprio Colégio.
Este exclusivo para meninas, o qual era muito rigoroso, com uma educação bastante
rígida. Sobre o colégio, relata Tereza:
Ai [eu] só saia no final de semana, tinha bom comportamento não é? Existia
assim uma regra. Era um Colégio muito rigoroso, a educação era aquela
educação muito rígida. Você imagine no enxoval da gente, a gente fazia um
roupão para tomar banho com esse roupão, era horrível, tinha meninas, que
assim... eram filhas de usineiros, tinha meninas que na hora tiravam o roupão.
Você já pensou... você passar o sabonete..., era muito rigoroso, assim. Agora
eu amava meu colégio [...]. (BRITO, 2011).
Tal depoimento nos faz entender que a educação no colégio onde Tereza Brito
Neto estudou era bastante rigorosa e severa, e a finalidade era religiosa, pois instruía e
transmitia ao aluno uma educação baseada na moral e na ética da Igreja Católica,
segundo a qual o corpo não deveria ser maculado, pois o corpo é considerado o templo
da alma e do espírito, sem contar que eles evitavam que o corpo fosse descoberto para
que as adolescentes não fossem despertadas para os “pecados da carne”. E na época isto
era aceito e visto pela sociedade como um costume comum, e que tais preceitos
religiosos deveriam ser seguidos e tidos como maneiras corretas de agir. Daí então as
famílias tradicionais católicas queriam que seus descendentes também fossem herdeiros
da fé que os moviam.
O Colégio Dama da Instrução Cristã que oferecia todo o ginásio tinha um anexo
que recebeu o nome de Santo Inácio. Era neste espaço que o Colégio oferecia seus
cursos técnicos de Contabilidade e o Pedagógico, tendo nossa personagem optado pelo
curso de Contabilidade. Concluído o curso técnico, a diretora do Colégio convidou
Tereza para ensinar Português e Merceologia (ciência do comércio) no primeiro ano de
Contabilidade. Pouco tempo depois, a exemplo de uma colega freira, surgiu a
oportunidade de fazer vestibular. Ambas foram incentivadas pela Madre, diretora do
colégio. Tereza não queria se submeter à prova do vestibular, mas recebeu apoio de seu
pai que fora consultado, mesmo em Sergipe.
Sobre o período que antecedeu os exames ela lembra ter passado a comemoração
do carnaval estudando em Recife, trancada no colégio e segundo ela:
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[...] fiz o vestibular, fiz línguas neolatinas era francês português italiano,
espanhol e o latim. Latim infelizmente foi tirado, foi errado, devia ter
continuado. Ai fiz um ano todinho nesse Colégio, na Faculdade Católica não
é, Universidade Católica ai quando eu vim [para Sergipe][...] (BRITO, 2011).
Nessa época, em 1954, seu pai havia sofrido um acidente. O fato foi que um
fardo de materiais caiu em uma de suas pernas fazendo com que seus movimentos
fossem paralisados. Tereza, por isso, teve que voltar de Recife para sua terra natal. Seu
pai era vereador da cidade e por estar impedido de assumir suas funções queria que sua
primogênita assumisse sua vocação política. Mesmo receosa, pois “não entendia
absolutamente nada de política”, aderiu ao pedido do pai e filiou-se ao seu partido sendo
eleita a primeira vereadora da cidade de Propriá, chegando, inclusive, como presidente
da câmara a assumir a prefeitura da cidade quando o prefeito se ausentava.
É nesse momento que atentamos para um fato muito importante e que diz muito
de uma época e de um lugar. Ao analisar o fato de que ela se disse desconhecida pela
população por ter saído ainda criança da cidade e mesmo assim ter ganhado as eleições,
podemos vislumbrar como ocorriam as transmissões de poder e como se constituíam as
famílias de políticos. O caso é que ela, com 24 anos de idade, ganhou a eleição “com
uma margem de votos muito boa”, sendo a segunda mais voltada de Própria e a primeira
mulher vereadora do município. Isso revela o poder que esta família exercia na referida
cidade e a cultura, pois na época provavelmente quem detinha poderes econômicos
também exerciam influencias em vários aspectos da sociedade, neste caso em
específico, na política.
Foi na vereança que Tereza desistiu de voltar a Recife e conheceu seu marido.
Este, alagoano e membro da família Medeiros Neto. Seu tio, segundo ela era “referência
do cenário político, um deputado da época e que veio fazer o casamento”. Anos depois,
para sedimentar ainda mais seus pés na cidade de Propriá, chegou à cidade o Padre José
Gouveia Soares que a convidou para ensinar, na escola técnica que ele mesmo fundara.
Aceito o convite, a então Vereadora Professora ou Professora Vereadora ensinou em seu
primeiro ano a disciplina Direito, na qual encontrou bastante dificuldade porque não
havia estudado em seu curso.
Nesse momento ela ficou então se perguntando “- [...] como iria ensinar o que
não tinha conhecimento?”, foi quando o seu amigo e primo “Britinho”, pai do Ministro
do Supremo do Tribunal de Justiça, Carlos Ayres Brito, que era jurista deu-lhe alguns
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livros de Direito para que pudesse estudar e conseqüentemente ensinar a matéria.
Ensinou a matéria e logo depois foi convidada para lecionar Português no Colégio
Nossa Senhora das Graças, de propriedade das Freiras da cidade. Nesse ínterim o
Diretor do Colégio Diocesano faleceu assumindo o seu cargo a irmã de nossa
personagem que a contratou como professora de francês e português, idiomas que ela
tinha estudado na faculdade interrompida.
Sobre os modos de como foi educada e como educou
Ao comparar os modos como foi educada aos de como educou, Tereza destaca
que em suas aulas de português em Própria eram desenvolvidas atividades como cópia,
exercício de verbos, e quando foi ensinar exigia “muitos verbos dos meninos”, os quais
a indagavam o porquê de tanto verbo. Hoje lembra orgulhosa de um antigo aluno que se
formou advogado e agradece bastante a ela pelas aulas de verbos, as quais o ajudaram
muito.
Sua professora tinha como um de seus modos de educar, mandar leituras para
que a estudassem em casa e uma vez de volta ao colégio a lição era tomada pela
professora. Tal procedimento que, em tese, deveria se restringir aos muros da escola a
extrapolavam na medida em que, mesmo em casa, o aluno continuava estudando. Por
certo a professora Tereza Brito estudou por livros didáticos, se recordado vagamente de
alguns deles.
Em relação aos castigos, a professora Tereza diz que eles existiam, mas que em
seu caso especifico nunca os mereceu, pois dentre os principais motivos para que eles
fossem aplicados estavam o não feitio dos exercícios e o castigo era mandar o menino
escrever e reescrever várias vezes a lição preterida. Outro motivo para castigo era
conversar muito em sala de aula, segundo ela, existem crianças que ficam cansadas da
aula e chamavam as outras para brincar, o resultado do ato era ficar de pé, olhando para
ela e ouvindo, não podendo conversar e tendo que sair mais tarde que os outros alunos.
Afirma que não eram castigos rigorosos, que não eram castigos de bater, puxar orelha,
por exemplo.
Ressaltamos que os alunos desenvolvem uma cultura escolar, que é própria da
sua idade, tanto dentro da sala de aula, quanto no pátio do colégio, pois quando tentam
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sair da aula, por exemplo, para conversar com o(s) colega(s) ambos estão construindo
uma cultura própria.
[...] por cultura escolar é conveniente compreender também, quando isso é
possível, as culturas infantis (no sentido antropológico do termo), que se
desenvolvem nos pátios de recreio e o afastamento que apresentam em
relação às culturas familiares (JULIÁ, 2001:11).
Outro modo de educar era a “tomada de lição da tabuada” que se dava da
seguinte forma: o aluno que errava a pergunta da professora acabava levando uma
palmada do aluno que acertava a pergunta. Segundo a nossa personagem a professora
Serafina nunca a bateu de régua, em borá soubesse que essa prática existia em outros
colégios. Nesse colégio havia também brincadeiras no recreio, mas era limitada visto
que o prédio não tinha condições, tinha muitas escadas e era perigoso e a professora
tinha receio que alguém caísse. As brincadeiras se davam da seguinte forma: a
professora dizia: diga uma palavra com tal letra, o aluno ia até o quadro e escrevia ou
falava oralmente. Tal prática revela que mesmo no momento de divertimento
descontração e distração também se podia aprender, pois as brincadeiras tinha aspecto
lúdico e eram educativas. Brincadeiras de roda também foram lembradas.
Em 1986 se aposenta, mais não deixa o trabalho definitivamente, pois foi
contratada pelo Estado para assumir o cargo de Gerente do Centro Social Urbano de
Própria, devido às portarias que chegavam dos governos que assumiam o Estado a
Professora Tereza passou um bom tempo ainda trabalhando, ou seja, dez anos até
terminar seu contrato e aposentar-se efetivamente.
Conclusão
Além dos modos de educar, este trabalho nos revelou que tais modos variam e
podem ser influenciados pelos acontecimentos sociais da conjuntura histórica, e que a
finalidade do ensino também está atrelada a realidade vivida na época, ou seja, aos
costumes, a cultura e as tradições. Além disto, também nos proporcionou o
conhecimento de fatos sociais, que contribuíram para compreendermos a história de
vida da entrevistada e conseqüentemente de uma parte da história da educação de
Sergipe.
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Assim, a partir do conhecimento: de como viveu, de como foi educada, de como
educou, e das influências que recebeu da cultura local do território do baixo São
Francisco, especificamente da cidade de Propriá, e de como tais costumes sociais
repercutiram nos modos de educar da professora Tereza Brito Neto, pudemos apreender
algumas das práticas escolares de meados do século XX. De modo, que compreendemos
que a cultura escolar é constituída, para além das práticas escolares, que variam de uma
instituição para outra a depender da finalidade educacional e da conjuntura histórica e
cultural de uma época e de um lugar, dos atores que a desenvolvem e que a eternizam.
REFERÊNCIAS
ALBERTI, Verena. Manual de história oral. Rio de Janeiro; Editora FGV, 2005.
_______. Ouvir contar: textos em história oral. Rio de Janeiro; Editora FGV, 2004.
CERTEAU, Michel de. A Invenção do Cotidiano: 1.artes de fazer.ED. 6.ª Petrópolis,
RJ: vozes, 1994.
FARIA FILHO, Luciano Mendes de; GONÇALVES. Irlen Antônio PAULILO, André
Luiz; VIDAL, Diana Gonçalves. A cultura escolar como categoria de análise e como
campo de investigação na história da educação brasileira. Revista Educação e
pesquisa, São Paulo, v.30, n.1, p. 139-159, jan./abr. 2004.
JULIA, D. A cultura escolar como objeto histórico. Revista Brasileira de História da
Educação, Campinas, n. 1, p. 9-44, 2001.
OLIVEIRA, Valeska Fortes de. Implicar-se... Implicando com professores: tentando
produzir sentidos na investigação/formação. In: Autobiografias, histórias de vida e
formação: pesquisa e ensino. Porto Alegre: EDIPUCRS: EDUNEB, 2006
NETO, Tereza Brito. Relato oral sobre sua história de vida. Propriá, 08 jun. 2011.
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